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 "Crónica de D.

João I", capítulo 11: "Do alvoroço que foi


na cidade cuidando que matavom o Meestre, e como aló
foi Alvoro Paaez e muitas gentes com ele."

2. Ação
 Neste capítulo, Fernão Lopes narra o modo como a
população de Lisboa, incitada pelos brados do Pajem e
pelos apelos de Álvaro Pais, se movimentou em multidão
e em grande alvoroço, armando-se «cada uũ como melhor
e mais asinha podia», em direção ao Paço para salvar o
Mestre, que matavam por «mandado da Rainha», D.
Leonor Teles, e do seu amante galego, João Fernandes
Andeiro.
 As ruas encheram-se, os ânimos exaltaram-se, o desejo
de vingança e de justiça crescia a cada momento:
o Exemplo
«Ali eram ouvidos braados de desvairadas maneiras.»
 Urgia rebentar ou incendiar aquelas portas que os
separavam do seu Mestre. Entretanto, o Mestre apareceu
«a ũa grande janela», mostrando ao seu povo que estava
vivo e comunicando que matara ele o Conde Andeiro.
Muitas foram, assim, as manifestações de alegria coletiva
e «muitos choravom com prazer de o veer vivo».

 3. Divisão em partes
 De acordo com a movimentação e a ação das
personagens, o presente capítulo pode dividir-se em 3
partes distintas:
1.ª parte: os partidários do Mestre de Avis percorrem as
ruas de Lisboa para mobilizar a população, que os segue para
salvar o Mestre.
 Exemplo:
«... começou d’ir rijamente a galope em cima do cavalo
em que estava, dizendo altas vozes, braadando pela rua:

— Matom o Meestre! matom o Meestre nos Paaços da


Rainha! Acorree ao Meestre que matam!»

2.ª parte: a multidão junta-se, eufórica e furiosa, no Paço e


ameaça incendiar e invadir o edifício, caso não tenha notícias
do Mestre.
 Exemplo
«Ali eram ouvidos braados de desvairadas maneiras.
Taes i havia que certificavom que o Meestre era morto,
pois as portas estavom çarradas, dizendo que as
britassem pera entrar dentro, e veeriam que era do
Meestre, ou que cousa era aquela.

Deles braadavom por lenha, e que veesse lume pera


poerem fogo aos Paaços, e queimar o treedor e a
aleivosa»
3.ª parte: o Mestre mostra-se à janela, provando que está
vivo, e abandona o Paço, sendo aclamado pelo povo.

Exemplo:
«Ali se mostrou o Meestre a ũa grande janela que viinha
sobre a rua onde estava Alvoro Paaez e a mais força de
gente, e disse:

— Amigos, apacificae vos, ca eu vivo e são som a Deos


graças.»
 4. Personagens
 Atores individuais (Presentes)
 Pajem
 Neste capítulo, o Pajem percorre rapidamente as ruas de
Lisboa, até casa de Álvaro Pais. Pelo caminho, grita que
matavam o Mestre de Avis no Paço da Rainha, a fim de
incitar o Povo a aí se dirigir para salvar D. João. Depois
de avisar Álvaro Pais, ambos correm, sempre em altos
brados, em direção ao Paço para acudir o Mestre.

 percorre as ruas de Lisboa em alvoroço,


gritando que queriam matar o Mestre de Avis no
Paço:

 Exemplo
«O Page do Meestre que estava aa porta, como lhe
disserom que fosse pela vila segundo já era percebido,
começou d’ir rijamente a galope em cima do cavalo em
que estava, dizendo altas vozes, braadando pela rua:…»

 incita a população a dirigir-se ao Paço para


ajudar a salvar o Mestre:

 Exemplo
«— Matom o Meestre! matom o Meestre nos Paaços da
Rainha! Acorree ao Meestre que matam!»

 vai até casa de Álvaro Pais em busca de


auxílio:

 Exemplo
«E assi chegou a casa d’Alvoro Paaez que era dali
grande espaço.»
 00:00
00:20
 Álvaro Pais
 Depois de avisado pelo Pajem que o Mestre de Avis
corria perigo de vida no Paço da Rainha, Álvaro Pais,
armando-se e montando rapidamente no seu cavalo, sai
para a rua bradando que matavam o Mestre. Perante o
apelo, a população junta-se a ele e dirige-se ao Paço.

 responde ao apelo do Pajem e dirige-se, de


imediato, ao Paço para salvar o Mestre:

 Exemplo
«Alvoro Paez que estava prestes e armado com ũa coifa
na cabeça segundo usança daquel tempo, cavalgou logo a
pressa em cima duũ cavalo que anos havia que nom
cavalgara; e todos seus aliados com ele…»

 incentiva, com gritos e grande determinação,


a população a, com ele, acudir ao Mestre:

 Exemplo 1

«— Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao


Meestre, ca filho é del-Rei dom Pedro.»

 Mestre de Avis
 O Pajem e Álvaro Pais põem em movimento a ação, que
gira em torno do salvamento da personagem central do
capítulo – o Mestre de Avis. Querido e estimado pelo
Povo, D. João é traído por D. Leonor Teles e pelo Conde
Andeiro, que pretendiam matá-lo no Paço da Rainha. No
entanto, é o Mestre quem acaba por assassinar o nobre
galego. Perante o desespero e a raiva da população de
Lisboa, que o julgava morto, o filho de D. Pedro aparece
numa das janelas do Paço revelando que estava vivo e em
segurança, facto que potenciou momentos de extrema
alegria e de grandes manifestações coletivas de apoio.

. recebe o apoio da população de Lisboa , que se


mobiliza para o salvar:

Exemplo
«— Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao
Mestre que matam sem por quê!»

 é traído pela rainha e pelo Conde Andeiro,


que o queriam matar:

Exemplo
«— Oolhae e veede que maldade tam grande,
mandarom-no chamar onde ia já de seu caminho, pera o
matarem aqui per traiçom.»

 assassina o Conde Andeiro:

 Exemplo
«— Ó que mal fez! pois que matou o treedor do Conde,
que nom matou logo a aleivosa com ele!»

 mostra-se vivo e seguro, deixando o povo


eufórico e pleno de alegria:


 Exemplo
«Ali se mostrou o Meestre a ũa grande janela que viinha
sobre a rua onde estava Alvoro Paaez e a mais força de
gente, e disse:

— Amigos, apacificae vos, ca eu vivo e são som a Deos


graças.»
 Conde e fidalgos
 Depois de se mostrar vivo e em segurança ao Povo, o
Mestre dirige-se ao Paço do Almirante para se encontrar
com o Conde D. João Afonso. À entrada do Rossio, é
esperado por este último e por um grupo de fidalgos, que
o recebem com enorme satisfação.

 Exemplo
«E assi encaminhou pera os Paaços do Almirante u
pousava o Conde dom Joam Afonso irmão da Rainha com
que havia de comer.»

 Atores individuais (Ausentes)


 D. Leonor Teles
 D. Leonor Teles é caracterizada de forma negativa, sendo
acusada de traição e sendo alvo do ódio da população de
Lisboa. O facto de colocar em risco a independência de
Portugal, ao apoiar o partido do rei castelhano, e de
(supostamente) ser amante do conde Andeiro, tornam-na
indigna de ser regente. Neste capítulo, é apresentada
como desleal e manipuladora, na medida em que o Povo
acredita que ela preparou uma cilada ao Mestre de Avis,
premeditando a morte deste.

 é odiada pelo povo, que a acusa de traição:

 Exemplo
«— Ó aleivosa! já nos matou uũ senhor, e agora nos
queria matar outro.»

 planeia assassinar o Mestre de Avis:

 Exemplo
«… e preguntando uũs aos outros quem matava o
Meestre, nom minguava quem responder que o matava o
Conde Joam Fernandez, per mandado da Rainha.»

 Conde João Fernandes Andeiro


 Tal como D. Leonor Teles, o Conde Andeiro é uma
personagem odiada pelo povo. Aliando-se à regente para
matar o Mestre de Avis, o nobre galego acaba por ser
assassinado por D. João.

 é odiado pelo povo, que o acusa de traição:

 Exemplo
«… se eles entrarom dentro, nom se escusara a Rainha
de morte, e fora maravilha quantos eram da sua parte e
do Conde poderem escapar.»

 é assassinado pelo Mestre de Avis:

Exemplo
«… pois que matou o treedor do Conde…»

 Ator coletivo
 Povo de Lisboa
 O povo de Lisboa é um dos protagonistas deste capítulo e
representa a consciência coletiva, uma vez que partilha
um conjunto de características comuns (como o
patriotismo) e um objetivo comum (apoiar e defender o
Mestre). A população age como um todo e é vista como
uma personagem coletiva. Incitada pelos gritos do pajem
e de Álvaro Pais, esta multidão de gente das camadas
populares, sem nome, não hesita em acorrer em auxílio
do Mestre. Os populares pegam em armas, correm pelas
ruas, planeiam maneiras para entrar no Paço, como
incendiar e derrubar a porta, trepar o muro, com o
propósito de evitar que matassem o seu Mestre.
Solidariedade, desejo de vingança, euforia e alegria são
marcas do estado de espírito desta massa popular, desta
força singular e tão poderosa, deste grupo anónimo, a
quem Fernão Lopes deu voz, e que é capaz de influenciar
o curso da História de Portugal.

 é uma personagem deste capítulo e a voz de


uma consciência coletiva:

 Exemplo
«Soarom as vozes do arroido pela cidade ouvindo todos
braadar que matavom o Meestre; e assi como viuva que
rei nom tiinha, e como se lhe este ficara em logo de
marido, se moverom todos com mão armada, correndo a
pressa pera u deziam que se esto fazia, por lhe darem
vida e escusar morte.»

 mostra solidariedade e desejo de vingança:

 Exemplo
«… alvoraçavom-se nas voontades, e começavom de
tomar armas cada uũ como melhor e mais asinha podia.»

 mobiliza-se para defender o Mestre de Avis:

 Exemplo
«Ali eram ouvidos braados de desvairadas maneiras.
Taes i havia que certificavom que o Meestre era morto,
pois as portas estavom çarradas, dizendo que as
britassem pera entrar dentro, e veeriam que era do
Meestre, ou que cousa era aquela.

Deles braadavom por lenha, e que veesse lume pera


poerem fogo aos Paaços…»
 fica comovido por saber que o Mestre está
vivo:
 Exemplo
«E em dizendo esto, muitos choravom com prazer de o
veer vivo.»

"Crónica de D. João I", capítulo 115: "Per que guisa estava a cidade
corregida pera se defender, quando el-Rei de Castela pôs cerco
sobr’ela."

 1. "Crónica de D. João I", capítulo 115

 2. Ação
 No presente capítulo, Fernão Lopes narra como o
Mestre de Avis e o povo preparam a cidade de Lisboa
para resistir ao cerco dos castelhanos. Com efeito,
tomando conhecimento de que o rei de Castela planeava
invadir a cidade, o Mestre comandou a sua defesa e
ordenou que se guardassem mantimentos e outras
provisões, uma vez que o reabastecimento da cidade ia
estar impedido. Além disso, muitos foram aqueles que se
protegeram dentro das muralhas e que ajudaram na
organização dos equipamentos e da logística da defesa:
repararam-se e fortaleceram-se as muralhas; verificaram-
se as armas; distribuíram-se tarefas de defesa e de
manutenção da ordem na cidade. De salientar, a
capacidade de liderança do Mestre e a forma como as
gentes do povo obedeciam às suas ordens e cooperavam
naquela importante e árdua missão, "sempre mostrando
forteza contra seus ẽmigos". A par dessa nobre atitude do
Mestre, enfatiza-se, através de uma atitude de admiração
por parte do narrador, o trabalho de equipa e o esforço
coletivo daquela massa popular que, unida, se preparava
para os duros tempos que se adivinhavam.

 5. Espaço

 A ação do capítulo 11 decorre nas ruas de Lisboa e em


redor do Paço da Rainha. Com efeito, toda a
movimentação inicial do povo tem como palco as ruas
lisboetas, por onde esta massa popular corre
euforicamente, curiosa, expectante, apreensiva e ardendo
em desejo de vingança. A sua movimentação tem como
destino o Paço da Rainha, onde se consta que matam o
Mestre de Avis. Já no Paço, manifesta a sua
agressividade e a sede de fazer justiça feita pelas próprias
mãos. Tudo se pensa e se faz para tentar salvar o Mestre;
todos estão impacientes e ansiosos por saberem novas
daquele que foi traído por D. Leonor e pelo Conde
Andeiro. No momento em que o Mestre revela estar vivo,
a alegria e a comoção misturam-se. Seguidamente, e após
dispersar a população, o Mestre dirige-se ao Paço do
Almirante para se encontrar com o Conde João Afonso.
Antes de lá chegar, é recebido à entrada do Rossio pelo
Conde, que o espera com um grupo de fidalgos,
satisfeitos por o ver em segurança.

o ruas de Lisboa, que o Pajem, Álvaro Pais e o Povo


percorrem em direção ao Paço da Rainha para
salvarem o Mestre:
o Exemplo
«Soarom as vozes do arroido pela cidade ouvindo todos
braadar que matavom o Meestre…»

o Paço da Rainha, espaço ao redor do qual o povo se


junta e demonstra a sua indignação, a sua ânsia, o
seu forte desejo de vingança e euforia por saber que
o Mestre está vivo:

o Exemplo
«… todos feitos duũ coraçom com talente de o vingar,
como forom aas portas do Paaço, que eram já
çarradas…»

o Rossio, espaço onde o Conde João Afonso e os seus
partidários aguardam pelo Mestre:

o Exemplo
«E indo assi ataa entrada do Ressio, e o Conde viinha
com todolos seus, e outros boõs da cidade

 6. Narrador
 O narrador é omnisciente, uma vez que conhece os
acontecimentos que relata, bem como as emoções e os
pensamentos das personagens. Num discurso, que oscila
entre a objetividade e a subjetividade, Fernão Lopes
regista os factos, analisa-os e interpreta-os. Manifesta,
ainda, empatia e solidariedade por aquela massa popular
patriota e apresenta um retrato negativo de D. Leonor e
do Conde Andeiro.

 narrador omnisciente:

 Exemplo
«De cima nom minguava quem braadar que o Meestre
era vivo, e o Conde Joam Fernandez morto; mas isto nom
queria neuũ creer...»

 discurso com marcas de objetividade e


de subjetividade:

 Exemplo
«— Ó Senhor! como vos quiseram matar per treiçom,
beento seja Deus que vos guardou desse treedor!

— Viinde-vos, dae ao demo esses Paaços, nom sejaes lá


mais.

E em dizendo esto, muitos choravom com prazer de o


veer vivo. Veendo el estonce que neũa duvida tiinha em
sua segurança, deceo afundo e cavalgou com os seus
acompanhado de todolos outros que era maravilha de
veer.»

 simpatia pelo povo e reprovação dos atos dos


que não apoiavam a causa da independência
de Portugal:

 Exemplo
«E sem dúvida se eles entrarom dentro, nom se escusara
a Rainha de morte, e fora maravilha quantos eram da sua
parte e do Conde poderem escapar.»

 7. Afirmação da consciência coletiva


 O Povo, enquanto personagem coletiva, apresenta um
papel ativo e decisivo na ação, determinando o curso dos
acontecimentos. Com efeito, a multidão mobiliza-se, de
imediato e rapidamente, para salvar o Mestre,
manifestando todo um sentimento patriótico e a
consciência de pertencer a uma comunidade nacional.

o Exemplo
«E per voontade de Deos todos feitos duũ coraçom com
talente de o vingar…»

 8. Estilo e linguagem
 Com o propósito de levar o leitor a “ver” e a “viver” os
acontecimentos e a conhecer intrinsecamente as
personagens apresentadas, a narração dos factos dá
ênfase ao processo descritivo e confere ao discurso um
forte apelo visual e sensorial. A sugestão de diferentes
sensações, a representação de sentimentos e o uso de
recursos expressivos recordam o trabalho do repórter,
que deixa contaminar o seu relato objetivo dos
acontecimentos com marcas (linguísticas) de
subjetividade.

 narração e descrição:

 Exemplo
«A gente começou de se juntar a ele, e era tanta que era
estranha cousa de veer. Nom cabiam pelas ruas
principaes, e atrevessavom logares escusos, desejando
cada uũ de seer o primeiro; e preguntando uũs aos outros
quem matava o Meestre, nom minguava quem responder
que o matava o Conde Joam Fernandez, per mandado da
Rainha.

E per voontade de Deos todos feitos duũ coraçom com


talente de o vingar, como forom aas portas do Paaço, que
eram já çarradas, ante que chegassem, com espantosas
palavras começaram de dizer:
— U matom o Meestre? que é do Meestre? ...»

 visualismo e sugestão de sensações:

 Exemplo
«Deles braadavom por lenha, e que veesse lume pera
poerem fogo aos Paaços, e queimar o treedor e a
aleivosa.

Outros se aficavom pedindo escaadas pera sobir acima,


pera veerem que era do Meestre; e em todo isto era o
arroido atam grande que se nom entendiam uũs com os
outros, nem determinavom neũa cousa.»

 representação de sentimentos:

 Exemplo
«E em dizendo esto, muitos choravom com prazer de o
veer vivo. Veendo el estonce que neũa duvida tiinha em
sua segurança, deceo afundo e cavalgou com os seus
acompanhado de todolos outros que era maravilha de
veer.»

presença de recursos expressivos:


- comparação

 Exemplo
«… e assi como viuva que rei nom tinha…»
- apóstrofe

 Exemplo
«— Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao
Mestre que matam sem por quê!»
- polissíndeto

 Exemplo
«Nom cabiam pelas ruas principaes, e atrevessavom
logares escusos, desejando cada uũ de seer o
primeiro; e preguntando uũs aos outros quem matava o
Meestre, nom minguava quem responder que o matava o
Conde Joam Fernandez, per mandado da Rainha.»
 - frases exclamativas

 Exemplo
«— Ó que mal fez! pois que matou o treedor do Conde,
que nom matou logo a aleivosa com ele!»

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