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A IGREJA NA AMÉRICA

PORTUGUESA NO SÉCULO XVIII

Episcopado, religiosos e leigos


FUNDAMENTOS DA ATUAÇÃO DA
IGREJA NA AMÉRICA PORTUGUESA
Evangelizar como uma tarefa do Estado
 O monarca como responsável pela conservação da fé
 O rei de Portugal “é o perpétuo administrador no espiritual e
temporal da milícia de Jesus da Ordem de Cristo, delegado da
Santa Sé e Grão-Mestre da mesma milícia durante todo o tempo
da sua existência”
 “O padroado conferia aos monarcas lusitanos o direito de
cobrança e administração dos dízimos eclesiásticos, ou seja, a
taxa de contribuição dos fiéis para a Igreja, vigente desde as mais
remotas épocas” (HORNAERT, 2008, p. 163)
 o padroado constituiu a “expressão prática do colonialismo em
termos de instituições religiosa” (HORNAERT, 2008, p. 166) , na
medida em que conferia à Coroa o direito de arrecadar e
redistribuir os dízimos devidos à Igreja e indicar os ocupantes de
todos os cargos eclesiásticos, inclusive infra episcopais.
Colonizar também é cristianizar
 “Contudo, o melhor que dela se pode tirar parece-me que
será salvar essa gente. E essa deve ser a principal semente
que Vossa Alteza em ela deve lançar” (Caminha, 1500)

 “Porque a principal causa que me moveu a mandar povoar


as ditas terras do Brasil foi para que a gente dela se
convertesse à nossa Santa Fé Católica [...] (Regimento de
Tomé de Souza, 1549)

 “Não é bom cristão quem não for bom vassalo; (...) sem
amor, fidelidade e obediência ao soberano, não pode haver
amor, fidelidade e obediência a Deus (D. Maria I, séc.
XVIII)
Evangelização e Colonização
 A missão como fronteira
 A convicção firmemente arraigada de que apenas sua religião representava ‘o Caminho, a Verdade e a
Vida’, e que todos os demais credos eram em essência falsos ou lamentavelmente desnaturados,
constituía a crença fundamental de todo aquele que sentia uma vocação missionária” (BOXER, 2007, 54)
 A missão como doutrinação
 “cuidar em se aplicar à doutrina dos índios, sair à pregação e doutrina dos índios, zelar pela salvação
daqueles povos gentios, trazer os gentios ao conhecimento da nossa santíssima fé católica, intruir em a
santa fé aos índios, instruir nos rudimentos da fé, intrometer no rebanho da igreja, converter o gentio”
(Jaboatão, plataforma missionária)
 A missão como conquista
 “Porque para este gênero (gentios da terra) não há melhor pregação do que a espada e a vara de ferro”
(Anchieta)
 “O Reino de Portugal, enquanto reino e enquanto monarquia, está obrigado, não só de caridade, mas de
justiça, a procurar efetivamente a conversão e salvação dos gentios. Tem esta obrigação Portugal
enquanto reino, porque este foi o fim particular para que Cristo o fundou e instituiu, como consta da
mesma instituição. E tem esta obrigação enquanto monarquia, porque este foi o intento e contrato com
que os Sumos Pontífices lhe concederam o direito das conquistas, como consta de tantas bulas
apostólicas. Não só são apóstolos os missionários, senão também os soldados e capitães; por que todos
vão buscar gentios e trazê-los ao lume da fé e ao grêmio da Igreja? Sim, porque muitas vezes é
necessário que os soldados com suas armas abram e franqueiem a porta, para que por esta porta aberta e
franqueada se comunique o sangue da Redenção e a água do Batismo” (Padre Antônio Vieira, Sermão da
Epifania, 1662)
ORGANIZAÇÃO DA IGREJA COLONIAL
O Clero Secular
 Responsável pelo governo eclesiástico: “aquele que regula
as cousas pertencentes à direção espiritual e bem das
almas” (Vilhena, 1798)

 Administradores dos sacramentos e da vida comunitária:


“responsável pela administração dos sacramentos, como o
batismo, o casamento, a confissão anual da Quaresma, os
ritos funerários e as missas de sétimo dia” (HORNAERT,
2008, p. 563)

 Sacerdotes do “Habito de São Pedro”, subordinados a uma


autoridade diocesana (bispo)
Estrutura secular ou episcopal
 Bispado ou Diocese: território diocesano administrado por
um bispo, com responsabilidade episcopal sobre os padres
e as freguesias

 Freguesia: igreja paroquial constituída por um território


definido (urbano ou rural), administrada por um clérigo
que ministra os sacramentos
Reforma do clero
 As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia
(1707): “inspiradas no espírito tridentino e, por
conseguinte, respaldadas pela monarquia portuguesa, ao
procurarem sistematizar e clarificar as formas de relação
entre o Estado e a Igreja na América portuguesa, de uma
certa maneira buscava definir e, com isso, preservar o
poder eclesiástico frente ao toritarismo estatal”

 Conteúdo: 1318 artigos, divididos em 279 títulos e 5


livros, que regulavam questões de fé, perfil moral e
religioso e funcionamento da igreja
O Clero Regular
 Etimologia: o termo regular provém do fato de que cada
ordem religiosa estabelecia suas próprias regras de vida (do
latim, regula)
 “A regra é a norma condutora, baseia-se no ideário do santo
fundador, compreendendo as formas doutrinais e teológicas
vivenciais, bem como o programa iconográfico observado no
culto cotidiano dos conventos” (CAMPOS, 2011, p. 33)
 Patrimônio das ordens: do cultural ao material
 Orações, cantos e ritos
 Conventos, igrejas e fazendas
 Os membros das ordens religiosas
 Os integrantes das ordens regulares são chamados de “irmãos”,
“frades” ou “freis”
Um momento de secularização da Igreja
 Proibição da entrada dos religiosos em Minas Gerais

 Expulsão dos Jesuítas do Império Portugues

 Ampliação do clero secular


A ATUAÇÃO DOS LEIGOS
Irmandades
 Um lugar de fé e devoção:
 Norma eclesiástica: “instituídas para o serviço de Deus, Nosso Senhor, e honra e
veneração aos santos” (Constituições do Arcebispado da Bahia)
 Mantinham aspecto devocional e promoviam culto dos santos, dos anjos, de Nossa
Senhora e de Cristo
 Um lugar de proteção e de compromisso
 Direitos: socorro em caso de doença, viuvez ou desgraça pessoal; assistência fúnebre
aos irmãos, com cortejo fúnebre e paramentos; celebração de missas aos defuntos
 Deveres: pagar taxa de matrícula; quitar anuidades; acompanhar funerais; participar
das celebrações e festas
 Um lugar de sociabilidade e afirmação de identidades
 “Havia irmandades de comerciantes, músicos ou artesãos, fazendo lembrar, em
alguns casos, as corporações de ofícios de origem medieval; havia-as de pobres ou
da elite; havia-as de escravos, libertos ou homens livres; havia-as, enfim, de brancos,
mestiços ou negros, inclusive com separações, quanto a esses últimos, entre
associações de negros crioulos e africanos” (CHAHON, 2000, p. 317)
Ordens terceiras
 Instituições de prestígio
 Normalmente formada por reinóis ou pela nobreza da terra,
abrigavam devotos que desejavam seguir a regra franciscana ou
carmelita, sem fazer votos solenes (castidade, pobreza e
clausura)

 As ordens mais comuns


 Ordem Terceira de São Francisco
 Ordem dos Carmelitas
RELIGIOSIDADES COLONIAIS
Além das normas, o vivido
 “A estreita convivência entre religiosidades distintas daria
ao “catolicismo colonial” uma feição própria, produzida
pela mescla cultural entre índios, negros africanos,
cristãos velhos e cristãos novos condenados pela
inquisição por crimes de feitiçaria, judaísmo e heresias de
variado tipo” (VAINFAS; SANTOS, 2014, p. 337)
As africanidades
 As diversas mesclas religiosas entre “Cruz de Cristo e a pedra dos orixás”
(Rodrigues, 1935): Sincretismo? Mestiçagem?
 Calundu: palavra de origem banto, que retratava um conjunto variado de
crenças e práticas religiosas africanas, caracterizados pela possessão ritual,
evocação dos espíritos, advinhação do futuro, intervenções curativas,
música cantada, dança e batuques
 Mandinga: originalmente, o termo define um grupo de africano situado no
atual Senegal, que costumavam trazer no pescoço amuletos na forma de
saquinhos com versículos do Alcorão em pedaços de papel. Com a diáspora,
a prática se difundiu entre os banto de Congo e Angola, misturando a
tradição europeia do talismã com o fetichismo africano, incorporando novos
conteúdos (pedra d´ara, alho, ervas e até hóstia; orações, provérbios e
rezas)) que serviam para “fechar o corpo”, sendo as bolsas de mandinga
consideradas “a forma mais tipicamente colonial da feitiçaria no Brasil”
(Souza, 1986)
Vendedeiras com bolsa de mandinga, Rio
de Janeiro, século XVIII.
Culto dos santos e da Virgem Maria
 A herança medieval dos santos intermediadores
 Os santos eram mais acessíveis à piedade popular que Deus, ainda distante e
onipotente, apesar de sua imagem se humanizar (FRANCO JR, 1990, p. 52)
 Os santos e seus atributos: virtude e poderes
 Santo Antônio: doutor da igreja, padroeiro de Lisboa e milagreiro
 São Benedito: descendente de escravos, frade e libertador
 Santa Luzia: mártir, protetora dos olhos e fonte de saúde
 A devoção mariana
 Um reino sob a proteção de Maria: estandarte da reconquista com imagem
de Maria e Portugal restaurado tem Nossa Senhora da Conceição como
padroeira (1646)
 Um preceito tridentino: no embate contra os protestantes, a Igreja estimulou
o culto à Virgem Maria, considerada intercessora por excelência entre Deus
e os homens
Catolicismo popular
São Benedito, o santo negro
INQUISIÇÃO E CONTROLE
INFLEXÃO INQUISITORIAL
 Foco político: “No século XVIII, a Inquisição portuguesa foi
gratativamente apagando a sua matriz eclesiástica, em favor da
sua vertente política”

 Mudança na centralidade: “(...) ainda que se mantivesse como


uma instituição disciplinadora e moralizante, nota-se um
arrefecimento do rigor punitivo do Tribunal relativamente ao
número de prisões efetuadas e à punição dos crimes respeitantes
às moralidades e aos desejos” (Bithencourt, 1999, p. 384)

 Ampliação da estrutura local: “o século XVIII absorveu 90,5%


das habilitações concedidas entre os séculos XVI e XIX, isto é,
1546 num total de 1708” (Calainho, 1992, p. 65)
Devessas locais: visitas diocesanas
 Tribunais itinerantes: apuração dos desvios de fé e de
costumes

 “(...) as testemunhas que comparecem à mesa da denúncia


falam muito mais da vida amorosa, da sexualidade, dos
costumes de seus semelhantes, do que da sua regularidade
no comparecimento às missas e na obediência dos
preceitos”

 Principais crimes: amancebamento, prostituição e


embriaguez

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