Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Abcessos.
2
3 de Junho.
3
Monte de esterco, lixeira.
4
Pagar.
Corria se toda a cidade e muitas vezes se não topava em toda ela sinco pessoas
vivas e sãs e algũ se topáveis tinha cor de finado. A Rua Nova servia de algũs maraos5
jogarem a bola, mas deviam ser tam poucos que não fizeram estorvo a deixar nascer muita
erva e de grande altura na dia Rua.
De maneira que a mor mortandade deste mal foi no mês de Julho, Agosto e
Setembro e o menos dia de mortos nestes meses desceo de quinhentas pessoas. E passando Refuzida
duração,
estes meses começou a cidade de melhorar, de maneira que quando veio o Natal já a manifesta-se,
neste caso,
cidade estava com a mor parte da gente e logo se cerraram as portas da cidade, deixando em espaços
abertas as necessárias donde se puseram guardas de homens principais para não entrarem pequenos e
continua
doentes de fora de vilas e lugares que entam estavam ainda iscados do mal e se teve tam noutros
boa ordem nisso que sempre a saúde da cidade foi por diante (…).
E Agosto foi o de maior desgosto (…) e chegando [os corpos] aos cemitérios, que
de monturos, praias e cardais se fizeram, os deixavam hus sobre os outros que pareciam
roupa na Ribeira de Alcântara, até lhe ser chegada a hora de sepultá-los de dez em dez e
de vinte em vinte e às vezes mais; com cujas viagens puseram no porto da outra vida,
segundo a mais pia conta, até agora quarenta mil almas.
(…) Outros houve que, (…) falecendo tanto ao desemparo que ninguém soube
deles senão pelos fedores que de suas câmaras saía, cujas portas quebrando-as os achavam
roídos dos ratos e doninhas e tais que as mesmas câmaras lhe ficavam por sepulturas, animais
comiam os
onde lhe abriam covas em que os viravam por não estarem para mais meneios e não serem corpos
empestados
comidos dos cães e gatos. E foi pelos físicos mandado que os matassem [aos cães e gatos]
por entrarem nas câmaras dos mortos e comerem o que deles sobejava, e entrando despois
nas câmaras desimpedidas as infeccionavam com seus bafos, contaminando os ares deles; transmissão
pelos animais
pêra a qual execução havia certo estipêndio por cabeça de cão ou gato (…).
Aconteceu mais no fim desta fome causada do desemparo, posto que as esmolas
eram apenas para os doentes do mal, que para os sãos não havia socorro, que perecessem
muitos à fome (…), no qual se viu hum homem que estando preso no Limoeiro padeceu
tanta fome que lhe foi ocasião de se fazer hua tarde doente do mal que corria e ao outro
dia pela menhã fazer-se morto. E vendo algũs que o parecia [morto] o embrulharam em
hua manta, em que estava mal entrouxado pelo temor do contagio. E passando hum
esquife com hua negra morta, o botarão sobre ela e o levaram ao adro de Nossa Senhora
da Graça e entendendo ele que estava nele, pediu que o desembrulhassem, o que logo
5
Mariolas.
2
fizeram com grande espanto; aos quais respondeu que se fossem embora, pois estava em
chão sagrado, e se recolheu no dito mosteiro e ao outro dia veio ter a portaria de Sam
Domingos descalço e em corpo onde se proveu de huas botas velhas e capa e se foi catar
do pão.
6
Vintém=20 réis.
7
Tostão=100 réis.
3
Houve neste tempo muitos que fizeram grandes esmolas e outros que
entezouraram muito dinheiro, vendendo o trigo que tinham a quinhentos reais, metendo
se de pés e de cabeça no Inferno sem darem esmolas, e outros despendendo quanto tinham
em esmolas, andando os fidalgos pelas ruas com as bolsas de dinheiro, acudindo aos
pobres, de maneira que quem viu isto chegou a ver o mais que se podia ver de miséria e
desventura de fome a que Nosso Senhor com sua misericórdia quis acudir, como acudiu;
e estando assim no fim do mês, todos sem haver já quem visse nem houvesse um pão,
entraram pela barra muitas velas carregadas de maneira que logo ouve pelas portas
tavoleiros de pão a vender. (…)».
N.º 2
«Éloge historique de Marie Poisson, de la paroisse Saint Marc d’Orléans, par un de ses
contemporains» in Jean Carpentier e Jacques Lebrun (dir.), Histoire de France,
Éditions du Seuil, 1992, pp. 167-168.
«No ano de 1693, devido à cólera divina, justamente irada, a França, enfraquecida
por uma longa guerra, foi atingida pela maior e mais universal das fomes de que havia
lembrança. O trigo que custara, em Orleães, nos anos precedentes, 14 a 15 libras, subiu
até às 110 libras; mesmo assim, havia grande dificuldade em obtê-lo. Os artesãos que
possuíam algumas reservas, conseguiram aguentar os primeiros embates, mas
rapidamente se viram obrigados a vender os seus móveis, uma vez que os burgueses
pensavam sobretudo no que lhes era essencial e já não os faziam trabalhar. Enfim, foi
uma desolação geral logo que se viram sem móveis, sem trabalho e sem pão. Viam-se
então famílias inteiras, tidas até então por abastadas, a mendigar pão de porta em porta.
Não se ouviam senão os gritos lancinantes de crianças pobres, abandonadas pelos seus
pais, que gritavam dia e noite por um pouco de pão. Não se viam senão rostos pálidos e
desfigurados. Muitos tombavam desfalecidos nas ruas e praças públicas e alguns morriam
mesmo nas calçadas. Se os pobres das cidades, onde há tantos recursos, se encontravam
num estado tão deplorável, imagine-se, se tal for possível, a situação daqueles que viviam
no campo e o enorme sofrimento em que este se encontrava mergulhado, com inúmeras
famílias pobres abandonadas e de uma miséria tão grande que nada mais lhes restava
senão pastar erva como alimárias e comer alimentos infectos que os animais imundos
certamente rejeitariam.»
4
N.º 3
Descrição de crise de escassez (Abril 1694) in Pierre Goubert, Beauvais et le Beauvaisis
de 1600 à 1730, Paris, 1960, p. 303.