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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais


lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir
a um novo nível."

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Copyright © 2019 Flávia Padula

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Revisão: Mogana Brunner

Capa e diagramação: Layce Design

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa


obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98

e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição digital | Criado no Brasil


Apresentação

Sinopse

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17
Capítulo 18

Epílogo

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Nota da autora

Outras obras

Próximos lançamentos

Outras obras da autora

Agradecimentos

Sobre a autora

Contato
O Selo “Damas do Romance” é um projeto único e audacioso que reúne três
das mais talentosas autoras do romance de época brasileiro para contar
histórias de amor que se entrelaçam, onde cada uma delas irá trazer o
brilhantismo de sua narrativa.

As Irmãs Winter nos apresenta a história de três irmãs que foram vendidas
pelo pai para diferentes homens que buscam por esposas de uma maneira
pouco convencional. Cada uma das irmãs é entregue a um homem diferente
e, por diferentes motivos, partem em busca de seus destinos sem saber ao
certo como se portarem ou o que devem esperar de seus maridos.

Assim cada irmã traz uma história diferente e cada história é contada por
uma autora:

Flávia Padula e sua narrativa impecável e intensa narra a trajetória de Sarah,


a mais velha das irmãs, cujo temperamento centrado e religioso se choca
com a audácia destemperada do marido, um fazendeiro americano que lhe é
uma completa incógnita, mas que a faz questionar suas próprias crenças.

Silvana Barbosa, por sua vez, com um enredo muito romântico e preciso,
nos apresenta a doce e meiga Delilah, a irmã do meio, cujo casamento
forçado com um indiano a faz descobrir uma nova cultura e um homem com

valores e princípios diferentes do que estava acostumada.

Por fim, Diane Bergher e seu texto delicado e sensual conta a história de
Barbarah, a protegida caçula dos Winter, que é enviada para a Cornualha
com o objetivo de ser esposa de um nobre de vida reclusa e atitudes
suspeitas e que a levam a investigar os segredos que o castelo esconde.

Romances que prometem divertir, emocionar e encantar as mais românticas


leitoras.
Ao ficar viúvo John Winter decide se livrar das filhas e as vende em Londres
para cavalheiros que não se importam em comprar uma esposa.

Solteiras e em idade para casar, as três senhoritas veem seus caminhos


mudados para sempre. Sarah é vendida a um fazendeiro americano. Delilah é
comprada por um mercador indiano. E Barbarah parte ao encontro do dono
de uma misteriosa propriedade na Cornualha.

Sarah Winter sempre quis ser freira. Depois de ver a mãe apaixonada sofrer
na mão do pai indiferente, ela decidiu que jamais seria esposa de alguém.
Cega em seu objetivo, ela nunca desejou um casamento, mesmo quando seu
coração encontrou o amor. O americano Hayden Hard Castle vai à Inglaterra
para tratar de negócios, quando tem a vida salva pela jovem Sarah por quem
ele se sente imensamente atraído. Quando John Winter decide leiloar as
filhas, tudo pode mudar na vida de Sarah e Hayden e a paixão que se revelou
como uma brisa fresca pode se tornar um amor em meio a mais frias das
tempestades.
Londres,

17 de setembro de 1790

18:30 horas

O SOM DOS passos ecoava pela Rathcliff Street. A noite começava a


abraçar um dos lados mais pobres de Londres, enquanto bêbados e
prostitutas se misturavam nas sombras dos arcos de bronze que sobrepunha
os prédios de paredes descascadas e mal construídos. O frio aumentava a
cada segundo, e a névoa seca avançava sobre a lama que se misturava ao
lixo e ao perigo disfarçado de penúria.

John Winter tentou fechar o casaco, mas a barriga protuberante não permitia.
Sua aparência desleixada, bem como o rosto rude e feio, refletia o mais
profundo de sua alma. O cabelo branco crescia apenas dos dois lados da
cabeça, como duas faixas que se encontravam na nuca e formavam um
pequeno rabo de cavalo que de tão sujo, não necessitava tira de couro para
prendê-lo. As prostitutas lhe torciam o nariz. Preferiam dormir com os
bêbados imundos do que com o miserável Winter.

Enquanto caminhava apressadamente, ele pensou que necessitava de roupas


novas, assim, aquelas mulheres lhe tratariam com mais respeito e
implorariam por sua companhia. Ele estava em uma maré de azar. O pouco
dinheiro que ganhara nas mesas de jogos naquele último mês, gastara no
enterro de sua esposa. Edith sempre lhe dera custos, bem como suas três
filhas: Sarah, Barbarah e Delilah. A vida lhe fora tão ingrata, que não lhe
dera um filho varão para ajudar nas despesas e sim três insuportáveis
mulheres que não se esforçavam sequer para encontrar um marido decente.

Edith lavava roupa para sustentar a casa, contudo, com sua morte, não
acreditava que as filhas seguiriam o mesmo caminho em ajudá-lo a pagar as
dívidas de jogo. Sua esposa entendia a importância de ser submissa à
autoridade dele, enquanto suas filhas eram mal-agradecidas e o viam como
um homem desagradável que não conseguia sustentar a própria casa,
vivendo bêbado na companhia das meretrizes e perdendo até mesmo o
dinheiro que não possuía. Por isso, não ia sustentá-las mais um dia. Sua
obrigação terminara há muito tempo, quando se tornaram mulheres e
poderiam ter encontrado um bom casamento, se não fosse a ideia infame de
amor e destino.

Estava desesperado. Naquela semana, perdera muito mais do que esperava e


precisava colocar um fim em sua angústia. Então, depois de muito pensar,
encontrou a solução para salvar-se de tudo que o atrapalhava.

Entrou em uma porta aberta entre os prédios, parecia a cova da felicidade de


muitos desgraçados. Desceu as escadas escuras, quase caindo de um dos
degraus, tamanha sua ansiedade e nervosismo, até chegar ao salão ainda
vazio. Ali funcionava um dos prostíbulos administrados por Roger Klain, o
parceiro de John em sua vida de esbórnia e mentiras.

— Chegou cedo, John. — Klain comentou já servindo um copo de uísque


para os dois e dispensando a prostituta que estava em sua companhia. —

Trouxe meu dinheiro?

— Não — respondeu pegando o copo de uísque e tomando. — Mas tenho


uma solução para pagá-lo e ganhar mais dinheiro.

Klain gostou do que ouviu. Com um sorriso malicioso, imaginou que diante
de qualquer ideia que viesse do velho John, ele poderia tirar algum proveito.
Era magro demais, e durante a infância tornou-se um dos melhores ladrões
de East End por causa de sua agilidade e a facilidade em fugir da polícia. Os
cabelos escuros pendiam oleosos sobre o rosto cavado, olhos grandes e azuis
e dentes muito amarelados. De ladrão tornara-se um importante gigolô
daquele lado da cidade. A prostituta que não trabalhasse

para ele, bem como os garotos que roubavam nos portos e pelo centro da
cidade que não lhe dessem lucros, não podiam morar daquele lado do bairro.

E Klain matava sem piedade. Não lhe custava tirar a vida de quem quer que
fosse.

Quanto mais daquele verme parado a sua frente. Estava se cansando das
desculpas de John que apenas lhe trazia problemas.

— Espero que seja algo inteligente, John. Não quero ter que jogá-lo em uma
vala. — Seria um alívio fazê-lo, Roger refletiu com honestidade.

John forçou um sorriso, nervoso.

— Claro que não — assegurou. — Tenho uma ideia que fará de nós dois
homens muito ricos.

— E o que seria? — Klain perguntou, interessado. Ele adorava ganhar


dinheiro, ainda mais quando o acesso era fácil e indolor.

John o encarou com um sorriso, maldoso.

— O que acha de leiloar minhas três filhas e virgens? — propôs.

Klain deu uma gargalhada, satisfeito. Havia um pouco de sensatez naquela


loucura de John. Já podia ver diante de seus olhos todo o dinheiro que
ganharia com aquela proposta. Não precisaria explorar aquelas prostitutas
imundas por um longo tempo com três lindas virgens à disposição.

— Tem certeza que quer fazer isso, John?

— Não tenho dinheiro para sustentá-las e nunca conseguiram um casamento


bom — culpou-as. — Preciso de sua ajuda, Klain. Para conseguirmos o
máximo de dinheiro que pudermos.

— E o que vai dizer a elas, John? Não posso fazer um leilão e depois suas
filhas se recusarem a vir.

— Elas virão, prometo — garantiu, autoritário. — Elas irão me obedecer.

— Como quiser. — Seus olhos brilharam sagazes. — No domingo, teremos


um leilão de virgens que ficará na história de East End. Talvez até
consigamos mais dinheiro se a vendêssemos como esposas aos homens ricos

— propôs pensativo.

— Acha mesmo? Homens nobres não se casam com mulheres sem origem
— duvidou.

Roger balançou a cabeça, desolado.

— Às vezes, lhe falta um pouco de inteligência, meu amigo. Estou falando


de homens ricos em ascendência, aqueles que querem esposas submissas
para apresentá-las à sociedade sem qualquer nódoa. Homens que

precisam de esposas idôneas para representarem seus sobrenomes. Isso vale


muito dinheiro nos dias de hoje, já que muitas mulheres não se dão ao
devido respeito. A peso de ouro.

Os olhos de John brilharam fascinados com a fortuna que fariam em um


futuro próximo.

— E onde encontraremos estes homens ricos?

— Deixe isso comigo, John. Cuide apenas para que suas filhas não
desconfiem de nada. Atentarei para que nosso negócio dê certo. — E sorriu
feliz por saber que se tornaria um dos homens mais ricos em East End em
poucos dias.
Londres,

17 de setembro de 1790

20:30 horas

SARAH WINTER SORRIU para o homem a quem entregava a vasilha com


sopa.

— Como vai, senhor Trevor? — Ela perguntou educadamente.

— Muito bem, senhorita Winter. — Ele agradeceu a sopa e foi sentar-se à


mesa junto dos outros. Como os demais, Trevor usava um grosso casaco
para esconder-se do frio e um cachecol que a própria Sarah havia feito para
ele.

Aliás, ela adorava tricotar para dar de presente aos mais necessitados.

O salão da igreja de Sant Paul estava repleto de pessoas em busca de um


pouco de sopa, naquela noite fria. A coroa inglesa havia aumentado os
impostos, com isso, as pessoas começaram a perder suas coisas, inclusive os
empregos. Pais de família mendigavam nas ruas um pouco de dignidade para
viver. Mães choravam a morte prematura de seus filhos pela falta do
alimento básico. Idosos tentavam qualquer tipo de trabalho para ajudar nos
gastos da casa, repleta de familiares que retornam depois de perderem sua
moradia e sustento. Pessoas que deveriam usufruir do bom e do melhor da
vida, ficavam como animais selvagens, lutando pela sobrevivência. Esse era
o fruto da ganância de poucos sobre o mar de gente que vivia nos bairros
pobres de

Londres, sem qualquer perspectiva para o futuro.

A guerra contra as Treze Colônias onerou os cofres públicos e a população


pobre pagava a conta. Sarah conhecia o dissabor de viver na miséria e não
ter nada para comer, quando até mesmo o desespero tomava conta e a única
coisa que a impediu de revirar os lixos foi o orgulho. Por isso, enquanto a
dor pela morte prematura de sua mãe a dominava, decidiu cuidar dos outros
como sempre fazia. Cobriu suas próprias feridas e ergueu-se para ir até o
salão da igreja mais uma vez e ajudar as freiras. Fazia isso desde muito nova,
seu sonho era ingressar no convento e se não ocorrera ainda, era porque o
pai não havia permitido. E Sarah era temente a Deus o suficiente para
obedecer à vontade de seus pais e calar as suas.

Agora, com a morte da mãe há pouco mais de uma semana, tinha certeza que
o pai não se oporia à vontade dela de partir para o convento e fazer a obra de
Deus. Tinha prazer nisso, sem dúvida. Havia nascido para ajudar as pessoas
e se compadecia do sofrimento de qualquer um. Daria sua vida por eles, se
necessário. Não era hipocrisia, era parte de sua alma se doar em prol dos
mais necessitados. Era uma forma de não lamber as próprias feridas e não se
curvar diante das auguras do destino.

Naquela noite, por pouco, não faltou sopa para todos. Quando finalizaram o
trabalho, elas e as freiras ficaram sem ter o que comer. Irmã Judith lhe trouxe
um pouco do que restara.

— Tome, senhorita Winter. — A freira lhe entregou a vasilha com o líquido


fumegante. — Eu e a irmã Lucy guardamos um pouco para nós.

— Obrigada — sorriu e pegou.


Porém, quando olhou para o lado viu Willy entrar, um garoto que morava
nas ruas com seus cabelos ruivos e compridos e chapéu torto na cabeça, que
escondiam os olhos muito azuis. O casaco de veludo marrom estava furado,
as calças gastas e os sapatos eram maiores que seu número. Ele sempre
vinha ao salão da igreja e passava as noites. No começo, as freiras o
enviavam para os orfanatos, mas ele fugia. Acabaram se acostumando com a
ideia de que ele nascera para viver sozinho, mesmo nas ruas perigosas de
Londres. Sarah tinha certeza que as ruas eram mais seguras para Willy do
que dentro dos obsoletos orfanatos, muitas vezes, administrados por pessoas
severas e sem coração.

Willy a viu e sorriu. Sarah era uma das poucas pessoas em que ela confiava.
Ela olhou para a sua própria sopa e depois para ele e lhe devolveu o

sorriso. O menino se aproximou e ela lhe estendeu a vasilha.

— Chegou bem na hora, Willy.

Ele pegou a vasilha e tomou quase engasgando. Estava morto de fome.

— Devagar. — Ela lhe pediu com carinho.

Ele assentiu.

O salão começava a se esvaziar. As pessoas voltavam para suas casas.

Algumas insistiam em dormir nas ruas e outras permaneciam nos leitos


improvisados pelas freiras que espalhavam colchões pelo salão para
acomodar uma quantidade maior de necessitados. Willy sempre ficava ali, às
vezes, Sarah contava para ele alguma história até que adormecesse.

Escutaram gritos vindos do lado de fora do salão. Parecia uma briga e as


freiras se entreolharam. Em um bairro pobre como aquele, era costume as
pessoas discutirem por muito pouco, por isso, a maioria das vezes,
mantinham-se a margem dos problemas, para que houvesse paz naquele
lugar. Contudo, Sarah se ergueu e foi em direção à porta. Ela sempre se
preocupava com aqueles a quem gostava de cuidar.
Seus olhos muito verdes se depararam com uma cena horrível. Um grupo de
arruaceiros, batiam em um mendigo já caído no chão. Ela soltou um grito e
eles se assustaram, correndo para longe. Ela se aproximou com passos largos
para o homem caído, ferido e desmaiado. Olhou ao redor e viu um grupo de
pessoas que acabara de sair do salão.

— Ajudem-me a levá-lo para dentro, por favor — pediu.

Os homens se uniram e ergueram o moribundo carregando-o para dentro.

Sarah pediu que o deitassem no colchão mais próximo e a freira trouxe um


lampião para perto. Sarah ficou aliviada ao constatar que ele ainda respirava.

Colocou a mão em seu peito e sentiu o coração bater forte e um arrepio


percorreu seu corpo ao deparar-se com um homem jovem, deveria estar
chegando aos trinta anos. Seus cabelos eram castanhos e compridos, quase
nos ombros e ele não era feio. Talvez, fosse um dos homens mais bonitos
que ela já vira na vida. Não se vestia como um mendigo, mas a roupa estava
toda suja e havia sangue na camisa branca.

Irmã Judith lhe trouxe uma bacia com água e Sarah limpou o rosto e o
supercílio ferido. Willy se aproximou e ficou olhando para ele. O garoto
virou o rosto de lado e disse:

— O que um homem rico faz em nosso bairro? — Ele quis saber. —

Deveria estar procurando encrenca!

Sarah o olhou por cima do ombro.

— Ao invés de falar asneiras, veja com a irmã Lucy se há um pouco de sopa


para ele...

— Mas acabou. — Ele reclamou de ter que fazer o favor.

— Willy, vá! — insistiu com mais firmeza.

O menino assentiu, contrariado, e saiu correndo. Sarah olhou para o


desconhecido e que voltava a si e gemeu levando a mão à barriga. Os
arruaceiros o haviam chutado, e deveria estar machucado. Sarah colocou a
mão nos botões da camisa para abri-la e verificar, mas a mão grande segurou
a sua e ela sentiu novamente aquele estranho frisson. Nunca um homem a
havia tocado antes e a sensação não era ruim. Lentamente, subiu o olhar e
deparou-se com imensos olhos azuis que a fitavam com severidade.

— Quem é você? — ele perguntou.

A voz dele a fazia lembrar o de Albert Sam, o cantor barítono que morou ao
lado da casa de Sarah. O senhor Sam era um excelente músico, mas seu
talento não fora reconhecido, e morreu pobre. As histórias que aconteciam
em volta de Sarah, geralmente não eram nada agradáveis, a maioria de suas
personagens morriam loucos sem qualquer poesia. A vida real não tinha rima
ou graça quando vista sob a perspectiva do sofrimento e da solidão.
Contudo, a voz do senhor Sam a remetia a uma sensação boa de paz. A voz
daquele desconhecido a perturbava.

— Acalme-se, senhor. — Ela pediu e a voz falhou. Sarah pigarreou quando


Willy voltava para perto deles. — Meu nome é Sarah Winter, e o senhor está
no salão paroquial da Igreja de Sant Paul. Nós o encontramos sendo
agredido por arruaceiros.

Ele fechou os olhos por um instante, buscando as lembranças do que


acontecera.

— Nós não. — Willy a corrigiu. — A senhorita o encontrou.

Ela o olhou de soslaio e quando se voltou para o desconhecido, ele a mirava


com curiosidade.

— Sente alguma dor? — perguntou, preocupada.

— Como é mesmo o seu nome? — Ele quis saber.

— Sarah Winter. — Ela repetiu.

— É um anjo, senhorita?

— Não... — Ela não conteve o sorriso.


— Ela é sim. — Willy a cortou. — É a melhor pessoa que já conheci!

— Willy. — Ela o reprovou.

— Vejo que tem um admirador. — O homem observou, os olhos brilhando


com diversão. — Talvez, eu tenha chegado tarde demais.

Sarah voltou-se para ele, sentindo o rosto queimar de vergonha. Por ser
muito branca, tinha certeza que seu rosto deveria estar vermelho. Apenas
ignorou as últimas palavras do desconhecido, tomando-as como tolice de um
homem que batera com a cabeça.

— Willy está exagerando! — decidiu mudar de assunto. — O senhor está


com fome? Pedi a Willy que trouxesse um pouco de sopa.

— Não, obrigado — agradeceu. — Pode deixar para outra pessoa, estou


bem.

— Então, a senhorita vai tomar. — Willy se intrometeu na conversa outra


vez e Sarah o fulminou com o olhar. O que aquele menino tinha que não
controlava a língua? — A irmã Judith me falou que a senhorita me deu a sua
sopa.

Ela estava vencida. Não podia lutar contra o amor que Willy sentia por ela.
Sorriu para ele com o mesmo apego e ele lhe estendeu a vasilha. Sarah
acariciou o rosto dele.

— O que eu faria sem você, Willy? — Ela perguntou com imenso carinho.

O menino ficou tímido e comprimiu os lábios para não sorrir.

O homem se sentou e Sarah o encarou. Ele tinha um olhar selvagem, apesar


do semblante ser frio, de um homem vivido e que vira muita coisa nesta
vida. Olhou ao redor e voltou-se para ela. Estava muito próximo e Sarah se
afastou. Não sabia que a proximidade de um homem podia ser tão
perturbadora.

— Abrigam necessitados neste lugar? — Ele perguntou ao notar o


constrangimento de Sarah.
— Sim. Tem certeza que não quer a sopa? — Ele fez que não, e Sarah
acabou se sentando no chão e tomou da sopa. Doía as pernas ficar muito
tempo agachada. Estava com tanta fome que virou o conteúdo nos lábios e
saboreou. — Damos o almoço e o jantar para quem não tem o que comer.

Alguns passam a noite aqui e também distribuímos mantimentos que são


doados.

O homem fitava seus lábios quando ela passou a língua por eles. Foi um
gesto impensado, feito tantas vezes, que nunca imaginou que um homem

poderia admirá-lo. Encabulada, olhou para a sopa e perguntou:

— Estava perdido?

— Não. — Ele fez que não. — Na verdade, eu queria ficar sozinho e perdi o
rumo — explicou.

— Este bairro é perigoso. Pessoas morrem aqui por nada todas as noites.

— Ela comentou. — Deve passar a noite aqui e ir embora amanhã de manhã.

Ela tomava mais sopa quando ele perguntou:

— A senhorita vai passar a noite aqui?

Sarah fez força para engolir diante do interesse daquele homem.

— Não. Vou para casa.

— Sozinha?

— Não. — Ela sorriu. — Alguns dos moradores de rua me acompanham.

Não fica muito longe daqui.

— Pelo visto, as pessoas a querem muito bem, senhorita. — Ele sorriu.

Um sorriso lindo, capaz de aquecer a mais solitária das almas.


— Todo mundo gosta da senhorita Winter. — Willy se intrometeu. — Ela
vai ser freira, sabia? Ela adora ajudar as pessoas.

— Bobagem. — Ela argumentou depressa.

— Acredito que nosso amigo tem razão. — O desconhecido afirmou. —

A senhorita tem facilidade em conquistar a atenção das pessoas.

Sarah olhou para ele e seu coração acelerou. Ele a fitava de uma forma tão
aberta que a fez respirar fundo. Aquele homem estava flertando com ela?
Não era possível! Seu jeito austero e indiferente, sempre deixou os homens
afastados. Era uma surpresa. Ela desviou o olhar e terminou de tomar a sopa,
quase derrubando pelos lábios e se ergueu.

— Aonde vai? — Ele perguntou.

— Embora — respondeu, simplesmente.

Ele levou a mão ao abdômen e gemeu ao erguer-se:

— O senhor deve se deitar e descansar. — Ela entregou a vasilha para Willy


e o ajudou a se sentar novamente. — Uma noite de sono o fará se sentir
melhor amanhã.

— Então, fique. — Ele pediu.

O homem passou os olhos para as mãos dela que seguravam seu braço forte
e firme. Sarah tirou as mãos depressa.

— Não posso — fez que não. — Minha família me aguarda em casa.

A expressão dele mostrou não ter gostado da negativa dela.

— Quer que eu a acompanhe? — Ele se ofereceu.

— Quero que descanse e melhore — falou, sincera.

— Como posso lhe agradecer por ter salvado minha vida?


Sarah sorriu junto dele sem perceber. A simpatia daquele homem aliado ao
seu charme era contagiante.

— Toda vez que encontrar alguém em perigo, ajude-o — pediu.

— Eu farei. Prometo.

Ele segurou a mão dela, estava fria. Sentiu-a estremecer quando beijou a
mão de dedos finos e delicados. O toque foi breve, mas o fez sentir um
desejo pungente por aquela mulher. Sarah comprimiu os lábios e franziu o
cenho, ficando brava com a audácia do desconhecido por tocá-la de forma
tão íntima, tirando sua tranquilidade. Tirou a mão e ergueu-se.

— Foi um prazer conhecê-lo. Desejo-lhe melhoras. — E se foi rapidamente,


sem olhar para trás.

— Senhorita Winter. — Willy saiu correndo atrás dela. — Preciso lhe contar
uma coisa!

— Agora não, Willy. — Ela o cortou, firme. — Amanhã conversaremos,


estou com pressa.

Sarah pegou o casaco pendurado em um dos cabides e saiu apressada, como


se demônios a perseguissem.

O senhor Trevor e o senhor Klark a aguardavam para acompanhá-la até em


casa. Ela se esqueceu até mesmo de se despedir das freiras. Aquele homem a
tirou de sua costumeira tranquilidade. Agradeceu por Trevor e Klark falarem
sem parar e ela não ter que dizer nada. Sua voz estava presa na garganta,
estava com vontade de gritar de raiva. Pensou naquele desconhecido bonito e
atraente. Pela primeira vez, em seus vinte anos de vida sentiu na pele a força
da tentação.

Quando chegou em casa, já estava tudo escuro. Era sexta-feira, por isso,
tinha certeza que o pai estava fora. Ele costumava sair e sumir por vários
dias e as filhas davam graças a Deus por isso. E agora que a esposa morrera,
nada mais o prenderia.
Sarah andou na escuridão. Conhecia de cor onde ficava cada móvel, por isso,
caminhou sem esbarrar em nada. Foi até a porta do quarto que dividia com
as irmãs. Barbarah e Delilah já dormiam e respirou, tranquila.

Então, foi para perto do fogão aceso pela lenha que ainda queimava. Com
certeza, enxerida como era, Barbarah conseguira lenha em algum lugar para

esquentar a casa, já que lhes faltava o que comer. Desde a morte da mãe, o
pai não fazia muita questão de sustentar a casa. Aliás, ele nunca fez questão
de nada. Caso não fosse por Edith Winter, as filhas teriam sucumbido a
morte por causa da fome.

Sarah puxou a cadeira, sentou-se ao lado do fogão e pegou seu terço e


começou a rezar, seus lábios se moviam ligeiramente enquanto seguia
rezando, tentando confortar seu coração diante de seu triste destino:
apaziguar a saudade que sentia da mãe, a preocupação pelo futuro das irmãs
e convencer o pai a deixá-la ingressar em um convento.

Preocupava-se com o fato de que estando longe, o pai fizesse mal às suas
irmãs menores. Ambas eram tão inocentes e sonhadoras e como não tinham
qualquer dote para conquistar um casamento decente, temia que o pai as
entregasse por meia dúzia de ovos ou uma garrafa de rum barato.

John Winter não fora um marido ou um pai a quem pudesse citar como um
exemplo de cidadão e honra. Notava-se que sua mãe devotava ao marido
uma adoração que ele não correspondia. Era seco, frio e indiferente. Diziam
que era um homem muito bem-humorado até que participou da construção
da ponte de Westminster, em 1750 e após um acidente ficou manco, tendo
dificuldade em arranjar um emprego bom e digno. A falta de autoestima o
levou a se casar com a primeira mulher que lhe interessou e o fato de viver
pulando de um emprego para outro, fazendo com que a prosperidade da
família oscilasse, fez com que a pobreza fosse a realidade deles. E a mãe não
resistiu a tanto sacrifício e sucumbiu à tristeza, morrendo jovem.

Sarah pediu perdão por odiar o pai, às vezes. E não entender porque a mãe,
sendo uma pessoa tão boa, morrera. Estava tão cansada de tudo, mas ainda
tinha forças para lutar.
— Ajude-me a aceitar o que eu não posso entender — murmurou antes de
abraçar o próprio corpo, tentando suprir a solidão que a assolava.

CHATEADO, WILLY SOLTOU um longo suspiro ao ver Sarah sair do


barracão quase correndo. Precisava lhe dizer algo de extrema importância.

Pensou em ir atrás, mas estava frio lá fora e corria o risco de perder seu
colchão e não queria dormir no chão frio mais uma vez. Voltou para perto do
homem de quem Sarah salvara a vida e sentou-se ao lado dele no colchão.

— Gosta muito da senhorita Winter? — O homem perguntou, curioso.

— Como se fosse a minha irmã mais velha. — Ele falou com carinho. —

Ela foi à única que me defendeu por aqui — aproximou-se do homem para
lhe contar um segredo. — As freiras não gostam muito de mim.

— Entendo. — Ele assentiu.

Willy o olhou dos pés à cabeça. A casaca de corte bem feito, as calças
escuras e alinhadas, as botas longas e bem polidas se não fosse pela sujeira
adquirida com a briga de momentos antes.
— O que um homem rico faz aqui nesse bairro? — Ele estreitou o olhar.

— Não é da polícia, é?

— Não. — O homem sorriu.

— Hum... — Willy o analisou. — Qual é o seu nome?

— Hayden Castle e o seu?

— William, mas não sei meu sobrenome. Não tenho família.

— E quem cuida de você?

— Eu mesmo — respondeu, orgulhoso. — Desde que me lembro, vivo nas


ruas e aprendi a me virar e sobreviver.

Hayden se compadeceu da história dele. Era um garoto esperto, merecia


mais.

— O seu sotaque é diferente. — Willy comentou.

— Sou americano.

— Uau! — Ele ficou de joelhos e encarou Hayden de perto. Passou as mãos


nos cabelos muito ruivos tirando a franja do próprio rosto. — Eu nunca tinha
visto um americano de tão perto!

— E achou muito diferente dos ingleses?

O garoto fez que não, decepcionado.

— São todos iguais. — Ele voltou a se sentar e abraçou as pernas.

— E o que esperava?

— Que se parecesse com um índio selvagem — respondeu.

Hayden soltou uma risada gostosa.


— Há índios na América, mas não sou um deles.

— Entendi...

De repente, o garoto deu um pulo ficando de pé, assustando Hayden.

— O que foi?

— O senhor é casado?

— Não.

— Então, o senhor poderia se casar com a senhorita Winter e levá-la para a


América! — Willy falou como se fosse a solução para todos os problemas do
mundo.

— E por que eu faria isso? — Ele estranhou. — Pelo que entendi, ela vai ser
freira.

— Ah, é verdade. — O garoto voltou a se sentar, chateado.

— E por que você queria casá-la comigo? — Hayden perguntou, curioso.

— Porque eu queria que ela fosse para bem longe daqui. — Ele
confidenciou.

Hayden ficou surpreso.

— Pensei que gostasse dela.

— E eu gosto. Mas tem gente que a odeia — contou.

— Sobre o que está falando? — perguntou, interessado.

De repente, Hayden se via querendo saber mais sobre aquela jovem bonita e
extremamente vivaz. Poucas mulheres haviam despertado sua curiosidade.

— Não sei se posso falar para o senhor. — Ele disse, desconfiado.

— E se eu prometer manter segredo? — devolveu.


— Eu não sei... — Willy resistiu. — Quem me garante que não vai espalhar
para os seus amigos e me colocar em maus lençóis tanto quanto a senhorita
Winter.

— E o que poderia ser de tão grave?

— Tem pessoas ruins envolvidas nisso. — Ele garantiu. — E não quero me


meter em encrenca.

— Mas pela senhorita Winter, você faria uma exceção — concluiu.

— Sim, talvez. — O menino encolheu os ombros. — Mas eu gosto muito


dela, sabe — olhou para Hayden, os olhos claros brilhando tristes. — E se
algum mal acontecer a ela, jamais me perdoaria.

Hayden se voltou para ele, preocupado.

— Alguém quer fazer mal a ela?

— Sim. — Willy concordou, lentamente.

O americano não gostou daquilo. Mal a conhecia, porém, havia notado que
era uma pessoa boa e se ele pudesse ajudar, não falharia com ela, depois do
que ela havia feito para ele, salvando sua vida.

— Ela salvou minha vida, Willy. Não acha que devo retribuir?

— É complicado. — Ele hesitou. — Podem me matar se souberem que


contei.

— Juro por minha vida, que jamais irei prejudicá-lo, Willy.

O garoto respirou fundo, tomando uma grande decisão.

— Tem que me prometer que vai ajudar à senhorita Winter — pediu.

— Prometo por minha honra — assegurou.

— E como vou saber que tem honra?


— Sou um soldado do exército do meu país. — Ele retorquiu. — Isso conta
para você?

— Já lutou em uma guerra? — O menino o questionou.

— Sim.

— E matou alguém?

— Matei meus inimigos, Willy. Em uma guerra você tem que matar para
sobreviver — explicou com cuidado.

O garoto refletiu.

— É quase como a vida, não é?

— Você acha?

— Sim. Às vezes, temos que fazer coisas das quais não gostamos para
sobreviver. — Willy discorreu.

Hayden imaginou que Willy era muito maduro para a idade que possuía.

Imaginou quantos horrores ele não vira ou vivia para pronunciar palavras tão
maduras?

— E você faz essas coisas?

— Sim. — Ele levou a mão às costas e, em seguida, mostrou a carteira a


Hayden. — Eu roubo para sobreviver, senhor Castle.

— Minha carteira. — Hayden pegou de volta. Mas decidiu não ficar bravo
com Willy. — Por que me devolveu?

— O senhor me parece ser uma pessoa boa e quero que ajude a senhorita
Winter — respondeu, sincero.

Hayden guardou a carteira no bolso da casaca. O menino era bom, não


notara sua ação.
— Vou ajudar — prometeu.

Willy fez que sim.

— Sou ladrão desde sempre, senhor Castle — contou com sinceridade. —

E tenho que dar parte do que eu ganho ao Roger Klain — murmurou para
que ninguém os ouvisse.

Hayden memorizou aquele nome.

— E o que ele tem a ver com a senhorita Winter?

— Nada — garantiu. — Ele é apenas o chefe dos prostíbulos e de todo tipo


de crime nessa parte da cidade — explicou. — E tem amizade com todo o
tipo de gente. Pessoas boas e gente muito ruim, que venderia a alma ao
diabo.

— E ele quer fazer mal à senhorita Winter. — Hayden deduziu.

— Sim. Ele e o pai dela, o senhor John Winter — contou. — Eu estava


voltando para o bar, quando os ouvi conversando. — Willy falava cada vez
mais baixo. — Tem algo a ver com...

— O quê?

Willy respirou, impaciente. Aproximou-se de Hayden e lhe disse ao ouvido.

— Eles vão leiloar a senhorita Winter e as irmãs dela para os clientes da


casa...

Willy se afastou e Hayden o encarou, estupefato.

— Tenho que impedir isso, Willy. Falaremos com a polícia!

— Não! — O garoto o segurou pelo braço com força. — Eles me viram,


sabem que eu ouvi tudo e ameaçou me matar se alguém impedir o leilão. Por
isso, não pode contar nada a ninguém. E como sabem que não tenho medo,
disseram que matariam as freiras e quem estivesse aqui no salão.
— Entendi. — Hayden falou e o garoto relaxou.

— Não vai contar à polícia, vai?

— Não. — Hayden o olhou nos olhos. — Não vou fazer isso, dou minha
palavra.

— Mas tem que fazer alguma coisa para salvar a senhorita Winter. — Ele
pediu. — Não pode deixá-la ser vendida como uma daquelas mulheres que
trabalham naquele lugar. Ela é muito boa e quer ser freira e ajudar as
pessoas, entende?

Hayden compreendeu. Jamais saberia explicar como o problema daquela


mulher se tornou sua maior preocupação, no momento. Porém, acreditava
que fora tomado pelos mesmos sentimentos de humanidade que dominavam
Willy. Como não querer bem a uma mulher que apenas trabalhava em prol
dos mais necessitados? Além disso, Sarah Winter salvara a sua vida e, agora,
precisava ampará-la.

— Pode me dar o endereço onde vai acontecer este leilão, Willy?

— O que vai fazer? — perguntou, receoso.

— Eu já disse para ficar tranquilo, não vou colocá-lo em risco ou até mesmo
a senhorita Winter. — Ele afirmou. — Sabe quem vai participar desse leilão?

— Os melhores clientes do Klain — encolheu os ombros. — Não conheço,


muitos não moram no bairro.

— Homens ricos?

— Alguns. Eles querem ganhar muito dinheiro com isso. Talvez encham o
salão de gente — esclareceu. — O que vai fazer?

— Fique tranquilo, Willy. Vou ajudar à senhorita Winter e cumprir com o


que lhe prometi. Apenas, preciso que me diga onde tudo ocorrerá e quando.

— Está bem. — O menino concordou mais calmo. — Mas se fizer algo ruim
que atrapalhe a senhorita Winter, eu acabo com você!
Hayden teve vontade de sorrir diante da coragem daquele pequenino.

Durante a guerra da independência conheceu muitos homens que não tinham


um terço da coragem que Willy possuía.

— Tudo bem. — Hayden fingiu se intimidar. — Não vou fazer nada que

possa prejudicá-los.

— E como vou saber que agiu para ajudá-la?

— Você vai saber, Willy. Na hora certa. Mas tem que me prometer que não
vai dizer nada a senhorita Winter, está bem?

— Por quê? — O garoto o questionou.

— Porque prometo que vou resolver do meu jeito. E se contar a ela e a


senhorita Winter fugir, saberão que foi você que disse a ela. Vai correr risco
e ela também. Poderão fazer mal a vocês dois. — Ele sugeriu para segurança
deles.

— Tem razão. — O garoto concordou.

— Por que não descansa? — Hayden se recostou na parede fria e jogou o


casaco em cima do corpo. — Amanhã terei um longo dia para saber o que
poderei fazer por nossa amiga.

Hayden fechou os olhos. De repente, sentiu que o cobriam, abriu os olhos


azuis novamente e olhou para o lado. Willy se sentara ao lado dele e o
cobrira.

— Posso dividir o meu cobertor com o senhor — ofereceu. — Não me custa


nada.

Hayden não pensou que precisaria viajar tão longe para encontrar
humanidade nas pessoas que menos esperava. Em meio aquele albergue, um
pequeno ladrão confiava nele seu segredo e expectativas, e ainda dividia
com ele o cobertor furado em uma noite fria. Aceitou a oferta e fechou os
olhos.
Logo sentiu Willy relaxar ao seu lado e recostar a cabeça em seu ombro. O

garoto deveria estar exausto. Não apenas pelo cansaço de um dia nas ruas,
mas todo o estresse que passava por ter que lutar pela vida ainda tão jovem.

Hayden Castle conhecera o horror de uma guerra de perto, mas vira seu país
sair vitorioso, mesmo depois de tantas mortes, o que justificava anos de luta.
Destruição em nome de um bem maior. Contudo, olhando ao redor e vendo
aquelas pessoas buscando um pouco de abrigo quando haviam perdido tudo,
perguntou-se em que tipo de guerra velada viviam, onde muitos eram
sacrificados todos os dias, para que outros enriquecessem e vivessem bem. E

quando ele dizia sacrifício, falava de uma morte torturante e demorada,


sugando até a última gota de esperança daqueles que não tinham quem
velasse por eles.

Ele abraçou Willy e deixou o menino se aconchegar mais e se esquentar.

E pensou que ironia do destino: um representante da Câmara dos Estados

Unidos ir parar em um albergue em East End, e ser salvo por uma mulher
que não queria mais nada da vida a não ser tornar-se freira e cuidar do
próximo.

Uma linda jovem que não se importava de dividir seu prato de sopa com um
ladrãozinho, que em sua vida miserável, conheceu o amor da forma mais
simples que Hayden já vira. Admirou Sarah Winter mais ainda.
HAYDEN ACORDOU E levantou-se antes da maioria das pessoas. As
freiras já se movimentavam distribuindo pães sobre o balcão. Pensou em ir
embora, mas a figura frágil e bonita de Sarah Winter adentrou ao salão. Ela
tirou o casaco e o pendurou no cabideiro olhando atentamente para Willy
que ainda dormia e sorriu. Um sorriso encantador que desapareceu quando
ela se virou e deparou-se com o desconhecido da noite anterior.

Ela sentiu uma onda quente no peito e não gostou. Constrangida com aquela
estranha sensação de desconforto que ele lhe causava, seguiu em frente,
tentando não o olhar. Contudo, mesmo com a roupa amarrotada e o cabelo
em desalinho, aquele homem conseguia ficar bonito, embora isso não fizesse
diferença para ela.

— Bom dia. — Ela o cumprimentou e sorriu para as freiras.

— Bom dia, senhorita Winter. — Ele a fitava intensamente.

Sarah franziu o cenho.

— Pensei que não o encontraria mais aqui — observou.

— Acabo de acordar — explicou. — Sentiu minha falta?


— Não! — Ela respondeu depressa e o encarou, séria.

Ele soltou uma risada. Estava debochando dela.

— É sempre mal-humorada pela manhã? — Ele inquiriu continuando com


sua zombaria velada.

— Ainda não sei seu nome, senhor. — Ela o ignorou.

Ele a deixava de mau humor. Geralmente, era bem tranquila.

— Hayden Castle. — Ele fez mesura se curvando diante dela. — Seu


humilde servo.

— Não tenho servos, senhor. — Ela o cortou. Não estava achando graça
naquele bom humor dele.

— Acabou de conquistar um quando salvou minha vida. — Ele revelou.

— Estou à sua disposição para o que precisar.

— Nós não...

— Será de grande ajuda, senhor Castle. — A irmã Judith cortou Sarah e


sorriu para ambos se aproximando deles. — Precisamos descarregar algumas
carroças de doações e mantimentos — explicou. — Qualquer ajuda será
bem-vinda.

Hayden adorou a irmã Judith e sorriu para ela com seu charme, fazendo a
freira corar, antes de olhar para a sisuda senhorita Winter.

— Está vendo, senhorita. Sou útil por aqui — ironizou.

Sarah sabia que toda ajuda era bem-vinda, realmente. Mas por algum motivo
inexplicável, queria que aquele homem fosse embora. Ela poderia partir e
voltar em outro momento, mas as freiras precisam de ajuda na limpeza e
preparar o almoço para a próxima leva de pessoas que chegariam.

— Pode mostrar ao senhor Castle onde as carroças estão, Sarah?


— Sim, irmã. — Ela obedeceu e saiu na frente dele. — Por favor, siga-me,
senhor.

— Com todo prazer. — Ele falou irritando-a mais ainda.

Hayden sorriu ao notar que tinha o poder de irritá-la. Isso era um bom sinal.
Ele não sabia para quê, mas lhe trazia um prazer imensurável. Foram para os
fundos do salão, saíram para o pátio do que parecia ser o convento,
atravessaram e saíram ao lado da igreja de pedras negras. Havia quatro
carroças. Sarah pensou com maldade que ele não daria conta.

— Aqui está. — Ela não conteve o sorriso de desdém dos lábios.

— E para onde devo levar tudo? — Ele quis saber, enquanto verificava a
carga.

— Para o salão — cruzou os braços esperando que ele desistisse ou pedisse a


ajuda de alguém.

Hayden lhe estendeu o casaco e dobrou as mangas da camisa branca,


expondo seu braço bronzeado. Sarah não esperava por aquilo e deu um passo

para trás para ele abrir a parte detrás da carroça e colocar um enorme fardo
de arroz nas costas, sem qualquer dificuldade.

— Poderia me dar licença, por favor. — Ele pediu.

— Sim, desculpe-me.

Ela o viu se afastar pelo corredor e soltou um longo suspiro. Quem era
aquele homem? Ele não parecia um pobre coitado precisando de ajuda.
Sarah tentou controlar seu gênio, talvez, fosse apenas um bom homem
tentando ajudar. Qual era o problema?

Nenhum, Sarah Winter. Pare de implicar com as pessoas. Disse a si mesma.

Acabou voltando para dentro do salão enquanto as pessoas começavam a


acordar e tomar o café da manhã antes de começarem seus dias. Sentiu por
Willy já ter saído e ela não o ter visto. Na noite anterior, o garoto queria lhe
dizer algo, mas estava tão ansiosa para partir que não deu a atenção devida.

Temia que ele ficasse chateado com ela. E tudo culpa daquele senhor Castle!

Ele não podia tocar uma mulher de maneira tão imprópria como fizera com
ela na noite anterior quando beijou sua mão! Que absurdo! Sarah pensou
revoltada enquanto entregava o pão às pessoas, sem sequer notar que a
agradeciam. O senhor Castle provocava o que havia de pior nela: a raiva, o
orgulho, a maldade e a ironia, e isso em tão pouco tempo. Ele era cínico.

A todo o momento, ela olhava o senhor Castle entrar com o carregamento e


colocá-lo em um canto do salão. Não conseguia deixar de olhar para ele, a
camisa estava molhada de suor, ele prendera o cabelo em uma tira de couro.

Estava bem e não parecia nenhum pouco cansado. Notou como o cabelo
pendia sobre o rosto ao se soltar da tira e como a barba estava por fazer.

— Terminei tudo, irmã Judith. — Hayden informou se aproximando delas e


Sarah ficou tensa olhando para frente.

— Tão rápido. — A irmã elogiou. — Talvez o senhor queira vir todos os


sábados descarregar as carroças para nós, senhor Castle. — Ela brincou.

Nem de brincadeira Sarah queria vê-lo mais vezes. O bom era que
finalmente ele iria embora.

— Desculpe-me, senhor Castle, mas está com pressa? — A irmã Judith quis
saber.

— De modo algum, estou livre para ajudar no que precisar. — A voz dele
soou acolhedora.

Sarah não se conteve e olhou para ele. Hayden sorriu mais uma vez. Até o

sorriso dele a irritava. Em seguida, ele piscou para ela. Sarah arregalou os
olhos, furiosa. Como ele ousava cometer um ato tão íntimo e indiscreto? Ela
se ofendeu grandemente e lhe deu as costas.
Hayden fizera de propósito para deixar a senhorita Winter constrangida ao
notar que ela não parava de encará-lo.

— Duas portas estão com problemas, poderia dar uma olhada nelas e ver o
que tem que ser feito? Claro, se não for abusar de sua boa vontade.

— De modo algum, irmã. É um prazer ajudar. — E fez mesura.

A irmã Judith sorriu e Sarah ficou revoltada. Por que ele não ia embora?

Homem lascivo e imprudente. Havia piscado para Sarah com malícia! Como
ele ousava? Não eram íntimos ou amigos, e nunca seriam nada um do outro!

A indignação lhe subia à pele e a fazia ficar vermelha de vergonha!

Hayden começou seu trabalho e cantou uma antiga música infantil que sua
mãe costumava cantar para fazê-lo dormir. Sarah conhecia a melodia, sua
mãe cantava para ela e as irmãs para distrair quando estavam com fome e
não tinham o que comer e isso a emocionou. Lembrar-se da mãe ainda a
feria profundamente. A saudade doía.

Pequena borboleta, voe sem parar

Pequena borboleta, voe até cansar

Pequena borboleta, o importante é amar

E dar amor a quem possa também voar

Sarah o fitou por cima do ombro, enquanto recolhia os colchões, os


cobertores e os empilhava em um canto. Até o fato de ele cantar a irritava.

Sentiu vontade de pedir que se calasse, mas mordeu os lábios e não disse
uma palavra, sequer reclamou. Não podia dar o gosto aquele homem de
saber que a incomodava.

— Está tudo bem, Sarah? — A irmã Judith se aproximou com seu sorriso
simpático de sempre.
— Está, irmã.

— Está falando sozinha! — A irmã observou.

— Eu? — apontou para si mesma e encolheu os ombros. — Faço isso desde


pequena. Penso demais e acabo falando sem notar.

— Algo a incomoda?

— Não, irmã. Por quê?

— Eu a conheço bem, Sarah e notei que não gosta da presença do senhor


Castle — frisou.

Sarah pensou em negar, mas não gostava de mentir.

— Não gostei da forma como ele me tocou ontem. Ofendeu-me


profundamente.

— Ele a tocou? — A irmã perguntou, preocupada.

— Sim, quer dizer não de forma grosseira e que ofendesse minha honra.

— Teve que admitir. — Mas ele beijou minha mão — apontou a mão que ele
beijara e olhou para ela. Ainda podia sentir o toque dele queimando
exatamente ali e balançou a cabeça fugindo dos pensamentos torturantes. —

Não é de bom tom que um homem beije a mão de uma senhorita. E há


pouco, ele piscou para mim, irmã! – contou, indignada – Nunca lhe dei
liberdades para tal atitude!

A irmã compreendeu.

— Com certeza, de onde ele vem esse tipo de atitude denota educação —

justificou, quando ambas sabiam como os nobres zelavam pela educação.

Sarah olhou para ele que assoviava a música e batia o martelo na porta.

Mesmo assim, estava ofendida.


— Além disso, ele é petulante — argumentou.

— Sarah. — A irmã a reprovou. — A senhorita mal o conhece, deveria


esperar mais antes de ter qualquer julgamento.

Ficou chateada como uma criança pelo fato da irmã não lhe dar razão.

— Não gosto de ser tocada, irmã — justificou.

— Mas eu já a vi abraçar Willy ou o senhor Trevor — argumentou.

Sarah fez cara feia.

— É diferente, são meus amigos e... — Ela pegou o cobertor e sentiu algo
molhado. — Oh, Deus! Alguém... — Não teve coragem de falar.

Haviam feito as necessidades no cobertor. Sarah estava enojada.

— Sempre acontece. — A irmã compreendeu o desespero de Sarah. —

Leve o colchão para o sol e coloque o cobertor para lavar junto com as
outras roupas lá fora.

— Sim, irmã — obedeceu, agradecendo por poder ficar longe do senhor


Castle.

Foi para perto do tanque e surpreendeu-se com a quantidade de roupa.

Pegou a pedra de sabão e usou toda sua energia para lavá-las, não vendo a
hora passar. Sua mãe costumava dizer que nada melhor do que lavar um
cesto

de roupa para aliviar qualquer preocupação.

Sarah colocou o último lençol no varal e o sol bateu contra sua face, e sentiu
um calor gostoso. Fechou os olhos e agradeceu pelo frescor do vento, em
seguida. Tudo que Deus fazia era perfeito e agradável e ela tinha que ser
grata por estar viva e com saúde. Quando abriu os olhos, o vento balançava
os lençóis e ela viu um par de pernas masculinas atrás deles.
Hayden afastou o lençol e surgiu diante dela, a camisa suja pelo trabalho, o
rosto impassível, os olhos azuis terrivelmente lindos. Parou e ficou olhando
para Sarah. Ela reteve o fôlego e sentiu as mãos tremerem. O sol brilhava
contra o senhor Castle lhe dando um aspecto selvagem que ela não soube
definir, talvez, soubesse, ele era mal. Ele era a tentação em pessoa e a
incomodava a ponto de fazer seu coração bater depressa e pensar na
inspiração divina de Deus quando criou um homem tão bonito.

Ele ergueu a mão e ela se encolheu quando aqueles malditos dedos macios
tocaram sua testa e tirou o excesso de espuma que ela deixara ali sem
perceber. Hayden mostrou a ela.

— Estava... — Ele hesitou. Tocar a pele de Sarah lhe incendiou um desejo


inexplicável. Não era para ser assim. Tinha apenas que gracejar com ela e
partir depois de ajudá-la como prometeu a Willy. Mas a cada segundo, ele se
sentia impelido a ficar mais perto. Sentia que se partisse, estaria cometendo
um grande erro. — Estava sujo — completou antes de pigarrear e suas
feições voltaram a ficar indiferentes. — A irmã Judith pediu que eu a
chamasse para o almoço.

E virou as costas e se afastou depressa, como se Sarah tivesse uma doença


contagiosa. E talvez, ela se encontrasse enferma e ele estivesse contaminado.

Apenas o tempo lhe mostraria essa intensa realidade, nunca a razão.


SARAH SE RECOMPÔS lavando o rosto e afastando aquele estranho e
indesejável impacto que a presença do senhor Castle lhe causava. Ele estava
sentado à mesa comendo com as freiras. Geralmente, as irmãs e os ajudantes
almoçavam antes de abrir as portas para as pessoas. Sarah se serviu e foi
sentar-se na outra ponta do banco, de modo que quando erguesse o rosto, não
precisaria se preocupar em olhá-lo.

Mas ouvia a melodia de sua voz rouca e vibrante o tempo todo. Descobriu
que ele era americano e tinha uma fazenda na Virginia. As freiras pareciam
empolgadas com a presença dele como jamais Sarah notara antes.

— E o que faz na Inglaterra, senhor Castle? — Irmã Lucy perguntou.

— Negócios — respondeu evasivo.

— E que tipo de negócios? — Peter era um dos ajudantes que vinha todas as
manhãs ajudar na preparação do almoço. — O senhor também possui um
navio? A maioria dos americanos tem.

Hayden riu. Sarah notou que ele sorria a maior parte do tempo. Como um
bobo, ela reprovou. Teve vontade de dizer de forma grosseira que os
americanos não eram donos de navios e sim pessoas selvagens e irritantes.
— Não tenho um navio, Peter — assegurou. — E meus negócios dizem
respeito ao povo da Virginia.

Hayden achou melhor não falar sobre sua carreira política. Apesar de

estar entre pessoas boas, permanecia em um bairro perigoso, onde alguns


matariam por menos de algumas moedas. E ele precisava sair dali vivo.

— E como é a Virginia? — Irmã Lucy prosseguiu com sua curiosidade.

Sarah sempre odiou a bisbilhotice. Sua irmã Barbarah a irritava


profundamente com questionamentos, sempre querendo saber de tudo. Ela
entendia isso como uma afronta aos bons costumes, uma boa dama deveria
saber qual era o seu lugar, e o silêncio era o maior dos tesouros.

— Fomos colonizados por ingleses, e a maioria das cidades lembra a


Inglaterra. O estilo arquitetônico, as pessoas — explicou. — Somos um país
em crescimento — observou com orgulho.

Sarah não se conteve, chegou o corpo para frente e o fitou do outro lado da
mesa.

— Dizem que seu país quase foi destruído pela guerra. — Ela ousou falar,
esperando que ele não se importasse.

Hayden a tinha visto desaparecer das vistas dele. Notou que ela também
estava abalada com aquela súbita atração que sentiam. O que era normal,
afinal, ela era uma aspirante à freira e com certeza, jamais tivera contato
com um homem antes. Sequer deveria saber que aquilo era normal entre
homens e mulheres. Por isso, estava tão ofendida. Felizmente, Hayden era
experiente para saber que tais sensações iam embora à mesma velocidade em
que chegavam. O que não se alimentava, morria.

Ele apoiou o cotovelo sobre a mesa para fitá-la do outro lado e respondeu:

— A guerra da independência destruiu muitas cidades. Na Virginia, muitas


estão sendo reconstruídas, senhorita Winter.

— O senhor participou da guerra? — Ela quis saber.


Algo lhe dizia que sim. Que aquele jeito feroz dele fora adquirido em uma
batalha pela própria vida.

— Sim, mas tive um ferimento na perna e acabei voltando para casa mais
cedo — falou sem qualquer orgulho.

— Teve sorte. — Ela frisou e abaixou a cabeça para o seu prato.

— Sorte de levar um tiro na perna que quase me deixou manco, senhorita


Winter? — Ele estranhou o comentário dela. — Onde há êxito em um
ferimento?

Ela ergueu o olhar e notou que todos aguardavam sua resposta. Inclusive as
freiras. Sarah limpou os lábios com o guardanapo e voltou a encará-lo.

Arrependeu-se de ter feito qualquer pergunta e interagido com ele. Criticara


a

irmã por ser curiosa e agora se afogava na própria indiscrição.

— Há males que vem para bem, senhor Castle. Talvez, se tivesse


permanecido na guerra, não estaria aqui para nos contar esta história. Pense
em quantas esposas dariam a vida para que seus maridos tivessem a chance
que o senhor teve — argumentou.

Eles se encararam e ela desviou o olhar para o prato outra vez. Hayden ficou
olhando para ela, surpreso por se mostrar tão eloquente e firme em suas
opiniões. Pela primeira vez, viu seu ferimento na perna sob outra
perspectiva, não a da dor e do sofrimento, mas da ventura por estar vivo. E
ali, conhecendo a fascinante senhorita Winter.

— Gosta mesmo de ajudar as pessoas, senhorita Winter. — Hayden


comentou.

Sarah havia acabado de ajudar uma mãe a dar banho em uma criança e trocá-
la. A menina de cinco anos tinha um ferimento grave na perna depois de um
acidente com o pai violento. A mãe pegou a menina no colo, agradeceu e foi
embora. Sarah se voltou para ele.

— E de que serve a vida se não para ajudar os outros, senhor Castle? —

Ela finalmente o encarou. — Não atravessou um oceano para ajudar o povo


da Virginia?

Um sorriso se formou no canto dos lábios e ele colocou as mãos para trás do
corpo.

— Não perde nada que ocorre ao seu redor, não é?

— Não consigo evitar — respondeu, acanhada por ele ter notado essa
característica dela em tão pouco tempo de convivência.

— Nunca se cansa? — Ele a questionou.

Irmã Lucy cutucou irmã Judith e elas sorriram uma para a outra com
cumplicidade, mas nem Sarah ou Hayden notaram.

— Tenho uma vida simples, senhor Castle. Não me resta muito, além disso
— respondeu sem qualquer traço de amargura na voz. Sarah recostou-se na
parede, as mãos presas atrás do corpo.

— Mas gosta de fazer outras coisas? Além de ajudar?

— Não muito. Pouco conheci fora dos arredores de East End — contou.

— Quando estou em casa, meu prazer se limita a ajudar nos afazeres.

— Nunca pensou em se casar, senhorita?

A pergunta era íntima demais para que ela respondesse. Mas não achou
necessário exortá-lo por causa de suas diferenças de educação. Talvez, as
moças mais nobres não se importassem de terem suas vidas íntimas
reveladas.
— Jamais pensei em ser outra coisa que não fosse ser freira, senhor Castle.
— Ela respondeu, séria.

— Posso saber o motivo se isso não a ofender.

Não ofendia, apenas a incomodava que ele quisesse saber tanto sobre ela.

— A última coisa que desejei foi ser uma mulher casada como minha mãe e
as mulheres que me cercavam foram ou serão — confessou sem se conter.

Disse a ele o que jamais revelou em voz alta, como se fosse uma forma de
limitar a indiscrição daquele homem. — Prefiro a morte a ser infeliz em um
casamento.

Ele ficou encarando-a por alguns instantes, impressionado com aquelas


palavras tão amargas para uma mulher tão jovem e bonita, que se tivesse
nascido em um berço de ouro, teria muitos pretendentes, além de todo o
amor do mundo e encontraria a felicidade facilmente. Esse júbilo no qual ela
não acreditava mais.

— Willy tem um grande carinho pela senhorita — mudou de assunto.

Sarah pensou que ele se afastaria, mas continuava querendo conversar.

Por que essa curiosidade sobre ela?

— Sim. Ele chegou aqui tão magro e doente. E quando soube a história dele,
não consegui deixar de me compadecer de sua dor.

— E qual é a história? — cruzou os braços, interessado.

— Os pais dele eram bêbados e o abandonaram quando ele tinha dois anos.
Willy passou de orfanato em orfanato e quando completou seis anos fugiu e
começou a viver nas ruas. Foi quando o conheci.

— Ele merecia ter uma família. — Hayden olhou para frente, como se
refletisse sobre o assunto. — É um menino de coração gigante.
Sarah se emocionou ao ouvir aquilo vindo de um homem de classe superior.
Sempre acreditou que os ricos não tivessem coração, mas Hayden Castle lhe
provou em menos de vinte e quatro horas que era possível ter nascido em
uma família abastada e ser uma pessoa altruísta. Infelizmente, não podia
deixar de ter essa conclusão. A maioria das pessoas via Willy

como um peso, um garoto problemático, sem futuro. Sarah apenas enxergava


o menino abandonado em busca de amor e segurança.

— Eu faria qualquer coisa para ajudá-lo. — Ela garantiu.

— Qualquer coisa? — inquiriu, cético.

— Sim — afirmou. — Caso, estivesse ao meu alcance, eu trocaria a minha


felicidade pela de Willy.

Hayden levou um choque ao ouvir aquilo. Apesar de existir convicção em


suas palavras, perguntou se ela faria isso mesmo? Será que Sarah Winter
abriria mão de seus sonhos e de sua própria vida para ver um ladrãozinho de
East End feliz? Algo dizia a Hayden que aquela jovem, apesar de ser uma
pessoa muito racional, não tinha experiência suficiente para conhecer as
próprias limitações.

— É muito corajosa, senhorita. — Ele garantiu.

Ela desviou o olhar para as pessoas que chegavam ao salão, ficando tímida
com aquele elogio. Fora chamada de muitas coisas na vida, mas nunca
exaltaram sua coragem. Sarah acreditava que era uma covarde. Não
conseguia sequer encarar aquele homem sem sentir um pavor imenso do
abalo que ele causara em sua existência tão utópica.

— Senhor Castle. — Irmã Lucy o chamou. — A madre superiora perguntou


se poderia reparar algumas telhas do convento — pediu sem graça.

— Contratamos uma pessoa para tal procedimento, mas ela não compareceu.

E o senhor parece entender dessas coisas, dado que arrumou até mesmo
portas e as janelas quebradas.
Estava ali mesmo. Não custava ajudar. Precisava ficar até mais tarde e se
certificar de que Willy não diria nada a senhorita Winter.

Hayden passou o resto da tarde ajudando as freiras e acabou por conhecer a


Madre Superiora. Madre Rachel era uma mulher baixa, de olhar agradável.

Segundo a irmã Lucy, ela estava à frente do convento há quase cinquenta


anos e fora ela a fundadora do centro de ajuda aos mais necessitados.

— O senhor fez muito hoje, senhor Castle. Muito mais que ingleses católicos
que moram aqui ao lado fariam. — Ela lhe sorriu quando ele terminou os
principais serviços. — Não sei como lhe agradecer. Acredito que um homem
ocupado como o senhor, não precisava estar aqui.

— Eu gosto de ajudar e quis passar o dia aqui, madre. — Ele parou de


caminhar e encarou a madre. — Conheci a senhorita Winter.

— Oh, sim. Ela é uma jovem muito querida por nós. Desde criança, ela

vem todos os dias no convento nos ajudando — falou com carinho. —

Infelizmente, o pai nunca permitiu que se tornasse freira.

— E por que ele nunca permitiu?

— Bem, senhor Castle. John Winter não é um exemplo de cidadão e


venderia a própria mãe se pudesse. Acredito que ele almeja um casamento
vantajoso para a filha mais velha, contudo, lhe falta um dote.

Hayden precisava concordar com a madre. O homem ia vender as próprias


filhas.

— Entendo. — Ele refletiu. — E o convento não pode aceitá-la sem o


consentimento do pai?

— Não.

— Madre, a senhora acredita que a senhorita Winter seria uma boa esposa?
A Madre deu um sorriso complacente.

— Senhor Castle, não é o primeiro homem a se interessar por ela. Sarah é


uma mulher linda, de coração puro. Mas ela colocou na cabeça que quer ser
freira e parece que nada é capaz de fazê-la mudar de ideia.

— Talvez, ela não tenha escolha, madre. — Ele a encarou, preocupado.

— O senhor sabe de alguma coisa? — A madre quis saber.

— Há algo que preciso lhe contar.

— E o que seria? — Ela franziu o cenho, apreensiva.

— Tenho que tomar uma decisão com relação a senhorita Winter. Espero
poder lhe confiar meus receios, pois não tenho muito tempo. Talvez, menos
de vinte e quatro horas.

— Claro, senhor Castle. Ajudarei no que for possível.

— Não passei o dia em seu convento por acaso, madre. Eu queria conhecer
melhor a senhorita Winter e estou fascinado por ela... — Ele contou e
voltaram a caminhar pelo corredor do vazio.
WILLY SORRIU PARA Hayden quando ele voltou para o salão. Sarah
olhou na mesma direção que o garoto e respirou, derrotada. Pelo visto,
aquele homem não tinha planos de ir embora tão cedo. O garoto correu e
parou diante dele.

— O senhor está aqui! — falou, entusiasmado.

— Sim. — Hayden se ajoelhou diante dele e o encarou. — Posso contar com


você, não é? Não vai dizer aquele segredo para ninguém!

— Promessa é dívida. — O menino beijou os dedos da mão. — Além disso,


descobri uma informação importante.

— E o que é?

Willy se aproximou dele e disse em seu ouvido:

— Farão o leilão amanhã à noite — sussurrou. — E muitos homens distintos


e ricos foram convidados para comprá-las como amantes ou esposas.

E afastou-se.

Hayden sentiu o sangue ferver e ergueu-se. Imaginou Sarah Winter sendo


comprada por um homem abominável e tocando-a de forma lasciva, quando
ela não queria. Ele não sabia dizer qual seria o pior futuro para ela: a amante
sem valor algum ou a esposa sem amor. As duas teriam o mesmo resultado
para Sarah: o inferno na terra. E ela podia ter mais.

— Prometeu que faria algo por ela. — O menino recordou enquanto o

encarava.

— Pode ficar tranquilo, pequeno. — Ele devolveu muito sério. — Não vou
deixar que façam mal à senhorita Winter.

— Vai cuidar dela de verdade? — O garoto insistiu, preocupado.

— Prometo por minha honra, já lhe disse — afirmou.


Willy ficou satisfeito. Hayden atrapalhou o cabelo dele e ergueu-se. Sarah
estava atrás do balcão novamente. Ela baixou o olhar para as mãos,
constrangida por ele tê-la pego olhando também. Hayden foi até ela e sorriu
para as freiras.

— Sinto em ter que deixá-las, mas necessito partir.

Era para Sarah ficar aliviada, e de algum modo estava. Porém, aquela
sensação incômoda de que não o veria de novo passou como uma leve brisa
por seus pensamentos mais ocultos.

— Que pena, senhor Castle. — Irmã Judith lamentou. — Virá nos visitar
novamente?

— Provavelmente não, irmã. — Ele garantiu. – Partirei logo para casa.

Sarah ergueu o olhar para ele e deparou-se com aquele par de olhos azuis
febris.

— Obrigado por tudo. — Ele fez mesura.

E partiu com uma confiança inabalável.

— O senhor Castle além de bonito é um homem muito educado, não é,


Sarah? — Irmã Lucy a cutucou.

Sarah mirava o homem que atravessava a porta sem olhar para trás. Não o
encontraria novamente e sentiu-se mal, por fim, ele fizera tanto pelo
convento e ela sequer o agradecera. Onde estavam seus bons modos? Um
dos homens estava com a mão estendida aguardando que Sarah lhe
entregasse a vasilha de sopa, mas a única coisa que ela conseguia fazer era
sentir uma culpa enorme por deixar um homem tão bom partir sem dizer o
quanto ele fizera o bem.

Não queria que ele levasse dali uma péssima impressão dela.

Deixou a vasilha em cima do balcão e saiu correndo. Esbarrando em


algumas pessoas, esquecendo até mesmo de colocar seu casaco. As freiras se
entreolharam e sorriram fascinadas com a impetuosidade da juventude.
Sarah parou à porta olhando ao redor, respirando o ar frio. Seu coração batia
descompassado e o viu seguindo pelo fim da rua.

— Senhor Castle. — Ela gritou e começou a correr.

Hayden franziu o cenho ao ouvir alguém gritar seu nome. Olhou para trás

e viu Sarah Winter correndo em sua direção.

— Senhorita Winter? — perguntou, perplexo quando ela parou diante dele,


ofegante. — Aconteceu alguma coisa?

Ela fez que sim.

— Não me despedi, senhor Castle — falou tentando controlar a respiração.


— E não agradeci por tudo que fez por nós.

Sentiu-se exultante pela atitude de Sarah. Sem dúvida, ela era uma caixa de
surpresas. De tudo que vivera, o fascínio que ela lhe causou naquele
momento foi o mais prazeroso.

— Não precisa agradecer, senhorita Winter — respondeu sentindo a


pulsação acelerar. — Atendi ao pedido que me fez ontem à noite.

Ela não compreendeu.

— Eu lhe fiz algum pedido?

— Sim. Disse que para lhe pagar o fato de ter salvado a minha vida, eu
deveria ajudar pessoas que precisavam. — Ele a fez lembrar.

Sarah não conteve a risada. Sequer poderia imaginar que ele fizera tudo
aquilo por causa de um simples conselho.

— Sua sugestão fez do meu dia inesquecível, senhorita. — Ele deu um passo
para ela e pegou a mão delicada. — Jamais me esquecerei da senhorita, de
sua bondade e respeito às pessoas que não tem nada a lhe oferecer.
Com intensa emoção, ela assistiu Hayden erguer sua mão e beijá-la de novo.
O corpo de Sarah fremiu e soltou a respiração bem devagar enquanto sentia
os lábios quentes sobre sua pele. Um arrepio subiu por suas costas quando o
olhar azul se ergueu para ela.

Hayden tocou a pele de Sarah com os lábios e pensou que queria mais que
beijar a mão. Queria subir pelo braço, até chegar ao delicado pescoço e vê-la
fechar os olhos e se entregar ao toque dele.

Havia perdido todo o bom senso e não se importava nenhum um pouco.

Era um homem intenso demais para se contentar com pouco. Ele precisava
de mais.

Sarah retirou a mão e olhou para baixo. Hayden segurou o queixo delicado
com a ponta dos dedos e a obrigou a encará-lo.

— Algo me diz que esta não será a última vez que vamos nos encontrar...

Não era uma promessa, mas ela se aferrou àquelas palavras como se
dependesse disso para viver.

Ele abaixou-se o suficiente para aproximar seus lábios da boca feminina,

mas não a beijou como desejava fazer. Sarah merecia mais que um beijo
perdido em uma rua horrível de East End, com ratos e baratas se rastejando
pelo chão. Ele podia lhe dar mais. Sarah sentiu a respiração do senhor Castle
contra os lábios, seus pensamentos ficaram desorganizados e fechou os
olhos.

Hayden prolongou aquela tortura até que seu desejo chegou ao limite e,
então, se afastou.

Sem dizer mais nada, ele se virou e partiu a passos largos sumindo pela
névoa que cobria a rua. Sarah saiu do torpor que a dominava e abriu os
olhos, aturdida. Sentia-se presa a um vendaval e lançada por metros de
distância de seu próprio bom senso. Olhou ao redor para ter certeza que
ninguém fora expectador daquela cena dissoluta e voltou correndo para o
salão, sem sequer notar o frio, seu corpo estava em chamas.

— Sarah?

A voz de Barbarah soou quando Sarah entrou em casa.

Sarah fechou a porta e voltou-se para a irmã que permanecia sentada na


cadeira próxima ao fogão. Parecia mais frio naquela noite. Barbarah era a
mais linda das irmãs com seus cabelos dourados e olhos azuis como o céu,
lograva de um encanto único. A inusitada peça que lhe atrapalhavam eram
aqueles óculos de lentes grossas, sem os quais ela não enxergava um palmo à
frente.

— Boa noite, querida. — Sarah se aproximou e beijou o alto de sua cabeça.

Barbarah ajeitou o cobertor em cima dos ombros.

— Papai ainda não retornou — observou como sempre preocupada.

— É domingo, Babi — chamou-a pelo apelido carinhoso. — Ele deve


retornar amanhã bem próximo ao horário do almoço — comentou puxando
uma cadeira para se sentar ao lado da irmã. — Sabe como ele é.

— Sim, eu sei — concordou, melancólica.

— O que foi? — perguntou, preocupada. Barbarah sempre fora tão cheia de


vida. Estava amuada.

— Acho que é saudade da mamãe — respondeu e encarou Sarah.

— Também sinto falta dela, Babi.

— Será que um dia a saudade vai passar?

— Creio que não — fez que não.


Elas ficaram algum tempo em silêncio e Sarah agradeceu. Sua cabeça estava
dando voltas e queria ficar em silêncio, mas Barbarah prosseguiu:

— Acredita que nossa vida pode mudar da noite para o dia? E num piscar de
olhos coisas que não esperamos podem acontecer para melhor?

Como sempre, a mentira incomodava Sarah profundamente.

— Acredito — falou a verdade.

Sarah pensou em Hayden.

Desde a noite anterior, quando ele partira, não tivera notícias dele.

Durante o dia todo, ela se pegou olhando para a porta do salão da igreja,
ansiosa por sua chegada. Por mais que não quisesse admitir, a aparição
daquele homem havia mexido com seu íntimo de uma forma singular. Não
conhecia palavras que definiriam o que derrotava o seu orgulho quando seus
pensamentos deslizavam para as recordações do senhor Castle tão recentes e
vívidas em seu corpo. Até mesmo Willy pareceu preocupado com a falta de
informações.

— Sei que quer ser freira, mas... — titubeou procurando as palavras certas
para não provocar o gênio da irmã mais velha. — Nunca teve vontade de ser
amada por alguém, Sarah? De forma extraordinária?

Caso Barbarah tivesse lhe perguntado isso antes de sexta-feira, Sarah não
hesitaria em responder que não. Todavia, quando a figura forte de Hayden
Castle não lhe saía da cabeça, ela já não possuía mais a certeza de nada.

— Sim, eu já tive — confessou quase em um sussurro.

Barbarah arregalou os olhos que ficaram enormes atrás das lentes dos óculos
e levou as mãos aos lábios para não gritar e acordar Delilah que dormia no
quarto.

— Sarah...

— Recuso-me a discutir. — Sarah a cortou.


— Quem é ele? — perguntou, curiosa.

— Não é ninguém que você conheça, Babi — garantiu olhando para o fogo.

— Jamais imaginei que...

— Eu poderia gostar de alguém? — completou as palavras da irmã e


Barbarah anuiu. — Também não — balançou a cabeça em negativa. — Mas
já passou — respirou fundo. — Ele se foi.

E aquilo doía dizer muito mais que qualquer outra coisa na vida. Nunca mais
o encontraria. Ao voltar para sua realidade tão perfeita, com certeza ele se
esquecera dela. Ergueu-se.

— Chega de perguntas por hoje. Vamos rezar e dormir — mandou. —

Amanhã tenho que estar cedo no salão para ajudar as freiras — comentou. E

sem permitir que Barbarah lhe questionasse com suas bisbilhotices, encerrou
a conversa e foi para o quarto se deitar.

Mas não conseguiu adormecer. Tinha medo de não mais fechar os olhos e
não pensar no senhor Castle. Que tipo de tentação era aquela que corroía a
sua alma? Jamais voltaria a repetir tais palavras a alguém. Aquele segredo
morreria com ela: Hayden Castle, o fazendeiro americano, roubou a atenção
de Sarah Winter e levou seu coração com ele para o outro lado do mundo.
SARAH SENTIU O coração quebrar quando as irmãs partiram. Ela ficou
sentada na cadeira velha da cozinha olhando para o nada. Pegou os óculos
quebrados de Barbarah e o olhou com pesar. John Winter o havia quebrado
sem piedade, deixando a irmã completamente cega.

O pai chegara há poucas horas, e avisou que havia conseguido um


casamento para cada filha e teriam que partir, imediatamente. Em três dias
na esbórnia, o pai conseguiu casamentos que em anos não apareceriam na
vida de uma dama que vivia na pobreza e não possuía dote.

Quando Sarah tentou argumentar dizendo que não podia se casar e que iria
para o convento, ele lhe acertou um tapa no rosto. Ela não esperava por isso
ou pelas palavras que se seguiram:

— Se, por qualquer motivo, vocês forem devolvidas, terei o prazer de levá-
las para Whitechapel e ficarão o resto de suas vidas vendendo seus corpos a
homens imundos!

Sarah preferia ser esposa de um estrangeiro protestante herege do que ser


uma prostituta. A ideia lhe dava calafrios. Embora tivesse suspeita que ser
uma esposa por obrigação e deitar-se com um homem sem qualquer apreço,
era o mesmo que se igualar a uma meretriz: a compra de uma forma de
sobrevivência.
Delilah fora prometida a um comerciante indiano, Barbarah a um nobre

da Cornualha e ela para um estrangeiro. Esperava que fosse verdade e as


irmãs ficassem bem. Não conseguia chorar, estava cansada de seu pai e
daquela maldita vida. Antes de partirem, entregou a cada uma das irmãs um
terço, que além de tornar-se um elo entre elas, era também a válvula de
escape para os pecados e a tentação para a nova vida que seguiriam.

Pensou na melancolia que seria viver sem a companhia delas, sem saber
sequer se voltariam a se encontrar. Olhou para os óculos quebrados
novamente e sentiu um nó na garganta ao imaginar como Barbarah ficaria
sem eles, e principalmente, quem a livraria das enrascadas que se metia por
ser curiosa demais e se meter aonde não era chamada. Quem aconselharia as
irmãs? Quem as faria rezar quando estivessem pecando? E quem aliviaria a
solidão de Sarah? Quem faria de seus dias menos tediosos e lhe olharia com
tanto amor e carinho, mesmo quando seu gênio forte prevalecia?

Vê-las partir foi como arrancarem seu coração. O olhar triste de Barbarah
carregado de lágrimas quase fez Sarah chorar, mas ela se manteve firme.

Precisava ser forte, para que as irmãs se espelhassem nela e também fossem.

Teria que abandonar Londres para sempre e nunca mais veria as pessoas que
tanto gostava. Sentiu uma angústia profunda. Determinada, ergueu-se.

Precisava se despedir das freiras e deixar um recado para Willy. Voltaria


rápido. Não poderia partir sem falar com eles antes.

— Aonde pensa que vai? — O pai perguntou quando a viu se dirigir à porta.
Ele saiu do quarto quando a ouviu se movimentar pela casa. Usava a mesma
roupa desde o enterro de sua mãe, ela se perguntara quando foi que o pai fez
sua higiene pessoal pela última vez. Ele estava fedendo como um porco no
chiqueiro.

— Vou até a igreja me despedir das freiras — falou colocando o casaco.

— Não ouse fugir! — Ele ameaçou com o dedo em riste.


Sarah o olhou, ressentida. Aquele homem de olhar severo, rosto enrugado,
com aspecto desleixado e que fedia à bebida era seu pai. Infelizmente.
Queria lhe responder mal, dizer que não era covarde como ele. Mas engoliu
suas palavras mal-educadas em respeito à autoridade que o pai representava
em sua vida.

— Prometo que não vou demorar.

John se aproximou e sorriu para a filha, débil. Como se quisesse de algum


modo dizer que estava tudo bem.

— Sempre foi a mais obediente. — Ele ergueu a mão para lhe acariciar o

rosto, mas Sarah se esquivou.

Depois do que fez, não podia esperar que ela reagisse de outra forma. Mas
ele era o homem da casa, o chefe e não ia se desculpar por ela tê-lo
desafiado.

— Não demore — pediu, ríspido e se afastou.

Ela aquiesceu e saiu apressada pelas ruas sujas e fedidas do bairro. Estava
mais frio do que o normal e, ela abraçou o próprio corpo enquanto
caminhava.

Na verdade, seu coração sabia que não estava indo se despedir apenas das
freiras ou deixar um recado para Willy. Ela queria saber se o senhor Castle
retornara ao convento. Poderia parecer loucura, mas diante daquele fato
absurdo de casamento arranjado, ela não se oporia em fugir com o
americano se ele quisesse.

Como estava sendo tola! Naquele momento, o senhor Castle estava voltando
para casa, e nem devia se lembrar de seu nome ou que a conhecera.

Mas de forma tardia, Sarah descobriu que no coração não se mandava, e ela
pensava naquele homem mais do que qualquer outra coisa em sua vida. Era
bom e ruim. Tinha medo e necessidade. Como se precisasse de água para
saciar sua sede e não conseguisse mais encontrá-la.
De repente, sentiu um arrepio na nuca e olhou por cima do ombro, notou que
dois homens a seguiam. Ela os conhecia de vista, era Palmer Winston e
George Lee, dois arruaceiros e ladrões acostumados a perturbar os
moradores roubando seus magros pagamentos ou batendo em pais de família
pelo simples prazer de causar problemas às pessoas. Eram covardes, o pior
tipo de gente que existia.

Ajeitou a postura e começou a andar mais depressa. A igreja não estava


muito longe, apenas mais um quarteirão e estaria em segurança. Ouviu os
passos mais rápidos e olhou para trás e os viu correrem em sua direção. Ela
começou a correr, mas George foi mais rápido e a alcançou batendo o corpo
dela contra a parede e colocando uma faca em seu pescoço. Sarah sentiu
falta de ar e o corpo todo doeu. O medo escorreu por seu sangue.

— Não grite e tudo vai ficar bem para você, benzinho — avisou segurando o
rosto dela com força, fazendo doer. Ele era baixo e gordo, e suas roupas
sempre pareciam menores do que o normal, salientando sua obesidade.

Ela não gritou. Estava aterrorizada com o que poderiam fazer a ela. Eles a
seguraram pelo braço e praticamente a arrastaram para o beco mais próximo,

ela tentou se esquivar, mas eles a ergueram e os pés de Sarah balançaram no


ar. Eles a levaram para trás da caixa de lixo alta.

— O que vocês querem? — perguntou, com medo.

A última coisa que precisava era ser tocada por aqueles homens sujos.

Ouvira muitas histórias do que eles faziam com as mulheres que


costumavam atacar e seu coração gritou de desespero. Que Deus me salve!
Ela implorou em pensamento.

— Divertir um pouco... — Winston respondeu. O homem magro, com o


rosto marcado por uma grossa cicatriz, se aproximou com o olhar lascivo.

— Ande, depressa. — George avisou o comparsa. — Não temos muito


tempo.

— O quê? — Ela olhou de um para o outro.


Winston se aproximou dela e Sarah gritou a plenos pulmões fazendo as
pombas em cima dos prédios voarem. Ela o empurrou e ele riu. Aproximou-
se de novo e quanto tentou beijá-la, Sarah o mordeu.

— Sua maldita! — Ele levou a mão à boca e viu o sangue.

— Acho que ela não gostou de você! — George debochou. — Deixe-a


comigo.

— Não! — Winston tirou o cinto da calça e sorriu com maldade. — Vou dar
uma lição nessa vadia antes de mostrar a ela que sou um homem de verdade.

Ele ergueu a mão e Sarah não se encolheu. Ela ia lutar até a morte
defendendo a si mesma, não importava o quanto sofresse. Tinha mais fome
pela vida, do que desespero pela morte. Um assovio soou no ar e um chicote
enlaçou o pulso de Winston e o puxou, fazendo-o desequilibrar e cair de
costas. George olhou para o homem que se aproximava envolto em uma
capa negra e um chapéu impedindo que Sarah o reconhecesse.

O recém-chegado puxou o chicote de volta e quando George fez menção de


atacá-lo, o desconhecido lançou o açoite em seu pescoço e o puxou fazendo-
o cair. Winston levantou-se e tentou atacar o estranho que se defendeu do
soco e o chutou no peito, fazendo o ladrão desabar de costas, novamente. O
chapéu do homem caiu e Sarah reconheceu o senhor Castle e seu coração
bateu descompassado.

O que ele fazia ali?

George não conseguia respirar e o Hayden tirou a espada da cintura e


apontou para ele.

— Um homem que deflora uma mulher, não merece viver. — Sua voz soou
sem piedade.

Ela não conhecia aquele lado obscuro dele e imaginou que fora daquele
modo que ele agiu durante a guerra, sem piedade com seus inimigos.

Winston ergueu-se e foi para cima de Hayden com uma pequena e ridícula
faca nas mãos, gritando. O americano apenas ergueu a espada e lhe
atravessou o peito, enquanto George morreu sufocado. Hayden puxou o
chicote de volta e tirou a espada do peito de Winston. E então olhou para
Sarah.

Ela não conseguia respirar. Sua cabeça girava pelo medo e o pavor de verem
dois homens serem mortos sem piedade. E por reencontrar o senhor Castle
de forma tão abrupta. Quem era ele? Um demônio?

— A senhorita está bem? — Ele perguntou depois de guardar a espada na


cintura e se aproximar dela.

Sarah abriu os lábios, mas sua voz não saiu. Ela não queria, mas sabia que ia
desmaiar. Agarrou-se a ele antes de sentir a escuridão tragá-la.

SARAH PISCOU ALGUMAS vezes antes de seus olhos se acostumarem a


luz da vela sobre o móvel, ao lado da cama. Levou alguns segundos para
firmar a visão no que estava a sua frente: Hayden estava dormindo em uma
poltrona, ao lado de sua cama. Em seu quarto, não havia poltrona de couro.

Ela dormia em uma única cama com Delilah e Barbarah. Ergueu-se o


suficiente para ver a cama com dossel branco e móveis tão novos e bonitos
que pareciam peças valiosas.
E o que aquele homem fazia ali? Ele salvara sua vida das mãos de Winston e
George. Seu coração bateu rápido e ela engoliu em seco ao recordar-se que
deveria ter voltado para casa e aguardado pelo futuro marido.

Céus! Seu pai a mataria quando retornasse. E pior, se o tal estrangeiro


tivesse desistido do casamento, ele a mandaria para um prostíbulo sujo.

Angustiada, virou-se para colocar as pernas para fora da cama e sentiu uma
dor forte nas costas. Aqueles imundos haviam batido suas costas contra a
parede. Hayden acordou e seus olhos azuis brilharam ao vê-la bem. Sarah
sentiu uma mistura de medo e ansiedade.

— Vejo que está melhor. — Ele disse deixando um sorriso deslizar por seus
lindos lábios.

— Onde estou?

— Estamos na casa do Duque de Orange — respondeu.

— O quê? — arregalou os olhos, confusa. — O que eu faço na casa de um


Duque?

Olhou para si mesma e notou que estava apenas de camisolão. Puxou o


cobertor e o colocou sobre os ombros, estava com os braços expostos e os
tornozelos, isso era inadmissível!

— Onde estão minhas roupas? — quis saber, envergonhada.

— Seu vestido estava rasgado — apontou para a cadeira mais próxima. —

A dama de companhia da Duquesa a trocou — explicou antes que ela o


agredisse pensando o pior.

Deveria estar feliz por reencontrá-lo. Porém, a ideia de que estava prometida
a outro e teriam que se separar outra vez, rasgava seu coração.

— Preciso dele e necessito voltar para casa — ergueu-se e ele também. —

Meu pai me aguarda e não posso me demorar.


Embora soubesse que sendo noite, estava perdida com o atraso em voltar.

Seu pai a castigaria severamente.

— Não precisa regressar para casa. — Ele falou.

— Claro que necessito, senhor. — Achou melhor se explicar. — Sei que está
tentando me ajudar pelo que lhe fiz outro dia, mas lhe garanto que me
levando até minha casa, me fará um imenso favor.

— Não farei isso — respondeu, secamente.

Sarah o encarou sem entender nada.

— Como não? Acaso sou sua prisioneira?

— Não — assegurou para alívio dela e fez uma pausa antes de revelar: —

Mas é minha futura esposa.

Sarah sentiu como se estivesse em frente a um abismo e a vida a empurrasse.


Caiu sentada na cama.

— O quê? — Seus olhos verdes se ergueram para ele, incrédulos.

— Era a mim que estava esperando esta manhã, em sua casa, senhorita —

esclareceu.

Um misto de decepção e mágoa a invadiram. Agora, entendia porque ele


apareceu e a salvou de Winston e George. Ele deve tê-la seguido quando ela
saiu de casa.

— Por quê? — Ela o questionou quase sem voz.

— Quando seu pai fez o leilão, eu a comprei — revelou.

Sarah não podia acreditar no que acabara de ouvir.

— Leilão? — questionou achando tudo aquilo um grande absurdo.


— Sim. — Ele estranhou que ela não soubesse. — Seu pai leiloou a
senhorita e suas irmãs em uma sala secreta em um prostíbulo.

Sarah sentiu a boca secar e respirou com dificuldade, controlando-se para


não chorar diante daquele homem. Vendida como uma mercadoria barata em
um prostíbulo? Não deveria estar surpresa vindo de seu pai, mas era
humilhante e apenas demonstrava o quanto ele não sentia nada pelas filhas.

Pensara que ele fizera isso para protegê-las, por amor. Mas não. John Winter
conseguia provar o quanto podia ser miserável.

— Está se sentindo bem? — aproximou-se, preocupado.

— Água. — Ela pediu.

Hayden atravessou o quarto para pegar a água sobre o móvel e encheu o


copo antes de retornar e lhe entregar. As mãos de Sarah estavam trêmulas e
ela mal conseguia segurá-lo.

— Não sabia da intenção de seu pai? — Ele a questionou apenas para ter
certeza que Willy não dissera nada a ela.

Sarah fez que não e o encarou:

— Eu estava prestes a tornar-me freira, senhor. — Sarah bebeu mais água e


enxugou a lágrima teimosa. — Jamais passou pela minha cabeça que meu
pai cometeria tamanho absurdo.

— Era isso ou ser prostituta — explicou. — Na verdade, a primeira ideia de


seu pai era leiloar a virgindade das filhas, e dá-las a um gigolô chamado
Roger Klain.

Sarah não pensou que poderia ficar pior. Bebeu mais água e quase engasgou.
Ele puxou uma cadeira e se sentou de frente para ela. Sarah conhecia o
sujeito a quem Hayden se referia. Era o pior indivíduo que ouvira falar.
Sempre souberam que seu pai tinha uma grande amizade com este homem,
motivo das brigas de sua mãe. Contudo, sequer passou por sua cabeça que
ele agiria de forma tão baixa.
— E como justo o senhor foi me comprar? — perguntou, confusa.

— Willy me contou depois que foi embora na sexta-feira — confidenciou.

— Por que ele não me disse nada? — indagou, angustiada.

— Ele tentou, mas a senhorita se recusou a ouvi-lo — lembrou-a.

Sarah fechou os olhos por um instante. Era verdade. E no outro dia pensou
em interrogá-lo, mas a presença do senhor Castle e tudo o que aconteceu
entre eles a fez se esquecer do assunto. Mesmo assim, ela o fitou com
mágoa.

— E por que não me contou tudo, senhor Castle?

— Willy ouviu seu pai e o tal Roger Klain conversarem e eles o viram.

Caso eu tivesse lhe contado, a senhorita ou suas irmãs teriam feito alguma
coisa para impedi-lo e eles matariam Willy.

Sarah levou as mãos aos lábios, chocada.

— Porém, acredito que não poderia fazer muito a seu favor, tendo seu pai
agido em suas costas e de suas irmãs — explanou. — Não conseguiriam ir
muito longe sem dinheiro e contatos que pudessem ajudá-las.

Sarah sentiu um calafrio pelo corpo. A única coisa que desejava era acordar
daquele pesadelo. De repente, sua vida virara de cabeça para baixo.

— Como eu estava lhe dizendo, a senhorita e suas irmãs tiveram uma sorte
inexplicável. Todos os homens que as arremataram, fizeram com intuito de
conseguir esposas e não prostitutas.

Sarah não sabia se ficava aliviada ou se preocupava ainda mais pelas irmãs.
Que tipo de humilhações passariam por terem sido compradas e não
escolhidas?

— Céus! — Ela sussurrou. — Não posso acreditar que isso está acontecendo
comigo. Não precisa se casar comigo se não quiser. Posso trabalhar e pagar o
que deu ao meu pai — considerou.

Ele fez que não.

— Teria que trabalhar para mim uma vida toda e talvez não saudasse a
dívida. Acredito que durante muitos anos seu pai não precisará sequer pensar
em trabalhar.

Ela não teve coragem de perguntar o valor que pagara. Embora, pelas
palavras dele soubesse que deveria ser mais do que um dia ganharia em sua
vida toda, era humilhante demais. Leiloada por um pai e comprada por um
americano de olhar arrogante.

— Nada do que eu disser o fará mudar de ideia em se casar com outra


mulher e me deixar seguir para o convento, não é? — solicitou, exausta.

— Não — falou, determinado. — Vamos nos casar amanhã — informou.

— E assim que terminar meus negócios aqui na Inglaterra, nós iremos para a
América.

— O que quer de mim, senhor Castle? Um homem tão... — Ela hesitou.

— Tão bem-apessoado como o senhor, não precisa se casar com uma mulher
como eu. Sou de origem humilde, não tenho sequer um dote, boas maneiras
ou educação adequada para ser esposa de quem quer que seja.

— Preciso de uma esposa. — Ele respondeu como se fosse a situação mais


óbvia do mundo.

— Sendo amigo de um Duque poderia se casar com uma nobre. —

Cogitou.

— Poderia..., mas não quero. E um casamento arranjado me pareceu mais


adequado para o que necessito.

— E o que precisa? — perguntou, curiosa.


Ele se ergueu e caminhou pelo quarto antes de voltar-se para ela.

— Que seja a esposa mais fiel, companheira e amável que já existiu —

pediu. — Principalmente, na frente de qualquer pessoa que seja. Mesmo que


nunca chegue a gostar de mim, exijo que nunca demonstre isso em público.

Ela arregalou os olhos, pensou que ele fosse pedir sua alma. E quanto a
gostar dele, jamais poderia admitir que ele já a houvesse conquistado há
dias.

Sentia-se uma tola, ingênua e ridícula.

— Exijo apenas respeito e compreensão de ambas as partes.

Respeito? Era o mínimo. Porém, Sarah sabia como funcionavam as coisas no


casamento. Gostava daquele homem e casada com ele, sua vida seria um
inferno como fora a de sua mãe. Precisava partir dali e voltar para o
convento, mas ele não deixaria, por isso, decidiu fazer o jogo dele até decidir
o que fazer para não participar daquela loucura de casamento arranjado.

— Acredito que nesses termos podemos ter um casamento tranquilo. —

Ela ponderou sentindo a voz falhar. — Não precisa pedir estas coisas, senhor
Castle — falou, sincera. — Estes são pontos naturais a que deve respeitar em
uma relação.

Sarah notou o alívio dele ao notar tais palavras.

— A primeira vez em que nos encontramos, eu tive a impressão que era uma
mulher sensata e não errei — comentou. — Não espero romantismo entre
nós — prosseguiu sem tirar os olhos dela. — Mas exijo deferência e
compreensão.

Ficou claro que ele não gostava dela e embora fosse frustrante, Sarah deu
graças aos céus por não ter nunca dito nada sobre seus sentimentos.

— Acredito que nesses termos podemos ter um casamento tranquilo. —


Ela mentiu sentindo a voz falhar e pigarreou.

— Não vou lhe exigir nada que não sejam suas obrigações como esposa.

— Ele assegurou.

Sarah fazia ideia das obrigações a que ele se referia e sentiu uma repulsa

profunda. E ele notou. Talvez fosse o suficiente por um dia com tantas
informações. Ela precisava se acostumar com a ideia do casamento e comer
alguma coisa, pelo que sabia sobre sua vida miserável, não deveria ter
comido nada até aquele momento.

— Vou pedir que lhe tragam o jantar. Ou prefere se unir aos moradores da
casa? — Ele quis saber.

— Estou sem fome, senhor Castle. Depois de tudo o que houve hoje a última
coisa que preciso é comer.

— E o que deseja?

— Ficar sozinha — respondeu, sincera. — Importa-se de me deixar sozinha


por algum tempo?

— Claro que não. — Ele acatou ao pedido dela. — Mas se precisar de


qualquer coisa, estarei no quarto ao lado.

— Ficarei bem — prometeu. — Preciso me acostumar a todas essas


mudanças.

Ele concordou. Pelo menos, ela não saltara pela janela como ele temera no
começo. Ela aceitara o fato melhor do que ele havia previsto.

— Tudo bem. — Ele acenou com a cabeça. — Boa noite, senhorita Winter.

— Boa noite, senhor Castle.

Sarah esperou que ele saísse e levantou-se e foi até a cadeira pegar seu
vestido. Não ia se casar com aquele homem. Ao fugir, seu pai teria que
acertar as contas com ele e o senhor Castle teria que arranjar outra esposa.

Decidida, deixou o cobertor cair e começou a maquinar um plano para


deixar a casa sem ser notada. Reencontrar Hayden Castle não fora tão bom
como ela imaginara. Na verdade, não havia pensado em muita coisa, mas se
casar por obrigação com um homem que a comprara em um leilão, mesmo
sendo este homem alguém por quem tinha real apreço, não estava em seus
planos.

NÃO FOI DIFÍCIL deixar a casa. Vestida como estava, foi facilmente
confundida com as empregadas e deixou a propriedade pelo portão dos
fundos. Sem dinheiro, teve que caminhar por três horas até chegar à Igreja
de Saint Paul. Em nenhum momento se arrependia do que estava fazendo.

Quando ele notasse sua fuga e a odiasse por isso, o senhor Castle teria que
encontrar outra noiva e um dia lhe agradeceria.

Mesmo que sentisse pelo senhor Castle algo distinto, Sarah não era o tipo de
mulher feita para casar. Diferente das outras irmãs mais novas, Delilah e
Barbarah, ela nunca sonhou com um casamento, em apaixonar-se, ou até
mesmo com a ideia de ter um homem ao seu lado. Sua vida sempre voltada
para os serviços da igreja, para o trabalho com os mais necessitados. Havia
nascido para ser a esposa de Cristo.
Não se permitia chorar. Lágrimas eram para pessoas frágeis, e Sarah
aprendera a ser forte, desde muito cedo. Era a irmã mais velha, tinha que ser
exemplo de dignidade, força e disciplina. Por isso, encontrou na religião o
sustento para ser a melhor irmã que Barbarah e Delilah poderiam ter.

Doutrinou suas irmãs tementes a Deus e ensinou-as que em tudo deveriam


ter paz, zelo e seguir os dez mandamentos cegamente.

Embora as duas tivessem personalidades distintas daquilo que se esperava de


uma mulher respeitável: Barbarah era a curiosidade em pessoa, e Delilah

gostava de demonstrar suas opiniões. O que para Sarah era um escândalo. A


boa mulher era submissa e silenciosa, incapaz de fazer qualquer coisa
indiscreta ou que revelasse parte de sua verdadeira personalidade. Para ela, a
mulher fora criada apenas para servir a Deus, e caso não se tornasse freira,
deveria se casar, cuidar da família e ser submissa em todos os sentidos.

Conversaria com a madre superiora e, no dia seguinte, ingressaria ao


convento, realizando seu sonho.

Deixou seu casaco no cabide e cumprimentou a todos com um largo sorriso


e tomou seu lugar de sempre. Seus pés incomodavam, acreditava que havia
bolhas em seus delicados pés por andar tanto, mas sua felicidade em ajudar
era tão grande, que se esqueceu da dor e continuou seu trabalho. Ao fim da
noite, ajudou a separar as doações para os que não tinham sequer uma roupa
decente para fugir do frio.

— Ganhamos muita coisa esse fim de semana. — Irmã Judith comentou.

— E uma farta doação para a igreja.

— Isso é bom. — Sarah sorriu.

— Se quiser pode pegar alguma coisa, Sarah.

— Obrigada, irmã. Mas meu casaco ainda está em bom estado. Há pessoas
que precisam mais.
— Nós sempre estamos precisando também, Sarah. Não pode ficar se
privando das boas coisas para sempre dar às pessoas...

— De que adianta eu ter muito, se o outro que está ao meu lado não tem
nada? — forçou um sorriso. — Não conseguiria dormir com isso —

assegurou e mudou de assunto. — Não vi Willy essa noite — estranhou.

— Ele não apareceu na missa de ontem e também para jantar e nem no


almoço de hoje.

Sarah ficou preocupada.

— Será que aconteceu algo com ele, irmã?

— Peço a Deus que não. — Ela fez que não, angustiada. — Willy está em
nosso coração.

E no de Sarah também. Queria tanto que ele fosse feliz e uma família o
adotasse. Willy era tão inteligente. Aprendera a ler e escrever sozinho. Fazia
contas de cabeça e parecia conhecer todos os assuntos que o cercavam. Caso,
ele tivesse alguém que cuidasse dele e o levasse a uma boa escola, poderia se
tornar um professor, ele era bom em ensinar. Sarah por diversas vezes o viu
ensinando os mais velhos a ler os cartazes nas ruas.

Terminaram e ela voltou para o salão repleto de pessoas deitadas nos


colchões. Pela primeira vez, seu coração encolheu. Não havia um lar para
voltar, estava sozinha. Felizmente, tinha onde se abrigar, por isso, dormiria
no salão e, no dia seguinte, pediria uma audiência para a madre superiora.

Pegou o casaco e vestiu. Estava frio e se ressentiu de não trazido um


cobertor, mas a última coisa que precisava era ser chamada de ladra.

Ouviu alguns homens comentando sobre a morte de Windsor e George, mas


ninguém conhecia a identidade da moça atacada ou do assassino e ela sentiu
um imenso alívio. Temia por retaliação ou pior: que fossem atrás de seu pai.
Apesar de desprezá-lo pelo que ele fizera com as irmãs e com ela, ainda sim
era seu pai.
Sarah Winter acomodou-se sentada em um canto, em cima de um colchão
fino que fazia passar o frio. Abriu sua pequena bolsa e segurou firmemente
seu terço, deslizando as bolinhas de madeira por entre os delicados dedos,
seus lábios se moviam ligeiramente enquanto seguia rezando, tentando
confortar seu coração diante de seu triste destino.

Rezou pelas irmãs para que elas fossem boas esposas e felizes de algum
modo nos caminhos que estavam prestes a traçar. Muito embora, Sarah
soubesse que em um casamento não havia felicidade para uma mulher e sim
obrigações. E sabia também que toda mulher que se casara apaixonada ou
cheia de amor pelo marido, foi tratada como nada, como aconteceu com sua
mãe.

Acabou adormecendo e acordou com o barulho das pessoas falando no salão.


Parecia que havia acabado de deitar-se. O corpo estava dolorido por ter
ficado sentada e não descansou nada, o sono ainda lhe pesava. Apenas
surpreendeu-se ao ver o cobertor em volta de seu corpo. Com certeza, uma
das freiras a havia deixado ali para aquecê-la. Ergueu-se e dobrou o cobertor,
deixando-o ali para o próximo que viria. Saiu do salão e andou alguns
metros entrando pelo portão alto que dava para o convento que era ligado à
igreja.

Sarah conhecia a todas ali, desde criança frequentava o convento e apenas


não ingressou antes pela falta de permissão do pai.

Pediu a irmã Juliet para falar com a Madre Superiora e a senhora a atendeu
de imediato.

— Senhorita Winter. — A senhora a recebeu com o mesmo carinho de


sempre.

— Perdoe-me a visita tão cedo e sem hora marcada, madre. Mas preciso

falar com a senhora.

— Sente-se. — A madre pediu.

Sarah sentou e segurou sua bolsa, tomando coragem para dizer:


— Acredito, madre, que chegou a hora para que eu me torne parte do corpo
deste convento.

A senhora a ouviu atentamente.

— Então seu pai autorizou sua entrada?

Esse era o detalhe.

— Não. — Ela fez que não. — Mas ele não tem mais qualquer poder sobre
mim.

A mulher não compreendeu.

— Seu pai morreu, senhorita Winter?

— Não. — Sarah desfez o mal-entendido. — Mas... — hesitou tentando ser


o mais clara possível. — Bem, madre, ontem meu pai me prometeu em
casamento a um estrangeiro.

— E onde está esse homem?

Essa era a parte ruim e Sarah não costumava mentir.

— Eu fugi dele — contou a verdade.

— Senhorita Winter. — A mulher a reprovou.

— Eu sei que é errado, madre.

— Completamente. A senhorita deve obediência ao seu pai e honrar o nome


de sua família. Caso esteja prometida a um senhor, não pode ingressar ao
convento.

— Mas, madre...

— Eu sei o quanto deseja ser uma de nós, Sarah — falou e se levantou


dando a volta para se aproximar da jovem. — Mas temos que ser justos.
Caso o seu destino seja se casar, não posso abrir o caminho para a senhorita
aqui, sabe disso.

Ver seu sonho destruído era sua maior fraqueza e engoliu em seco para não
chorar.

— Não quero me casar, madre. Não posso, é um casamento arranjado —

desabafou em desespero. — Não há amor, ele... — hesitou. — Ele me


comprou.

— E seu pai permitiu? — A mulher quis saber.

— Sim... — Sarah sentiu uma fagulha de esperança.

A madre pensou por um instante e respondeu:

— Acima de sua própria vontade está à obediência aos seus pais e, agora, ao
seu futuro marido. — A madre falou com sabedoria. — Caso seu pai quiser
entrar por esta porta e tirá-la daqui a força, é um direito dele, sabe disso.

A madre a segurou pelo queixo e a encarou:

— Minha querida, agradeça a Deus por ter conseguido um marido para


mantê-la até o fim de seus dias. A maioria das mulheres implora por um.

Ela concordou, mas não conseguiu ficar feliz. Jamais conseguiria. Sarah via
seu sonho ruir bem diante de seus olhos e não podia fazer nada para salvá-lo.
O destino estava contra ela. Levantou-se, a decepção estampada no rosto
bonito e cansado.

— Deve pensar que estar casada é melhor do que ver seu pai vir buscá-la e
vendê-la outra vez para quem quer que seja.

E Sarah sabia que ele faria isso. Quando John Winter soubesse que ela se
integrara ao convento, viria buscá-la. E as regras sociais a fariam obedecê-lo.

Casar-se com Hayden Castle ainda era melhor do que voltar para a casa de
seu pai, sabia das consequências.
— E quem é o seu futuro marido, senhorita Winter?

Ela respirou fundo.

— O senhor Hayden Castle — contou.

A madre não conteve o sorriso.

— Imaginei. — Ela respondeu sabiamente.

— E por quê?

— Acha mesmo, Sarah, que este homem passou o dia todo ajudando no
convento por mero acaso?

— Ele fez isso pelos necessitados — explicou depressa.

— Acredito que sim. Mas depois de querê-la como esposa, não lhe parece
que ele fez isso por sua causa?

Sarah abriu a boca para falar, mas não conseguiu emitir uma palavra. Seu
coração bateu descompassado diante da ideia, contudo, não quis aceitar. Ele
a comprara por pura compaixão. Mas não precisava ter feito isso. A
esperança de que ele sentisse por ela o mesmo apreço que lhe devotava
roçou sua mente solitária e Sarah deu um passo em direção ao amor, mesmo
que não quisesse aceitar.

Achou melhor partir antes que a Madre a convencesse de que Hayden era o
homem mais honrado do mundo.

— Obrigada, madre.

A mulher a abraçou e Sarah saiu da sala, se sentindo a mais miserável das


pessoas. Quando saiu do convento e ouviu o som dos portões de ferro, sentiu
a sentença que a vida lhe imputava. O que iria fazer? Não podia voltar para
casa. Seu pai a mataria ou mandaria para um prostíbulo. Olhou para os dois
lados da rua e começou a caminhar sem destino. Não tinha dinheiro no bolso
e não possuía parentes ou amigos a quem recorrer.
E voltar para a propriedade do Duque estava fora de cogitação. Depois de ter
fugido, com certeza, Hayden não a aceitaria de volta. Sentiu um frio na
barriga ao imaginar o quanto ele deveria estar magoado com sua
imprudência. A conversa com a Madre a fizera se sentir uma tola. Agiu no
desespero de não se casar com um homem que lhe despertava certo fascínio
e que havia chances de torná-la uma mulher tola como sua mãe fora nas
mãos de seu pai.

Por que a vida tinha que ser tão complicada?

Respirou fundo, controlando suas emoções. Nada era o fim. Precisava


caminhar e alguma ideia surgiria. Atravessou a rua, distraída e uma
carruagem que vinha pelo caminho não conseguiria parar, embora o cocheiro
tenha feito de tudo, puxando as rédeas dos cavalos para não matar a
senhorita que atravessava sem olhar. Sarah olhou para os cavalos e fechou os
olhos.

Sentiu o corpo ser jogado para longe.

Os animais relincharam e seguiram em frente e o cocheiro seguiu


controlando novamente os cavalos. Teria sido um belo acidente se não fosse
pelo homem que a espremia contra a parede.

Hayden estava ofegante e a encarou bravo, o olhar gélido.

Sarah abriu os olhos e o encarou. Sentindo a respiração dele contra a sua,


naquela manhã fria e triste. Não sabia se ficava aliviada por ele ter salvado
sua vida mais uma vez, ou se chorava por saber que estava encrencada.

Talvez, ser pisoteada por cavalos era melhor do que aguentar a fúria ignóbil
de um homem.

Não sabia se sua pulsação estava agitada por causa de revê-lo ou por receio
em reencontrá-lo. Uma elegante carruagem parou diante deles. Hayden se
afastou e a puxou junto, abrindo a portinhola e a fazendo subir no veículo.

Entrou em seguida, e bateu contra o teto para que o cocheiro partisse.

Sarah acomodou-se na carruagem e Hayden sentou-se de frente para ela.


— Pelo visto, tem a tendência em se meter em problemas, senhorita. — A

voz dele soou fria e cortante.

Agora, Sarah podia notar com mais calma a aparência altiva de seu futuro
marido, a frieza de seus olhos e a impassibilidade de seu rosto. Bem
diferente do homem generoso com o qual convivera há alguns dias. O
primeiro susto havia passado e ela conseguia relaxar um pouco. Mesmo
assim, ficou sentada ereta, olhando para fora, vendo o movimento da cidade.

— Quebrou minha confiança, senhorita Winter. — Ele a reprovou.

Ela o fitou de soslaio.

— Eu estava no convento — respondeu como se fosse algo óbvio.

— O que não justifica desaparecer da maneira como fez. Foi imaturo e tolo.

Sarah não ia se desculpar. Sabia que isso era errado, uma mulher deveria se
comportar com educação, ser discreta e obedecer a quem quer que fosse.

Mas naquele momento, ela não conseguia ter um pensamento lógico, estava
dominada pela raiva e pelo orgulho.

— Tentei me integrar ao convento — contou. — Precisava arriscar.

— E? — Ele quis saber.

— O que acha? — devolveu, irritada.

— Acho que não fiz nada para aguentar seu mau humor — falou, ríspido.

— Acredito que me deve desculpas e um agradecimento por ter salvado sua


vida mais de uma vez.

Sarah agarrou sua bolsa até os nós dos dedos ficarem brancos. Então, puxou
o ar e o soltou lentamente.
— Perdoe-me por minha imprudência, senhor Castle, e agradeço por ter
salvado minha vida mais uma vez — falou com falsa candura.

Ele riu da acidez dela. Sarah sentiu arrepiar da cabeça aos pés e ajeitou a
postura negando qualquer sensação boa vindo da parte dele.

— Está sendo cínica.

— O senhor pediu. — Ela retrucou.

— Por trás desse seu ar de noviça existe uma mulher muito rebelde —

concluiu. — Gosto disso.

Ela comprimiu os lábios para não responder. Não importava o que ele
gostava. Aliás, não queria que ele gostasse dela.

— Não deve me odiar, senhorita. — Ele aconselhou. — Não sou seu


inimigo.

Ah, se ele soubesse de seus verdadeiros sentimentos, Hayden os usaria

contra ela e não podia permitir. Jamais seria como sua mãe!

— O senhor é tão bonito e inteligente, não entendo porque quer se casar com
uma mulher que não nutre nenhuma afeição por sua pessoa. — Ela
argumentou sabendo que atribuía mais uma mentira para sua lista de pecados
que Deus leria diante da humanidade no juízo final. — Tenho certeza que
aqui na Inglaterra ou na América as mulheres morreriam para ser sua esposa.

Seriam submissas às suas vontades, fariam tudo para ser a senhora Castle.

— Menos a senhorita. — Ele supôs.

— Exatamente. — Mais uma mentira. — Não é nada pessoal, senhor Castle.


Mas desde criança sempre sonhei em ser freira e não a esposa de um
cavalheiro distinto.

Ele a encarou muito sério.


— Peço desculpas que seus sonhos tenham sido quebrados. Mas não fui eu
que os destruí, senhorita Winter. Ao contrário. Sou a única chance que tem
de não se tornar uma meretriz como seu pai queria.

Aquilo doía dentro de seu peito mais do que ele podia imaginar.

— Não pode deixar que eu me vá? — Ela o interrogou. — O senhor poderia


assinar autorizando minha entrada ao convento, juro que jamais o procuraria,
sequer deixaria que meu pai soubesse da nossa quebra de acordo.

— Fazer isso seria jogar meu dinheiro pela janela — contrapôs. — E dei
minha palavra que cuidaria da senhorita. Será que pode entender isso?

— Não posso compreender — admitiu, brava. — Mas aprendi a me forçar a


aceitar o que a vida me oferece, seja bom ou ruim!

Na verdade, seu coração batia feliz por tê-lo reencontrado e saber que seria
esposa dele. Mas mastigaria a própria língua antes de admitir.

— Que bom, vejo que teremos entendimento. — Ele disse com sarcasmo.

— Ainda quer casar comigo? — questionou surpresa. — Pensei que nunca


mais iria querer me ver depois da minha fuga.

— Está surpresa? — Ele devolveu. — Não fique. Não desisto do que é meu.

Ela se incomodou com o que sentiu sob o olhar intenso dele e o atacou:

— Infelizmente, sim. — Ela o encarou. — A madre não me deu muita


escolha e temo que terei que me casar com o senhor.

— Não vou levá-la para a forca. — Ele frisou.

— Como o senhor se sentiria fazendo algo que não quer? — retrucou e


decidiu parar de discutir. — E o que vai fazer comigo, agora?

Ele encolheu os ombros.

— Vamos nos casar.


— Esqueci, o senhor me comprou. — Ela forçou um sorriso.

— Comprado ou não, a senhorita é minha. — Ele foi irredutível. —

Acostume-se com isso. Não tem outra saída. E espero que depois de casados,
não ouse me ofender fugindo novamente. Não tolerarei esse tipo de atitude
por parte da mulher que carrega meu sobrenome.

Realmente, ela não possuía outro caminho a tomar. E no momento, estava


com muita raiva para pensar sobre o assunto. Acabara de ter seu sonho
destruído e culpava a tudo e a todos por isso. Seu coração sangrava e ela não
tinha a quem abraçar para consolá-la. Queria tanto estar perto de sua mãe,
ouvir sua voz cheia de amor e seus conselhos. O que será que Edith Winter
lhe diria?

— Acalme-se, Sarah. Não é o fim do mundo. Talvez casar-se com um homem


aparentemente bom é melhor do que viver na rua mendigando ou vender seu
corpo para homens que despreza. Apenas agradeça a Deus e deixe o resto
com Ele. Aquele que criou o mundo sabe exatamente o que está fazendo,
seja na dor ou no amor, tudo coopera para o nosso bem.

Sarah olhou para fora prendendo sua atenção às pessoas que passavam para
todos os lados. Uma lágrima teimosa caiu ao se recordar da mãe querida.

Queria ser como ela foi: plácida, tranquila, serena e sábia. Sarah sabia que
estava bem longe disso, embora tentasse controlar seu gênio ruim a todo o
momento.

Hayden estendeu o lenço para ela.

— Obrigada — murmurou.

O lenço dele tinha um perfume intenso de homem. Algo que a remetia à


força e poder. Olhou para ele rapidamente, antes de desviar a atenção para o
lenço bordado com as iniciais dele. O insensato era que seu coração sabia
que Hayden Castle não era um homem ruim e não tinha culpa por seus
infortúnios. O inconveniente era compreender a extensão de seu zelo por ele,
mesmo que sua razão clamasse por liberdade.
HAYDEN NÃO PERDEU Sarah de vista um minuto sequer. Até mesmo
depois que deixou o salão no sábado à noite, colocou um dos empregados do
Duque para segui-la e mantê-la em segurança para que ele pudesse agir em
favor dela e salvá-la do pai irresponsável.

Sarah era tão única que não foi difícil adivinhar que ela tentaria fugir.

Outra pessoa acreditaria naquele discurso de moça conformada, mas Hayden


não. Percebera a forma como ela se revoltava contra sua própria realidade,
preferindo ser freira a seguir os caminhos da mãe, que por não ser amada
com a mesma intensidade pelo marido, encontrou a morte muito jovem. Pelo
menos, foi o que a madre lhe contou sobre Edith Winter e Sarah já havia lhe
falado algo.

Parado na escuridão do jardim da propriedade do Duque, ele a viu sair


sorrateiramente. Junto de seu cocheiro, Dorian, ele a seguiu por horas até
chegar a East End, se certificando que ela estava segura e que ninguém
ousaria interpô-la. Um desconhecido até tentou, mas Hayden desceu da
carruagem quando notou que ele iria atacá-la e o deixou desacordado. Sarah
estava tão concentrada em sua fuga, que não notou o indivíduo que se
aproximara dela com más intenções. Como os outros dois que ele matou
naquela manhã para salvá-la.
Ele matou dois homens por ela.

Foi quando Hayden percebeu a importância que aquela mulher tinha para
ele. Matar não era algo comum, porém, não hesitou em fazê-lo quando viu a
vida de Sarah ameaçada. Nunca imaginou que poderia ter um lado tão
possessivo. Então, teve certeza que ela era especial, já que nenhuma outra
mulher lhe despertara tantos sentimentos intensos. Ele poderia tê-la deixado
se integrar ao convento e partido para a América sem olhar para trás. No
entanto, ele havia atravessado aquela maldita linha fina entre a razão e o
desejo. Entre seu bom senso e o amor. E optou pelo segundo sem hesitar,
mesmo que fosse um caminho escuro e desconhecido para ele. Estava
disposto a casar-se com ela e lhe dar toda a felicidade possível.

Deixou-a dormir no salão, na noite anterior. Ele não a obrigaria a voltar,


Sarah precisava fazer isso por si mesma, ou nenhum esforço dele teria valido
a pena. Esperou que a irmã Judith viesse até a porta para fechar o salão e
pediu para entrar.

— Senhor Castle? — Ela indagou, surpresa.

— Sei que a senhorita Winter está aí e eu trouxe isso para ela. — E

mostrou o cobertor.

A freira sorriu e lhe deu passagem.

Doía ver Sarah encolhida em um canto, tremendo de frio em meio ao sono


conturbado. Abaixou-se e a cobriu, mas ficou impelido a ficar. O plano era
se certificar que ela estava bem e partir, mas acabou por se sentar ao lado
dela e puxá-la de encontro ao corpo quente, tirando-a da parede fria. Sarah
não acordou e se aconchegou a ele.

O corpo dela era tão pequeno e frágil. Puxou-a contra si e deixou a cabeça
dela acomodar-se em seu peito. Sarah soltou um fraco gemido de satisfação.

Devia estar exausta depois de um dia tão agitado. Ele não poderia culpá-la.

Sarah se fazia de forte, mas Hayden podia imaginar o tamanho da


vulnerabilidade que ela escondia, da necessidade de ser amada de verdade e
ter uma segurança que nunca encontrou nos braços do pai que deveria
protegê-la e não a vender como uma prostituta.

Seu sangue fervia por pensar que ao arrematá-la, John Winter exigiu
pagamento imediato ou ele a daria para outro homem. Hayden o segurou
pela camisa velha e o ergueu no ar batendo o corpo imundo contra a parede
com fúria.

— Ela é minha, verme! E seu ousar dar Sarah a outro homem, vou arrancar
seu coração do peito com minhas mãos, entendeu? — ameaçou fora

de si.

O homem não conseguiu responder porque sufocava. Hayden o soltou com


violência e John tossiu com dificuldade. Roger Klain, o homem que
comandara o leilão, se aproximou de Castle com um sorriso mal-
intencionado.

— Não se preocupe com ele, senhor. — Klain assegurou. — A moça é sua!


Não vai ser dada a ninguém — garanto-lhe.

— Espero que sim — ameaçou. — Não me custaria fechar essa espelunca e


colocá-los atrás das grades para o resto da vida por leiloarem mulheres.

O sorriso de Klain desapareceu.

— Não precisamos chegar a esse ponto, senhor — falou tentando esconder


sua irritação.

— Espero que não. Trarei o dinheiro amanhã de manhã. — Hayden avisou.


— E passarei na casa do senhor Winter para buscar minha futura esposa.

— Como quiser. — Klain concordou.

E caso o tivessem passado para trás, tinha certeza que roubaria Sarah sem
hesitar, mas não permitiria jamais que outro homem a tocasse ou olhasse
para ela de forma mais interessada.
Ele acordou antes dela e saiu do salão da igreja naquela manhã e aguardou
que ela fosse falar com a madre. E depois que ela deixou o convento, ele a
seguiu a pé, enquanto Dorian se mantinha à distância com a carruagem. Seu
coração gelou quando a viu atravessar a rua sem olhar.

Aquela louca! Correu a tempo de empurrá-la e nada lhe acontecer. Ele


jamais se perdoaria se algo ruim acontecesse a ela. A partir de agora, ela
estava sob sua proteção.

Quando a viu controlar o choro, estendeu o lenço. Não se conteve e sentou-


se ao seu lado e ela se afastou, estava com raiva dele e ofendida porque a
vida não seguiu o caminho que ela havia traçado. Queria lhe dizer que
poderia lhe dar mais, porém, as palavras ficaram presas em sua garganta
sufocando seus sentimentos. Não estava preparado para dizer nada que
pudesse comprometer o pouco que lhe restara de bom senso.

A carruagem parou diante da igreja protestante e Sarah segurou a bolsa com


firmeza. Não sabia o que fazer, o que falar ou como agir. Nunca estivera
diante de um homem que a cortejasse. Nada sabia sobre a interação entre
homens e mulheres, a não ser um relacionamento frio e distante. Ela esperou

Hayden descer da carruagem e ele estendeu a mão para ajudá-la descer.

Caminharam lado a lado em silêncio até o centro do salão, sentindo a mão


tremer e o ar ficar pesado. Queria fugir, essa era a verdade. Desejava gritar
por socorro e correr para se esconder na igreja católica mais próxima.

Contudo, lembrou-se do que aprendera sobre ser uma mulher correta: seja
obediente, submissa e tudo dará certo. A própria madre a alertara pela
necessidade de ser temente ao destino que lhe impunham.

Hayden respondeu ao cumprimento do reverendo que os aguardava.

— Venha, o reverendo nos aguarda. — Ele a chamou quando notou que ela
estava parada olhando a igreja de paredes de madeira escura. Não era
diferente em nada de uma igreja católica, se não fosse pela falta de vitrais,
das imagens sacrossantas e a cruz com Cristo no altar.
Ela assentiu, queimando de raiva por dentro. Estava se casando sob a benção
de um protestante. Comprimiu os lábios e se aproximou do homem baixo e
calvo. Ele lhe sorriu, e Sarah forçou um sorriso. Antes, odiava a ideia do
casamento, agora, por ter que se submeter a um homem que profanava a
santa igreja católica, ela sentia o ódio corroer sua alma. Mas nunca
demonstraria. Aprendera a ter respeito pela religião dos outros.

O ato foi rápido, não demorou mais que dez minutos e estavam casados.

Foi como ficar na fila do pão e comprá-lo frio. Não houve emoção, nem
alegria ou tristeza. Nem mesmo quando ele enfiou o anel de ouro e pedra
brilhante em seu dedo, ela sentiu algo surreal, apenas o metal frio contra sua
pele. Hayden agradeceu ao reverendo e partiram.

Ela sentiu seu segundo maior temor, ficar a sós com seu marido. Levantou o
olhar para ele bem devagar, esperando que ele lhe dissesse o que fazer ou
gritasse com ela. Os maridos tinham o costume de gritar com as esposas e
humilhá-las a fim de se sentirem mais fortes, já que muitas vezes eram
frustrados em seus atos sociais.

Voltaram para a carruagem e após se acomodarem, ela resolveu perguntar:

— Posso lhe fazer uma pergunta, senhor Castle?

— Sim, senhora Castle. — Ele respondeu propositalmente, chamando-a pelo


novo sobrenome.

Sarah estranhou por ser chamada daquela forma. Parecia que ele se referia a
outra pessoa, uma total desconhecida para ela. E era, na verdade. A partir
daquele momento, era uma outra mulher, subjugada a vontade masculina e

aos deveres familiares. Os sentimentos que nutria por Hayden a destruiriam


como aconteceu com sua mãe. Ela sentia que estava carregando a cruz de
Cristo nas costas. Talvez por isso, Deus dera os mandamentos, para obrigar a
mulher a aceitar as situações ruins da vida, do contrário, desobedeceriam a
tudo e viveriam em seus próprios desejos e ambições.

— Tem alguma oposição ao fato de que sou católica?


— Não. — Ele fez uma pausa e prosseguiu: — Tenho negócios para resolver
antes de nossa partida — explicou. — Nesse momento, vou levá-la até a
costureira para comprar roupas novas e tudo o que precisar.

— Roupas novas?

— Vai precisar — assegurou.

— Gosto da minha roupa — alisou a saia do vestido.

— Não gosta. — Ele afirmou. — A senhorita ainda não experimentou algo


melhor para saber do que gosta.

— Mal-educado! — Ela o repreendeu. — É meu marido, mas não pode falar


assim comigo!

— Para uma filha acostumada à violência de um pai, não sei como minhas
palavras podem ofendê-la tanto — comentou com sarcasmo.

— Como pode saber disso?

— Sei tudo sobre a senhora. Pode ficar tranquila, não sou louco. Não me
casaria com uma mulher sem investigar sua vida, primeiro. Além disso,
conheci seu pai no dia do leilão e tenho certeza que não deveria ser fácil
conviver com um homem tão ignorante.

— Investigou minha vida? Teve tempo hábil para isso?

— O dinheiro e a influência podem muitas coisas, senhora.

— Como desgraçar a vida de alguém — respondeu de má vontade.

— Quem fez isso foi a sua miséria, eu apenas a salvei de ser uma prostituta
— respondeu mordaz e Sarah se calou. E ele prosseguiu com o assunto das
roupas: — Sei de suas origens, senhora, e também sei como viveu todos
esses anos. Acredito que sequer saiba diferenciar uma joia falsa de uma
verdadeira. Tenho certeza que não conhece a maciez de uma seda pura.

Ele tinha razão, mas ela não se sentia humilhada por isso.
— Devo pedir desculpas por minhas origens? — perguntou com indolência.

— Não. Mas deve aceitar minha ajuda para ficar melhor. Não pode

continuar escondendo sua beleza por de trás dessas roupas fúnebres.

— Estou de luto — desculpou. — Minha mãe morreu há pouco mais de uma


semana, senhor Castle.

— Compreendo — observou. — Mas casou-se hoje, ninguém espera que


continue usando o luto.

— Ninguém esperava que eu me casasse, essa é a verdade. O senhor está


quebrando todas as regras.

— Não me importo com regras, senhora. Desde que eu consiga o que quero.

O estômago de Sarah encolheu quando ele pronunciou aquelas palavras e a


encarou com aqueles olhos azuis perturbadores. Hayden tinha uma certeza
de tudo e essa atitude a fascinava ainda mais.

— Não é certo quebrar regras, senhor Castle — murmurou sem conseguir


desviar os olhos dele.

— Também não é certo fugir do noivo, senhora Castle. — Ele respondeu


com bom humor. — Acredito que ambos estamos aprendendo a respeitar as
limitações um do outro.

Aquilo era um absurdo. Sarah não sabia o motivo, mas não conteve o
sorriso.

— Estamos quites — falou e ele também lhe sorriu.

E por mais que Hayden soubesse que uma mulher não deveria falar assim ao
marido, gostava do jeito de Sarah. Ela o encantou desde o começo, era
óbvio. Do contrário, jamais teria se unido a ela para sempre.
HAYDEN A LEVOU em uma das costureiras mais caras de Londres.

Sarah sentiu-se mal ao entrar em um recinto no qual jamais passaria sequer


pela porta.

— Senhor. — Ela murmurou para ele quando desceu da carruagem.

— Sim? — Ele voltou-se para a esposa, após vestir o chapéu.

— Eu não sei se devo...

— O quê?

Olhou para si mesma.

— Não estou vestida de forma apropriada — falou com certo


constrangimento. — Esta não é uma casa para pessoas da minha classe.

Ele compreendeu o acanhamento de sua esposa.

— Não se preocupe com isso. A senhora é minha esposa e entra onde quiser
sem qualquer desagrado — falou, decidido. — Por favor, venha. — E

fez sinal para que ela fosse à frente.


Sarah alisou o próprio vestido e seguiu ajeitando a postura. Seu marido não
entendia a situação, talvez porque na América essas convenções não
importassem. Diziam que eram selvagens e ela estava começando a acreditar
nisso, quando ele a impelia a se humilhar ao entrar em um lugar como
aquele.

Moças pobres não eram aceitas naqueles ambientes feitos para os nobres.

Apenas pessoas com títulos frequentavam aquele recinto.

O sino da porta tocou quando Hayden a abriu e entraram. Uma vendedora se


voltou para eles. O olhar arrogante insolente se voltou para Sarah que ergueu
o queixo de fora imperiosa, não se deixando abater por saber que não era
bem-vinda ali. Contudo, quando Hayden surgiu, os olhos da senhorita
brilharam cobiçosos.

— Em que posso ajudá-los, senhores?

— Trouxe minha esposa para comprar vestidos novos. — Hayden tomou a


frente.

A vendedora olhou para Sarah, surpresa e forçou um sorriso para Hayden.

— E o que tem em mente, senhor?

— Um enxoval completo. Estamos de partida para a América e tenho pressa.


— Ele respondeu, impaciente.

— Ah, claro. — Ela ficou constrangida com o jeito frio do cliente. —

Vou chamar madame Catherine para atendê-los.

A moça se retirou.

— Viu a forma como a vendedora me olhou? — Sarah virou-se para ele e


sussurrou, reprovando-o por tê-la levado até aquele lugar.

Hayden tocou o rosto dela e Sarah sentiu as pontas dos dedos quentes contra
sua pele. Teve vontade de fechar os olhos e suspirar. Mas manteve-se dura
como uma pedra.

— Não se preocupe, ela não fará isso uma segunda vez. Garanto-lhe.

— O que vai fazer? — perguntou, preocupada.

— Posso pedir a demissão dela se quiser — assegurou.

Ele era louco? Ela se perguntou aturdida.

— Não. — Ela segurou a mão dele com força e em sua inocência, não tinha
ideia do que aquele simples gesto causava no marido. — Não faça isso!

O salário de uma vendedora não deve ser muito e ela talvez precise para
cuidar dos filhos, pais ou até mesmo por ser uma pessoa sozinha...

Um meio sorriso surgiu nos lábios bonitos de Hayden.

— Vejo que minha esposa tem um coração maior do que imagina. — Ele
elogiou.

— Não posso ser a desgraça na vida dos outros, senhor Castle —

argumentou tentando não ser tomada por aquelas sensações que a assolavam
com ele tão próximo.

Ela sentiu o corpo aquecer. Sua mão segurava a dele. Sentia que a qualquer
segundo, ele poderia abaixar-se e beijá-la. Mesmo sendo indecoroso

fazê-lo em um lugar público, desde a cerimônia, estava ansiosa por aquilo.

— Senhor Castle. — A voz os interrompeu e Sarah soltou a mão dele e


quebrou todo aquele gostoso contato.

Ela voltou para a mulher mais velha, com seu vestido marrom, com a gola
mais baixa, cheia de rendas, exibindo o colo. Sarah achava aquilo uma falta
de respeito quanto às regras de decência. O vestido era muito justo e a saia
fora feita em várias camadas de musselina, mas possuía uma abertura que
mostravam as anáguas brancas e a ponta dos sapatos. Que tipo de mulher
usava aquele vestido?

— Madame. — Hayden a cumprimentou beijando a mão que a senhora


oferecia. — É um prazer revê-la.

— É um prazer recebê-los. — A mulher sorriu como se Hayden fosse o


homem mais importante do mundo. — Em que posso ajudá-los?

— Como disse à sua vendedora, minha esposa precisa de um enxoval


completo — pediu. — Ela está de luto, perdeu a mãe há poucos dias, e
precisa de outros vestidos.

A madame olhou atentamente para Sarah e sorriu. Pelo menos, aquela


senhora era menos arrogante que a vendedora, Sarah concluiu relaxando
diante da mulher.

— E o que a senhora costuma usar quando não está de luto? — Madame


Catherine quis saber.

Sarah olhou para o marido, insegura. O que deveria dizer? A verdade?

— Gosto muito do cinza — respondeu.

A mulher soltou uma risada.

— Foi o que eu imaginei.

— Poderia preparar tudo para mim em uma hora, madame? — Hayden quis
saber. — Tenho algumas coisas para resolver e deixarei minha esposa aqui
aos seus cuidados.

Hayden sabia que podia confiar no gosto daquela mulher. Em suas viagens
anteriores sempre comprara vestidos para sua mãe e nunca havia errado.

— Claro, senhor Castle. Não se preocupe. Sua esposa está nas melhores
mãos!

— Confio em seu trabalho. — Ele se voltou para Sarah. — Não demorarei.


Ela forçou um sorriso e o viu se afastar em passos largos. Então se voltou

para a costureira.

— Venha, senhora. Vou lhe mostrar tudo o que temos pronto e verá o que é
do seu gosto.

Sarah a acompanhou até uma sala reservada, onde havia inúmeros vestidos e
todo tipo de peças de roupas. Olhou ao redor e fez uma careta de desagrado.
Não gostava de vestidos coloridos, muito menos branco ou cores pastéis
como mandava a moda. Ficaria com o seu cinza, o único que trouxera em
sua mala além do preto que vestia. Havia também seu xale da mesma cor e
um casaco também preto. O suficiente para ela. Mais do que isso seria
vaidade.

— Além do cinza, tem alguma cor preferida? — A costureira investigou.

Sarah tocou um dos tecidos e o achou macio.

— Que tecido é este, senhora?

— Seda. — Madame Catherine respondeu encantada com a simplicidade de


Sarah.

Hayden tinha razão, Sarah pensou. Era um tecido tão macio.

— Tem alguma peça para mim neste tecido? — Ela quis saber.

— Claro que tenho, senhora Castle. Podemos fazer vestidos no tecido que
quiser, camisolas, casacos, tudo o que desejar — afirmou com simpatia.

— Poderia fazer em um tom de verde como os campos de Castle Combe?

— inquiriu enlevada pelo toque dos outros tecidos. Tão macios e bonitos.

— Conhece Castle Combe, senhora?

— Acredito que é o lugar mais longe que já fui além de East End —
contou, tímida.

— Eu lhe mostrarei tudo o que tenho pronto para que a senhora possa se
apresentar ao seu marido e amigos. Sei que estão hospedados na casa do
Duque de Orange.

— Sim, estamos.

— E com certeza, receberão convidados. Seu marido é um homem muito


importante, e os nobres ingleses quererão conhecer a esposa dele.

Sarah a encarou, perplexa. Não havia se dado conta disso. Hesitou, mas uma
pergunta queimou em sua mente e precisou fazê-la. Mesmo expondo o fato
de conhecer tão pouco o marido.

— Madame Catherine — ela a encarou —, o quanto meu marido é


importante a ponto de se hospedar na casa de um Duque?

Madame Catherine olhou para aquela moça. Um dia fora dotada da

mesma inocência, vinda do mesmo lugar pobre. E tornou-se uma costureira


famosa, as mulheres nobres da França e da Inglaterra se matavam por um
vestido seu. Mas Catherine não perdera a compaixão e nem esquecera suas
origens. Não podia compreender porque um homem como Hayden Hard
Castle se casara com uma jovem tão simples. Talvez fosse o amor, era o mais
provável. Porém, o que importava eram as provações que a senhora Castle
passaria dali para frente.

Catherine fechou as portas da sala, não querendo que ninguém as ouvisse.

Voltou-se para perto de Sarah e a fez sentar-se.

— Também nasci pobre, senhora Castle — começou a falar. — Tão pobre


quanto à senhora. E sonhava em fazer lindos vestidos. Eu me apaixonei por
um homem certa vez, e ele me enganou profundamente, me desonrando.

Minha família me enxotou e consegui emprego na casa de uma nobre, a


Condessa de Riverlane.
Sarah a ouvia atentamente.

— Ela era uma viúva sem parentes e me ajudou muito, senhora Castle. E

tudo o que sou hoje devo a ela. Mas ninguém sabe disso. Todos pensam que
eu era sobrinha da Condessa, ela quis que fosse assim. Eu tive sorte,
entende?

— Sim. — Sarah compreendia.

Catherine segurou a mão de Sarah.

— Sei que somos duas desconhecidas, mas quando a vi junto ao senhor


Castle, eu reconheci a mim mesma quando era jovem, inocente. — Ela
sorriu, emocionada. — Tenho certeza que posso ajudá-la a enfrentar as
pessoas com as quais vai conviver a partir de agora.

Sarah compreendeu o que ela queria dizer.

— Então, meu marido não é um simples fazendeiro americano que veio para
a Inglaterra?

— Não. — Catherine a encarou, séria. — Seu marido é um Representante da


Câmara nos Estados Unidos, senhora Castle.

— Oh, meu Deus! — Ela se ergueu e caminhou pela sala.

Ele era um político importante, Sarah concluiu. Por isso estava na Inglaterra
em nome do estado da Virginia, como não percebeu isso antes?

— Ele tem fazendas na Virginia e entrou para a política durante a guerra da


Independência. Quando criaram a Câmara, ele foi eleito para representar o
próprio estado onde nascera.

Sarah não podia acreditar.

— E o que um Político iria querer casando-se com uma moça sem origens?
— Ela se voltou para Catherine.
Catherine levantou-se e a obrigou a respirar fundo.

— Respire, senhora Castle. Não é o fim do mundo!

— Madame, eu ia me tornar freira! Minha mãe lavava roupa para fora e meu
pai mal conseguia se fixar em um trabalho, vivia bêbado gastando o pouco
que tínhamos em jogos e prostitutas! — Ela ficou histérica. — Não faço
ideia do que é estar no meio dessa gente nobre arrogante!

— Eu também não sabia e estou aqui. — Madame Catherine a confortou.

— A senhora me parece uma mulher forte que não se abate em qualquer


problema. Por isso, tem a personalidade certa para estar no meio dessas
pessoas e auxiliar seu marido. Lembre-se que a partir de agora, tudo o que
fizer, falar ou pensar refletirá no sobrenome Castle.

Por que ela? Sarah se perguntou. Será que Hayden era um tipo de homem
ruim que estava tentando afrontar as pessoas casando-se com uma mulher
fora de seu status social?

— Vou lhe mostrar roupas, ensinar o que puder... — Catherine lhe ofereceu.
— Enquanto estiverem em Londres, pode vir até meu ateliê e tirarei algum
tempo para ajudá-la a aprender tudo o que for necessário afim de que se
torne uma esposa à altura de seu marido.

Sarah suspirou angustiada.

— A senhora é um anjo, Madame Catherine. — Sarah forçou um sorriso.

— Nada nos é dado por acaso, minha filha. — Ela garantiu. — Quando perdi
tudo e fiquei desesperada, a vida sorriu para mim. O mesmo acontece com a
senhora. Já pensou que os céus a designaram para esse caminho porque é a
mulher certa para ser esposa do senhor Castle?

Sarah riu.

— Talvez quem escreveu essa história tenha errado o nome da moça em


questão — brincou para aliviar suas preocupações.
— Querendo ou não, você é a senhora Castle. E tem que aprender a agir
como a esposa de um político.

— Eu prefiro cuidar de pessoas necessitadas — falou de mau humor.

— Poderá fazer isso também. — Catherine sorriu. — Agora, preste atenção


em tudo o que eu lhe disser. A senhora tem uma natureza elegante e discreta.
Mas vamos tornar isso seu ponto forte em tudo que fizer. Sei que muitas
coisas devem chocá-la ou confundir sua cabeça, mas com o tempo

será tão familiar quanto respirar. Tudo na vida é como andar: simplesmente
acontece, é natural.

— Sim. — Sarah encolheu os ombros. Não havia alternativa.

Não lhe restava mais nada a não ser, ouvi-la. E começaram a escolher as
peças de roupas, a madame lhe explicando quando cada uma deveria ser
usada, em que horário do dia, em qual evento social. O tom de vermelho que
Catherine lhe apresentou fez seu coração bater acelerado, jamais poderia
usar um tom tão ousado e vulgar como aquele. Iria se parecer com uma
prostituta e não uma mulher casada.

— Seus ombros ficarão expostos. Vai ficar linda. — Catherine comentou


orgulhosa de seu trabalho.

— Não sei se conseguiria vestir algo tão chamativo — falou educadamente.

— Os americanos gostam. — Ela confidenciou. — As mulheres de lá


adoram aparecer. Soube até que disputam a atenção dos homens, querendo
ser mostrar uma mais bonita que a outra.

Outra vez, o excesso de vaidade perturbava Sarah. Limitou-se a sorrir com


educação, mas não disse mais nada. Sabia que a chamariam de louca, afinal,
suas irmãs viviam dizendo que nela faltava toda a vaidade do mundo o que
excedia em Barbarah e Delilah.

— Vou incluir algumas camisolas em seu enxoval. Tenho certeza que será do
gosto de seu marido. Tem que se preparar para a noite de núpcias, senhora. E
com a camisola, enviarei o penhoar. Ficará irresistível! —
empolgou-se.

Sarah sentiu um calafrio pelo corpo ao ouvir aquilo. Noite de núpcias?

Seu coração se encolheu e o medo a tomou. Ouvira histórias sombrias sobre


a noite em que a mulher passava a pertencer ao seu marido. Diziam que era
pior que a morte, era humilhante e a maioria das esposas detestava e preferia
que os maridos procurassem as prostitutas. Ao pensar nisso, seu coração
batia acelerado e ela sofria com o medo do que poderia acontecer. Não tinha
ideia do que ocorria, mas parecia ser um pesadelo aterrorizante.

E ela não poderia fugir disso. Ou poderia? Como uma mulher inteligente se
manteria longe de um marido que repudiava? Não estava preparada para
viver um dos piores momentos de sua vida. Não poderia lhe contar histórias
para distrair o marido como a lenda de Sherazade. E por mais que Madame
Catherine estivesse lhe ajudando, jamais poderia fazer qualquer comentário a

respeito disso com ela.

— Agora, vamos arrumá-la para receber seu marido.

— Não sei se posso — confessou, insegura.

— Caso, não queira, senhora, eu não vou obrigá-la. Mas pense no que diriam
se chegasse vestida assim — apontou para o vestido de Sarah. — Na casa
dos Duques. O que iriam dizer? Quer ser motivo de riso ou de inveja?

Sarah não queria que rissem dela ou de Hayden.

— Na verdade, nenhum, afinal, ambos denotam pecado — argumentou.

— Mas entre ser a piada da noite e a inveja do momento, opto pelo segundo.

O inferno parece menos terrível do que aguentar o deboche desses


bajuladores.

Madame Catherine deu uma risada e a levou até a sala para trocar-se.
HAYDEN ENTROU NO ateliê e a vendedora veio lhe servir um chá e pediu
que aguardasse.

— A Madame está terminando de atender sua esposa, senhor. — A moça


avisou.

— Obrigado. — Ele recusou o chá e começou a andar pelo recinto olhando


as peças expostas.

Por que algo lhe dizia que Sarah sairia daquela porta da mesma forma que
entrara? Ou para ofendê-lo por tê-la obrigado a se casar ou para provar que
ele deveria mandá-la para o convento. Ele jamais faria isso.

Madame Catherine abriu a porta e Sarah saiu para a recepção onde o marido
a aguardava. A senhora Castle respirou fundo, ansiosa para saber o que ele ia
achar, vestida daquele jeito. Queria seu xale de volta e seu chapéu negro,
mas tudo isso lhe foi tirado. Pediu a Madame Catherine que guardasse o
vestido velho na caixa, pois, pertencera a sua mãe e não queria se desfazer
dele, mesmo que não voltasse a usá-lo por algum tempo.

Ela não reconheceu a si mesma quando se observou através do espelho. O


tecido do vestido verde escuro era leve. A cintura elevada, estava abaixo de
seu busto, e a saia era longilínea e fluída. Musselina, madame Catherine
dissera. Por baixo, Sarah usava uma malha branca para disfarçar a
transparência. As mangas eram compridas, o decote redondo. Levou a mão

ao peito e clareou a garganta, tentando se acalmar.

Hayden se atentou para o movimento às suas costas e virou-se. Sarah estava


parada do outro lado, com os cabelos presos em um coque, deixando alguns
cachos dourados soltos. Madame a havia maquiado o suficiente para deixá-la
com aspecto mais saudável. E o vestido? Não. Não era o vestido que a
deixou bonita, mas sim sua bela esposa que havia dado vida à peça de roupa.

Madame Catherine lhe entregou a retícula e o spencer da mesma cor do


vestido.

— Obrigada. — Sarah agradeceu com leveza.

Como a madame lhe ensinara, nunca deveria alterar a própria voz, em


hipótese alguma. Uma mulher distinta nunca aparecia pelo que dizia, mas a
maneira como se conduzia dentro de um ambiente, com discrição e fluindo
beleza. As mulheres deveriam deslizar e não caminhar. Deveriam sorrir e
não dar risadas.

Os olhos de Hayden brilharam satisfeitos, embora ele continuasse sério.

Madame Catherine sorriu ao ver o desejo estampado no semblante de seu


cliente. Era óbvio que ele estava apaixonado pela esposa, apenas um tolo não
notaria isso. E a senhora Castle se derretia na presença do marido.

— Como estou? — Sarah perguntou tentando aliviar as sensações que a


inundavam diante do olhar dele.

Hayden lhe fez mesura e depois tomou sua mão para um beijo.

Sarah ansiara por aquele momento. O toque dos lábios dele em sua mão
havia povoado seus pensamentos a ponto de deixá-la louca. A mão dele era
quente e os lábios também quando tocaram a pele de Sarah e ela adorava
aquela sensação que lhe despertava. Sentia vontade de se aproximar mais e
abraçá-lo. Ela tremeu e Hayden levantou os olhos para ela, estavam escuros.

— Está lindíssima, senhora Castle — elogiou com sinceridade.

Ela ficou tímida e tinha certeza que estava vermelha outra vez, podia sentir o
rosto queimar.

— Obrigada, senhor Castle — respondeu, tensa.

Ele a encarou por alguns segundos antes de voltar-se para Madame


Catherine.

— Pode mandar colocar tudo em minha carruagem? Eu e minha esposa


vamos dar uma volta no parque.

Sarah ficou surpresa.

— Vamos?

— Sim, quero conversar com a senhora antes de voltarmos para casa.

Ela concordou.

Hayden pegou o casaco da mão de sua esposa e a ajudou a vesti-lo, passando


as mãos pela nuca delicada. E mesmo que o movimento não tenha sido
intencional, ambos sentiram o toque e se calaram em suas próprias
impressões. Ela voltou-se para ele constrangida, e o marido lhe ofereceu o
braço. Sarah deslizou a mão pelo tecido do grosso casaco, enlaçando naquela
aproximação perturbadora.

Madame Catherine sorriu diante da visão bonita do casal e a vendedora


suspirou.

— Vamos, Norah, ande depressa e leve tudo para a carruagem do senhor


Castle. — Ela mandou.

— Sim, senhora.
Sarah e Hayden caminharam pelas ruas de Londres em silêncio, apenas
sentindo a presença um do outro. Ela estava tão nervosa, que tinha certeza
que a voz falharia. Ele permanecia olhando para frente até que chegaram ao
parque onde outras pessoas passeavam. Ele cumprimentou algumas pessoas
e Sarah fez o mesmo. Madame Catherine lhe explicou a importância de ser
simpática, mesmo quando sua vontade fosse de gritar ou xingar qualquer
pessoa. Uma dama nunca demonstrava seus sentimentos e em hipótese
alguma permitia que as pessoas soubessem de sua vida pessoal. Não seria
difícil para Sarah, ela estava acostumada a esconder os seus sentimentos e
nunca falava de sua vida para ninguém. Algumas coisas, ela não teria
dificuldade alguma em fazer, já fazia parte de sua natureza.

— Momentos como esse me faz sentir vivo. — Ele comentou.

— Vivo?

Ela também se sentia muito viva com a presença dele.

— Às vezes, o trabalho me deixa cansado e passear é a melhor forma de


repor as energias — comentou.

— Madame Catherine comentou que é um político.

Ele a encarou.

— Sim, senhora.

— Por que não me contou?

— Isso é importante?

— Claro que é. Estou surpresa que tenha se casado com uma moça

desconhecida de origem tão inferior.

Ele parou de caminhar e a encarou:

— Senhora. Meu pai era um fazendeiro da Virginia que lutou muito para
conseguir elevar seu patrimônio — contou. — Não tenho origem nobre, se é
isso que pensa. Quando criança, recordo de minha mãe remendando nossas
roupas para que pudéssemos ir à escola. Não pense que não sei o que é viver
no limite de suas posses, porque eu sei. Sou um político para ajudar o povo
da Virginia, porque a vida me levou a isso e não porque venho de uma
família tradicional.

— As pessoas por aqui não sabem disso?

— As pessoas veem o que lhes interessa, que é a minha posição social e o


meu dinheiro — explicou. — E não o que fui ou o que sou.

— Não sei se estou preparada para enfrentar essas pessoas, senhor Castle.

As coisas estão acontecendo muito depressa.

Ele segurou as pequenas mãos entre as suas, lhe dando conforto.

— Não vou deixá-la sozinha se é isso que teme — assegurou e ela sentiu um
imenso alívio.

— Não quero envergonhá-lo! — falou, ressentida. — E temo que a minha


falta de tato com as etiquetas sociais possa ofender seus convidados e ao
senhor.

— Sempre se preocupando com os outros. — Ele sorriu daquele jeito


charmoso. — Fique tranquila, não vou lhe exigir mais do que pode me dar.

— Obrigada. — Ela agradeceu mais tranquila.

— Começamos uma vida juntos, senhora Castle, e não se cobre muito, eu


também nunca fui casado.

Ela fez que não, tentando não se encantar ainda mais por ele. Mas era
inevitável, seu marido era um homem incrível.
— O senhor tem um jeito muito displicente de encarar os fatos. — Ela o
reprovou.

— E a senhora vê problema em tudo. — Ele colocou a mão dela em seu


braço outra vez e voltaram a andar. — Espero que entremos em um
consenso.

— Entraremos — assegurou. — Temos a vida toda pela frente.

Ele concordou.

— Gostaria de saber se importaria que eu fosse ajudar no salão da igreja


enquanto estivermos em Londres? — perguntou, ansiosa.

— Alguns dias — concordou. — Em outros, nós teremos jantares nos

quais devemos participar — avisou.

— Eu irei durante o dia. — Ela retorquiu.

— Não vou impedi-la de fazer o que deseja. — Ele prometeu. — Mas deve
ir apenas na companhia de Dorian.

— Dorian?

— Meu cocheiro e braço direito — explicou. — Confie apenas nele se


precisar de qualquer coisa quando eu não estiver presente.

— Certo. — Ela concordou.

— Não quero que passe necessidade de nada — prosseguiu: — É minha


esposa e zelo por tudo o que precisar, entendeu?

— Sim.

Embora, Sarah soubesse que com pouca coisa fosse feliz. Não precisava de
milhares de vestidos caros, joias. Hayden havia permitido que fizesse seu
trabalho com os mais necessitados, e já era o suficiente para se sentir feliz.
Retornaram para a carruagem e foram direto para a propriedade do Duque de
Orange. Sarah admirou os portões de ferro altos quando se abriram e o
jardim de grama verde e esculturas gigantes de pessoas, pareciam deuses da
mitologia. A carruagem parou diante da mansão e soldados estavam diante
das enormes portas. Estava fascinada com aquele mundo tão cheios de
detalhes e bem diferente do seu.

— É muito bonito o lugar — elogiou quando ele a ajudou a descer da


carruagem.

Ele segurou a mão dela e a sentiu tremer.

— Perdoe-me, estou ansiosa — explicou tirando sua mão.

— Não fique preocupada, eles não mordem — debochou.

— Vamos ficar hospedados aqui? — Ela sussurrou para ele enquanto subiam
as escadas de mármore e a porta enorme era aberta por um empregado
uniformizado.

— James. — Hayden o cumprimentou.

— Senhor Castle. — O homem pegou o casaco de Hayden e Sarah.

— Esta é minha esposa senhora Sarah Castle. — Ele a apresentou.

Ele fez mesura e Sarah também. Entraram pelo corredor iluminado e coberto
de quadros nas paredes.

— Os Orange são uma das famílias mais antigas da Inglaterra. — Ele lhe
explicou. — Vamos falar com Timothy. Ele é o Duque. E também há
Eleonora, prima de Timothy, e ela é filha de um Grão Duque Russo. Eles se

casaram no último verão. O casamento foi arranjado pelo Rei Jorge III.

Ela ouvia tudo atentamente.

— Gosto deles porque são excêntricos e Timothy é uma pessoa mais


tranquila de tratar. Estudamos juntos em Oxford.
— Entendi. — Ela sussurrou e as portas do grande salão foram abertas para
eles.

Sarah apertou a mão de Hayden ao notar que era uma festa com dezenas de
convidados e não um simples jantar.

— Posso fugir? — Ela murmurou entre os dentes sem mover os lábios.

Hayden riu e a fitou:

— Não. — E a puxou para dentro.

No primeiro momento, Sarah foi apresentada aos donos da casa. Eram


exatamente como Hayden havia lhe dito. Depois seguiu a uma série de
apresentações e como Madame Catherine lhe disse: não se apague aos
nomes dos homens e sim das esposas, é com elas que a senhora vai conviver.
São essas mulheres insuportáveis que lhe darão a carta branca para
conviver entre elas. Não diga muito, apenas o essencial. Deixe que seu
marido crie toda a história e apenas confirme depois.

Elas fitavam Sarah com desdém, mas sorriam com os lábios de forma
simpática. Sabia que muitas delas dariam a alma ao diabo para estarem em
seu lugar. Mas não estavam e ela era a senhora Castle e faria jus à confiança
que o marido lhe depositava. Agiu com a máxima educação. Não bebeu e
também não falou, deixou que o marido tomasse conta da situação. Ele era a
estrela, ela apenas parte do brilho. Sorriu para si. Madame Catherine teria
orgulho dela.

— Estou tão surpresa que tenha se casado, Castle. — A Baronesa de


Bourbon comentou com ironia e intimidade. Sarah se atentou imediatamente
para aquela atitude grosseira. — Ainda mais porque chegou à Inglaterra sem
uma esposa.

— Minha esposa veio no navio seguinte. — Ele respondeu com segurança.


— Não conseguiu ficar longe de mim — sorriu para Sarah.

— Eu também não conseguiria. — A Baronesa comentou, indiscreta.


Sarah sorriu com falsa simpatia. Não gostou daquela mulher dando em cima
de seu marido de forma tão vulgar e diante de todos.

— Sendo meu marido um homem tão honrado, senhora, compreendo


totalmente suas palavras. — Sarah retrucou com a voz tranquila e sorriu para

a mulher arrogante e mal-educada.

— Vejo que está apaixonada...

— Embora não seja de bom tom discutir sentimentos em público, não teria
me casado com o senhor Castle por qualquer outro motivo, ou teria? —

desafiou a mulher.

Os homens presentes à roda de amigos seguraram as risadas, mas foi


inevitável que a Baronesa ficasse quieta e abrisse o leque para se abanar e
esconder a raiva que sentia por ter sido desmoralizada com tanta educação.

Sarah manteve o sorriso no rosto, como se tivesse falado sobre as flores do


jardim. Não era tola. Podia ser ingênua com relação a alguns assuntos, mas
de onde viera, pessoas baixas como a baronesa existiam aos montes.

Hayden a segurou pelo braço com delicadeza e pediu licença. Ele a levou até
o lugar mais reservado do salão. Sarah aguardava que ele a repreendesse.

— As danças vão começar — avisou.

Era sobre as danças. Ela quase suspirou, aliviada.

— Não sei dançar — respondeu, aflita.

— Vamos sair discretamente. — Ele sorriu para ela e apontou a porta que
dava para o corredor.

— Não é ruim que façamos isso? — Ela o questionou.

— Sim. Mas prefiro bancar o marido possessivo e que pensem que quis ficar
a sós com minha esposa do que vê-la pisar nos pés da maioria dos
cavalheiros — desculpou e Sarah concordou virando-se sem hesitar e saindo
pelo corredor, seguida por ele.

SUBIRAM AO QUARTO do qual ela se recordava de ter acordado, na noite


anterior. Sarah rapidamente se sentou na cama e tirou as sapatilhas, seus pés
a estavam matando. Daria tudo por um balde de água fumegante para
colocá-los e relaxar. Andara muito na noite anterior para chegar à igreja de
Sant Paul e seu pé estava cheio de bolhas. Gemeu ao tirar as meias delicadas
e massagear os pés.

Hayden tirou a casaca e a colocou sobre as costas da cadeira, depois


desabotoou a gola da camisa e os punhos e olhou para a esposa. Ela havia
tirado as meias e sem qualquer compostura erguera a perna para massagear
um dos delicados e lindos pés. Ele podia vislumbrar a parte da perna
graciosa. Sarah sentiu o olhar sobre si e levantou a cabeça, dando-se conta
do que estava fazendo e da forma como o marido a observava.

Abaixou a perna e a tampou com a saia de seu vestido.

Então, deu-se conta que estavam sozinhos no quarto. E aquela seria sua noite
de núpcias. Não podia compartilhar o leito com ele, era repugnante.
Ficaria sem roupa e o que viria depois? Com certeza, sua mãe nunca lhe
disse nada porque era vergonhoso, humilhante e desesperador.

Hayden sabia que Sarah estava nervosa, podia ver o modo como ela tremia,
olhando-o de soslaio, tentando sorrir quando parecia querer rosnar.

Atribuía tal nervosismo ao fato de estar a sós com ele e ser virgem. Com

certeza, ela não fazia ideia do que acontecia entre um homem e uma mulher
e isso o deixou curioso. Nunca se deitara com uma virgem, sempre com
mulheres experientes, portanto, também seria uma novidade para ele.

Mas, ele a trataria bem o suficiente para que pudessem compartilhar o leito
diversas vezes e logo, ela estivesse grávida. Pudica como ela era, ele sentia
que teria certa dificuldade em fazê-la aceitar da necessidade de ele ter que
tocá-la para que o ato fosse consumado. Sentia que ela estava prestes a
correr para a janela, pular e desaparecer.

— Estou com sede. — Ela falou.

— Sede? — Ele franziu o cenho. Esperava que ela dissesse qualquer coisa,
menos isso.

— Sim.

— Não quer tomar um vinho? — Ele propôs.

— Não bebo, senhor. A bebida embriaga e não é bom. — Ela apertava as


mãos olhando para elas.

— Talvez devesse experimentar, já que aparenta estar tão nervosa.

Ele havia notado e isso a deixou mais constrangida.

— Seria errado. — Ela o fitou.

— Uma taça não faz mal a ninguém, senhora. — Ele foi em direção ao
móvel e abriu o vinho para servir as taças e voltou para perto dela. — Até
mesmo, Jesus em um casamento bebeu vinho.
Contra isso, ela não tinha argumento. Pegou a taça, seus dedos roçaram e
Sarah puxou a mão, depressa. Não queria que ele a tocasse. Não era certo,
era luxúria, mesmo que a pele dele tivesse lhe presenteado com uma
sensação ardente.

— Obrigada — agradeceu tentando acalmar as batidas de seu coração.

Ele levou a taça aos lábios e ela ficou ansiosa por vê-lo tomar, mas ele parou
e ergueu a taça no ar.

— Vamos brindar ao nosso casamento — sugeriu.

— Ao nosso casamento. — Ela concordou pegando sua taça e bateu contra a


dele e o viu beber. — Não vai beber?

— Sim. — Esperava que fosse ruim, mas a bebida desceu deliciosa por sua
garganta. — É bom. — Ela admitiu.

— Está vendo... — Ele sorriu bebendo da própria taça.

Ele a fitou por um instante e concordou. O vinho seria bom para que ela
aceitasse o que estava prestes a acontecer, e a faria relaxar. Uma ou duas

taças seria o suficiente. Sarah passou a língua pelos lábios, sentindo o sabor
do vinho, sem perceber que isso atraíra a atenção de Hayden. Ele serviu mais
vinho para ambos e a fez beber mais um pouco.

— Que vinho bom. — Hayden elogiou e olhou o rótulo. — Comprarei mais


dele para levar à América.

Sarah tomou mais alguns goles até a taça esvaziar.

Hayden pegou a garrafa e se aproximou, enchendo a taça de Sarah mais um


pouco. Ele andou até a janela e abriu as cortinas. Seu corpo queimava de
ansiedade por ter sua esposa. Bebeu mais vinho. Ver aquela delicada língua
escorregar pelos lábios, mexeu com sua libido como nunca antes.

Sarah olhou para o marido. A luz da lua batia contra os cabelos escuros,
deixando-o com um aspecto surreal. Tinha que admitir que ele realmente
fosse bonito, fazendo seu peito arder de ansiedade. Jamais pensou que se
sentiria assim ao olhar para um homem. Nervosa, bebeu mais do vinho
esperando se acalmar, mas não conseguia.

Hayden olhou para Sarah como se fosse uma mulher despudorada, os olhos
claros se tornavam escuros enquanto ele se voltava para ela. O

americano desabotoou e abriu o colete. O quarto ficara quente, sem


explicação alguma. Até mesmo para ela.

Sarah levou a mão ao pescoço respirando fundo para controlar as batidas de


seu coração, enquanto Hayden caminhava pelo quarto olhando diretamente
para ela. Ficou ansiosa se perguntando quando ele começaria com a sessão
de tortura. Sua respiração ficou pesada quando o marido tirou o colete,
expondo o tórax definido sob a camisa branca. Ele possuía ombros largos e
ela se perguntou como seria ser abraçada por ele.

Jamais fora abraçada por um homem.

O que estava fazendo? Estava confusa, sem conseguir tirar os olhos do


marido. Ela sentia como se derramasse pólvora dentro do próprio corpo.

Hayden parou diante dela. Não sabia explicar o que ocorrera naqueles
últimos minutos, mas sentia uma vontade súbita de experimentar os lábios da
esposa e seu sangue pulsava forte de desejo. Sabia que deveria ser gentil,
mas sutileza era algo que não passava por sua mente naquele momento.

— Fique de pé. — Ele pediu.

Sarah engoliu em seco mais uma vez, embora sua garganta parecesse estar
bloqueada por uma necessidade estranha. Não queria fugir dali, precisava
ficar. Ergueu-se como uma esposa submissa sob a ordem do marido. Não era

isso que as mulheres deveriam fazer? Perguntou-se confusa enquanto se


erguia e sentia o calor do corpo dele próximo ao seu. Não havia para onde
fugir, se desse um passo para trás, cairia deitada sobre a cama e isso parecia
tão indecente com ele tão perto.
Jamais estivera tão próxima de um homem e não era ruim. Há alguns
minutos, ela sentia um repúdio inexplicável por pensar que ele a tocaria,
agora, não parecia tão insuportável assim. As mãos de Hayden seguraram
seu rosto e a pele de Sarah queimou com o contato. Era bom. O olhar dele
perdeu-se nos olhos verdes e depois desceram pelo nariz reto e pararam nos
lábios entreabertos. Ela tinha dificuldade para respirar, como ele. E não era
pela bebida, haviam bebido o mínimo. Era desejo. O mais puro, verdadeiro e
genuíno anseio que ele já sentira.

“Não”, uma voz dizia dentro dela, mas Sarah não conseguia pronunciar.

Precisava fugir, mas seus pés não se moviam. Tinha que empurrá-lo, mas
seus braços estavam pesados, nada em seu corpo obedecia ao seu

juízo,

apenas correspondiam às emoções fortes.

Sarah nem saberia nomear aquelas estranhas sensações. Era como se a


pólvora deixada dentro de sua alma, agora fosse incendiada pelas mãos de
seu marido e ela não pudesse mais controlar sequer seus pensamentos. A
única coisa coerente na qual conseguia pensar era como seria se os lábios
dele tocassem os seus. Mesmo que fosse errado ou pecado.

— O que está fazendo? — sussurrou, lânguida.

— É a mulher mais bonita que já conheci, Sarah. — Ele murmurou com a


voz carregada de desejo.

Estava perto o suficiente para notar os olhos verdes como os campos da


Virginia. Ele desamarrou o cordão do vestido e a fita escorregou por seus
dedos e o jogou de lado. Ele levou a mão aos grampos que prendiam aqueles
lindos cabelos e ela engoliu em seco. A cada segundo caminhavam para o
desconhecido e ela sentia o corpo inflamar de aflição.

Sarah sentia-se exposta de uma forma inexplicável, como se mostrar seus


cabelos a ele era entregar parte de si mesma.

— Faz parte do ritual? — perguntou, nervosa.


— Ritual? — Ele tocou os cachos sedosos que caíam sobre os ombros e
desciam até a cintura. Ela ficava lindíssima com os cabelos soltos.

— Sim — ficou com vergonha de explicar e limpou a garganta para explicar.


— A noite de núpcias, senhor...

Hayden compreendeu.

— Sim. Estamos apenas começando.

Hayden olhou atentamente para aqueles lábios, passando o polegar por eles.
Sarah fechou os olhos, perdida naquele estranho gosto e, ele se aproximou
devagar, como em uma tortura, como se estivessem enfeitiçados, sem
controle algum sobre o seu bom senso. Aquela repulsa inicial se esvaiu.

Ela esperava a dor que viria.

Primeiro, ela sentiu o hálito quente, tinha o cheiro de uvas. Depois, foi o
toque de veludo dos lábios dele sobre os dela. Era magnífico, cáustico e
fazia seu coração bater muito rápido.

— Senhor. — Ela hesitou sem entender o que ele fazia.

— Shhh. — Ele fez que não e a encarou. — Estamos no caminho certo.

Fique tranquila.

Ficar tranquila? Como? Ela não tinha ideia do que estava por vir. Como as
coisas se davam e ele queria que ela ficasse calma?

Hayden deslizou as mãos pelos cabelos e beijou-a devagar. Deixando-a se


acostumar com aquela sensação de torpor do toque de um homem e uma
mulher. Beijou-a uma vez, duas, antes de deslizar a língua pelos lábios e
ouvi-la soltar um fraco gemido. As pernas de Sarah ficaram bambas e ela se
apoiou nele. Aquilo era um beijo? Era a sensação de água morna sobre a
pele, ou chuva fria em um dia quente.

— O que é isso? — Ela quis saber, envergonhada.


— É um beijo — explicou com calma. — Assim que começamos o ritual.

Ela não sabia que os beijos eram daquela forma. Era bom e não lhe dava
certo receio. E não estava lhe causando qualquer dor, pelo menos.

— Hum. — Ela concordou, obediente.

Ele usou a língua para abrir os lábios inexperientes, sentindo seu membro
latejar pela necessidade de tê-la em seus braços. Era dolorido e insuportável.

Jamais saberia explicar o que estava lhe acontecendo.

— Abra os lábios para mim, Sarah. — Ele a chamou pelo nome de batismo e
ela ficou com o corpo escaldante. Céus! Seu nome era o idílio saindo dos
lábios dele. Era música embriagadora.

— Não sei fazer isso — admitiu.

— Faça como eu. — Ele pediu. — Feche os olhos e sinta...

Aquilo era uma questão de confiança e Sarah se sentia impelida a obedecer.

— Sim... — respondeu hipnotizada pela súplica. Ela abriria sua alma para
ele sem hesitar. Precisava disso sem entender.

Abriu os lábios, e ele a penetrou com a língua e Sarah o aceitou de uma


forma tão única que as mãos dele desceram pelos ombros apertando-a contra
si. O corpo dela era frágil, delicado e as roupas impediam que Hayden a
sentisse por completo, ele queria mais.

Beijou-a como se saboreasse frutas exóticas, passou a língua pelos lábios,


pela tímida língua que tocava a dele, inexperiente. Ela apenas fazia como ele
havia mandado e não era ruim.

Ele mordeu o lábio inferior, o sugou, e voltou a beijá-la com torpor e


esqueceu de onde estavam e quem eram. A única coisa que ele tinha certeza
era que estava com sua esposa nos braços e precisava perder-se para sempre.
As mãos experientes dele desceram pelos braços e cingiram a fina cintura,
apertando-a contra ele, fazendo-a gemer, perder o ar enquanto a beijava,
absorvendo todo o prazer que ela podia lhe dar. Sarah não pensava mais, seu
corpo era fogo, paixão e loucura. Ela jamais saberia dizer quando foi que se
perdeu e esqueceu da moralidade e dos bons costumes. Sua cabeça girava e o
corpo parecia ter vida própria.

Quando Hayden abandonou seus lábios para tomar a curva do pescoço, ela
pensou que não suportaria o prazer que a dominou. Agarrou-se a ele,
desesperada por mais, enquanto ele mordia, lambia sua pele, levando as
mãos à frente de seu vestido para abrir os botões.

Ela segurou as mãos dele e se encararam.

— Não podemos... — murmurou sem saber o que fazia.

— É o que devemos fazer — assegurou.

— Mas as roupas? — questionou com certo receio.

— Sim, temos que tirar as roupas. — Ele ressaltou. — Pode ser feito com
roupas, mas para uma primeira vez não é tão confortável.

— Talvez, eu não consiga. — Ela engoliu em seco. — Jamais... Nunca...

— Sarah não conseguia ter um pensamento coerente. Uma mistura de medo


e aflição a assombrava.

— Deixe-me continuar. — Ele pediu suavemente. — E se sentir qualquer


coisa que lhe desagrade, eu paro. Prometo.

Ela acreditou na verdade que enxergou naqueles olhos azuis.

— Está bem...

Devagar, Hayden tirou a mão dela e tomou os lábios novamente,

enquanto voltava a abrir os botões do vestido.


Talvez, Sarah tivesse consciência de sua nudez quando sentiu o ar fresco
contra sua pele. Porém, estava tão necessitada de senti-lo mais que sequer
parou para pensar a que ponto haviam chegado. Ele afastou o vestido dos
ombros e o desceu para a cintura. Hayden a empurrou e Sarah caiu sentada.

Ele se ajoelhou diante dela e ergueu a camisa tocando levemente os seios


pequenos e lindos.

— Isso é tão impróprio. — Ela falou sem muita convicção.

Sua pele queimava ao toque dele.

— Sim. — Ele concordou antes de abaixar a cabeça e lhe beijar os seios.

Eram tão macios e deliciosos que poderia passar horas tocando-os que não se
saciaria.

Sarah despertava nele um lado selvagem que desconhecia. Hayden a deitou


contra a cama e tirou o resto do vestido, saia por saia, o corpete, as meias,
até deixá-la completamente nua. Gemeu diante da beleza de sua esposa e
deitou-se sobre ela, beijando-a, esfregando seu corpo ao dela. Ele tomou o
pescoço, o colo, sugou os seios duros pelo toque. Levou a mão ao centro das
pernas femininas e a sentiu molhada, acariciando a parte mais sensível do
corpo de sua esposa, fazendo-a mordê-lo no ombro, arranhá-lo com fúria,
jogando a cabeça para trás.

Sarah já não tinha qualquer poder sobre si mesma. Seu corpo se tornara
propriedade do marido, e perdera qualquer pudor. A única coisa que ela
conseguia pensar era o quanto era bom ser tocada por ele.

Ela queria mais.

Hayden queria tudo.

Sarah acompanhou o movimento de seus dedos e ele aproveitou para se


colocar entre as pernas dela e tomá-la. Ele rompeu a barreira de sua
virgindade com paixão e ela mal sentiu a dor, tomada pela lascívia que a
corrompia. Certa ardência a tocou, mas Sarah estava perdida nas sensações
inesperadas de seu corpo.
Hayden se moveu dentro dela e gemeu alto ao senti-la apertada. Apoiou as
mãos no colchão e ergueu o corpo, para entrar mais, enquanto colocava as
pernas dela envolta de seus quadris para facilitar seus movimentos. Ambos
sentiram a vibração do prazer e ele saiu e entrou novamente, repetindo o
movimento até que não pôde mais se controlar e seguiu remetendo dentro da
esposa, quente e molhada, ardendo por ele.

— Hayden... — Ela murmurou o nome dele e disse coisas incoerentes que


não sabia ser capaz de pronunciar.

Sarah explodiu em seu primeiro orgasmo. Hayden abaixou-se sobre ela e a


beijou, passando a língua por seus lábios, se movendo duro dentro dela outra
vez, logo em seguida. Ele jamais se sentira assim com uma mulher antes.
Nunca ele conseguiu estar pronto tão depressa, seu corpo era pura chama e
ele precisava experimentar de sua esposa como se sua vida dependesse disso.

E era recíproco.

Sarah o abraçou correspondendo ao beijo. Acabara de ter a experiência mais


intensa de sua vida, certa de que precisava dele outra vez. Ardentes, os
amantes sequer dormiram nas horas seguintes. Seus corpos não lhes
pertenciam mais. Eram o desejo, a luxúria e se entregaram um ao outro sem
restrições.
SARAH MOVEU-SE LANGUIDAMENTE enquanto acordava. O sol
estava alto no céu e seus raios invadiam o quarto através da cortina clara.

Demorou alguns segundos antes de ter compreensão de onde estava: no


quarto da casa dos Duques de Orange. E que estava nua sob os cobertores
que cobriam seu corpo marcado pelo prazer que compartilhara com o
marido.

Sentou-se na cama depressa e olhou ao redor procurando por sua roupa. O

que lhe acontecera? Era para terem dormido a noite toda e o que fizeram?
Ela deveria ter dito não e Hayden respeitado sua exigência, mas ele fez o
contrário e ela também.

Deixara seu marido tocar seu corpo de maneira... maneira... pecaminosa,


pensou recordando-se dos acontecimentos da noite anterior e sentindo um
calor incomum pelo corpo. Teve consciência de que o pecado era bom.

Oh, céus! Estava condenada ao inferno! Agira como uma meretriz!

Hayden deveria estar pensando que era uma qualquer e não merecia
respeito!

Como pode? Deveria ter sido o vinho! Do contrário jamais se entregaria.

— Perdão! Perdão! — Ela dizia a si mesma, desesperada. — O que foi que


eu fiz? Onde estava com a cabeça?

Precisava expurgar o pecado de seu corpo e conseguir o perdão divino.

Pensando assim, levantou-se correndo e pegou um dos vestidos que madame


Catherine separou para ela, as mãos estavam trêmulas. Mãos que tocaram
o...

Oh... Ela tocara aquilo que ficava entre as pernas de seu marido, colocara os
lábios sobre ele e gostou do que estava fazendo, vendo Hayden jogar a
cabeça para trás, saboreando o momento.

Ela abanou o rosto com a mão. Estava com o demônio no corpo, era isso!
Aquele homem trouxera a maldição para a sua vida e ela não se reconhecia
mais. Precisava se confessar e procurar uma maneira de tirar aquele desejo
que não lhe pertencia da alma. Estava contaminada pela luxúria e se
morresse naquele momento iria ao inferno.

Nunca mais permitiria que o marido a tocasse daquela forma. Tinha que
deixar bem claro que o corpo servia apenas para a reprodução rápida e sem
qualquer tipo de emoção carnal. Tentando não pensar no que lhe acontecera
e nas horas tórridas de prazer que haviam compartilhado, ela deixou o quarto
apressada. Tinha a sensação que todos sabiam que ela era uma corruptível
imunda.

Era disso que as esposas fugiam! Ela compreendeu. Da imundície da carne


que as corrompia! E Sarah havia gostado, por Deus! Adorou cada segundo.
Precisava se confessar com urgência ou morreria afogada nas lembranças de
sua devassidão.

Deixou a propriedade pelos fundos e caminhou o mais depressa que pôde até
a igreja mais próxima. Estava cega, chorando com medo que não existisse
perdão para o mal que havia feito. Segurando seu terço e colocando o véu
negro sobre sua cabeça, ela se aproximou do confessionário e se ajoelhou. O

padre abriu a portinhola.

— Bom dia, minha filha.

— Bom dia, padre. — Ela soluçou.

— O que lhe aflige?

— Eu pequei, padre.

— Pecou? Conte-me, filha — pediu com sua voz carregada de paz.

— Padre — ela hesitou —, eu pequei... De forma lasciva. Entreguei meu


corpo à luxúria e passei a noite na perdição, padre.

Ela disse tão envergonhada que queria ser fulminada por um raio.
— Sabes, filha, o que diz as Escrituras Sagradas: não pecar contra a
castidade.

— Eu sei. — Ela enxugou as lágrimas segurando o terço com firmeza. —

Não sei o que houve, padre. Era para que passássemos a noite dormindo, e
acabamos nos entregando ao pecado, caímos em tentação. — Lamentou a

última palavra.

— E por que ficaram a sós, filha? — Ele a recriminou. — Bem sabes que
não deves ficar a sós com um homem.

— Eu sei. — Respondeu, envergonhada. — Mas ele é meu marido, padre.

Não podia dizer não, podia?

— Estás a falar do teu marido? — Ele perguntou, surpreso.

— Sim, padre. E com quem mais seria?

— Filha, a senhora tem a obrigação de entregar teu corpo ao teu marido.

Sarah olhou para a grade que os separava, chocada.

— Mas, padre, as coisas que senti são do diabo. Ele tocou meu corpo e me
fez tocar o dele — falou, indignada. — Não posso descrever o quão terrível
foi...

Formidável e delicioso, corrigiu-se com vergonha.

— Mesmo que tenha sido odioso para a senhora — ele explicou —, no livro
de Efésios, das escrituras sagradas, Deus diz que a mulher deve ser submissa
ao marido e ele deve honrá-la.

— Também sei disso — murmurou em um fio de voz, triste. Não havia


honra alguma no que fizeram.
— A senhora não pode negar ao seu marido o direito de desposá-la seja
como for. — O padre a avisou, severo.

— Mas, padre...

— A senhora estará pecando contra Deus se não fizer o que seu marido
desejar. Ele é a autoridade em sua casa, em seu lar. A senhora não pode
desrespeitá-lo, compreende? É como se a própria igreja deixasse de adorar a
Deus — comparou.

— Sim, padre.

— Fez um juramento santo quando se casou e está ligada a este homem até o
fim de seus dias, não pode mudar isso.

— Sim, padre — respondeu sem graça.

— A mulher que se sente superior ao homem é rixosa e Deus a castigará


com a infidelidade de seu marido. — O padre sentenciou. — Imagine o que
diriam as pessoas, se seu marido devolvesse aos seus pais ou até mesmo a
abandonasse porque a senhora não cumpre com seus deveres?

Sarah levou a mão ao peito. Ela morreria se Hayden a devolvesse ao seu pai
ou a abandonasse. Seria uma mulher marcada pela vergonha e não a
aceitariam mais no convento, já que sua castidade fora tirada. Ela conhecia o

pecado, a tentação e a luxúria, sua alma estava perdida para sempre. O amor
lhe trouxera alguns outros sentimentos e sensações com as quais não estava
preparada para lidar.

— Seja uma boa esposa, não importa como. — O padre aconselhou.

— Sim, padre.

— Reze cem ave-marias e cem pais-nossos. E toda vez que sentir


necessidade de envergonhar seu marido ou lhe ser rebelde, ajoelhe-se sobre
o milho e peça perdão setenta vezes sete, até se sentir purificada. — Ele a
puniu. — Pode ir, minha filha.
— Obrigada, padre.

Sarah levantou-se do confessionário, derrotada. Teria que se submeter às


noites de luxúria ao lado do marido porque era o que Deus exigia. O que
seria de seu corpo e sua alma se sentisse aquele prazer todos os dias? Como
iria encarar as pessoas nas ruas ou rezar a Deus quando seu corpo estava
entregue ao pecado? Seu marido era um homem corrompido e fez o mesmo
com ela.

E se o senhor Castle tivesse algum pacto com o demônio? Talvez fosse isso.
Estava perdida! Por que as mulheres reclamariam e algo tão bom? Para
Sarah não havia sentido toda aquela situação constrangedora e não havia
com quem conversar. Morreria engasgada na própria língua, antes de contar
a alguém o que lhe ocorria. Nem mesmo madame Catherine poderia saber.

Seguiu rezando pelo caminho de volta à propriedade, sentindo-se mal, sem


saber como deveria agir nesse sentido. Afinal, como o padre mesmo dissera,
ele era seu marido e ela lhe devia submissão. Mas até que ponto?

Com vergonha de sua própria rebeldia e as dúvidas que assolavam seu


coração diante da vontade de Deus, voltou para a propriedade dos Orange,
cabisbaixa.

James lhe abriu a porta e ela percorreu o corredor até chegar à primeira sala.

— Ela voltou. — Eleonora constatou, aliviada.

Sarah ergueu o olhar e viu Hayden, o Duque e Lady Eleonora. Olhar para o
seu marido fez com que seu coração batesse depressa e ela tivesse vontade
de fugir. Mas conteve-se. O que ele fazia com ela? Por que tinha vontade de
pedir por mais beijos?

— Onde estava? — perguntou, preocupado enquanto se aproximava. —

Não a encontrei em parte alguma e a senhora não deixou recado.

Apenas naquele momento, ela se deu conta de sua indiscrição.


— Desculpe-me — olhou para ele com pesar e depois para os donos da casa.
— Eu fui à igreja rezar e esqueci de avisar. Sinto muito.

Hayden mostrou-se aliviado.

— Da próxima vez, seja mais cuidadosa. Eu não fazia ideia de onde procurá-
la. — Ele a reprovou.

— Sim, senhor.

— Que mulher maravilhosa que o senhor tem, senhor Castle. — Lady


Eleonora comentou com sinceridade e sorriu, o cabelo muito negro
brilhando enquanto se movia pela sala. — Quantas ainda são realmente
tementes a Deus?

Sarah a fitou com admiração. Lady Eleonora era tudo que uma dama
precisava ser para brilhar e fazer bem ao nome do marido. Ela e o Duque
faziam um belo casal e estavam sendo gentis com Sarah desde que ela
chegara à casa. Sequer discutiram o fato de Hayden ter chegado solteiro e do
dia para a noite se casado com uma inglesa que jurava ter vindo dos Estados
Unidos atrás do marido. Apenas amigos fiéis não questionariam tal história
mal contada.

— Verdade, senhora. — Ele limitou-se a concordar.

— Entendo sua indiscrição, senhora Castle. — Eleonora se aproximou. —

Às vezes, queremos tanto o bem de nossa família em nossas orações que


esquecemos de certas regras, isso é louvável.

Sarah limitou-se sorrir. Não sabia se a Duquesa comentara daquela forma


para ajudar Sarah a fugir de seu ato inconveniente ou se realmente acreditava
no poder da oração de uma esposa por sua família. Preferiu acreditar nos
dois. Uma esposa sair de casa sem dizer a que lugar ia, podia causar uma
mancha em sua honra, inoportuna.

Hayden estranhou o fato de Sarah não olhar para ele diretamente, seguindo
com os olhos presos nas mãos que seguravam a pequena bolsa.
— Vamos para o quarto, senhora. — Ele mandou. — Com licença.

Hayden a segurou pelo braço. Perguntou se ela estaria com medo dele ou
com vergonha do que haviam partilhado na noite anterior. Ele mesmo não
saberia explicar como fora tomado de tanto desejo e talvez a tenha
constrangido de alguma forma, embora ela tenha correspondido a tudo com
o mesmo ardor. A única coisa que sabia, era que seu corpo queria o dela
outra vez. Fora a melhor experiência que tivera na vida e a ideia de que
passariam o resto de seus dias compartilhando da cama daquela forma, o
fazia inflamar de

necessidade de possuí-la.

Entraram no quarto e ele fechou a porta. Sarah correu para o outro lado,
ficando diante da janela. Hayden tinha a sensação que se aproximasse, ela
pularia sem hesitar.

— Partiremos esta noite para a América. — Ele avisou.

Sarah o olhou por cima do ombro, rapidamente, antes de voltar a se


concentrar no dos empregados pelo jardim. O toque do marido a fizera
querer mais da noite anterior e ela não queria sentir aquilo. Era errado.

— Tão rápido? — perguntou tentando controlar suas emoções.

— Sim, tenho negócios me esperando e acredito que deve estar ansiosa para
conhecer sua nova casa.

— Nova casa? — Ela tinha se esquecido disso. Com ele tão perto não
conseguia ter um pensamento coerente. Aliás, aquele casamento, o marido,
suas atitudes, tudo era muito novo para ela. Estava ficando atordoada.

— Sim, tenho minha própria casa — contou. — Aos arredores de Richmond,


na Virginia. Minha propriedade é perto de Georgeforth.

Ela não fazia ideia de onde era.

— Tenho certeza que vai gostar do local. É tranquilo e meus empregados são
bem treinados para servi-la.
— Terei empregados? — perguntou, surpresa.

— Sim. — Ele começou a se aproximar, lentamente.

— Não fazia ideia.

— Pensou que eu fosse um homem sem posses? — debochou e levou as


mãos para trás do corpo enquanto andava.

Sarah o fitou novamente.

— Na verdade, não pensei em nada — confessou.

Ele parou e a encarou:

— Está com medo de mim, senhora?

— Não — mentiu. — Apenas ansiosa com todas essas mudanças.

Mentir era pecado. Aquele homem a fazia cometer os erros mais terríveis
diante de Deus. Não haveria espaço para sua alma no céu, seria condenada
ao inferno e o desprezava por isso.

— Não sabe mentir. — Ele parou ao lado dela. Segurou seu queixo com a
ponta dos dedos e a fez encará-lo. — Está assim por causa de ontem à noite,
não é?

Ficou envergonhada por ser pega mentindo e por ele saber a verdade.

— Sim — confessou.

— Foi por isso que foi à igreja? A senhora foi se confessar?

Ela fez que sim e mordeu o lábio inferior. Hayden era um homem inteligente
e esperto e ela concluiu que mentir para ele não seria bom.

— Sinto muito se isso o ofende, senhor. Mas minha educação me faz sentir
como se estivéssemos errados — explicou tentando ser educada e não
transparecer a ira em seu coração.
Hayden se recriminou por não ter imaginado que ela teria corrido para a
Igreja. Quando voltou para o quarto e não a encontrou, a única coisa que
pensou era que Sarah o havia abandonado. E esse era um sentimento que ele
não queria que repetisse em sua vida.

— Errados? — Ele franziu o cenho. — Em que sentido?

— Por favor, não me obrigue a falar — pediu desviando o olhar para o outro
lado.

Mas ele compreendeu.

— Não fizemos nada de errado, senhora.

— O padre disse a mesma coisa — fitou-o de soslaio.

— O que fizemos é o que a maioria dos casais fazem. — Ele soltou o queixo
dela. — Ou teriam que fazer.

Ela não ousou contrapô-lo. Não havia argumentos para isso diante do que o
padre lhe dissera e seu marido se aproveitava da situação. Além disso, ela
não sabia tanto da intimidade de outras pessoas para fazer comparações e
nem gostaria de saber. Era lamentável.

— E faremos sempre — avisou. Ela estremeceu diante da promessa. —

São assim que se fazem os filhos. — Ele explicou.

— Mas...

— Mas? — Ele quis saber.

— Há algo errado — murmurou, constrangida. — Não podemos...

— O quê? — Questionou e Sarah não conseguia falar. Hayden compreendeu


a vergonha que ela sentia. — O importante, senhora Castle, é se gostou ou
não.

Sarah o fitou, aterrorizada.


— Não consigo responder a esta pergunta.

— Não consegue ou não quer? — Ele estava parado ao lado dela. Não a
tocava, mas ela sentia como se tocasse.

— Por favor. — Ela pediu e fez que não. — Não me obrigue a contestar!

Ele sorriu e compreendeu a atitude dela. Como poderia condená-la tendo ela
sido criada de forma tão rígida?

— Está bem, não falarei mais desse modo com a senhora. Tomarei cuidado
com minhas perguntas no futuro.

Sarah ficou aliviada.

— Obrigada!

— Mas, a senhora frequentará o meu leito sempre.

Não teve coragem de encará-lo, ou dizer qualquer coisa, porque sua voz não
sairia.

— Caso precise sair, por favor, deixe recado. — Ele exigiu.

— Sim, senhor. Eu irei até a igreja me despedir das freiras — informou.

— Está bem. — Ele concordou. — Não volte tarde, partiremos tão logo o sol
se ponha.

— Sim. — Ela assentiu.

Hayden se aproximou e Sarah encolheu-se com medo do que ele poderia


fazer com seu corpo novamente. Ele apenas beijou sua testa e ela relaxou e o
fitou, surpresa.

— Tenho que verificar um carregamento e voltarei mais tarde para levá-la ao


navio — informou sério.

Ele saiu e bateu a porta.


Sarah abriu sua pequena bolsa, pegou um saquinho com milho e jogou o
conteúdo no chão, se ajoelhando em cima dele. Começou a rezar
desesperada, porque enquanto olhava para o marido, se felicitou dele querer
estar com ela, nua, novamente. Precisava de ajuda, estava enlouquecendo.

O padre lhe disse que toda vez que pensasse em ofender o marido, deveria se
penitenciar. Começou a rezar pela confusão que estava se tornando sua vida.

QUANDO SARAH DESCEU para sair à procura do cocheiro que pudesse


levá-la ao convento, acabou deparando-se com o Duque de Orange.

O homem alto e de cabelos muito escuros e olhos sombrios sorriu ao vê-la.

Imediatamente, Sarah fez reverência.

— Vossa Graça. — Ela manteve o olhar baixo.

Uma mulher discreta jamais encarava um homem nos olhos. E Sarah não
conseguiria, aquele homem era intimidador.

— Senhora Castle. — Ele lhe prestou reverência. — Posso ajudá-la em


alguma coisa?
— Estou procurando o empregado do senhor Castle — explicou. — O

senhor Dorian.

— Ele foi levá-lo até o palácio real onde seu marido tinha uma entrevista
com o conselheiro do Rei — contou. — Caso queira, posso pedir que meu
cocheiro a leve onde desejar.

— Não quero lhe causar qualquer trabalho, vossa graça.

— Trabalho algum. E se preferir, eu posso acompanhá-la.

Sarah ergueu o olhar para ele, atônita.

— Eu jamais pediria algo tão impróprio.

Timothy deu um sorriso e franziu o cenho.

— E posso saber onde a senhora deseja tanto ir, que um Duque não seria

digno de estar?

— Não disse isso, vossa graça. Vou até a Igreja de Sant Paul. Não acredito
que fique à vontade indo comigo a um lugar como esse.

— E por que pensa assim? — Ele a desafiou.

— Não é um lugar para um Duque, garanto. Além disso, não tenho dama de
companhia para que possa ficar em sua presença sem a companhia de meu
marido — esclareceu.

Timothy sorriu diante do argumento dela.

— Convenceu-me, senhora. Porém, também não acha que seria impróprio


para a esposa de um político americano frequentar esse tipo de lugar?

— Ninguém me fará mal, vossa graça. Garanto-lhe. E não sabem que me


casei com um político de tamanha importância — tentou não ser irônica. —
E
não pretendo contar.

Timothy estreitou o olhar.

— E acaso as mulheres não se gabam de suas conquistas? — Ele perguntou


com sarcasmo.

Sarah não fazia ideia se ele sabia ou não que aquele casamento era apenas
um arranjo, mas era discreta demais para expor a si mesma ou ao marido.

Contudo, sendo ele amigo de Hayden, acreditava que o Duque soubesse da


verdade. Ficou ainda mais envergonhada.

— Quem tem que se gabar de alguma coisa, vossa graça, é o meu marido.

Sou apenas uma sombra que caminha ao lado dele. Tenho certeza, que é a
ele que querem, não a mim.

O Duque deu-se por vencido. Hayden casara-se com uma mulher com gênio
igual ao dele ou pior. Caso fosse verdade que aquela senhora estava prestes a
ingressar em um convento, estaria realmente fazendo a pior besteira de sua
vida, ela não nascera para ter a personalidade suprimida pelas severas regras
religiosas e a clausura. Uma mulher tão bonita e com língua afiada deveria
viver para agradar os homens com suas palavras sagazes. Sim, ele sabia do
acordo do casamento e a forma como Hayden a comprara, mas era educado
demais e fiel ao amigo para deixar que a senhora Castle notasse.

— Bem. Como tenho que sair, eu a levarei até onde deseja e depois voltarei
para buscá-la, importa-se? Farei isso como um favor que sei que Hayden
prestaria a mim caso fosse a Duquesa na mesma situação.

Sarah pensou por um instante. Iriam apenas dividir a mesma carruagem por
um curto período. Nisso, ela não via problema algum.

— Acredito que não haverá problema — forçou um sorriso.

E como o combinado, o Duque a deixou na porta do salão da igreja. As


pessoas olhavam a linda carruagem com o brasão real, e dois soldados
guardando-a. Sarah entrou no recinto e virou-se para tirar o casaco.
— Em que posso ajudá-la, senhora?

Sarah pendurou o casaco e teve vontade de rir quando notou que a irmã
Judith não a havia reconhecido. Voltou-se para ela e começou a rir.

— Sarah? — A irmã a olhou, surpresa.

— Sou eu, irmã. — Elas se abraçaram.

— O que aconteceu?

— É uma longa história — respondeu se afastando e tirando as luvas. —

Mas eu vim para ajudar, como sempre.

— Ouvi rumores de que a senhorita e suas irmãs haviam se casado. — Ela


comentou, incrédula. — Jamais acreditaria em algo assim.

— É verdade. Contarei tudo enquanto as ajudo.

— E vai sujar seu vestido novo? — perguntou, fascinada pela mudança de


Sarah.

— É apenas um vestido, irmã. E de onde veio esse, pode vir mais —

explicou e foi em direção ao balcão para trabalhar.

As irmãs a receberam com alegria e ela se sentiu em casa. Era bom estar ali
e Sarah se sentia renovada e feliz, novamente. Enquanto arrumavam tudo,
Sarah contou a longa história a elas. Mas ficaram tristes quando disse que
provavelmente iria partir naquela noite.

— Tão rápido! — Irmã Lucy comentou.

— Não queria partir sem antes falar com Willy — observou.

As irmãs se entreolharam e o coração de Sarah se encolheu.

— Qual é o problema?
— Ele não apareceu aqui ontem também, Sarah. Estamos preocupadas com
ele.

Ela sentiu o coração encolher de medo que o pior tivesse acontecido.

— Vamos esperar até a noite — pediu não querendo demonstrar sua aflição.
— Ele deve vir hoje, com certeza.

Mas não apareceu. Depois que todos foram servidos, Sarah se pegou
olhando para a vasilha que deixara separada com sopa para Willy. Onde
estaria seu menino? Seu coração ficou angustiado. Em seis anos desde que
ele apareceu ali, era a primeira vez que ele ficava tanto tempo sem aparecer

até mesmo para dormir.

Sentiu lágrimas queimarem os olhos e as reteve quando levantou o olhar e


viu o marido entrando no salão com seus passos determinados e o semblante
carrancudo. Ele não parecia muito feliz com ela. Estava tão bonito naquele
sobretudo comprido, os cabelos que se moviam junto com seu corpo, os
olhos azuis que perscrutavam tudo ao seu redor.

Sarah reteve o fôlego. Aquele era seu marido. E estava ali por ela e tal
atitude a deixava feliz

— Irmã Lucy, irmã Judith. — A voz dele vibrou carregada de cordialidade.


— É um prazer revê-las.

— Senhor Castle! — As duas disseram em uníssono, encantadas.

— Veio nos visitar novamente? — Irmã Judith deu um passo à frente e


perguntou.

— Vim buscar minha esposa. — E olhou para Sarah.

Minha esposa. Duas palavrinhas tão simples, mas que fez Sarah quase correr
para os braços dele e esconder o rosto em seu peito em busca de segurança.
Aproximou-se dele.

— Boa noite, senhor Castle. — Ela o cumprimentou.


— Senhora Castle — respondeu, friamente. — Está pronta para ir?

Não. Ela precisava saber sobre Willy antes de partir. Mas não achou
prudente dizer isso ao marido na frente das freiras causando um mal-estar
desnecessário.

— Sim — assentiu e olhou para as irmãs. — Caso tenham qualquer notícia


de Willy, por favor, mandem me avisar. Estamos hospedados na propriedade
do Duque de Orange.

— Claro, Sarah. — Irmã Judith concordou e o casal se foi.

— Onde está seu casaco? — Hayden quis saber. — Está muito frio lá fora.

Sarah olhou para o cabideiro. Alguém havia levado.

— Acho que alguém levou meu casaco — disse com bom humor.

Ele franziu o cenho.

— Se quiser podemos encontrar o gatuno. — Ele avisou.

— Era apenas um casaco, senhor Castle. E o senhor me deu outros. — Ela


deu um passo à frente para sair do salão. — A pessoa que pegou com certeza
fará bom uso.

— Espere. — Ele pediu.

Sarah olhou por cima do ombro e o viu colocar o sobretudo sobre suas
costas. Ela sentiu o calor do corpo dele tomar conta do seu.

— Vamos. — E deslizou a mão para a cintura dela, levando-a para fora.

Entraram na carruagem e o veículo se colocou em movimento.

Apesar de não ter dito uma palavra, ela podia sentir a tensão que fluía do
marido. Sentada de frente para ele, Sarah ouvia as rodas baterem contra as
ruas na noite silenciosa e escura de Londres tentando decifrar a expressão
escondida na sombra do veículo.
— Pensei que havia lhe dito para apenas pedir ajuda de Dorian. — Ele a
repreendeu quebrando o silêncio.

Sarah voltou-se para o marido com o cenho franzido.

— Eu procurei por Dorian, mas ele estava com o senhor. — Ela explicou.

— E decidiu pedir ajuda a Timothy?

Sarah levou alguns segundos para descobrir de quem ele falava.

— Está falando do Duque de Orange?

— Exatamente. Não foi com ele que a senhora atravessou Londres sob a luz
do sol? — perguntou, bravo.

— Ele ofereceu trazer-me e não vi problema — fez que não. — Os senhores


não são amigos?

— Somos.

— E entre amigos não existe um código de honra?

Hayden fez que não.

— Não é de bom tom que uma mulher casada ande de carruagem com um
homem seja casado ou solteiro! — Ele a repreendeu.

— Também acredito nisso, mas por serem amigos íntimos, achei que não
teria problemas — tentou se explicar.

— Não quero que isso se repita! — exigiu, ríspido.

— Pensei que não se importava com o que as pessoas falavam, afinal, casou-
se com uma mulher sem origens! — Ela o desafiou.

— E de língua afiada — falou mordaz.

Sarah calou-se. Essa coisa das mulheres sempre saberem como agir e terem
que ficar quietas diante da autoridade de seus maridos a estava tirando do
sério.

— O senhor me provoca e quer que eu me cale?

Ele a fitou de soslaio e Sarah prosseguiu sem conseguir se conter:

— Então, deveria ter se casado com uma dessas nobres mergulhadas

sonsas! — Ela se defendeu e ergueu o nariz. — Além disso, não fiz nada
demais. Avisei aonde iria e agi com a máxima discrição diante de seu amigo!

Não fiz nada que pudesse me desabonar!

Ela o escutou praguejar.

— A verdade é que não gostei de saber que esteve a sós com outro homem!
— Ele confessou.

Sarah voltou-se para ele, surpreendida. Será que ele estava com ciúme?

Ela sentiu a chama da esperança acender em seu peito.

— Eu jamais mancharia seu nome, senhor Castle — anunciou com mágoa


inevitável —, nunca quis estar com um homem antes. Por que depois de
casada, eu me tornaria uma mulher interessada?

Hayden sentou-se ao lado dela e pegou sua mão. Sarah apreciou aquela
proximidade e comprimiu os lábios para não gemer com o toque tão simples.

— Sinto muito por minha atitude intempestiva — desculpou-se e beijou a


mão dela e depois a apreciou com carinho. — Mas a estimo de forma
imensurável e me causa estranhamento imaginá-la na companhia de outro
que não seja eu.

Não queria que o coração disparasse daquela forma e seu estômago


encolhesse. Sentia-se uma tola, mas eram implacáveis seus sentimentos por
aquele homem, seu marido. E ficou imensamente feliz ao saber que ele
sofria do mesmo mal que ela. Não era a única que estava embevecida de
amor naquele momento.
Sem que ela esperasse por tal comportamento impróprio, ele a beijou.

Dentro da carruagem, Hayden tomou seus lábios e ela correspondeu com


entusiasmo, como se pudesse aplacar a falta que ele lhe fizera nas últimas
horas. Como desvendar tais sensações quando ele estava próximo? Esquecia
de toda prudência e recato quando estava nos braços dele e sequer conseguia
rechaçá-lo. Hayden tinha um poder sobre Sarah que ela não conseguia
vencer. Sua razão era a mais dócil e frágil com ele por perto.

Hayden não queria se afastar, mas sentiu que Sarah tinha dificuldade em
respirar. Acariciou o rosto da esposa, controlando-se para não a possuir ali
mesmo e lhe causar um escândalo desmedido. Por menos, ela fora parar em
uma igreja, se o fizesse naquele reduto, tinha a sensação de que Sarah
desaparecia para sempre. Possuía uma vida toda para desfrutar da companhia
da esposa de forma mais pungente sem causar-lhe alvoroço.

— Pensei que houvesse lhe dito que partiríamos ao pôr do sol. — Ele a

reprovou.

Sarah não podia partir. Não agora.

— Senhor Castle. — Ela murmurou.

— Sim?

— Não podemos partir agora.

Ele afastou-se um pouco e franziu o cenho.

— O que houve?

— Willy não aparece no salão da igreja há dois dias — contou. — Ele nunca
fez isso antes. Estou imensamente preocupada.

Hayden também ficou. Pensou se ele sofrera alguma represália por causa de
ter lhe contado sobre o leilão. Contudo, não poderia ser isso, afinal, não
contara a ninguém e tudo saiu como John Winter e seu comparsa quiseram.
— Perguntou aos moradores de rua?

— As freiras especularam aos homens que tem o costume de frequentar o


porto e o mercado da cidade — respondeu, temerosa. — E ninguém o viu.
Sei que tem seus compromissos, mas não posso partir para o outro lado do
mundo, sem ter certeza que ele está bem.

Hayden compreendeu a aflição de sua esposa. Devia muita coisa ao menino,


inclusive por ter encontrado Sarah. Não lhe custaria ficar mais alguns dias e
ajudá-lo.

— Ficaremos mais alguns dias para procurá-lo — concordou.

— Obrigada, meu marido. — E sem que ele esperasse, Sarah o abraçou.

Não fora um ato de paixão ou interesse. Apenas demonstrava o intenso


carinho que sentia por ele. Hayden ergueu os braços e também a abraçou e a
apertou contra si, deleitando-se da companhia de sua esposa como nunca
fora antes com outra mulher. Naquele frágil instante, por mais excessivo que
pudesse lhe parecer à razão, ele sentia-se bem e feliz em seu pequeno
mundo.

O abraço de Sarah era tudo que precisava para se sentir renovado e


completo.

Sentiu o perfume de seus cabelos e a apertou mais e ela riu. E aquela


sensação completa de paz veio ao seu coração: minha.

— Desse jeito, não consigo respirar, senhor Castle.

Ele a soltou lentamente.

— Quero fazê-la a mulher mais feliz do mundo, senhora Castle.

Ela se emocionou com as palavras dele e se afastou para encará-lo.

— Prometo que corresponderei com o mesmo entusiasmo, a ponto de nunca


ter dúvidas por ter me tomado por sua esposa — respondeu sem
hesitar.

Notou, que se pensasse muito, o orgulho falaria mais alto e ela deixou o
coração tomar conta. Hayden a beijou mais uma vez, selando aquele intenso
pacto entre eles.

DENTRO DO QUARTO, Sarah tentava conciliar seus pensamentos. Mas a


cada segundo que se aproximava da hora de dormir, ela se sentia mais
aterrorizada. Teria que compartilhar mais uma vez do leito de seu marido e
faria coisas que jamais pensara em fazer. Ele era um demônio carregado de
pecado e era sua obrigação ser submissa a ele.

Poderia se jogar pela janela, mas o suicídio também era pecado.

Confiava que ao menos, desta vez, o marido fosse rápido e ela não gostasse
tanto. Porque, infelizmente, havia adorado e era disso que tinha medo. Que
sua mente fosse tomada pela perversão para sempre.

Apesar de todo o carinho que haviam trocado na carruagem durante o


retorno para a propriedade do Duque de Orange, Sarah tinha medo do que
estava por vir. Não havia como disfarçar. Quando a porta foi aberta, ela se
encolheu em sua cadeira, segurando o terço com força.
Hayden notou a esposa tensa em um canto. Percebia que por trás daquela
pose severa existia uma moça rebelde que se recusava ser domada ou viver
mudanças mesmo que favoráveis. Sarah não estava presa a sua educação
rígida, mas sim a questões religiosas e moralistas. Ele sorriu para si quando
se virou para fechar a porta. Sarah era uma mulher totalmente contraditória:
passava a impressão de ser uma moça avessa ao prazer, mas entregara-se a
ele sem restrições, unindo seu corpo ao dele com volúpia.

Hayden ainda não havia encontrado uma explicação para o desejo da noite
anterior que acometeu a ambos. O que na realidade, não importava.

Afinal, o que precisava saber era que tinham uma vida toda pela frente para
compartilharem o leito da mesma forma. Aquele pensamento fazia com que
ficasse ereto e com vontade de possuí-la outra vez.

— Boa noite, senhora. — Ele a cumprimentou com educação.

— Boa noite, senhor. — Ela respondeu sem coragem de olhá-lo.

Seu coração batia descompassado e ela sentia as mãos suarem de ansiedade.


Queria se erguer e pular na água gelada para aplacar o calor que a acometia.

— Espero que seu jantar tenha sido agradável na companhia do Duque e de


Lady Eleonora. — Ele disse tirando o paletó e expondo o dorso másculo.

— Sim — contemplou a figura do marido e desviou o olhar quando ele se


voltou para ela. Ela mal prestara atenção ao jantar ou tocara na comida,
estava com a ansiedade a flor da pele.

Hayden se sentou no pequeno sofá de dois lugares colocado em um canto.

— Venha até aqui, senhora Castle. — Ele pediu. — Por favor.

Ela precisava obedecê-lo, por isso, se levantou e foi até o sofá sem coragem
de olhá-lo diretamente, sentia o rosto queimar de vergonha. Sequer tivera
coragem de tirar o vestido e colocar uma daquelas camisolas insinuantes que
Madame Catherine havia separado para ela. Queimava seu rosto de vergonha
ao imaginar o que Hayden pensaria dela ao vê-la vestida daquela forma.
— Sente-se. — Ele bateu a mão ao lado.

Sarah sentou-se e ficou ereta.

— Como foi o seu dia? — perguntou para desarmá-la. A diferença de


postura dela da carruagem para o quarto era gritante e ele tinha vontade de
rir.

A pergunta a deixou atônita. Pensou que ele pularia sobre ela e a faria pecar
mais uma vez. Contudo, ele estava sendo um cavalheiro.

— Tranquilo — respondeu olhando para frente. — E o seu?

— Agitado, tive que cuidar para que tudo saísse como planejei.

— E deu certo? — perguntou estendendo a conversa. Quem sabe assim ele


se esqueceria de tirar sua roupa.

— Deu.

Ela o fitou.

— Posso lhe fazer uma pergunta? — Ela quis saber.

— Quantas quiser. — Ele sorriu aquecendo o coração dela.

— Não voltaremos mais à Inglaterra?

— Gostaria de voltar?

— Talvez visitar minhas irmãs algum dia. Elas ficaram por aqui, eu acho.

— Podemos pensar sobre isso. — Ele ponderou para alegria dela.

— Agradeceria muito se me concedesse esse favor.

— Não é um favor. Devo zelar por sua felicidade e segurança. Tudo que lhe
aprouver é assunto meu, senhora. Seu bem-estar é um deles.
Ela ficava aliviada, de certo modo, porque não fazia ideia se suas
concepções de “bem-estar” eram as mesmas. O que ela duvidava, mas não
ousaria questioná-lo naquele momento.

— E como suas irmãs se chamam? — perguntou, interessado.

Sarah relaxou um pouco ao poder falar das irmãs.

— Barbarah e Delilah. São mais novas.

— Eram muito próximas?

— Sim.

— Sinto certa inveja... — Ele falou sem amargura.

Sarah o fitou, séria.

— Por quê? — Ela franziu o cenho.

— Minha relação com meu irmão é tumultuada. Ele sempre competiu


comigo e temo que depois de certos acontecimentos, nunca mais voltemos a
nos falar.

— Brigaram?

— Digamos que sim e de forma definitiva. Ele traiu minha confiança da pior
maneira possível.

— Deve procurar um meio de perdoá-lo. Para que sua alma não caia em
tentação e peque contra a vida dele — explicou com sabedoria.

Hayden ficou interessado na teoria religiosa de Sarah quanto ao assunto.

— E como acha que devo me portar?

— A vingança pertence a Deus. — Ela o olhou feliz por poder falar do que
mais gostava. — Seu irmão é quem deve se sentir mal e procurar um meio
de redimir-se, não o senhor. Deve seguir em frente e preocupar-se apenas
com sua própria felicidade.

Ele pensou por uns instantes.

— Então acredita que quando chegarmos a Virgínia, eu devo convidá-lo

para um jantar em família? — ironizou.

— Sim. Mostraria que é superior ao que aconteceu. Não precisa tê-lo dentro
de sua casa como um amigo de confiança. Porque ele mostrou o quanto não
é confiável. Mas deve dar a ele o melhor que tem. Essa é a pior humilhação
que alguém pode receber: a indiferença.

Hayden gostou da ideia. Simpatizou-se em sair por cima.

— A senhora os receberia em nossa casa?

— Sim. — Ela assegurou erguendo o corpo com elegância. — Ele é seu


irmão. Sua família se torna minha com o nosso casamento. Se o amar, eu o
amarei também. E se odiá-lo, encontrarei um meio de ajudá-lo a perdoar-se e
a dar uma segunda chance.

Ele sentiu o peito queimar de paixão ao ouvir aquelas palavras. Estava diante
de uma mulher surpreendente. Não havia como verbalizar sua gratidão por
ela agir daquele modo. Por isso, ele a beijou. Sarah foi pega de surpresa, mas
sentir os lábios do marido, não conseguiu rechaçá-lo. O pior era que não o
fazia por obrigação e sim porque gostava do beijo dele.

Uma parte dela gritava: fuja do pecado. A outra a jogava para cima do
marido.

Ela deixou o terço cair no chão e suas mãos espalmaram o peito largo.

Sarah sentiu as batidas fortes do coração dele e seu corpo começou a


acompanhar o mesmo ritmo.

Hayden se afastou o suficiente para falar contra os lábios dela:


— Não tenha medo, serei gentil — murmurou.

Sarah mal teve tempo de raciocinar. Ele tirou a presilha de seus cabelos que
caíram sobre os ombros como cachos dourados da deusa Atena. Hayden
enredou os dedos neles e a puxou para um beijo mais faminto. As mãos, que
já conheciam o caminho daqueles malditos botões, tiraram-nos bem devagar,
enquanto ele mordia o lábio inferior e seguia beijando pelo rosto, queixo, o
pescoço. Ouviu a aguda respiração quando empurrou o vestido pelos ombros
e ele caiu em sua cintura, deixando os seios desnudos.

Hayden afastou-se para contemplá-los e ela fez menção de escondê-los.

Ele segurou suas mãos e a deitou sobre o pequeno sofá, projetando seu corpo
sobre o dela até que os lábios alcançaram os bicos eriçados e ela gemeu alto.

Soltou as mãos delicadas e ela segurou os cabelos dele, enquanto o


contemplava beijando seus seios, lambendo-os e sobrando sobre os bicos,
antes de tomá-los entre os lábios e sugá-los com paixão.

Ela fechou os olhos e deixou-se levar pela devassidão. Não conseguia se


controlar. Seu corpo estava entregue. Era mais forte que ela aquela maldita
tentação.

Hayden desceu os lábios pelo estômago e barriga, trazendo consigo aquele


vestido e tudo o que havia nele. Uma febre percorreu o corpo de Sarah
quando ele afastou suas pernas e acariciou com a ponta dos dedos,
colocando-os dentro dela. Como isso era possível, era bom, delicioso? Ela se
perguntou. Jogou a cabeça para trás, pendendo-a no braço do sofá. Era
estranho, deveria estar envergonhada, mas a única coisa que conseguia
pensar era que queria mais. Era tão bom quanto fora na primeira noite.

Ele elevou os olhos para ela e perdeu-se ao vê-la se contorcendo de prazer. O


que o encantava e o deixava louco de excitação era que ao ser o primeiro, ele
lhe despertara tamanha paixão. Nunca pensou ser possível.

Pensou que apenas procriariam, nada mais. Ele cumpriria com suas
obrigações e, por fim, ela estaria grávida ao final da viagem para a América.
Todavia, sua esposa era uma deusa do prazer, algo inimaginável diante da
postura austera que mantinha e das roupas que usava.

Hayden se desfez da camisa rapidamente e abriu suas próprias calças,


deitando sobre ela e voltando a beijá-la com ardor. Sarah o abraçou com as
pernas e ele a penetrou bem devagar, sentindo cada centímetro quente de seu
corpo envolvê-lo. Ele ofegou de prazer e começou a se mover, girando os
quadris dela para que o sentisse profundamente.

Ela fechou os olhos e deixou se levar. Não podia fazer nada para impedi-lo,
seu corpo era completamente submisso à perversão daquele homem. Ele a
dominava e ela por vontade própria cedia, sua carne não era tão forte como
sempre imaginou. Ficar a tarde toda ajoelhada sobre o milho não purificou
sua alma.

E quando aquelas fortes sensações a dominaram e a seu marido também, ela


perdeu-se, e gemeu até o fogo se extinguir de ambos os lados.

Hayden saiu de cima dela, ficaram se encarando, se perguntando o que


acontecia entre eles. Por que Hayden perdia o controle de suas emoções com
aquela mulher, que apesar de sua esposa, ainda lhe era desconhecida?
Beijou-a, passando a mão pelo corpo.

— O que houve com seus joelhos? — Ele quis saber encarando-a.

— Eu estava rezando. — Ela se sentou e ele também.

Não queria ter que dar explicações, mas se esqueceu que ele poderia ver

seus joelhos e perguntar.

— Rezando? — Ele fechou as calças e a encarou, passando as mãos pelos


cabelos. — E que tipo de reza é essa que fere seu corpo? — A voz dele
denotava censura.

Sarah ficou com medo da reação dele, mas primava pela verdade.

— Eu estava me punindo por meus pecados — pegou o vestido e se afastou


dele, vestindo-o depressa.
Hayden ergueu-se. Não gostou nada daquilo. Sua esposa sofria de alguma
doença mental que a fazia flagelar-se?

— Senhora Castle — ele a chamou com a voz severa —, pode me explicar


que tipo de punição é essa?

Ela o fitou de soslaio, constrangida. Não podia mentir para o marido.

— Eu fui me confessar esta manhã — começou a contar e lágrimas ardiam


em seus olhos. — O que fizemos ontem à noite e agora. — Ela hesitou,
nervosa. — É impuro, lascivo.

Hayden se aproximou dela, ouvindo tudo atentamente.

— Confessei ao padre e ele me fez ver que devo ser submissa ao meu
marido. Então, minha penitência foi me ajoelhar sobre o milho e rezar cem
ave-marias e cem pais-nossos — explicou e engoliu em seco, vendo o
marido se aproximar com o cenho franzido.

Ela sentiu o rosto queimar de vergonha e sussurrou algo, segurando a frente


do vestido ainda desabotoada. Hayden se aproximou mais para ouvi-la.

— E qual é o problema?

— Luxúria, é pecado. — Ela o condenou.

— Senhora Castle, olhe para mim. — Ele pediu.

Ela oscilou e acabou olhando, erguendo o queixo com orgulho.

— Pegue sua bíblia. — Ele pediu.

— Por quê?

— Pegue-a — exigiu.

Sarah foi até o criado-mudo, pegou o livro e entregou a ele.

— O que vai fazer?


— Não é apenas a senhora que conhece a bíblia. — Ele folheou. — Aqui
está — disse e entregou a ela. — Leia em voz alta os primeiros quatro
versículos, por favor.

Sarah o fitou intrigada, antes de baixar os olhos para o texto e começar a ler:

— Livro de Cânticos. — Ela começou a ler, olhou para ele e depois


prosseguiu: — Cântico dos cânticos, que é de Salomão. Beije-me ele com os
beijos da sua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho. Suave é o
aroma dos teus unguentos; como o unguento derramado é o teu nome; por
isso as virgens te amam. Leva-me tu; correremos após ti. O rei me introduziu
nas suas câmaras; em ti nos regozijaremos e nos alegraremos; do teu amor
nos lembraremos, mais do que do vinho; os retos te amam.

Ela engoliu em seco ao ler aquilo. Não sabia que a Bíblia tratava o
casamento de forma tão romântica.

— Agora, pule para o capítulo cinco e leia os versículos três e quatro. —

Hayden pediu enquanto servia duas taças de vinho.

Sarah o fez.

— Já despi a minha roupa; como a tornarei a vestir? Já lavei os meus pés;


como os tornarei a sujar? O meu amado pôs a sua mão pela fresta da porta,
e as minhas entranhas estremeceram por amor dele.

Ele ouviu atentamente e antes que ela pudesse fazer qualquer comentário,
seguiu:

— Agora, pule para o versículo dezesseis.

Ela assentiu e leu:

— A sua boca é muitíssimo suave; sim, ele é totalmente desejável. Tal é o


meu amado, e tal o meu amigo, ó filhas de Jerusalém.

— E um último versículo. — Ele pediu. — Leia o Capítulo sete, versículo


nove, por favor.
E parou diante dela segurando as duas taças. Sarah o fitou e engoliu em seco,
antes de passar as páginas e ler:

— E a tua boca como o bom vinho para o meu amado, que se bebe
suavemente, e faz com que falem os lábios dos que dormem.

Ela terminou de ler e fechou a bíblia. Sentia-se uma tola. Queria que o chão
se abrisse e a engolisse.

— Não há pecado no que fazemos, senhora. — Os olhos dele brilhavam


sedutores. — O próprio Salomão deixou amostras no livro Sagrado, sobre
isso.

Sarah não sabia. Sequer imaginava que poderia haver algo tão profundo
sobre o amor carnal na Bíblia.

— A união do casamento é agradável e perfeita aos olhos de Deus. — Ele


finalizou e ofereceu uma taça de vinho.

Sarah colocou a bíblia sobre o móvel e pegou a taça.

— Nunca mais quero ver seu corpo adulterado por castigos, compreendeu?
— Ele estabeleceu.

— Sim — fez que sim.

— Não está pecando. E quando pecar, confesse, mas não infrinja nada ao seu
corpo. É uma ordem.

Ela fez que sim.

— Mesmo que o padre ordene?

— Sim, mesmo que o padre ordene — falava isso para o bem dela. —

Não há prazer aos olhos de Deus em algo assim. Feriu seu corpo e não quero
vê-la machucada de qualquer forma que seja. — Ele ergueu a taça. —
Agora, vamos brindar ao nosso casamento.
Ela ergueu a taça e tímida bebeu do vinho, mal sentindo o gosto. Sua cabeça
dava mil voltas depois do que lera e sentia todo um discernimento errado
cair por terra. Sua voz tinha desaparecido. A única coisa que conseguia fazer
era ter consciência de seu marido sem aquela camisa diante de seus olhos e o
modo fascinante como ele desnudou sua ignorância.

Ele usara a Bíblia para falar com ela. E isso não tinha preço.

— Onde... — Ela clareou a garganta. — Onde aprendeu tanto sobre a bíblia?

— Meu pai é filho do reverendo Castle. — Ele sorriu depois de saborear o


vinho. — E meu avô obrigava seus filhos e netos a lerem todos os livros da
bíblia, todos os anos.

— Oh! — Ela ficou surpresa.

Hayden deu um passo para ela. O fato dele ter esclarecido a ela que não
pecava, fez Sarah relaxar de um modo surpreendente, a ponto de ela sorrir.

Era o primeiro sorriso que ela lhe dava e ele jamais se esqueceria de como
ficava bonita.

— Deveria sorrir mais. — Ele aconselhou deixando a taça de lado.

— Por quê?

— Fica mais bonita... — elogiou.

Ela se sentiu constrangida com o elogio. Nunca tinha ouvido alguém dizer
que era bonita. Sempre falavam de sua irmã Barbarah, devido a seu espírito
aventureiro e por ser muito impetuosa. O fato de ser comedida, e séria fazia
com que as pessoas se afastassem e a tomassem como arrogante e metida.

— Obrigada. — Ela terminou o vinho para molhar a garganta que ficara

seca.

Hayden se aproximou, tirou a taça das mãos dela.


— Não tenha medo, minha esposa. — Ele falou possessivo levando as mãos
ao pescoço dela e deslizando para a nuca.

Ela sentia o corpo pegar fogo. Era tão impróprio, como podia não ser
pecado? Questionou-se. Sarah não conseguiu falar, e nem foi possível,
porque Hayden a beijou com uma luxúria inesquecível, arrastando-a até a
cama.

SARAH ACORDOU AFORTUNADA. Era como se um novo mundo


abrisse diante de seus olhos. Podia ser feliz ao lado de Hayden e entregar-se
aos prazeres do corpo sem aquela horrível sensação de estar fazendo algo
errado. E gostava dele e ele dela.

Sentiu o estômago roncar, comera muito pouco na noite anterior, preocupada


com Willy e nervosa para dividir o leito com o marido. Ergueu-se da cama
devagar, levantando o cobertor e sentindo o ar gelado da manhã.

Mãos fortes a puxaram de volta e ela soltou um gritinho quando o marido a


prendeu contra o colchão.

— O que pensa que está fazendo, senhor Castle?


Ele a beijou nos lábios e seguiu o rastro pelo pescoço enquanto segurava as
mãos dela contra o colchão.

— Pode me chamar de Hayden depois de ontem à noite, não pode? — Ele a


encarou.

— Posso — concordou com um sorriso tímido.

— Melhor.

Ela se livrou das mãos dele e o segurou pelo peito largo e quente quando ele
fez menção de beijá-la outra vez.

— Sei que temos compromissos como marido e mulher, mas estou com
fome — argumentou. — E gostaria de comer alguma coisa.

Um sorriso surgiu no canto dos lábios.

— Pelo visto, a noite foi longa, Sarah... — Ele disse seu nome.

Ela fez que não e tampou o rosto envergonhada.

— Recuso-me a discutir esse assunto. — E o fitou entre os dedos.

Ele adorava aquele detalhe introvertido da esposa.

— Está bem. — Ele saiu de cima dela nu e Sarah olhou para o outro lado,
envergonhada pela nudez do marido.

Ele vestiu-se.

— Aonde vai? — Ela quis saber.

— Pegar algo para comermos — respondeu vestindo a camisa amarrotada e


um roupão por cima.

Ela o viu sair do quarto e soltou um longo suspiro. Também precisava se


vestir e foi para trás do biombo trocar de roupa. A empregada havia deixado
uma camisola das quais, madame Catherine escolhera. Não queria vestir algo
tão aberto, mas ao ver o hobby colocou a seda fria sobre a pele e vestiu a
última peça segurando-o na altura do peito para esconder o decote.

Felizmente, era de mangas compridas e cobria seus pés. Madame Catherine


lhe dissera que os homens adoravam ver tudo escondido, e imaginavam
coisas antes de despir a esposa. O tom azul lhe dava um aspecto cheio de
vida, ela mesma não se reconhecia ao olhar-se no espelho. Parecia mais viva,
mais bonita.

Começou a cantar a música de ninar preferida de sua mãe, a mesma que


Hayden cantara no salão da igreja no último sábado. E pensar que o
conhecera apenas na sexta-feira e em menos de uma semana, ele a
transformara em uma mulher apaixonada! Era o que ela chamaria de
milagre.

Pegou uma peça de roupa caída no chão, dobrando-a. Também pegou o


paletó de Hayden que estava sobre a cadeira para colocá-lo no cabideiro e ao
virá-lo um pequeno envelope caiu. Sarah o pegou do chão e leu: Meu
querido Hayden...

Por que o marido carregaria um envelope escrito com tanto carinho?

Sentiu o veneno do ciúme assolá-la e não se conteve em guardar o envelope,


ela o abriu sem pensar duas vezes.

Meu querido Hayden,

É com intenso pesar que lhe escrevo esta carta. Há uma semana você partiu
para a Inglaterra e recebi a notícia que Lorelai e seu

irmão Johnson se casaram em segredo, em Richmond. Retornaram esta


manhã, espalhando a notícia como se todos aguardassem pelo matrimônio.
Os Baltimore procuraram a mim, inconsoláveis, sem saber o que fazer
diante da atitude da filha. Sinto muito lhe dar a notícia dessa forma, meu
querido filho. Mas não há outra maneira.

Precisava saber que sua noiva agora é a senhora Johnson Hard Castle. Sei
do amor que lhe devotava, por isso, não poderia permitir que você pisasse
em solo americano ignorando este fato.
Estamos todos estupefatos. Sem qualquer reação. Espero notícias suas e
fique bem. E quando retornar à América, espero que já tenha se recuperado
dessa triste traição.

Com Amor,

Christine Hard Castle.

Virginia, 01 de julho de 1790.

Sarah deixou as peças de roupa caírem no chão e se sentou na cama sem


poder acreditar. Leu novamente e engoliu em seco, sentindo o veneno da
decepção penetrar por suas veias, fazendo-a engasgar em sua própria
ingenuidade. Hayden entrou no quarto segurando uma bandeja nas mãos e a
colocou sobre a pequena mesa antes de voltar-se para sua linda esposa
envolta em uma camisola sensual. Contudo, seu sorriso desapareceu ao notar
entre as delicadas mãos a carta que sua mãe lhe escrevera.

— Quem é Lorelai? — Sarah quis saber.

Hayden se aproximou dela e tomou a carta de sua mão.

— Onde foi que achou isso? — perguntou, ríspido.

— Caiu de seu paletó — respondeu de má vontade.

Ela se levantou, cruzou os braços e o encarou. Sarah esperava por uma


explicação e ele bufou, irritado.

— Eu deveria ter lhe contado antes — admitiu.

— E o que eu não sei? — questionou com ironia. — Que se casou comigo


para tampar o buraco que sua noiva deixou?

Sarah se afastou dele. Estava magoada. Por mais que soubesse que ele a
comprara em um leilão, depois da noite passada, quando ele confessou sua
afeição por ela, seu coração apaixonado a fez acreditar que ele lhe tinha um
grande apreço. Como pôde ser tão boba?
— Não é bem assim, Sarah.

Ela se voltou para ele:

— Quando recebeu esta carta? — Ela quis saber.

Ele não ia mentir.

— Na última sexta-feira — respondeu com frieza.

Aquela resposta apenas doeu em seu coração. Não foi difícil deduzir o resto
da história.

— O senhor teve sorte outra vez. Recebe uma carta de sua mãe contando que
sua noiva e seu irmão o traíram. O senhor se perde em Londres e uma tola
jovem salva a sua vida. Jovem a qual o pai pretende leiloar para dá-la em
casamento para o cavalheiro que der um lance maior. — Ela andava de um
lado para o outro falando com amargura. — Daí o senhor vê a oportunidade
de se vingar de quem o traiu, não foi?

Ela parou diante dele e o encarou.

— Sim. — Ele admitiu destruindo todas as ilusões de Sarah. — Apesar de


não acreditar em laços de amor entre as pessoas, serei bom para a senhora! É

isso que importa!

— Não acredita em laços de amor? — Ela o questionou. — E o que temos


feito nas últimas duas noites? As coisas que me disse a noite passada?

Sarah notou no semblante impassível que não sentiam a mesma coisa.

— O senhor não tem coração? — inquiriu, magoada. — Mentiu para mim?


Por isso ficou agressivo quando soube que eu havia saído na companhia do
Duque. Não foi por gostar de mim! — Ela deduziu, decepcionada. — Foi
por que temeu que eu agisse como sua noiva!

— Não! — Hayden não gostou do modo como ela falou. — Não foi bem
assim!
De repente, Hayden perdera todo seu traquejo. Não sabia o que dizer a
Sarah, como se expressar e contar a verdade sem entregar seu coração nas
mãos dela. Ainda lhe faltava um resquício aceitar as mágoas do passado para
confiar totalmente em Sarah.

— Poupe-me de um discurso sobre o quanto o senhor acha que eu sou


incrível! — Ela devolveu com sarcasmo. — Na verdade, sei bem o que
pensa. Casou-se comigo por que pensou que seria mais fácil viver com
alguém que não sabia de nada. Com uma moça tola que não entende nada da
vida e toleraria um casamento sem sentimentos, enquanto o senhor seguia
apaixonado pela esposa de seu irmão!

— Está deturpando tudo.

— Estou sendo realista. Aproximou-se de mim por interesse em me usar em


seu plano sórdido!

— Salvei sua vida! — justificou.

— Não pedi para ser bom para mim, senhor Castle! — respondeu.

— Mas está aqui!

— Estou, infelizmente. Fui obrigada a isso, o senhor se recorda?

— Tem tudo o que precisa!

— O senhor não pode me dar o que quero e está me usando para se vingar de
seu irmão e sua noiva! Não importa quem se sacrifique durante o percurso
que determinou, não é?

— Eu a salvei de ser uma prostituta! — devolveu. — E como me retribui?

— Poderia ter sido menos egoísta e permitido que eu ingressasse ao


convento, agora — rebateu, mordaz. — E usado outra mulher mais bem-
disposta para seus grotescos objetivos.

— Egoísta? — Ele deu um passo para ela e Sarah recuou com medo. —
Acredita que um homem egoísta tomaria por esposa uma mulher tão
simplória?

Imediatamente, ele se arrependeu de ter dito aquilo.

— Sarah... — Ele estendeu a mão para tocá-la, mas ela se esquivou.

— Não se aproxime ou juro que não respondo por mim — ameaçou.

— Não queria...

— Não importa. — Ela o cortou. — Nós sabemos que é verdade. O

senhor ficou com pena da futura freira simplória e quis ajudá-la,


envolvendo-a em sua vida sem graça e frustrante. Agora é tarde demais para
lamentar, senhor Castle. Estou acostumada as auguras da vida. O senhor me
parece não saber lidar com seus próprios problemas.

Ele sabia que tinha merecido ouvir aquilo depois do que havia dito e não
contestou. A discussão chegara ao fim e fora o suficiente para o terceiro dia
de casados. Ela passou por ele e foi para trás do biombo.

— O que vai fazer? — Ele perguntou sem sair do lugar.

— Vou até o salão saber se as irmãs têm notícias de Willy. — Ela avisou
enquanto trocava de roupa. — Neste momento, quero ficar bem longe de sua
companhia.

Hayden não gostou de sentir a indiferença de Sarah. Era ruim e frustrante.

Queria que retornassem a paixão de minutos antes e ela nunca soubesse de


seu passado. Mas ele deveria ter previsto que algo ruim poderia acontecer

quando havia segredos entre eles.

Ele bufou. Não esperava que Sarah soubesse daquele assunto de forma tão
repentina e grotesca. Era óbvio que iria contar tudo, mas na hora certa,
quando estivessem a caminho da América e ela confiasse nele totalmente e
ele nela. Tudo pelo qual lutara nos últimos dois dias para conquistar a
atenção de o afeto da esposa foram por água abaixo.

Sarah lamentou a falta de uma dama de companhia para ajudá-la a vestir-se.


Era tão complicado vestir-se sozinha, mas morreria seca a ter que pedir ajuda
ao marido.

— Eu vou com a senhora.

— Não! — Ela fez que não. — Preciso de espaço.

— Espaço? — Ele não gostou de ouvir aquilo.

— Sim. — Ela lutava contra a roupa para se vestir. Ela trombou no biombo e
o móvel quase foi ao chão.

Hayden se materializou diante dela.

— Não consigo fechar o vestido.

Ele sentiu pela manhã estar estragada e não poder ter usufruído daquela linda
camisola. Quantas vezes seu bom senso o empurrou para contar a ela sobre
Lorelai e Johnson, mas ele não achava necessário? Agora teria de lidar com
uma esposa magoada que pensava que fora usada em um jogo sórdido de
traição.

— Vire-se. — Ele mandou.

Ela se virou e Hayden bufou.

— Vou deixar que se acalme. — Ele falou enquanto fechava os botões do


vestido amarelo. — E mais tarde conversaremos sobre esse assunto.

Sarah estava com raiva e não queria conversar. Era bom demais para ser
verdade toda aquela alegria que sentia. Deveria ter imaginado que não
duraria muito tempo e que a felicidade era apenas uma falsa ilusão da vida.
Havia se esquecido totalmente do sofrimento de sua mãe por ser apaixonada
por seu pai e não ser correspondida. Com ela não seria diferente.
Ele terminou e Sarah se voltou para ele:

— Nunca desejei me casar porque não queria ser igual a minha mãe. Uma
mulher apaixonada pelo marido frio e mentiroso. — Ela o enfrentou. — A
noite passada, o senhor me fez acreditar que seria diferente. Mas não vai ser.

Descobri, senhor Castle, que os homens são egocêntricos demais para


usufruírem do que de melhor a vida lhes dá. E o senhor apenas confirmou

isso!

— É isso que acha que sou? — Ele deu um passo para ela. — Um homem
indiferente e interesseiro?

Sarah não conseguiu responder.

— Eu vou lhe provar que não, Sarah, e vai se arrepender de cada palavra que
me disse.

Hayden se afastou e abriu o baú para pegar uma roupa limpa. Ela abraçou o
próprio corpo. Uma parte dela queria que ele fosse para o inferno com
aquela mentira. A outra parte, tão intensa e verdadeira, queria que ele
provasse que ela estava errada.
SARAH E HAYDEN não trocaram uma palavra até chegarem ao salão da
igreja. Sequer ela aceitou a ajuda dele ao descer da carruagem e ele revirou
os olhos. Sarah preferia cair estatelada ao chão e sujar seu vestido do que
deixar que ele a tocasse outra vez. Estava com tanta raiva, tanta. E parecia
aumentar a cada minuto.

— Sarah. — A irmã Judith a cumprimentou com carinho.

— Alguma notícia de Willy? — perguntou, preocupada.

— Nenhuma, minha querida. E ninguém o viu no centro ou no porto ontem


ou hoje de manhã. Dizem que ele costuma ficar perto do Armazém número
sete e ele não é visto por lá há dias. — Irmã Judith explicou.

Sarah não queria ficar histérica, mas o assunto era sério e ela precisava da
ajuda de Hayden. Voltou-se para ele.

— Eu jamais lhe pediria um favor se não estivesse realmente desesperada,


senhor — parou diante dele e o encarou, os olhos brilhando pelas lágrimas.

— Encontre Willy para mim.

Hayden poderia ocupar-se com presidentes, reis, pessoas hostis e até o


próprio sofrimento. Mas ter que lidar com o sofrimento de Sarah era
sufocante. Ele faria qualquer coisa que ela pedisse, sem hesitar.

— Está bem. — Ele concordou.

— Onde vai? — Ela o segurou pelo braço.

— Fazer o que me pediu.

— Quero ir junto...

— Vou a lugares que não seria de bom tom que minha esposa estivesse —

advertiu.

Ela o fitou de forma determinada.


— Não me impeça. Não conseguirei ficar aqui parada à espera de notícias.
Deixe-me ir, por favor — pediu com delicadeza.

— Está bem — concordou.

Sarah sorriu, satisfeita e voltou-se para a irmã:

— Assim que tivermos notícias, mandarei avisá-la.

— Obrigada, filha.

Eles saíram apressados e a carruagem não andou mais que alguns quarteirões
e parou em uma rua sombria, que Sarah nunca tinha visto antes.

— Onde estamos? — Ela quis saber olhando para fora.

Hayden comprimiu os lábios antes de responder:

— No prostíbulo onde a senhora foi leiloada.

O coração dela disparou.

— Por quê?

— Eles podem estar envolvidos no desaparecimento de Willy, afinal, ele me


contou tudo sobre o leilão e temia que pudessem machucá-lo por isso.

Sarah olhou para a porta diminuta e sentiu uma raiva inexplicável. Caso
tivessem feito algo com Willy, pela primeira vez na vida, ela não responderia
por seus atos.

— Não precisa entrar se não quiser.

— Eu vou — respondeu, determinada. — Quero conhecer o homem que se


uniu ao meu pai para desgraçar a minha vida e a das minhas irmãs. — E

sem esperar ajuda do marido desceu da carruagem.

O casal Castle se discrepava da paisagem borrada e sem vida da Rathcliff


Street. Sarah entrou no recinto e desceu pelas escadas escuras, acostumando-
se com o cheiro forte que vinha de trás da porta de madeira. Empurrou-a e
entrou seguida pelo marido.

Roger Klain estava contando o dinheiro em cima do balcão quando viu o


casal entrar em seu estabelecimento. A mulher ele não conhecia, mas foi
fácil deduzir quem era ela, quando viu o homem que a seguia: a filha mais
velha de John Winter. Surpreendeu-se ao vê-los. Sentiu o cheiro de
problemas.

— Senhor Castle — Roger saiu detrás do balcão e se aproximou deles —,

a que devo a honra de sua ilustre visita?

Sarah ergueu uma sobrancelha e mediu o homem dos pés à cabeça. Então,
aquele era o demônio que seu pai considerava como amigo? A quem tinha
mais apreço do que a própria família que o amava incondicionalmente.

— Estamos procurando por Willy. — Ele respondeu se colocando entre


aquele homem imundo e Sarah.

Foi um erro levá-la até ali. Ela era um anjo no meio do lodo. Não merecia
tamanha afronta. Porém, era aquela coragem dela de enfrentar suas próprias
feridas que o deixava fascinado.

— Willy? — O homem franziu o cenho. — Não conheço nenhum.

Hayden o pegou pelo colarinho e o jogou contra o balcão, fazendo algumas


bebidas caírem. Sarah levou as mãos à boca, assustada. Todavia, já conhecia
esse lado agressivo do marido, e não ia recriminá-lo pelo fato do homem
mentir para ele.

— Vou repetir mais uma vez, verme. — Hayden avisou com desprezo. —

Onde está o menino?

Como Roger demorou a responder, Hayden lhe deu um soco, sem soltá-lo e
depois outro.
— Está bem. — O homem gritou desesperado, quando Hayden fez menção
de lhe dar o terceiro soco. Roger sentiu o sangue escorrer dos lábios e passou
a língua por eles. — Eu o entreguei às autoridades.

— E para onde o levaram? — Sarah perguntou, nervosa.

— Não faço ideia, senhora — respondeu, irritado por estar sendo humilhado
daquela forma.

— E por que o entregou? — Hayden o questionou.

— O garoto não queria me passar parte dos roubos que fazia. Tive que puni-
lo.

Sarah queria pegar uma espada e atravessar o peito daquele homem.

Nunca se sentiu tão fora de si em toda sua vida.

— Vou fazer você pagar por isso, verme. — Hayden ameaçou e lhe deu mais
um soco, deixando Roger desacordado.

— Pela primeira vez, eu não teria remorso em colocar fogo neste prédio

— falou amarga.

Hayden se voltou para ela, perplexo. Ela estava furiosa, os olhos brilhando
de raiva e vingança. Ele poderia beijá-la ali mesmo, no meio daquele
prostíbulo imundo e jogá-la sobre aquele balcão. Apesar de toda

aquela confusão e a preocupação com Willy, Sarah enxergou nos olhos do


marido um desejo inegável, no qual ela reconhecia suas próprias emoções.

Ele ergueu a mão para puxá-la para si.

— Sarah?

Hayden foi impedido de tocá-la e olharam para o fundo escuro do bordel.


Sarah ficou tensa ao ouvir a voz do pai e vê-lo surgir das sombras. Estava
com uma aparência horrível, de quem não dormia há dias. Ele se aproximou
de Sarah. John cheirava mal e tentou ajeitar a roupa diante da filha que
estava vestida como uma nobre.

— Como vai, minha filha?

Sarah nunca pensou que sentiria desprezo por alguém como sentia pelo
próprio pai.

— Como tem coragem de me chamar de filha depois do que fez? — Ela deu
um passo para ele.

Ele não esperava por aquele tipo de reação, mas a presença poderosa de
Hayden o impedira de recriminá-la e colocá-la em seu devido lugar. Tinha
acabado de ver do que aquele homem era capaz e seu pescoço ainda doía
pela forma agressiva que foi tratado por seu genro.

— Está bonita, minha filha. — Ele elogiou, constrangido. — O casamento


lhe fez bem.

Ela não ia ficar ali ouvindo aquelas bobagens de um fracassado. Não


conhecia aquele homem. Aquele não era o pai que precisava ter cuidado dela
e dar irmãs ao invés de vendê-las como animais para o abate.

— Vamos embora. — Ela disse a Hayden.

John sentiu o desprezo de Sarah e não conteve a irritação.

— Mesmo que tenha ficado rica, ainda sou seu pai! — Ele esbravejou ao vê-
la se afastar na companhia do marido.

Sarah parou e olhou para Hayden. Encontrou no marido o apoio que


precisava e mesmo ainda tendo assuntos pendentes a tratar, estava ao lado de
um homem capaz de tudo por ela, mesmo não a amando. Diferente de seu
pai. Ela se virou para ele:

— Onde está o dinheiro que ganhou com o leilão? — Ela perguntou.


John se encolheu e franziu o cenho.

— Não sei do que está falando...

— Minha esposa lhe fez uma pergunta, senhor Winter. — Hayden o


interrompeu. — Por favor, responda — exigiu, ameaçador.

John o fitou com ódio e depois olhou para a filha.

— Perdi no jogo — respondeu, amargo. — E parte dela, algumas prostitutas


levaram. Fiquei na miséria, outra vez.

Sarah tomou coragem para dizer:

— Está onde merece estar, pai — disse a última palavra com desprezo.

Deu-lhe as costas e seguiu.

— Você é minha filha! — Ele gritou. — Tem que me ajudar! É sua


obrigação!

Hayden queria voltar e dar uma lição naquele homem por gritar com sua
esposa daquela maneira. Contudo, Sarah segurou o braço do marido e o fitou
com cumplicidade. Então, disse para que o pai ouvisse.

— Por favor, meu querido. Dê uma esmola a este homem. — E saiu sem
olhar para trás. Ouvindo as imprecações que se seguiram quando Hayden
jogou algumas moedas no chão e foi atrás da esposa.

Sarah entrou na carruagem e esperou que o marido também se acomodasse.

— O que vamos fazer agora?

Hayden a pegou nos braços e a beijou com ardor. Vê-la agir daquele modo
com o pai o deixou excitado, não sabia explicar. Sarah era uma mulher
surpreendente. Ela não queria beijá-lo, mas era como descarregar toda sua
frustração sentindo o desejo dele, poder tocar os lábios masculinos, sabendo
que mesmo que brigassem por toda uma vida, pertenciam um ao outro.
Quando ele se afastou, não deixou de abraçá-la.

— Vamos encontrar Willy. — Ele prometeu.

— Ele deve estar em algum orfanato, Hayden. — Ela murmurou triste. —

Temo que estejam fazendo algum mal a ele, já que não conseguiu fugir até
agora.

Ele compreendeu a angústia da esposa.

— Vamos encontrá-lo e vou adotar Willy e levá-lo conosco para a América.

— O quê?

— A senhora ouviu bem. Não podemos partir sem Willy.

Não podia acreditar naquilo. As lágrimas arderam em seus olhos e ela não as
conteve mais. Escondeu o rosto no peito largo do marido e chorou
copiosamente. Como madame Catherine lhe dissera, a vida estava sendo
muito boa para ela. Fora arrematada em um leilão por um homem que a

respeitava e se casou com ela, apesar de sua história e de seu passado. E

agora, ele queria adotar Willy.

Uma vida toda não seria suficiente para agradecê-lo.

— Por que está chorando? — Ele perguntou beijando seus cabelos.

Ela se afastou para encará-lo. O nariz delicado estava vermelho.

— Não serei capaz de mensurar a gratidão que sinto por sua atitude, Hayden.
— Ela tocou o rosto dele. — Mesmo que eu nunca tenha admitido nesses
dias, a sua bondade é a nobreza de sua alma.

— Sarah...
— Não precisa dizer nada. — Ela pediu. — Basta o que temos agora.

Por enquanto, ele deixaria as coisas como estavam. Aquele não era o
momento certo para dar explicações e provar que ela estava errada quanto
aos sentimentos dele por ela.

— Vamos encontrar Willy e então partiremos para casa. — Ele prometeu.

Ela assentiu.

Para ela era o suficiente. Pelo menos, por enquanto.

Foram quase vinte e quatro horas de investigação até que Hayden encontrou
Willy. Timothy teve que usar de sua autoridade como Duque para ajudar o
amigo e encontrar o menino e colocou um famoso investigador, já que a
polícia não se importava com um garoto morador de rua, desaparecido.

Ele não estava em um orfanato, o haviam mandado para um sanatório de


pessoas loucas, o Bethlem Royal Hospital.

Quando Hayden deu a notícia a Sarah de que o haviam encontrado e onde.

Ela conteve-se para não ficar histérica.

— Vamos buscá-lo, agora! — determinou. — Meu menino não fica mais um


segundo naquele lugar.

— Não sabemos o que fizeram com ele, Sarah. — A precaveu.

— Willy é forte, Hayden. — Ela segurou a camisa do marido e o encarou.

— Ele está bem, tenho certeza. Ou reze por isso, porque se o machucaram,
não sei do que sou capaz.

— Fique aqui esperando por mim enquanto vou buscá-lo.

— Não. — Ela fez que não. — Sou a única pessoa em que ele confia e
tenho certeza que serei a primeira que ele desejava ver quando sair daquele
lugar imundo!

— Como quiser...

Acompanhado de autoridades, eles foram até o hospital. Ao ver a ordem do


juiz em entregar o menino a Hayden, o diretor do hospital não gostou.

Mas mandou que o trouxessem.

— Eu vou com ele. — Sarah determinou seguindo o enfermeiro.

— A senhora não pode...

— Ouse me impedir e eu juro pela Sagrada Santíssima Trindade que arranco


seus olhos, senhor. — Ela ameaçou espumando de raiva.

Hayden teve vontade de rir da atitude intempestiva da esposa. Mas ele


mesmo, em sã consciência, não ousaria contrariá-la naquele momento.

— Como quiser, senhora.

Hayden a acompanhou. Jamais a deixaria naquele lugar, sozinha.

Passaram pelos corredores sombrios, apinhado de gente que babava ou


tentava tocá-los na esperança de escapar daquele lugar horrível. Ouviam
gritos, choros e lamentações. Era tudo muito sujo, sombrio. Havia pessoas
amarradas às camas, desmaiadas em cantos oprimidos. Mesmo que a pessoa
fosse sã, ficaria louca em um lugar como aquele.

Desceram as escadas e chegaram a uma porta. O empregado abriu e Sarah


olhou para o marido e para o diretor do hospital. A porta foi aberta e ela viu
uma série de pessoas presas dentro de gaiolas. Algumas gritavam, outras
pareciam semimortas. Ficou aterrorizada ao ver Willy encolhido dentro de
uma delas.

— Oh, Deus! — Ela lamentou, angustiada. — Meu menino! Tire-o daí.


— Ela gritou, desesperada perdendo toda a compostura, levando outros
internos a começarem a gritar.

O enfermeiro se atrapalhou com as chaves e Hayden adiantou-se, sofrendo


pelo menino ao vê-lo quase nu, com a cabeça raspada, encolhido em um
canto da gaiola, inerte. Com ódio por não encontrar a chave certa, o
americano jogou o molho de chaves no chão e forçou a gaiola, até que o
cadeado estourou, tamanho seu ódio por ver Willy tratado como a um
animal.

O garoto estava imóvel e temeu pelo pior. Pegou-o e ele pendeu mole em
seus braços. Chorando, Sarah se aproximou e o tirou do colo de Hayden,
abraçando-o. Acabou se sentando com ele no chão, acariciando o rosto
pálido.

— Willy, meu amor. — Ela soluçava. — Fale comigo, querido. Por favor.

Não me deixe sozinha aqui.

O garoto não respondeu.

— Willy. — Ela insistiu. — Sou eu, Sarah — ofegou. — Sorria para mim,
eu imploro. Não posso viver sem seu sorriso.

Ela ouviu um ruído baixo saindo dos lábios do menino e aproximou o


ouvido para ouvi-lo gemer.

— Senhorita Winter...

— Oh Deus! Obrigada!

— Vamos embora, senhora Castle. — Hayden abaixou-se e ela concordou.

Ele pegou o menino do colo dela e juntos deixaram o hospital.

Sarah teve que se conter para não perder a cabeça. Apenas pensava que a
cada passo para longe daquele lugar, era mais um minuto de felicidade
conquistado por ela, Hayden e Willy.
— ELE VAI FICAR bem. — O médico assegurou. — Precisa de alguns dias
descansando, se alimentar bem e vai ficar novo em folha. É um garoto forte.

Willy ainda não tinha voltado a si, mas segundo o médico, era normal devido
as fortes medicações que davam a ele.

— Ele pode se sentir confuso por alguns dias, mas ficará bem —

assegurou.

Era o que todos esperavam. Sarah deitou-se ao lado do menino na cama e ali
ficou até o dia seguinte, quando Lady Eleonora veio até o quarto oferecer
para olhar o menino para que Sarah pudesse descansar.

— Quero ficar aqui. — Sarah insistiu.

— Eu sei. — Eleonora lhe sorriu, compreensiva. — Mas vá até seu quarto,


se limpe e fique bem para quando ele acordar. Imagine a preocupação que
lhe causaria vê-la abatida?

— Tem razão. — Sarah teve que concordar.


Eleonora era uma mulher muito prudente e sábia. Realmente fora criada para
ser a esposa de um Duque. Sarah agradeceu e foi para o seu quarto.

Surpreendeu-se ao entrar e encontrar o marido fazendo a barba diante do


espelho. Também não sabia por que pensou que ele não estaria ali.

— Bom dia, senhora. — Ele a cumprimentou olhando-a através do

reflexo do espelho.

— Bom dia. — Ela se aproximou dele.

— Como está Willy?

— Ainda dormindo — respondeu.

Depois da discussão que tiveram, era a primeira vez que ficavam a sós.

Duas longas noites sem compartilharem a mesma cama. Na anterior, Sarah a


passara em claro, andando de um lado para o outro na sala da propriedade do
Duque à espera de notícias de Willy. Não havia tocado no assunto sobre o
noivado de Hayden e ela não sabia se estava preparada para aceitar que ele
ainda amava a noiva e que teria que conviver com isso. Vendo-o apaixonado
pela tal Lorelai, enquanto ela se contentava com noites calorosas no leito
nupcial.

Sarah não conseguiria.

Ela o amava.

Sim. A senhora Castle amava o marido. E não podia ter menos do que lhe
dava. Era egoísta para dividir os sentimentos do marido com outra pessoa.

Imaginou o que Barbarah diria se soubesse disso. Até imaginou lhe


escrevendo uma carta e dizendo:

Querida Barbarah,
Apaixonei-me por meu marido à primeira vista, antes mesmo de sequer
imaginar que ele se casaria comigo. E depois de uma semana de intensa,
amo-o a ponto de querer tirar da nossa convivência certa ex-noiva
desagradável e traidora que se casou com o irmão dele. Como ele pode
amá-la quando tem a mim? Como ele pode querer vingar-se quando lhe
devoto tanto amor? Jamais poderei entender os homens. Como também
nunca alcançarei uma elucidação aceitável para que ele se tornasse parte
de mim de forma tão célere e intensa. Sou dele e ele é meu...

— Sarah? — A voz dele a trouxe de volta à realidade.

— Sim? — Ela limpou a garganta. — Eu me distraí, sinto muito. O

senhor falava...

— Já pedi que providenciassem os documentos para que Willy viaje conosco


para a América como nosso filho...

Sarah sorriu.

— Não poderia ter me dado notícia mais sublime — deu um passo para ele,
empolgada.

— Ele ficará feliz quando receber a notícia.

— Sim, ficará.

Virou-se para sair dali, sabendo que o assunto findava e ela não tinha forças
para questioná-lo quanto o assunto da noiva.

— Senhora Castle. — Ele a chamou de volta. E sabia que pela formalidade,


ele queria falar sério.

Sarah parou onde estava.

— Precisamos conversar.

— Não é necessário — deu mais um passo.


— Fique onde está. — Ele mandou e ela parou. — Para uma noviça, a
senhorita é muito rebelde, ficou claro que jamais seria uma boa freira.

Ela se voltou para ele, indignada.

— Como ousa?

Hayden havia conseguido a atenção dela, finalmente.

— Preferia estar internada em um convento neste momento do que casada


comigo? — Ele a questionou. Não havia um traço em seu rosto que
denotasse deboche ou raiva. Era apenas uma pergunta.

— Quer mesmo saber a verdade, senhor Castle?

— Por favor. — Ele pediu.

Sarah decidiu se despir de todo o seu orgulho para dizer:

— Estou bem onde estou — disse.

— Não era bem o que eu esperava ouvir. — Ele admitiu decepcionado


passando a toalha branca pelo rosto.

Ela sentiu um frio na barriga e colocou as mãos para trás do corpo.

— E o que esperava ouvir?

Hayden caminhou até o móvel enquanto dizia:

— Que estava apaixonada por mim desde a primeira vez que me viu. —

Ele respondeu e abriu uma das gavetas. — Da mesma forma que eu me


apaixonei pela senhora.

Sarah levou um choque.

— O quê?

— Tem mania de perguntar o óbvio, não é? — Ele voltou-se, impaciente.


— Espero que seja uma terrível mania e não que faça isso para me irritar.

— Mas o senhor disse...

— A senhora ouviu bem. — Ele retornou para perto dela. — Eu me


apaixonei pela senhorita, de que outro modo teria feito a loucura de comprá-

la para ser minha esposa e obrigá-la a ficar comigo para o resto da vida.

Ela comprimiu os lábios, não queria chorar diante daquela verdade. Os olhos
dele brilhavam para ela, e lhe afirmavam tudo o que ele acabara de dizer.

— Sarah. — Ele segurou sua mão. — Confesso que estava magoado com
meu irmão e Lorelai quando nos encontramos. Mas nunca amei Lorelai,
éramos prometidos desde a infância, havia uma amizade, algo singelo, mas
sempre soubemos que não nos amávamos e nosso casamento seria movido
pela cumplicidade e não pelo amor.

Ela ouvia atentamente sem conseguir se mover.

— Tanto que ela se apaixonou por meu irmão. — Ele contou, muito sério.

— Eu já sabia, havia notado o interesse dela por Johnson e tentei aconselhá-

la a ficar longe dele. Ele sempre foi um conquistador incorrigível. E quando


recebi a carta que a senhora leu, um misto de alívio e orgulho ferido me
invadiu. Contraditórios, mas explicáveis, dado ao fato de que nunca amei
Lorelai como ela merecia.

Sarah ouviu a história atentamente e abraçou o próprio corpo. Tinha medo de


criar esperanças e se arrepender no segundo seguinte.

— Eu lhe peço perdão se meu silêncio a consternou, mas eu não quis magoá-
la e sim protegê-la.

— Proteger-me? — perguntou, confusa. — Do quê?

— Do medo de não ser amada por mim. — Ele a segurou pelos ombros.
Seus olhares se encontraram e Sarah engoliu em seco antes de Hayden
prosseguir: — Desde que salvou minha vida, nunca mais fui o mesmo. Não
fui dono de meus pensamentos, de minhas vontades, de meus próprios
planos. Fui escravo da necessidade de tê-la para mim e não pensei em outra
coisa até enlaçá-la a minha vida para sempre.

— Hayden... — Ela não podia acreditar e fez que não.

— Sarah, ouça-me. Sei que nunca quis se casar, mas prometo que posso
amá-la por nós dois, posso fazê-la feliz como nenhuma outra mulher foi
neste mundo. Dar-lhe a vida que merece ao meu lado. Até quem sabe, um
dia possa me amar tão profundamente quanto eu a amo.

Hayden a beijou. E se isso não fosse suficiente para convencê-la de seus

verdadeiros sentimentos, nada mais seria. Tinha certeza. Soltou-a e esperou


que ela dissesse qualquer coisa, mas Sarah permanecia de olhos fechados.
Ele entendeu isso como repulsa. Ela jamais o perdoaria por não ter lhe
contado sobre a noiva e o irmão. E não podia julgá-la, afinal, estava tão
apaixonado que perderia a cabeça se pensasse que Sarah amava a outro e não
a ele.

Deu-lhe as costas, certo de que fizera o possível para provar o que sentia e
ser digno de qualquer sentimento bom com o qual ela pudesse lhe retribuir.

Sarah abriu os olhos quando ele se afastou. Seu corpo estava entorpecido
pelo toque do marido. Perguntou-se se pela vida toda seria bom assim, ainda
mais depois de ouvir a declaração de amor mais sublime e pura que ele lhe
fizera. Ela o viu se afastar e sentiu falta do contato.

— Eu o amo. — Ela confessou, finalmente.

Hayden parou onde estava ao ouvir tais palavras.

— Eu me apaixonei desde o primeiro momento e nunca deixei de pensar o


quanto seria bom estar ao seu lado — continuou falando, corajosa. — E os
sentimentos pioraram com o passar dos dias. Pensei que o amor seria um
sentimento construído ao longo do tempo. Não existe tempo para quem ama,
senhor Castle. Existe apenas amar e nada mais. Sejam algumas horas, ou
para o resto da vida, não importa.

Hayden se voltou para ela com seu olhar impetuoso e sufocante que a fazia
tremer da cabeça aos pés.

— E antes que dissesse tudo isso — prosseguiu — estava disposta a lhe


dizer que o amava tanto a ponto de lutar para provar que eu era digna do seu
amor, muito mais que qualquer outra mulher.

Dois passos foram suficientes para tê-la novamente entre seus braços. Ele a
abraçou intensamente. Sarah se aninhou a ele e deixou seu corpo se moldar
ao de seu marido. Era bom de uma forma que não sabia explicar, pela
primeira vez sentiu-se segura e amada por alguém de verdade. E não tinha
receio que na manhã seguinte Hayden acordasse e se arrependesse de seus
sentimentos. Porque Sarah sabia que o amor era verdadeiro e puro.

Batidas à porta os interromperam.

— Entre. — Ele pediu se afastando dela, contrariado.

Era Lady Eleonora.

— Willy acordou. — Ela contou.

Sarah saiu correndo do quarto e abraçou o Willy ao encontrá-lo sentado na


cama.

— Meu amor. — Ela o encheu de beijos.

— Senhorita Winter. — Ele falou com carinho, ainda um pouco sonolento.

Ela riu ao ouvir a voz dele.

— Meu querido, você está em casa agora.

— Casa?

— Estamos na casa de um amigo do senhor Castle — explicou assim.


— A senhorita não foi vendida, foi? — Ele murmurou, preocupado.

— Não. — Ela fitou o marido rapidamente antes de dizer ao menino. —

Eu estou bem, Willy. E você também ficará.

O menino sorriu e fechou os olhos, voltando a dormir.

Sarah acariciou a cabeça raspada. Lembrou-se do dia em que Hayden lhe


perguntou o que ela faria para ver Willy feliz e ela respondeu que faria
qualquer sacrifício. Na verdade, não havia sacrifício em amá-lo. Por que há
muito tempo, tornara-se como sua mãe no coração, zelando por ele, rezando
por sua vida, querendo-o tão bem a ponto de fazê-lo seu filho.

Ela sentiu a mão de Hayden em seu ombro e beijou-a com carinho. Sarah
tinha certeza que não poderia haver tanta felicidade na vida.

Queridas Barbarah e Delilah,

Escrevo esta simples carta repleta de saudades. Minha vida mudou


completamente desde que nos despedimos naquela triste manhã fria, em
East End.
Casei-me com um americano. Ficariam surpresas se eu lhes confessasse que
eu já estava apaixonada por meu marido antes mesmo do casamento?
Irônico ou não, conheci o senhor Hayden Hard Castle antes dele me
comprar no leilão. E ele não me salvou apenas de uma vida miserável, mas
de mim mesma, e das escolhas erradas que faria em minha vida, me
condenando à solidão.

Estive com nosso pai antes de partir e ele perdeu tudo o que ganhou com a
venda de nossos casamentos. Em questão de dias, ele arrastou-se novamente
para a lama desventurada na qual sempre viveu atolado. E não senti prazer
em sua desgraça, contudo, não consegui sequer lhe estender a mão. Peço
ajuda a Deus que me ajude a perdoá-lo um dia e rezo para que sua alma
alcance a misericórdia divina.

E apaixonada por meu marido, descobri que ele sentia o mesmo por mim.
Não há felicidade mais sublime do que amar e ser amada.

O que eu acreditava impossível, Deus me mostrou ser crível em

questão de horas e dias. Como um milagre. Sinto-me tão plena e agradada


do presente que a existência me ofereceu. E há mais.

Temos um filho. Não nosso, mas do coração.

Recordam-se de Willy, o garoto por quem sempre tive imenso afeto? Hayden
decidiu adotá-lo e agora ele se chama William Hard Castle. Não é um nome
lindo? Ele estava um pouco doente e tivemos que esperar sua recuperação
para partirmos. Deixamos para lhe contar sobre a adoção quando já
estivéssemos a caminho de casa, quando nossos rostos contemplavam o
horizonte infindável que guardava a América...

— Willy, eu e a senhora Castle precisamos conversar com você. —

Hayden lhe disse depois de tomarmos o café da manhã na cabine do navio.

O cabelo dele começava a crescer, estava espetado como um porco espinho.


Seus olhos azuis olharam para o senhor Castle e para Sarah, apreensivos. Ele
enfiou um pedaço de biscoito na boca e depois outro, ansioso. Hayden e
Sarah se entreolharam antes de prosseguir:
— Nós temos uma boa notícia para você, meu querido. — Sarah falou para
lhe tirar qualquer preocupação.

— Eu e a senhora Castle decidimos que a partir de agora você será nosso


filho...

O queixo do garoto caiu e ele arregalou os olhos, sem entender nada.

— Filho? — Ele perguntou, incrédulo.

Sarah estava emocionada e controlou-se para não chorar. Ultimamente


andava tão emotiva.

— Sim, meu amor. — Ela não se conteve e se ajoelhou diante dele. —

Você vai ser meu filho e eu vou ser sua mãe para o resto da vida.

Um sorriso surgiu nos lábios de Hayden quando Willy pulou no pescoço dela
e começou a chorar. Desde a saída do hospital, ele vivia silencioso, mas ao
receber aquela notícia, voltou a falar como um papagaio.

Willy levou algum tempo para nos chamar de papai e mamãe, mas o período
de convivência no navio foi necessário para nos tornarmos uma família.

Tornar-me mãe não foi difícil, afinal, eu estava acostumada a lidar com
vocês e corrigi-las para que fossem pessoas melhores.

Agora, meu maior aprendizado foi tornar-me uma esposa. Apesar de muito
apaixonada por meu marido, naqueles meses de viagem, tive que aprender a
lidar com seu jeito possessivo e autoritário. E

ele teve que considerar e compreender meu mau humor pela manhã, meu
orgulho exacerbado e meu silêncio em momentos de angústia.

E eu possuía muitas preocupações.

Não estávamos indo para um mundo de nobres ingleses arrogantes. Porém,


havia uma inquietação em minha alma ao me deparar com minha nova vida.
Em minha nova jornada, eu não era mais a filha miserável de East End, mas
a esposa bem-aventurada de Hayden Hard Castle.

Aportamos na Baía de Hampton Roads em uma manhã de sol, quando a


primavera sondava sua própria chegada ao continente.

As águas do mar banhavam o porto movimentado que não é diferente em


nada de nosso país. Aliás, o senhor Castle tinha razão: em muitos aspectos
a Virginia me faz recordar de nossa querida Inglaterra.

Uma carruagem já nos aguardava junto da Senhora Christine Castle, minha


sogra. Ela surpreendeu-se com a notícia do casamento e muito mais ao ver
Willy. Olhou-me com ciúme e a compreendo, afinal, notei sua preferência
por Hayden.

Contudo, após uma longa viagem até a fazenda de meu marido, com
conversas e esclarecimentos, ela relaxou. E notou que o filho estava
apaixonado por mim, pela maneira como segurou minha mão durante toda
viagem e a forma como nos olhávamos.

— E como se conheceram? — A senhora quis saber.

Hayden sorriu para Sarah com cumplicidade antes de responder:

— Sarah salvou minha vida. — Ele acariciou a mão da esposa e lhe sorriu
outra vez.

Aquilo tudo que ocorrera em Londres parecia um passado tão distante.

Foram dias tão intensos e agitados que era como se anos tivessem passado
até chegarem ali e não apenas meses de intensa felicidade.

Christine Castle não tinha nada contra sua mais nova nora. Ficou ressentida
por não ter participado de nenhum dos casamentos dos filhos,

principalmente de Hayden, seu filho predileto. Johnson sempre foi o mais


rebelde e desapegado, por isso, nunca fez muita questão dele.
Mas seu querido filho parecia feliz e a esposa dele estava completamente
apaixonada, era nítido. Embora, ela fosse levar algum tempo para entender
porque haviam adotado um menino das ruas de Londres, quando poderiam
ter seus próprios filhos. E o menino parecia tão arisco, olhando-a de soslaio
todo o tempo.

Willy não gostou daquela senhora de nariz empinado. Ela se parecia muito
com as mulheres que costumavam chutá-lo, no centro de Londres, e chamá-
lo de filho do demônio. Ele não conhecia seus pais, mas sabia que não era
filho do demônio. E agora, ele havia ganhado um pai e uma mãe. Ergueu-se
com a carruagem em movimento e foi sentar-se entre Sarah e Hayden.

Ficou apertado, mas ele queria assim.

— Aqui é mais cômodo, menino. Volte para cá. — A senhora Castle


mandou.

Ele fez que não e segurou a mão de Sarah e de Hayden.

— Quero ficar com o papai e com a mamãe.

Era a primeira vez que ele se dirigia assim a eles. Sarah fitou o marido com
alegria e suspirou, olhando a paisagem verde que se estendia bem diante de
seus olhos. Respirou o ar puro do campo e agradeceu a Deus por mais um
dia de vida e pela felicidade que lhe prestava.

Quando chegamos à propriedade, eu retive o fôlego. Estava entrando em


minha casa. Pedi para parar a carruagem e desci. Solicitei que seguissem
sem mim, e que eu os encontraria em alguns minutos. Hayden estranhou,
mas não me questionou. A carruagem se foi e fiquei parada ali, olhando a
bela casa que se escondia entre as árvores frondosas, com entrada de pedra
e longas fileiras de arbustos de ambos os lados. Alisei meu vestido azul e
ergui a cabeça para reverenciá-la.

— Eu sou Sarah Hart Castle. — Eu disse àquela imensa propriedade.

— E farei parte de sua história a partir de agora.


A brisa beijou minha face, respeitando minha chegada. Fui aceita, senti isso
em meu coração.

— Aqui é minha casa, onde plantarei a raiz de minha família e onde


florescerá a felicidade e o amor com a benção divina do céu! — completei
em voz alta em uma oração de gratidão.

Voltei a caminhar olhando cada detalhe do meu novo lar. A casa de dois
andares de paredes amarelas, janelas grandes e portas de madeira maciça.
Nunca vi tanta riqueza em minha vida. Sequer um dia concebi que poderia
estar vivendo algo tão pleno. Minha sogra logo partiu para sua residência
não muito longe dali e prometeu vir nos visitar. Fiquei encantada quando vi
a escada sinuosa no salão principal que nos levava aos quartos do andar de
cima. Fiquei apaixonada nos longos corredores carregados por obras de
arte que me levou ao meu quarto e de meu marido, onde uma porta conduzia
à uma enorme varanda. Dali eu podia ver toda a beleza da paisagem que me
cercava.

Creio que levarei algumas cartas para descrever tudo com detalhes e fazer
jus a beleza encantadora.

E é claro que a notícia que Hayden havia se casado em Londres repercutiu


na sociedade. Recebemos visitas das mais variadas, e conheci toda a
comunidade próxima a Georgeforth. Acredito que nunca tomei tanto chá em
minha vida. Meu rosto doía de tanto sorrir para as pessoas e tratá-

las com educação polida.

E como era esperado, o irmão de Hayden e sua adorável esposa vieram nos
visitar.

Sarah estava ansiosa para conhecer a mulher que abandonou Hayden para se
casar com o irmão dele. Quando eles chegaram, atentou-se apenas a reação
do marido. Por mais que Hayden lhe confidenciasse juras de amor, ela ainda
temia que ele sentisse algo por Lorelai. Mas Castle os tratou com uma frieza
tão impressionante, uma indiferença intimidadora, que não lhe restou
dúvidas de que não havia nada entre eles.
A moça era bonita. Lorelai Baltimore durante muito tempo foi a moça mais
cobiçada da região, mas perdeu a graça quando fugiu para casar-se com
Johnson. Sequer eram convidados para jantar na casa dos senhores mais
distintos. Muitos se apagaram ao fato de terem traído a confiança de Hayden
e tomaram suas dores. Na verdade, eles sabiam o quanto à presença deles
não era bem vista, mesmo que fossem ricos, sempre seriam vistos como
pessoas de pouca confiança.

Johnson era a arrogância em pessoa e tratou o irmão com superioridade. E

Lorelai não ficava atrás. Contudo, mesmo que Sarah sorrisse e mantivesse a
conversa a margem da traição, ela os desprezava. Não mereciam sequer o

respeito de Hayden, eram pessoas invejosas e ruins. Produto de sua própria


vaidade.

Partiram no fim da noite e Sarah acenou vendo a carruagem se afastar e


então disse ao marido:

— Espero nunca mais vê-los. — E encarou Hayden.

— Tenho a mesma esperança — sorriu para ela e beijou sua testa antes de
entrarem em casa. — Pelo menos fizemos nossa parte, não vejo disposição
de uma convivência pacífica.

— Nunca vi um homem tão invejoso e uma mulher tão arrependida —

comentou assim que o marido fechou a porta.

Ele deu um passo para ela e a segurou virando-a de frente para o grande
espelho que ficava na entrada da casa.

— Aqui, eu vejo um homem tão apaixonado e uma mulher tão desejável...

Ela riu e fez que não.

— Não pode ficar falando essas coisas em voz alta, marido. — Ela o
repreendeu.
— Então direi mais tarde quando estivermos a sós — murmurou contra a
delicada orelha de sua esposa.

Sarah o empurrou no mesmo instante que a governanta surgiu e ela o


reprovou com o olhar. Seu marido era incorrigível.

O que dizer mais sobre minha vida na América? Conheci o padre O’Neal e
estou trabalhando ajudando a igreja. Descobri ao ajudar algumas pessoas,
que elas não precisam de comida ou roupas. A fome está na alma e elas
carecem de atenção e, algumas vezes, necessitam de cuidado em meio ao
silêncio de suas tragédias indizíveis marcadas pela guerra. Sempre achei
que meu passado fosse carregado de miséria e decepção, porém, encontrei
pessoas com dores que gritavam pelas frestas das cicatrizes deixadas em
suas frágeis almas.

Meu marido tem ajudado colonos, imigrantes e índios a conviverem em paz.


Somos parecidos e acabamos por nos doar a quem necessita sem muito
esforço. Antes de Hayden notei que meus pensamentos eram tolos e meus
sonhos carregados de pobreza e fragilidades. Hoje não mais meu orgulho
rege meus dias, ou a maioria deles, mas sim o amor intenso que sinto por
minha família.

Por causa do trabalho na política, Hayden tem o costume de viajar para


Washington D.C., a capital dos Estados Unidos da América e sigo com ele,
conhecendo cada detalhe lindo deste país que está se tornando a cada dia
minha pátria. Aqui o verão é mais quente e o inverno muito parecido com o
nosso. Os americanos não são muito ligados às etiquetas sociais, contudo,
podem ser tão puritanos quanto nós somos.

Tanto tempo sem escrever fez com que eu falasse demais.

Anseio em revê-las em breve, sinto saudades.

Aguardo notícias suas.

Amo a cada uma com todo o meu coração. Nunca se esqueçam de rezar
todas as noites, serem prudentes, boas esposas, submissas e amem seus
maridos como a si mesmas. E ensinarem seus filhos a serem pessoas boas.
Vocês podem perder tudo, mas nunca as esperanças de dias melhores. A fé.

Sarah Hard Castle.

Virginia, 1792

— WILLY, JÁ MANDEI parar de correr pela casa. — Sarah o repreendeu


enquanto via os dois enormes cachorros correrem atrás do menino. — Vá
brincar lá fora.

— Sim, mamãe. — Ele fez uma careta e balançou os cabelos ruivos antes de
sair correndo de novo seguido pelos cães.

Ela sorriu e balançou a cabeça, desolada. Willy era um bom menino, mas
ainda precisava de muito pulso firme para colocá-lo na linha e fazê-lo ter
uma boa educação.

Sarah terminou de arrumar o vaso com as flores e sentiu um familiar arrepio


pelo corpo. Olhou para trás e viu o marido parado encostado à porta,
olhando para ela. Seu coração bateu forte e não conteve o sorriso. Hayden
também a brindou com um sorriso enquanto se desencostava para caminhar
até ela.
Roubou-lhe um beijo rápido. Sabia que Sarah detestava demonstrações de
afeto à luz do dia e principalmente diante dos empregados ou pessoas
estranhas.

— Senhor Castle! — Ela o reprovou com formalidade como sempre fazia


quando estava irritada.

— Hayden. — Ele pediu.

— Não está merecendo que eu o chame pelo nome de batismo. — Ela ficou
séria.

— Eu tenho um presente para você, minha querida.

Não queria mostrar o quanto ficava feliz quando ele a chamava de minha
querida. Mas deixou o sorriso escapar de seus lindos lábios, sentindo um
profundo anseio comover seu íntimo.

— E o que é?

Ele trouxe as mãos à frente do corpo e em uma delas segurava um rolo de


papel.

— O que é isso? — perguntou, curiosa.

Ele empurrou o vaso de flor de cima do móvel e abriu o papel e mostrou a


Sarah.

— Este é seu presente.

Sarah se aproximou e vislumbrou o desenho de uma pequena igreja.

— O quê? — Ela o fitou, perplexa.

— Vou construir uma pequena capela, em nossa propriedade, para que você
possa fazer suas orações quando quiser e não precise ir tão longe quando se
sentir cansada.

Sarah não podia acreditar.


— Não gostou?

Sarah levou a mão aos lábios e deixou a lágrima escorrer. Uma e depois
outra. Quando viu estava chorando.

— É maravilhoso! — sussurrou.

— Que bom que gostou. — Ele enrolou o papel novamente.

— Só não é mais maravilhoso do que o bebê que carrego em meu ventre.

— Ela falou de uma vez.

Hayden arregalou os olhos muito azuis e virou-se para ela devagar,


assimilando cada palavra que ela disse.

— O quê?

— Eu ia contar durante o jantar especial que ia fazer, mas achei mais


propício agora.

— Está grávida?

— Depois de dois anos casados, senhor, compartilhando de nosso leito quase


todos os dias, acredito que seja mais do que normal — ponderou.

Ele sentiu a felicidade invadi-lo de forma inexplicável. Ansiava por um

filho mais do que qualquer outra coisa na vida.

— Tem certeza?

— Minhas regras estão atrasadas há dois meses e senti vontade de comer


terra outro dia — explicou, envergonhada.

Hayden a pegou no colo e a girou, rindo feliz.

— Solte-me! — Ela mandou. — O que os empregados vão pensar?


— Não dou a mínima, senhora Castle. — E começou a caminhar com ela
nos braços.

— Para onde está me levando?

Hayden entrou com ela na sala de descanso e chutou a porta para fechá-la.

Colocou Sarah no chão e antes que ela protestasse, beijou-a com ardor.

— Não faça isso. — Ela pediu, ofegante. — Alguém pode nos ver.

— Eu posso! — A voz de Willy soou atrás dele.

Hayden ergueu uma sobrancelha e fitou o garoto, incrédulo.

— Como entrou aqui? — perguntou, curioso.

— Eu pulei a janela e vocês entraram, então, eu me escondi — explicou


encolhendo os ombros.

— Não mandei você brincar lá fora? — Sarah o repreendeu, nervosa por ele
ter visto o beijo.

— Mandou. — O menino se aproximou deles. — Mas eu não consigo ficar


parado.

Sarah riu e Hayden também.

— Tem que aprender a obedecer a sua mãe, Willy. — Hayden se aproximou


dele. — E ajudá-la porque daqui a pouco teremos um irmão ou uma irmã
para você.

— Um bebê? — O menino quase gritou entusiasmado.

— Sim.

— E quando ele vai chegar? Quem vai trazê-lo? Ele vai vir em uma caixa
grande ou dentro do cesto de frutas?

Os adultos riram da inocência de Willy.


— Nós ainda não sabemos. — Sarah ajoelhou-se na frente dele. — Mas ele
será tão amado quanto você é — acariciou o rosto do menino.

— E posso escolher o nome dele? — Willy quis saber.

— Pode. — Hayden permitiu. — Mas teremos que concordar.

— Se for menino quero que se chame Luke.

— Posso saber por quê? — Sarah perguntou ficando de pé.

— Era o nome do meu melhor amigo, em Londres. — O menino explicou.

— E se for menina? — Ela inquiriu.

Willy pensou erguendo os olhos e depois disse:

— Que tal Rose?

— Rose?

— Uma linda rosa do nosso jardim. — Ele explicou.

Sarah o abraçou.

— Sim, meu amor. Nosso bebê será uma linda rosa do nosso jardim...

Hayden se aproximou e os abraçou também.

Deus,

Obrigada por tudo. As coisas ruins que passei me fizeram chegar aqui. E
temo dizer que viveria tudo outra vez, apenas para ter a felicidade que
tenho. Obrigada pelo pai ruim que tive, se não fosse por ele, eu jamais teria
me casado com Hayden. Pode cuidar dele em Londres? Eu sei que sim.
Obrigada. Cuide das minhas irmãs e as faça encontrar essa felicidade que
eu sinto: a alegria de viver que excede todo o entendimento.

Com Amor,
Sua filha Sarah.

Fim.

ESCREVER ESSA SEGUNDA trilogia e ter nas mãos uma personagem tão
linda como Sarah Winter foi um privilégio. Sarah não é somente fruto da
criatividade, ela é o símbolo de muitas mulheres que desistem de acreditar
no amor por causa de traumas que vivenciaram. Sarah simboliza a
necessidade que todos nós temos de ter alguém especial ao nosso lado,
mesmo que não tenhamos mais esperanças. Ela é o exemplo de que com fé,
tudo pode acontecer.

A mágica da vida não é o mar se abrir diante dos nossos olhos, mas os
pequenos milagres como um sorriso, uma gentileza, uma palavra solidária, o
respeito, um abraço amigo, um olhar de misericórdia ou uma oração de paz.
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Sinopse
Ao ficar viúvo John Winter decide se livrar das filhas e as vende em Londres
para cavalheiros que não se importam em comprar uma esposa.

Solteiras e em idade para casar, as três senhoritas veem seus caminhos


mudados para sempre. Sarah é vendida a um fazendeiro americano. Delilah é
comprada por um mercador indiano. E Barbarah parte ao encontro do dono
de uma misteriosa propriedade na Cornualha.

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Sinopse

Burke Gallagher é um irlandês que partiu rumo aos Estados Unidos com
apenas dez dólares no bolso e se tornou o dono da maior cervejaria do país, a
Cervejaria Gallagher, ficando conhecido no mundo todo pelo excelente
produto e por sua perspicácia nos negócios.
Preocupado com o futuro de seus três filhos, decide dar um basta nas suas
vidas boas e lhes dá uma ordem: cada um teria que partir para o Oeste com
apenas dez dólares no bolso e quem conseguisse ser mais bem-sucedido, no
prazo de um ano, ficaria com a fábrica de cerveja. Os irmãos então partem
dispostos a vencer o desafio e viverem suas próprias aventuras.

Sinopse
Ashworth Handeston tornou-se, aos trinta e cinco anos, um dos homens mais
ricos da Inglaterra investindo na indústria têxtil. Infelizmente, Ashworth não
pôde se casar com a mulher que amou em segredo, Ondine Cohen, sua
governanta, e se uniu a uma rica herdeira escocesa, Jessamy Heylock.

Contudo, o coração daquele homem sedutor não se conteve apenas com

aquelas mulheres, ele conquistou o coração e a devoção de Amabel


Kershaw, uma jovem londrina que abandonou tudo para tornar-se sua amante
ao norte do país. No final de uma tarde fatídica, parte da fábrica sofre um
incêndio e Ashworth e mais alguns empregados morrem queimados.

Três mulheres presas a um homem sem coração, livres para guiar seus
próprios destinos.

Quisisana, uma história, uma vida

O Duque

O Yankee

O Plebeu
A Casa da Colina

De Volta à Casa da Colina

O Cavalheiro de Shetwood

A Carta

Conde de Denbigh

Sublime

A Força do Amor

O Poder do Amor

A Glória do Amor

Danior

Vladimir

Xavier

O Pirata e a Prisioneira

A Maldição do Rei

O Feitiço da Princesa

Caçada de Mestre

Uma Segunda Chance

O Falcão do Deserto

O Amante Espanhol

Escolhas
O Pescador

O Vira-Lata

O Playboy

Ralph

Duplamente CEO

O Baile de Carnaval

Fim de Semana com o Chefe

Quero Me Casar

O Editor

O Destino de Sarah

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AGRADEÇO A PARTICIPAÇÃO de Diane Bergher, que é uma parceira
maravilhosa, escritora séria e muito talentosa. Foi através do livro de
Barbarah que conheci Sarah de um modo especial. Obrigada a Silvana
Barbosa pela participação.

Sem dúvida, aos meus leitores o carinho, as blogueiras, aos profissionais


envolvidos, e todos que participam nas mídias sociais apoiando o meu
trabalho tem minha total gratidão.

Com amor para Rebeca, Davi, Isaac e Alessandro.

E agradeço a Deus pelo dom que me deu de escrever!

FLÁVIA PADULA é mineira e formada em jornalismo, paixão que deixou


de lado muito tempo para cuidar dos filhos e da família. Acabou desviando
pelo caminho profissional na área da administração, onde tem formação
acadêmica, mas acabou retornando para a escrita, que é sua paixão desde a
infância. Escreveu o primeiro livro aos 12 anos, e continuou sua trajetória
com publicações acadêmicas e artigos de filosofia e relacionamentos em
blogs especializados. O primeiro romance publicado veio apenas em 2015,
com o livro O Duque que inesperadamente foi abraçado pelos leitores e
tornou-se BestSeller pela Amazon. Hoje, Flávia tem mais de trinta trabalhos
publicados, entre romances, novelas e contos. É
uma leitora ávida, e não tem preferências, lê de tudo e acredita na
diversidade da literatura.

Entre em contato com a autora em suas redes sociais:

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Gostou do livro? Compartilhe seu comentário nas redes sociais e na


Amazon indicando-o para futuros leitores. Obrigada!
Document Outline
Apresentação
Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Epílogo
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