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1- Estrutura interna da Farsa de Inês Pereira

A farsa estrutura-se a partir de quadros que se vão sucedendo e que estão organizados da
seguinte forma:

1. Vida de Inês, ainda solteira, com a mãe.


2. Conselhos de Lianor Vaz sobre o casamento.
3. Apresentação e entrada de Pêro Marques.
4. Recusa da proposta de casamento por Inês.
5. Anúncio e entrada de um novo pretendente.
6. Casamento de Inês com o Escudeiro.
7. Desencanto com o casamento.
8. Viuvez de Inês Pereira.
9. Nova vida de casada com Pêro Marques.
10. Concretização do desejo de Inês.

Todos estes quadros se sucedem com ausência de marcação temporal e consequente


inverosimilhança (com exceção da leitura da carta anunciando a morte de Brás da Mata, três
meses após a sua partida).

Exposição Conflito Desenlace


Desejo de Inês de se Proposta e Novo pretendente Casamento com Concretização do desejo de
libertar (pelo recusa de e casamento Pêro Marques Inês
casamento) casamento falhado com o
com Pêro Escudeiro
Marques
Quadros 1 e 2 Quadros 3 e 4 Quadros 5,6,7 e 8 Quadro 9 Quadro 10
- De “Renego deste - De “Leixemos - De “Ou de cá!” - De “Como - De “Assi” (v.1086) até
lavrar” (v.1) até “e esta isto, eu venho” (v.406) até “pois estais, Inês “Pois assi se fazem as
é a concrusão”(v.167) (v.168) até “e tão caro hé de Pereira” (v.913) cousas”(v.1115)
hão-de vir logo custar”(v.912) até “não me corte
aqui”(v.405) a madre o
frio”(v.1085)

2. Teatro em verso
Estrofes Nove versos - nonas
Rima abbaccddc (interpolada e emparelhada)
Métrica Predomina a redondilha menor

3. Caracterização das personagens

3.1. Inês Pereira : rapariga ambiciosa e sonhadora (pequena burguesia)


Solteira Casada e viúva Casada em segundas núpcias
- ociosa; - casa com Brás da Mata , sem saber - materialista, pragmática e
- quotidiano que ele é pobre e interesseiro; calculista, decide casar-se com Pêro
entediante; - é infeliz; Marques;
- é alegre, quer divertir-se, mas - reconhece que errou ao rejeitar - canta e, livre, sai de casa com o
é contrariada pela mãe; Pêro Marques; consentimento do marido;
- é ambiciosa e idealista; - deseja a morte do marido; - tenciona cometer adultério com o
- a carta de Pêro Marques não - não se comove com a morte de Ermitão;
lhe agrada; Brás da Mata; - abusa da ingenuidade do segundo
- troça de Pêro Marques e - é hipócrita ao chorar pelo marido marido e pede-lhe para a
rejeita-o. morto; acompanhar à ermida.
- reconhece que a experiência de
vida ensina mais do que os mestres.

3.2. Escudeiro Brás da Mata: baixa nobreza (fidalgo)


- duvida do retrato perfeito que os judeus casamenteiros fazem de Inês;

- é pobre, mas finge ser rico e desinteressado;

- é o homem ideal que Inês procura: galanteador, elegante, bem-falante, sabe ler e escrever,
sabe cantar e tocar viola;

- é desonesto, ambicioso e calculista;

- após o casamento, revela-se autoritário e agressivo (aparência/essência);

- parte para a guerra e deixa Inês e o Moço sem dinheiro;

- é cobarde.

3.3. Pêro Marques: lavrador abastado (povo)


- pretendente rejeitado por Inês;

- é rico e trabalhador;

- apresenta-se como um homem de bem, honesto e de boas intenções;

- é um homem rústico, desconhecedor das regras de convivência social, ignorante e ingénuo;

- cai no ridículo pela maneira como se veste e pela maneira de falar e de agir;

- sofre com a rejeição ;

- casa-se com Inês, após a morte do Escudeiro;

- concede liberdade total a Inês e é traído por ela;

- representa o “asno” que leva literalmente a mulher às costas para “visitar” o Ermitão.
3.4. Lianor Vaz: alcoviteira casamenteira (povo)
- conhecida da mãe de Inês, quer que Inês se case com Pêro Marques;

- aparentemente é honesta e desinteressada pelo dinheiro que poderá ganhar;

- mostra-se preocupada com o futuro de Inês;

- depois da morte do Escudeiro, persuade Inês a casar-se com Pêro Marques.

3.5. Mãe: mulher simples (pequena burguesia)


- é religiosa;

- é autoritária, não permitindo que Inês saia de casa e obrigando-a a trabalhar;

- defende o casamento de Inês com Pêro Marques;

- conselheira e preocupada com o futuro da filha;

- não aprova a relação da filha com o Escudeiro, fruto do idealismo e da leviandade de Inês;

- resignada, acaba por aceitar a opção de Inês se casar com Brás da Mata, abençoando-os e
dando-lhes a casa.

3.6. Ermitão: antigo apaixonado de Inês (clero)


- é castelhano;

- apresenta um discurso mais amoroso do que religioso;

- é solitário e triste;

- pede esmola pelas ruas;

- a paixão frustrada por Inês fê-lo tornar-se ermitão;

- envolve-se amorosamente com Inês.

3.7. Os Judeus Casamenteiros – Latão e Vidal


- têm a missão de encontrar um marido para Inês;

- operam como única personagem, visível no seu discurso que confere comicidade à obra;

- procuraram o marido ideal para Inês Pereira;

- sem escrúpulos e oportunistas, visam apenas uma recompensa material;


- exageram as qualidades do Escudeiro e de Inês para atingirem o seu objetivo;

- são desonestos, falsos, materialistas e astutos.

3.8. Moço (Fernando): criado do Escudeiro (povo)


- denuncia o verdadeiro caráter do seu amo: a pelintrice, as manias de grandeza, as privações e
o sonho de atingir uma situação económica confortável através do casamento com Inês;

- queixa-se da pobreza e da fome a que o Escudeiro o sujeita;

- é responsável por vigiar Inês, quando o seu amo parte para África;

- fica triste ao receber a notícia da morte do seu amo em Arzila;

- é despedido por Inês, depois da morte do Escudeiro.

4. Dimensão satírica

Personagem Representatividade
Inês Jovens da pequena burguesia, ambiciosas e levianas, que usam o casamento para
ascender socialmente.
Pêro Marques Maridos ingénuos que se deixam enganar pelas mulheres e que aceitam essa
traição (tipo muito recorrente em Gil Vicente).
Brás da Mata A baixa nobreza decadente e faminta que vê no casamento a solução para a sua
ruína económica.
Mãe Mães materialistas, confidentes e conselheiras, que, embora amigas, querem casar
as filhas para terem estabilidade económica.
Lianor Vaz e Judeus Casamenteiros típicos da sociedade quinhentista.
Casamenteiros
Moço (Fernando) Serviçais explorados e enganados que passam fome e frio, não sendo pagos pelos
seus patrões.
Ermitão Clero que desrespeita os preceitos da Igreja e a moral, dado o comportamento
leviano dos membros que se envolvem amorosamente com mulheres.

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