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CAP.

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Assunto do capítulo
Em Lisboa, os mantimentos esgotaram-se totalmente, sobretudo para os pobres, porque o
pouco trigo que existia era muito caro. Alguns enganavam a fome com ervas e água; nas ruas e
praças da cidade aparecem os cadáveres de homens e cachopos com as barrigas inchadas.
Faltava o leite às mães, que mais nada tinham que dar aos filhos senão as lágrimas que
choravam. Muitos maldizem o dia em que nasceram e pedem que a morte os leve depressa.
Está ainda presente o desabafo: oh, gente que depois veio, povo bem-aventurado, que não
soube parte de tantos males nem partilhou tão triste sofrimento.

RECURSOS EXPRESSIVOS

- Comparação:
. "... assi dos que se colherem dentro do termo de homees aldeãos com mulheres e
filhos, como dos que vierom na frota do Porto...";
. "... tamanho pão como uma noz...";
. "E assi como é natural cousa a mão ir amiúde onde sêe a dor, assi uns homees falando
com outros não podiam em al departir senão em na míngua que cada um padecia":
evidencia a necessidade de os habitantes de Lisboa lidarem com a sua dor, através do
diálogo com quem comungava do seu sofrimento, tal como a mão o faz através do
contacto físico, no caso de padecimentos dessa natureza;
. "... tanta diferença há de ouvir estas cousas àqueles que as então passaram, como há
da vida à morte?";
. mester de o multiplicar como fez Jesu Christo aos pães”: reforça o dramatismo, uma
vez que só um milagre poderia salvar a cidade.

- Metáforas:
. "rogavam a morte que os levasse";
. "cerravom suas orelhas do rumor do povo.";
. "padeciam duas grandes guerras" (…) sse defender da morte per duas guisas…”: os
habitantes de Lisboa enfrentam duas guerras – a guerra (o cerco) contra os
castelhanos e a fome resultante do cerco – que impedia que se defendessem quer da
morte, quer, por falta de forças, do inimigo;
. "ondas de tais aflições?";
. “Os padres e madres viam estalar de fome os filhos…”: explicita a desgraça das
crianças, tal como o que estala parte, morre, também as crianças morriam, privadas de
alimentos;
. “… andavom homees e moços esgaravatando a terra”: a metáfora evidencia o
desespero das pessoas por causa da fome. Tal como as galinhas esgaravatam a terra
em busca dos grãos de milho, também as pessoas, levadas pelo desespero da fome,
remexiam a terra como aquelas à procura de algum grão perdido.

- Apóstrofe: "Oh, geraçom que depois veio, povo bem-aventurado...".

- Hipérbole: "ondas de tais aflições!".

- Eufemismo: “Assim que rogavam a morte que os levasse…” – explicita o desejo de


morte, pois é preferível esta aos padecimentos que sofrem.

- Tempos verbais: pretérito perfeito e imperfeito.


PERSONAGENS

 O povo de Lisboa – personagem coletiva (sente e age como um só):


comportamentos e sentimentos diversificados, que evidenciam o agravamento da
miséria e do estado anímico:

- o medo da vingança do rei de Castela, caso a cidade caísse nas suas mães
- disponibilidade total, "quando repicavom os sinos";
- coragem: a procura empenhada de alimentos (as idas de homens ao Ribatejo e a sua
defesa por parte dos que esperavam), colocando a vida em risco
- defesa corajosa da cidade, ultrapassando a fraqueza humana e revelando um esforço
sobrenatural;
- luta pela sobrevivência, procurando comida de forma degradante e bebendo água até
à morte e pedindo esmola pela cidade;
- crueldade: a punição do traidor;
- pedido de ajuda a Deus, face à situação de desespero reinante;
¯
- população unida, solidária na desgraça, consciente no risco, sofre no presente e receia
o futuro, mas não desiste de lutar e tenciona resistir até ao fim;

Mestre de Avis – personagem individual:


- governante responsável, infortunado e ativo;
- solidário com o seu povo;
- sofre e resiste com ele;
- sentimentos:
. dor, motivada pelo conhecimento da situação de carência que o povo vive;
. impotência e incapacidade de resolver ou atenuar a gravidade da situação ("veendo
estes males a que acorrer nom podia.") e as dificuldades da população;
. sofrimento graças à incapacidade de socorrer a população;
- atos: o Mestre e os do seu Conselho fecham os ouvidos "ao rumor do poboo", não por
indiferença ou hostilidade, mas porque lhes eram dolorosas "douvir taaes novas (...) a
que acorrer nom podiam";
- assume comportamentos de emergência face à situação extrema que a cidade vive,
nomeadamente a expulsão dos que não têm mantimentos para se alimentar, uma
forma difícil de atenuar o sofrimento da restante população.

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