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A IGREJA NA AMÉRICA ESPANHOLA

Capítulo 7
E A CRISE DO SISTEMA COLONIAL
A igreja católica na américa colonial espanhola

A Igreja Católica se fez presente na América desde a chegada os primeiros


conquistadores. Ela desenvolveu um papel marcante na colônia espanhola,
introduzindo a cristianização, que acabou se tornando um mecanismo de dominação
espiritual dos indígenas.

Para entendermos como esta Instituição se tornou tão forte junto ao Estado espanhol,
precisamos voltar um pouco mais em nossos estudos. Com o processo de Reconquista
ocorrida na Península Ibérica, houve um estreitamento dos laços entre a Igreja e o
Estado espanhol, até mesmo por interesses políticos e econômicos das partes.

À Igreja, fora conferida a missão de “apressar a submissão e a europeização dos


índios e pregar a lealdade à Coroa de Castela” (BARNADAS, 1998, p. 521), enquanto a
Coroa nomeava pessoas aos cargos eclesiásticos, pagava salários e efetuava obras
em prol da própria Igreja, dando assim certa notoriedade à Instituição Religiosa. A
Igreja espanhola necessitava de certa forma, do “apoio” da Coroa para financiar suas
expedições ao Novo Mundo para propagar sua fé, até mesmo por falta de recursos e
por acreditarem ser mais viável obter a “ajuda” da própria Coroa do que a do Papa, que
estava longe, em Roma.

O fato de os espanhóis chegarem a territórios na América e se depararem com povos


de estruturas sociais complexas fez com que a Igreja percebesse “a dimensão da
tarefa de evangelização que agora se exigia dela no Novo Mundo.” (BARNADAS, 1998,
p. 524). Por isso, foi necessário que os espanhóis primeiramente conquistassem militar
e politicamente os povos indígenas para que depois fosse possível a missão
evangelizadora da Igreja Católica.
Segundo Barnadas (1998, p. 524), na segunda metade do século XV, “a Península
Ibérica foi palco de movimentos reformistas de grande intensidade”, que tinham como
objetivo restabelecer a ordem e a prática cristã no território. A partir de tais ideais,
muitos acreditavam que na colônia espanhola dever-se-ia estabelecer o “cristianismo
puro”, isento dos erros do velho continente, restaurando assim a Igreja primitiva. Temos
como exemplo a Companhia de Jesus – os jesuítas – fruto da ação da contra reforma,
que tinha por objetivo inserir uma religião cristã no Novo Mundo.

Dessa forma, para administrar a profissão da crença, a Igreja se organizou no Novo


Mundo em Bispados, tendo como autoridade o próprio bispo, que pertencia ao clero
secular e exercia certa autoridade sobre o clero regular (padres e eclesiásticos que
tinham maior contato com os indígenas).

Dioceses foram criadas a partir de conquistas militares para atuarem como centro
administrativo autônomo, sendo responsáveis “pela obra missionária, pela legislação
dentro do sínodo diocesano e pela instrução dos padres nos seminários.” (BARNADAS,
1998, p. 528). Também foram instituídas paróquias e seminários, este último sendo um
órgão da diocese e tendo como principal função servir de colégio para estudantes
universitários e de seminário para formar o clero.

Já a paróquia foi responsável por “transplantar e proteger a Verdadeira Fé na comunidade


espanhola” (BARNADAS, 1998, p. 529). Quatro grandes ordens mendicantes foram
responsáveis pela evangelização na América Latina, sendo elas: os franciscanos, os
dominicanos, os agostinianos e os mercedários. Na segunda metade do século XVI os jesuítas
se juntaram a tais ordens, que serviam como, “reserva estratégica da Igreja, fornecendo
homens para a obra missionária na linha de frente, onde quer que fossem abertas novas áreas
de colonização.” (BARNADAS, 1998, p. 530).
Os jesuítas além da evangelização ainda atuavam na formação educacional. No século
XVII, a ordem jesuítica acabou por receber várias autorizações da Coroa Espanhola
para que pudessem enviar sacerdotes ao Novo Mundo para atuarem nas missões
evangelizadoras, sendo patrocinados pela própria Coroa. Na Península Ibérica, foram
criados centros de educação missionários para que pudessem receber jovens
religiosos que estivessem interessados em trabalhar nas colônias ibéricas.

Com a fundação de universidades pelas ordens religiosas e pelo episcopado para


difundir, principalmente, os conhecimentos teológicos e filosóficos no clero, a Igreja
voltava o ensino para conferir legitimidade ao sistema colonial. No século XVII houve a
fundação de várias Universidades relacionadas às ordens religiosas masculinas,
representando significativo crescimento intelectual e cultural da colônia. Muitas delas
eram destinadas ao próprio clero e ofereciam apenas filosofia e teologia. Raríssimas,
mesmo no século XVIII ofereciam ensino de medicina ou ciências naturais.

No século XVII houve um acirramento da Igreja em relação às questões religiosas. No


século XVI havia um certo respeito em relação à religiosidade das comunidades de
cultura nativa, e até certo ponto, o ideal das igrejas locais foi muito mais de manter um
diálogo intercultural do que a pregação do evangelho em si. Porém, no século XVII a
sobrevivência destas culturas religiosas nativas, pareceu à Igreja o sinônimo do
fracasso missionário. A “idolatria” de deuses pagãos, principalmente nos Andes, passou
a ser perseguida e controlada com rigidez.

A inquisição nas colônias espanholas foi uma das reações da Igreja para tentar corrigir
falhas anteriores em seu sistema evangelizador. Foram impostas medidas contra as
práticas de idolatria que ainda eram vistas na sociedade colonial, como o
“aprisionamento, a destruição física de todo símbolo considerado idólatra e duros
castigos aos chamados feiticeiros” (BARNADAS, 1998, p. 539). Com a destruição
destas representações, a Igreja adotou medidas de cristianização através do estímulo
a adoração de imagens cristãs.
A proposta da Igreja era de cristianizar também o imaginário indígena, dando aos
índios toda uma caracterização ocidental em padrões europeus, ou seja, uma nova
visão mundana diferente de seus costumes a partir de representações de imagens
cristãs.

Esta medida também tinha por objetivo inibir as práticas protestantes e judaicas.
Muitos dos judeus chegavam à colônia espanhola via Brasil, pois quando estes foram
expulsos da Espanha na criação do Estado espanhol, se refugiaram em Portugal.

Com a colonização portuguesa na América, os judeus acabaram indo para o Brasil


sendo que de lá partiam para as colônias espanholas, muitos “convertidos” (cristãos
novos) e muitas vezes acabavam sendo reprimidos pela inquisição.
Por isso, bastava-se ser português para atrair suspeitas de serem judeus. No século
XVI e XVII, em alguns locais os termos “português” e “judeu” era considerado
sinônimo.

Os negros escravizados também eram perseguidos e observados com atenção para


que não praticassem sua religiosidade, considerada prática supersticiosa. Muitos
criaram mecanismos de burlar este controle e continuar com suas práticas religiosas,
sob um verniz de cristandade.

As paróquias seculares e as ordens religiosas adquiriram várias propriedades e


grandes fortunas provindas de testamentos que colonos muitas vezes deixavam após
morrerem em nome da Instituição em troca de “serviços espirituais” a serem prestados
pelo falecido. “A Igreja secular possuía também um patrimônio agrário” e, além disso,
“arrecadava dízimos dos brancos e mestiços e mesmo, em certo grau, dos índios”
(BARNADAS, 1988, p. 542).
Com isso, acumulava cada vez mais bens e propriedades e se tornava uma instituição
com um considerável poder econômico e financeiro. As dioceses se destacaram na
hierarquia da Igreja por conseguirem arrecadar um montante considerável de dízimos,
que posteriormente seria pago por alguns em uma quantia em dinheiro. Como vimos
no capítulo anterior, com toda essa estrutura financeira, o bispado se tornaria a
principal instituição de crédito, emprestando dinheiro a terceiros e cobrando juros dos
devedores (CARDOSO, 1988).

Dentre as ações missionárias mais sistemáticas e duradouras na América estão as


Reduções jesuíticas. As que melhor representam esta prática são as da margem dos
rios Paraná e Uruguai, distribuídas nas regiões de Entre-Rios, Paraguai, Rio Grande do
Sul e Turumá. Algumas chegaram a abrigar cerca de 1500 famílias indígenas Guarani.
As Reduções também tiveram importante papel nas economias regionais
(abastecimento interno) e com alguns produtos de exportação, como o chá de erva
mate. Produziam praticamente tudo que consumiam. Os indígenas além dos
ensinamentos religiosos, eram alfabetizados, tinham aulas de música, canto e
marcenaria.

Em 1768, com a expulsão dos Jesuítas da América pelos Bourbons, entraram em


declínio, e foram atacadas pelos comerciantes de índios (lusos e espanhóis). Com a
crise final do sistema colonial, a Igreja perdeu muitos privilégios, bens e influência. Por
sua atuação sempre conjunta à Coroa, não foi totalmente aceita pelas novas lideranças
criollas. Assim como a autoridade da Coroa estava sendo questionada, a da Igreja
também foi, porém, ao contrário da primeira, sobreviveu enquanto Instituição às
guerras de independência, com bens e autoridade reduzidos.
Crise do sistema colonial espanhol

A crise do Estado absolutista espanhol iniciou no século XVII com a Guerra de


Sucessão Espanhola. Os conflitos esgotaram os tesouros e a economia do Império,
além da baixa populacional, despovoamento, da pestilência e a invasão. “Tornava-se
inevitável que a colcha de retalhos dos patrimônios dinásticos se desfizesse: as
revoltas de Portugal, da Catalunha e de Nápoles foram um atestado da fraqueza do
absolutismo espanhol” (ANDERSON, 1998, p. 80). As sucessivas guerras foram
enfraquecendo e sucateando o exército, e fazendo com que a classe hidalga fosse
perdendo o gosto pelas batalhas, tão característico aos espanhóis...

O Estado acabava por não suprir as necessidades da colônia, que cada vez mais
achava soluções para sanar a falta de abastecimento pela metrópole, seja através do
contrabando, ou com o comércio intercolonial. Mesmo que houvesse a proibição da
produção manufatureira na colônia, a falta de abastecimento, de fiscalização e de
controle por parte da Coroa, abriu precedentes para a implementação da manufatura
de alguns produtos e gêneros. Com isso, o envio de metais preciosos à Espanha
também diminuiu, pois aumentou a circulação dentro da própria colônia.

A produção agrícola na Espanha caiu drasticamente com a baixa populacional, e a


manufatura – que nunca foi significativa, estava totalmente estagnada. Assim, os
recursos que vinham da colônia acabavam por ser repassados a outros Estados
europeus, como a Inglaterra e a França.
Portugal, Holanda e Itália estavam perdidos. O absolutismo de Madri havia sido
reforçado e uma nova dinastia francesa foi instalada, a monarquia Bourbon.
Importaram a experiência e técnicas mais avançadas do absolutismo francês e aos
poucos a administração, o exército, e a gerência das colônias foram sendo
remodelados, organizados e aprimorados. A administração das colônias foi arrochada e
reformulada. “Os Bourbons demonstraram que a Espanha poderia gerir o seu império
americano de forma competente e lucrativa” (ANDERSON, 1998, p. 81).

Com o reconhecimento da legitimidade ao trono pelos Bourbon, a Espanha terá que


lidar com as reivindicações da Inglaterra, que alegava estar sendo prejudicada pelo
aumento das influências francesas. Desta forma a Espanha estava subordinada a duas
potencias europeias, a França (politicamente) e a Inglaterra (economicamente).
Durante o século XVIII a Espanha tentou se recuperar das inúmeras perdas, retomou o
crescimento das atividades agrícolas e manufatureiras, tentou reestabelecer o controle
aduaneiro dos portos espanhóis, recuperando o monopólio colonial perdido e
revertendo algumas concessões comerciais feitas aos ingleses.

Porém, mesmo com todos os esforços para garantir o desenvolvimento destes setores,
não conseguiam alcançar a Inglaterra na oferta de manufaturados, nem eliminar o
contrabando com esta, já institucionalizado em muitos locais da colônia.

Ao final do século XVIII, a Espanha dominava a maior parte do continente americano:


na América do Norte sua colônia do México englobava também o território que ia do
Texas à Califórnia; na América Central possuía todas as terras continentais e a maior
parte das Antilhas; e na América do Sul, somente o Brasil e as Guianas não lhe
pertenciam. Um vasto império para cuidar e dominar...
Paralelo às mudanças econômicas, temos as mudanças administrativas. Uma delas foi
o desdobramento dos vice-reinados originais (Nova Espanha e Peru) em outros vice-
reinados e capitanias, em uma tentativa de recuperação do monopólio comercial. Esta
iniciativa fez com que houvesse necessidade da ampliação de novos centros urbanos,
aumentando o número de órgãos destinados a arrecadação de impostos.

As decisões mais importantes continuavam sendo centralizadas na metrópole. Esta


centralização já incomodava os criollos, que se sentiam pouco representados, e agora
era agravada pelo acirramento do monopólio comercial, após um período de pequenas
aberturas, suficiente para vislumbrarem as possibilidades de enriquecimento no mundo
colonial. O único espaço político da aristocracia criolla continuava sendo os cabildos.

Aos poucos estava se formando a ideia da metrópole como incomoda ao progresso da


colônia. Além disso, os monopólios comerciais faziam com que os criollos ficassem
alheios a situação do mercado econômico, impedindo um cálculo de valor real do que
produziam. Estas questões foram a base para o desejo de quebrar os vínculos
coloniais, pois seria a única solução para os anseios da elite criolla.

A Inglaterra, desejosa de novos mercados, não apenas estimulava como


instrumentalizava as ideias de insurreição contra a metrópole.

O Império se mantinha grande, mas as condições políticas quase não haviam mudado
e a administração era pouco eficiente e morosa. A supremacia política e econômica
continuava nas mãos dos “metropolitanos” que monopolizavam cargos administrativos
no governo, na Igreja, na justiça e no exército. A classe dominante colonial desejava
manter o sistema de opressão aos trabalhadores, mas com liberdade comercial e
representação nas decisões políticas, sem interferência da metrópole.
Universidade Luterana do Brasil - ULBRA. História da América Colonial e Independente.
Vários Autores. Canoas: livro digital, s.d.

GOMES, Juliane Maria Puhl. A Igreja na América Espanhola e a Crise do Sistema


Colonial. Capítulo 7, p. 128-150.

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