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🔺 resumo
Neste capítulo, Fernão Lopes narra a forma como a população de Lisboa, incitada pelos apelos
do Pajem e de Álvaro Pais para que acudissem ao Mestre, porque o estavam a matar nos Paços
da Rainha, se armou, saiu em multidão pelas ruas da cidade e se dirigiu em grande alvoroço
para aqueles, a que quis lançar fogo e arrombar as portas. Os seus intentos só foram travados
quando, aconselhado pelos seus partidários, o Mestre apareceu a uma janela à multidão, que,
reconhecendo, se acalmou, aclamando-o e insultando o conde Andeiro e a rainha.
🔺 Título
O título do capítulo (“Do alvoroço que foi na cidade cuidando que matavom o mestre,
e como aló foi Alvoro Paez e muitas gentes com ele”) apresenta as linhas gerais do texto.
🔺 Desenvolvimento do capítulo
. O Pajem do Mestre grita repetidamente pela cidade que querem matar D. João, informando e
incitando o povo (com o boato que lança), dando, assim, início a um plano político previamente
definido, cujo objetivo é a criação de uma atmosfera favorável à aclamação daquele como rei de
Portugal.
. O plano / a estratégia foi delineado pelo Mestre e por Álvaro Pais, com a colaboração do Pajem,
no sentido de intensificar a oposição popular à Rainha e ao conde Andeiro e convertê-la em
revolta a favor dos intuitos de D. João e dos seus aliados.
. Por outro lado, não restam dúvidas de que o plano foi previamente combinado, como se
comprova pela expressão “segundo já era percebido”. De facto, o Pajem estava à porta
aguardando que o instruíssem a iniciar o plano e, quando recebe a ordem, parte a cavalo,
percorrendo as ruas a galope, gritando que acudam ao Mestre, pois querem assassina-lo.
. O referido plano estava sujeito a um secretismo total. Dele têm conhecimento somente o Pajem,
Álvaro Pais, o Mestre e os seus partidários. O objetivo é claro: anunciar o perigo que D. João
corre, para levar a população de Lisboa a apoiá-lo.
. Ao escutarem os brados do Pajem, as “gentes” saem à rua, dialogam umas com as outras,
enfurecem-se com o boato lançado, sobre o qual não refletem minimamente, e começam a pegar
em armas.
. Álvaro Pais, prestes e armado, desempenha o seu papel: junta-se aos seus aliados e ao Pajem e
cavalga pelas ruas, gritando ao povo que acuda ao Mestre, que “filho he delRei dom Pedro”.
Atente-se neste pormenor e na forma subtil como Álvaro Pais alude a D. Pedro, explorando o
simbolismo da sua figura e da sua história de amor com Inês de Castro no imaginário popular.
. Soam vozes pela cidade que matam o Mestre e o povo dirige-se, armado e apressadamente, para
o local onde ele se encontra, para o defenderem e salvarem.
. A multidão concentra-se em número muito grande: não cabe pelas ruas principais e atravessa
lugares recônditos, desejando cada um ser o primeiro a chegar ao Paço.
. Enquanto se desloca para lá, questiona-se quem desejará matar o Mestre e várias vozes
anónimas apontam o nome do conde João Fernandes, a mando da Rainha D. Leonor Teles. O
clima de agitação e excitação do povo foi preparado cuidadosamente e está a resultar em pleno.
. Perante afirmações de que o Mestre tinha sido morto, são sugeridas diversas ações
tendentes a forçar a entrada no Paço: arrombar as portas cerradas, lançar fogo ao
edifício para queimar o conde e a Rainha, escalar os muros com escadas.
. Gera-se uma grande confusão e o povo não se entende acerca da atitude a adotar,
enquanto várias mulheres transportam feixes de lenha e carqueja para queimar os
muros dos Paços e a Rainha, a quem dirigem muitos insultos.
. Dos Paços, vários bradam que o Mestre está vivo e o conde Andeiro morto, mas a
“arraia miúda” não acredita e quer provas concretas, isto é, vê-lo, de que é assim.
Receando que o povo, devido à sua fúria e ao desejo de vingança, invada o palácio,
se torne incontrolável e o destrua, aconselham D. João a mostrar-se-lhe.
. O Mestre mostra-se a uma grande janela e fala ao povo, que fica extremamente
emocionado / perturbado ao constatar que está efetivamente vivo e o conde morto,
quando muitos criam já no contrário. Essa fala tem como finalidade tranquilizar o
povo e dar-lhe esperança, mostrando-se seu aliado (a apóstrofe “Amigos…”).
. Nesta fase do texto, é apresentado uma imagem muito negativa de D. Leonor Teles,
vista popularmente como adúltera e traidora, chegando a ser acusada pela morte de
D. Fernando (ll. 53-54). O narrador não deixa grandes dúvidas: se a população tivesse
entrado no Paço, teria assassinado a Rainha.
🔺 Personagens
. Presentes:
- O Pajem e Álvaro Pais, no início do capítulo;
- O Mestre de Avis, mencionado deste o início na boca de outras personagens, surge
fisicamente apenas na parte final do capítulo;
- O conde D. João Afonso, que se encontra com o Mestre na parte final do capítulo;
- Outros fidalgos: Afonso Eanes Nogueira, Martim Afonso Valente, Estevão Vasques
Filipe e Álvaro do Rego.
. Ausentes:
- O conde Andeiro, que se sabe ter sido morto;
- A rainha, retratada muito negativamente;
- O bispo de Lisboa, acusado de traição e que será morto.
* a curiosidade (“As gentes que esto ouviam saíam aa rua para ver que cousa era.”);
* a mobilização e a unidade na ação – age como um todo e acorre aos Paços para
acudir ao Mestre ("todos feitos dum coraçom, com talente de o vingar"): traziam
lenha, queriam carqueja para lançar o fogo ao Paço ou uma escada para verem o que
se passava dentro;
* a desconfiança;
* o poder (“não lhes poderiam depois tolher de fazer o que quisessem”; “E sem
dúvida, se eles entraram dentro, nom se escusara a rainha de morte, e fora
maravilha quantos eram da sua parte e do conde poderem escapar”).
🔺 Personagens individuais
. Pajem: informa o incita o povo, gritando e lançando o boato que alguém quer matar o
Mestre, como previamente combinado.
. Álvaro Pais
Álvaro Pais é o estratego que conduz o povo para um fim preconcebido:
preparar psicologicamente o povo a aceitar e mesmo aplaudir o assassínio do conde
de Andeiro. O pajem, com quem colaborou na divulgação do boato da morte do
Mestre, dirigiu-se a sua casa, porque tudo estava previamente combinado ("segundo
já era percebido"). Fernão Lopes não deixa dúvidas: Álvaro Pais foi o cérebro que
tudo planeou, nada deixando ao acaso.
Ele mesmo insiste na divulgação do boato junto do povo, de modo a
“convocá-lo” e a criar um clima favorável à aceitação do Mestre, da morte do conde
Andeiro e à sua confirmação como legítimo herdeiro do trono português.
Álvaro Pais é uma figura com visão política e inteligência; é matreiro,
astuto, manipulador, mentiroso até (por exemplo, grita que matam o Mestre,
quando, na verdade, é este quem assassina o conde Andeiro; grita, igualmente,
excitando e iludindo as pessoas), para atingir os seus fins.
. Mestre de Avis
* É uma figura carismática e populista (mostra-se à população para obter o seu apoio);
* É, de certa forma, uma personagem dual: é amigo do povo e seu herói, mas revela
alguma fraqueza e incapacidade para tomar decisões autonomamente, dependendo
da opinião dos seus conselheiros.
🔺 Estrutura interna
🔼Introdução
Os mantimentos existentes na cidade gastam-se cada vez mais depressa, tornando-se
escassos, devido ao facto de o número de habitantes da cidade aumentar cada vez mais,
porque a ela se recolheu muita gente (lá estavam os habitantes de Lisboa, pessoas que vieram
dos arredores, famílias inteiras e os que vieram numa frota do Porto para socorrer a capital).
1.1. Procura de trigo no Ribatejo (desde "E alguns..." até "... cinco mil homens.").
a) Motivos da procura:
- o cerco à cidade;
- a presença de muita gente na cidade;
- a falta de alimentos.
Durante a noite, os sitiados embarcam em batéis e vão buscar trigo ao Ribatejo para
abastecer a cidade, correndo enorme perigo, pois são atacados pelos castelhanos. Sempre que
os sinos repicam e tocam a rebate, a população vai em socorro das galés. Esta recolha de
mantimentos obedece, aparentemente, a um plano prévio, dado que parece existir uma
partilha de tarefas e funções distribuídas: há aqueles que vão recolher mantimentos que já
estavam prontos (“… ali carregavom de trigo que já achavom prestes, per recados que ante
mandavom…”), através do Rio Tejo; há sinais combinados para alertar para os perigos,
nomeadamente os decorrentes da presença dos castelhanos, etc.: “ali carregavom”; “Os que
esperavam…”; “… repicavom logo por lhe acorrerem.”; “… aguardando quando veesse, e os
que velavom, se viiam as galees remar contra lá, repicavom logo por lhe acorrerem…”.
Apenas uma vez os galés foram tomadas, graças à denúncia de um “homem natural
d’Almadãa”, cujo castigo pela traição foi terrível: “el foi depois tomado e preso e arrastado, e
decepado e enforcado.” (enumeração, polissíndeto e gradação).
No entanto, o trigo é tão pouco e raro que não supre as necessidades (atente-se na
comparação com o milagre da multiplicação dos pães).
1.2. Expulsão da cidade da gente incapaz, fraca e pobre [("não pertencentes pera defensão",
prostitutas, judeus") – desde "Em esto gastou-se..." até "... mester sobrelo conselho."].
b) Motivos:
- não podiam lutar / não podiam contribuir para a defesa da cidade;
- consumiam os mantimentos aos defensores.
d) O Mestre ordena que se faça o levantamento do pão existente em Lisboa, tendo-se concluído
que é muito escasso.
2) Fome da população: carência de pão e carne (desde "Na cidade não havia trigo..." até "...tam
presentes tinham?").
o Mestre e os seus, sabendo que nada podem fazer, sentem-se impotentes e ignoram
os lamentos da população.
Neste passo, aparentemente Fernão Lopes critica a ação de D. João e do seu
Conselho, dado que “çarravom suas orelhas do rumor do poboo”, parecendo assim o cronista
cumprir a imparcialidade e a neutralidade enunciadas no “Prólogo” à crónica.
1. Sociais:
- expulsão dos fracos e não aptos para a defesa da cidade por falta de alimentos;
- a preferência pelo cativeiro dos castelhanos, em detrimento de morrer à fome.
2. Económicas:
- a diminuição / ausência de esmolas;
- a escassez e o preço elevado dos alimentos;
- a impossibilidade de comprar mantimentos, por causa do seu preço elevado.
3. Psicológicas:
- a coragem;
- o choro;
- o desespero;
- o conforto e a solidariedade mútuos.
- o medo da vingança do rei de Castela, caso a cidade caísse nas suas mães
- disponibilidade total, "quando repicavom os sinos";
- coragem: a procura empenhada de alimentos (as idas de homens ao Ribatejo e a sua defesa
por parte dos que esperavam), colocando a vida em risco
- defesa corajosa da cidade, ultrapassando a fraqueza humana e revelando um esforço
sobrenatural;
- luta pela sobrevivência, procurando comida de forma degradante e bebendo água até à morte
e pedindo esmola pela cidade;
- crueldade: a punição do traidor;
- pedido de ajuda a Deus, face à situação de desespero reinante;
¯
- população unida, solidária na desgraça, consciente no risco, sofre no presente e receia o
futuro, mas não desiste de lutar e tenciona resistir até ao fim;
Mestre de Avis – personagem individual:
- governante responsável, infortunado e ativo;
- solidário com o seu povo;
- sofre e resiste com ele;
- sentimentos:
. dor, motivada pelo conhecimento da situação de carência que o povo vive;
. impotência e incapacidade de resolver ou atenuar a gravidade da situação ("veendo estes
males a que acorrer nom podia.") e as dificuldades da população;
. sofrimento graças à incapacidade de socorrer a população;
- atos: o Mestre e os do seu Conselho fecham os ouvidos "ao rumor do poboo", não por
indiferença ou hostilidade, mas porque lhes eram dolorosas "douvir taaes novas (...) a que
acorrer nom podiam";
- assume comportamentos de emergência face à situação extrema que a cidade vive,
nomeadamente a expulsão dos que não têm mantimentos para se alimentar, uma forma difícil
de atenuar o sofrimento da restante população.