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João I'
🔺 Título: sintetiza o conteúdo temático do capítulo:
- os factos ocorridos durante o cerco a Lisboa (a falta de mantimentos dos sitiados);
- as consequências psicológicas e sociais decorrentes desses factos (o sofrimento da população).
🔺 Estrutura interna
🔼Introdução (do início até "vieram na frota do Porto."): Cerco da cidade → fome → escassez de mantimentos,
motivado pela quantidade de pessoas existentes na cidade.
Os mantimentos existentes na cidade gastam-se cada vez mais depressa, tornando-se
escassos, devido ao facto de o número de habitantes da cidade aumentar cada vez mais, porque a
ela se recolheu muita gente (lá estavam os habitantes de Lisboa, pessoas que vieram dos arredores,
famílias inteiras e os que vieram numa frota do Porto para socorrer a capital).
1.1. Procura de trigo no Ribatejo (desde "E alguns..." até "... cinco mil homens.").
a) Motivos da procura:
- o cerco à cidade;
- a presença de muita gente na cidade;
- a falta de alimentos.
Durante a noite, os sitiados embarcam em batéis e vão buscar trigo ao Ribatejo para
abastecer a cidade, correndo enorme perigo, pois são atacados pelos castelhanos. Sempre que os
sinos repicam e tocam a rebate, a população vai em socorro das galés. Esta recolha de mantimentos
obedece, aparentemente, a um plano prévio, dado que parece existir uma partilha de tarefas e
funções distribuídas: há aqueles que vão recolher mantimentos que já estavam prontos (“… ali
carregavom de trigo que já achavom prestes, per recados que ante mandavom…”), através do Rio
Tejo; há sinais combinados para alertar para os perigos, nomeadamente os decorrentes da presença
dos castelhanos, etc.: “ali carregavom”; “Os que esperavam…”; “… repicavom logo por lhe
acorrerem.”; “… aguardando quando veesse, e os que velavom, se viiam as galees remar contra lá,
repicavom logo por lhe acorrerem…”.
Apenas uma vez os galés foram tomadas, graças à denúncia de um “homem natural
d’Almadãa”, cujo castigo pela traição foi terrível: “el foi depois tomado e preso e arrastado, e
decepado e enforcado.” (enumeração, polissíndeto e gradação).
No entanto, o trigo é tão pouco e raro que não supre as necessidades (atente-se na
comparação com o milagre da multiplicação dos pães).
1.2. Expulsão da cidade da gente incapaz, fraca e pobre [("não pertencentes pera defensão", prostitutas,
judeus") – desde "Em esto gastou-se..." até "... mester sobrelo conselho."].
b) Motivos:
- não podiam lutar / não podiam contribuir para a defesa da cidade;
- consumiam os mantimentos aos defensores.
Inicialmente, os castelhanos recebem bem as pessoas expulsas da cidade, mas, quando
percebem que Lisboa beneficia com isso, dado que haveria menos pessoas para alimentar, mandam-
nas regressar.
Todos os que se recusassem a partir seriam açoitados e obrigados a retornar para a cidade.
O seu desespero é total, pois certamente não seriam acolhidos de volta, nomeadamente aqueles
que tinham saído voluntariamente, já que preferiam ser prisioneiros dos castelhanos do que morrer
à fome.
d) O Mestre ordena que se faça o levantamento do pão existente em Lisboa, tendo-se concluído que é
muito escasso.
2) Fome da população: carência de pão e carne (desde "Na cidade não havia trigo..." até "...tam
presentes tinham?").
De facto, apesar de famintos e extenuados, são solidários uns com os outros e corajosos
contra os castelhanos, continuando a manifestar uma identidade coletiva que os une num propósito
comum.
Mais uma vez, a cidade é apresentada como uma personagem coletiva, um ser só: “Toda a
cidade era dada a nojo” (isto é, toda a cidade sofria, tanto os pobres como os ricos – “grandes
pessoas da cidade”). Assim, Lisboa é apresentada como um grande corpo coletivo que sofre.
4) Fome e desespero – Tentativas infrutíferas de ultrapassar a situação (desde "Oh quantas vezes..." até
"... podia obrar."): recurso a Deus:
- missas;
- preces.
A população reza, devota e desesperadamente, pedindo a Deus que a ajude, mas, vendo
que as suas preces não são atendidas e que a sua dor é cada vez maior, chega a pedir a morte.
o Mestre e os seus, sabendo que nada podem fazer, sentem-se impotentes e ignoram os
lamentos da população.
Neste passo, aparentemente Fernão Lopes critica a ação de D. João e do seu Conselho,
dado que “çarravom suas orelhas do rumor do poboo”, parecendo assim o cronista cumprir a
imparcialidade e a neutralidade enunciadas no “Prólogo” à crónica.
6) O desespero da população (desde “Como nom quereis…” até “… per duas guisas.”) – dois inimigos: a
fome e o rei de Castela levam ao desejo de morte.
7) Tentativa de superar a fome: corre o boato de que o Mestre irá expulsar da cidade todos os que não
tenham alimentos, o que intensifica o desespero das pessoas, transformado em alívio ao saberem
que tal não é verdade.
Fernão Lopes congratula os que viverão no futuro, porque não passarão pelos sofrimentos
que Lisboa tem de passar durante o cero.
1. Sociais:
- expulsão dos fracos e não aptos para a defesa da cidade por falta de alimentos;
- a preferência pelo cativeiro dos castelhanos, em detrimento de morrer à fome.
2. Económicas:
- a diminuição / ausência de esmolas;
- a escassez e o preço elevado dos alimentos;
- a impossibilidade de comprar mantimentos, por causa do seu preço elevado.
3. Psicológicas:
- a coragem;
- o choro;
- o desespero;
- o conforto e a solidariedade mútuos.
O povo de Lisboa – personagem coletiva (sente e age como um só): comportamentos e sentimentos
diversificados, que evidenciam o agravamento da miséria e do estado anímico:
- o medo da vingança do rei de Castela, caso a cidade caísse nas suas mães
- disponibilidade total, "quando repicavom os sinos";
- coragem: a procura empenhada de alimentos (as idas de homens ao Ribatejo e a sua defesa por
parte dos que esperavam), colocando a vida em risco
- defesa corajosa da cidade, ultrapassando a fraqueza humana e revelando um esforço sobrenatural;
- luta pela sobrevivência, procurando comida de forma degradante e bebendo água até à morte e
pedindo esmola pela cidade;
- crueldade: a punição do traidor;
- pedido de ajuda a Deus, face à situação de desespero reinante;
¯
- população unida, solidária na desgraça, consciente no risco, sofre no presente e receia o futuro, mas
não desiste de lutar e tenciona resistir até ao fim;
🔺 Linguagem e estilo
-» o tom coloquial:
- uso da segunda pessoa do plural: "ouvistes"; "esguardae";
- uso da interrogação retórica: "Como nom querees que maldissessem sa vida e desejassem morrer...
da vida aa morte?"; "veede que fariam aquelles que as continuadamente tam presentes tinham?";
“Pera que é dizer mais de taes falecimentos?”;
- uso da exclamação: "Oo quantas vezes... não eram compridas!";
-» a interpelação do leitor:
- uso da interrogação retórica;
- uso da apóstrofe: “Ó geeraçom que depois veo […] de taes padecimentos!”;
- uso da frase imperativa: “Ora esguardae como se fosses presente”;
- uso da interjeição “Ó”;
-» o realismo descritivo:
. "No lugar u costumavom vender o trigo, andavom homees e moços esgravatando a terra e se
achavom alguus grãos de trigo, metiam-nos na boca, sem tendo outro mantimento. Outros se
fartavom de ervas e bebiam tanta água, que achavom mortos homees e cachopos jazer inchados nas
praças e em outros lugares.";
. "Andavom os moços de três e de quatro anos pedindo pão pela cidade por amor de Deus, como lhes
ensinavom suas madres; e muitos não tinham outra cousa que lhe dar senão lágrimas que com eles
choravom, que eram triste cousa de ver; e se lhes davom pão como uma noz, haviam-no por grande
bem.";
. "... ficados os geolhos, beijando a terra, bradavom a Deus que lhes acorresse...";
. "Os padres e madres viam estalar de fame os filhos que muito amavom, rompiam as faces e peitos
sobreles, não tendo com que lhe acorrer senom pranto e espargimento de lágrimas".
-» objetividade:
. os pormenores de caráter económico (“ca valia o alqueire quatro livras; e o alqueire do milho
quarenta soldos…”);
. o realismo descritivo relativo à luta pela sobrevivência (“Das carnes, isso meeesmo, havia em ela […]
bem mostravom seus encubertos padecimentos.”);
-» alternância entre
. planos gerais: o grande plano da cidade e dos atores coletivos que nela intervêm (linhas 1 a 5, por
exemplo);
. planos de pormenor: a incidência em grupos de personagens e/ou situações particulares (por
exemplo, a procura de grãos de trigo, por “homees e moços”);
. Outros recursos
- A elegia comovida.
- As funções da linguagem:
. informativa;
. expressiva;
. apelativa.
- Enumeração, polissíndeto e gradação (“… e forom descobertos per huu homem natural dAlmadãa, e
tomados per os Castellaãos; e el foi depois tomado e preso e arrastado, e deçepado e enforcao.”):
traduz os castigos infligidos ao homem de Almada que encontrou barcos com trigo, evidenciando a
crueldade e a brutalidade da punição.
ü intensidade dramática
clímax þ ¯
estrutura trágica
- Os tipos de frase:
- exclamativas ü sublinham a gravidade e o dramatismo da situação em que a
- interrogativas þ população se encontrava.
- Arcaísmos: "pero", "ca" (pois, porque), "uus", "nenhuus", "antre", "nojo", "departir", "guisas".
- Comparação:
. "... assi dos que se colherem dentro do termo de homees aldeãos com mulheres e filhos, como dos
que vierom na frota do Porto...";
. "... tamanho pão como uma noz...";
. "E assi como é natural cousa a mão ir amiúde onde sêe a dor, assi uns homees falando com outros
não podiam em al departir senão em na míngua que cada um padecia": evidencia a necessidade de
os habitantes de Lisboa lidarem com a sua dor, através do diálogo com quem comungava do seu
sofrimento, tal como a mão o faz através do contacto físico, no caso de padecimentos dessa
natureza;
. "... tanta diferença há de ouvir estas cousas àqueles que as então passaram, como há da vida à
morte?";
. mester de o multiplicar como fez Jesu Christo aos pães”: reforça o dramatismo, uma vez que só um
milagre poderia salvar a cidade.
- Personificações:
- da cidade de Lisboa;
- “as pubricas esmolas começarom desfalecer”.
- Pleonasmos:
. "colherom dentro";
. "deitar fora";
. "lançarem fora";
. "os a morte privasse da vida".
- Metáforas:
. "rogavam a morte que os levasse";
. "cerravom suas orelhas do rumor do povo.";
. "padeciam duas grandes guerras" (…) sse defender da morte per duas guisas…”: os habitantes de
Lisboa enfrentam duas guerras – a guerra (o cerco) contra os castelhanos e a fome resultante do
cerco – que impedia que se defendessem quer da morte, quer, por falta de forças, do inimigo;
. "ondas de tais aflições?";
. “Os padres e madres viam estalar de fome os filhos…”: explicita a desgraça das crianças, tal como o
que estala parte, morre, também as crianças morriam, privadas de alimentos;
. “… andavom homees e moços esgaravatando a terra”: a metáfora evidencia o desespero das pessoas
por causa da fome. Tal como as galinhas esgaravatam a terra em busca dos grãos de milho, também
as pessoas, levadas pelo desespero da fome, remexiam a terra como aquelas à procura de algum
grão perdido.
- Adjectivação expressiva.
- Eufemismo: “Assim que rogavam a morte que os levasse…” – explicita o desejo de morte, pois é preferível esta
aos padecimentos que sofrem.
1. Pelo conteúdo:
- contexto histórico:
. o cerco da cidade de Lisboa pelos castelhanos.
2. Pela forma:
- o texto como exemplo da fase arcaica da língua:
. grande número de hiatos (encontro de vogais ásperas): doo, veede, door, seer, Meestre, etc.;
. a terminação -om nos nomes (razom, coraçom, etc.), nos advérbios (nom) e na terceira pessoa do
plural do imperfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação (esforçavom-se, repicavom,
encomendavom, braadavom, çarravom, etc.);
. o uso de conjugações arcaicas: pero (mas), ca (pois, porque);
. a ocorrência de pronomes arcaicos: all (outra coisa);
. o uso da forma arcaica do determinante indefinido (huus, nenhuu, hua) e da preposição (antre);
. a dupla negativa: "nenhuu nom mostrava";
. o uso de arcaísmos: nojo, departir, guisas.