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Copyright © 2019 Flávia Padula
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Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Epílogo
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Agradecimentos
Sobre a autora
Contato
O Selo “Damas do Romance” é um projeto único e audacioso que reúne três
das mais talentosas autoras do romance de época brasileiro para contar
histórias de amor que se entrelaçam, onde cada uma delas irá trazer o
brilhantismo de sua narrativa.
As Irmãs Winter nos apresenta a história de três irmãs que foram vendidas
pelo pai para diferentes homens que buscam por esposas de uma maneira
pouco convencional. Cada uma das irmãs é entregue a um homem diferente
e, por diferentes motivos, partem em busca de seus destinos sem saber ao
certo como se portarem ou o que devem esperar de seus maridos.
Assim cada irmã traz uma história diferente e cada história é contada por
uma autora:
Silvana Barbosa, por sua vez, com um enredo muito romântico e preciso,
nos apresenta a doce e meiga Delilah, a irmã do meio, cujo casamento
forçado com um indiano a faz descobrir uma nova cultura e um homem com
Por fim, Diane Bergher e seu texto delicado e sensual conta a história de
Barbarah, a protegida caçula dos Winter, que é enviada para a Cornualha
com o objetivo de ser esposa de um nobre de vida reclusa e atitudes
suspeitas e que a levam a investigar os segredos que o castelo esconde.
Sarah Winter sempre quis ser freira. Depois de ver a mãe apaixonada sofrer
na mão do pai indiferente, ela decidiu que jamais seria esposa de alguém.
Cega em seu objetivo, ela nunca desejou um casamento, mesmo quando seu
coração encontrou o amor. O americano Hayden Hard Castle vai à Inglaterra
para tratar de negócios, quando tem a vida salva pela jovem Sarah por quem
ele se sente imensamente atraído. Quando John Winter decide leiloar as
filhas, tudo pode mudar na vida de Sarah e Hayden e a paixão que se revelou
como uma brisa fresca pode se tornar um amor em meio a mais frias das
tempestades.
Londres,
17 de setembro de 1790
18:30 horas
John Winter tentou fechar o casaco, mas a barriga protuberante não permitia.
Sua aparência desleixada, bem como o rosto rude e feio, refletia o mais
profundo de sua alma. O cabelo branco crescia apenas dos dois lados da
cabeça, como duas faixas que se encontravam na nuca e formavam um
pequeno rabo de cavalo que de tão sujo, não necessitava tira de couro para
prendê-lo. As prostitutas lhe torciam o nariz. Preferiam dormir com os
bêbados imundos do que com o miserável Winter.
Edith lavava roupa para sustentar a casa, contudo, com sua morte, não
acreditava que as filhas seguiriam o mesmo caminho em ajudá-lo a pagar as
dívidas de jogo. Sua esposa entendia a importância de ser submissa à
autoridade dele, enquanto suas filhas eram mal-agradecidas e o viam como
um homem desagradável que não conseguia sustentar a própria casa,
vivendo bêbado na companhia das meretrizes e perdendo até mesmo o
dinheiro que não possuía. Por isso, não ia sustentá-las mais um dia. Sua
obrigação terminara há muito tempo, quando se tornaram mulheres e
poderiam ter encontrado um bom casamento, se não fosse a ideia infame de
amor e destino.
Klain gostou do que ouviu. Com um sorriso malicioso, imaginou que diante
de qualquer ideia que viesse do velho John, ele poderia tirar algum proveito.
Era magro demais, e durante a infância tornou-se um dos melhores ladrões
de East End por causa de sua agilidade e a facilidade em fugir da polícia. Os
cabelos escuros pendiam oleosos sobre o rosto cavado, olhos grandes e azuis
e dentes muito amarelados. De ladrão tornara-se um importante gigolô
daquele lado da cidade. A prostituta que não trabalhasse
para ele, bem como os garotos que roubavam nos portos e pelo centro da
cidade que não lhe dessem lucros, não podiam morar daquele lado do bairro.
E Klain matava sem piedade. Não lhe custava tirar a vida de quem quer que
fosse.
Quanto mais daquele verme parado a sua frente. Estava se cansando das
desculpas de John que apenas lhe trazia problemas.
— Espero que seja algo inteligente, John. Não quero ter que jogá-lo em uma
vala. — Seria um alívio fazê-lo, Roger refletiu com honestidade.
— Claro que não — assegurou. — Tenho uma ideia que fará de nós dois
homens muito ricos.
— E o que vai dizer a elas, John? Não posso fazer um leilão e depois suas
filhas se recusarem a vir.
— propôs pensativo.
— Acha mesmo? Homens nobres não se casam com mulheres sem origem
— duvidou.
— Deixe isso comigo, John. Cuide apenas para que suas filhas não
desconfiem de nada. Atentarei para que nosso negócio dê certo. — E sorriu
feliz por saber que se tornaria um dos homens mais ricos em East End em
poucos dias.
Londres,
17 de setembro de 1790
20:30 horas
Aliás, ela adorava tricotar para dar de presente aos mais necessitados.
Agora, com a morte da mãe há pouco mais de uma semana, tinha certeza que
o pai não se oporia à vontade dela de partir para o convento e fazer a obra de
Deus. Tinha prazer nisso, sem dúvida. Havia nascido para ajudar as pessoas
e se compadecia do sofrimento de qualquer um. Daria sua vida por eles, se
necessário. Não era hipocrisia, era parte de sua alma se doar em prol dos
mais necessitados. Era uma forma de não lamber as próprias feridas e não se
curvar diante das auguras do destino.
Naquela noite, por pouco, não faltou sopa para todos. Quando finalizaram o
trabalho, elas e as freiras ficaram sem ter o que comer. Irmã Judith lhe trouxe
um pouco do que restara.
Willy a viu e sorriu. Sarah era uma das poucas pessoas em que ela confiava.
Ela olhou para a sua própria sopa e depois para ele e lhe devolveu o
Ele assentiu.
Irmã Judith lhe trouxe uma bacia com água e Sarah limpou o rosto e o
supercílio ferido. Willy se aproximou e ficou olhando para ele. O garoto
virou o rosto de lado e disse:
A voz dele a fazia lembrar o de Albert Sam, o cantor barítono que morou ao
lado da casa de Sarah. O senhor Sam era um excelente músico, mas seu
talento não fora reconhecido, e morreu pobre. As histórias que aconteciam
em volta de Sarah, geralmente não eram nada agradáveis, a maioria de suas
personagens morriam loucos sem qualquer poesia. A vida real não tinha rima
ou graça quando vista sob a perspectiva do sofrimento e da solidão.
Contudo, a voz do senhor Sam a remetia a uma sensação boa de paz. A voz
daquele desconhecido a perturbava.
— É um anjo, senhorita?
Sarah voltou-se para ele, sentindo o rosto queimar de vergonha. Por ser
muito branca, tinha certeza que seu rosto deveria estar vermelho. Apenas
ignorou as últimas palavras do desconhecido, tomando-as como tolice de um
homem que batera com a cabeça.
Ela estava vencida. Não podia lutar contra o amor que Willy sentia por ela.
Sorriu para ele com o mesmo apego e ele lhe estendeu a vasilha. Sarah
acariciou o rosto dele.
— O que eu faria sem você, Willy? — Ela perguntou com imenso carinho.
O homem fitava seus lábios quando ela passou a língua por eles. Foi um
gesto impensado, feito tantas vezes, que nunca imaginou que um homem
— Estava perdido?
— Não. — Ele fez que não. — Na verdade, eu queria ficar sozinho e perdi o
rumo — explicou.
— Este bairro é perigoso. Pessoas morrem aqui por nada todas as noites.
— Sozinha?
Sarah olhou para ele e seu coração acelerou. Ele a fitava de uma forma tão
aberta que a fez respirar fundo. Aquele homem estava flertando com ela?
Não era possível! Seu jeito austero e indiferente, sempre deixou os homens
afastados. Era uma surpresa. Ela desviou o olhar e terminou de tomar a sopa,
quase derrubando pelos lábios e se ergueu.
O homem passou os olhos para as mãos dela que seguravam seu braço forte
e firme. Sarah tirou as mãos depressa.
— Eu farei. Prometo.
Ele segurou a mão dela, estava fria. Sentiu-a estremecer quando beijou a
mão de dedos finos e delicados. O toque foi breve, mas o fez sentir um
desejo pungente por aquela mulher. Sarah comprimiu os lábios e franziu o
cenho, ficando brava com a audácia do desconhecido por tocá-la de forma
tão íntima, tirando sua tranquilidade. Tirou a mão e ergueu-se.
— Senhorita Winter. — Willy saiu correndo atrás dela. — Preciso lhe contar
uma coisa!
Quando chegou em casa, já estava tudo escuro. Era sexta-feira, por isso,
tinha certeza que o pai estava fora. Ele costumava sair e sumir por vários
dias e as filhas davam graças a Deus por isso. E agora que a esposa morrera,
nada mais o prenderia.
Sarah andou na escuridão. Conhecia de cor onde ficava cada móvel, por isso,
caminhou sem esbarrar em nada. Foi até a porta do quarto que dividia com
as irmãs. Barbarah e Delilah já dormiam e respirou, tranquila.
Então, foi para perto do fogão aceso pela lenha que ainda queimava. Com
certeza, enxerida como era, Barbarah conseguira lenha em algum lugar para
esquentar a casa, já que lhes faltava o que comer. Desde a morte da mãe, o
pai não fazia muita questão de sustentar a casa. Aliás, ele nunca fez questão
de nada. Caso não fosse por Edith Winter, as filhas teriam sucumbido a
morte por causa da fome.
Preocupava-se com o fato de que estando longe, o pai fizesse mal às suas
irmãs menores. Ambas eram tão inocentes e sonhadoras e como não tinham
qualquer dote para conquistar um casamento decente, temia que o pai as
entregasse por meia dúzia de ovos ou uma garrafa de rum barato.
John Winter não fora um marido ou um pai a quem pudesse citar como um
exemplo de cidadão e honra. Notava-se que sua mãe devotava ao marido
uma adoração que ele não correspondia. Era seco, frio e indiferente. Diziam
que era um homem muito bem-humorado até que participou da construção
da ponte de Westminster, em 1750 e após um acidente ficou manco, tendo
dificuldade em arranjar um emprego bom e digno. A falta de autoestima o
levou a se casar com a primeira mulher que lhe interessou e o fato de viver
pulando de um emprego para outro, fazendo com que a prosperidade da
família oscilasse, fez com que a pobreza fosse a realidade deles. E a mãe não
resistiu a tanto sacrifício e sucumbiu à tristeza, morrendo jovem.
Sarah pediu perdão por odiar o pai, às vezes. E não entender porque a mãe,
sendo uma pessoa tão boa, morrera. Estava tão cansada de tudo, mas ainda
tinha forças para lutar.
— Ajude-me a aceitar o que eu não posso entender — murmurou antes de
abraçar o próprio corpo, tentando suprir a solidão que a assolava.
Pensou em ir atrás, mas estava frio lá fora e corria o risco de perder seu
colchão e não queria dormir no chão frio mais uma vez. Voltou para perto do
homem de quem Sarah salvara a vida e sentou-se ao lado dele no colchão.
— Como se fosse a minha irmã mais velha. — Ele falou com carinho. —
Ela foi à única que me defendeu por aqui — aproximou-se do homem para
lhe contar um segredo. — As freiras não gostam muito de mim.
Willy o olhou dos pés à cabeça. A casaca de corte bem feito, as calças
escuras e alinhadas, as botas longas e bem polidas se não fosse pela sujeira
adquirida com a briga de momentos antes.
— O que um homem rico faz aqui nesse bairro? — Ele estreitou o olhar.
— Não é da polícia, é?
— Sou americano.
— E o que esperava?
— Entendi...
— O que foi?
— O senhor é casado?
— Não.
— E por que eu faria isso? — Ele estranhou. — Pelo que entendi, ela vai ser
freira.
— Porque eu queria que ela fosse para bem longe daqui. — Ele
confidenciou.
De repente, Hayden se via querendo saber mais sobre aquela jovem bonita e
extremamente vivaz. Poucas mulheres haviam despertado sua curiosidade.
O americano não gostou daquilo. Mal a conhecia, porém, havia notado que
era uma pessoa boa e se ele pudesse ajudar, não falharia com ela, depois do
que ela havia feito para ele, salvando sua vida.
— Ela salvou minha vida, Willy. Não acha que devo retribuir?
— Sim.
— E matou alguém?
— Matei meus inimigos, Willy. Em uma guerra você tem que matar para
sobreviver — explicou com cuidado.
O garoto refletiu.
— Você acha?
— Sim. Às vezes, temos que fazer coisas das quais não gostamos para
sobreviver. — Willy discorreu.
Hayden imaginou que Willy era muito maduro para a idade que possuía.
Imaginou quantos horrores ele não vira ou vivia para pronunciar palavras tão
maduras?
— Minha carteira. — Hayden pegou de volta. Mas decidiu não ficar bravo
com Willy. — Por que me devolveu?
— O senhor me parece ser uma pessoa boa e quero que ajude a senhorita
Winter — respondeu, sincero.
E tenho que dar parte do que eu ganho ao Roger Klain — murmurou para
que ninguém os ouvisse.
— O quê?
— Não. — Hayden o olhou nos olhos. — Não vou fazer isso, dou minha
palavra.
— Mas tem que fazer alguma coisa para salvar a senhorita Winter. — Ele
pediu. — Não pode deixá-la ser vendida como uma daquelas mulheres que
trabalham naquele lugar. Ela é muito boa e quer ser freira e ajudar as
pessoas, entende?
— Eu já disse para ficar tranquilo, não vou colocá-lo em risco ou até mesmo
a senhorita Winter. — Ele afirmou. — Sabe quem vai participar desse leilão?
— Homens ricos?
— Alguns. Eles querem ganhar muito dinheiro com isso. Talvez encham o
salão de gente — esclareceu. — O que vai fazer?
— Está bem. — O menino concordou mais calmo. — Mas se fizer algo ruim
que atrapalhe a senhorita Winter, eu acabo com você!
Hayden teve vontade de sorrir diante da coragem daquele pequenino.
— Tudo bem. — Hayden fingiu se intimidar. — Não vou fazer nada que
possa prejudicá-los.
— Você vai saber, Willy. Na hora certa. Mas tem que me prometer que não
vai dizer nada a senhorita Winter, está bem?
Hayden não pensou que precisaria viajar tão longe para encontrar
humanidade nas pessoas que menos esperava. Em meio aquele albergue, um
pequeno ladrão confiava nele seu segredo e expectativas, e ainda dividia
com ele o cobertor furado em uma noite fria. Aceitou a oferta e fechou os
olhos.
Logo sentiu Willy relaxar ao seu lado e recostar a cabeça em seu ombro. O
garoto deveria estar exausto. Não apenas pelo cansaço de um dia nas ruas,
mas todo o estresse que passava por ter que lutar pela vida ainda tão jovem.
Hayden Castle conhecera o horror de uma guerra de perto, mas vira seu país
sair vitorioso, mesmo depois de tantas mortes, o que justificava anos de luta.
Destruição em nome de um bem maior. Contudo, olhando ao redor e vendo
aquelas pessoas buscando um pouco de abrigo quando haviam perdido tudo,
perguntou-se em que tipo de guerra velada viviam, onde muitos eram
sacrificados todos os dias, para que outros enriquecessem e vivessem bem. E
Unidos ir parar em um albergue em East End, e ser salvo por uma mulher
que não queria mais nada da vida a não ser tornar-se freira e cuidar do
próximo.
Uma linda jovem que não se importava de dividir seu prato de sopa com um
ladrãozinho, que em sua vida miserável, conheceu o amor da forma mais
simples que Hayden já vira. Admirou Sarah Winter mais ainda.
HAYDEN ACORDOU E levantou-se antes da maioria das pessoas. As
freiras já se movimentavam distribuindo pães sobre o balcão. Pensou em ir
embora, mas a figura frágil e bonita de Sarah Winter adentrou ao salão. Ela
tirou o casaco e o pendurou no cabideiro olhando atentamente para Willy
que ainda dormia e sorriu. Um sorriso encantador que desapareceu quando
ela se virou e deparou-se com o desconhecido da noite anterior.
Ela sentiu uma onda quente no peito e não gostou. Constrangida com aquela
estranha sensação de desconforto que ele lhe causava, seguiu em frente,
tentando não o olhar. Contudo, mesmo com a roupa amarrotada e o cabelo
em desalinho, aquele homem conseguia ficar bonito, embora isso não fizesse
diferença para ela.
— Não tenho servos, senhor. — Ela o cortou. Não estava achando graça
naquele bom humor dele.
— Nós não...
Hayden adorou a irmã Judith e sorriu para ela com seu charme, fazendo a
freira corar, antes de olhar para a sisuda senhorita Winter.
Sarah sabia que toda ajuda era bem-vinda, realmente. Mas por algum motivo
inexplicável, queria que aquele homem fosse embora. Ela poderia partir e
voltar em outro momento, mas as freiras precisam de ajuda na limpeza e
preparar o almoço para a próxima leva de pessoas que chegariam.
Hayden sorriu ao notar que tinha o poder de irritá-la. Isso era um bom sinal.
Ele não sabia para quê, mas lhe trazia um prazer imensurável. Foram para os
fundos do salão, saíram para o pátio do que parecia ser o convento,
atravessaram e saíram ao lado da igreja de pedras negras. Havia quatro
carroças. Sarah pensou com maldade que ele não daria conta.
— E para onde devo levar tudo? — Ele quis saber, enquanto verificava a
carga.
para trás para ele abrir a parte detrás da carroça e colocar um enorme fardo
de arroz nas costas, sem qualquer dificuldade.
— Sim, desculpe-me.
Ela o viu se afastar pelo corredor e soltou um longo suspiro. Quem era
aquele homem? Ele não parecia um pobre coitado precisando de ajuda.
Sarah tentou controlar seu gênio, talvez, fosse apenas um bom homem
tentando ajudar. Qual era o problema?
Temia que ele ficasse chateado com ela. E tudo culpa daquele senhor Castle!
Ele não podia tocar uma mulher de maneira tão imprópria como fizera com
ela na noite anterior quando beijou sua mão! Que absurdo! Sarah pensou
revoltada enquanto entregava o pão às pessoas, sem sequer notar que a
agradeciam. O senhor Castle provocava o que havia de pior nela: a raiva, o
orgulho, a maldade e a ironia, e isso em tão pouco tempo. Ele era cínico.
Estava bem e não parecia nenhum pouco cansado. Notou como o cabelo
pendia sobre o rosto ao se soltar da tira e como a barba estava por fazer.
Nem de brincadeira Sarah queria vê-lo mais vezes. O bom era que
finalmente ele iria embora.
— Desculpe-me, senhor Castle, mas está com pressa? — A irmã Judith quis
saber.
— De modo algum, estou livre para ajudar no que precisar. — A voz dele
soou acolhedora.
Sarah não se conteve e olhou para ele. Hayden sorriu mais uma vez. Até o
sorriso dele a irritava. Em seguida, ele piscou para ela. Sarah arregalou os
olhos, furiosa. Como ele ousava cometer um ato tão íntimo e indiscreto? Ela
se ofendeu grandemente e lhe deu as costas.
Hayden fizera de propósito para deixar a senhorita Winter constrangida ao
notar que ela não parava de encará-lo.
— Duas portas estão com problemas, poderia dar uma olhada nelas e ver o
que tem que ser feito? Claro, se não for abusar de sua boa vontade.
A irmã Judith sorriu e Sarah ficou revoltada. Por que ele não ia embora?
Homem lascivo e imprudente. Havia piscado para Sarah com malícia! Como
ele ousava? Não eram íntimos ou amigos, e nunca seriam nada um do outro!
Hayden começou seu trabalho e cantou uma antiga música infantil que sua
mãe costumava cantar para fazê-lo dormir. Sarah conhecia a melodia, sua
mãe cantava para ela e as irmãs para distrair quando estavam com fome e
não tinham o que comer e isso a emocionou. Lembrar-se da mãe ainda a
feria profundamente. A saudade doía.
Sentiu vontade de pedir que se calasse, mas mordeu os lábios e não disse
uma palavra, sequer reclamou. Não podia dar o gosto aquele homem de
saber que a incomodava.
— Está tudo bem, Sarah? — A irmã Judith se aproximou com seu sorriso
simpático de sempre.
— Está, irmã.
— Algo a incomoda?
— Sim, quer dizer não de forma grosseira e que ofendesse minha honra.
— Teve que admitir. — Mas ele beijou minha mão — apontou a mão que ele
beijara e olhou para ela. Ainda podia sentir o toque dele queimando
exatamente ali e balançou a cabeça fugindo dos pensamentos torturantes. —
A irmã compreendeu.
— Com certeza, de onde ele vem esse tipo de atitude denota educação —
Sarah olhou para ele que assoviava a música e batia o martelo na porta.
Ficou chateada como uma criança pelo fato da irmã não lhe dar razão.
— É diferente, são meus amigos e... — Ela pegou o cobertor e sentiu algo
molhado. — Oh, Deus! Alguém... — Não teve coragem de falar.
Leve o colchão para o sol e coloque o cobertor para lavar junto com as
outras roupas lá fora.
Pegou a pedra de sabão e usou toda sua energia para lavá-las, não vendo a
hora passar. Sua mãe costumava dizer que nada melhor do que lavar um
cesto
Sarah colocou o último lençol no varal e o sol bateu contra sua face, e sentiu
um calor gostoso. Fechou os olhos e agradeceu pelo frescor do vento, em
seguida. Tudo que Deus fazia era perfeito e agradável e ela tinha que ser
grata por estar viva e com saúde. Quando abriu os olhos, o vento balançava
os lençóis e ela viu um par de pernas masculinas atrás deles.
Hayden afastou o lençol e surgiu diante dela, a camisa suja pelo trabalho, o
rosto impassível, os olhos azuis terrivelmente lindos. Parou e ficou olhando
para Sarah. Ela reteve o fôlego e sentiu as mãos tremerem. O sol brilhava
contra o senhor Castle lhe dando um aspecto selvagem que ela não soube
definir, talvez, soubesse, ele era mal. Ele era a tentação em pessoa e a
incomodava a ponto de fazer seu coração bater depressa e pensar na
inspiração divina de Deus quando criou um homem tão bonito.
Ele ergueu a mão e ela se encolheu quando aqueles malditos dedos macios
tocaram sua testa e tirou o excesso de espuma que ela deixara ali sem
perceber. Hayden mostrou a ela.
Mas ouvia a melodia de sua voz rouca e vibrante o tempo todo. Descobriu
que ele era americano e tinha uma fazenda na Virginia. As freiras pareciam
empolgadas com a presença dele como jamais Sarah notara antes.
— E que tipo de negócios? — Peter era um dos ajudantes que vinha todas as
manhãs ajudar na preparação do almoço. — O senhor também possui um
navio? A maioria dos americanos tem.
Hayden riu. Sarah notou que ele sorria a maior parte do tempo. Como um
bobo, ela reprovou. Teve vontade de dizer de forma grosseira que os
americanos não eram donos de navios e sim pessoas selvagens e irritantes.
— Não tenho um navio, Peter — assegurou. — E meus negócios dizem
respeito ao povo da Virginia.
Hayden achou melhor não falar sobre sua carreira política. Apesar de
Sarah não se conteve, chegou o corpo para frente e o fitou do outro lado da
mesa.
— Dizem que seu país quase foi destruído pela guerra. — Ela ousou falar,
esperando que ele não se importasse.
Hayden a tinha visto desaparecer das vistas dele. Notou que ela também
estava abalada com aquela súbita atração que sentiam. O que era normal,
afinal, ela era uma aspirante à freira e com certeza, jamais tivera contato
com um homem antes. Sequer deveria saber que aquilo era normal entre
homens e mulheres. Por isso, estava tão ofendida. Felizmente, Hayden era
experiente para saber que tais sensações iam embora à mesma velocidade em
que chegavam. O que não se alimentava, morria.
Ele apoiou o cotovelo sobre a mesa para fitá-la do outro lado e respondeu:
— Sim, mas tive um ferimento na perna e acabei voltando para casa mais
cedo — falou sem qualquer orgulho.
Ela ergueu o olhar e notou que todos aguardavam sua resposta. Inclusive as
freiras. Sarah limpou os lábios com o guardanapo e voltou a encará-lo.
Eles se encararam e ela desviou o olhar para o prato outra vez. Hayden ficou
olhando para ela, surpreso por se mostrar tão eloquente e firme em suas
opiniões. Pela primeira vez, viu seu ferimento na perna sob outra
perspectiva, não a da dor e do sofrimento, mas da ventura por estar vivo. E
ali, conhecendo a fascinante senhorita Winter.
Sarah havia acabado de ajudar uma mãe a dar banho em uma criança e trocá-
la. A menina de cinco anos tinha um ferimento grave na perna depois de um
acidente com o pai violento. A mãe pegou a menina no colo, agradeceu e foi
embora. Sarah se voltou para ele.
Um sorriso se formou no canto dos lábios e ele colocou as mãos para trás do
corpo.
— Não consigo evitar — respondeu, acanhada por ele ter notado essa
característica dela em tão pouco tempo de convivência.
Irmã Lucy cutucou irmã Judith e elas sorriram uma para a outra com
cumplicidade, mas nem Sarah ou Hayden notaram.
— Tenho uma vida simples, senhor Castle. Não me resta muito, além disso
— respondeu sem qualquer traço de amargura na voz. Sarah recostou-se na
parede, as mãos presas atrás do corpo.
— Não muito. Pouco conheci fora dos arredores de East End — contou.
A pergunta era íntima demais para que ela respondesse. Mas não achou
necessário exortá-lo por causa de suas diferenças de educação. Talvez, as
moças mais nobres não se importassem de terem suas vidas íntimas
reveladas.
— Jamais pensei em ser outra coisa que não fosse ser freira, senhor Castle.
— Ela respondeu, séria.
Não ofendia, apenas a incomodava que ele quisesse saber tanto sobre ela.
— A última coisa que desejei foi ser uma mulher casada como minha mãe e
as mulheres que me cercavam foram ou serão — confessou sem se conter.
Disse a ele o que jamais revelou em voz alta, como se fosse uma forma de
limitar a indiscrição daquele homem. — Prefiro a morte a ser infeliz em um
casamento.
— Sim. Ele chegou aqui tão magro e doente. E quando soube a história dele,
não consegui deixar de me compadecer de sua dor.
— Os pais dele eram bêbados e o abandonaram quando ele tinha dois anos.
Willy passou de orfanato em orfanato e quando completou seis anos fugiu e
começou a viver nas ruas. Foi quando o conheci.
— Ele merecia ter uma família. — Hayden olhou para frente, como se
refletisse sobre o assunto. — É um menino de coração gigante.
Sarah se emocionou ao ouvir aquilo vindo de um homem de classe superior.
Sempre acreditou que os ricos não tivessem coração, mas Hayden Castle lhe
provou em menos de vinte e quatro horas que era possível ter nascido em
uma família abastada e ser uma pessoa altruísta. Infelizmente, não podia
deixar de ter essa conclusão. A maioria das pessoas via Willy
Ela desviou o olhar para as pessoas que chegavam ao salão, ficando tímida
com aquele elogio. Fora chamada de muitas coisas na vida, mas nunca
exaltaram sua coragem. Sarah acreditava que era uma covarde. Não
conseguia sequer encarar aquele homem sem sentir um pavor imenso do
abalo que ele causara em sua existência tão utópica.
— Contratamos uma pessoa para tal procedimento, mas ela não compareceu.
E o senhor parece entender dessas coisas, dado que arrumou até mesmo
portas e as janelas quebradas.
Estava ali mesmo. Não custava ajudar. Precisava ficar até mais tarde e se
certificar de que Willy não diria nada a senhorita Winter.
— O senhor fez muito hoje, senhor Castle. Muito mais que ingleses católicos
que moram aqui ao lado fariam. — Ela lhe sorriu quando ele terminou os
principais serviços. — Não sei como lhe agradecer. Acredito que um homem
ocupado como o senhor, não precisava estar aqui.
— Oh, sim. Ela é uma jovem muito querida por nós. Desde criança, ela
— Não.
— Madre, a senhora acredita que a senhorita Winter seria uma boa esposa?
A Madre deu um sorriso complacente.
— Tenho que tomar uma decisão com relação a senhorita Winter. Espero
poder lhe confiar meus receios, pois não tenho muito tempo. Talvez, menos
de vinte e quatro horas.
— Não passei o dia em seu convento por acaso, madre. Eu queria conhecer
melhor a senhorita Winter e estou fascinado por ela... — Ele contou e
voltaram a caminhar pelo corredor do vazio.
WILLY SORRIU PARA Hayden quando ele voltou para o salão. Sarah
olhou na mesma direção que o garoto e respirou, derrotada. Pelo visto,
aquele homem não tinha planos de ir embora tão cedo. O garoto correu e
parou diante dele.
— E o que é?
E afastou-se.
encarava.
— Pode ficar tranquilo, pequeno. — Ele devolveu muito sério. — Não vou
deixar que façam mal à senhorita Winter.
Era para Sarah ficar aliviada, e de algum modo estava. Porém, aquela
sensação incômoda de que não o veria de novo passou como uma leve brisa
por seus pensamentos mais ocultos.
— Que pena, senhor Castle. — Irmã Judith lamentou. — Virá nos visitar
novamente?
Sarah ergueu o olhar para ele e deparou-se com aquele par de olhos azuis
febris.
Sarah mirava o homem que atravessava a porta sem olhar para trás. Não o
encontraria novamente e sentiu-se mal, por fim, ele fizera tanto pelo
convento e ela sequer o agradecera. Onde estavam seus bons modos? Um
dos homens estava com a mão estendida aguardando que Sarah lhe
entregasse a vasilha de sopa, mas a única coisa que ela conseguia fazer era
sentir uma culpa enorme por deixar um homem tão bom partir sem dizer o
quanto ele fizera o bem.
Não queria que ele levasse dali uma péssima impressão dela.
Hayden franziu o cenho ao ouvir alguém gritar seu nome. Olhou para trás
Sentiu-se exultante pela atitude de Sarah. Sem dúvida, ela era uma caixa de
surpresas. De tudo que vivera, o fascínio que ela lhe causou naquele
momento foi o mais prazeroso.
— Sim. Disse que para lhe pagar o fato de ter salvado a minha vida, eu
deveria ajudar pessoas que precisavam. — Ele a fez lembrar.
Sarah não conteve a risada. Sequer poderia imaginar que ele fizera tudo
aquilo por causa de um simples conselho.
— Sua sugestão fez do meu dia inesquecível, senhorita. — Ele deu um passo
para ela e pegou a mão delicada. — Jamais me esquecerei da senhorita, de
sua bondade e respeito às pessoas que não tem nada a lhe oferecer.
Com intensa emoção, ela assistiu Hayden erguer sua mão e beijá-la de novo.
O corpo de Sarah fremiu e soltou a respiração bem devagar enquanto sentia
os lábios quentes sobre sua pele. Um arrepio subiu por suas costas quando o
olhar azul se ergueu para ela.
Hayden tocou a pele de Sarah com os lábios e pensou que queria mais que
beijar a mão. Queria subir pelo braço, até chegar ao delicado pescoço e vê-la
fechar os olhos e se entregar ao toque dele.
Era um homem intenso demais para se contentar com pouco. Ele precisava
de mais.
Sarah retirou a mão e olhou para baixo. Hayden segurou o queixo delicado
com a ponta dos dedos e a obrigou a encará-lo.
— Algo me diz que esta não será a última vez que vamos nos encontrar...
Não era uma promessa, mas ela se aferrou àquelas palavras como se
dependesse disso para viver.
mas não a beijou como desejava fazer. Sarah merecia mais que um beijo
perdido em uma rua horrível de East End, com ratos e baratas se rastejando
pelo chão. Ele podia lhe dar mais. Sarah sentiu a respiração do senhor Castle
contra os lábios, seus pensamentos ficaram desorganizados e fechou os
olhos.
Hayden prolongou aquela tortura até que seu desejo chegou ao limite e,
então, se afastou.
Sem dizer mais nada, ele se virou e partiu a passos largos sumindo pela
névoa que cobria a rua. Sarah saiu do torpor que a dominava e abriu os
olhos, aturdida. Sentia-se presa a um vendaval e lançada por metros de
distância de seu próprio bom senso. Olhou ao redor para ter certeza que
ninguém fora expectador daquela cena dissoluta e voltou correndo para o
salão, sem sequer notar o frio, seu corpo estava em chamas.
— Sarah?
— Acredita que nossa vida pode mudar da noite para o dia? E num piscar de
olhos coisas que não esperamos podem acontecer para melhor?
Desde a noite anterior, quando ele partira, não tivera notícias dele.
Durante o dia todo, ela se pegou olhando para a porta do salão da igreja,
ansiosa por sua chegada. Por mais que não quisesse admitir, a aparição
daquele homem havia mexido com seu íntimo de uma forma singular. Não
conhecia palavras que definiriam o que derrotava o seu orgulho quando seus
pensamentos deslizavam para as recordações do senhor Castle tão recentes e
vívidas em seu corpo. Até mesmo Willy pareceu preocupado com a falta de
informações.
— Sei que quer ser freira, mas... — titubeou procurando as palavras certas
para não provocar o gênio da irmã mais velha. — Nunca teve vontade de ser
amada por alguém, Sarah? De forma extraordinária?
Caso Barbarah tivesse lhe perguntado isso antes de sexta-feira, Sarah não
hesitaria em responder que não. Todavia, quando a figura forte de Hayden
Castle não lhe saía da cabeça, ela já não possuía mais a certeza de nada.
Barbarah arregalou os olhos que ficaram enormes atrás das lentes dos óculos
e levou as mãos aos lábios para não gritar e acordar Delilah que dormia no
quarto.
— Sarah...
— Não é ninguém que você conheça, Babi — garantiu olhando para o fogo.
E aquilo doía dizer muito mais que qualquer outra coisa na vida. Nunca mais
o encontraria. Ao voltar para sua realidade tão perfeita, com certeza ele se
esquecera dela. Ergueu-se.
Amanhã tenho que estar cedo no salão para ajudar as freiras — comentou. E
sem permitir que Barbarah lhe questionasse com suas bisbilhotices, encerrou
a conversa e foi para o quarto se deitar.
Mas não conseguiu adormecer. Tinha medo de não mais fechar os olhos e
não pensar no senhor Castle. Que tipo de tentação era aquela que corroía a
sua alma? Jamais voltaria a repetir tais palavras a alguém. Aquele segredo
morreria com ela: Hayden Castle, o fazendeiro americano, roubou a atenção
de Sarah Winter e levou seu coração com ele para o outro lado do mundo.
SARAH SENTIU O coração quebrar quando as irmãs partiram. Ela ficou
sentada na cadeira velha da cozinha olhando para o nada. Pegou os óculos
quebrados de Barbarah e o olhou com pesar. John Winter o havia quebrado
sem piedade, deixando a irmã completamente cega.
Quando Sarah tentou argumentar dizendo que não podia se casar e que iria
para o convento, ele lhe acertou um tapa no rosto. Ela não esperava por isso
ou pelas palavras que se seguiram:
— Se, por qualquer motivo, vocês forem devolvidas, terei o prazer de levá-
las para Whitechapel e ficarão o resto de suas vidas vendendo seus corpos a
homens imundos!
Pensou na melancolia que seria viver sem a companhia delas, sem saber
sequer se voltariam a se encontrar. Olhou para os óculos quebrados
novamente e sentiu um nó na garganta ao imaginar como Barbarah ficaria
sem eles, e principalmente, quem a livraria das enrascadas que se metia por
ser curiosa demais e se meter aonde não era chamada. Quem aconselharia as
irmãs? Quem as faria rezar quando estivessem pecando? E quem aliviaria a
solidão de Sarah? Quem faria de seus dias menos tediosos e lhe olharia com
tanto amor e carinho, mesmo quando seu gênio forte prevalecia?
Vê-las partir foi como arrancarem seu coração. O olhar triste de Barbarah
carregado de lágrimas quase fez Sarah chorar, mas ela se manteve firme.
Precisava ser forte, para que as irmãs se espelhassem nela e também fossem.
Teria que abandonar Londres para sempre e nunca mais veria as pessoas que
tanto gostava. Sentiu uma angústia profunda. Determinada, ergueu-se.
— Aonde pensa que vai? — O pai perguntou quando a viu se dirigir à porta.
Ele saiu do quarto quando a ouviu se movimentar pela casa. Usava a mesma
roupa desde o enterro de sua mãe, ela se perguntara quando foi que o pai fez
sua higiene pessoal pela última vez. Ele estava fedendo como um porco no
chiqueiro.
— Sempre foi a mais obediente. — Ele ergueu a mão para lhe acariciar o
Depois do que fez, não podia esperar que ela reagisse de outra forma. Mas
ele era o homem da casa, o chefe e não ia se desculpar por ela tê-lo
desafiado.
Ela aquiesceu e saiu apressada pelas ruas sujas e fedidas do bairro. Estava
mais frio do que o normal e, ela abraçou o próprio corpo enquanto
caminhava.
Na verdade, seu coração sabia que não estava indo se despedir apenas das
freiras ou deixar um recado para Willy. Ela queria saber se o senhor Castle
retornara ao convento. Poderia parecer loucura, mas diante daquele fato
absurdo de casamento arranjado, ela não se oporia em fugir com o
americano se ele quisesse.
Como estava sendo tola! Naquele momento, o senhor Castle estava voltando
para casa, e nem devia se lembrar de seu nome ou que a conhecera.
Mas de forma tardia, Sarah descobriu que no coração não se mandava, e ela
pensava naquele homem mais do que qualquer outra coisa em sua vida. Era
bom e ruim. Tinha medo e necessidade. Como se precisasse de água para
saciar sua sede e não conseguisse mais encontrá-la.
De repente, sentiu um arrepio na nuca e olhou por cima do ombro, notou que
dois homens a seguiam. Ela os conhecia de vista, era Palmer Winston e
George Lee, dois arruaceiros e ladrões acostumados a perturbar os
moradores roubando seus magros pagamentos ou batendo em pais de família
pelo simples prazer de causar problemas às pessoas. Eram covardes, o pior
tipo de gente que existia.
— Não grite e tudo vai ficar bem para você, benzinho — avisou segurando o
rosto dela com força, fazendo doer. Ele era baixo e gordo, e suas roupas
sempre pareciam menores do que o normal, salientando sua obesidade.
Ela não gritou. Estava aterrorizada com o que poderiam fazer a ela. Eles a
seguraram pelo braço e praticamente a arrastaram para o beco mais próximo,
A última coisa que precisava era ser tocada por aqueles homens sujos.
— Não! — Winston tirou o cinto da calça e sorriu com maldade. — Vou dar
uma lição nessa vadia antes de mostrar a ela que sou um homem de verdade.
Ele ergueu a mão e Sarah não se encolheu. Ela ia lutar até a morte
defendendo a si mesma, não importava o quanto sofresse. Tinha mais fome
pela vida, do que desespero pela morte. Um assovio soou no ar e um chicote
enlaçou o pulso de Winston e o puxou, fazendo-o desequilibrar e cair de
costas. George olhou para o homem que se aproximava envolto em uma
capa negra e um chapéu impedindo que Sarah o reconhecesse.
— Um homem que deflora uma mulher, não merece viver. — Sua voz soou
sem piedade.
Ela não conhecia aquele lado obscuro dele e imaginou que fora daquele
modo que ele agiu durante a guerra, sem piedade com seus inimigos.
Winston ergueu-se e foi para cima de Hayden com uma pequena e ridícula
faca nas mãos, gritando. O americano apenas ergueu a espada e lhe
atravessou o peito, enquanto George morreu sufocado. Hayden puxou o
chicote de volta e tirou a espada do peito de Winston. E então olhou para
Sarah.
Ela não conseguia respirar. Sua cabeça girava pelo medo e o pavor de verem
dois homens serem mortos sem piedade. E por reencontrar o senhor Castle
de forma tão abrupta. Quem era ele? Um demônio?
Sarah abriu os lábios, mas sua voz não saiu. Ela não queria, mas sabia que ia
desmaiar. Agarrou-se a ele antes de sentir a escuridão tragá-la.
Angustiada, virou-se para colocar as pernas para fora da cama e sentiu uma
dor forte nas costas. Aqueles imundos haviam batido suas costas contra a
parede. Hayden acordou e seus olhos azuis brilharam ao vê-la bem. Sarah
sentiu uma mistura de medo e ansiedade.
— Vejo que está melhor. — Ele disse deixando um sorriso deslizar por seus
lindos lábios.
— Onde estou?
Deveria estar feliz por reencontrá-lo. Porém, a ideia de que estava prometida
a outro e teriam que se separar outra vez, rasgava seu coração.
— Claro que necessito, senhor. — Achou melhor se explicar. — Sei que está
tentando me ajudar pelo que lhe fiz outro dia, mas lhe garanto que me
levando até minha casa, me fará um imenso favor.
— Não — assegurou para alívio dela e fez uma pausa antes de revelar: —
— Era a mim que estava esperando esta manhã, em sua casa, senhorita —
esclareceu.
Pensara que ele fizera isso para protegê-las, por amor. Mas não. John Winter
conseguia provar o quanto podia ser miserável.
— Não sabia da intenção de seu pai? — Ele a questionou apenas para ter
certeza que Willy não dissera nada a ela.
Sarah não pensou que poderia ficar pior. Bebeu mais água e quase engasgou.
Ele puxou uma cadeira e se sentou de frente para ela. Sarah conhecia o
sujeito a quem Hayden se referia. Era o pior indivíduo que ouvira falar.
Sempre souberam que seu pai tinha uma grande amizade com este homem,
motivo das brigas de sua mãe. Contudo, sequer passou por sua cabeça que
ele agiria de forma tão baixa.
— E como justo o senhor foi me comprar? — perguntou, confusa.
Sarah fechou os olhos por um instante. Era verdade. E no outro dia pensou
em interrogá-lo, mas a presença do senhor Castle e tudo o que aconteceu
entre eles a fez se esquecer do assunto. Mesmo assim, ela o fitou com
mágoa.
— Willy ouviu seu pai e o tal Roger Klain conversarem e eles o viram.
Caso eu tivesse lhe contado, a senhorita ou suas irmãs teriam feito alguma
coisa para impedi-lo e eles matariam Willy.
— Porém, acredito que não poderia fazer muito a seu favor, tendo seu pai
agido em suas costas e de suas irmãs — explanou. — Não conseguiriam ir
muito longe sem dinheiro e contatos que pudessem ajudá-las.
Sarah sentiu um calafrio pelo corpo. A única coisa que desejava era acordar
daquele pesadelo. De repente, sua vida virara de cabeça para baixo.
— Como eu estava lhe dizendo, a senhorita e suas irmãs tiveram uma sorte
inexplicável. Todos os homens que as arremataram, fizeram com intuito de
conseguir esposas e não prostitutas.
Sarah não sabia se ficava aliviada ou se preocupava ainda mais pelas irmãs.
Que tipo de humilhações passariam por terem sido compradas e não
escolhidas?
— Céus! — Ela sussurrou. — Não posso acreditar que isso está acontecendo
comigo. Não precisa se casar comigo se não quiser. Posso trabalhar e pagar o
que deu ao meu pai — considerou.
— Teria que trabalhar para mim uma vida toda e talvez não saudasse a
dívida. Acredito que durante muitos anos seu pai não precisará sequer pensar
em trabalhar.
Ela não teve coragem de perguntar o valor que pagara. Embora, pelas
palavras dele soubesse que deveria ser mais do que um dia ganharia em sua
vida toda, era humilhante demais. Leiloada por um pai e comprada por um
americano de olhar arrogante.
— E assim que terminar meus negócios aqui na Inglaterra, nós iremos para a
América.
— Tão bem-apessoado como o senhor, não precisa se casar com uma mulher
como eu. Sou de origem humilde, não tenho sequer um dote, boas maneiras
ou educação adequada para ser esposa de quem quer que seja.
Cogitou.
Ela arregalou os olhos, pensou que ele fosse pedir sua alma. E quanto a
gostar dele, jamais poderia admitir que ele já a houvesse conquistado há
dias.
Ela ponderou sentindo a voz falhar. — Não precisa pedir estas coisas, senhor
Castle — falou, sincera. — Estes são pontos naturais a que deve respeitar em
uma relação.
— A primeira vez em que nos encontramos, eu tive a impressão que era uma
mulher sensata e não errei — comentou. — Não espero romantismo entre
nós — prosseguiu sem tirar os olhos dela. — Mas exijo deferência e
compreensão.
Ficou claro que ele não gostava dela e embora fosse frustrante, Sarah deu
graças aos céus por não ter nunca dito nada sobre seus sentimentos.
— Não vou lhe exigir nada que não sejam suas obrigações como esposa.
— Ele assegurou.
Sarah fazia ideia das obrigações a que ele se referia e sentiu uma repulsa
profunda. E ele notou. Talvez fosse o suficiente por um dia com tantas
informações. Ela precisava se acostumar com a ideia do casamento e comer
alguma coisa, pelo que sabia sobre sua vida miserável, não deveria ter
comido nada até aquele momento.
— Vou pedir que lhe tragam o jantar. Ou prefere se unir aos moradores da
casa? — Ele quis saber.
— Estou sem fome, senhor Castle. Depois de tudo o que houve hoje a última
coisa que preciso é comer.
— E o que deseja?
Ele concordou. Pelo menos, ela não saltara pela janela como ele temera no
começo. Ela aceitara o fato melhor do que ele havia previsto.
— Tudo bem. — Ele acenou com a cabeça. — Boa noite, senhorita Winter.
Sarah esperou que ele saísse e levantou-se e foi até a cadeira pegar seu
vestido. Não ia se casar com aquele homem. Ao fugir, seu pai teria que
acertar as contas com ele e o senhor Castle teria que arranjar outra esposa.
NÃO FOI DIFÍCIL deixar a casa. Vestida como estava, foi facilmente
confundida com as empregadas e deixou a propriedade pelo portão dos
fundos. Sem dinheiro, teve que caminhar por três horas até chegar à Igreja
de Saint Paul. Em nenhum momento se arrependia do que estava fazendo.
Quando ele notasse sua fuga e a odiasse por isso, o senhor Castle teria que
encontrar outra noiva e um dia lhe agradeceria.
Mesmo que sentisse pelo senhor Castle algo distinto, Sarah não era o tipo de
mulher feita para casar. Diferente das outras irmãs mais novas, Delilah e
Barbarah, ela nunca sonhou com um casamento, em apaixonar-se, ou até
mesmo com a ideia de ter um homem ao seu lado. Sua vida sempre voltada
para os serviços da igreja, para o trabalho com os mais necessitados. Havia
nascido para ser a esposa de Cristo.
Não se permitia chorar. Lágrimas eram para pessoas frágeis, e Sarah
aprendera a ser forte, desde muito cedo. Era a irmã mais velha, tinha que ser
exemplo de dignidade, força e disciplina. Por isso, encontrou na religião o
sustento para ser a melhor irmã que Barbarah e Delilah poderiam ter.
— Obrigada, irmã. Mas meu casaco ainda está em bom estado. Há pessoas
que precisam mais.
— Nós sempre estamos precisando também, Sarah. Não pode ficar se
privando das boas coisas para sempre dar às pessoas...
— De que adianta eu ter muito, se o outro que está ao meu lado não tem
nada? — forçou um sorriso. — Não conseguiria dormir com isso —
— Peço a Deus que não. — Ela fez que não, angustiada. — Willy está em
nosso coração.
E no de Sarah também. Queria tanto que ele fosse feliz e uma família o
adotasse. Willy era tão inteligente. Aprendera a ler e escrever sozinho. Fazia
contas de cabeça e parecia conhecer todos os assuntos que o cercavam. Caso,
ele tivesse alguém que cuidasse dele e o levasse a uma boa escola, poderia se
tornar um professor, ele era bom em ensinar. Sarah por diversas vezes o viu
ensinando os mais velhos a ler os cartazes nas ruas.
Rezou pelas irmãs para que elas fossem boas esposas e felizes de algum
modo nos caminhos que estavam prestes a traçar. Muito embora, Sarah
soubesse que em um casamento não havia felicidade para uma mulher e sim
obrigações. E sabia também que toda mulher que se casara apaixonada ou
cheia de amor pelo marido, foi tratada como nada, como aconteceu com sua
mãe.
Pediu a irmã Juliet para falar com a Madre Superiora e a senhora a atendeu
de imediato.
— Perdoe-me a visita tão cedo e sem hora marcada, madre. Mas preciso
— Não. — Ela fez que não. — Mas ele não tem mais qualquer poder sobre
mim.
— Mas, madre...
Ver seu sonho destruído era sua maior fraqueza e engoliu em seco para não
chorar.
— Acima de sua própria vontade está à obediência aos seus pais e, agora, ao
seu futuro marido. — A madre falou com sabedoria. — Caso seu pai quiser
entrar por esta porta e tirá-la daqui a força, é um direito dele, sabe disso.
Ela concordou, mas não conseguiu ficar feliz. Jamais conseguiria. Sarah via
seu sonho ruir bem diante de seus olhos e não podia fazer nada para salvá-lo.
O destino estava contra ela. Levantou-se, a decepção estampada no rosto
bonito e cansado.
— Deve pensar que estar casada é melhor do que ver seu pai vir buscá-la e
vendê-la outra vez para quem quer que seja.
E Sarah sabia que ele faria isso. Quando John Winter soubesse que ela se
integrara ao convento, viria buscá-la. E as regras sociais a fariam obedecê-lo.
Casar-se com Hayden Castle ainda era melhor do que voltar para a casa de
seu pai, sabia das consequências.
— E quem é o seu futuro marido, senhorita Winter?
— E por quê?
— Acha mesmo, Sarah, que este homem passou o dia todo ajudando no
convento por mero acaso?
— Acredito que sim. Mas depois de querê-la como esposa, não lhe parece
que ele fez isso por sua causa?
Sarah abriu a boca para falar, mas não conseguiu emitir uma palavra. Seu
coração bateu descompassado diante da ideia, contudo, não quis aceitar. Ele
a comprara por pura compaixão. Mas não precisava ter feito isso. A
esperança de que ele sentisse por ela o mesmo apreço que lhe devotava
roçou sua mente solitária e Sarah deu um passo em direção ao amor, mesmo
que não quisesse aceitar.
Achou melhor partir antes que a Madre a convencesse de que Hayden era o
homem mais honrado do mundo.
— Obrigada, madre.
Talvez, ser pisoteada por cavalos era melhor do que aguentar a fúria ignóbil
de um homem.
Não sabia se sua pulsação estava agitada por causa de revê-lo ou por receio
em reencontrá-lo. Uma elegante carruagem parou diante deles. Hayden se
afastou e a puxou junto, abrindo a portinhola e a fazendo subir no veículo.
Agora, Sarah podia notar com mais calma a aparência altiva de seu futuro
marido, a frieza de seus olhos e a impassibilidade de seu rosto. Bem
diferente do homem generoso com o qual convivera há alguns dias. O
primeiro susto havia passado e ela conseguia relaxar um pouco. Mesmo
assim, ficou sentada ereta, olhando para fora, vendo o movimento da cidade.
— O que não justifica desaparecer da maneira como fez. Foi imaturo e tolo.
Sarah não ia se desculpar. Sabia que isso era errado, uma mulher deveria se
comportar com educação, ser discreta e obedecer a quem quer que fosse.
Mas naquele momento, ela não conseguia ter um pensamento lógico, estava
dominada pela raiva e pelo orgulho.
— Acho que não fiz nada para aguentar seu mau humor — falou, ríspido.
Sarah agarrou sua bolsa até os nós dos dedos ficarem brancos. Então, puxou
o ar e o soltou lentamente.
— Perdoe-me por minha imprudência, senhor Castle, e agradeço por ter
salvado minha vida mais uma vez — falou com falsa candura.
Ele riu da acidez dela. Sarah sentiu arrepiar da cabeça aos pés e ajeitou a
postura negando qualquer sensação boa vindo da parte dele.
— Por trás desse seu ar de noviça existe uma mulher muito rebelde —
Ela comprimiu os lábios para não responder. Não importava o que ele
gostava. Aliás, não queria que ele gostasse dela.
contra ela e não podia permitir. Jamais seria como sua mãe!
— O senhor é tão bonito e inteligente, não entendo porque quer se casar com
uma mulher que não nutre nenhuma afeição por sua pessoa. — Ela
argumentou sabendo que atribuía mais uma mentira para sua lista de pecados
que Deus leria diante da humanidade no juízo final. — Tenho certeza que
aqui na Inglaterra ou na América as mulheres morreriam para ser sua esposa.
Seriam submissas às suas vontades, fariam tudo para ser a senhora Castle.
Aquilo doía dentro de seu peito mais do que ele podia imaginar.
— Fazer isso seria jogar meu dinheiro pela janela — contrapôs. — E dei
minha palavra que cuidaria da senhorita. Será que pode entender isso?
Na verdade, seu coração batia feliz por tê-lo reencontrado e saber que seria
esposa dele. Mas mastigaria a própria língua antes de admitir.
— Que bom, vejo que teremos entendimento. — Ele disse com sarcasmo.
— Está surpresa? — Ele devolveu. — Não fique. Não desisto do que é meu.
Ela se incomodou com o que sentiu sob o olhar intenso dele e o atacou:
Acostume-se com isso. Não tem outra saída. E espero que depois de casados,
não ouse me ofender fugindo novamente. Não tolerarei esse tipo de atitude
por parte da mulher que carrega meu sobrenome.
Sarah olhou para fora prendendo sua atenção às pessoas que passavam para
todos os lados. Uma lágrima teimosa caiu ao se recordar da mãe querida.
Queria ser como ela foi: plácida, tranquila, serena e sábia. Sarah sabia que
estava bem longe disso, embora tentasse controlar seu gênio ruim a todo o
momento.
— Obrigada — murmurou.
Sarah era tão única que não foi difícil adivinhar que ela tentaria fugir.
Foi quando Hayden percebeu a importância que aquela mulher tinha para
ele. Matar não era algo comum, porém, não hesitou em fazê-lo quando viu a
vida de Sarah ameaçada. Nunca imaginou que poderia ter um lado tão
possessivo. Então, teve certeza que ela era especial, já que nenhuma outra
mulher lhe despertara tantos sentimentos intensos. Ele poderia tê-la deixado
se integrar ao convento e partido para a América sem olhar para trás. No
entanto, ele havia atravessado aquela maldita linha fina entre a razão e o
desejo. Entre seu bom senso e o amor. E optou pelo segundo sem hesitar,
mesmo que fosse um caminho escuro e desconhecido para ele. Estava
disposto a casar-se com ela e lhe dar toda a felicidade possível.
mostrou o cobertor.
O corpo dela era tão pequeno e frágil. Puxou-a contra si e deixou a cabeça
dela acomodar-se em seu peito. Sarah soltou um fraco gemido de satisfação.
Devia estar exausta depois de um dia tão agitado. Ele não poderia culpá-la.
Seu sangue fervia por pensar que ao arrematá-la, John Winter exigiu
pagamento imediato ou ele a daria para outro homem. Hayden o segurou
pela camisa velha e o ergueu no ar batendo o corpo imundo contra a parede
com fúria.
— Ela é minha, verme! E seu ousar dar Sarah a outro homem, vou arrancar
seu coração do peito com minhas mãos, entendeu? — ameaçou fora
de si.
E caso o tivessem passado para trás, tinha certeza que roubaria Sarah sem
hesitar, mas não permitiria jamais que outro homem a tocasse ou olhasse
para ela de forma mais interessada.
Ele acordou antes dela e saiu do salão da igreja naquela manhã e aguardou
que ela fosse falar com a madre. E depois que ela deixou o convento, ele a
seguiu a pé, enquanto Dorian se mantinha à distância com a carruagem. Seu
coração gelou quando a viu atravessar a rua sem olhar.
Contudo, lembrou-se do que aprendera sobre ser uma mulher correta: seja
obediente, submissa e tudo dará certo. A própria madre a alertara pela
necessidade de ser temente ao destino que lhe impunham.
— Venha, o reverendo nos aguarda. — Ele a chamou quando notou que ela
estava parada olhando a igreja de paredes de madeira escura. Não era
diferente em nada de uma igreja católica, se não fosse pela falta de vitrais,
das imagens sacrossantas e a cruz com Cristo no altar.
Ela assentiu, queimando de raiva por dentro. Estava se casando sob a benção
de um protestante. Comprimiu os lábios e se aproximou do homem baixo e
calvo. Ele lhe sorriu, e Sarah forçou um sorriso. Antes, odiava a ideia do
casamento, agora, por ter que se submeter a um homem que profanava a
santa igreja católica, ela sentia o ódio corroer sua alma. Mas nunca
demonstraria. Aprendera a ter respeito pela religião dos outros.
O ato foi rápido, não demorou mais que dez minutos e estavam casados.
Foi como ficar na fila do pão e comprá-lo frio. Não houve emoção, nem
alegria ou tristeza. Nem mesmo quando ele enfiou o anel de ouro e pedra
brilhante em seu dedo, ela sentiu algo surreal, apenas o metal frio contra sua
pele. Hayden agradeceu ao reverendo e partiram.
Ela sentiu seu segundo maior temor, ficar a sós com seu marido. Levantou o
olhar para ele bem devagar, esperando que ele lhe dissesse o que fazer ou
gritasse com ela. Os maridos tinham o costume de gritar com as esposas e
humilhá-las a fim de se sentirem mais fortes, já que muitas vezes eram
frustrados em seus atos sociais.
Sarah estranhou por ser chamada daquela forma. Parecia que ele se referia a
outra pessoa, uma total desconhecida para ela. E era, na verdade. A partir
daquele momento, era uma outra mulher, subjugada a vontade masculina e
— Roupas novas?
— Para uma filha acostumada à violência de um pai, não sei como minhas
palavras podem ofendê-la tanto — comentou com sarcasmo.
— Sei tudo sobre a senhora. Pode ficar tranquila, não sou louco. Não me
casaria com uma mulher sem investigar sua vida, primeiro. Além disso,
conheci seu pai no dia do leilão e tenho certeza que não deveria ser fácil
conviver com um homem tão ignorante.
— Quem fez isso foi a sua miséria, eu apenas a salvei de ser uma prostituta
— respondeu mordaz e Sarah se calou. E ele prosseguiu com o assunto das
roupas: — Sei de suas origens, senhora, e também sei como viveu todos
esses anos. Acredito que sequer saiba diferenciar uma joia falsa de uma
verdadeira. Tenho certeza que não conhece a maciez de uma seda pura.
Ele tinha razão, mas ela não se sentia humilhada por isso.
— Devo pedir desculpas por minhas origens? — perguntou com indolência.
— Não. Mas deve aceitar minha ajuda para ficar melhor. Não pode
— Não me importo com regras, senhora. Desde que eu consiga o que quero.
Aquilo era um absurdo. Sarah não sabia o motivo, mas não conteve o
sorriso.
E por mais que Hayden soubesse que uma mulher não deveria falar assim ao
marido, gostava do jeito de Sarah. Ela o encantou desde o começo, era
óbvio. Do contrário, jamais teria se unido a ela para sempre.
HAYDEN A LEVOU em uma das costureiras mais caras de Londres.
— O quê?
— Não se preocupe com isso. A senhora é minha esposa e entra onde quiser
sem qualquer desagrado — falou, decidido. — Por favor, venha. — E
Moças pobres não eram aceitas naqueles ambientes feitos para os nobres.
A moça se retirou.
Hayden tocou o rosto dela e Sarah sentiu as pontas dos dedos quentes contra
sua pele. Teve vontade de fechar os olhos e suspirar. Mas manteve-se dura
como uma pedra.
— Não se preocupe, ela não fará isso uma segunda vez. Garanto-lhe.
— Não. — Ela segurou a mão dele com força e em sua inocência, não tinha
ideia do que aquele simples gesto causava no marido. — Não faça isso!
O salário de uma vendedora não deve ser muito e ela talvez precise para
cuidar dos filhos, pais ou até mesmo por ser uma pessoa sozinha...
— Vejo que minha esposa tem um coração maior do que imagina. — Ele
elogiou.
argumentou tentando não ser tomada por aquelas sensações que a assolavam
com ele tão próximo.
Ela sentiu o corpo aquecer. Sua mão segurava a dele. Sentia que a qualquer
segundo, ele poderia abaixar-se e beijá-la. Mesmo sendo indecoroso
Ela voltou para a mulher mais velha, com seu vestido marrom, com a gola
mais baixa, cheia de rendas, exibindo o colo. Sarah achava aquilo uma falta
de respeito quanto às regras de decência. O vestido era muito justo e a saia
fora feita em várias camadas de musselina, mas possuía uma abertura que
mostravam as anáguas brancas e a ponta dos sapatos. Que tipo de mulher
usava aquele vestido?
— Poderia preparar tudo para mim em uma hora, madame? — Hayden quis
saber. — Tenho algumas coisas para resolver e deixarei minha esposa aqui
aos seus cuidados.
Hayden sabia que podia confiar no gosto daquela mulher. Em suas viagens
anteriores sempre comprara vestidos para sua mãe e nunca havia errado.
— Claro, senhor Castle. Não se preocupe. Sua esposa está nas melhores
mãos!
para a costureira.
— Venha, senhora. Vou lhe mostrar tudo o que temos pronto e verá o que é
do seu gosto.
Sarah a acompanhou até uma sala reservada, onde havia inúmeros vestidos e
todo tipo de peças de roupas. Olhou ao redor e fez uma careta de desagrado.
Não gostava de vestidos coloridos, muito menos branco ou cores pastéis
como mandava a moda. Ficaria com o seu cinza, o único que trouxera em
sua mala além do preto que vestia. Havia também seu xale da mesma cor e
um casaco também preto. O suficiente para ela. Mais do que isso seria
vaidade.
— Tem alguma peça para mim neste tecido? — Ela quis saber.
— Claro que tenho, senhora Castle. Podemos fazer vestidos no tecido que
quiser, camisolas, casacos, tudo o que desejar — afirmou com simpatia.
— inquiriu enlevada pelo toque dos outros tecidos. Tão macios e bonitos.
— Acredito que é o lugar mais longe que já fui além de East End —
contou, tímida.
— Eu lhe mostrarei tudo o que tenho pronto para que a senhora possa se
apresentar ao seu marido e amigos. Sei que estão hospedados na casa do
Duque de Orange.
— Sim, estamos.
Sarah a encarou, perplexa. Não havia se dado conta disso. Hesitou, mas uma
pergunta queimou em sua mente e precisou fazê-la. Mesmo expondo o fato
de conhecer tão pouco o marido.
— Ela era uma viúva sem parentes e me ajudou muito, senhora Castle. E
tudo o que sou hoje devo a ela. Mas ninguém sabe disso. Todos pensam que
eu era sobrinha da Condessa, ela quis que fosse assim. Eu tive sorte,
entende?
— Então, meu marido não é um simples fazendeiro americano que veio para
a Inglaterra?
Ele era um político importante, Sarah concluiu. Por isso estava na Inglaterra
em nome do estado da Virginia, como não percebeu isso antes?
— E o que um Político iria querer casando-se com uma moça sem origens?
— Ela se voltou para Catherine.
Catherine levantou-se e a obrigou a respirar fundo.
— Madame, eu ia me tornar freira! Minha mãe lavava roupa para fora e meu
pai mal conseguia se fixar em um trabalho, vivia bêbado gastando o pouco
que tínhamos em jogos e prostitutas! — Ela ficou histérica. — Não faço
ideia do que é estar no meio dessa gente nobre arrogante!
Por que ela? Sarah se perguntou. Será que Hayden era um tipo de homem
ruim que estava tentando afrontar as pessoas casando-se com uma mulher
fora de seu status social?
— Vou lhe mostrar roupas, ensinar o que puder... — Catherine lhe ofereceu.
— Enquanto estiverem em Londres, pode vir até meu ateliê e tirarei algum
tempo para ajudá-la a aprender tudo o que for necessário afim de que se
torne uma esposa à altura de seu marido.
— Nada nos é dado por acaso, minha filha. — Ela garantiu. — Quando perdi
tudo e fiquei desesperada, a vida sorriu para mim. O mesmo acontece com a
senhora. Já pensou que os céus a designaram para esse caminho porque é a
mulher certa para ser esposa do senhor Castle?
Sarah riu.
será tão familiar quanto respirar. Tudo na vida é como andar: simplesmente
acontece, é natural.
Não lhe restava mais nada a não ser, ouvi-la. E começaram a escolher as
peças de roupas, a madame lhe explicando quando cada uma deveria ser
usada, em que horário do dia, em qual evento social. O tom de vermelho que
Catherine lhe apresentou fez seu coração bater acelerado, jamais poderia
usar um tom tão ousado e vulgar como aquele. Iria se parecer com uma
prostituta e não uma mulher casada.
— Vou incluir algumas camisolas em seu enxoval. Tenho certeza que será do
gosto de seu marido. Tem que se preparar para a noite de núpcias, senhora. E
com a camisola, enviarei o penhoar. Ficará irresistível! —
empolgou-se.
E ela não poderia fugir disso. Ou poderia? Como uma mulher inteligente se
manteria longe de um marido que repudiava? Não estava preparada para
viver um dos piores momentos de sua vida. Não poderia lhe contar histórias
para distrair o marido como a lenda de Sherazade. E por mais que Madame
Catherine estivesse lhe ajudando, jamais poderia fazer qualquer comentário a
— Caso, não queira, senhora, eu não vou obrigá-la. Mas pense no que diriam
se chegasse vestida assim — apontou para o vestido de Sarah. — Na casa
dos Duques. O que iriam dizer? Quer ser motivo de riso ou de inveja?
— Mas entre ser a piada da noite e a inveja do momento, opto pelo segundo.
Madame Catherine deu uma risada e a levou até a sala para trocar-se.
HAYDEN ENTROU NO ateliê e a vendedora veio lhe servir um chá e pediu
que aguardasse.
Por que algo lhe dizia que Sarah sairia daquela porta da mesma forma que
entrara? Ou para ofendê-lo por tê-la obrigado a se casar ou para provar que
ele deveria mandá-la para o convento. Ele jamais faria isso.
Madame Catherine abriu a porta e Sarah saiu para a recepção onde o marido
a aguardava. A senhora Castle respirou fundo, ansiosa para saber o que ele ia
achar, vestida daquele jeito. Queria seu xale de volta e seu chapéu negro,
mas tudo isso lhe foi tirado. Pediu a Madame Catherine que guardasse o
vestido velho na caixa, pois, pertencera a sua mãe e não queria se desfazer
dele, mesmo que não voltasse a usá-lo por algum tempo.
Hayden lhe fez mesura e depois tomou sua mão para um beijo.
Sarah ansiara por aquele momento. O toque dos lábios dele em sua mão
havia povoado seus pensamentos a ponto de deixá-la louca. A mão dele era
quente e os lábios também quando tocaram a pele de Sarah e ela adorava
aquela sensação que lhe despertava. Sentia vontade de se aproximar mais e
abraçá-lo. Ela tremeu e Hayden levantou os olhos para ela, estavam escuros.
Ela ficou tímida e tinha certeza que estava vermelha outra vez, podia sentir o
rosto queimar.
— Vamos?
Ela concordou.
— Sim, senhora.
Sarah e Hayden caminharam pelas ruas de Londres em silêncio, apenas
sentindo a presença um do outro. Ela estava tão nervosa, que tinha certeza
que a voz falharia. Ele permanecia olhando para frente até que chegaram ao
parque onde outras pessoas passeavam. Ele cumprimentou algumas pessoas
e Sarah fez o mesmo. Madame Catherine lhe explicou a importância de ser
simpática, mesmo quando sua vontade fosse de gritar ou xingar qualquer
pessoa. Uma dama nunca demonstrava seus sentimentos e em hipótese
alguma permitia que as pessoas soubessem de sua vida pessoal. Não seria
difícil para Sarah, ela estava acostumada a esconder os seus sentimentos e
nunca falava de sua vida para ninguém. Algumas coisas, ela não teria
dificuldade alguma em fazer, já fazia parte de sua natureza.
— Vivo?
Ele a encarou.
— Sim, senhora.
— Isso é importante?
— Claro que é. Estou surpresa que tenha se casado com uma moça
— Senhora. Meu pai era um fazendeiro da Virginia que lutou muito para
conseguir elevar seu patrimônio — contou. — Não tenho origem nobre, se é
isso que pensa. Quando criança, recordo de minha mãe remendando nossas
roupas para que pudéssemos ir à escola. Não pense que não sei o que é viver
no limite de suas posses, porque eu sei. Sou um político para ajudar o povo
da Virginia, porque a vida me levou a isso e não porque venho de uma
família tradicional.
— Não sei se estou preparada para enfrentar essas pessoas, senhor Castle.
— Não vou deixá-la sozinha se é isso que teme — assegurou e ela sentiu um
imenso alívio.
Ela fez que não, tentando não se encantar ainda mais por ele. Mas era
inevitável, seu marido era um homem incrível.
— O senhor tem um jeito muito displicente de encarar os fatos. — Ela o
reprovou.
Ele concordou.
— Não vou impedi-la de fazer o que deseja. — Ele prometeu. — Mas deve
ir apenas na companhia de Dorian.
— Dorian?
— Sim.
Embora, Sarah soubesse que com pouca coisa fosse feliz. Não precisava de
milhares de vestidos caros, joias. Hayden havia permitido que fizesse seu
trabalho com os mais necessitados, e já era o suficiente para se sentir feliz.
Retornaram para a carruagem e foram direto para a propriedade do Duque de
Orange. Sarah admirou os portões de ferro altos quando se abriram e o
jardim de grama verde e esculturas gigantes de pessoas, pareciam deuses da
mitologia. A carruagem parou diante da mansão e soldados estavam diante
das enormes portas. Estava fascinada com aquele mundo tão cheios de
detalhes e bem diferente do seu.
— Vamos ficar hospedados aqui? — Ela sussurrou para ele enquanto subiam
as escadas de mármore e a porta enorme era aberta por um empregado
uniformizado.
Ele fez mesura e Sarah também. Entraram pelo corredor iluminado e coberto
de quadros nas paredes.
— Os Orange são uma das famílias mais antigas da Inglaterra. — Ele lhe
explicou. — Vamos falar com Timothy. Ele é o Duque. E também há
Eleonora, prima de Timothy, e ela é filha de um Grão Duque Russo. Eles se
casaram no último verão. O casamento foi arranjado pelo Rei Jorge III.
Sarah apertou a mão de Hayden ao notar que era uma festa com dezenas de
convidados e não um simples jantar.
Elas fitavam Sarah com desdém, mas sorriam com os lábios de forma
simpática. Sabia que muitas delas dariam a alma ao diabo para estarem em
seu lugar. Mas não estavam e ela era a senhora Castle e faria jus à confiança
que o marido lhe depositava. Agiu com a máxima educação. Não bebeu e
também não falou, deixou que o marido tomasse conta da situação. Ele era a
estrela, ela apenas parte do brilho. Sorriu para si. Madame Catherine teria
orgulho dela.
— Embora não seja de bom tom discutir sentimentos em público, não teria
me casado com o senhor Castle por qualquer outro motivo, ou teria? —
desafiou a mulher.
Hayden a segurou pelo braço com delicadeza e pediu licença. Ele a levou até
o lugar mais reservado do salão. Sarah aguardava que ele a repreendesse.
— Vamos sair discretamente. — Ele sorriu para ela e apontou a porta que
dava para o corredor.
— Sim. Mas prefiro bancar o marido possessivo e que pensem que quis ficar
a sós com minha esposa do que vê-la pisar nos pés da maioria dos
cavalheiros — desculpou e Sarah concordou virando-se sem hesitar e saindo
pelo corredor, seguida por ele.
Então, deu-se conta que estavam sozinhos no quarto. E aquela seria sua noite
de núpcias. Não podia compartilhar o leito com ele, era repugnante.
Ficaria sem roupa e o que viria depois? Com certeza, sua mãe nunca lhe
disse nada porque era vergonhoso, humilhante e desesperador.
Hayden sabia que Sarah estava nervosa, podia ver o modo como ela tremia,
olhando-o de soslaio, tentando sorrir quando parecia querer rosnar.
Atribuía tal nervosismo ao fato de estar a sós com ele e ser virgem. Com
certeza, ela não fazia ideia do que acontecia entre um homem e uma mulher
e isso o deixou curioso. Nunca se deitara com uma virgem, sempre com
mulheres experientes, portanto, também seria uma novidade para ele.
Mas, ele a trataria bem o suficiente para que pudessem compartilhar o leito
diversas vezes e logo, ela estivesse grávida. Pudica como ela era, ele sentia
que teria certa dificuldade em fazê-la aceitar da necessidade de ele ter que
tocá-la para que o ato fosse consumado. Sentia que ela estava prestes a
correr para a janela, pular e desaparecer.
— Sede? — Ele franziu o cenho. Esperava que ela dissesse qualquer coisa,
menos isso.
— Sim.
— Uma taça não faz mal a ninguém, senhora. — Ele foi em direção ao
móvel e abriu o vinho para servir as taças e voltou para perto dela. — Até
mesmo, Jesus em um casamento bebeu vinho.
Contra isso, ela não tinha argumento. Pegou a taça, seus dedos roçaram e
Sarah puxou a mão, depressa. Não queria que ele a tocasse. Não era certo,
era luxúria, mesmo que a pele dele tivesse lhe presenteado com uma
sensação ardente.
Ele levou a taça aos lábios e ela ficou ansiosa por vê-lo tomar, mas ele parou
e ergueu a taça no ar.
— Sim. — Esperava que fosse ruim, mas a bebida desceu deliciosa por sua
garganta. — É bom. — Ela admitiu.
Ele a fitou por um instante e concordou. O vinho seria bom para que ela
aceitasse o que estava prestes a acontecer, e a faria relaxar. Uma ou duas
taças seria o suficiente. Sarah passou a língua pelos lábios, sentindo o sabor
do vinho, sem perceber que isso atraíra a atenção de Hayden. Ele serviu mais
vinho para ambos e a fez beber mais um pouco.
Sarah olhou para o marido. A luz da lua batia contra os cabelos escuros,
deixando-o com um aspecto surreal. Tinha que admitir que ele realmente
fosse bonito, fazendo seu peito arder de ansiedade. Jamais pensou que se
sentiria assim ao olhar para um homem. Nervosa, bebeu mais do vinho
esperando se acalmar, mas não conseguia.
Hayden olhou para Sarah como se fosse uma mulher despudorada, os olhos
claros se tornavam escuros enquanto ele se voltava para ela. O
Hayden parou diante dela. Não sabia explicar o que ocorrera naqueles
últimos minutos, mas sentia uma vontade súbita de experimentar os lábios da
esposa e seu sangue pulsava forte de desejo. Sabia que deveria ser gentil,
mas sutileza era algo que não passava por sua mente naquele momento.
Sarah engoliu em seco mais uma vez, embora sua garganta parecesse estar
bloqueada por uma necessidade estranha. Não queria fugir dali, precisava
ficar. Ergueu-se como uma esposa submissa sob a ordem do marido. Não era
“Não”, uma voz dizia dentro dela, mas Sarah não conseguia pronunciar.
Precisava fugir, mas seus pés não se moviam. Tinha que empurrá-lo, mas
seus braços estavam pesados, nada em seu corpo obedecia ao seu
juízo,
Hayden compreendeu.
Hayden olhou atentamente para aqueles lábios, passando o polegar por eles.
Sarah fechou os olhos, perdida naquele estranho gosto e, ele se aproximou
devagar, como em uma tortura, como se estivessem enfeitiçados, sem
controle algum sobre o seu bom senso. Aquela repulsa inicial se esvaiu.
Primeiro, ela sentiu o hálito quente, tinha o cheiro de uvas. Depois, foi o
toque de veludo dos lábios dele sobre os dela. Era magnífico, cáustico e
fazia seu coração bater muito rápido.
Fique tranquila.
Ficar tranquila? Como? Ela não tinha ideia do que estava por vir. Como as
coisas se davam e ele queria que ela ficasse calma?
Ela não sabia que os beijos eram daquela forma. Era bom e não lhe dava
certo receio. E não estava lhe causando qualquer dor, pelo menos.
Ele usou a língua para abrir os lábios inexperientes, sentindo seu membro
latejar pela necessidade de tê-la em seus braços. Era dolorido e insuportável.
— Abra os lábios para mim, Sarah. — Ele a chamou pelo nome de batismo e
ela ficou com o corpo escaldante. Céus! Seu nome era o idílio saindo dos
lábios dele. Era música embriagadora.
— Sim... — respondeu hipnotizada pela súplica. Ela abriria sua alma para
ele sem hesitar. Precisava disso sem entender.
Quando Hayden abandonou seus lábios para tomar a curva do pescoço, ela
pensou que não suportaria o prazer que a dominou. Agarrou-se a ele,
desesperada por mais, enquanto ele mordia, lambia sua pele, levando as
mãos à frente de seu vestido para abrir os botões.
— Sim, temos que tirar as roupas. — Ele ressaltou. — Pode ser feito com
roupas, mas para uma primeira vez não é tão confortável.
— Está bem...
Eram tão macios e deliciosos que poderia passar horas tocando-os que não se
saciaria.
Sarah já não tinha qualquer poder sobre si mesma. Seu corpo se tornara
propriedade do marido, e perdera qualquer pudor. A única coisa que ela
conseguia pensar era o quanto era bom ser tocada por ele.
E era recíproco.
que lhe acontecera? Era para terem dormido a noite toda e o que fizeram?
Ela deveria ter dito não e Hayden respeitado sua exigência, mas ele fez o
contrário e ela também.
Hayden deveria estar pensando que era uma qualquer e não merecia
respeito!
Oh... Ela tocara aquilo que ficava entre as pernas de seu marido, colocara os
lábios sobre ele e gostou do que estava fazendo, vendo Hayden jogar a
cabeça para trás, saboreando o momento.
Ela abanou o rosto com a mão. Estava com o demônio no corpo, era isso!
Aquele homem trouxera a maldição para a sua vida e ela não se reconhecia
mais. Precisava se confessar e procurar uma maneira de tirar aquele desejo
que não lhe pertencia da alma. Estava contaminada pela luxúria e se
morresse naquele momento iria ao inferno.
Nunca mais permitiria que o marido a tocasse daquela forma. Tinha que
deixar bem claro que o corpo servia apenas para a reprodução rápida e sem
qualquer tipo de emoção carnal. Tentando não pensar no que lhe acontecera
e nas horas tórridas de prazer que haviam compartilhado, ela deixou o quarto
apressada. Tinha a sensação que todos sabiam que ela era uma corruptível
imunda.
Deixou a propriedade pelos fundos e caminhou o mais depressa que pôde até
a igreja mais próxima. Estava cega, chorando com medo que não existisse
perdão para o mal que havia feito. Segurando seu terço e colocando o véu
negro sobre sua cabeça, ela se aproximou do confessionário e se ajoelhou. O
— Eu pequei, padre.
Ela disse tão envergonhada que queria ser fulminada por um raio.
— Sabes, filha, o que diz as Escrituras Sagradas: não pecar contra a
castidade.
Não sei o que houve, padre. Era para que passássemos a noite dormindo, e
acabamos nos entregando ao pecado, caímos em tentação. — Lamentou a
última palavra.
— E por que ficaram a sós, filha? — Ele a recriminou. — Bem sabes que
não deves ficar a sós com um homem.
— Mas, padre, as coisas que senti são do diabo. Ele tocou meu corpo e me
fez tocar o dele — falou, indignada. — Não posso descrever o quão terrível
foi...
— Mesmo que tenha sido odioso para a senhora — ele explicou —, no livro
de Efésios, das escrituras sagradas, Deus diz que a mulher deve ser submissa
ao marido e ele deve honrá-la.
— Mas, padre...
— A senhora estará pecando contra Deus se não fizer o que seu marido
desejar. Ele é a autoridade em sua casa, em seu lar. A senhora não pode
desrespeitá-lo, compreende? É como se a própria igreja deixasse de adorar a
Deus — comparou.
— Sim, padre.
— Fez um juramento santo quando se casou e está ligada a este homem até o
fim de seus dias, não pode mudar isso.
Sarah levou a mão ao peito. Ela morreria se Hayden a devolvesse ao seu pai
ou a abandonasse. Seria uma mulher marcada pela vergonha e não a
aceitariam mais no convento, já que sua castidade fora tirada. Ela conhecia o
pecado, a tentação e a luxúria, sua alma estava perdida para sempre. O amor
lhe trouxera alguns outros sentimentos e sensações com as quais não estava
preparada para lidar.
— Sim, padre.
E se o senhor Castle tivesse algum pacto com o demônio? Talvez fosse isso.
Estava perdida! Por que as mulheres reclamariam e algo tão bom? Para
Sarah não havia sentido toda aquela situação constrangedora e não havia
com quem conversar. Morreria engasgada na própria língua, antes de contar
a alguém o que lhe ocorria. Nem mesmo madame Catherine poderia saber.
James lhe abriu a porta e ela percorreu o corredor até chegar à primeira sala.
Sarah ergueu o olhar e viu Hayden, o Duque e Lady Eleonora. Olhar para o
seu marido fez com que seu coração batesse depressa e ela tivesse vontade
de fugir. Mas conteve-se. O que ele fazia com ela? Por que tinha vontade de
pedir por mais beijos?
— Da próxima vez, seja mais cuidadosa. Eu não fazia ideia de onde procurá-
la. — Ele a reprovou.
— Sim, senhor.
Sarah a fitou com admiração. Lady Eleonora era tudo que uma dama
precisava ser para brilhar e fazer bem ao nome do marido. Ela e o Duque
faziam um belo casal e estavam sendo gentis com Sarah desde que ela
chegara à casa. Sequer discutiram o fato de Hayden ter chegado solteiro e do
dia para a noite se casado com uma inglesa que jurava ter vindo dos Estados
Unidos atrás do marido. Apenas amigos fiéis não questionariam tal história
mal contada.
Hayden estranhou o fato de Sarah não olhar para ele diretamente, seguindo
com os olhos presos nas mãos que seguravam a pequena bolsa.
— Vamos para o quarto, senhora. — Ele mandou. — Com licença.
Hayden a segurou pelo braço. Perguntou se ela estaria com medo dele ou
com vergonha do que haviam partilhado na noite anterior. Ele mesmo não
saberia explicar como fora tomado de tanto desejo e talvez a tenha
constrangido de alguma forma, embora ela tenha correspondido a tudo com
o mesmo ardor. A única coisa que sabia, era que seu corpo queria o dela
outra vez. Fora a melhor experiência que tivera na vida e a ideia de que
passariam o resto de seus dias compartilhando da cama daquela forma, o
fazia inflamar de
necessidade de possuí-la.
Entraram no quarto e ele fechou a porta. Sarah correu para o outro lado,
ficando diante da janela. Hayden tinha a sensação que se aproximasse, ela
pularia sem hesitar.
— Sim, tenho negócios me esperando e acredito que deve estar ansiosa para
conhecer sua nova casa.
— Nova casa? — Ela tinha se esquecido disso. Com ele tão perto não
conseguia ter um pensamento coerente. Aliás, aquele casamento, o marido,
suas atitudes, tudo era muito novo para ela. Estava ficando atordoada.
— Tenho certeza que vai gostar do local. É tranquilo e meus empregados são
bem treinados para servi-la.
— Terei empregados? — perguntou, surpresa.
Mentir era pecado. Aquele homem a fazia cometer os erros mais terríveis
diante de Deus. Não haveria espaço para sua alma no céu, seria condenada
ao inferno e o desprezava por isso.
— Não sabe mentir. — Ele parou ao lado dela. Segurou seu queixo com a
ponta dos dedos e a fez encará-lo. — Está assim por causa de ontem à noite,
não é?
Ficou envergonhada por ser pega mentindo e por ele saber a verdade.
— Sim — confessou.
Ela fez que sim e mordeu o lábio inferior. Hayden era um homem inteligente
e esperto e ela concluiu que mentir para ele não seria bom.
— Sinto muito se isso o ofende, senhor. Mas minha educação me faz sentir
como se estivéssemos errados — explicou tentando ser educada e não
transparecer a ira em seu coração.
Hayden se recriminou por não ter imaginado que ela teria corrido para a
Igreja. Quando voltou para o quarto e não a encontrou, a única coisa que
pensou era que Sarah o havia abandonado. E esse era um sentimento que ele
não queria que repetisse em sua vida.
— Por favor, não me obrigue a falar — pediu desviando o olhar para o outro
lado.
— O que fizemos é o que a maioria dos casais fazem. — Ele soltou o queixo
dela. — Ou teriam que fazer.
Ela não ousou contrapô-lo. Não havia argumentos para isso diante do que o
padre lhe dissera e seu marido se aproveitava da situação. Além disso, ela
não sabia tanto da intimidade de outras pessoas para fazer comparações e
nem gostaria de saber. Era lamentável.
— Mas...
— Não consegue ou não quer? — Ele estava parado ao lado dela. Não a
tocava, mas ela sentia como se tocasse.
— Por favor. — Ela pediu e fez que não. — Não me obrigue a contestar!
Ele sorriu e compreendeu a atitude dela. Como poderia condená-la tendo ela
sido criada de forma tão rígida?
— Está bem, não falarei mais desse modo com a senhora. Tomarei cuidado
com minhas perguntas no futuro.
— Obrigada!
Não teve coragem de encará-lo, ou dizer qualquer coisa, porque sua voz não
sairia.
— Está bem. — Ele concordou. — Não volte tarde, partiremos tão logo o sol
se ponha.
O padre lhe disse que toda vez que pensasse em ofender o marido, deveria se
penitenciar. Começou a rezar pela confusão que estava se tornando sua vida.
Uma mulher discreta jamais encarava um homem nos olhos. E Sarah não
conseguiria, aquele homem era intimidador.
senhor Dorian.
— Ele foi levá-lo até o palácio real onde seu marido tinha uma entrevista
com o conselheiro do Rei — contou. — Caso queira, posso pedir que meu
cocheiro a leve onde desejar.
— E posso saber onde a senhora deseja tanto ir, que um Duque não seria
digno de estar?
— Não disse isso, vossa graça. Vou até a Igreja de Sant Paul. Não acredito
que fique à vontade indo comigo a um lugar como esse.
— Não é um lugar para um Duque, garanto. Além disso, não tenho dama de
companhia para que possa ficar em sua presença sem a companhia de meu
marido — esclareceu.
Sarah não fazia ideia se ele sabia ou não que aquele casamento era apenas
um arranjo, mas era discreta demais para expor a si mesma ou ao marido.
— Quem tem que se gabar de alguma coisa, vossa graça, é o meu marido.
Sou apenas uma sombra que caminha ao lado dele. Tenho certeza, que é a
ele que querem, não a mim.
O Duque deu-se por vencido. Hayden casara-se com uma mulher com gênio
igual ao dele ou pior. Caso fosse verdade que aquela senhora estava prestes a
ingressar em um convento, estaria realmente fazendo a pior besteira de sua
vida, ela não nascera para ter a personalidade suprimida pelas severas regras
religiosas e a clausura. Uma mulher tão bonita e com língua afiada deveria
viver para agradar os homens com suas palavras sagazes. Sim, ele sabia do
acordo do casamento e a forma como Hayden a comprara, mas era educado
demais e fiel ao amigo para deixar que a senhora Castle notasse.
— Bem. Como tenho que sair, eu a levarei até onde deseja e depois voltarei
para buscá-la, importa-se? Farei isso como um favor que sei que Hayden
prestaria a mim caso fosse a Duquesa na mesma situação.
Sarah pensou por um instante. Iriam apenas dividir a mesma carruagem por
um curto período. Nisso, ela não via problema algum.
Sarah pendurou o casaco e teve vontade de rir quando notou que a irmã
Judith não a havia reconhecido. Voltou-se para ela e começou a rir.
— O que aconteceu?
As irmãs a receberam com alegria e ela se sentiu em casa. Era bom estar ali
e Sarah se sentia renovada e feliz, novamente. Enquanto arrumavam tudo,
Sarah contou a longa história a elas. Mas ficaram tristes quando disse que
provavelmente iria partir naquela noite.
— Qual é o problema?
— Ele não apareceu aqui ontem também, Sarah. Estamos preocupadas com
ele.
— Vamos esperar até a noite — pediu não querendo demonstrar sua aflição.
— Ele deve vir hoje, com certeza.
Mas não apareceu. Depois que todos foram servidos, Sarah se pegou
olhando para a vasilha que deixara separada com sopa para Willy. Onde
estaria seu menino? Seu coração ficou angustiado. Em seis anos desde que
ele apareceu ali, era a primeira vez que ele ficava tanto tempo sem aparecer
Sarah reteve o fôlego. Aquele era seu marido. E estava ali por ela e tal
atitude a deixava feliz
Minha esposa. Duas palavrinhas tão simples, mas que fez Sarah quase correr
para os braços dele e esconder o rosto em seu peito em busca de segurança.
Aproximou-se dele.
Não. Ela precisava saber sobre Willy antes de partir. Mas não achou
prudente dizer isso ao marido na frente das freiras causando um mal-estar
desnecessário.
— Onde está seu casaco? — Hayden quis saber. — Está muito frio lá fora.
— Acho que alguém levou meu casaco — disse com bom humor.
Sarah olhou por cima do ombro e o viu colocar o sobretudo sobre suas
costas. Ela sentiu o calor do corpo dele tomar conta do seu.
Apesar de não ter dito uma palavra, ela podia sentir a tensão que fluía do
marido. Sentada de frente para ele, Sarah ouvia as rodas baterem contra as
ruas na noite silenciosa e escura de Londres tentando decifrar a expressão
escondida na sombra do veículo.
— Pensei que havia lhe dito para apenas pedir ajuda de Dorian. — Ele a
repreendeu quebrando o silêncio.
— Eu procurei por Dorian, mas ele estava com o senhor. — Ela explicou.
— Exatamente. Não foi com ele que a senhora atravessou Londres sob a luz
do sol? — perguntou, bravo.
— Somos.
— Não é de bom tom que uma mulher casada ande de carruagem com um
homem seja casado ou solteiro! — Ele a repreendeu.
— Também acredito nisso, mas por serem amigos íntimos, achei que não
teria problemas — tentou se explicar.
— Pensei que não se importava com o que as pessoas falavam, afinal, casou-
se com uma mulher sem origens! — Ela o desafiou.
Sarah calou-se. Essa coisa das mulheres sempre saberem como agir e terem
que ficar quietas diante da autoridade de seus maridos a estava tirando do
sério.
sonsas! — Ela se defendeu e ergueu o nariz. — Além disso, não fiz nada
demais. Avisei aonde iria e agi com a máxima discrição diante de seu amigo!
— A verdade é que não gostei de saber que esteve a sós com outro homem!
— Ele confessou.
Sarah voltou-se para ele, surpreendida. Será que ele estava com ciúme?
Hayden sentou-se ao lado dela e pegou sua mão. Sarah apreciou aquela
proximidade e comprimiu os lábios para não gemer com o toque tão simples.
Hayden não queria se afastar, mas sentiu que Sarah tinha dificuldade em
respirar. Acariciou o rosto da esposa, controlando-se para não a possuir ali
mesmo e lhe causar um escândalo desmedido. Por menos, ela fora parar em
uma igreja, se o fizesse naquele reduto, tinha a sensação de que Sarah
desaparecia para sempre. Possuía uma vida toda para desfrutar da companhia
da esposa de forma mais pungente sem causar-lhe alvoroço.
— Pensei que houvesse lhe dito que partiríamos ao pôr do sol. — Ele a
reprovou.
— Sim?
— O que houve?
— Willy não aparece no salão da igreja há dois dias — contou. — Ele nunca
fez isso antes. Estou imensamente preocupada.
Hayden também ficou. Pensou se ele sofrera alguma represália por causa de
ter lhe contado sobre o leilão. Contudo, não poderia ser isso, afinal, não
contara a ninguém e tudo saiu como John Winter e seu comparsa quiseram.
— Perguntou aos moradores de rua?
Notou, que se pensasse muito, o orgulho falaria mais alto e ela deixou o
coração tomar conta. Hayden a beijou mais uma vez, selando aquele intenso
pacto entre eles.
Confiava que ao menos, desta vez, o marido fosse rápido e ela não gostasse
tanto. Porque, infelizmente, havia adorado e era disso que tinha medo. Que
sua mente fosse tomada pela perversão para sempre.
Hayden ainda não havia encontrado uma explicação para o desejo da noite
anterior que acometeu a ambos. O que na realidade, não importava.
Afinal, o que precisava saber era que tinham uma vida toda pela frente para
compartilharem o leito da mesma forma. Aquele pensamento fazia com que
ficasse ereto e com vontade de possuí-la outra vez.
Ela precisava obedecê-lo, por isso, se levantou e foi até o sofá sem coragem
de olhá-lo diretamente, sentia o rosto queimar de vergonha. Sequer tivera
coragem de tirar o vestido e colocar uma daquelas camisolas insinuantes que
Madame Catherine havia separado para ela. Queimava seu rosto de vergonha
ao imaginar o que Hayden pensaria dela ao vê-la vestida daquela forma.
— Sente-se. — Ele bateu a mão ao lado.
A pergunta a deixou atônita. Pensou que ele pularia sobre ela e a faria pecar
mais uma vez. Contudo, ele estava sendo um cavalheiro.
— Agitado, tive que cuidar para que tudo saísse como planejei.
— Deu.
Ela o fitou.
— Gostaria de voltar?
— Talvez visitar minhas irmãs algum dia. Elas ficaram por aqui, eu acho.
— Não é um favor. Devo zelar por sua felicidade e segurança. Tudo que lhe
aprouver é assunto meu, senhora. Seu bem-estar é um deles.
Ela ficava aliviada, de certo modo, porque não fazia ideia se suas
concepções de “bem-estar” eram as mesmas. O que ela duvidava, mas não
ousaria questioná-lo naquele momento.
— Sim.
— Brigaram?
— Digamos que sim e de forma definitiva. Ele traiu minha confiança da pior
maneira possível.
— Deve procurar um meio de perdoá-lo. Para que sua alma não caia em
tentação e peque contra a vida dele — explicou com sabedoria.
— A vingança pertence a Deus. — Ela o olhou feliz por poder falar do que
mais gostava. — Seu irmão é quem deve se sentir mal e procurar um meio
de redimir-se, não o senhor. Deve seguir em frente e preocupar-se apenas
com sua própria felicidade.
— Sim. Mostraria que é superior ao que aconteceu. Não precisa tê-lo dentro
de sua casa como um amigo de confiança. Porque ele mostrou o quanto não
é confiável. Mas deve dar a ele o melhor que tem. Essa é a pior humilhação
que alguém pode receber: a indiferença.
Ele sentiu o peito queimar de paixão ao ouvir aquelas palavras. Estava diante
de uma mulher surpreendente. Não havia como verbalizar sua gratidão por
ela agir daquele modo. Por isso, ele a beijou. Sarah foi pega de surpresa, mas
sentir os lábios do marido, não conseguiu rechaçá-lo. O pior era que não o
fazia por obrigação e sim porque gostava do beijo dele.
Uma parte dela gritava: fuja do pecado. A outra a jogava para cima do
marido.
Ela deixou o terço cair no chão e suas mãos espalmaram o peito largo.
Sarah mal teve tempo de raciocinar. Ele tirou a presilha de seus cabelos que
caíram sobre os ombros como cachos dourados da deusa Atena. Hayden
enredou os dedos neles e a puxou para um beijo mais faminto. As mãos, que
já conheciam o caminho daqueles malditos botões, tiraram-nos bem devagar,
enquanto ele mordia o lábio inferior e seguia beijando pelo rosto, queixo, o
pescoço. Ouviu a aguda respiração quando empurrou o vestido pelos ombros
e ele caiu em sua cintura, deixando os seios desnudos.
Ele segurou suas mãos e a deitou sobre o pequeno sofá, projetando seu corpo
sobre o dela até que os lábios alcançaram os bicos eriçados e ela gemeu alto.
Pensou que apenas procriariam, nada mais. Ele cumpriria com suas
obrigações e, por fim, ela estaria grávida ao final da viagem para a América.
Todavia, sua esposa era uma deusa do prazer, algo inimaginável diante da
postura austera que mantinha e das roupas que usava.
Ela fechou os olhos e deixou se levar. Não podia fazer nada para impedi-lo,
seu corpo era completamente submisso à perversão daquele homem. Ele a
dominava e ela por vontade própria cedia, sua carne não era tão forte como
sempre imaginou. Ficar a tarde toda ajoelhada sobre o milho não purificou
sua alma.
Não queria ter que dar explicações, mas se esqueceu que ele poderia ver
Sarah ficou com medo da reação dele, mas primava pela verdade.
— Confessei ao padre e ele me fez ver que devo ser submissa ao meu
marido. Então, minha penitência foi me ajoelhar sobre o milho e rezar cem
ave-marias e cem pais-nossos — explicou e engoliu em seco, vendo o
marido se aproximar com o cenho franzido.
— E qual é o problema?
— Por quê?
— Pegue-a — exigiu.
Sarah o fitou intrigada, antes de baixar os olhos para o texto e começar a ler:
Ela engoliu em seco ao ler aquilo. Não sabia que a Bíblia tratava o
casamento de forma tão romântica.
Sarah o fez.
Ele ouviu atentamente e antes que ela pudesse fazer qualquer comentário,
seguiu:
— E a tua boca como o bom vinho para o meu amado, que se bebe
suavemente, e faz com que falem os lábios dos que dormem.
Ela terminou de ler e fechou a bíblia. Sentia-se uma tola. Queria que o chão
se abrisse e a engolisse.
Sarah não sabia. Sequer imaginava que poderia haver algo tão profundo
sobre o amor carnal na Bíblia.
— Nunca mais quero ver seu corpo adulterado por castigos, compreendeu?
— Ele estabeleceu.
— Não está pecando. E quando pecar, confesse, mas não infrinja nada ao seu
corpo. É uma ordem.
— Sim, mesmo que o padre ordene — falava isso para o bem dela. —
Não há prazer aos olhos de Deus em algo assim. Feriu seu corpo e não quero
vê-la machucada de qualquer forma que seja. — Ele ergueu a taça. —
Agora, vamos brindar ao nosso casamento.
Ela ergueu a taça e tímida bebeu do vinho, mal sentindo o gosto. Sua cabeça
dava mil voltas depois do que lera e sentia todo um discernimento errado
cair por terra. Sua voz tinha desaparecido. A única coisa que conseguia fazer
era ter consciência de seu marido sem aquela camisa diante de seus olhos e o
modo fascinante como ele desnudou sua ignorância.
Ele usara a Bíblia para falar com ela. E isso não tinha preço.
Hayden deu um passo para ela. O fato dele ter esclarecido a ela que não
pecava, fez Sarah relaxar de um modo surpreendente, a ponto de ela sorrir.
Era o primeiro sorriso que ela lhe dava e ele jamais se esqueceria de como
ficava bonita.
— Por quê?
Ela se sentiu constrangida com o elogio. Nunca tinha ouvido alguém dizer
que era bonita. Sempre falavam de sua irmã Barbarah, devido a seu espírito
aventureiro e por ser muito impetuosa. O fato de ser comedida, e séria fazia
com que as pessoas se afastassem e a tomassem como arrogante e metida.
seca.
Ela sentia o corpo pegar fogo. Era tão impróprio, como podia não ser
pecado? Questionou-se. Sarah não conseguiu falar, e nem foi possível,
porque Hayden a beijou com uma luxúria inesquecível, arrastando-a até a
cama.
— Melhor.
Ela se livrou das mãos dele e o segurou pelo peito largo e quente quando ele
fez menção de beijá-la outra vez.
— Sei que temos compromissos como marido e mulher, mas estou com
fome — argumentou. — E gostaria de comer alguma coisa.
— Pelo visto, a noite foi longa, Sarah... — Ele disse seu nome.
— Está bem. — Ele saiu de cima dela nu e Sarah olhou para o outro lado,
envergonhada pela nudez do marido.
Ele vestiu-se.
É com intenso pesar que lhe escrevo esta carta. Há uma semana você partiu
para a Inglaterra e recebi a notícia que Lorelai e seu
Precisava saber que sua noiva agora é a senhora Johnson Hard Castle. Sei
do amor que lhe devotava, por isso, não poderia permitir que você pisasse
em solo americano ignorando este fato.
Estamos todos estupefatos. Sem qualquer reação. Espero notícias suas e
fique bem. E quando retornar à América, espero que já tenha se recuperado
dessa triste traição.
Com Amor,
Sarah se afastou dele. Estava magoada. Por mais que soubesse que ele a
comprara em um leilão, depois da noite passada, quando ele confessou sua
afeição por ela, seu coração apaixonado a fez acreditar que ele lhe tinha um
grande apreço. Como pôde ser tão boba?
— Não é bem assim, Sarah.
Aquela resposta apenas doeu em seu coração. Não foi difícil deduzir o resto
da história.
— O senhor teve sorte outra vez. Recebe uma carta de sua mãe contando que
sua noiva e seu irmão o traíram. O senhor se perde em Londres e uma tola
jovem salva a sua vida. Jovem a qual o pai pretende leiloar para dá-la em
casamento para o cavalheiro que der um lance maior. — Ela andava de um
lado para o outro falando com amargura. — Daí o senhor vê a oportunidade
de se vingar de quem o traiu, não foi?
— Não! — Hayden não gostou do modo como ela falou. — Não foi bem
assim!
De repente, Hayden perdera todo seu traquejo. Não sabia o que dizer a
Sarah, como se expressar e contar a verdade sem entregar seu coração nas
mãos dela. Ainda lhe faltava um resquício aceitar as mágoas do passado para
confiar totalmente em Sarah.
— Não pedi para ser bom para mim, senhor Castle! — respondeu.
— O senhor não pode me dar o que quero e está me usando para se vingar de
seu irmão e sua noiva! Não importa quem se sacrifique durante o percurso
que determinou, não é?
— Egoísta? — Ele deu um passo para ela e Sarah recuou com medo. —
Acredita que um homem egoísta tomaria por esposa uma mulher tão
simplória?
— Não queria...
Ele sabia que tinha merecido ouvir aquilo depois do que havia dito e não
contestou. A discussão chegara ao fim e fora o suficiente para o terceiro dia
de casados. Ela passou por ele e foi para trás do biombo.
— Vou até o salão saber se as irmãs têm notícias de Willy. — Ela avisou
enquanto trocava de roupa. — Neste momento, quero ficar bem longe de sua
companhia.
Ele bufou. Não esperava que Sarah soubesse daquele assunto de forma tão
repentina e grotesca. Era óbvio que iria contar tudo, mas na hora certa,
quando estivessem a caminho da América e ela confiasse nele totalmente e
ele nela. Tudo pelo qual lutara nos últimos dois dias para conquistar a
atenção de o afeto da esposa foram por água abaixo.
— Sim. — Ela lutava contra a roupa para se vestir. Ela trombou no biombo e
o móvel quase foi ao chão.
Ele sentiu pela manhã estar estragada e não poder ter usufruído daquela linda
camisola. Quantas vezes seu bom senso o empurrou para contar a ela sobre
Lorelai e Johnson, mas ele não achava necessário? Agora teria de lidar com
uma esposa magoada que pensava que fora usada em um jogo sórdido de
traição.
Sarah estava com raiva e não queria conversar. Era bom demais para ser
verdade toda aquela alegria que sentia. Deveria ter imaginado que não
duraria muito tempo e que a felicidade era apenas uma falsa ilusão da vida.
Havia se esquecido totalmente do sofrimento de sua mãe por ser apaixonada
por seu pai e não ser correspondida. Com ela não seria diferente.
Ele terminou e Sarah se voltou para ele:
— Nunca desejei me casar porque não queria ser igual a minha mãe. Uma
mulher apaixonada pelo marido frio e mentiroso. — Ela o enfrentou. — A
noite passada, o senhor me fez acreditar que seria diferente. Mas não vai ser.
isso!
— É isso que acha que sou? — Ele deu um passo para ela. — Um homem
indiferente e interesseiro?
— Eu vou lhe provar que não, Sarah, e vai se arrepender de cada palavra que
me disse.
Hayden se afastou e abriu o baú para pegar uma roupa limpa. Ela abraçou o
próprio corpo. Uma parte dela queria que ele fosse para o inferno com
aquela mentira. A outra parte, tão intensa e verdadeira, queria que ele
provasse que ela estava errada.
SARAH E HAYDEN não trocaram uma palavra até chegarem ao salão da
igreja. Sequer ela aceitou a ajuda dele ao descer da carruagem e ele revirou
os olhos. Sarah preferia cair estatelada ao chão e sujar seu vestido do que
deixar que ele a tocasse outra vez. Estava com tanta raiva, tanta. E parecia
aumentar a cada minuto.
Sarah não queria ficar histérica, mas o assunto era sério e ela precisava da
ajuda de Hayden. Voltou-se para ele.
— Quero ir junto...
— Vou a lugares que não seria de bom tom que minha esposa estivesse —
advertiu.
— Obrigada, filha.
Eles saíram apressados e a carruagem não andou mais que alguns quarteirões
e parou em uma rua sombria, que Sarah nunca tinha visto antes.
— Por quê?
Sarah olhou para a porta diminuta e sentiu uma raiva inexplicável. Caso
tivessem feito algo com Willy, pela primeira vez na vida, ela não responderia
por seus atos.
Sarah ergueu uma sobrancelha e mediu o homem dos pés à cabeça. Então,
aquele era o demônio que seu pai considerava como amigo? A quem tinha
mais apreço do que a própria família que o amava incondicionalmente.
Foi um erro levá-la até ali. Ela era um anjo no meio do lodo. Não merecia
tamanha afronta. Porém, era aquela coragem dela de enfrentar suas próprias
feridas que o deixava fascinado.
— Vou repetir mais uma vez, verme. — Hayden avisou com desprezo. —
Como Roger demorou a responder, Hayden lhe deu um soco, sem soltá-lo e
depois outro.
— Está bem. — O homem gritou desesperado, quando Hayden fez menção
de lhe dar o terceiro soco. Roger sentiu o sangue escorrer dos lábios e passou
a língua por eles. — Eu o entreguei às autoridades.
— Não faço ideia, senhora — respondeu, irritado por estar sendo humilhado
daquela forma.
— O garoto não queria me passar parte dos roubos que fazia. Tive que puni-
lo.
— Vou fazer você pagar por isso, verme. — Hayden ameaçou e lhe deu mais
um soco, deixando Roger desacordado.
— Pela primeira vez, eu não teria remorso em colocar fogo neste prédio
— falou amarga.
Hayden se voltou para ela, perplexo. Ela estava furiosa, os olhos brilhando
de raiva e vingança. Ele poderia beijá-la ali mesmo, no meio daquele
prostíbulo imundo e jogá-la sobre aquele balcão. Apesar de toda
— Sarah?
Sarah nunca pensou que sentiria desprezo por alguém como sentia pelo
próprio pai.
— Como tem coragem de me chamar de filha depois do que fez? — Ela deu
um passo para ele.
Ele não esperava por aquele tipo de reação, mas a presença poderosa de
Hayden o impedira de recriminá-la e colocá-la em seu devido lugar. Tinha
acabado de ver do que aquele homem era capaz e seu pescoço ainda doía
pela forma agressiva que foi tratado por seu genro.
— Mesmo que tenha ficado rica, ainda sou seu pai! — Ele esbravejou ao vê-
la se afastar na companhia do marido.
— Está onde merece estar, pai — disse a última palavra com desprezo.
Hayden queria voltar e dar uma lição naquele homem por gritar com sua
esposa daquela maneira. Contudo, Sarah segurou o braço do marido e o fitou
com cumplicidade. Então, disse para que o pai ouvisse.
— Por favor, meu querido. Dê uma esmola a este homem. — E saiu sem
olhar para trás. Ouvindo as imprecações que se seguiram quando Hayden
jogou algumas moedas no chão e foi atrás da esposa.
Hayden a pegou nos braços e a beijou com ardor. Vê-la agir daquele modo
com o pai o deixou excitado, não sabia explicar. Sarah era uma mulher
surpreendente. Ela não queria beijá-lo, mas era como descarregar toda sua
frustração sentindo o desejo dele, poder tocar os lábios masculinos, sabendo
que mesmo que brigassem por toda uma vida, pertenciam um ao outro.
Quando ele se afastou, não deixou de abraçá-la.
Temo que estejam fazendo algum mal a ele, já que não conseguiu fugir até
agora.
— O quê?
Não podia acreditar naquilo. As lágrimas arderam em seus olhos e ela não as
conteve mais. Escondeu o rosto no peito largo do marido e chorou
copiosamente. Como madame Catherine lhe dissera, a vida estava sendo
muito boa para ela. Fora arrematada em um leilão por um homem que a
— Não serei capaz de mensurar a gratidão que sinto por sua atitude, Hayden.
— Ela tocou o rosto dele. — Mesmo que eu nunca tenha admitido nesses
dias, a sua bondade é a nobreza de sua alma.
— Sarah...
— Não precisa dizer nada. — Ela pediu. — Basta o que temos agora.
Por enquanto, ele deixaria as coisas como estavam. Aquele não era o
momento certo para dar explicações e provar que ela estava errada quanto
aos sentimentos dele por ela.
Ela assentiu.
Foram quase vinte e quatro horas de investigação até que Hayden encontrou
Willy. Timothy teve que usar de sua autoridade como Duque para ajudar o
amigo e encontrar o menino e colocou um famoso investigador, já que a
polícia não se importava com um garoto morador de rua, desaparecido.
— Ele está bem, tenho certeza. Ou reze por isso, porque se o machucaram,
não sei do que sou capaz.
— Não. — Ela fez que não. — Sou a única pessoa em que ele confia e
tenho certeza que serei a primeira que ele desejava ver quando sair daquele
lugar imundo!
— Como quiser...
O garoto estava imóvel e temeu pelo pior. Pegou-o e ele pendeu mole em
seus braços. Chorando, Sarah se aproximou e o tirou do colo de Hayden,
abraçando-o. Acabou se sentando com ele no chão, acariciando o rosto
pálido.
— Willy, meu amor. — Ela soluçava. — Fale comigo, querido. Por favor.
— Willy. — Ela insistiu. — Sou eu, Sarah — ofegou. — Sorria para mim,
eu imploro. Não posso viver sem seu sorriso.
— Senhorita Winter...
— Oh Deus! Obrigada!
Sarah teve que se conter para não perder a cabeça. Apenas pensava que a
cada passo para longe daquele lugar, era mais um minuto de felicidade
conquistado por ela, Hayden e Willy.
— ELE VAI FICAR bem. — O médico assegurou. — Precisa de alguns dias
descansando, se alimentar bem e vai ficar novo em folha. É um garoto forte.
Willy ainda não tinha voltado a si, mas segundo o médico, era normal devido
as fortes medicações que davam a ele.
— Ele pode se sentir confuso por alguns dias, mas ficará bem —
assegurou.
Era o que todos esperavam. Sarah deitou-se ao lado do menino na cama e ali
ficou até o dia seguinte, quando Lady Eleonora veio até o quarto oferecer
para olhar o menino para que Sarah pudesse descansar.
reflexo do espelho.
Depois da discussão que tiveram, era a primeira vez que ficavam a sós.
Ela o amava.
Sim. A senhora Castle amava o marido. E não podia ter menos do que lhe
dava. Era egoísta para dividir os sentimentos do marido com outra pessoa.
Querida Barbarah,
Apaixonei-me por meu marido à primeira vista, antes mesmo de sequer
imaginar que ele se casaria comigo. E depois de uma semana de intensa,
amo-o a ponto de querer tirar da nossa convivência certa ex-noiva
desagradável e traidora que se casou com o irmão dele. Como ele pode
amá-la quando tem a mim? Como ele pode querer vingar-se quando lhe
devoto tanto amor? Jamais poderei entender os homens. Como também
nunca alcançarei uma elucidação aceitável para que ele se tornasse parte
de mim de forma tão célere e intensa. Sou dele e ele é meu...
senhor falava...
Sarah sorriu.
— Não poderia ter me dado notícia mais sublime — deu um passo para ele,
empolgada.
— Sim, ficará.
Virou-se para sair dali, sabendo que o assunto findava e ela não tinha forças
para questioná-lo quanto o assunto da noiva.
— Precisamos conversar.
— Como ousa?
— Que estava apaixonada por mim desde a primeira vez que me viu. —
— O quê?
la para ser minha esposa e obrigá-la a ficar comigo para o resto da vida.
Ela comprimiu os lábios, não queria chorar diante daquela verdade. Os olhos
dele brilhavam para ela, e lhe afirmavam tudo o que ele acabara de dizer.
— Sarah. — Ele segurou sua mão. — Confesso que estava magoado com
meu irmão e Lorelai quando nos encontramos. Mas nunca amei Lorelai,
éramos prometidos desde a infância, havia uma amizade, algo singelo, mas
sempre soubemos que não nos amávamos e nosso casamento seria movido
pela cumplicidade e não pelo amor.
— Tanto que ela se apaixonou por meu irmão. — Ele contou, muito sério.
— Eu lhe peço perdão se meu silêncio a consternou, mas eu não quis magoá-
la e sim protegê-la.
— Do medo de não ser amada por mim. — Ele a segurou pelos ombros.
Seus olhares se encontraram e Sarah engoliu em seco antes de Hayden
prosseguir: — Desde que salvou minha vida, nunca mais fui o mesmo. Não
fui dono de meus pensamentos, de minhas vontades, de meus próprios
planos. Fui escravo da necessidade de tê-la para mim e não pensei em outra
coisa até enlaçá-la a minha vida para sempre.
— Sarah, ouça-me. Sei que nunca quis se casar, mas prometo que posso
amá-la por nós dois, posso fazê-la feliz como nenhuma outra mulher foi
neste mundo. Dar-lhe a vida que merece ao meu lado. Até quem sabe, um
dia possa me amar tão profundamente quanto eu a amo.
Deu-lhe as costas, certo de que fizera o possível para provar o que sentia e
ser digno de qualquer sentimento bom com o qual ela pudesse lhe retribuir.
Sarah abriu os olhos quando ele se afastou. Seu corpo estava entorpecido
pelo toque do marido. Perguntou-se se pela vida toda seria bom assim, ainda
mais depois de ouvir a declaração de amor mais sublime e pura que ele lhe
fizera. Ela o viu se afastar e sentiu falta do contato.
Hayden se voltou para ela com seu olhar impetuoso e sufocante que a fazia
tremer da cabeça aos pés.
Dois passos foram suficientes para tê-la novamente entre seus braços. Ele a
abraçou intensamente. Sarah se aninhou a ele e deixou seu corpo se moldar
ao de seu marido. Era bom de uma forma que não sabia explicar, pela
primeira vez sentiu-se segura e amada por alguém de verdade. E não tinha
receio que na manhã seguinte Hayden acordasse e se arrependesse de seus
sentimentos. Porque Sarah sabia que o amor era verdadeiro e puro.
— Casa?
Ela sentiu a mão de Hayden em seu ombro e beijou-a com carinho. Sarah
tinha certeza que não poderia haver tanta felicidade na vida.
Estive com nosso pai antes de partir e ele perdeu tudo o que ganhou com a
venda de nossos casamentos. Em questão de dias, ele arrastou-se novamente
para a lama desventurada na qual sempre viveu atolado. E não senti prazer
em sua desgraça, contudo, não consegui sequer lhe estender a mão. Peço
ajuda a Deus que me ajude a perdoá-lo um dia e rezo para que sua alma
alcance a misericórdia divina.
E apaixonada por meu marido, descobri que ele sentia o mesmo por mim.
Não há felicidade mais sublime do que amar e ser amada.
Recordam-se de Willy, o garoto por quem sempre tive imenso afeto? Hayden
decidiu adotá-lo e agora ele se chama William Hard Castle. Não é um nome
lindo? Ele estava um pouco doente e tivemos que esperar sua recuperação
para partirmos. Deixamos para lhe contar sobre a adoção quando já
estivéssemos a caminho de casa, quando nossos rostos contemplavam o
horizonte infindável que guardava a América...
Você vai ser meu filho e eu vou ser sua mãe para o resto da vida.
Um sorriso surgiu nos lábios de Hayden quando Willy pulou no pescoço dela
e começou a chorar. Desde a saída do hospital, ele vivia silencioso, mas ao
receber aquela notícia, voltou a falar como um papagaio.
Willy levou algum tempo para nos chamar de papai e mamãe, mas o período
de convivência no navio foi necessário para nos tornarmos uma família.
Tornar-me mãe não foi difícil, afinal, eu estava acostumada a lidar com
vocês e corrigi-las para que fossem pessoas melhores.
Agora, meu maior aprendizado foi tornar-me uma esposa. Apesar de muito
apaixonada por meu marido, naqueles meses de viagem, tive que aprender a
lidar com seu jeito possessivo e autoritário. E
ele teve que considerar e compreender meu mau humor pela manhã, meu
orgulho exacerbado e meu silêncio em momentos de angústia.
Contudo, após uma longa viagem até a fazenda de meu marido, com
conversas e esclarecimentos, ela relaxou. E notou que o filho estava
apaixonado por mim, pela maneira como segurou minha mão durante toda
viagem e a forma como nos olhávamos.
— Sarah salvou minha vida. — Ele acariciou a mão da esposa e lhe sorriu
outra vez.
Foram dias tão intensos e agitados que era como se anos tivessem passado
até chegarem ali e não apenas meses de intensa felicidade.
Christine Castle não tinha nada contra sua mais nova nora. Ficou ressentida
por não ter participado de nenhum dos casamentos dos filhos,
Willy não gostou daquela senhora de nariz empinado. Ela se parecia muito
com as mulheres que costumavam chutá-lo, no centro de Londres, e chamá-
lo de filho do demônio. Ele não conhecia seus pais, mas sabia que não era
filho do demônio. E agora, ele havia ganhado um pai e uma mãe. Ergueu-se
com a carruagem em movimento e foi sentar-se entre Sarah e Hayden.
Era a primeira vez que ele se dirigia assim a eles. Sarah fitou o marido com
alegria e suspirou, olhando a paisagem verde que se estendia bem diante de
seus olhos. Respirou o ar puro do campo e agradeceu a Deus por mais um
dia de vida e pela felicidade que lhe prestava.
Voltei a caminhar olhando cada detalhe do meu novo lar. A casa de dois
andares de paredes amarelas, janelas grandes e portas de madeira maciça.
Nunca vi tanta riqueza em minha vida. Sequer um dia concebi que poderia
estar vivendo algo tão pleno. Minha sogra logo partiu para sua residência
não muito longe dali e prometeu vir nos visitar. Fiquei encantada quando vi
a escada sinuosa no salão principal que nos levava aos quartos do andar de
cima. Fiquei apaixonada nos longos corredores carregados por obras de
arte que me levou ao meu quarto e de meu marido, onde uma porta conduzia
à uma enorme varanda. Dali eu podia ver toda a beleza da paisagem que me
cercava.
Creio que levarei algumas cartas para descrever tudo com detalhes e fazer
jus a beleza encantadora.
E como era esperado, o irmão de Hayden e sua adorável esposa vieram nos
visitar.
Sarah estava ansiosa para conhecer a mulher que abandonou Hayden para se
casar com o irmão dele. Quando eles chegaram, atentou-se apenas a reação
do marido. Por mais que Hayden lhe confidenciasse juras de amor, ela ainda
temia que ele sentisse algo por Lorelai. Mas Castle os tratou com uma frieza
tão impressionante, uma indiferença intimidadora, que não lhe restou
dúvidas de que não havia nada entre eles.
A moça era bonita. Lorelai Baltimore durante muito tempo foi a moça mais
cobiçada da região, mas perdeu a graça quando fugiu para casar-se com
Johnson. Sequer eram convidados para jantar na casa dos senhores mais
distintos. Muitos se apagaram ao fato de terem traído a confiança de Hayden
e tomaram suas dores. Na verdade, eles sabiam o quanto à presença deles
não era bem vista, mesmo que fossem ricos, sempre seriam vistos como
pessoas de pouca confiança.
Lorelai não ficava atrás. Contudo, mesmo que Sarah sorrisse e mantivesse a
conversa a margem da traição, ela os desprezava. Não mereciam sequer o
— Tenho a mesma esperança — sorriu para ela e beijou sua testa antes de
entrarem em casa. — Pelo menos fizemos nossa parte, não vejo disposição
de uma convivência pacífica.
Ele deu um passo para ela e a segurou virando-a de frente para o grande
espelho que ficava na entrada da casa.
— Não pode ficar falando essas coisas em voz alta, marido. — Ela o
repreendeu.
— Então direi mais tarde quando estivermos a sós — murmurou contra a
delicada orelha de sua esposa.
O que dizer mais sobre minha vida na América? Conheci o padre O’Neal e
estou trabalhando ajudando a igreja. Descobri ao ajudar algumas pessoas,
que elas não precisam de comida ou roupas. A fome está na alma e elas
carecem de atenção e, algumas vezes, necessitam de cuidado em meio ao
silêncio de suas tragédias indizíveis marcadas pela guerra. Sempre achei
que meu passado fosse carregado de miséria e decepção, porém, encontrei
pessoas com dores que gritavam pelas frestas das cicatrizes deixadas em
suas frágeis almas.
Amo a cada uma com todo o meu coração. Nunca se esqueçam de rezar
todas as noites, serem prudentes, boas esposas, submissas e amem seus
maridos como a si mesmas. E ensinarem seus filhos a serem pessoas boas.
Vocês podem perder tudo, mas nunca as esperanças de dias melhores. A fé.
Virginia, 1792
— Sim, mamãe. — Ele fez uma careta e balançou os cabelos ruivos antes de
sair correndo de novo seguido pelos cães.
Ela sorriu e balançou a cabeça, desolada. Willy era um bom menino, mas
ainda precisava de muito pulso firme para colocá-lo na linha e fazê-lo ter
uma boa educação.
— Não está merecendo que eu o chame pelo nome de batismo. — Ela ficou
séria.
Não queria mostrar o quanto ficava feliz quando ele a chamava de minha
querida. Mas deixou o sorriso escapar de seus lindos lábios, sentindo um
profundo anseio comover seu íntimo.
— E o que é?
— Vou construir uma pequena capela, em nossa propriedade, para que você
possa fazer suas orações quando quiser e não precise ir tão longe quando se
sentir cansada.
Sarah levou a mão aos lábios e deixou a lágrima escorrer. Uma e depois
outra. Quando viu estava chorando.
— É maravilhoso! — sussurrou.
— O quê?
— Está grávida?
— Tem certeza?
Hayden entrou com ela na sala de descanso e chutou a porta para fechá-la.
Colocou Sarah no chão e antes que ela protestasse, beijou-a com ardor.
— Não faça isso. — Ela pediu, ofegante. — Alguém pode nos ver.
— Não mandei você brincar lá fora? — Sarah o repreendeu, nervosa por ele
ter visto o beijo.
— Sim.
— E quando ele vai chegar? Quem vai trazê-lo? Ele vai vir em uma caixa
grande ou dentro do cesto de frutas?
— Rose?
Sarah o abraçou.
— Sim, meu amor. Nosso bebê será uma linda rosa do nosso jardim...
Deus,
Obrigada por tudo. As coisas ruins que passei me fizeram chegar aqui. E
temo dizer que viveria tudo outra vez, apenas para ter a felicidade que
tenho. Obrigada pelo pai ruim que tive, se não fosse por ele, eu jamais teria
me casado com Hayden. Pode cuidar dele em Londres? Eu sei que sim.
Obrigada. Cuide das minhas irmãs e as faça encontrar essa felicidade que
eu sinto: a alegria de viver que excede todo o entendimento.
Com Amor,
Sua filha Sarah.
Fim.
ESCREVER ESSA SEGUNDA trilogia e ter nas mãos uma personagem tão
linda como Sarah Winter foi um privilégio. Sarah não é somente fruto da
criatividade, ela é o símbolo de muitas mulheres que desistem de acreditar
no amor por causa de traumas que vivenciaram. Sarah simboliza a
necessidade que todos nós temos de ter alguém especial ao nosso lado,
mesmo que não tenhamos mais esperanças. Ela é o exemplo de que com fé,
tudo pode acontecer.
A mágica da vida não é o mar se abrir diante dos nossos olhos, mas os
pequenos milagres como um sorriso, uma gentileza, uma palavra solidária, o
respeito, um abraço amigo, um olhar de misericórdia ou uma oração de paz.
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Burke Gallagher é um irlandês que partiu rumo aos Estados Unidos com
apenas dez dólares no bolso e se tornou o dono da maior cervejaria do país, a
Cervejaria Gallagher, ficando conhecido no mundo todo pelo excelente
produto e por sua perspicácia nos negócios.
Preocupado com o futuro de seus três filhos, decide dar um basta nas suas
vidas boas e lhes dá uma ordem: cada um teria que partir para o Oeste com
apenas dez dólares no bolso e quem conseguisse ser mais bem-sucedido, no
prazo de um ano, ficaria com a fábrica de cerveja. Os irmãos então partem
dispostos a vencer o desafio e viverem suas próprias aventuras.
Sinopse
Ashworth Handeston tornou-se, aos trinta e cinco anos, um dos homens mais
ricos da Inglaterra investindo na indústria têxtil. Infelizmente, Ashworth não
pôde se casar com a mulher que amou em segredo, Ondine Cohen, sua
governanta, e se uniu a uma rica herdeira escocesa, Jessamy Heylock.
Três mulheres presas a um homem sem coração, livres para guiar seus
próprios destinos.
O Duque
O Yankee
O Plebeu
A Casa da Colina
O Cavalheiro de Shetwood
A Carta
Conde de Denbigh
Sublime
A Força do Amor
O Poder do Amor
A Glória do Amor
Danior
Vladimir
Xavier
O Pirata e a Prisioneira
A Maldição do Rei
O Feitiço da Princesa
Caçada de Mestre
O Falcão do Deserto
O Amante Espanhol
Escolhas
O Pescador
O Vira-Lata
O Playboy
Ralph
Duplamente CEO
O Baile de Carnaval
Quero Me Casar
O Editor
O Destino de Sarah
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AGRADEÇO A PARTICIPAÇÃO de Diane Bergher, que é uma parceira
maravilhosa, escritora séria e muito talentosa. Foi através do livro de
Barbarah que conheci Sarah de um modo especial. Obrigada a Silvana
Barbosa pela participação.
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