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No capítulo CXL VII (148) da 1ª parte da Crónica de D.

João I,
Fernão Lopes faz uma descrição pormenorizada da falta de
mantimentos que aconteceu em Lisboa aquando do cerco da
cidade por parte dos Castelhanos. A fome levava muitos a tentar a
sua sorte fora das muralhas do cerco, afim de conseguirem
abastecer a cidade de trigo e dessa forma matarem a fome.
Embora ficassem pessoas a vigiar quem ia buscar o trigo e
tocassem o sino para que os portões se abrissem, o que acontecia
muitas vezes era que os corajosos eram descobertos pelos
Castelhanos, sendo o seu destino a morte. Mesmo que entrasse
algum trigo, este era tão pouco que havia necessidade de o
multiplicar, para que a fome não se alastrasse mais dentro da
cidade. Dada esta terrível situação, contra todos os instintos
humanos, começaram a colocar pessoas que não defendiam a
cidade para fora do cerco, com o intuito de pouparem
mantimentos para aqueles que efetivamente iriam defender a
cidade. Isto aconteceu duas ou três vezes até que decidiram
expulsar, também, as prostitutas e os judeus. No entanto, a
poupança não era muito significativa.
Na cidade já não havia trigo para vender e o que havia era pouco
e caro que os pobres não o podiam comprar. Tudo estava a preço
de ouro: o trigo, o milho e o vinho. Começaram, então, a comer
“pão de bagaço de azeitona”, ervas e outras coisas estranhas.
Onde se costumava vender trigo, andavam homens e mulher a
revirar a terra e se encontravam uma semana metiam-na na boca.
Homens e crianças eram encontrados mortos nas praças, inchados
de tanta água que bebiam. Também de carnes havia uma grande
falta, pois quem criava os animais não os vendia e se vendiam
eram os preços, mais uma vez, muito altos. Assim, não só os
pobres, mas todas as gentes da cidade com falta de dinheiro, não
comiam carnes e padeciam muito, enfraquecendo dia após dia. As
crianças pediam esmola nas ruas, como as suas mães lhes
ensinavam, mas já nem caridade existia, pois, a fome atingia toda
a população. Faltava o leite às mães que amamentavam,
aumentava o desespero e a dor daquelas pessoas ao verem os seus
amados filhos morrer.
Toda a cidade era carregada de tristeza. Alguns pelo que
padeciam, outros com dó dos atribulados. Porém quando os sinos
repicavam ninguém se mostrava fraco, mas sim rijo para defender
a sua amada Pátria.
Era evidente que as conversas eram todas acerca das necessidades
que passavam, não havia outro assunto. Rogava-se a Deus pela
melhoria do estado da cidade, mas as preces não eram cumpridas.
Muitas pessoas pediam a morte, para que dessa forma não
passassem por mais sofrimentos. Os pais viam os filhos morrer e
para além disso reinava o medo da vingança do rei de Castela.
Assim, a população passava por duas guerras: uma contra Castela
e outra contra a fome. Circulavam pela cidade falsos anúncios de
que o Mestre expulsaria todos aqueles que não tinham pão para
comer, aumentando o desespero na população.
Aquela fome não era proporcionada pela duração do cerco, mas
sim pela entrada de pessoas de muitas zonas e também da Frota
do Porto, que quando chegou, já escasseavam os alimentos.
Fernão Lopes acaba esta passagem, “Das tribulações que Lisboa
padecia per míngua de mantimentos” dizendo que Lisboa passava
por aflições e desfortúnios, mas deixa uma mensagem de
esperança para o leitor quando diz que a geração futura era bem-
aventurada, pois não teria conhecimento de tantos males e
padecimentos.

-Susana Silva, 10ºB, 21/01/2017

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