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Crónica de D.

João I

Capítulo 11

Assunto do capítulo: Neste capítulo, Fernão Lopes narra a forma como o


povo de Lisboa, reage aos apelos do Pajem e de Álvaro Pais para que
socorressem o Mestre, pois estavam-no a matar nos Paços da Rainha.
Divisão da crónica em partes:
1.ª Parte – O Pajem sai dos Paços da Rainha, gritando pelas ruas de Lisboa
que tinham morto o Mestre.
2.ª Parte – O povo sai à rua juntamente com Álvaro Pais para socorrer o
Mestre.
3.ª Parte – A fúria do povo, agora em multidão, cresce e ele quer saber
notícias do Mestre.
4.ª Parte – O Mestre acede aos apelos dos seus partidários e surge a uma
janela do Paço, acalmando o povo.
Desenvolvimento do capítulo:
1.ª Parte (ll. 1-8) – Apelo / Convocação
O Pajem do Mestre grita repetidamente pela cidade que querem matar D.
João, informando e incentivando o povo (com o boato que lança), dando,
assim, início a um plano político previamente definido, cujo objetivo é a
criação de uma atmosfera favorável à aclamação daquele como rei de
Portugal.
. O plano / a estratégia foi delineado pelo Mestre e por Álvaro Pais, com a
colaboração do Pajem, no sentido de intensificar a oposição popular à
Rainha e ao conde Andeiro e convertê-la em revolta a favor dos intuitos de
D. João e dos seus aliados.
. Por outro lado, não restam dúvidas de que o plano foi previamente
combinado, como se comprova pela expressão “segundo já era percebido”.
De facto, o Pajem estava à porta aguardando que o instruíssem a iniciar o
plano e, quando recebe a ordem, parte a cavalo, percorrendo as ruas a
galope, gritando que acudam ao Mestre, pois querem assassiná-lo.
. Conclusão: anunciar o perigo que D. João corre, para levar a população
de Lisboa a apoiá-lo.
2.ª Parte (ll. 9-16) – Movimentação e concentração
. Ao escutarem os gritos do Pajem, o povo sai à rua, para ver o que se
passava, de seguida as pessoas começaram a dialogar umas com as outras
ficando revoltadas com o boato lançado, sobre o qual não refletem
minimamente, e começam a pegar em armas (armas de trabalho), o mais
rápido possível, para irem acudir o mestre.
. Álvaro Pais, prestes e armado, desempenha o seu papel: junta-se aos
seus aliados e ao Pajem e cavalga pelas ruas, gritando ao povo que acuda
ao Mestre.
. Soam vozes pela cidade que matam o Mestre e o povo dirige-se, armado
e apressadamente, para o local onde ele se encontra, para o defenderem e
salvarem.
. O povo concentra-se numa grande multidão não cabendo pelas ruas
principais e atravessando lugares escondidos, desejando cada um ser o
primeiro a chegar ao Paço.
. Enquanto se desloca para lá, questiona-se quem desejará matar o Mestre
e várias vozes anónimas apontam o nome do conde João Fernandes, por
mandado da Rainha D. Leonor Teles.
3.ª Parte (ll. 17 a 41) – Manifestação
. O povo, unido em defesa do Mestre e com o sentimento de vingança,
inquieta-se e enfurece-se diante das portas cerradas do Paço.
. Perante afirmações de que o Mestre tinha sido morto, são sugeridas
diversas ações tendentes a forçar a entrada no Paço: arrombar as portas
cerradas, lançar fogo ao edifício para queimar o conde e a Rainha, escalar
os muros com escadas.
. Gera-se uma grande confusão e o povo não se entende acerca da atitude
a adotar, enquanto várias mulheres transportam feixes de lenha e carqueja
para queimar os muros dos Paços e a Rainha, a quem dirigem muitos
insultos.
. Dos Paços, vários bradam que o Mestre está vivo e o conde Andeiro
morto, mas a “arraia miúda” (o povo) não acredita e quer provas
concretas, isto é, vê-lo. Receando que o povo, devido à sua fúria e ao
desejo de vingança, invada o palácio, os partidários do mestre pedem para
que D. João I se mostre perante o povo descontrolado.
4.ª Parte (ll. 42 a 55) – Aclamação
. O Mestre mostra-se a uma grande janela e fala ao povo, que fica
extremamente emocionado / perturbado ao constatar que está
efetivamente vivo e o conde morto, quando muitos acreditavam já no
contrário. Essa fala tem como finalidade tranquilizar o povo e dar-lhe
esperança, mostrando-se seu aliado (a apóstrofe “Amigos…”).
. Nesta fase do texto, é apresentado uma imagem muito negativa de D.
Leonor Teles, vista popularmente como infiel e traidora, chegando a ser
acusada pela morte de D. Fernando. O narrador não deixa grandes
dúvidas: se a população tivesse entrado no Paço, teria assassinado a
Rainha.
Caracterização dos atores/personagens
-Atores/personagens individuais:
O Pajem, caracteriza-se como:
➔ Obediente e convincente, pois obedece à estratégia delineada pelo
Mestre e pelas suas palavras convictas, convence o povo de que matam o
mestre.
O Álvaro Pais, caracteriza-se como:
➔ Inteligente, visto que aproveitou o ódio do povo em relação à rainha,
ambicioso e manipulador, pois foi astuto e usou uma estratégia de
publicidade para atingir os seus fins, esta que teve êxito.
O Mestre de Avis, caracteriza-se como sendo:
➔ Querido para com o povo, que o apoia politicamente e vê como
garantia da independência nacional;
➔ Humano, ponderado, refletivo e dialogante, não obstante a
impulsividade revelada com o entusiasmo de ir salvar o bispo de Lisboa
quando lhe anunciam que a se preparam para o matar;
➔ Protegido por identidades divinas, como se pode comprovar por
expressões textuais que mostram a crença do povo de que tinha tido a
proteção divina, dado ter sobrevivido ao suposto atentado: “E per vontade
de Deos”; “Beento seja Deos que vos guardou de tamanha traiçom”;
➔ Carismático e populista (mostra-se à população para obter o seu
apoio);
➔ Uma personagem dual: é amigo do povo e seu herói, mas revela
alguma fraqueza e incapacidade para tomar decisões autonomamente,
dependendo da opinião dos seus conselheiros.
-Ator/personagem coletiva:
O Povo, personagem principal é uma personagem coletiva dado que
partilha um conjunto de características comuns (lisboetas e patriotas) e
um objetivo comum (apoiar o Mestre), agindo como um todo,
coletivamente. Caracteriza-se como:
➔ Curioso (“As gentes que esto ouviam saíam aa rua para ver que cousa
era.”);
➔ Indignado, revoltado, vingativo e agressivo ("poerem fogo aos paaços e
queimar o treedor e a aleivosa");
➔ Determinado e preocupado ("correndo a pressa"; "desejando cada um
de seer o primeiro");
➔ Empenhado na defesa do Mestre;
➔ Unido – age como um todo e acorre aos Paços para acudir ao Mestre
("todos feitos dum coraçom, com talente de o vingar"): traziam lenha,
queriam carqueja para lançar o fogo ao Paço ou uma escada para verem o
que se passava dentro;
➔ Agitado e desorientado, próprio de quem age sem pensar;
➔ Desconfiado;
➔ Aliviado e alegre;
➔ Poderoso (“não lhes poderiam depois tolher de fazer o que quisessem”;
“E sem dúvida, se eles entraram dentro, nom se escusara a rainha de
morte, e fora maravilha quantos eram da sua parte e do conde poderem
escapar”).
-Personagens referidas:
Rainha D. Leonor Teles: o narrador coloca, estrategicamente, na boca do
povo a acusação de que é uma traidora e infiel, chegando a ser acusada da
morte de D. Fernando. Por vezes, em alguns estratos, o Mestre e D.Pedro
Capitulo 115

Estrutura interna

• 1.ª parte (ll. 1-7) – Contextualização do episódio a narrar na estrutura


global da obra.
▪ O narrador, no primeiro parágrafo, dirige-se ao leitor/ouvinte (“que
havees ouvido”), convocando-o para o texto e para os acontecimentos que
vai narrar:
- referência ao episódio anteriormente relatado: “Nem uu falamento deve
mais vizinho seer deste capitulo que havees ouvido” [referência ao
capítulo anterior, no qual Fernão Lopes descreveu o acampamento
castelhano];
- referência ao assunto deste capítulo: as circunstâncias em que se
encontrava Lisboa quando o rei de Castela a cercou (“de que guisa estaca a
cidade, jazendo el-Rei de Castela sobr’ela…”);
- os preparativos do Mestre e da população para a defesa da capital (“per
que modo poinha em si guarda o Meestre, e as gentes que dentro eram,
por nom receber dano de seus emigos”);
- atitudes dos intervenientes: o esforço, a determinação e a coragem
demonstrados pelo povo (“fonteza que contra eles mostravom”).
• 2.ª parte (ll. 8-118) – Preparativos para a defesa de Lisboa – gentes,
medidas sociais e militares tomadas para enfrentar o cerco.
▪ Alimentação: no segundo parágrafo, o cronista relata que o Mestre
determinou que fosse recolhido o máximo de mantimentos possível e que
os trouxessem para dentro das muralhas:
- recolha de víveres (pão, carnes e outros alimentos);
- transporte de gado morto em embarcações desde as lezírias;
- salga dos víveres/da carne.
▪ Ainda no segundo parágrafo, Fernão Lopes dá conta da reação distinta
das pessoas ao cerco: um grupo decidiu apoiar o Mestre e refugiou-se
dentro das muralhas (“muitos lavradores com as molheres e filhos”; “e
doutras pessoas da comarca d’arredor”); outro abandonou Lisboa e
refugiou-se entre Setúbal e Palmela, levando consigo os seus bens; um
terceiro apoiou Castela e deslocou-se para as localidades que estavam sob
seu domínio (“e taes i houve que poserom todo o seu, e ficarom nas vilas
que por Castela tomarom voz.”).

 3.ª parte (ll. 119 a 125) – Conclusão: comentário apreciativo dos


acontecimentos relatados, com destaque para a atitude de
solidariedade e para a coragem dos intervenientes.
▪ Fernão Lopes destaca o caráter excecional da resistência ao cerco,
perante a superioridade das tropas castelhanas (o cronista fala em cerca
de 31 mil castelhanos e 6500 portugueses, mas é possível que estes
números não sejam verdadeiros e constituam uma forma de enaltecer a
valentia dos portugueses).
▪ Os elogios dirigidos aos castelhanos, exaltando as qualidades do seu rei
(“U utam alto e poderoso senhor com el-Rei de Castela…”) e das suas
tropas (“com tanta multidom de gentes assi per mar come per terra,
postas em tam grande e boa ordenança…”) realçam a coragem e a
soberania moral dos portugueses, que os venceriam.

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