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Resumo:
O objetivo do presente trabalho é o estudo da pedagogia dos jesuítas: Manuel da Nóbrega
e José de Anchieta, e o modo como a usaram para converter os índios para o cristianismo.
Os jesuítas vieram não somente a fim de conversão à Fé católica, mas com o intuito de
“civilizar” os gentios. Sabe-se que colonização, catequese e educação são elementos que
se entrelaçam no período colonial brasileiro. Esse entrelaçamento aconteceu em um palco
real, concreto, que foi a América Portuguesa do século XVI, arena em que os jesuítas
enfrentaram a realidade e a cultura das matas, das selvas, de habitantes com cultura mais
que milenar. Eles tiveram então, de se adaptarem a realidade das matas brasílicas, e de
acordo com esta realidade encarar a missão. A metodologia utilizada para a pesquisa
foram análises de algumas cartas jesuíticas, sobretudo as de Manuel da Nóbrega e de José
de Anchieta, que tratam do assunto pedagogia, em que foi possível verificar a
singularidade específica no modo de inculcar nos homens do Novo Mundo a religião e a
moral cristã, que comprovam a tese formulada por Saviani da criação de uma pedagogia
inventada por Nóbrega e por Anchieta, apropriada para os índios das matas da América
Portuguesa: a pedagogia brasílica. Pode-se concluir com análises feitas dos documentos,
que Nóbrega e Anchieta lançaram mão de recursos dos mais variados, dentre eles:
confissões por meio de intérpretes, conservação de aspectos importantes da cultura nativa
que não contrariavam a religião e fé católica, como a sua dança, os seus cantos, o uso de
instrumentos e, sobretudo, a língua; criação de orações, sermões e catecismos na língua
tupi, peças de teatro para ensinar conteúdos cristãos. Essa pedagogia utilizada por estes
dois jesuítas foi inclusive contestada por autoridades religiosas da Igreja e da própria
Companhia de Jesus. Mas o que importava para eles era uma conversão dos índios para ad
maiorem Dei gloriam.
Introdução:
História da Educação:
A história da educação na América Portuguesa teve como protagonistas, no seu
início, os religiosos da Companhia de Jesus. No ano de 1549, os primeiros jesuítas
chegaram ao porto da Bahia, enviados e financiados pelo rei de Portugal, Dom João III.
Seis religiosos vieram na mesma embarcação do primeiro governador-geral, Tomé de
Sousa. Foram liderados por Manoel da Nóbrega, que se tornaria, em 1553, o primeiro
provincial da Companhia de Jesus no Brasil. Dava-se início ao processo de aculturação,
pelas “letras”, que seguia par e passo o processo de colonização, pelas “armas”
(FERREIRA; BITTAR, 2004).
Aca pocas letras bastan porque todo es papel em blanco, e não ha que se fazer
outra cousa, sinão escrever á vontade as virtudes mais necessarias e ter zelo
em que seja conhecido o Creador destas suas creaturas. [Carta de Pe. Manuel
da Nóbrega a ao Dr. Navarro, seu mestre em Coimbra - Salvador, 1549]
(LEITE, 1954 a, p. 142)
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A Companhia de Jesus foi fundada por Inácio de Loyola, um soldado que, após ter sido ferido em uma
batalha e atingido na perna, teve de passar por um momento de grande repouso para recuperação. No
local em que estava a se recuperar, Loyola pediu por livros que tratassem de cavalaria para diminuir a
ânsia de esperar pela recuperação; entretanto, só havia livros que falavam da vida dos santos e da vida de
Jesus Cristo neste local, e ele os leu. Passou então por um profundo processo de conversão e iniciou o
missionária, o seu objetivo maior era recrutar soldados para Cristo a fim de salvar o
mundo da vida material, dos pecados da carne, para se alistarem ao exército, espiritual,
de Cristo, juntando-se ao exército de um Rei temporal, defensor da Igreja Católica
(LOYOLA, 1966). Segundo Serafim Leite (2004), o lema de Inácio de Loyola era tudo
para a maior glória de Deus, frase que aparece várias vezes em seus escritos. Com esse
regime de verdade, os jesuítas vieram para a América Portuguesa e enxergavam os nativos
das matas como afastados de Deus, aliados dos demônios, não conhecedores da salvação,
por isso desejavam arduamente sua conversão, já que eram pagãos e não infiéis.
Desse modo, a educação jesuítica não se restringe à educação escolar, ela tem
como maior objetivo converter os gentios à Fé Católica e os formar nos valores e padrões
europeus. Segundo Faria (2005) “a escola era encarada para formar o verdadeiro povo de
Deus, ou (para ser fiel aos Exercícios Espirituais ) para formar ‘Soldados de Cristo’”.
(FARIA, 2005, p.48)
Uma dessas liberdades para adaptação, para maior produção de frutos, Pe. Manuel
da Nóbrega se coloca desde o início da catequização como defensor da prática da
processo de produção dos Exercícios Espirituais, e mais adiante fundou a Companhia de Jesus com a
função de criar “soldados para Cristo” (LEITE, 2004, p. 3-4).
confissão por meio de um intérprete, porque para ele, o mais importante era que o gentio
confessasse os seus pecados. Diante da necessidade de entrar na realidade dos nativos do
Novo Mundo, se intrometer, e realizar a missão, os primeiros jesuítas, liderados por
Nóbrega, conservaram aspectos importantes da cultura nativa que não contrariavam a
religião e fé católica, como a sua dança, os seus cantos, o uso de instrumentos e,
sobretudo, a língua. Criaram orações, sermões e catecismos na língua tupi para ensinar
conteúdos cristãos. José de Anchieta foi o expoente máximo dessa tarefa, criando já em
1556 a “gramática da língua mais falada do Brasil”, produzindo catecismos, peças de
teatro, doutrinas, orações em tupi, misturando elementos da cultura nativa à cultura cristã.
Manuel da Nóbrega:
Saviani (2008) denomina Manuel da Nóbrega como um jesuíta realista diante das
condições locais da América Portuguesa. Desse modo, a primeira fase da educação
jesuítica foi marcada pelo plano de instrução marcado por Nóbrega, que consistia no
ensino do português aos índios juntamente com o ensino da doutrina cristã, a escola de
ler e escrever e com a opção do ensino de canto e música instrumental. Desse modo, havia
dois lados de estudo: de um lado o aprendizado profissional e agrícola e de outro o estudo
da gramática latina para aqueles que seriam destinados à realização de estudos superiores
na Europa. Saviani considera o realismo de Nóbrega também pela forma como estava
atento às necessidades materiais dos colégios para sua construção, e manutenção dos
meninos. (pp. 43-4)
Esta gentilidade nenhuma cousa adora, nem conhece a Deus; somente aos
trovões chama Tupane, que é como quem diz cousa divina. E assim nós não
temos outro vocabulo mais conveniente para os trazer ao conhecimento de
Deus, que chamar-lhe Pae Tupane. (Carta de Pe. Manuel da Nóbrega-
Informações das Terras do Brasil, 1549)
Esta forma de lidar com os gentios causou alguns pensamentos críticos em relação aos
jesuítas, pois o conservadorismo religioso aflorava e achava indigno que os dogmas
religiosos fossem representados daquela forma. No trecho da carta que segue Nóbrega
menciona esta questão:
Este collegio dos meninos de Jesus vai em muito crescimento, e fazem muito
fructo; porque andam pelas aldeias com prégações e cantigas de Nosso Senhor
pela lingua, que muito alvoroça a todos, do que largamente se escreverá por
outra via; (Carta de Pe. Manuel da Nóbrega para o Padre Provincial de Portugal
– Bahia, 1552)
Ao final do trecho citado da carta, Nóbrega escreve que é por causa do amor que se
permite estas semelhanças, assim, ele menciona o amor à missão evangelizadora, amor aos
irmãos, os gentios, e segundo a dedicação aplicada sempre em busca do objetivo principal
da missão salvífica2 : resgatar almas para a glória de Deus.
o padre Navarro confessava por si só, os outros Padres por interpretes; e foi
desta maneira, posto que todos confessassem, sempre sobejavam muitos, que
não se podiam confessar; (Carta de Pe. Manuel da Nóbrega a Pe. Ignacio,
quadrimestre de janeiro até abril de 1557).
2
Dissertação de mestrado do Prof Dr. Luiz antonio Sabeh onde se conclui que o principal motivo da
missão jesuítica está em salvar almas.
Outro trecho que reforça a pedagogia brasílica é o contínuo uso de canções e
orações no tupi, língua dos gentios:
O principal é o indivíduo que tem maior autoridade da fala diante dos outros
membros da aldeia, dessa forma, por meio da pregação do principal há maior
probabilidade de conversão dos gentios. Segundo Bourdieu em seu livro A economia das
trocas linguísticas , o poder não está nas palavras, mas se encontra delegado no porta-voz
de quem as profere, sendo assim, o poder não se concentraria nos dogmas religiosos, mas
na forma de aceitação do porta-voz que está autorizado pelo grupo a proferir as palavras.
Sendo assim, o principal entre eles, que já tem autoridade na fala, tornaria mais fácil a
conversão dos demais membros do grupo.
Em relação aos bens materiais como já apontado por Saviani, Nóbrega era realista
e sustentava a ideia de que precisava de terras para construção de colégios, além da
criação de vacas e de outros animais, para o sustento dos meninos nos Colégios e nas
casas da Companhia:
Desse modo, pode-se notar a partir de alguns trechos de cartas que Nóbrega é
realista em relação à situação que se depara para a conversão dos gentios da América
Portuguesa, e se mostra disposto a enfrentar a realidade das matas a fim de seu objetivo
maior que era a salvação dos gentios. Outro jesuíta que teve bastante contato com
Nóbrega e sua forma pedagógica foi José de Anchieta, criador da primeira gramática na
língua indígena e outros meios pedagógicos como o teatro a fim de despertar os gentios
para o seguimento da doutrina católica. É dele que vamos falar agora:
José de Anchieta:
Segundo Faria (2005) José de Anchieta nasceu em 19 de março de 1534, nas Ilhas
Canárias, onde aprendeu a ler e a escrever um pouco de latim e português, sendo o
castelhano a sua língua materna. Aos 14 anos, foi enviado ao Colégio das Artes, anexo à
Universidade de Coimbra. Em 1551, noviço na Companhia de Jesus, terminou os estudos
de Lógica, ingressando nos de Metafísica, quando adoeceu gravemente, tendo de
interrompê-los. De acordo com Quirício Caxa (1965), “não tendo já os médicos que fazer,
tendo novas os Padres da terra do Brasil, ser muito sadia, determinaram, com parecer
também dos médicos, que fosse enviado a ela, e que poderia ser que com o novo céu,
nova terra, novos ares e novos mantimentos, houvesse nele e em sua disposição alguma
mudança” (p. 17). Em 1553, com apenas 19 anos, viajou para a América portuguesa, sob
a chefia de padre Luís da Grã. Depois de uma breve passagem pela Bahia, permaneceu
12 anos em São Vicente, participando, em 1554, da fundação do Colégio de São Paulo
em Piratininga, colégio no qual foi o único mestre. Elevado ao sacerdócio, em 1566
passou a exercer o superiorato. Morreu na capitania do Espírito Santo em 9 de junho de
1597 (DAHER, Apud FARIA, 2005, pp. 9)
Segundo Saviani (2008) Anchieta possuía as mesmas ideias educacionais que se
encarnavam como ideias pedagógicas que visavam atingir aquelas mesmas finalidades
inerentes à filosofia educacional presente na doutrina da Contra Reforma e presentes no
plano educacional de Nóbrega que estava posto em prática. Como hábil conhecedor de
línguas, Anchieta logo dominou a língua geral falada pelos índios, e organizou uma
gramática que foi usada no trabalho pedagógico da América portuguesa. (pp.44)
José de Anchieta chega à América Portuguesa em 1553 e em pouco tempo ele já
domina a língua indígena. Em carta datada de 1554 ele afirma estar adiantado em relação
à língua e já esboça o que se constituirá a sua gramática:
Quanto á lingua eu estou adiantado, ainda que é mui pouco, pera o que soubera
se não se me não ocupara em ler gramatica; todavia tenho coligido toda a
maneira dela por arte, e pera mim tenho entendido quasi todo seu modo;
(Carta do Irmão José de Anchieta aos Irmãos enfermos de Coimbra, São
Vicente, 1554)
Esta rapidez com que Anchieta demonstra em aprender a língua indígena faz parte
da pedagogia brasílica iniciada por Nóbrega. Com o aprendizado da língua do outro (o
índio), seria mais fácil a sua conversão.
Em Nóbrega começou-se a tradução da doutrina para a língua indígena, porém
com Anchieta esta ação tornou-se ainda mais fecunda. Entretanto, ainda havia a
dificuldade de tradução de palavras e expressões da fé católica, devido a nada de
semelhante com a cultura dos gentios. Anchieta relata algumas dificuldades no trecho da
carta:
Dando-lhe pois a primeira lição de ser um só Deus todo poderoso, que criou
todas as cousas, etc., logo se lhe imprimiu na memoria, dizendo que lhe rogava
muitas vezes que criasse os mantimentos para a sustentação de todos,, mas que
pensava que os trovões eram estes Deus; porém agora que sabia haver outro
por que dos nomes da Santissima Trindade êstes dois sómente pode tomar, pela
razão de que se podem dizer em sua lingua; mas o Espirito Santo, para o qual
nunca achamos vocabulo proprio, nem circunloquio bastante, ainda que o não
sabia nomear, sabia-o contudo crêr como nós lhe diziamos. (Carta do Irmão
José de Anchieta ao Geral Diogo Lainez, São Vicente, 16/04/1563, grifos
meus)
As missas tinham forte presença dos gentios, que ajudavam os padres cantando
em seu modo e tocando instrumentos, estes, muitas vezes fabricados pelos próprios
índios:
Estamos, como lhes hei escrito, em esta aldeia de Piratininga, onde temos uma
grande escola de meninos, filhos de Indios, ensinados já a ler e escrever, e
aborrecem muito os costumes de seus pais, e alguns sabem ajudar a cantar a
missa: estes são nossa alegria e consolação, porque seus pais não são mui
domaveis, posto que sejam mui diferentes dos das outras aldeias, porque já não
matam nem comem contrarios, nem bebem como dantes. (Cópia de outra, ou
complemento anterior da mesma data, 15/03/1555
Considerações finais
Os jesuítas, por meio de um discurso pautado na salvação de almas, foram peças
fundamentais para o início da história da educação no Brasil. Foram eles os primeiros
professores; criaram uma pedagogia própria para alcançar êxito em sua missão, a
pedagogia brasílica. Por meio da experiência em terras brasílicas, adaptaram e até mesmo
modificaram seus próprios pensamentos e próprias atitudes na relação com os índios.
Fundaram, segundo Saviani (2008), uma pedagogia, a brasílica, esse ato educativo que
mistura aspectos da cultura nativa para o ensino da moral e fé cristã.
Referências Bibliográficas:
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Linguísticas: O que Falar Quer Dizer ; prefácio
Sérgio Miceli. 2. Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.
CLASTRES, P. A Sociedade contra o Estado: pesquisa de antropologia política. Tradução de
Theo Santiago. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978 (Ciências Sociais).
FARIA, M. R. As representações de escola, ensino e aluno nas cartas de Manuel da Nóbrega,
José de Anchieta e Antonio Blásquez (1549-1584). Dissertação (Mestrado em Educação) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005.
LEITE, S. S. J. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo I e II. Livro I. São Paulo:
Edições Loyola, 2004.
LEITE, S. S. J. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil – 1538-1553. São Paulo: Comissão do
IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954a. v. 1.
LEITE, S. S. J. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil – 1553-1558. São Paulo: Comissão do
IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954b. v. 2.
LEITE, S. S. J. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil – 1558-1563. São Paulo: Comissão do
IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954c. v. 3.
NÓBREGA, M. Cartas do Brasil (1549-1560). Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo: Editora
Universidade de São Paulo, 1988.
SAVIANI, D. História das idéias pedagógicas no Brasil. 2.ed. Campinas: Autores Associados,
2008.