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Assunto do capítulo

Neste capítulo, Fernão Lopes narra a forma como a população de Lisboa, incitada pelos apelos do
Pajem e de Álvaro Pais para que acudissem ao Mestre, porque o estavam a matar nos Paços da Rainha, se
armou, saiu em multidão pelas ruas da cidade e se dirigiu em grande alvoroço para aqueles, a que quis
lançar fogo e arrombar as portas. Os seus intentos só foram travados quando, aconselhado pelos seus
partidários, o Mestre apareceu a uma janela à multidão, que, reconhecendo, se acalmou, aclamando-o e
insultando o conde Andeiro e a rainha.
Título
O título do capítulo (“Do alvoroço que foi na cidade cuidando que matavom o mestre, e como aló
foi Alvoro Paez e muitas gentes com ele”) apresenta as linhas gerais do texto.

Estrutura externa
Momentos Personagens Ação Espaço

O Pajem do Mestre deixa o Paço da


Pelas ruas da cidade
Convocação / Pajem Rainha e cavalga velozmente pelas
Introdução até à casa de Álvaro
Apelo Álvaro Pais ruas, em direção à casa de Álvaro
Pais
Pais, gritando que mata, o Mestre.

Álvaro Pais sai com os seus homens


Pajem e grita pela cidade que é
Movimentação Pela cidade, a partir
Álvaro Pais necessário acudir ao Mestre, por
+ da casa de Álvaro
Aliados de Álvaro ser filho de D. Pedro. O povo
Concentração Pais
Pais - Povo junta-se a Álvaro Pais e avança em
direção ao Paço.
Desenvolvimento
O povo chega ao Paço e mostra-se
gradualmente furioso e impaciente
Manifestação Povo por saber o que sucedeu ao Mestre Às portas do Paço.
e planeia invadi-lo. É o momento
em que a ação atinge o seu clímax.

Convencido pelos que o rodeiam, o


Mestre dirige-se à janela e
Povo mostra-se ao povo,
Aclamação À janela do Paço
Mestre tranquilizando-o (pois está vivo e
o conde morto) e sendo por ele
Conclusão aclamado.

O Mestre sai do Paço e convence o


Mestre povo a dispersar. O Mestre Paço
Dispersão
Povo atravessa a cidade e dirige-se ao Pelas ruas da cidade
Paço do Almirante.
Análise segundo o manual
1.ª parte
O Pajem do Mestre sai dos Paços da Rainha, em direção à casa de Álvaro Pais, e lança o boato de
que o estão a matar, conforme combinado.
2.ª parte
O povo sai à rua juntamente com Álvaro Pais para acorrer ao Mestre.
3.ª parte
A fúria do povo, agora em multidão, cresce e ele quer saber notícias do Mestre.
4.ª parte
O Mestre acede aos apelos dos seus partidários e surge a uma janela do Paço, acalmando o povo. .
5.ª parte
O Mestre desce, junta-se ao povo e despede-se da multidão.

Desenvolvimento do capítulo
1.ª parte (ll. 1-5) – Apelo / Convocação
- O Pajem do Mestre grita repetidamente pela cidade que querem matar D. João, informando e
incitando o povo (com o boato que lança), dando, assim, início a um plano político previamente
definido, cujo objetivo é a criação de uma atmosfera favorável à aclamação daquele como rei de
Portugal.
- O plano / a estratégia foi delineado pelo Mestre e por Álvaro Pais, com a colaboração do Pajem, no
sentido de intensificar a oposição popular à Rainha e ao conde Andeiro e convertê-la em revolta a
favor dos intuitos de D. João e dos seus aliados.
- Por outro lado, não restam dúvidas de que o plano foi previamente combinado, como se comprova
pela expressão “segundo já era percebido”. De facto, o Pajem estava à porta aguardando que o
instruíssem a iniciar o plano e, quando recebe a ordem, parte a cavalo, percorrendo as ruas a
galope, gritando que acudam ao Mestre, pois querem assassina-lo.
- O referido plano estava sujeito a um secretismo total. Dele têm conhecimento somente o Pajem,
Álvaro Pais, o Mestre e os seus partidários. O objetivo é claro: anunciar o perigo que D. João
corre, para levar a população de Lisboa a apoiá-lo.
2.ª parte (ll. 6-21) – Movimentação e concentração
- Ao escutarem os brados do Pajem, as “gentes” saem à rua, dialogam umas com as outras,
enfurecem-se com o boato lançado, sobre o qual não refletem minimamente, e começam a pegar
em armas.
- Álvaro Pais, prestes e armado, desempenha o seu papel: junta-se aos seus aliados e ao Pajem e
cavalga pelas ruas, gritando ao povo que acuda ao Mestre, que “filho he delRei dom Pedro”.
Atente-se neste pormenor e na forma subtil como Álvaro Pais alude a D. Pedro, explorando o
simbolismo da sua figura e da sua história de amor com Inês de Castro no imaginário popular.
- Soam vozes pela cidade que matam o Mestre e o povo dirige-se, armado e apressadamente, para o
local onde ele se encontra, para o defenderem e salvarem.
- A multidão concentra-se em número muito grande: não cabe pelas ruas principais e atravessa
lugares recônditos, desejando cada um ser o primeiro a chegar ao Paço.
- Enquanto se desloca para lá, questiona-se quem desejará matar o Mestre e várias vozes anónimas
apontam o nome do conde João Fernandes, a mando da Rainha D. Leonor Teles. O clima de agitação
e excitação do povo foi preparado cuidadosamente e está a resultar em pleno.
3.ª parte (ll. 22 a 43) – Manifestação
- O povo, unido em defesa do Mestre e com o sentimento de vingança, inquieta-se e enfurece-se
diante das portas cerradas do Paço.
- Perante afirmações de que o Mestre tinha sido morto, são sugeridas diversas ações tendentes a
forçar a entrada no Paço: arrombar as portas cerradas, lançar fogo ao edifício para queimar o
conde e a Rainha, escalar os muros com escadas.
- Gera-se uma grande confusão e o povo não se entende acerca da atitude a adotar, enquanto
várias mulheres transportam feixes de lenha e carqueja para queimar os muros dos Paços e a
Rainha, a quem dirigem muitos insultos.
- Dos Paços, vários bradam que o Mestre está vivo e o conde Andeiro morto, mas a “arraia miúda”
não acredita e quer provas concretas, isto é, vê-lo, de que é assim. Receando que o povo, devido
à sua fúria e ao desejo de vingança, invada o palácio, se torne incontrolável e o destrua,
aconselham D. João a mostrar-se-lhe.
4.ª parte (ll. 44 a 59) – Aclamação
- O Mestre mostra-se a uma grande janela e fala ao povo, que fica extremamente emocionado /
perturbado ao constatar que está efetivamente vivo e o conde morto, quando muitos criam já no
contrário. Essa fala tem como finalidade tranquilizar o povo e dar-lhe esperança, mostrando-se
seu aliado (a apóstrofe “Amigos…”).
- Nesta fase do texto, é apresentado uma imagem muito negativa de D. Leonor Teles, vista
popularmente como adúltera e traidora, chegando a ser acusada pela morte de D. Fernando (ll.
53-54). O narrador não deixa grandes dúvidas: se a população tivesse entrado no Paço, teria
assassinado a Rainha.
5.ª parte (ll. 59 a 80) – Dispersão
- O Mestre, consciente da sua segurança e, no fundo, de que o plano arquitetado tinha resultado na
perfeição, desce e cavalga com os seus, acompanhado pelos populares, que lhe perguntam o que
quer que façam. D. João responde que não precisa mais deles e dirige-se para o Rossio ao
encontro do conde D. João Afonso, irmão da Rainha, enquanto é saudado pelas “donas ca çidade”.
- Quando se prepara para comer com o conde, vêm dizer-lhe que tencionam matar o Bispo de
Lisboa, por isso faria bem em lhe acudir. No entanto, aconselhado pelo Conde, acaba por não o
fazer.

Personagens
Na Crónica de D. João I, encontramos atores individuais e atores coletivos.
As primeiras figuras do texto são individuais – o Pajem e Álvaro Pais –, aquelas que põem a ação
em movimento, porém a seguinte é coletiva, sem nome que a identifique, por duas razões: por um lado,
trata-se de um coletivo e, por outro, é a gente simples do povo de Lisboa (do mesmo modo e também
por isso, o Pajem não possui nome). É o povo, enquanto ator, coletivo que domina a ação.
No que diz respeito às personagens individuais, umas estão presentes e outras ausentes: .
Presentes:
- O Pajem e Álvaro Pais, no início do capítulo;
- O Mestre de Avis, mencionado deste o início na boca de outras personagens, surge
fisicamente apenas na parte final do capítulo;
- O conde D. João Afonso, que se encontra com o Mestre na parte final do capítulo;
- Outros fidalgos: Afonso Eanes Nogueira, Martim Afonso Valente, Estevão Vasques
Filipe e Álvaro do Rego.
Ausentes:
- O conde Andeiro, que se sabe ter sido morto;
- A rainha, retratada muito negativamente;
- O bispo de Lisboa, acusado de traição e que será morto. A caracterização das
personagens é feita de forma indireta: são as suas palavras e, sobretudo, as suas
ações que permitem caracterizá-las.
A caracterização das personagens é feita de forma indireta: são as suas palavras e, sobretudo, as
suas ações que permitem caracterizá-las.

Caracterização do povo, a "arraia miúda"


O povo, a “arraia miúda”, personagem coletiva, preparado psicologicamente, constitui o
escudo defensor do Mestre para o assassínio do conde Andeiro, para sustentar o ato e suportar as suas
consequências, problema que a lealdade ao Mestre e a bravura do povo resolveram.
Os traços que o caracterizam são os seguintes:
- a curiosidade (“As gentes que esto ouviam saíam aa rua para ver que cousa era.”);
- a indignação, a revolta, o desejo de vingança e a agressividade;
- a determinação e a disponibilidade ("correndo a pressa"; "desejando cada um de seer o
primeiro"; "poerem fogo aos paaços e queimar o treedor e a aleivosa");
- o empenhamento na defesa do Mestre, o carinho e a solidariedade ("se moverom todos...
morte");
- a mobilização e a unidade na ação – age como um todo e acorre aos Paços para acudir ao Mestre
("todos feitos dum coraçom, com talente de o vingar"): traziam lenha, queriam carqueja para
lançar o fogo ao Paço ou uma escada para verem o que se passava dentro;
- a impaciência solidária ["as portas (...) çarradas (...) britassem"];
- a agitação, o crescendo da fúria popular, a fim de garantir a integridade física do Mestre;
- a desorientação própria de quem age sem pensar e a turvação resultante da ansiedade (realismo
psicológico);
- a precipitação, a ausência de reflexão / moderação e o descontrolo emocional (comportamento
que se acentua após a chegada aos Paços e antes da aparição do Mestre);
- a desconfiança;
- o alívio, a comoção, a alegria e a satisfação da missão cumprida;
- o poder (“não lhes poderiam depois tolher de fazer o que quisessem”; “E sem dúvida, se eles
entraram dentro, nom se escusara a rainha de morte, e fora maravilha quantos eram da sua parte
e do conde poderem escapar”).
O povo é um dos protagonistas do capítulo, uma personagem coletiva que garante a defesa do
Mestre, influencia o curso da História de Portugal. Determinadas ações são individuais e anónimas, como
gritar, ir buscar lenha ou pegar em armas.
É uma personagem coletiva dado que partilha um conjunto de características comuns (lisboetas
e patriotas) e um objetivo comum (apoiar o Mestre), agindo como um todo, coletivamente.

Personagens individuais
1. Pajem: informa o incita o povo, gritando e lançando o boato que alguém quer matar o Mestre,
como previamente combinado.
2. Álvaro Pais
a. Álvaro Pais é o estratego que conduz o povo para um fim preconcebido: preparar
psicologicamente o povo a aceitar e mesmo aplaudir o assassínio do conde de Andeiro. O
pajem, com quem colaborou na divulgação do boato da morte do Mestre, dirigiu-se a sua
casa, porque tudo estava previamente combinado ("segundo já era percebido"). Fernão
Lopes não deixa dúvidas: Álvaro Pais foi o cérebro que tudo planeou, nada deixando ao
acaso
b. Ele mesmo insiste na divulgação do boato junto do povo, de modo a “convocá-lo” e a criar
um clima favorável à aceitação do Mestre, da morte do conde Andeiro e à sua confirmação
como legítimo herdeiro do trono português.
c. Álvaro Pais é uma figura com visão política e inteligência; é matreiro, astuto,
manipulador, mentiroso até (por exemplo, grita que matam o Mestre, quando, na
verdade, é este quem assassina o conde Andeiro; grita, igualmente, excitando e iludindo
as pessoas), para atingir os seus fins.
3. Mestre de Avis
a. É querido pelo povo, que o apoia politicamente e vê como garantia da independência
nacional;
b. É humano, ponderado, refletivo e dialogante, não obstante a impulsividade revelada com o
ímpeto de ir salvar o bispo de Lisboa quando lhe anunciam que a se preparam para o
matar;
c. Adapta-se às circunstâncias, aceitando as instruções dos que lhe são próximos e retribui
afetuosamente o carinho do povo;
d. São-lhe associadas as ideias de predestinação e proteção divinas, como se pode
comprovar por expressões textuais que mostram a crença do povo de que tinha tido a
proteção divina, dado ter sobrevivido ao suposto atentado: “E per vontade de Deos”;
Beento seja Deos que vos guardou de tamanha traiçom”; “
e. É o autor da morte do conde Andeiro nos Paços da Rainha;
f. É uma figura carismática e populista (mostra-se à população para obter o seu apoio);
g. É, de certa forma, uma personagem dual: é amigo do povo e seu herói, mas revela alguma
fraqueza e incapacidade para tomar decisões autonomamente, dependendo da opinião dos
seus conselheiros.
4. Rainha D. Leonor Teles: o narrador coloca, estrategicamente, na boca do povo a
a. acusação de que é uma traidora e adúltera, chegando a ser acusada da morte de D.
Fernando.
Narrador
O narrador deste capítulo alterna entre a objetividade e a subjetividade:
- regista acontecimentos históricos e factuais (objetividade);
- analisa criticamente e interpreta os factos narrados (subjetividade;
- compreende a importância dos fatores psicológicos nos fenómenos históricos (subjetividade)
(por exemplo, o sentimento de crise nacional gerado pela perda iminente da independência
nacional)
Contrariando aquilo que proclamara no “Prólogo” a esta crónica, Fernão Lopes manifesta empatia
com o povo e apresenta um retrato bem negativo de D. Leonor, “negando” assim a sua proclamada
imparcialidade.
Outros momentos em que a sua imparcialidade é posta em causa são os seguintes:
- a subjetividade do discurso;
- a sua ideologia e emotividade;
- os seus comentários ocasionais;
- a solidariedade com o povo e a cidade de Lisboa;
- a expressividade da linguagem e os recursos expressivos.
Por outro lado, trata-se de um narrador omnisciente, dado que conhece os acontecimentos que
relata, bem como as emoções de alguns intervenientes e as suas intenções secretas.
Espaços
1. Abertos, públicos, frequentados pelo povo e pelos intervenientes que com ele interagem: ruas da
cidade de Lisboa.
2. Fechado, privado, de acesso condicionado: o palácio, frequentado pelos nobres e pelos detentores
do poder.
3. Janela do palácio, em que o Mestre surge e se mostra ao povo, apaziguando a sua fúria, e é por
ele aclamado.
Relação ação / espaço – concentração do espaço
Cada momento corresponde a um espaço específico: ruas entre o Paço e a casa de Álvaro Pais;
ruas de Lisboa; em frente do Paço, mas centrado na janela onde assoma o Mestre.
O espaço evolui da dispersão para a concentração: o povo salta das ruas da cidade para a rua
principal, que conduz ao Paço da rainha e ali se concentra em torno do Mestre.
Tom dramático e dinâmico:
Alternância discurso indirecto (narrador) / discurso directo (fala das personagens ≠ só discurso
indirecto (texto pesado e sem vida);
Funções da linguagem (fala das personagens): emotiva, apelativa e fática; gradação crescente na
expressão da emotividade do povo, que culmina com o aparecimento do Mestre (clímax).
Esta alternância entre as duas modalidades do discurso confere, de facto, dinamismo,
veracidade, veracidade e dramatismo ao discurso e ao que é narrado, pois, através do discurso direto,
temos acesso às falas “reais” dos intervenientes.
Desta forma, para além de obtermos maior dinamismo na narração, Fernão Lopes
cumpre a sua missão de relatar a verdade dos acontecimentos.
Linguagem e recursos estilísticos
I. Narração – contar um facto histórico:
A. uso de verbos de movimento (“saíram”, “atravessavom”, etc.): conferem dinamismo à
ação;
B. uso do pretérito perfeito e imperfeito, tempos próprios da narração;
C. uso de nomes que transmitem agitação (“arroído”, “alvoroço”, “torvaçam”).
D. estrutura frásica:
1. coordenação: exprime a sequência de ações;
2. subordinação: exprime as causas (orações causais) e as motivações dessas ações;
3. expressões que marcam a mudança de espaço (à porta, pela rua, ali, i, pera u, pera
alá, acima, dentro, pera os paços) e o decurso do tempo (ante que, entom, logo à
pressa);
4. orações temporais-causais de tipo latinizante ("Como lhe disseram" significa
"depois de lhe terem dito e por lhe terem dito"; "como foram às portas do paço"
significa "quando chegaram às portas do paço e por terem chegado às portas do
paço") com o intuito de unir o espaço e o tempo por um vínculo de causalidade;
II. Descrição – descrição do movimento popular, físico e psicológico (exímio pintor da psicologia da
"arraia miúda"):
A. realismo descritivo e visualismo (pormenores realistas; descrição perfeita e objectiva,
sugestão de simultaneidade; sugestão de movimento ...);
B. visualismo impressionista:
1. perifrástica (começou de ir; não quedava de ir; começou de se juntar): sugere a
rápida determinação e disponibilidade do povo;
2. gerúndio: dizendo, bradando;
3. pretérito imperfeito: estavam, saíam, matavam;
4. advérbios e expressões adverbiais (rijamente a galope; asinha; agindo; correndo à
pressa; de desvairadas maneiras; conhecendo-o todos claramente; olhavam contra
ele): sugerem ação, movimento e tensão;
5. arcaísmos pleonásticos: olhai e vede; era maravilha de ver; entrar dentro; sobir
acima; desceo afundo: reforçam, na sua maioria, o efeito visual da ação;
constituem um apelo aos sentidos;
6. expressões que realçam a curiosidade, a ansiedade e a impaciência do povo: as
gentes saiam à rua ver que cousa era; alvoraçaram-se; certificavam; britassem as
portas; aficavam; acendia; o arroído;
7. adjectivação expressiva: lugares escuros, espantosas palavras, portas çarradas,
desvairadas maneiras, aleivosa, todos feitos dum coração (povo unido numa só
vontade);
8. subordinação: orações subordinadas causais, temporais e consecutivas – ligam os
factos no tempo, mediante relações de causalidade;
9. ironia popular: "Oh, que mal fez! que matou o traedor"
10. gradação ascendente da emoção do povo: ouve o apelo e acorre desorientação,
curiosidade pela sorte do Mestre e ódio ao conde e à rainha perturbação do povo
reconhecimento do Mestre e sua aclamação;
11. expressões que sugerem uma certa predestinação divina em favor do
empreendimento do Mestre: "per vontade de Deus"; "ca eu vivo e são som a Deos
graças."; "bendito seja Deus que vos guardou desse traedor"; "Bento seja Deus
que vos guardou de tamanha traição";
12. mudança contínua de planos, do geral para o particular e do particular para o
geral:
- alternância de falas particulares e falas do povo;
- alternância da actuação de personagens individuais e da personagem coletiva (o
povo).
Mesmo na actuação do povo há várias formas e graus: por vezes o povo age em conjunto ["A
gente começou de se juntar todos feitos dum coração" "tais i havia (...) deles bradavam, outros se
aficavam, uns vinham com feixes de lenha, outros traziam carqueja" – são grupos organizados no meio da
multidão].
I. sensações:
A. auditivas: "Soarom as vozes do arroído"; "braadando"; "com espantosas palavras"; "ali
eram ouvidos braados de desvairadas maneiras"; "braadavom"; "era o arroído tam grande
que se nom entendiam uns com os outros", etc.;
B. visuais: "se moverom todos com mão armada, correndo a pressa"; "era tanta que era
estranha cousa de veer"; "as portas do Paaço que eram já çarradas".
A linguagem sensorialista torna os relatos mais realistas, transportando o leitor para o local dos
acontecimentos, como se os estivesse a presenciar, “vendo” e “ouvindo” o que se passou.
1) Comparação: "assi como viuva que rei nom tinha, e como se lhe este ficara em logo de marido, se
moverom todos com mão armada, correndo... escusar morte": sugere a ligação, o carinho e o
empenhamento do povo na defesa do Mestre, que não queria perder, aproximando-o de uma figura
familiar. Por outro lado, esta comparação sugere o desgoverno e desproteção a que a cidade
(representada pela mulher) ficaria sujeita sem rei, tal como acontece com as viúvas.
2) Metáforas:
- "Cada vez se acendia mais": contribui para recriar a tensão que vai aumentando em volta do
Paço; o alvoroço popular vai aumentando de intensidade, provocando ruído, agitação e movimento
entre a população, tal como sucede com uma fogueira que se acende e vai aumentando de
intensidade; acresce que esta fogueira já estava acesa há algum tempo, estando prestes a atingir
o seu clímax.
- “Todos feitos de um coraçom”: sublinha a união do povo e a comunhão de sentimentos.
3) Hipérbole:
a) realça o grande alvoroço e o tumulto da multidão: "e em todo isto era o arroído atam
grande que se nom entendiam uns com os outros";
b) caracteriza o comportamento das multidões: "E tanta era a torvaçam deles (...) que taes
avia i que aperfiavom que nom era aquele".
4) A capacidade mobilizadora do discurso directo (diálogo), onde se misturam as funções apelativa,
fática e emotiva, alternando com a informativa:
a) o apelo de Álvaro Pais, com recurso ao presente do conjuntivo com sentido de imperativo
e à frase exclamativa;
b) a força da interpelação dos populares, com recurso ao presente do indicativo ("matom",
"é") e ao pretérito perfeito ("çarrou") e de curtas e incisivas frases interrogativas;
c) o desafio do povo aos "do Mestre", através do presente do indicativo ("se vivo é"), do
imperativo ("mostrae-no-lo") e do futuro do indicativo ("vee-lo--emos");
d) a intervenção apaziguadora do Mestre, iniciada por um vocativo ("Amigos"), continuada
por um imperativo ("apacificae-vos") e concluída com a primeira pessoa do presente do
indicativo do verso ser ("som"), a que dois adjectivos ("vivo e são") servem de
predicativo;
e) finalmente, esfriados os ânimos, o comentário em jeito de antecipação, no pretérito
perfeito ("fez", "matou") e no presente ("creedes", "há-de vir") do indicativo. .
5) Interrogações e repetição: "U matom o Meestre? que é do Meestre?"; "Quem çarrou estas
portas?".
6) Apóstrofes:
a) “Ó Senhor, como vos quiserom matar…”: acentua o respeito, a veneração e a amizade do
povo para com o Mestre e o alívio pela proteção de Deus o ter livrado da traição do conde
Andeiro.
b) “Amigos…”: a amizade entre o Mestre e o povo.
7) Antítese: “… o Mestre era vivo, e o Conde Joam Fernandez morto…”.
8) Exclamações.
9) Campo lexical de «revolta»: braados, britassem, queimar, treedor, doestos, motim, etc. .
10) Pormenor:
a) do vestuário de Álvaro Pais: "está prestes e armado com uma coifa na cabeça, um cavalo
que anos havia que non cavalgava";
b) da "janela que vinha sobre a rua" para recriar o espaço e nos fazer comungar de todo
aquele ambiente.
Fernão Lopes socorre-se, na crónica, da chamada técnica da reportagem, cujos principais traços
são os seguintes:
- a minúcia e o realismo com que relata os acontecimentos, como se os tivesse
presenciado;
- o posicionamento no próprio momento em que ocorrem os factos testemunhados por si e
indiretamente pelo narratário; . o objetivismo: o cronista relatava apenas o que vê e ouve
- os gestos, as atitudes e as palavras dos intervenientes;
- as anotações de cenário, que sugerem o ambiente em que se movem as figuras históricas.
Desta forma, o cronista aproxima o leitor dos acontecimentos, levando-o a compreendê-los
melhor e a identificar-se com os intervenientes.
As descrições pormenorizadas dos lugares onde têm lugar as ações, em planos narrativos gerais e
particulares, configuram aquilo que se pode designar por visão objetiva ou cinematográfica. De facto, a
narração segue uma técnica semelhante à do cinema, constituída por uma sucessão de planos, espaços e
atores.
O texto como documento da época em que se integra
1. Pelo conteúdo:
a. o contexto histórico (a crise de 1383-85):
- o assassinato do conde Andeiro;
- a movimentação do povo de Lisboa para apoiar o Mestre, liderado por Álvaro Pais;
b. a componente política do episódio:
- a criação de uma atmosfera favorável à aclamação do Mestre como rei de Portugal;
- a legitimação de uma dinastia nacional, embora por via bastarda.
2. Pela forma:
a. o texto como exemplo da fase arcaica da língua:
- o hiato: "braadar", "Meestre", "tiinha", "veer", "principaes", "seer", "aas",
"paaço";
- a terminação -om na terceira pessoa do plural do imperfeito do indicativo
("atravessavom", "certificavom", "estavom", etc.), do pretérito perfeito ("moverom",
"forom", "começarom") e do presente do indicativo ("matom");
- as terminações -om e -am em vez de -ão : "nom", "atam", "entom", "tam",
"torvaçam";
- a nasalação de determinantes e pronomes indefinidos: uu, uus, neua, neuua;
- o uso de arcaísmos: per, u, i, ca;
- o uso do ç em início de palavra: "çarradas", "çarrou";
- o pleonasmo: "sobir acima", "entrar dentro".

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