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André 

vauchez:  Espiritualidade;  CAPÍTULO III: A Religião dos Novos Tempos (final séc. XI - 


séc. XII) 
 
1. Novas condições da vida espiritual 
- mundo ainda essencialmente rural  
● contudo,  as  cidades  estavam  renascendo  e  com  elas  novos  grupos  sociais 
(habitat  urbano  e  pelo  exercício  de  profissões  que  implicam  a  posse  de  um 
capital  financeiro ou cultural; mercadores, armadores, homens da lei, notários 
etc)  
- revolução comercial  
- mutações e rupturas (processo de dissolução da autoridade) 
- repercussões na vida espiritual  
 
- “Os  burgueses,  no  interior  do  movimento  comuna!,  arrancavam  pouco  a  pouco  aos 
detentores  tradicionais  da  autoridade  -  condes  ou  bispos  -  garantias  para  o  livre 
exercício de suas atividades e por vezes até a autonomia urbana.  
- mentalidade  de  lucro  (“O  camponês  que  procurava  aumentar  a  sua  produção  ou.  o 
seu  rebanho  para  ganhar  algumas  moedas  no  mercado,  o  senhor  que  aumentava  a 
sua  lavoura  e  o  número  dos  seus  homens  para  melhorar  a  sua  renda,  o  mercador 
que  viajava  pelas  vias  terrestres  ou  marítimas  ·  com  suas  trouxas  de  pano  eram 
todos motivados pelo desejo de ganhar dinheiro, cada vez mais dinheiro.”) 
● Bispos  também  tiram  partido  da  situação  apesar  de  uma  inicial  atitude  de 
medo  e  recusa  de  adaptação  diante da sociedade urbana, foram necessários 
muitos  choques  e  conflitos  para  que  a  espiritualidade  tradicional  se 
adaptasse às novas condições da vida social. 
 
- Ao  mesmo  tempo  em  que  ela  arrancava  a  sociedade  à  estagnação,  aumentava  à 
distância que separava os ricos dos pobres.  
- O  gosto  pelas  peregrinações,  especialmente  pela  de  São  Tiago  de  Compostela,  era 
apenas  uma das manifestações dessa febre de viagens, que contrastava com o ideal 
monástico de estabilidade e acabava por contestá-lo.  
● influências exteriores na espiritualidade 
- experiências eremíticas 
- difusão dessas novas experiências espirituais  
● dessacralização do mundo  
- reforma gregoriana; emancipação da sociedade leiga 
- “O  crescimento  econômico,  desigual  segundo  as  regiões,  mas  real,  a 
elevação  do  nível  de  vida  que  se  traduzia  no  seio  da  aristocracia  por 
uma  procura  do  conforto  e  do  luxo,  o  movimento,  enfim,  que 
conduziria  a  liberdade  os  habitantes  das  cidades  e  dos campos, tudo 
isso  concorria  para  dar  à  vida   ​ humana  e  aos  bens  deste  mundo 
menos precariedade e mais sedução.” 
- ascensão de uma sociedade e de uma cultura profanas  
●   novas  seduções  tornam  o  mundo  mais temível, lhe opuseram 
uma recusa total e se retiraram para o deserto.  
● Outros,  tomando  o  partido  das  mudanças  que·  se  operavam, 
estimaram  que  a  resistência  ao  mal  não  implicava 
necessariamente a fuga para fora do século. 
 
2. O retorno às fontes: vida apostólica e vida evangélica 
- A  partir  de  meados  do  século  XI:  aprofundamento  no  domínio  religioso;  desejo  de 
viver melhor a fé 
● vontade de retornar às fontes 
● preocupação de imitar a boa latinidade, a de Cícero e de Virgílio 
● para a Igreja a perfeição também se encontrava no passado 
- Aos  olhos  de  muitos  clérigos,  à  medida  que  se  afastava dessa época 
abençoada, o mundo só podia envelhecer e declinar. 
- eremitas  abandonaram  em  grande  número  as  comunidades 
monásticas,  para  reencontrar  o  estilo  de  vida  praticado  outrora  pelos 
Padres do deserto. 
● Em  resumo,  todas  as  experiências  religiosas  desse  tempo  foram  marcadas 
pela  vontade  de  voltar  à  pureza  original  do  cristianismo.  O  ideal da ​Ecclesiae 
primitivae​ forma se tornou a referência obrigatória da nova espiritualidade. 
- procurava  as  respostas  sobre a sociedade da época (em mutação) na 
fidelidade  intensa  no  testemunho  dos  apóstolos  e  na  mensagem 
evangélica. 
● desejo  por  perfeição  afeta  a  ​vita  apostolica​:  A  idéia  de  que  a  comunidade 
primitiva  de  jerusalém,  tal  como  esta  é  apresentada nos Atos dos Apóstolos, 
constituía  um  modelo  para  a  Igreja e de que o seu estilo de vida era o próprio 
modelo da vida perfeita. 
- monges  durante  a  Alta  Idade  Média  se  tornam  imitadores  dos 
apóstolos  
- idéia  de  que  a  perfeição  cristã  se  realizava  nos  claustros  (convento, 
monastério)  
● Reforma gregoriana rompe com essas ideias 
- estender o benefício da vida comum ao clero 
- viver em comunidade 
- comando dos bispos 
- abertura para o mundo exterior 
- maior foco em Cristo 
- valorização do novo testamento  
- “fidelidade  mais  exigente  à  palavra  de  Deus  conduziu  então  os 
melhores  espíritos  a  ultrapassar  a  concepção  moral  e  disciplinar  da 
vida apostólica.” 
- foco  em  trechos  do  Evangelho  capazes  de  fornecer  regras  de  vida, 
especialmente  aqueles  que  evocam  a  pobreza  de  Cristo  e  dos  seus 
discípulos. 
- evangelização dos pobres 
- “pobres de Cristo” 
 
 
CAPÍTULO IV 
2. O tempo dos leigos 
a) Da cruzada aos combates do século 
- “Até  as  últimas  décadas  do  século  XII,  os  leigos  que  aspiravam  a  levar  uma  vida 
religiosa  mais  intensa  não  consideravam  outra  possibilidade  senão  entrar,  na  idade 
adulta,  em  um  mosteiro  ou  associar-se,  de  algum  modo,  a  uma  comunidade 
religiosa,  a  fim de poder gozar das riquezas espirituais e dos méritos acumulados no 
abrigo do claustro pelos servidores de Deus.” 
● diversas modalidades de associação:  
- tutela sob um monástico 
- disponibilizar  sua força de trabalho à disposição de uma abadia como 
irmãos conversos 
- perfeição cristã no monástico  
● aristocracia  cavaleiresca:  “via  de  santificação  no  interior  das  ordens 
militares:  templários,  hospitalários,  logo  seguidos  pelos  Teutônicos  e  os 
Porta-Espadas  nos  países  germânicos,  assim  como  por  numerosas  ordens 
do  mesmo  tipo,  que  se  desenvolveram  na  Península  Ibérica,  no  âmbito  da 
Reconquista.”  (monges-soldado)  Depois  de  1200,  numerosos  cavaleiros 
assumiram  a  cruz,  em  uma  perspectiva  mais  religiosa  do  que  política  ou 
econômica. 
- espiritualidade da cruzada  
● leigos dos meios burgueses, apaixonados pela perfeição evangélica 
 
b) A religião voluntária: confrade , penitentes e flagelantes 
- desenvolvimento das confrarias 
● “muitos  leigos  de  ineio  modesto,  tanto  na  cidade  quanto  no  campo,  se 
agruparam  a  partir  de  uma  base  territorial  (a  aldeia,  o  bairro,  a  paróquia)  ou 
sócio-profissional  (a  profissão),  a  fim  de  praticar  a  ajuda  mútua  e 
encarregar-se dos funerais de seus membros defuntos.” 
- não  foi  a  prece  pelos  mortos  que  constituiu  o  objetivo  principal  da 
confraria  no  século  XIII,  mas  a  procura  da  paz  na  fraternidade 
(“caridade”) 
- autogestão e a livre eleição de seus dirigentes 
● apareceram  espontaneamente  no  início  do  século  XIII  na  Itália,  e  se 
multiplicaram· depois sob a influência das ordens mendicantes. 
● Efetivamente,  trata-se  de  grupos  de  leigos,  cujas  exigências  no  plano 
espiritual  eram  muito  mais  elevadas  do  que  nas  confrarias  evocadas 
anteriormente. 
- programa de vida 
- “fazer penitência” 
● Os  bispos  e  o  papado  os  tomaram  sob  sua  proteção  e,  na  maioria  das 
cidades,  chegou-se  a  uma  conciliação  em  meados  do  século  XIII:  os 
penitentes,  assimilados  a  religiosos,  foram  isentos  do serviço militar, mas as 
cidades  lhes  confiaram  tarefas  variadas,  indo  da  distribuição  de  subsídios 
caritativos  aos  conventos,  aos  pobres  e  aos  prisioneiros,  até  a  gestão  da 
tesouraria  municipal  e  ao  cumprimento  de  missões  diplomáticas  para  a paz, 
e constituíam uma espécie de "serviço civil"" avant la lettre. 
● suas.  reuniões  eram  em  geral  mensais;  realizavam-se  em  uma  igreja  ou 
oratório, onde um padre ou um religioso vinha lhes falar das coisas de Deus. 
● flagelo  
- A  novidade  introduzida  pelos  flagelantes  de  1260  residia  no  fato  de 
que,  a  partir  de  então,  ela  era  praticada  em  recinto  aberto,  à  vista  de 
todos, pelos fiéis que o desejassem. 
- desejo  dos  leigos  mais  devotos  de  se  apropriarem  de  uma  prática 
ascética  que  era,  até  então,  apanágio  dos  monges,  e  principalmente 
das vantagens espirituais que ela conferia. 
- A  imitação  mais  concreta  de  Cristo,  através  da  autopunição  e  da 
humilhação  voluntária,  culminava  em  um  processo  de  identificação 
com a vítima sangrenta do Calvário. 
● procissões penitenciais (1260) 
● “paz e misericórdia” 
 
c) Rumo a uma santidade leiga 
- Até  o  século  XII,  era praticamente impossível para um leigo chegar às honras 
da santidade reconhecida e do culto litúrgico.  
- “A  reforma  gregoriana,  insistindo  na  superioridade  dos  clérigos  sobre  os 
leigos  no  seio  da  Igreja,  e  o  sucesso  que teve, no século XII, a espiritualidade 
do  "desprezo  pelo mundo" nos meios monásticos contribuíram para acentuar 
a depreciação do estado leigo.” 
- era  muito  difícil  para  um  não-nobre  fazer-se  monge  ou  monja  e,  ainda  mais, 
chegar  a  uma  reputação  de  santidade,  tão  enraizada  nos  espíritos  estava  a 
convicção  de  que  a  perfeição  moral  e  espiritual  só  podia  desabrochar  em 
uma  alma  bem-nascida  e  no  seio  de  uma  linhagem  ilustre.  (privilégio 
reconhecido a nobreza) 
- nova concepção de santidade 
● não bastava mais, a partir de então, cumprir plenamente as exigências 
do  seu  estado  e  dar  o  exemplo  das  mais  altas  virtudes  morais,  mas 
ainda  era  necessário  imitar  o  Cristo  ·  em  sua  humilhação  e  em  seus 
sofrimentos,  não  hesitando  em  cumprir  atos  insensatos  aos olhos da 
sociedade,  mesmo  de  uma  sociedade  que  se  dizia  cristã,  como  a  da 
Idade Média. 
 

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