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Lendas e Contos Do Alto Minho

Lendas e Contos do Alto Minho


Lendas e Contos Do Alto Minho

HISTÓRIA DA CIDADE DE VIANA DO CASTELO 3

Lenda da Fundação do Convento do Lugar de S. Bento 8

Lenda O Penedo dos Casamentos 11

Lenda Santo Aginha 12

Lenda da Inês Negra 15

Lenda da Coca 19

O Campo da Fome 21

Lenda das Cinco Badaladas 23

O Penedo da Moura 25

Os Combates da Travanca 29
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HISTÓRIA DA CIDADE DE VIANA DO


CASTELO
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Era uma vez uma pequena povoação nascida na margem direita do rio Lima, junto à foz, quando as águas doces e
vagarosas se misturam com o bravio das ondas salgadas.

Chamava-se Átrio e tinha, sobranceira, uma montanha densa de arvoredo, onde, no alto, existirá a fortificação de um
castro habitado por povos sem nome e que, a dada altura, desceram ao litoral, buscando, na pesca, melhor alimento
e mais comércio.

Era extremamente bela, entre veigas cultivadas, palmos de hortas viçosas, redis, pomares e vinhedos.

Mas a sua principal vocação era, sem dúvida, o mar, a pesca.


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E, na extensão final da praia, várias embarcações esperavam as madrugadas para serem lançadas às vagas, com o
afã dos remos, o aceno das velas e o espalhar das redes.

Pelo entardecer, as campanhas regressavam ao Átrio, para a alegria das mulheres e das crianças, com o fundo da
embarcação farto de pescado palpitante: a sardinha, o carapau, a faneca, o congro...

Vinham, rio abaixo, muitos habitantes de outras povoações, para o abastecimento pródigo das suas mesas.

Ora morava no Átrio, na modéstia de um casebre, uma linda rapariga chamada Ana, filha de pescador e desenvolta
na venda do peixe, sempre com uma canção nos lábios, ouvida a algum jogral chegado da vizinha Galiza, onde
animava os serões dos paços e os terreiros das romarias.

Escutava-lhe, deliciado, estas cantigas de amor e de amigo, um jovem barqueiro que, empunhando a longa vara com
que impulsionava o comprido barco de fundo chato, transportava, na correnteza do rio, até ao Átrio, várias vezes por
semana, lavradores e mercadores à compra de peixe fresco e saboroso para dar prazer aos rigorosos jejuns.

De tanto escutar a voz harmoniosa de Ana é de admirar a graça, o rapaz começou a sentir pela rapariga um amor
que ia aumentando dia após dia.
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Confessara já aos amigos e companheiros de lida o agrado desse amor nascente.

E estes, contentes com o seu contentamento, sorriam quando o moço barqueiro, ao voltar ao Átrio, lhes atirava um
brado feliz:

- Vi Ana! Vi Ana!

Um dia, porém, não se contentou em vê-la e dirigiu-lhe a palavra, num enleio que lhe cortava as faces.

A rapariga percebeu, então, o vivo interesse amoroso do rapaz por ela, os olhos dele, brilhantes, sobre o rosto dela,
sobre os olhos dela, sobre os cabelos dela...

E o seu coração lisonjeado retribui-lhe esse interesse, retribuir-lhe esse amor.

Não tardou em realizar-se a boda dos dois enamorados.

Durante os festejos, bebendo vinho acre e refrescante gerado nos parreirais da região, os companheiros e amigos do
noivo recordar-lhe o brado entusiástico:
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- Vi Ana! Vi Ana!O dito foi logo adotado pelos pescadores do Átrio que passaram a repeti-lo quando, vindos dos
trabalhos duros da faina, se lhes deparava o vulto acolhedor da montanha, as praias douradas, as veigas férteis, as
águas lentas do rio e a paz dos seu lares:

- Vi Ana! Vi Ana!

Ao conceder o foral à povoação da foz do Lima, em 1258, o rei D. Afonso III, que a visitou tempos antes,
extasiando-se com tanta beleza e prosperidade, substituiu-lhe o nome Átrio pelo de Viana.Por certo, alguém lhe
revelava aquele brado de amor. É só amor merece terra tão abençoada
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Lenda da Fundação do Convento do Lugar de


S. Bento
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O dono de uma quinta, chamada S. José, recebeu um dia dois frades que lhe foram pedir
esmola. Contou-se deles e ofereceu-lhes agasalho na quinta. No dia seguinte, muito comovido pela
desgraça dos frades, que não tinham casa nem dinheiro, perguntou para onde iam; responderam
que ficariam por ali se houvesse quem lhes desse um bocadinho de terra do tamanho de um couro
de boi. O dono da quinta disse que lhes dava ainda mais, o que eles recusaram; só queriam o que
pediam, mas dado com todas as seguranças que a lei oferece para não lhes ser retirado mais tarde.
O dono da quinta fez-lhes doação por escritura do terreno que desejavam, isto é: o tamanho do
couro de boi. Os frades, arranjaram um couro de boi, cortaram-no em tiras muito finas e fizeram
com elas o formato de um boi enormíssimo. O dono da quinta vendo o roubo ficou louco. Os frades
fizeram nesse terreno o convento, que ainda hoje existe, assim como a capela de Santo António,
hoje chamada de São Bento. A quinta do convento, vista de um alto, que a domina, mostra
perfeitamente o formato de um boi. Esta história está descrita com as datas nas matrizes da
repartição de finanças dos Arcos de Valdevez, terra onde isto se deu. A quinta chama-se Quinta do
Convento, situada no lugar de S. Bento.
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Lenda O Penedo dos Casamentos

Há muitos solteiros que não desperdiçam a oportunidade de irem até ao "penedo do casamento", situado no alto da Serra d’Arga e que,
segundo a lenda, consegue "arranjar texto para qualquer panela", tudo dependendo da perícia de quem quer casar.
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Os solteiros atiram uma pedra para o penedo para que esta fique em cima dele. Se ela ficar em cima à primeira, é sinal que casa no prazo
de um ano. Se for à segunda, tem que esperar dois anos. E por aí fora.

Porém, quando os tempos estão difíceis, e o desespero de quem recorre ao penedo aumenta, ouvem-se com frequência cantar os
seguintes versos:

O meu Senhor S. João

Casai-me que bem podeis

Já tenho teias de aranha

Naquilo que bem sabeis

Lenda Santo Aginha


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Há muitos, muitos anos, vivia na Serra d’Arga um perigoso salteador de estradas e casais, de seu nome Aginha. Por entre os
arvoredos, caminhos e casas da Serra corria o temor de algum dia ser-se confrontado com tão perigoso meliante. A sua fama corria
por todos os recantos, espalhando um misto de pânico e admiração. Já ninguém se atrevia a cortar a serra sozinho e, muito menos,
de noite. Contavam-se histórias e histórias dos seus feitos, durante os serões da serra, ao calor das fogueiras. Os mais velhos,
querendo o respeito e a obediência das crianças, ameaçavam com a presença do Aginha. Mas estas, depois da repreensão,
preferiam brincar recriando as aventuras do malvado.
Quando menos esperava, o viajante via aparecer-lhe pela frente, de punhal em riste e chapelão, o malfadado Aginha! E se não
levasse consigo fazenda ou moeda, passava um mau bocado, porque o assaltante só desistia da presa depois de a esbulhar, nem
que fosse da roupa que trazia. Qualquer gesto de autodefesa era suficiente para a aventura não ficar apenas pelo roubo. Ao maltratar
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as vítimas mais íntimas, Aginha marcava a fronteira do medo, e justificava a impunidade conquistada. Descia um dia, ainda noite
alta, um frade do convento de S. João para a missa da matina em Arga de Baixo, quando o meliante lhe saltou ao caminho. A
escuridão confundiu-se no hábito do frade. Aginha só reconheceu o homem de Deus quando o confrontou em pleno caminho. Mas
Aginha não era homem de grandes rezas, e seria muito mau para a fama conquistada, se não fizesse o que sempre fazia nestes
casos. Por isso, apontando o grande facalhão ao pobre do frade atónito, exigiu o salteador:
- A bolsa ou a vida!
A normalidade da sua exigência deu-se com a anormalidade do caminhante. O frade nem tinha bolsa, nem se preocupava muito com
a vida terrena:
- Ó meu filho, não tenho nada de valor comigo, a não ser as pobres vestes de frade e a cruz que trago ao peito!

De que lhe serviam tais «trastes»? Nem umas botas ele trazia! Aginha não sabia o que fazer, pois tal nunca lhe havia acontecido.
Vendo-o assim sem jeito e mudo, o pobre do frade lá foi conversando com o salteador, usando palavras mansas e sábias, às quais,
perplexo, o Aginha, sentado agora, respondeu com um longo silêncio. Ainda hoje ninguém sabe o que o frade lhe disse! O certo é
que, em puro milagre, decidiu abandonar aquela vida de salteador! Caindo aos pés do frade, banhado em lágrimas de
arrependimento, confessou os seus crimes e converteu-se. Como penitência, impôs-lhe a missão de permanecer na serra, ajudando
agora aqueles que antes havia maltratado.

Poucos dias depois, passou por ali um lavrador, decidido a atravessar a serra com um carro de lenha. Ainda não era noite. Por isso,
apesar de receoso, o nosso lavrador foi avançando apressado, como sempre fazia quando passava por tão mal afamado sítio. Na
pressa, não reparou numa grande pedra do caminho que, repentinamente, lhe tomou o carro numa tremenda barulheira.

Não podia o dia ser tão azarado! Como podia aquilo acontecer mesmo ali! Depois de soltar dois ou três palavrões, sempre olhando
em volta, assustado, decidiu o lavrador que a única solução era levantar o carro e atrelar novamente os animais o mais depressa
possível. Mas como podia fazê-lo sozinho?
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O estrondo do acidente atraiu Aginha. Vendo a incapacidade do lavrador, decidiu ir ajudá-lo, e assim dar cumprimento à penitência
prescrita pelo frade.

Quando os olhos do lavrador deram com a figura conhecida do Aginha, sentiu que o sangue lhe fugia pelas pernas, e, por momentos,
ficou petrificado, pois desconhecia a intenção do penitente. Julgava o lavrador que Aginha vinha para o maltratar, já que não o sabia .
Mais refeito da surpresa, e vendo-o sem guarda, pegou na machada de cortar a lenha, e desferiu-lhe um golpe na cabeça, que o
matou.

Angustiado por tão hediondo crime, apesar de se julgar em autodefesa, arrastou o cadáver para o matagal mais próximo, e
regressou, ainda assustado, à aldeia.

Passados dias, chegou à Serra d’Arga uma ordem do rei que prometia grande prémio a quem terminasse as aventuras do temível
salteador, O lavrador, ao ter conhecimento desta ordem, e desejando fazer-se ao prémio, logo denunciou o seu feito heróico. Porém,
chegados ao local onde tinha lançado o cadáver, povo e autoridades ficaram estarrecidos ao ver o corpo intacto! Aproximaram-se
mais um pouco e, segundo dizem, sentiram que o corpo exalava um suave cheiro de flores silvestres, não obstante terem decorrido
já alguns dias após o trágico desfecho. A estupefação só ficou mitigada quando souberam, pelo frade, da conversão do ladrão.
Imediatamente o povo aclamou Aginha como santo, construindo ali uma capela em sua honra.
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Lenda da Inês Negra


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Acabados os ecos da retumbante batalha de Aljubarrota, urgia consolidar a independência de Portugal, conquistando terras e
praças-fortes ainda na posse dos castelhanos, que recusaram a autoridade do rei D. João I. O Mestre de Avis empenhou-se
pessoalmente na tarefa de levar para a bandeira portuguesa as praças-fortes do extremo norte do reino, local onde pouco antes
estivera, aquando dos esponsais com a bela Filipa de Lencastre na Ponte de Mouro. Para cumprir este ensejo, veio para Melgaço
correr o mês de Janeiro de 1388. Aqui chegado com sua comitiva, fez recolher a Rainha, D. Filipa, e suas damas, ao Convento de
Fiães, para testemunharem deslumbradas a bravura das hostes portuguesas, que o rei se prontificou a evidenciar, planejando o
assalto às muralhas com que D. Dinis envolverá a torre afonsina. Dentro das muralhas, a guarnição de trezentos homens,
comandada por D. Álvaro Pais de Souto Maior, estava disposta a defender-se das pretensões do Mestre de Avis e impunha aos
pacíficos moradores o domínio castelhano. Entre as famílias que aí habitavam havia a de uma portuguesa que era toda de paixões
pelas hostes castelhanas, vindo a ter, por isso, a alcunha de «arrenegada», nome pelo qual ficou depois a ser conhecida por toda a
família. Refilona de trato, fervia-lhe o sangue ao ver, do alto das muralhas, os preparativos dos seus compatriotas lá para as bandas
da Senhora da Orada. Ali instalados, os soldados portugueses armaram um engenho que permitia lançar projéteis para a vila sitiada,
e iniciaram a construção de uma batida, torre de assalto sobre rodas, de modo a superar a aparente invulnerabilidade das muralhas.
Enquanto preparava o assalto, D. João passava longos momentos a meditar todas as estratégias que melhor defendiam os seus
homens, ao mesmo tempo que desejava afirmar o seu domínio, tanto sobre a praça, como sobre o coração da sua jovem esposa, a
gozar uma lua-de-mel tão atribulada. Quanto mais cedo a resolução do esforço militar, mais cedo se entregaria ao gozo nupcial.
Foram de tal forma resolvidos os projetos do Rei, que logo dentro muralhas o ódio e a força passaram do espanto ao medo!
Assustados perante os aparatosos engenhos, apressaram-se os de dentro a pedir tréguas. Propuseram a ele que João Fernandes
Pacheco conferisse com Álvaro Pais. Acedendo ao diálogo, o Mestre de Avis enviou Pacheco à barbacã onde falou com o
comissário castelão, barricado intramuros. Longo espaço de tempo durou esta conversação entre os dois guerreiros. Enquanto eles
falavam, assediados e assediadores tinham dificuldade em suportar o silêncio que entretanto viera com a suspensão das investidas.
Os mais pacíficos estavam esperançados na concórdia, mas os mais belicosos estavam impacientes por recomeçar a pugna. A
conferência estava a revelar-se difícil, pois D. Álvaro, num orgulho irrefletido, estava a exigir condições e benesses ultrajantes às
armas e brios lusitanos. A falta de acordo fez com que D. João tomou a resolução de humilhar o infame capitão da Praça com um
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forte assalto às muralhas. Ele mesmo iria à frente dos seus soldados, desejoso de defender a honra das suas armas. Sabia o Rei
que, apesar da sua força, muitos soldados lusitanos iriam perecer, dadas as dificuldades do campo de batalha. Mas dentro dos
muros, perante o impasse das conversações, a «arrenegada» deu azo aos seus ímpetos belicosos, que a traição alimentava. A
cobardia dos seus e a certeza da inferioridade militar impeliu-a à provocação e ao desafio, querendo com isso provar a razão da tão
ignominiosa traição. Propôs um combate singular para resolver a contenda: ela mesma iria lutar com outra mulher, de quem
conhecia o patriotismo, e que morava nas redondezas. Essa mulher era «Inês Negra», uma patriota até à raiz dos seus cabelos
negros, a coroar o rosto trigueiro que a singularizava entre os seus conterrâneos. Há muito tempo que a «arrenegada» estava
desejosa de provar pela força, o que antes já discutiu com essa adversária. Inês, intimorata, aceita logo o desafio, farta que estava
da vaidade e da traição da «arrenegada», escoltada pelas boas graças dos ocupantes. De bom grado acordou tal peleja o Rei,
estupefacto pelo patriotismo e coragem da mulher que se lhe apresentou para defender a honra dos lusitanos. Aprazada a pugna
para o dia 3 de Março, el-rei enviou à rainha recado para que viesse, pois tudo se conjugava para que o desfecho da contenda
estivesse para breve: os engenhos estavam concluídos, o caminho para a progressão da batida estava aplanado. Em Fiães, aos
ouvidos da Rainha e das damas de companhia, junto com o recado do rei chegará também a notícia do desafio entre as duas
mulheres de Melgaço. Logo as mais velhas comentaram a tão descomposta escaramuça. Nas mais novas havia grande jubilação
com a expectativa de comoções. Quando a comitiva da rainha desce de Fiães, eram agitadas as discussões do projetado combate,
somente interrompidas pelas exclamações aflitas das timoratas e pelas risadas escarninhas das resolutas, na iminência de um
tropeção das montadas. Nestas ocupações, quase esqueceram a paisagem deslumbrante, o panorama das extensas ondulações
que formam o berço delicioso em que se espreguiça voluptuosamente o rio Minho. Chegadas ao acampamento, ele apressou-se em
receber a rainha para acrescentar ao olhar amoroso a explicação do uso dos engenhos, e como se realizaria a escaramuça entre as
duas mulheres. Ao comentar as diferentes posições e dúvidas quanto ao desfecho de tão insólito desafio, D. Filipa sentenciou: “Inês
tem a razão e a Graça de Deus pelo seu lado. A vitória será da coroa portuguesa!” Finalmente, amanheceu o dia 3 de Março, numa
Primavera que se anunciava prometedora. Logo o povoléu correu em direção ao terreiro para assistir à luta. Todos, de um lado e do
outro, se dispuseram a presenciar o espetáculo: os de dentro, ajudando aos parapeitos das cortinas e bastiões, debruçaram-se
curiosos; os de fora formaram um círculo ao redor do local do encontro. A «arrenegada» saiu por um postigo da fortaleza, avançando
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com um novo bordão. Foi estrondosa a gritaria do povo ao avistar a «arrenegada». No centro do terreno a desnaturada castelhana
aguardou pela rival perante as vaias e os apupos da multidão, ainda preocupada com a acomodação. Um burburinho cresceu de
repente, e a multidão abriu alas para deixar passar Inês. Do campo lusitano saiu um grito de encorajamento e de carinho à mulher
que avançava com olhar determinado e seguro. O primeiro encontro passou pelos dentes cerrados e olhos fuzilantes com que as
duas adversárias se presentearam. Foi logo impetuoso o primeiro embate das justas. O choque foi tremendo, e num instante, os
bordões quebraram-se. Agora, sem armas, atirando-se uma à outra com rancor, rasgavam reciprocamente as carnes com as unhas e
os dentes. Atropelando-se, arrancando os cabelos, afogando-se nos fortes e rudes braços, derrubando-se alternadamente na luta,
prolongaram durante minutos a encarniçada peleja. Estava a multidão excitada com tal drama, tentando discernir as fraquezas e as
habilidades das lutadoras, quando a arrenegada entrou a fraquejar, saindo logo desfalecida, coberta de sangue e em lama. É o delírio
da multidão e a glória de Inês Negra, que é levada em triunfo e aclamada como a heroína das hostes portuguesas. A água arrendada,
no meio da confusão, arrasta-se para o interior do castelo, onde a derrota atravessa todos os olhares. Animados e excitados pelo
exemplo de Inês, as hostes lusitanas tomam de vencida as muralhas de Melgaço. Os de dentro, amedrontados e conscientes de sua
inferioridade, dão luta por pouco tempo, pedem tréguas, aceitando todas as condições do Mestre de Avis, que os obrigou a sair
desnudos, para escárnio do rapazio. Ao entrarem na Fortaleza, depararam com o corpo da «arrenegada» com um punhal cravado no
coração. Inês sobe ao alto da torre e, abraçando as ameias, grita sem cessar:

“-Tornaste a nós! És o rei de Portugal!”

Os reis portugueses, ladeados por Inês, agradeceram à Senhora da Orada tão feliz desfecho, e entregaram a guarda e governo do
Castelo da Vila de Melgaço a João Rodrigues de Sá. Depois, quando se retiravam , com sua comitiva, em direção a Monção, do alto
da muralha, virada a noroeste, um vulto de mulher agitava com ufania a bandeira gloriosa das quinas que empunhava. Era Inês
Negra!
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Lenda da Moira Encantada de Giela


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Era uma vez um rei mouro, cujo nome se perdeu na memória dos tempos.

Vieira d’além-mar, com outros reis e guerreiros da sua raça, levando de vencida o povo cristão até as montanhas das Astúrias, onde este encontrou reduto e alcançou
coragem para expulsar, por fim, o invasor e o inimigo da fé.

O rei habitava um esplêndido palácio, rodeado de conforto e de riqueza, com os seus pátios rendilhados e as suas fontes jorrando frescura, com os seus jardins
aromáticos de flores, num lugar altaneiro, chamado Giela, avistando a paz de um vale, por onde desliza, entre salgueirais, manso e transparente, o rio Vez.

Tinha o monarca uma filha muito famosa, que mantinha encerrada nas salas e aposentos do seu palácio, longe das vistas dos seus vizires e cavaleiros, reservando-a para
um casamento com algum califa vizinho que lhe aumentasse a fortuna e o território.

Não lhe permitia, mesmo, assomar a uma janela para contemplar a paisagem que as aias e os criados lhe diziam ser maravilhosa.

Um dia, porém, a princesa conseguiu que a obediência e simpatia dos seus servos lhe ajudassem a ser um dos cavalos do pai e, ao raiar de um dia calmo de Verão,
cavalgou, livre, sozinha, até às margens do Vez.

É difícil de imaginar o seu contentamento e o seu encantamento!

Desmontando do veloz ginete e descalçando a delicadeza das suas babuchas bordadas no oiro, mergulhou a perfeição dos pés morenos na claridade da corrente.

Súbito, ao erguer os olhos para a margem oposta, viu sair do bosque que a circundava um jovem cavaleiro revestido de uma armadura prateada, montado num soberbo
cavalo branco, de compridas crinas oscilando à brisa matutina.

Era decerto um guerreiro cristão, perdido do seu exército.

Trazia na mão, coberta por um guante de ferro, um altivo pendão, desenrolando a heráldica de um brasão, onde se erguia um castelo de ouro em fundo vermelho.

O cavalo branco curvou o pescoço elegante para beber, a largos haustos, a água límpida do rio. Então, os olhos azuis do cavaleiro, como um céu muito puro, mergulharam
nos olhos da princesa, negros como as trevas da noite.

E dir-se-ia que uma flecha de amor atravessou, silvando, ambos os corações.

Nesse exato momento, surgiram, por detrás da princesa, duas dezenas de soldados mouros que, respeitosamente, a convidaram a regressar ao palácio, onde o pai a
esperava, numa preocupação.
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Mas, vendo, na outra margem, o cavaleiro cristão, atravessaram o rio, com grande restolho de água, para lhe dar combate.

Ante o desespero da princesa, foi breve o entrechoque das armas, tão desigual!

Feridos pela espada do cavaleiro, alguns soldados ficaram por terra, sangrando e gemendo. Mas os restantes, em altos brados, foram em perseguição do jovem inimigo,
que se embrenhou na mata, sem possibilidade de despedaçar, um por um, aquele numeroso grupo de infiéis.

Lamentando um amor tão cedo desaparecido, a princesa voltou aos braços do pai, jurando, no entanto, jamais conceder a mão de esposa senão àquele cavaleiro dos
olhos azuis que lhe arrebatará o coração.

E, na esperança de o reencontrar, descia constantemente até ao Vez, e ali ficava, carpindo-se, com os olhos rasos de água, vendo-lhe as margens desertas.

Assim passaram anos.

Assim passaram séculos.

Mas, ainda hoje, na paisagem adormecida, há quem consiga adivinhar, junto à placidez do rio, um vago vulto de mulher, com um leve véu ocultando-lhe a formosura do
rosto, olhando fixamente o escuro arvoredo da margem.

É a moira de Giela, aguardando que surja, do segredo da noite, um cavalo branco montado pelo jovem cavaleiro de olhar azul, revestido de prata e trazendo, na mão, a
heráldica de um pendão, onde, em fundo vermelho, brilha um castelo de oiro.

Lenda da Coca
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Era uma vez um jovem moço de gentil disposição e de grandes forças que nasceu de pais novos e ricos, lá para os lados do oriente e
a quem deram o nome de Jorge.

Desde novo se dedicou às armas, servindo o imperador Diocleciano no seu exército. O grande valor e coragem que demonstrava nas
batalhas fizeram-no ser estimado por todos os companheiros que o nomearam seu tribuno e mestre de campo. Mas o Imperador
que servia moveu uma impiedosa perseguição aos cristãos, o que levou o valente guerreiro a descobrir a força que levava aquela
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gente a preferir a morte a negar o seu Deus. Converteu-se a Cristo e jurou servir a sua vontade, dando proteção e auxílio aos que dele
necessitavam.

Andava um dia em S. Jorge nas terras da Líbia quando escutou um grito e desesperado. Ocorreu o jovem guerreiro àquele apelo de
ajuda. Quando chegou junto ao local de onde viera o grito deparou-se com um terrível animal e uma jovem donzela. Era esse
monstro um enorme dragão que tentava devorar a jovem. S. Jorge não hesitou um segundo e, avançando de lança em punho, feriu
de morte a fera assassina.

Perante tal ato de bravura, a jovem, que S. Jorge vem a saber ser uma princesa filha do rei da Líbia, impressionada pela heroicidade
do cavaleiro, descobre a fé do santo, vindo também ela a converter-se.

Muitos foram ainda os feitos de este santo guerreiro, desejoso de vencer o mal e fazer reinar o bem. Por esta razão o povo de
Monção celebra a vitória de S. Jorge sobre Coca no dia da sua maior festa, a festa do Corpo de Deus. Assim celebram a luta contra o
mal e o triunfo do bem.

O Campo da Fome
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Conta-se que, há muitos anos, num mês de Maio, aconteceu algo muito estranho lá para os lados de Formariz. Como acontece
frequentemente, aquando das lavradas onde participam muitas pessoas, na hora do almoço, as mulheres da casa transportam para
o campo em que se está a trabalhar o repasto para todos. É costume estender as toalhas de linho numa sombra mais agradável, e aí
sentarem-se os trabalhadores à volta do que sai dos generosos cestos: boroa de milho e de centeio, uns nacos de carne de porco e
um caldo de feijão e couves. Tudo isto regado por umas malgas de vinho.
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Encontrava-se o grupo da lavrada na tarefa de satisfazer o estômago e descansar as pernas e costas, em alegre cavaqueira, quando
se aproximou dele um cão com aspecto de esfomeado! Sentindo-se importunados naquele momento de agradável convívio, todos
enxotaram o cão, sem lhe lançar o mais pequeno pedaço de pão!

- Fora cão! Xô...! Vai-te embora! — gritaram os mais incomodados.

O cão não teve outro remédio senão fugir dali. Mas uns passos à frente, voltou-se para trás e, fixando os olhos naqueles que o
escorraçaram, caíram-lhe os olhos ao chão! Toda a gente que assistiu ao sucedido ficou perplexa. Nunca tinham visto coisa
semelhante antes daquele dia! O cão entretanto desapareceu, mas o último olhar que tivera para com os presentes permaneceu
marcado no seu pensamento, de tal maneira que adivinharam logo ali um mau presságio!

Passaram-se os anos e ainda hoje, diz-se, o campo onde aquelas pessoas estavam a trabalhar nunca mais foi o mesmo na
produção. O acontecimento marcou tanto as pessoas, que ao campo, quase infértil a partir daquele dia - sendo hoje uma bouça -,
deram o nome de «Campo da Fome».
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Lenda das Cinco Badaladas


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Era uma vez um homem chamado Bartolomeu, nascido em Lisboa, no século XVI, e batizado na Igreja dos Mártires, de que passou a
ser grande devoto. Bartolomeu era inteligente e piedoso. Decidiu dedicar-se a Deus e ingressou na Ordem Religiosa dos Pregadores,
recebendo o respectivo hábito apenas com a idade de 14 anos, aplicando-se, depois, aos estudos da Filosofia e Teologia, que
terminou com êxito. Instalou-se, então, no Convento de São Domingos de Évora, passando a usar o nome de Frei Bartolomeu dos
Mártires, evocador da igreja onde recebeu a água batismal. Na cidade alentejana exerceu um louvável magistério, tendo tido, como
aluno, D. António, o Prior do Crato, mais tarde, ainda que por breves tempos, rei de Portugal. A sua dignidade de sacerdote e a sua
sabedoria eram tais que a rainha D. Catarina, mulher de D. João III, o escolheu para Arcebispo Primaz de Braga, o lugar mais alto na
hierarquia religiosa da Península Ibérica. Esta honrosa nomeação foi confirmada pelo Papa. As suas visitas pastorais, pelas terras
esquecidas do Barroso, levaram-no a contactar com uma população miserável e de rudes costumes, que procurou ajudar, em ações
generosas e justas. Quando foi convocado para participar no Concílio de Trento, em Itália, que tinha o propósito de reformar e
fortalecer a Igreja Católica, salientou-se pela sua palavra esclarecida e esclarecedora. Frade dominicano, resolveu, a dada altura,
mandar edificar em Viana, então chamada Viana-da-Foz-do-Lima, um soberbo Convento, dedicado a São Domingos. E, quando já
envelhecido, e vendo a coroa portuguesa passar para a cabeça de um estrangeiro, D. Filipe II de Espanha, foi junto do rei rogar-lhe a
permissão de renunciar ao seu cargo eclesiástico, a ir albergar-se, destituído de honras e riquezas, naquele Convento vianês, erguido
com tanta devoção. Encerrado numa cela desprovida de qualquer conforto, passava os dias entregue a orações e leituras de obras
edificantes. Mas, de quando em quando, deambular pelo bairro dos pescadores, ao rés do Convento, ajudando, caridoso, aos
padecimentos e angústias daquela gente do mar, que o venerava e a ele recorria, em horas difíceis. Um dia, porém, o lar humilde e
pobre que visitava, não reconhecendo, naquele velho frade, D. Frei Bartolomeu dos Mártires, recebeu-o com desagrado, revoltado,
como estava, com a desgraça que lhe caíra em cima: a morte prematura da mulher do pescador, apesar de todas as rezas
fervorosas aos Céus, quer do marido, quer da jovem filha, a quem pesavam, agora, os cuidados da casa e os cuidados para com o
pai. Entendeu e perdoou o arcebispo a atitude hostil dos dois infelizes, mas não deixou de lhes recomendar resignação, pondo-se à
disposição de ambos para quando necessitasse para qualquer súbita aflição. E, num Inverno mais rigoroso, com o mar sacudido por
ventos ciclónicos, chuva e trovoadas assustadoras, eis que a órfã procura o velho frade para que, com as suas preces, ele
alcançasse de Deus o favor de um milagre: o milagre do seu pai, arrais de uma companhia de mais quatro homens, conseguir fazer
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que o seu barco, quase naufragando no turbilhão das vagas, galgava a barra, são e salvo. O arcebispo, comovido, logo tranquilizou a
jovem, garantindo-lhe que, após soarem cinco badaladas no sino do Convento, a pequena embarcação iria varar, intacta, nas areias
da praia, trazendo a bordo, também intacta, toda a companhia.

Mais: com o fundo a abarrotar de pescado!

E assim aconteceu.

A cada uma das cinco badaladas soltas da torre sineira de São Domingos, aqueles cinco pescadores, exaustos e desesperados,
ganhavam uma nova energia, uma nova coragem, que os impelia a remar e remar e remar, até à praia, onde um povoléu em grita era
impotente para os socorrer. Mal soará a quinta badalada, eis que, como D. Frei Bartolomeu dos Mártires havia prometido, o barco,
intacto, estava na areia da praia, trazendo, também intacta, toda a tripulação. E com o fundo a abarrotar de pescado!
Desembarcados, os cinco pescadores ajoelharam, agradecendo a Deus tal prodígio. E, sabendo da boca da filha do arrais quem
intercede por eles aos Céus, livrando-os de tão duro transe, quando a morte lhes surgia, a todo o instante, diante dos olhos aterrados,
logo correram ao Convento, a confessarem-se ao arcebispo devedores da graça recebida. Mas a modéstia de D. Frei Bartolomeu dos
Mártires recusou-se a assumir a janela estreita da cela, para lhes receber a gratidão. Outros milagres, muitos outros, são atribuídos à
bondade do velho arcebispo. Ao falecer, foi enterrado à esquerda do altar-mor da igreja do seu Convento. Aí, continua a atender os
rogos dos pescadores da Ribeira vianesa, quando o mar lhes é padrasto. Daí, os abençoa, com o amor da sua mão sempre
milagrosa.
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O Penedo da Moura

Era uma vez um penedo. Duro e misterioso, alimentava a curiosidade e o medo das gentes das redondezas e era tão antigo como o
segredo que encerra. Ainda lá continua, a desafiar o desgaste do tempo e a valentia dos espíritos mais obstinados que teima em não
aparecer, depois do sucedido naquele princípio de noite. Três rapazes decidiram avançar na conquista das entradas do rochedo.
Desde pequeninos, tinham sido ensinados a alimentar o fascínio por aquele local, mas também a permanecerem quietos por causa
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do medo. Vezes sem conta, haviam escutado da boca do velho do lugar a estória de uma moura encantada e de um tesouro infinito
encerrado nas entranhas do penedo. Difícil era conseguir abri-lo. Mais difícil ainda, mantê-lo aberto e apoderar-se do tesouro sem
que nenhuma desgraça acontecesse. As longas conversas do velho, debaixo da oliveira, falavam de um sem número de cuidados a
tomar para que tudo corresse às mil maravilhas. Mas a verdade é que nunca ninguém tinha ousado cumprir a preceito aquelas
regras, para se apoderar de tamanha fortuna. Numa sexta-feira, porém, os rapazes resolveram tentar a sua sorte. Sem que a
vizinhança, nem familiares se aperceberam, trataram de arranjar um livro de S. Cipriano, o que nem foi nada fácil. Depois, o Lúcio,
que era o único que sabia ler, tratou de procurar as orações e os responsos e de estudar, com perfeição, o ritual. Tudo como o velho
lhes contara, para que tudo corresse bem… Chegamos ao local, para os três tão familiar como fascinante, Lúcio colocou-se em
frente do penedo, como o livro aberto, numa postura solene que nem um sacerdote pronto para presidir a uma liturgia. Alberto e
Carlitos ficaram bem juntos, um pouco mais à frente, ambos com os olhos fixos na cavidade do enorme penedo e o pensamento,
obsessivamente, concentrado no que tinham de fazer. Ou melhor, no que não podiam fazer... Lúcio começou o ritual, com rigor e
compostura. Via-se que acreditava na cerimónia que estava a oficiar. Depois de uns minutos de rezas, que mais pareceram uma
eternidade, ouviu-se um barulho estranho. Qualquer coisa como o chiar de uns ferrolhos gigantescos, carcomidos pela ferrugem de
século. Vinha das profundezas cavernosas e fazia-se ecoar pelas entranhas da terra. Terminou com um enorme estrondo,
semelhante a um portão que tomba, desamparado. E, de imediato, um vento quente bateu no rosto de Alberto e de Carlitos que
observavam, aterrados, tudo o que estava a acontecer, enquanto Lúcio prosseguia a leitura. Foi então que o penedo se abriu aos
seus olhos. Uma galeria imensa de luz e de riqueza projetava-se no infinito. E os dois aventureiros deram o primeiro passo e, depois,
o segundo e o terceiro …,até que pararam, fascinados, a contemplar tanto ouro e tanta beleza... Nesse instante, Carlitos contornou
uma coluna gigantesca e olhou para o lado esquerdo. Uma serpente com cabeça de mulher deslizava na sua direção. Numa fração
de segundo, beijou o rapaz que, instintivamente, soltou um grito de terror e, erguendo as mãos para se proteger do monstro, olhou
para trás, à procura de Lúcio. Carlitos deitou tudo a perder...Fez-se uma horrível escuridão e um silêncio de morte...Quando os três
rapazes recuperaram os sentidos, estavam caídos no chão e tremiam como varas verdes. A noite já tinha caído e, no firmamento,
brilhava, firme e esplendorosa, uma lua cheia, da cor do ouro. Por mais que passasse pela cabeça, apenas se recordava de ter
sentido uma enorme aflição e de uma rajada de vento quente os ter arrastado... O livro de S. Cipriano nunca mais o encontraram para
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fugir daquele local. Mas as pernas respondiam com dificuldade. Até que, por fim, depois de muito esforço, chegaram a casa. E
fizeram uma promessa: nenhum dos três abriria a boca sobre o que se tinha passado. Era um segredo que haveria de morrer com
eles… Na manhã seguinte, uma rapariga dirigiu-se, como de costume, para a fonte que a memória do tempo sempre conheceu junto
do penedo. A frescura cristalina da água da bica enchia, de Inverno e de Verão, os cântaros dos moradores naquele lugar. Mas, nesse
dia, a moça encontrou algo surpreendente! O fio de água estava seco… Nem tive tempo para pensar no sucedido e no estranho
milagre da falta de água. Porque, no mesmo instante, avistou uma mulher que descia do penedo, na sua direção. Tinha pele morena,
cabelos pretos e olhos escuros e grandes como duas azeitonas.

- Não te preocupes. A fonte secou, mas eu vou encher-te o cântaro de água preciosa- disse ela para a rapariga, ainda aturdida com o
que se passava à sua volta. E, sem que a moça tivesse tempo para perguntar o quer que fosse, a mulher desconhecida encheu-lhe o
cântaro de palha seca e avisou:

- Vai para casa. Mas olha bem para o que eu te digo: pelo caminho, não tires o cântaro da cabeça, nem olhes para trás. Ouviste bem?
Então, anda, vai embora…

A rapariga obedeceu. Só que, quando desfez a primeira curva, começou a pensar melhor no que tinha acontecido. E na situação
ridícula em que tinha caído.

- Ora essa, era o que me faltava agora, andar com um cântaro cheio de palha, a fazer figura de palerma!- pensou consigo própria. E
não esteve com mais demoras. Pegou no cântaro e atirou a palha à berma do caminho.
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Oh! Milagre dos milagres... Os seus olhos nem queriam acreditar! A palha transforma-se em ouro mais brilhante do que o sol.

- O que é isto?- repetia a moça, com as mãos atadas à cabeça. E, antes que os seus olhos a enganasse, abaixou-se, devagarinho,
sobre a palha, agora feita de ouro, e começou a apanhar aquele tesouro. Mas, nesse instante, o metal precioso derreteu e fugiu-lhe
dos dedos, infiltrando-se no solo.

Os vizinhos vieram encontrar a rapariga, por terra, a chorar. Depois de saberem do sucedido, todos disseram o mesmo:

- A mulher era a moura do penedo!


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Os Combates da Travanca

Por toda a parte, e principalmente pelas terras do norte de Portugal, as fidelidades ao soberano português, D. João IV, ou ao
espanhol Filipe, andavam muito complicadas desde o ano de 1640. As guerras que se seguiram à restauração do reino português, se
apaixonaram a maior parte no desejo pátrio de defender a independência, perdida anteriormente, também serviam para denunciar os
traidores.
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O soberano espanhol não se deu por vencido com a morte do seu representante em Lisboa, reivindicando o direito à coroa
portuguesa, que o Duque de Bragança lhe negava. Restaurado o reino, havia agora que prover a sobrevivência do mesmo como
estado livre, resistindo às investidas daqueles que julgavam encontrar ainda apoio do lado de cá da fronteira. Neste desígnio se
aventuravam os espanhóis por terras lusitanas, em fortes incursões, ora procurando apoio para as suas pretensões, ora cercando
praças-fortes que não renegavam o amor pátrio à Casa de Bragança.

Corria o ano de 1662, e mais uma vez o temível inimigo da independência lusa penetrava em solo pátrio. No dia 9 de Agosto, às
vésperas do dia de S. Lourenço, encontrava-se já o exército castelhano pronto a atacar a Praça de Paredes de Coura. Como já a noite
estava a cair, resolveram os chefes desse exército acampar nas proximidades, preparando-se para o ataque definitivo do dia
seguinte.

Noite feita, estranharam os espanhóis o que estavam a ver lá para os lados da Cerdeira, na freguesia de Cunha! Aquilo não podia ser
verdade, pois durante o dia não tinham visto grande movimento! Os soldados segredavam entre si, enquanto os chefes se reuniam
de emergência. Lá ao longe, naquela encosta do monte, as luzes e o movimento eram tão grandes que a todos assustavam. Como é
que era possível existir ali um exército português tão numeroso? O temor e a insegurança começaram a alastrar pelas hostes
castelhanas. E se os chefes chamam à ordem e à coragem para o dia seguinte, o certo é que os soldados ficaram tolhidos de medo
e sem atenção para qualquer comando!

Quando amanheceu, era tão grande a desordem e a confusão no campo castelhano, que os militares portugueses viram logo uma
oportunidade de levar de vencida a luta que estava prometida da véspera. Saíram das fortificações gritando o nome de Portugal com
tal força e coragem, que os soldados inimigos só tiveram tempo para se porem em fuga, largando para trás muito das suas
pertenças. Não satisfeitos com a vitória na batalha, os soldados lusos perseguiram até à margem do Minho os fugitivos, que tão
cedo não esquecem tamanha derrota.
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Uma coisa, ao princípio, foi difícil de entender para os portugueses. Porque é que o inimigo se mostrou tão desorganizado e
temeroso, quando o seu número em muito ultrapassava o das tropas portuguesas? Foi então que um jovem, que naquela noite tinha
ficado de guarda, contou o que também ele vira lá para os lados da capela de S. Lourenço da Cerdeira: as manadas de vacas que por
ali andam durante o dia e a noite tinham, por grande milagre, as hastes iluminadas! Logo compreenderam a confusão dos espanhóis
que, por estarem mais longe, não distinguiram a figura dos animais!

Então alguém recordou que aquela tinha sido a noite da véspera da festa de S. Lourenço, que se celebrava nesse dia 10 de Agosto! O
povo viu no milagroso acontecimento a proteção de S. Lourenço, que assim quis juntar à sua festa a vitória dos portugueses, a que
deram o nome de «Combates da Travanca».

A partir daquela data, para agradecer ao Santo Protetor, o feriado municipal passou a ser o dia 10 de Agosto, com grandes
solenidades na Capela de S. Lourenço, na freguesia de Cunha.

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