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2. Ação
Neste capítulo, Fernão Lopes narra o modo como a
população de Lisboa, incitada pelos brados do Pajem e
pelos apelos de Álvaro Pais, se movimentou em multidão
e em grande alvoroço, armando-se «cada uũ como melhor
e mais asinha podia», em direção ao Paço para salvar o
Mestre, que matavam por «mandado da Rainha», D.
Leonor Teles, e do seu amante galego, João Fernandes
Andeiro.
As ruas encheram-se, os ânimos exaltaram-se, o desejo
de vingança e de justiça crescia a cada momento:
o Exemplo
«Ali eram ouvidos braados de desvairadas maneiras.»
Urgia rebentar ou incendiar aquelas portas que os
separavam do seu Mestre. Entretanto, o Mestre apareceu
«a ũa grande janela», mostrando ao seu povo que estava
vivo e comunicando que matara ele o Conde Andeiro.
Muitas foram, assim, as manifestações de alegria coletiva
e «muitos choravom com prazer de o veer vivo».
3. Divisão em partes
De acordo com a movimentação e a ação das
personagens, o presente capítulo pode dividir-se em 3
partes distintas:
1.ª parte: os partidários do Mestre de Avis percorrem as
ruas de Lisboa para mobilizar a população, que os segue para
salvar o Mestre.
Exemplo:
«... começou d’ir rijamente a galope em cima do cavalo
em que estava, dizendo altas vozes, braadando pela rua:
Exemplo:
«Ali se mostrou o Meestre a ũa grande janela que viinha
sobre a rua onde estava Alvoro Paaez e a mais força de
gente, e disse:
Exemplo
«— Matom o Meestre! matom o Meestre nos Paaços da
Rainha! Acorree ao Meestre que matam!»
Exemplo
«E assi chegou a casa d’Alvoro Paaez que era dali
grande espaço.»
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Álvaro Pais
Depois de avisado pelo Pajem que o Mestre de Avis
corria perigo de vida no Paço da Rainha, Álvaro Pais,
armando-se e montando rapidamente no seu cavalo, sai
para a rua bradando que matavam o Mestre. Perante o
apelo, a população junta-se a ele e dirige-se ao Paço.
Exemplo
«Alvoro Paez que estava prestes e armado com ũa coifa
na cabeça segundo usança daquel tempo, cavalgou logo a
pressa em cima duũ cavalo que anos havia que nom
cavalgara; e todos seus aliados com ele…»
Exemplo 1
Mestre de Avis
O Pajem e Álvaro Pais põem em movimento a ação, que
gira em torno do salvamento da personagem central do
capítulo – o Mestre de Avis. Querido e estimado pelo
Povo, D. João é traído por D. Leonor Teles e pelo Conde
Andeiro, que pretendiam matá-lo no Paço da Rainha. No
entanto, é o Mestre quem acaba por assassinar o nobre
galego. Perante o desespero e a raiva da população de
Lisboa, que o julgava morto, o filho de D. Pedro aparece
numa das janelas do Paço revelando que estava vivo e em
segurança, facto que potenciou momentos de extrema
alegria e de grandes manifestações coletivas de apoio.
Exemplo
«— Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao
Mestre que matam sem por quê!»
Exemplo
«— Ó que mal fez! pois que matou o treedor do Conde,
que nom matou logo a aleivosa com ele!»
Exemplo
«Ali se mostrou o Meestre a ũa grande janela que viinha
sobre a rua onde estava Alvoro Paaez e a mais força de
gente, e disse:
Exemplo
«E assi encaminhou pera os Paaços do Almirante u
pousava o Conde dom Joam Afonso irmão da Rainha com
que havia de comer.»
Exemplo
«— Ó aleivosa! já nos matou uũ senhor, e agora nos
queria matar outro.»
Exemplo
«… e preguntando uũs aos outros quem matava o
Meestre, nom minguava quem responder que o matava o
Conde Joam Fernandez, per mandado da Rainha.»
Exemplo
«… se eles entrarom dentro, nom se escusara a Rainha
de morte, e fora maravilha quantos eram da sua parte e
do Conde poderem escapar.»
Exemplo
«… pois que matou o treedor do Conde…»
Ator coletivo
Povo de Lisboa
O povo de Lisboa é um dos protagonistas deste capítulo e
representa a consciência coletiva, uma vez que partilha
um conjunto de características comuns (como o
patriotismo) e um objetivo comum (apoiar e defender o
Mestre). A população age como um todo e é vista como
uma personagem coletiva. Incitada pelos gritos do pajem
e de Álvaro Pais, esta multidão de gente das camadas
populares, sem nome, não hesita em acorrer em auxílio
do Mestre. Os populares pegam em armas, correm pelas
ruas, planeiam maneiras para entrar no Paço, como
incendiar e derrubar a porta, trepar o muro, com o
propósito de evitar que matassem o seu Mestre.
Solidariedade, desejo de vingança, euforia e alegria são
marcas do estado de espírito desta massa popular, desta
força singular e tão poderosa, deste grupo anónimo, a
quem Fernão Lopes deu voz, e que é capaz de influenciar
o curso da História de Portugal.
Exemplo
«Soarom as vozes do arroido pela cidade ouvindo todos
braadar que matavom o Meestre; e assi como viuva que
rei nom tiinha, e como se lhe este ficara em logo de
marido, se moverom todos com mão armada, correndo a
pressa pera u deziam que se esto fazia, por lhe darem
vida e escusar morte.»
Exemplo
«… alvoraçavom-se nas voontades, e começavom de
tomar armas cada uũ como melhor e mais asinha podia.»
Exemplo
«Ali eram ouvidos braados de desvairadas maneiras.
Taes i havia que certificavom que o Meestre era morto,
pois as portas estavom çarradas, dizendo que as
britassem pera entrar dentro, e veeriam que era do
Meestre, ou que cousa era aquela.
"Crónica de D. João I", capítulo 115: "Per que guisa estava a cidade
corregida pera se defender, quando el-Rei de Castela pôs cerco
sobr’ela."
2. Ação
No presente capítulo, Fernão Lopes narra como o
Mestre de Avis e o povo preparam a cidade de Lisboa
para resistir ao cerco dos castelhanos. Com efeito,
tomando conhecimento de que o rei de Castela planeava
invadir a cidade, o Mestre comandou a sua defesa e
ordenou que se guardassem mantimentos e outras
provisões, uma vez que o reabastecimento da cidade ia
estar impedido. Além disso, muitos foram aqueles que se
protegeram dentro das muralhas e que ajudaram na
organização dos equipamentos e da logística da defesa:
repararam-se e fortaleceram-se as muralhas; verificaram-
se as armas; distribuíram-se tarefas de defesa e de
manutenção da ordem na cidade. De salientar, a
capacidade de liderança do Mestre e a forma como as
gentes do povo obedeciam às suas ordens e cooperavam
naquela importante e árdua missão, "sempre mostrando
forteza contra seus ẽmigos". A par dessa nobre atitude do
Mestre, enfatiza-se, através de uma atitude de admiração
por parte do narrador, o trabalho de equipa e o esforço
coletivo daquela massa popular que, unida, se preparava
para os duros tempos que se adivinhavam.
5. Espaço
o Exemplo
«… todos feitos duũ coraçom com talente de o vingar,
como forom aas portas do Paaço, que eram já
çarradas…»
o Rossio, espaço onde o Conde João Afonso e os seus
partidários aguardam pelo Mestre:
o Exemplo
«E indo assi ataa entrada do Ressio, e o Conde viinha
com todolos seus, e outros boõs da cidade
6. Narrador
O narrador é omnisciente, uma vez que conhece os
acontecimentos que relata, bem como as emoções e os
pensamentos das personagens. Num discurso, que oscila
entre a objetividade e a subjetividade, Fernão Lopes
regista os factos, analisa-os e interpreta-os. Manifesta,
ainda, empatia e solidariedade por aquela massa popular
patriota e apresenta um retrato negativo de D. Leonor e
do Conde Andeiro.
narrador omnisciente:
Exemplo
«De cima nom minguava quem braadar que o Meestre
era vivo, e o Conde Joam Fernandez morto; mas isto nom
queria neuũ creer...»
Exemplo
«— Ó Senhor! como vos quiseram matar per treiçom,
beento seja Deus que vos guardou desse treedor!
Exemplo
«E sem dúvida se eles entrarom dentro, nom se escusara
a Rainha de morte, e fora maravilha quantos eram da sua
parte e do Conde poderem escapar.»
o Exemplo
«E per voontade de Deos todos feitos duũ coraçom com
talente de o vingar…»
8. Estilo e linguagem
Com o propósito de levar o leitor a “ver” e a “viver” os
acontecimentos e a conhecer intrinsecamente as
personagens apresentadas, a narração dos factos dá
ênfase ao processo descritivo e confere ao discurso um
forte apelo visual e sensorial. A sugestão de diferentes
sensações, a representação de sentimentos e o uso de
recursos expressivos recordam o trabalho do repórter,
que deixa contaminar o seu relato objetivo dos
acontecimentos com marcas (linguísticas) de
subjetividade.
narração e descrição:
Exemplo
«A gente começou de se juntar a ele, e era tanta que era
estranha cousa de veer. Nom cabiam pelas ruas
principaes, e atrevessavom logares escusos, desejando
cada uũ de seer o primeiro; e preguntando uũs aos outros
quem matava o Meestre, nom minguava quem responder
que o matava o Conde Joam Fernandez, per mandado da
Rainha.
Exemplo
«Deles braadavom por lenha, e que veesse lume pera
poerem fogo aos Paaços, e queimar o treedor e a
aleivosa.
representação de sentimentos:
Exemplo
«E em dizendo esto, muitos choravom com prazer de o
veer vivo. Veendo el estonce que neũa duvida tiinha em
sua segurança, deceo afundo e cavalgou com os seus
acompanhado de todolos outros que era maravilha de
veer.»
Exemplo
«… e assi como viuva que rei nom tinha…»
- apóstrofe
Exemplo
«— Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao
Mestre que matam sem por quê!»
- polissíndeto
Exemplo
«Nom cabiam pelas ruas principaes, e atrevessavom
logares escusos, desejando cada uũ de seer o
primeiro; e preguntando uũs aos outros quem matava o
Meestre, nom minguava quem responder que o matava o
Conde Joam Fernandez, per mandado da Rainha.»
- frases exclamativas
Exemplo
«— Ó que mal fez! pois que matou o treedor do Conde,
que nom matou logo a aleivosa com ele!»