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Lendas do Alto Minho

Lendas do Alto Minho

Índice:

Lenda da Inês Negra 3

Lenda da Veiga da Matança 6

Lenda de Egas Moniz 8

Lenda Lobisomem da Junqueira 9

Lenda do Juiz do Soajo 11

Lenda Santo Aginha 15

Lenda Os Lobos 17

Lenda das Bodas do Cemitério 19

Lenda da Cabeça da Velha 21

Lenda da Moura (Sabadim) 24

Lenda do Mosteiro de Ermelo 26

Webgrafia:

https://www.altominho.pt/pt/viver/lenda
s-e-tradi%C3%A7%C3%B5es/

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Lenda da Inês Negra

Acabados os ecos da retumbante batalha de Aljubarrota, urgia consolidar a independência da Portugal,


reconquistando terras e praças-fortes ainda na posse dos castelhanos, que recusavam a autoridade do
rei D. João I.

O Mestre de Avis empenhou-se pessoalmente na tarefa de levar para a bandeira portuguesa as praças-
fortes do extremo norte do reino, local onde pouco antes estivera, aquando dos esponsais com a bela
Filipa de Lencastre na Ponte de Mouro. Para cumprir este ensejo, veio para Melgaço corria o mês de
Janeiro de 1388. Aqui chegado com sua comitiva, fez recolher a Rainha, D. Filipa, e suas damas, ao
Convento de Fiães, para testemunharem deslumbradas a bravura das hostes portuguesas, que o rei se
prontificou evidenciar, planeando o assalto às muralhas com que D. Dinis envolvera a torre afonsina.
Dentro das muralhas, a guarnição de trezentos homens, comandada por D. Álvaro Pais de Souto Maior,
estava disposta a defender-se das pretensões do Mestre de Avis e impunha aos pacíficos moradores o
domínio castelhano. Entre as famílias que aí habitavam havia a de uma portuguesa que era toda de
paixões pelas hostes castelhanas, vindo a ter, por isso, a alcunha de «arrenegada», nome pelo qual ficou
depois a ser conhecida toda a família.

Refilona de trato, fervia-lhe o sangue ao ver, do alto das muralhas, os preparativos dos seus compatriotas
lá para as bandas da Senhora da Orada. Ali instalados, os soldados portugueses armaram um engenho
que permitia lançar projéteis para a vila sitiada, e iniciaram a construção de uma bastida, torre de assalto
sobre rodas, de modo a superar a aparente invulnerabilidade das muralhas. Enquanto preparava o
assalto, D. João passava longos momentos a meditar todas as estratégias que melhor defendessem os
seus homens, ao mesmo tempo que desejava afirmar o seu domínio, tanto sobre a praça, como sobre o
coração da sua jovem esposa, a gozar uma lua-de-mel tão atribulada. Quanto mais cedo a resolução do
esforço militar, mais cedo se entregaria ao gozo nupcial.

Foram de tal forma resolvidos os projetos do Rei, que logo dentro muralhas o ódio e a força passaram do
espanto ao medo! Assustados perante os aparatosos engenhos, apressaram-se os de dentro a pedir
tréguas. Propuseram a el-rei que João Fernandes Pacheco conferenciasse com Álvaro Pais. Acedendo ao

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diálogo, o Mestre de Avis enviou Pacheco à barbacã onde falou com o comissário castelão, barricado
intramuros. Longo espaço de tempo durou esta conversação entre os dois guerreiros. Enquanto eles
falavam, assediados e assediadores tinham dificuldade em suportar o silêncio que entretanto viera com a
suspensão das investidas. Os mais pacíficos estavam esperançados na concórdia, mas os mais belicosos
estavam impacientes por recomeçar a pugna. A conferência estava a revelar-se difícil, pois D. Álvaro,
num orgulho irrefletido, estava a exigir condições e benesses ultrajantes às armas e brios lusitanos. A
falta de acordo fez com que D. João tomasse a resolução de humilhar o infame capitão da Praça com um
forte assalto às muralhas. Ele mesmo iria à frente dos seus soldados, desejoso de defender a honra das
suas armas. Sabia o Rei que, apesar da sua força, muitos soldados lusitanos iriam perecer, dadas as
dificuldades do campo de batalha. Mas dentro dos muros, perante o impasse das conversações, a
«arrenegada» deu azo aos seus ímpetos belicosos, que a traição alimentava. A cobardia dos seus e a
certeza da inferioridade militar impeliu-a à provocação e ao desafio, querendo com isso provar a razão
da tão ignominiosa traição. Propôs um combate singular para resolver a contenda: ela mesma iria lutar
com outra mulher, de quem conhecia o patriotismo, e que morava nas redondezas. Essa mulher era
«Inês Negra», uma patriota até à raiz dos seus cabelos negros, a coroar o rosto trigueiro que a
singularizava entre os seus conterrâneos. Há muito tempo que a «arrenegada» estava desejosa de provar
pela força, o que antes já discutira com essa adversária.

Inês, intimorata, aceita logo o desafio, farta que estava da vaidade e da traição da «arrenegada»,
escoltada pelas boas graças dos ocupantes. De bom grado acordou tal peleja o Rei, estupefacto pelo
patriotismo e coragem da mulher que se lhe apresentou para defender a honra dos lusitanos.

Aprazada a pugna para o dia 3 de Março, el-rei enviou à rainha recado para que viesse, pois tudo se
conjugava para que o desfecho da contenda estivesse para breve: os engenhos estavam concluídos, o
caminho para a progressão da bastida estava aplanado. Em Fiães, aos ouvidos da Rainha e das damas de
companhia, junto com o recado do rei chegara também a notícia do desafio entre as duas mulheres de
Melgaço. Logo as mais velhas comentaram tão descomposta escaramuça. Nas mais novas havia grande
jubilação com a expectativa de comoções. Quando a comitiva da rainha desce de Fiães, eram agitadas as
discussões do projetado combate, somente interrompidas pelas exclamações aflitas das timoratas e
pelas risadas escarninhas das resolutas, na iminência de um tropeção das montadas. Nestas ocupações,
quase esqueciam a paisagem deslumbrante, o panorama das extensas ondulações que formam o berço
delicioso em que se espreguiça voluptuosamente o rio Minho. Chegadas ao acampamento, el-rei
apressou-se em receber a rainha para acrescentar ao olhar amoroso a explicação do uso dos engenhos, e

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como se realizaria a escaramuça entre as duas mulheres. Ao comentar as diferentes posições e dúvidas
quanto ao desfecho de tão insólito desafio, D. Filipa sentenciou: “Inês tem a razão e a Graça de Deus pelo
seu lado. A vitória será da coroa portuguesa!”

Finalmente, amanheceu o dia 3 de Março, numa Primavera que se anunciava prometedora. Logo o
povoléu correu em direção ao terreiro para assistir à luta. Todos, de um lado e do outro, se dispuseram a
presenciar o espetáculo: os de dentro acudindo aos parapeitos das cortinas e bastiões, debruçavam-se
curiosos; os de fora formaram um círculo ao redor do local do encontro. A «arrenegada» saiu por um
postigo da fortaleza, avançando com um nodoso bordão. Foi estrondosa a gritaria do povo ao avistar a
«arrenegada». No centro do terreno a desnaturada castelã aguardou pela rival perante as vaias e os
apupos da multidão, ainda preocupada com a acomodação. Um burburinho cresceu de repente, e a
multidão abriu alas para deixar passar Inês. Do campo lusitano saiu um grito de encorajamento e de
carinho à mulher que avançava com olhar determinado e seguro. O primeiro recontro passou pelos
dentes cerrados e olhos fuzilantes com que as duas adversárias se presentearam.

Foi logo impetuoso o primeiro embate das justadoras. O choque foi tremendo, e num instante, os
bordões quebraram-se. Agora, sem armas, atirando-se uma à outra com rancor, rasgavam
reciprocamente as carnes com as unhas e os dentes. Atropelando-se, arrancando os cabelos, afogando-
se nos fortes e rudes braços, derrubando-se alternadamente na luta, prolongaram durante minutos a
encarniçada peleja. Estava a multidão excitada com tal drama, tentando discernir as fraquezas e as
habilidades das lutadoras, quando a arrenegada entrou a fraquejar, saindo logo desfalecida, coberta em
sangue e em lama. É o delírio da multidão e a glória de Inês Negra, que é levada em triunfo e aclamada
como a heroína das hostes portuguesas. A arrenegada, no meio da confusão, arrasta-se para o interior
do castelo, onde a derrota atravessa todos os olhares. Animados e excitados pelo exemplo de Inês, as
hostes lusitanas tomam de vencida as muralhas de Melgaço. Os de dentro, amedrontados e conscientes
sua inferioridade dão luta por pouco tempo, pedem tréguas, aceitando todas as condições do Mestre de
Avis, que os obrigou a sair desnudados, para escárnio do rapazio. Ao entrarem na Fortaleza, depararam
com o corpo da «arrenegada» com um punhal cravado no coração. Inês sobe ao alto da torre e,
abraçando as ameias, grita sem cessar:

“-Tornaste a nós! És do rei de Portugal!”

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Os reis portugueses, ladeados por Inês, agradeceram à Senhora da Orada tão feliz desfecho, e
entregaram a guarda e governo do Castelo da Vila de Melgaço a João Rodrigues de Sá. Depois, quando
retiravam festivamente, com sua comitiva, em direção a Monção, do alto da muralha, virada a noroeste,
um vulto de mulher agitava com ufania a bandeira gloriosa das quinas que empunhava. Era Inês Negra!

Lenda da Veiga da Matança

Era uma vez uma veiga a que chamam a Veiga da Matança, em terras de beleza e viço dos Arcos de
Valdevez.

O seu nome nasce da convicção popular de que, em 1143, aí se travou uma batalha sanguinária
entre as hostes de D. Afonso Henriques e as de seu primo, o Imperador e rei D. Afonso VII, de Leão.

O motivo da contenda residia na quebra do tratado de Tuy, em que o primeiro rei de Portugal
prometia vassalagem ao soberano vizinho.

Mas D. Afonso Henriques era um espírito rebelde, valente e determinado, disposto a fazer do
Condado Portucalense que exigira, pelas armas, a sua mãe D. Teresa, um país independente e
dilatado á custa das conquistas dos territórios da Moirama, a estenderem-se do Mondego ao reino
do Algarve.

Tivera, já, sob a proteção divina, uma batalha decisiva, nos Campos de Ourique, além-Tejo, contra
cinco reis moiros.

Como memória desta vitória e da milagrosa presença de Cristo, pois a lenda afirma o seu
aparecimento ao rei, encorajando-o à luta contra os infiéis, a bandeira de D. Afonso Henriques
passou a ostentar, em cinco quinas, as cinco chagas do Crucificado.

Sabendo da entrada do imperador pelo norte do país que estava a construir, com entusiasmo, o rei
português sobe aos Arcos, disposto a terçar armas pelos direitos do seu sonho patriótico. E foi
ocupar logo, para dar batalha, um lugar privilegiado, o alto Castelo de Santa Cruz, onde os seus
cavaleiros aguardaram, impacientes, o inimigo leonês.

Em piores condições encontrava-se D. Afonso VII, à frente das suas mesnadas.

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Combater o primo, em tais apuros, era uma temeridade!

Então, sabiamente aconselhado, propôs a D. Afonso Henriques o encontro dos dois exércitos na
planura da veiga, não para a violência de uma batalha, mas apenas para a destreza de um torneio,
ou baforada, como então era chamado.

Assim, cada cavaleiro português desafiava um cavaleiro leonês, para um confronto singular.

E venceria quem mais inimigos houvessem derrubado.

D. Afonso Henriques aceitou o repto e, rodeado de bons e esforçados cavaleiros, experientes em


manejar a lança e a espada no corpo do contendor, saiu-se vencedor do bafordo, obrigando o
imperador a regressar aos seus domínios de além-Minho.

Pouco tardou que D. Afonso VII não assinasse um armistício com o primo português, aceitando-lhe,
diante de um alto dignitário da Igreja, o título de rei.

Graças ao acordo entre dois monarcas, a veiga arcuense assistiu, assim, não a uma carnificina, mas
quase a um espetáculo palaciano, embora temerário, que, noutras circunstâncias, poderia, até, ser
admirado por damas e donzéis, entre guiões de seda e ornamentos de festa. Mas a lenda sobrepõe-
se à História.

E, séculos atrás de séculos, o povo olha a pujança pacífica daquela extensa veiga cultivada, como
local fatídico de uma horrenda batalha, com a terra empapada em sangue, cavalos desventrados,
guerreiros agonizantes, segurando, ainda, na mão exangue, lanças, escudos, espadas, gemendo de
dor, suspirando de morte. Incólume, no meio desta hecatombe, empunhado a branca bandeira das
quinas, montando um cavalo banhado de espuma, mas de crinas agitadas ao vento da glória,
qualquer pode imaginar o vulto espesso e nobre de D. Afonso Henriques, o rei-herói, anunciando,
naquela veiga, naquela matança, o Dia Primeiro de Portugal!

Lenda de Egas Moniz

A batalha de Valdevez entre os exércitos de D. Afonso Henriques e Afonso VII de Castela não teve
um resultado decisivo para nenhuma das hostes envolvidas. D. Afonso Henriques retirou-se para
Guimarães com o seu aio Egas Moniz e com os outros chefes das cinco famílias mais importantes do
Condado Portucalense, interessadas na independência.

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O monarca castelhano pôs cerco ao castelo de Guimarães mas o futuro rei de Portugal preferia
morrer a render-se ao primo. Egas Moniz, fundamentado na autoridade que a posição e a idade lhe
conferiam, decidiu negociar a paz com Afonso VII a troco da vassalagem de D. Afonso Henriques e
dos nobres que o apoiavam.

O rei castelhano aceitou a palavra de Egas Moniz de que D. Afonso Henriques cumpriria o voto de
vassalagem. Mas um ano depois, D. Afonso Henriques quebrou o prometido e resolveu invadir a
Galiza, dando origem a um dos momentos mais heroicos da nossa história. Vestidos de condenados
e com corda ao pescoço, Egas Moniz apresentou-se com toda a sua família na corte de D. Afonso VII,
em Castela, pondo nas mãos do rei as suas vidas como penhor da promessa quebrada.

O rei castelhano, diante da coragem e humildade de Egas Moniz, decidiu perdoar-lhe e presenteou-o
com favores. Este ato heroico impressionou também D. Afonso Henriques, que concedeu ao seu
velho aio extensos domínios.

Pensa-se que esta terá sido uma estratégia inteligente por parte de Egas Moniz para que o primeiro
rei de Portugal pudesse ganhar tempo. Ao entregar-se, Egas Moniz ressalvava a sua honra e também
a de Afonso Henriques, assegurando através da sua astúcia a futura independência de Portugal.

Lenda Lobisomem da Junqueira

O tio António saiu naquele dia chuvoso para a junqueira, para além da ponte sobre o Coura, mesmo
junto à Sra. da Ajuda. A necessidade de roçar um pouco de junco obrigava-o a manejar com força e
destreza o gadanho que levara junto com a foucinha. Fazia-o como sempre o fizera, mas naquele
malfadado dia um cão teimoso rondava continuamente e tirava-lhe a paciência.
- Sai cão!
Ameaçava com o gadanho levantado. Em vão! De olhos fixos no pobre do tio António, ora ameaçava
um pouco, avançando, ora recolhia mais ao largo. Isto sem nunca tirar os olhos do homem que o
ameaçava.
- Sai! Olha que te corto uma perna, seu filho da mãe! Ou foges ou não sei o que te faça!
Nada! Aquilo estava a desesperar o trabalho. O que teria o raio do cão — pensava Tio António —
para não temer o gadanho ou a foucinha, e para o fixar com tanta raiva? Agora era o pobre do
homem que estava a ficar receoso. Não vira ele tantos cães a fugir diante de uma pequena vara,

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quanto mais do gadanho! Aquilo já lhe estava a passar o entendimento e, num ato de puro
desespero, lançou o foucinho ao maldito cão, fugindo logo de seguida sem olhar para trás. Ainda
ouviu um latido dorido, mas, assustado, nem se importou em largar tudo naquele lugar, voltando
para casa. A mulher estranhou-lhe o comportamento, mas tio António não estava para conversas.
Tão cedo não voltaria à junqueira!
Os dias passaram e outras necessidades se apresentaram. Precisava de uns touros para substituir os
que há alguns anos o serviam. Um dia por ocasião da feira de Ponte de Lima, resolveu ir até lá para
os comprar. Vestiu roupa a condizer e partiu, montes fora, na graça de Deus.
Caminhava ele resoluto pelas veredas da Serra d’Arga, não sem um pouco de receio pelo que se dizia
dos meliantes daqueles lugares, quando lhe apareceu um senhor muito bem vestido no mesmo
trajeto.
- Muito bom dia! Então o senhor o que é que anda a fazer por estas veredas?
Questionou o estranho!
- Venho comprar uns tourinhos a Ponte de Lima.
- Uns tourinhos? Porque é que não compra uns touros já grandes, prontos a trabalhar?
A conversa parecia querer ir longe! Tio António, cauteloso, lá foi respondendo:
- Não, que não tenho lá muito dinheiro! Com o tempo eu vou-os ensinando!
- Não! O senhor vai comprar, mas vai comprar uns bem fortes e grandes!
Mas quem era aquele para lhe mandar fazer seja o que for? Quem é que sabia da Sua vida? Aquilo
não estava a parecer-lhe muito correto. E menos correto lhe pareceu quando o desconhecido o
convidou para entrar em sua casa, que ficava por ali perto, para comer!
- Ai isso é que não vou!
- Vai sim senhor! Vá, não tenha medo, pois faço muito gosto em tê-lo à minha mesa!
Ao ver a bela casa apontada pelo desconhecido, e vendo os criados que lhe vinham ao caminho, o
tio António, apesar de um certo medo por não o conhecer de lado algum, aceitou entrar.
Entrados na casa, o misterioso homem levou-o à adega, e disse-lhe:
- O senhor conhece aquilo que está ali pendurado na trave?
Com cara de espanto, o pobre do tio António só balbuciou:
- Conheço! Aquilo é meu! É a minha gadanha e o meu foucinho. Como é que vieram aqui parar?
- O senhor não se lembra? Então eu vou-lhe contar, O senhor não andava um dia a roçar junco na
junqueira, e não lhe apareceu um cão?
- Apareceu, apareceu! E eu atirei-lhe com o foucinho, mas deixei-o, pois tive medo que ele me
fizesse mal!

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- Pois então, meu caro amigo, esse cão era eu! O senhor acabou com o meu mal, libertando-me de
tal fada de lobisomem. E agora não vai comprar uns tourinhos... Vai comigo à feira e sou eu que lhos
compro!
Lá foram os dois a Ponte de Lima, onde o homem lhe marcou os melhores bois que havia na feira.
Depois ainda o acompanhou no caminho até ao alto do monte. Chegado a casa, contou tudo o que
lhe passou, e todo o mundo ficou admirado.

Lenda do Juiz do Soajo

Era uma vez um homem chamado João Congosta que exercia as funções de juiz na vila do Soajo,
situada na aba da serra do mesmo nome, sobranceira ao Vale do Lima.

Isto passou-se há muitos e muitos anos, quando o Soajo era terra notável na defesa da fronteira com a
Espanha, com foral concedido por D. Manuel e pelourinho onde se executava a justiça.

João Congosta era homem inteligente e honesto, admirado pelo povo que lhe aprovava as sentenças,
quase sempre sobre pequenos delitos: o furto de um anho, por ocasião da Páscoa, ou de uns pés de
coives galegas pelos frios de Natal.

Mais sério, as sacholadas por via da mudança de um marco ou desvio de umas águas do regadio.

Mas, um dia, viu-se a braços com um crime grave, que pôs toda a vila em polvorosa: a morte violenta de
um lavrador soajeiro abastado, mandado assassinar por um fidalgo dos Arcos de Valdevez, que lhe devia
um grosso de moedas.

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O caso levou seu tempo a resolver, com buscas e interrogatórios dos culpados, falsas juras de inocência,
provas forjadas, o diabo!

Todavia, João Congosta acabou por desdobrar a meada dos enredos e julgar, com saber e severidade,
condenando o fidalgo e os seus cúmplices à pena máxima.

O pior é que o principal criminoso tinha padrinhos na Corte, gente pronta a influenciar El-Rei contra a
sentença do juiz do Soajo, que descreviam como um pobre rústico, estúpido e ignorante.

Impressionado com tais palavras de mentira e de intriga, El-Rei remeteu o caso aos seus juízes que, por
sua vez, convocaram João Congosta para mais perfeitos esclarecimentos.

João Congosta era um homem simples e que apenas uma única vez saíra da sua vila, indo por dever de
profissão, até à vizinha Arcos, sede do seu julgado.

Recebeu, pois, com desagrado, aquela intimação para se deslocar à Corte.

Mas, embrulhado na sua inseparável capa de estamenha usada nas audiências, ala!

Até ao porto de Viana, onde embarcaria para Lisboa, pois a viajem por terra era demasiado morosa e
insegura.

Desembarcado no Terreiro do Paço, a Capital perturbou-o, com o seu ruído, com o seu movimento de
cavalos, bois, carroças e carruagens, gente de tantas raças, envergando os seus trajos tradicionais, algum

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animal exótico, para pasmo popular, e em mercado vivo e colorido, soltando os seus pregões, exibindo
os seus produtos do campo e de além-mar.

Depressa se dirigiu ao Paço Real, magnífico na sua arquitetura, atravessou, com dificuldade, as barreiras
da soldadesca, dos lacaios e dos pajens, chegando, por fim, ao vasto salão, onde o aguardavam os seus
colegas da Corte, comodamente refastelados em solenes cadeirões de magistrados.

João Congosta procurou o seu, para um descanso, mas, sobretudo, para a tranquilidade de melhor
ponderar e discutir.

Porém, todos eles se encontravam ocupados.

Os juízes da Corte não reconheciam, naquele labroste, vindo do cabo do mundo, sem modos nem
pensamento, o direito à dignidade de uma cátedra.

O juiz do Soajo não hesitou.

Tirou dos ombros a capa das audiências, dobrou-a bem dobrada, num aumento conveniente de volume,
pô-la no chão e sentou-se nela, ficando, assim, ao nível dos colegas, e aguardou que o consultassem
sobre os motivos e a justeza da sua sentença.

Com uma admiração que, pouco a pouco, se ia tornando maior e mais entusiástica, os juízes da Corte
viram que a sua própria experiência e sabedoria, e mesmo a manha com que obrigavam os réus a
contradições e confusões de espírito, nada valiam ante a limpidez de raciocínio, a agudeza dos
argumentos, o brilho da inteligência do parolo das serras, criado no convívio de gente boçal e entre
matagais selvagens.

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Terminada a sessão, todos louvaram a sentença de morte dada aos três assassinos, louvando, também,
quem a proferira.

Levantou-se João Congosta e, com uma vénia, aproximou-se da porta de saída.

Então, um dos presentes advertiu-o que havia deixado, por esquecimento, a sua capa de audiências no
chão do salão.

Com voz bem alta e clara, ouvida por todos, João Congosta retorquiu, numa lição ao desprezo de que
fora vítima, ao entrar ali:

- O juiz de Soajo nunca levou consigo cadeira em que se sentou!

Reconhecendo a grosseria que haviam cometido, os juízes da Corte coraram e baixaram os olhos, de
vergonha.

João Congosta não quis ficar um instante mais em Lisboa.

Tomou o primeiro barco para Viana e não tardou a voltar a gozar a beleza da sua serra, a entregar-se às
obrigações do seu cargo, a receber o respeito e amizade dos seus conterrâneos.

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Lenda Santo Aginha

Há muitos, muitos anos, vivia na Serra d’Arga um perigoso salteador de estradas e casais, de seu
nome Aginha. Por entre os arvoredos, caminhos e casas da Serra corria o temor de algum dia ser-se
confrontado com tão perigoso meliante. A sua fama corria por todos os recantos, espalhando um
misto de pânico e admiração. Já ninguém se atrevia a cortar a serra sozinho e, muito menos, de
noite. Contavam-se histórias e histórias dos seus feitos, durante os serões da serra, ao calor das
fogueiras. Os mais velhos, querendo o respeito e a obediência das crianças, ameaçavam com a
presença do Aginha. Mas estas, depois da repreensão, preferiam brincar recriando as aventuras do
malvado.
Quando menos esperava, o viajante via aparecer-lhe pela frente, de punhal em riste e chapelão, o
malfadado Aginha! E se não levasse consigo fazenda ou moeda, passava um mau bocado, porque o
assaltante só desistia da presa depois de a esbulhar, nem que tosse da roupa que trazia. Qualquer
gesto de autodefesa era suficiente para a aventura não ficar apenas pelo roubo. Ao maltratar as
vítimas mais intimoratas, Aginha marcava a fronteira do medo, e justificava a impunidade
conquistada. Descia um dia, ainda noite alta, um frade do convento de S. João para a missa da
matina em Arga de Baixo, quando o meliante lhe saltou ao caminho. A escuridão confundiu-se no
hábito do frade. Aginha só reconheceu o homem de Deus quando o confrontou em pleno caminho.
Mas Aginha não era homem de grandes rezas, e seria muito mau para a fama conquistada, se não
fizesse o que sempre fazia nestes casos. Por isso, apontando o grande facalhão ao pobre do frade
atónico, exigiu o salteador:
- A bolsa ou a vida!
A normalidade da sua exigência deu com a anormalidade do caminhante. O frade nem tinha bolsa,
nem se preocupava muito com a vida terrena:
- Ó meu filho, não tenho nada de valor comigo, a não ser as pobres vestes de frade e a cruz que
trago ao peito!

De que lhe serviam tais «trastes»? Nem umas botas ele trazia! Aginha não sabia o que fazer, pois tal
nunca lhe havia acontecido. Vendo-o assim sem jeito e mudo, o pobre do frade lá foi conversando
com o salteador, usando palavras mansas e sábias, às quais, perplexo, o Aginha, sentado agora,
respondeu com um longo silêncio. Ainda hoje ninguém sabe o que o frade lhe disse! O certo é que,
em puro milagre, decidiu abandonar aquela vida de salteador! Caindo aos pés do frade, banhado em

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lágrimas de arrependimento, confessou os seus crimes e converteu-se. Como penitência, impôs-lhe


o frade a missão de permanecer na serra, ajudando agora aqueles que antes havia maltratado.

Poucos dias depois, passou por ali um lavrador, decidido a atravessar a serra com um carro de lenha.
Ainda não era noite. Por isso, apesar de receoso, o nosso lavrador foi avançando apressado, como
sempre fazia quando passava por tão mal afamado sítio. Na pressa não reparou numa grande pedra
do caminho que, repentinamente, lhe tombou o carro em tremenda barulheira.

Não podia o dia ser tão azarado! Como podia aquilo acontecer mesmo ali! Depois de soltar dois ou
três palavrões, sempre olhando em volta, assustado, decidiu o lavrador que a única solução era
levantar o carro e atrelar novamente os animais o mais depressa possível. Mas como podia fazê-lo
sozinho?

O estrondo do acidente atraiu Aginha. Vendo a incapacidade do lavrador, decidiu ir ajudá-lo, e assim
dar cumprimento à penitência prescrita pelo frade.

Quando os olhos do lavrador deram com a figura conhecida do Aginha, sentiu que o sangue lhe fugia
pelas pernas, e, por momentos, ficou petrificado, pois desconhecia a intenção do penitente. Julgava
o lavrador que Aginha vinha para o maltratar, já que não o sabia convertido. Mais refeito da
surpresa, e vendo-o sem guarda, pegou na machada de cortar a lenha, e desferiu-lhe um golpe na
cabeça, que o matou.

Angustiado por tão hediondo crime, apesar de se julgar em autodefesa, arrastou o cadáver para o
matagal mais próximo, e regressou, ainda assustado, à aldeia.

Passados dias, chegou à Serra d’Arga uma ordem do rei que prometia grande prémio a quem
terminasse as aventuras do temível salteador, O lavrador, ao ter conhecimento desta ordem, e
desejando fazer-se ao prémio, logo denunciou o seu feito heróico. Porém, chegados ao local onde
tinha lançado o cadáver, povo e autoridades ficaram estarrecidos ao ver o corpo intacto!
Aproximaram-se mais um pouco e, segundo dizem, sentiram que o corpo exalava um suave cheiro
de flores silvestres, não obstante terem decorrido já alguns dias após o trágico desfecho. A
estupefação só ficou mitigada quando souberam, pelo frade, da conversão do ladrão.
Imediatamente o povo aclamou Aginha como santo, construindo ali uma capela em sua honra.

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Lenda Os Lobos

No tempo em que de noite não havia luz em lado nenhum, os lobos vinham com frequência visitar as
casas. Nas noites escuras de Inverno, quando certos barulhos circundavam as casas, todos se arrepiavam,
pensando no lobo esfomeado.

As histórias de pessoas e rebanhos devorados pelos lobos ouviam-se com frequência junto à lareira.
Naquele dia o Agostinho tinha ido a Castro Laboreiro com o seu carro de bois. Ganhava a vida carregando
feno, vinho ou lenha dos montes. Camiões e camionetas era coisa que não existia. Nesse dia carregara o
carro com uma pipa de vinho para Laboreiro e, no regresso, para aproveitar o frete, trazia um carro de
feno, abundante lá por Castro Laboreiro. Já que tinha de fazer o caminho, assim ganhava duas vezes,
ocupando sempre o carro.

Quando regressou, como a viagem era longa e o caminho difícil para a segurança da carga, já fazia noite.
Vinha sozinho com os bois entrepostos pela ladeira a baixo, com um aguilhão pr’a picar o gado. No meio
da escuridão, o gado parecia conhecer melhor o caminho do que tio Agostinho, que ora seguia à frente
dos animais, ora se colocava ao lado, conforme os locais e a disposição.

Havia passado Lamas de Mouro e estava perto de Cubalhão, num sítio a que chamam «as Grandes Botas
de Cubalhão». Num raio de 4 ou 5 Km não se vê viva alma ou casa habitada. Ali não existe nada! As
pessoas diziam que aquelas «botas» eram muito medrosas por ali ter sucedido há muito tempo
acontecimentos estranhos com lobos. Conta-se que ali, numa encruzilhada, aparecia um lobo que comia
as pessoas. Todo o que por aquele local passava, a uma certa hora, era comido! É verdade que alguns
diziam terem visto no dito lugar botas, bocados de pés... Acontece que uma vez um homem muito
valente, quando soube que tinha aparecido mais umas botas e pernas disse:

“-Eu vou desafiar o lobo! Vou matar esse lobo maldito!” Ninguém queria acreditar no que estava a ouvir.
Os outros homens bem tentaram dizer-lhe que o que pretendia era uma loucura, e que iria morrer, como
os outros; que ele sozinho não conseguia matar o lobo. Mas ele fez ouvidos de mercador e, depois de se

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apanhar com uma boa caneca de vinho, foi para a encruzilhada esperar o lobo, levando consigo um
valente pau com que estava habituado a lutar nas festas e nas feiras da região.

A dado momento apareceu o lobo. Assim que o viu, o homem levantou o pau, em posição de espera, ora
rodando à direita, ora à esquerda, na tentativa de não ser surpreendido pelo lobo. O lobo foi-se
aproximando, confiante, mas sem grande entusiasmo, como querendo estudar os golpes do seu
adversário. O homem bem tentava «botar-lhe» o pau, mas o lobo, de tão manhoso e inteligente,
apanhava o pau ao homem com o rabo! O pobre do homem por mais ágil que fosse, não conseguia
acertar nem na cabeça nem no corpo do lobo, porque este desviava sempre o pau com o rabo. Durante a
noite o homem foi lutando sempre, na expectativa de acertar na cabeça, mas sem sucesso. Começava a
ficar cansado e a baixar cada vez mais o vara. Parecia que o lobo sabia o que estava a fazer: levar o pobre
do homem a tal fadiga que, não conseguindo depois defender-se, o poderia comer a seu belo prazer.

Na aldeia a espera já angustiava os mais hesitantes. Então, um dos amigos, foi atrás dele: -“Esse
desgraçado vai-se fazer comer! Deixa-me ir acudi-lo”. Pegou num outro pau e lá foi, não sem antes deixar
de levar consigo lume, para assustar o lobo. Quando chegou junto do amigo, estava ele ainda a lutar com
o lobo, e o lobo a deitar-lhe o rabo... Resolveu atacar o lobo pelo outro lado, a ver se lhe acertava na
cabeça, pois ele não se podia defender dos dois ao mesmo tempo. Desta forma conseguiram dominar o
lobo e matar a fera que a todos assustava.

Estava o tio Agostinho a pensar nesta luta, quando viu aproximar-se dele um grande cão, que logo viu ser
um lobo! Perante tal visão, sentiu um arrepio pelo corpo todo. Segurou com força o aguilhão do gado, e
colocou-se na frente dos bois, sem nunca tirar os olhos daquele animal que não deixava, agora, de o
seguir. Durante 2 km o lobo acompanhou-o, sem mostrar qualquer receio, nem esboçar qualquer ar de
ferocidade. Não teria ele fome? Estaria ele ali só para lhe lembrar que aquele era o seu território,
exigindo o respeito que lhe era devido? A resposta era difícil de encontrar, mas o certo é que, já perto de
Cubalhão, às primeiras casas, o latir dos cães aos barulhos dos rodados do carro fez parar o lobo. Tio
Agostinho sentiu que o sangue voltava, na certeza de que dali para baixo já não era terra de lobos.

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Lenda das Bodas do Cemitério

Era uma vez um fidalgo, dos mais nobres das terras que se estendem, num vale fértil, entre altas
montanhas, banhadas por um rio, o Vez, pequeno no caudal, é certo, mas de margens graciosas e
elegante no percurso até às águas do Lima.

Chamava-se D. Soeiro e era alcaide do castelo de Tora, de perfil aguerrido, eriçado de ameias,
erguido sobre espessas rocas.

Enviuvara, há bem pouco, de D. Aldonça, aparecida morta subitamente, tão nova ainda e tão bela.

Ninguém conheceu a dimensão do desgosto do alcaide, nem ninguém lhe vira as lágrimas de dor,
pois, por alguns dias, permaneceu encerrado no seu Paço do Vale, sem conviver com amigos ou
parentes.

Parecia, todavia, misterioso, a muitos, o triste desaparecimento da dama, coincidindo com o


afastamento de uma das suas aias, Dulce, a quem D. Soeiro dirigia, muita vez, ora um galanteio, ora
um sorriso cúmplice.

Por isso, nos castelos e solares das redondezas, se murmurava, aliás sem existência de probas, que o
marido se vingara na esposa, com veneno ou punhal, por ela haver descoberto o seu amor adúltero
e o haver interrompido com a expulsão de Dulce.

Passado o tempo de luto, D. Soeiro regressou às suas funções de alcaide do castelo de Tora, próximo
da fronteira, vigia e defesa do solo português.

Ia ele, num entardecer doce, vulgar por aquelas bandas, a caminho do castelo, quando ao passar
junto do cemitério onde jazia D. Aldonça, avistou um vulto de mulher, cuja riqueza do trajo mostrava
ser alguém de elevada estirpe.

Trazia o rosto pudicamente oculto por um véu de tecido leve.

D. Soeiro, encantado com aquela aparição, não resistiu em rogar-lhe que se mostrasse aos seus
olhos, despojada de ocultações.

Ela obedeceu.

E D. Soeiro pôde, então, admirar melhor essa mulher, muito jovem e muito formosa.

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Solícito, indagou-lhe se necessitava de auxílio; de companhia até casa, pois a noite avançava e
cresciam os perigos de uma dama, como ela, se aventurar, sozinha, por esses ermos.

E, enquanto dizia tais palavras, o alcaide cada vez mais se sentia dominado pela sedução daquela
mulher.

Num ímpeto apaixonado, tentou mesmo tocá-la, mas parecia que as suas mãos unicamente
prendiam o sopro do vento.

Tomou-lhe a mão, mas sentiu-lha de gelo e como desprovida de carne.

Dir-se-ia haver palpado, apenas, os ossos de um esqueleto!

Todavia, não deixou de lhe confessar um amor eterno, pois pensava que lhe era impossível, a partir
do instante em que avistara aquela dama, continuar a viver de coração tranquilo e solitário.

A visão sorriu enigmaticamente.

Depois, exigiu do alcaide que jurasse a eternidade desse amor, no recinto sagrado do cemitério.

E ambos se dirigiram para lá.

Mas, quando D. Soeiro transpôs o portão da mansão dos mortos, o sino da capela do solar do Vale
começou a tanger, cadenciado.

Espantou-se o alcaide com aquele dobre, pois havia proibido aos seus criados, após o falecimento de
D. Aldonça, de fazer tocar o sino da capela.

Então, ao som das badaladas, D. Soeiro viu-se envolvido pelos braços da estranha dama e, mudo de
assombro, ouviu-se a confissão:

Ela era o cadáver de D. Aldonça, traída e assassinada pelo marido, a vingar-se, naquele encontro, do
seu sofrimento e da sua morte violenta.

E, à medida que fazia esta revelação, sem deixar de abraçar D. Soeiro, ia-se transformando, lenta,
lentamente, num esqueleto apavorante.

Um grito imenso, arrepiante, soltou-se da boca escancarada do alcaide.

A Lua já nascera no céu, pálida e misteriosa.

Na manhã seguinte, o coveiro foi descobrir D. Soeiro, morto e tombado sobre o sepulcro da esposa.

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Então, o povo e a fidalguia daquelas paragens, lamentando-lhe a morte, arrependiam-se de haver


duvidado da fidelidade do alcaide, afinal, tão apaixonado por D. Aldonça.

E nunca chegaram a conhecer a verdade.

Lenda da Cabeça da Velha

Era uma vez uma jovem chamada Leonor, de rara beleza e dona de fartos haveres.

Órfã de pais, vivia com um tio, D. Bernardo, num pequeno lugar situado na Serra da Peneda, no
Norte português, junto às terras da Galiza.

D. Bernardo, também ele abastado, tinha a sobrinha em muita estima e desejava, para ela, um
casamento feliz mas tardio, para poder beneficiar, até ao fim da sua vida, que prometia ser longa,
pois o fidalgo era, em extremo, robusto e saudável, dos cuidados e carinhos de Leonor.

A jovem, porém, já se havia enamorado de um seu primo, D. Afonso, moço belo e inteligente, com
nobre solar na região.

Conhecia Leonor os propósitos egoístas de D. Bernardo.

Mas o coração negava-se-lhe a acatar-lhe decisão tão cruel.

E, não resistindo ao sentimento que nutria pelo primo, passou a encontrar-se com ele, no mais
rigoroso segredo.

Tinha uma cúmplice, em tais arrebatados encontros.

Era Marta, uma velha serviçal do tio, que, havendo-a criado de menina, tinha por fiel confidente.

Marta alegrava-se de poder apadrinhar o amor dos dois primos, que a enternecia.

Temendo, no entanto, que a criada, pela fraqueza da velhice, alguma ocasião caísse em revelar ao
amo aquela paixão proibida,

Leonor lembrou-se, gravemente, o mal que atingiria os três, se D. Bernardo soubesse da


desobediência da sobrinha.

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Marta indignou-se.

A sua lealdade estava acima de qualquer suspeita.

E afirmou a Leonor:

- Minha ama: se alguma vez vos trair, ou for obrigada a trair-vos, que me transforme em pedra,
como essas dos cabeços, frias e rudes!

Um dia, D. Afonso esperou por Marta, no recato de um ermo, para lhe entregar uma carta dirigida a
Leonor, a rogar-lhe que fugisse com ele, numa noite próxima, libertando-a da tirania do tio.

E, na carta, indicava o lugar aprazado para o encontro dos dois fugitivos.

Ele levá-la-ia para o seu solar e lá casariam na capela que, como em todas as grandes moradias
fidalgas, se lhe avultava à ilharga, sempre florida e cuidada.

Marta recebeu a carta e regressou a casa.

Mas, de repente, saiu-lhe ao caminho, vindo do interior de uma mata, onde se entretinha a caçar, a
figura do amo.

Estranhou ele a presença da serva naquele local tão distante do solar.

E logo uma forte desconfiança lhe assaltou o espírito ao ver, na mão da velha criada, a carta secreta.

Com voz autoritária, exigiu que ela lha entregasse.

Marta procurou resistir àquela ordem que iria fazer a desgraça dos dois jovens e a sua própria.

Mas D. Bernardo teve artes de lha arrancar, lendo-a de seguida, com as feições transtornadas pela
revelação desse amor que ignorava.

Devolvendo, calado, a carta ao terror de Marta, afastou-se num passo incerto.

Marta pasmou daquele silêncio, supondo, porém, que D. Bernardo, pela muita estima em que tinha
Leonor, aceitara, resignado, os sentimentos dos sobrinhos.

E correu a entregar a carta comprometedora à sua querida ama, ocultando-lhe, todavia, o encontro
com D. Bernardo e a sua estranha atitude.

Na noite combinada, Leonor, embuçada numa capa escura e comprida, escapou-se do solar do tio,
não sem um olhar húmido de saudade, para procurar os braços de D. Afonso e o desejado enlace.

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Na sombra, umas sombras seguiam-na ao largo.

Procurando por todas as salas desertas do solar a presença de D. Bernardo e dos criados, Marta
compreendeu, por fim, que o amo não perdoara aos sobrinhos e se dispunha a castigá-los, numa
emboscada vingativa.

Correu, então, quanto podiam as suas pernas cansadas da idade, por desvios, por atalhos a avisar
Leonor e D. Afonso da cilada de D. Bernardo.

Chegou a tempo.

Sem atenção, D. Afonso sentou Leonor na garupa do seu cavalo, e, num galope alucinado, afastou-se
da perseguição do tio e dos seus criados bem armados.

Ao olharem, porém, para trás, para agradecerem a Marta aquela prova de lealdade que lhes salvara
a vida e o amor, apenas distinguiram a rijeza de uma pedra, onde se esculpia a face rugosa da velha
criada: o seu nariz adunco, a saliência do queixo.

A jura de Marta havia-se cumprido.

Feita pedra, a velha parecia despedir-se de Leonor e de Afonso, a cavalgarem já longe, com os seus
olhos cegos, que um manto de musgo começava a cobrir, macio e piedoso.

Lenda da Moura (Sabadim)

Lenda da Moura Reza uma velha lenda, a Lenda da Moura, que a poucos metros destes penedos,
chamados Penedos da Aguinadoira, havia o desaparecido Lugar da Lama, no alto deste monte, a confinar
com a Freguesia de Vascões. O lugar desapareceu em 1109. Um enorme terramoto destruiu 12 fogos e
tudo que ali havia. As pessoas daquela época sobreviviam da caça e da lavoura. Coziam o pão numa telha
de barro na lareira. Forno...? nem se ouvia falar..., não existia!...Morava lá uma senhora muito generosa,
que gostava de ajudar os mais pobres. As pessoas todos os dias à noite mugiam o gado. Um dia por
semana, essa senhora, mandava a filha, rapariga dos seus 25 anos, levar um saco de milho a moer ao
moinho, que ficava junto ao ribeiro que nascia nesse lugar, chamado Rio do Frango e incumbia a filha de,
sempre que fosse ao moinho, levar um pedaço de pão da telha e uma caneca de leite a uma pessoa mais
desfavorecida que morava numa casinha, já destruída, junto ao moinho. O itinerário da rapariga era

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sempre o mesmo. Ia por um carreiro antigo que passava pelo meio destes penedos. Como sempre,
desceu todo este monte pôs o moinho a moer o milho e, entregou a caneca de leite e o pão ao pobre
velho que morava sozinho e desamparado. Voltou para casa, mas ao passar novamente no meio dos dois
penedos, surgiu uma menina toda vestida de branco que lhe pediu:

- Não me dás uma caneca de leite e um pedaço de pão quente que tenho fome!...

Resposta da rapariga:

- Dou. Mas, para isso tenho de pedir à minha mãe. Esperas aqui que eu vou a casa e volto já.

E assim foi. A rapariga foi a casa, contou o sucedido à mãe, encheu novamente a caneca de leite, partiu
mais um pedaço de pão da telha e voltou aqui aos penedos. Só que quando chegou a este local, procurou
a menina por todo lado mas não a encontrou. Toda entristecida voltou para casa, e quando se apressava
para entrar novamente no carreiro batido, surge a menina do lado direito deste penedo. E gritou:

- Estou aqui não me vês!...

A rapariga apreensiva reparou que a menina tinha na mão uma caneca com as mesmas características da
sua. Aproximou-se dela e disse:

- Olha, em troca do pão e do leite que de dás, vou-te dar esta caneca mas, recomendo-te que não tires o
pano de cima da dela até chegares a casa e a entregares à tua mãe.

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A rapariga aceitou, mas a curiosidade era tanta que ela não resistiu, em ver o que estava dentro da
caneca, e ao chegar junto da Capela da Senhora do Loreto, hoje de Santo Amaro, havia lá uma
carvalheira enorme. Junto ao pé, existia a fonte do lugar. A rapariga sentou-se, tirou o pano que cobria a
caneca e reparou que o que levava dentro eram carvões negros. Despejou a caneca na água e toda
enfurecida pelo sucedido, correu para casa a contar à mãe o que lhe tinha acontecido. Por sua vez, a
mãe, achou diabólico e muito estranho o caso que estava a acontecer à filha. Voltaram as duas
novamente à fonte para se inteirarem da verdade. E, ao chegarem à fonte, repararam que os carvões
tinham desaparecido. Existiam, isso sim, pequenos vestígios de ouro puro na água corrente. Foi aí que a
mãe e a filha se aperceberam que a menina tinha-lhes recompensado a caneca de leite e o pão da telha,
por barras de ouro. A partir desse dia os penedos ficaram conhecidos pelos Penedos da Moura. Por
muitos e longos anos as pessoas deixaram de cá passar. Tinham arrepio que a Moura voltasse a aparecer.

Lenda do Mosteiro de Ermelo

Era uma vez um rei chamado Ordonho II, que governava as Astúrias e todos os territórios para o Sul,
conquistados aos guerreiros do Islão.

Neles, figurava o Vale do Vez, com as suas altas montanhas e a beleza do seu rio.

Tinha uma filha: D. Urraca, princesa piedosa, protetora de igrejas e conventos, devotadamente dedicada
à divulgação da fé cristã, em que despendia grande parte das suas riquezas.

Um dia, decidiu fundar um Mosteiro para frades, em lugar sossegado e fecundo, rodeado de vegetação e
boas águas, onde vicejasse uma horta e frutificasse um pomar; onde houvesse ermos floridos para
meditação, vinhedos e trigais que fornecessem o pão e o vinho para o mistério eucarístico e a
sobrevivência da comunidade.

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Com o consentimento real, acompanhada das suas aias e alguns soldados protetores, meteu pés a
caminho, por montes e vales do seu reino.

Chegada à Serra da Peneda, que lhe prometia larga vista sobre uma paisagem pacífica e alegre, o silêncio
e a oração, começou a subi-la, com entusiasmo, parando, ora aqui, ora ali, para ganhar forças e melhor
contemplar quanto a rodeava. Uma dessas paragens chama-se, ainda, Bouças das Donas, lembrando o
arvoredo onde D. Urraca e as suas aias repousaram, abrigadas do Sol ardente.

Junto à vila do Soajo, onde se aconchegavam algumas casas de pedra e colmo, achou lugar apropriado
para edificação do Mosteiro e logo contratou pedreiros para lhe abrir os alicerces.

Contente com o lugar que obedecia às condições desejadas, D. Urraca correu à Corte de seu pai, a
participar a D. Ordonho a feliz decisão.

Perguntou-lhe a curiosidade do rei:

- E o que se avista dessas alturas?

Respondeu-lhe a princesa:

- Longes e longes. Vêem-se, para o Sul, as torres da Sé de Braga e o imenso casario da antiga cidade. Para
o Norte, as Catedrais de Tuy e de Ourense, junto ao rio Minho. Para o Oeste, praias onde vão quebrar-se
as ondas bravias do mar. Para Leste, campos e montes sem conta, onde pastam rebanhos e cavalgam
guerreiros dos vossos exércitos.

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Lendas do Alto Minho

D. Ordonho manteve-se por uns momentos calado, com uma ruga na testa, como quem segue a
seriedade de um pensamento.

Depois, disse a D. Urraca:

- Minha filha, gostaria bem de satisfazer a tua vontade de servir a Deus, com a construção desse
Mosteiro. Mas não posso, para isso, despender, em tal projeto, metade do meu reino. É
demasiadamente grande esse horizonte. Terás que descobrir outro sítio menos amplo para morada dos
teus frades.

Triste com esta decisão real, a princesa, todavia, não desistiu do seu intento e resolveu, então, mandar
edificar o seu Mosteiro, não no desafogo dos cimos do monte, mas na profundeza do vale, quase oculto
pela densidade das brenhas, sempre coberto de sombras, escutando um rio discreto, mirando a solidão
do ermo.

E deu-lhe o nome de Mosteiro de Ermelo.

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