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(Cavalheiros I)
Dama Beltrán
Sinopse
Atenciosamente,
Dama Beltrán.
Para Almudena com muito carinho.
Obrigada por tudo.
«O amor tudo pode, tudo cura, tudo transforma».
Dama Beltrán.
Prólogo
― Desafio-o, senhor!
Com essas palavras, um homem de baixa estatura, com
um pouco de peso a mais e vestido com um imaculado traje
cinza, atirou uma luva sobre a mesa em que se jogava uma
partida de cartas. William arqueou as escuras sobrancelhas e
olhou a quem o desafiava com certa incredulidade. Deu-se
conta o pobre infeliz que se se levantasse de seu assento o
superaria em altura um pouco mais de 30 centímetros?
― Pela honra de quem? ― Perguntou William
redirecionando seus olhos para as cartas e apertando o
charuto em seus lábios. Estavam sendo tão habituais esses
desafios que já não lhe produziam alteração alguma.
― Pela honra de minha esposa, lady Juliette Blatte ―
respondeu o homem cheio de cólera ao ver que o aristocrata
não parecia se afetar pelo que ele esperava morrer de
vergonha e de dor.
― Juliette?
A familiaridade com a qual o futuro duque de Rutland
falou de sua mulher fez com que o pequeno corpo vibrasse de
desespero e fúria. William, sem apartar a vista das cartas que
tinha em sua mão esquerda, franziu o cenho e levou a outra
palma para a escassa barba que cobria seu rosto.
― Disse-me que enviuvou faz algo mais de um ano ―
continuou com voz serena e sem interesse por continuar a
conversação.
― Acusa-a também de mentirosa? ― As bochechas do
desonrado se encheram de um vermelho intenso.
O homem inclusive se elevou nas pontas dos pés para
tentar, em vão, captar a atenção do amante de sua esposa.
Entretanto, ninguém fez nada, nem William nem os outros
jogadores. Se a cólera que o tinha conduzido até ali era
inimaginável, observar que o próximo duque de Rutland
continuava com sua pose de tranquilidade enquanto alegava
que se deitou com sua esposa por ter sido enganado,
provocou-lhe tal demência que esteve a ponto de equilibrar-se
sobre este e lhe golpear com força.
― Acredito que sua querida Juliette mentiu a ambos ―
disse William após manter-se em silêncio uns minutos. ― O
duelo deveria se dirigir a ela. Mas se me permite um
conselho, antes de enfrentar uma possível morte, agarraria
sua esposa e lhe daria uns bons açoites com o cinturão. Não
se pode enganar com falácias a homens como nós, sobretudo
porque nestes momentos cavalheiro, encontro-me
tremendamente aflito… ― comentou com zombaria e sem
subir nenhuma nota em seu tom de voz.
Tomou outra intensa imersão do charuto e depois de
jogar o ar esperou que o desventurado homem fosse sensato e
partisse com a cabeça baixa, mas respirando.
― Amanhã, em Hyde Park, à alvorada. Levarei as
minhas testemunhas e um médico, você apareça com quem
desejar. ― O homem golpeou suas botas, girou-se e
inclinando-se ligeiramente se despediu dos pressente antes
de afastar-se.
Durante um bom momento o sigilo foi reinante naquele
lugar. William seguia concentrado na mão que estava a ponto
de ganhar. Sorria meio de lado e a fumaça do charuto saía da
boca como se fossem as chaminés que tinha sobre o telhado
de seu lar.
Ninguém queria fazer alusão à cena vivida, talvez porque
fosse muito habitual que às sextas-feiras daquele mês vários
maridos indignados irromperam no clube ao saber da
presença do futuro duque no salão.
― Senhores…, ― disse enfim após depositar as cartas
sobre a mesa e descobrir a última jogada ― já podem ir
despedindo-se de seu dinheiro.
― É incrível! ― Exclamou Federith Cooper, um dos
melhores amigos de William e futuro barão de Sheiton. ―
Como pode ter tanta sorte?
― Nosso querido Manners nos depena os bolsos e seduz
desoladas esposas, acaso estamos loucos por seguir
mantendo sua amizade? ― Roger Bennett, quem algum dia
chegaria a possuir o título de marquês de Riderland, falou
com seu típico tom sarcástico ao mesmo tempo em que se
reclinava no assento e tomava um sorvo de brandy.
― A sorte sempre está comigo, ela é minha única esposa
― respondeu William colocando as moedas em seu lado da
mesa e sorrindo de satisfação. Pouco depois os outros
jogadores partiram deixando os três cavalheiros na habitação.
― Entretanto, meu amigo, alguma vez mudará e serei eu
quem mostrará um sorriso descarado em meu rosto ―
continuou zombador Roger.
― Não pode zombar assim de um homem que amanhã se
debaterá entre a vida ou a morte. Se for meu amigo desejará
que a sorte permaneça no mínimo umas horas mais ao meu
lado ― falou com dissimulação e sem deixar de mostrar no
semblante uma atitude cômica.
William se levantou do assento e caminhou para o
cabideiro para pegar o chapéu e a capa. Federith e Roger o
imitaram. Em umas horas voltariam a serem testemunhas de
outra inevitável loucura. Quase não tinham se recuperado da
exaltação que lhes tinha provocado o último duelo e já
sofriam a agonia do seguinte.
― Essa mulher… ― disse William pensativo enquanto
caminhavam pela tranquila rua que lhe conduziria até
Southwark.
― Quem, lady Blatte? ― Inquiriu Federith levantando a
bengala até conseguir tocar a aba de seu chapéu.
― Juro-lhes que me disse que não estava casada. O
perguntei mais de um milhão de vezes… ― respirou com
profundidade e logo jogou o ar devagar. ― Cada vez que a
visitei olhei-a nos olhos e lhe perguntei por seu marido. Ela
respondia o mesmo: «Sua Excelência tem má memória, sou
viúva» ― comentou com desdém. Logo levantou o olhar do
chão e exclamou: ― Mulheres!
― Sim, Rutland, mulheres. ― Roger interveio com voz
zombadora. ― Mas está falando de uma mulher que nasceu
com um corpo digno de um duelo.
― Nisso tem razão. Lady Blatte é uma deusa ― comentou
William com palavras cheias de luxúria. ― Possui uns seios
lindos… suas coxas sempre estão quentes e quando me
introduzia em seu interior...
― Basta! ― Interrompeu-lhe Federith. ― Acaso não
recorda o que significa ser um cavalheiro?
― Não se zangue, Federith. Deve compreender que
preciso recordar como era o corpo da mulher pela qual
amanhã estarei a ponto de morrer… ― comentou entre
risadas. Os olhos negros de William se elevaram para olhar o
céu. Era uma noite com muitas estrelas, pouco habitual em
Londres.
― Falando de morrer… escutou o trágico final da filha do
barão de Montblanc? ― Perguntou-lhes Roger fazendo com
que parassem bruscamente na metade da caminhada. Ao não
responder nenhum dos acompanhantes, prosseguiu. ― Ao
final a moça decidiu pôr fim à sua tormentosa vida. Esta
manhã era o único tema de conversação que se escutava em
todo Richmond.
― O barão não foi há alguns dias à sua casa para uma
auditoria? ― Federith idolatrava seu amigo, posto que ambos
tivessem crescido juntos, mas utilizava esse privilégio para
recriminar sua Excelência por não ser capaz de adotar a
posição que devia na sociedade. Aos seus trinta anos
continuava sendo o mesmo cavalheiro libertino, insensato,
despreocupado e farrista que foi com vinte.
― Sim ― respondeu com tom firme. Abaixou levemente a
cabeça e continuou o passeio. A notícia o surpreendeu e,
embora jamais o tivesse admitido, sentiu dor pela família.
Tinham padecido bastante com o ocorrido à jovem e talvez,
com a morte desta, descansariam enfim em paz.
― O barão foi visitar-te? ― Roger avançou atrás de
William e arqueou as sobrancelhas em sinal de desconcerto.
― O que desejava de ti esse pobre homem?
― Pensou que se utilizasse minha posição conseguiria
esclarecer o caso de sua filha… ― respondeu sem querer
mostrar aquele sentimento de culpa que, por outro lado, não
devia sentir.
― O que pretendia? ― Roger, animado pela curiosidade,
seguiu com seu interrogatório.
― Como já sabem, a filha do barão tinha que ter sido
apresentada em sociedade há dois anos, quando ela cumpriu
os dezoito, mas a jovem sempre estava doente para a
temporada social.
― Conforme tenho entendido, tais enfermidades eram
inventadas. Comenta-se que a moça não desejava vir à
Londres porque desfrutava de uma vida tranquila e aprazível
no campo ― acrescentou Federith.
― Quando foi anunciado como merecia ― continuou
William ― na última festa que nossa adorável senhora
Baithlarin deu em sua residência em Marylebone, nenhum
homem conseguiu fazer a jovem se apaixonar. Conforme
escutei foi uma das mulheres mais belas da temporada. Mas,
apesar da grande quantidade de propostas matrimoniais, ela
as rechaçou com veemência. O barão e a baronesa decidiram
retornar ao seu lar e fazer-se à idéia de ter sob seu teto uma
filha solteirona.
― Mas? ― Roger escutava com entusiasmo toda a
conversação e desejava saber como uma jovem que vivia
placidamente e a quem não faltavam propostas de
matrimônio terminou dando fim a uma vida próspera.
― Conforme tenho entendido, a moça foi desonrada na
festa ― prosseguiu William. ― A família da jovem mantém que
o conde de Rabbitwood abusou dela. Segundo o conde, com o
qual tive a oportunidade de falar há algumas noites no clube
durante uma intensa partida de cartas, a moça se esteve
insinuando todo o serão até que conseguiu o que desejava.
Rabbitwood lhe advertiu que tinha esposa e que só podia lhe
outorgar a posição de uma amante. Como a esta não
interessou a ideia, começou a divulgar que tinha sido violada.
― E claro está, depois do escândalo e de não conseguir
seu propósito, desaparece para sempre… ― asseverou Roger.
― Bom, nenhum de nós entenderá jamais o que
escondem as mulheres em suas cabeças. Embora se essa
aspirante à harpia não obteve aquilo que ansiava e entendeu
que era uma mancha indelével em sua família, o mais lógico
era que terminasse fazendo o correto: suicidar-se ―
argumentou William sem mostrar nenhum tipo de
sensibilidade em suas palavras.
― Manners! Como pode ser tão frívolo? E se de verdade
foi violada? Acaso não contemplou essa possibilidade? ―
Federith se mostrou tão alterado que William chegou a
perguntar-se se seu amigo tinha sido um dos que lhe tinham
proposto matrimônio e foi rechaçado.
Durante uns instantes o futuro duque tentou que a
mente lhe oferecesse algumas lembranças da moça, mas não
achou grande coisa: uma jovem morrena de estatura pequena
com umas bonitas curvas. Não foi capaz de descrever nem
como estava vestida nem a cor de seus olhos. Sorriu para si
ao rememorar que a maioria do tempo que passou naquela
festa brincava de correr atrás das saias de uma suposta viúva
desejosa de calor masculino e a satisfação que achou
escondido atrás das cortinas de alguma janela do lar de lady
Baithlarin.
― Confio na palavra de um cavalheiro como Rabbitwood
― disse cortante. ― As mulheres como puderam observar
durante este tempo ao meu lado, causam problemas e uma
terrível dor de cabeça. Olhe lady Juliette, jurou-me que não
estava casada, que enterrou seu marido no ano passado e…
acaso viu um fantasma me lançando a luva? Não sinta
piedade por elas, meu amigo, são a outra parte do mundo.
Foram criadas só e exclusivamente para nos dar prazer… ―
sorriu de lado.
― Algum dia, William Manners, futuro duque de
Rutland, apaixonar-se-á, e essa mulher te fará pagar por todo
o mal que causou às suas amantes e aos seus maridos ―
retrucou Federith com tom desafiante.
― Apaixonar-me? Jamais! ― Sentenciou após jogar o
braço sobre o ombro de seu amigo e apertá-lo com força. ― O
que fariam todas essas damas se o futuro duque se casasse?
O que seria desses pais que, com tanta amabilidade,
oferecem as suas bonitas e carinhosas filhas para que as
converta em minha duquesa? Não, meu amigo, não posso
entristecer toda essa gente. Devo a eles… ― Federith soltou
um impropério enquanto que Roger e William não paravam
de gargalhar.
Seis horas mais tarde, depois de ter descansado em sua
residência de Southwark, William, perfeitamente embelezado
para a ocasião, apareceu em Hyde Park. Depois de jogar uma
rápida olhada aos arredores para certificar-se de que o duelo
não era uma patranha para ser detido, distinguiu entre a
pequena multidão as figuras de seus dois bons amigos. Com
passo firme avançou para eles.
― Parecem aborrecidos ― disse a modo de saudação.
― Seus duelos já não causam interesse. Todo mundo
sabe como terminarão ― respondeu Roger tomando a capa
que o recém-chegado lhe oferecia.
― E como terminarão? ― Arqueou as sobrancelhas e o
olhou aos olhos.
― Contará os passos, girará e, justo quando seu
desafiador disparar, todos nós veremos que ele foi vítima dos
nervos e que ele não alcançou o seu propósito. Então
levantará a pistola e disparará ao ar. Seus amigos sabem que
no fundo é uma boa pessoa e que se compadece de seu
adversário. Imagino que o sofrimento que vive o marido
depois do descobrimento da infidelidade é mais que
suficiente. Equivoco-me? ― Roger arqueou as sobrancelhas e
sorriu, assim como fez William.
― Espero que seja assim… ― interveio Federith. Ambos
os cavalheiros giraram à volta dele e o observaram com
interesse ― até agora lhe desafiaram homens aos que de
verdade não lhes importava a afronta e se conformavam
recuperando sua honra, entretanto, o senhor Blatte é um
bom atirador e parecia necessitar do seu sangue para
restaurar sua honra.
― Senhores…, ― interrompeu-os um dos padrinhos do
competidor ― o senhor Blatte já escolheu a arma. Serão as
pistolas, dez passos e... a morte.
― A morte! ― Exclamou Roger atônito. ― Não podemos
permiti-lo!
― Não importa, ― William interrompeu seu amigo
alarmado pela gravidade do assunto ― tem direito a escolher
a forma em que sua honra será restaurada.
― Bem, pois quando sua Excelência estiver preparado
daremos início.
Os três ficaram calados durante uns instantes.
Pareciam refletir sobre as possibilidades existentes de sair
ileso depois da informação obtida. Quando reclamaram a
presença do cavalheiro, este olhou seus amigos, sorriu-lhes e
caminhou para o lugar onde o senhor Blatte, embelezado com
uma camisa branca e umas calças muita estreita esperava-
lhe com os olhos injetados em sangue.
― Senhor… ― William o saudou com cortesia, mas este
não se dignou nem a olhá-lo.
― Quando estiverem preparados… ― a testemunha
olhou a ambos os homens e estes assentiram. ― Contem dez
passos e girem-se. Que Deus os proteja.
William sentiu as costas de seu competidor na cintura.
Riu ao notá-lo tão pequeno e com tanta coragem. Enquanto
contava os passos recordava Juliette sob seu corpo. Viu de
novo os grandes seios fazendo círculos maravilhosos quando
cavalgava sobre sua ereção. Tinha lhe encantado ver o cabelo
revolto depois do ato sexual e como ela albergava o enorme e
duro falo na boca. Em vez de concentrar-se no que estava
acontecendo, pensou que, quando o senhor Blatte voltasse a
ausentar-se, faria uma visita à delatora para lhe recriminar o
engano e fazê-la pagar por seus indecentes atos.
De repente escutou que alguém dizia dez. Virou-se com
desconcerto e olhou seus amigos, que abriram os olhos de
par em par enquanto cravavam seus olhos no senhor Blatte,
ele fez o mesmo. Tinha curiosidade por saber como atuaria
aquele pequeno homem e a cara que faria após falhar o tiro.
Sorriu ao escutar o eco do disparo. Ato seguido, uma
escuridão o rodeou e notou como seu corpo desabava para o
chão fazendo com que sua cabeça batesse um par de vezes
sobre algo bastante duro.
I
1Ah, meu amigo... nada mudou. As mulheres são muito afetuosas na França e os
homens são excelentes jogadores.
acordo com elas, devemos respeitá-las. Por isso, meu amigo,
apóio-te e te apoiarei sempre ― afirmou sem hesitações.
― Bom, ― interveio Roger ― onde está essa concubina
cuja honra devemos salvar?
― Não sou a concubina de ninguém, cavalheiro, sou a
pupila do duque de Rutland ― sentenciou Beatrice no alto
das escadas.
William elevou o olhar para ela no preciso instante que
iria soltar uma gargalhada, embora não conseguiu que
brotasse de sua boca nem um minúsculo ruído. A
deslumbrante mulher o deixou sem fôlego, sem ar nos
pulmões e inclusive sem pulso. O vestido se agarrava ao seu
torso aumentando voluptuosamente seu seio e enfatizando a
diminuta cintura. A claridade do tecido que cobria desde seus
ombros até o cotovelo mostrava a aveludada pele feminina.
Como nas anteriores ocasiões, seu cabelo estava recolhido
para trás, mas desta vez adornado com uns laboriosos
desenhos. O duque sorriu sutilmente ao não achar mechas
que entorpecessem a visão de seu rosto, nem que
incomodassem a moça ao menear a cabeça.
Beatrice desceu as escadas majestosamente, rebolando
os quadris com sublime sensualidade. Possivelmente nem ela
mesma chegava a alcançar a beleza e o erotismo que
emanava, mas ele o captou. William estufou seu peito de
orgulho ao apreciar que usava as joias que tinha dado à
criada. Tinha duvidado se as aceitaria porque durante os dias
anteriores evitou encontrar-se com ele para falar do
acontecido. Mas lhe satisfez ver sobre sua cabeça a tiara com
a aguamarina, como brilhavam os pequenos diamantes em
suas orelhas, a sutileza com que movia o bracelete no pulso
e, sobretudo, a graça com que o colar tentava desviar o olhar
de qualquer atrevido para o decote. Pensou para si que, sem
dúvida, as joias guardadas desde que sua avó faleceu
estavam esperando-a para resplandecer de novo. Tentando
recuperar a confiança e serenidade que devia manter durante
o baile, aproximou-se das escadas, estendeu a mão para que
a jovem a tomasse e a dirigiu para onde se encontravam
imóveis seus amigos.
― Senhorita Brown, o tagarela é o senhor Bennett e
estou seguro que, se deseja seguir respirando ao amanhecer,
retirará as inoportunas palavras que comentou sobre você ―
asseverou em tom irritado.
― Bien sûr! Je suis très désolé(2) ― respondeu Roger
inclinando-se para a moça para beijar-lhe a mão. — Ravi de
vous connaître, mademoiselle.(3)
― Moi aussi, monsieur(4) ― replicou Beatrice com um
perfeito acento francês.
― Fantastique!(5) Não sabia que nosso duque conhecia o
idioma do amor ― disse olhando-o de canto de olho.
― Pois se a memória não ficou transtornada pelo
disparo, ― comentou com assombro ― jamais o estudei.
― Uma irmã de meu pai, ― começou a dizer como
desculpa ao seu lapso ― ficou viúva e decidiu viver conosco
6 — Meu Deus!
deitada nos braços do nosso amigo, afirmava em qualquer
parte que era viúva.
― Cale-se, Roger! ― Voltou a clamar Federith.
― Eu gostaria que partisse da minha casa ― falou
William com dureza.
― Quer que eu parta? Quer que não te proteja? Acaso
esqueceu o que significa a amizade? ― Perguntou Roger sem
diminuir sua fúria. ― Não, meu amigo. Não vou partir,
seguirei ao seu lado como nos velhos tempos, mas desta vez
não deixarei que cometa uma imprudência. Se o que deseja é
que todo mundo pense ser ela é sua pupila e não sua
prostituta, levarei a cabo minha missão e afirmarei com
veemência qualquer coisa que me peça.
William se afastou da moça. Antes de dar dois passos
para a corda com o qual chamava o senhor Stone, observou a
cara de espanto de Beatrice. Estava aterrorizada pela violenta
atuação de Roger e pelas ofensivas palavras que tinham
emanado de sua boca. Apreciou também umas lágrimas que
dissimuladamente tirou do pálido rosto. Com passo decidido
se aproximou da corda, puxou com suavidade e, em silêncio e
sob o atento olhar de seus amigos, esperou a chegada do
mordomo.
― Acompanhe senhorita Brown à sala de jantar. Deve
confirmar que os serviços que ofereceremos aos comensais
estão em perfeita ordem ― ordenou ao Brandon ao entrar na
habitação.
Beatrice levantou o olhar e examinou a dureza de seu
semblante durante uns instantes. Havia fúria naquele rosto e
os olhos se obscureceram ainda mais. Quis rejeitar a ordem,
mas se encontrava tão frágil, desanimada e triste que, sem
mediar palavra e com a cabeça encurvada, levantou-se e se
dirigiu para o mordomo.
― Acompanhe-me, senhorita Brown. Acredito que a
senhora Stone queria lhe pedir um conselho sobre a
sobremesa que deveriam oferecer. Segue duvidando se oferece
duas bolas ou três de sorvete. ― Falou com calma e, para
surpresa de William, com uma ternura imprópria no criado.
Os três cavalheiros observaram a figura aflita da jovem.
William apertou sua mandíbula com tanta força que lhe
apareceu uma pequena dor de cabeça enquanto Federith
meditava aquilo que sua mente de repente lhe mostrava.
Roger, embora sentisse lástima pela angústia que mostrava a
moça, não fez nada para controlar a irritação que sentia.
― Devemos nos acalmar. ― Federith foi o primeiro em
falar depois que a porta se fechou. ― E William, tanto Roger
como eu escutaremos com atenção o que esconde com tanto
afinco.
O duque caminhou para a chaminé, apoiou o braço
sobre a pedra e abaixou a cabeça.
― Amo-a ― disse sufocado. ― Amo Beatrice com todo
meu coração. Não sei de onde procede, nem como chegou até
minhas terras, mas o que sei é que se ela se afastar do meu
lado, morrerei.
― Mon dieu! ― Exclamou Roger aplacando sua ira com
rapidez. ― Podia ter começado por aí! ― Caminhou para seu
amigo, deu-lhe uma forte palmada nas costas e, quando
William girou para ele, deu-lhe um forte abraço.
― Sabia que algum dia encontraria a mulher que te
roubaria esse coração gelado ― comentou Federith sorridente
e repetindo o afeto carinhoso de Roger. ― Mas tem que pensar
com clareza, William. Embora não se importe de onde
procede a moça, deve averiguar quem é em realidade.
― Não me importa! ― Exclamou o duque com firmeza.
― Mas deve fazê-lo. Quem sabe que passado pode
ocultar uma jovem como ela? ― Federith olhou com atenção
seu amigo. Em verdade não sabia quem era a moça por quem
se apaixonou.
Ele sim. Tinha-a reconhecido assim que a viu. Apesar de
suas mudanças físicas, não ficava nenhuma dúvida de que
era a filha do barão de Montblanc. Agora devia sopesar
quando era o melhor momento para revelar a identidade da
jovem ao seu amigo e como reagiria ao escutar a verdade.
XXII
7 — Vamos, senhorita.
William teve que apoiar-se no corrimão para não cair. As
palavras de seu amigo tinham lhe causado tamanha
debilidade que quase o fizeram ajoelhar-se. Sentia-se um
miserável, um canalha por ter feito sofrer os maridos de suas
amantes. Agora entendia o padecimento e a vergonha
daqueles homens que, depois de descobrir que seu amor não
era correspondido, eram humilhados. Agora entendia a razão
pela qual ele jamais quis apaixonar-se e oferecer seu coração
a uma mulher.
Apartou as lágrimas de seu rosto, caminhou com
integridade para a entrada e se dirigiu para a sala onde o
licor e as apostas incrementavam a felicidade dos convidados.
XXIII