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VOLUME I

HARRY STONE CRESCEU EM MEIO AO GLAMOUR, DINHEIRO, STATUS E PODER, COISAS QUE SEMPRE FORAM
COMUNS AO CLÃ STONE, CONHECIDO NÃO APENAS POR GERIR A MAIOR FÁBRICA DE ARMAS DO MUNDO, MAS
TAMBÉM PELA BELEZA QUE TRANSCENDIA AS GERAÇÕES. ENTRETANTO, DESDE MUITO NOVO DEMONSTROU UM
INTERESSE GENUÍNO PELA POLÍTICA. DIANTE DISSO, SEUS PASSOS FORAM CALCULADAMENTE GUIADOS PARA
QUE, UM DIA, CONSEGUISSE REALIZAR O GRANDE SONHO DE SE TORNAR PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS.

TUDO IA MUITO BEM, ATÉ ELE SE DAR CONTA DE QUE NÃO CONSEGUIRIA CHEGAR AO SALÃO OVAL SEM TER
UMA PRIMEIRA-DAMA AO SEU LADO.

ELIZABETH REAGAN É DE UMA FAMÍLIA TRADICIONAL E COMPLETAMENTE FALIDA DE WASHINGTON DC.


ELA CRESCEU SOB O JUGO DE UMA MÃE OPRESSORA E VIU A MAIOR PARTE DE SUA VIDA PASSAR DE DENTRO
DOS MUROS DA VELHA MANSÃO DOS REAGAN.
QUANDO OUVIU O BOATO DE QUE HARRY STONE ESTARIA À PROCURA DE UMA ESPOSA, ELEANOR REAGAN
VIU NO BILIONÁRIO A SALVAÇÃO PARA SUA RUÍNA E ELA FARIA DE TUDO PARA QUE UM DOS MELHORES
PARTIDOS DOS ESTADOS UNIDOS SE INTERESSASSE POR SUA FILHA.

PREPAREM-SE, POIS ESSE CONTO DE FADAS MODERNO IRÁ AQUECER NOSSOS CORAÇÕES.
VOLUME I
NOTA DA REVISORA
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
BÔNUS 01
VOLUME II
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
EPÍLOGO
BÔNUS 02
CONHEÇA A ESTÓRIA DE ZARA E BLAKE
TRECHO DE GAROTA VIP
OUTRAS OBRAS DA AUTORA
CONTATOS DA AUTORA
O texto a seguir foi revisado de acordo com as novas Regras Ortográficas, entretanto,
com o intuito de deixar a leitura mais leve e fluida, a autora usou de linguagem informal em
vários momentos, especialmente nos diálogos, para que estes se aproximassem da comunicação
oral cotidiana, por isso, é possível encontrar objetos que não estão em conformidade com a
Gramática Normativa.
Para fácil diferenciação do leitor, termos coloquiais, gírias, estrangeirismos, neologismos,
regionalismos, termos técnicos, destaques da autora, entre outros, foram grafados em itálico.
Nova York

Mal havia descido do jato coorporativo das Indústrias Stone e meus


assessores já me bombardeavam de informações e perguntas.
Estávamos começando a montar a equipe que me auxiliaria na
campanha para as próximas eleições e isso vinha consumindo meu tempo,
minha paciência e meu ânimo.
Eram tantos detalhes e problemas para resolver, que nunca parecia
haver gente o suficiente.
— Sua reunião com o reverendo Norton foi cancelada, ele entrará em
contato para agendar um novo horário — Lexy, minha assessora pessoal,
informou assim que entrei no carro.
— Isso está me cheirando a armação de Bill Jackson — comentei com
ela.
— Pensei a mesma coisa. Mas o padre nos deve muitos favores, então,
mesmo que tenha cancelado a reunião de hoje, não me enrolará para sempre.
O apoio do reverendo Norton era crucial, todos estávamos apostando
que quem tivesse seu endosso, conseguiria vencer as primárias. O homem
tinha um programa de TV em um canal a cabo e milhões de fiéis que o
seguiriam até o inferno e mesmo com minha candidatura longe de estar
oficializada, já estávamos nos alinhando com todos os contatos e possíveis
aliados.
Fora isso, ele vivia em Washington, onde estava todo mundo que
importava.
— Você tem uma reunião com os acionistas às 14h; eles querem tratar
da exportação de armas para o Oriente Médio.
Respirei profundamente sabendo que essa reunião me daria muita dor
de cabeça.
Embora eu fosse totalmente contra a exportação de nossas armas para
países como Irã, Iraque, Síria e outros, tão belicosos quanto estes, os
acionistas das Indústrias Stone me pressionavam para que esse mercado fosse
aberto. Só que havia muito a se considerar antes de tomar esse tipo de
decisão.
Nosso atual presidente foi taxativo na última reunião que tivemos,
quando deixou claro que não compactuava com a ideia de uma empresa
genuinamente americana fornecer armas para países rivais que as usariam
para matar nossos próprios soldados. Era um pensamento bem controverso,
se levássemos em conta que muitos presidentes americanos provocavam
guerras apenas com o intuito de vender mais armas.
Por uma questão de princípio, eu era contra alimentar o armamento dos
terroristas mais perigosos do mundo, que almejavam ter em suas mãos as
armas mais potentes da terra. Isso me colocava em uma condição difícil, pois
não agradava em nada nossos acionistas que pouco se lixavam para quem
seria o consumidor final de nossas armas e menos ainda com meus princípios
morais.
— Blake ligou avisando que está tudo certo para o evento que sua
esposa está organizando com a alta sociedade de Washington. — Fiz uma
careta ao ouvir o que Lexy falou. — Eu sei que prefere não pensar nisso, mas
tanto seu vice quanto seus assessores têm razão, você precisa começar a
namorar alguém. Falta um ano e dois meses para as eleições, se deixar para se
casar quando estiver faltando, sei lá, seis meses, nossos adversários irão
especular se o casamento é verdadeiro. Daí vão começar a inventar que você
é gay ou um reles playboy que não quer nada com nada e só está concorrendo
à presidência para inflar seu ego e o de sua família.
Minha careta aumentou exponencialmente ao ouvir aquilo, mas
infelizmente era verdade. Nossos adversários não mediriam esforços, ou o
tamanho da mentira, para me tirar do jogo. Ainda assim, só de pensar em me
casar com uma mulher que eu mal conhecia, me embrulhava o estômago.
Porém, as palavras de Lexy me fizeram lembrar de mais esse problema.
Cuidei de todos os meus passos para ter uma trajetória impecável rumo
à Casa Branca, todavia, não alcançaria meu objetivo sem estar casado; sem
contar que não poderia ser qualquer pessoa, a mulher ao meu lado teria que
ser alguém que agradasse não apenas a mim, mas principalmente aos meus
futuros eleitores, ela teria que ser uma espécie de Kate Middleton americana.
Eu estava muito ferrado.
— Diga a ele que não vou fugir — assegurei.
— Ótimo. Embora não tenha concordado muito com a ideia, espero que
dê certo, nós estamos ficando sem tempo.
Seguimos direto para as Indústrias Stone e durante o trajeto preferi ficar
calado. Havia um emaranhado de coisas referentes à empresa e ideias para
minha campanha na cabeça, mas ainda tinha que lidar com aqueles
carniceiros loucos por dinheiro.
Caso eu ganhasse as eleições, meu pai voltaria a ocupar seu posto como
presidente do grupo. Claro que nossa esperança era que Dominic começasse a
se interessar pelos negócios, ele havia estudado para isso, mas depois que se
formou não quis trabalhar na empresa.
Pensar nisso me chateava, Dom era inteligente, descolado, arguto e
totalmente capaz, mas se ele continuasse agindo dessa forma, o jeito seria
papai acabar com as férias eternas que mamãe o obrigou a tirar, ou, em
último caso, escolher alguém de nossa confiança para tomar conta dos nossos
negócios.
— Bom dia, Sr. Stone — um dos seguranças que cuidava do andar
térreo do prédio saudou.
Parei de andar e estendi a mão para cumprimentá-lo apropriadamente.
Meu avô sempre me falou da importância de ser atencioso com as pessoas e
tratá-las com humildade e respeito, especialmente eu, que sempre almejei ir
além.
Foi pensando nesse sonho que meus passos foram guiados, dia após
dia, ano após ano.
Eu nunca achava que estava bom o suficiente até sentir o olhar de
aprovação de Harvey Stone, ele era o meu termômetro para tudo que fazia na
vida. Dele eu herdei grande parte das qualidades que possuía. Graças a Deus,
a fraqueza por mulheres bonitas que havia passado de pai para filho me pulou
e parou em Dominic, ele era um autêntico Stone nesse sentido.
Claro que eu adorava o sexo feminino, muito, e quando era mais novo
aproveitei tudo o que a beleza e o nome dos Stone me proporcionou e isso
incluía uma boa cota de mulheres. Mas meu sonho sempre estivera acima de
qualquer coisa e depois dos vinte anos comecei a refrear aquilo, até chegar no
patamar em que me encontrava agora.
Já havia alguns anos que meus relacionamentos eram discretos e
minhas mulheres, escolhidas a dedo, Jamais saí com modelos de capas de
revista em público, se alguma me interessava, eu entrava em contato e nosso
encontro acontecia bem longe dos holofotes e a base de um Termo de
Confidencialidade e Sigilo. Eu gostava de ser discreto e acreditava que isso
seria favorável quando a imprensa fosse revirar minha vida de ponta cabeça.
Como Lexy falou, todo cuidado era pouco para não ser tachado como
um playboy mulherengo que tratava as mulheres como coisas descartáveis.
Foi pensando nisso que tive dois relacionamentos sérios, com moças
discretas, que combinavam comigo em vários sentidos, só que nenhum dos
dois me provocou uma emoção genuína e por isso eu terminei.
Meu avô costumava dizer que quando fosse amor de verdade, eu não
iria me desfazer tão fácil, talvez ele não entendesse que o sonho de uma vida
nunca competiria em pé de igualdade com o amor.
Eu admirava a relação que meus avós, meus pais e minha tia Lou
cultivaram durante todos esses anos, mas devo reconhecer que ajudaria muito
a minha se, de repente, eu encontrasse alguém compatível comigo, de quem
eu gostasse ao menos um pouco para evitar um casamento de conveniência
puro e estrito.
Mas como sabia que isso não seria possível, tudo o que podia pedir era
que encontrasse uma mulher que me agradasse fisicamente, não falasse
besteiras em frente às câmeras e se não fosse pedir muito, que ela tivesse uma
personalidade doce, porque teria que cuidar de muitos assuntos ligados a
filantropia e ajuda humanitária, mas antes de tudo ela teria que ser genuína
em seus gestos e palavras, o povo sentia cheiro de mentira a quilômetros de
distância e os urubus da imprensa estavam sempre por perto para aumentar
qualquer fato.
— Os funcionários nem sabem que vai se candidatar, mas já o
idolatram como se você fosse o presidente do país — disse Lexy quando
entramos no elevador, acompanhados por Zed, meu guarda-costas e também
motorista.
Eu o tinha designado para esta função apenas porque muitas das
decisões que tomava e negócios que fechava, eram feitos dentro do carro e eu
precisava de alguém de extrema confiança e aqueles dois eram uma extensão
de mim, as pessoas em quem eu mais confiava na vida, fora minha família.
Eu os conhecia desde pequeno e podia contar com eles para me ajudar
com qualquer pepino que aparecesse.
Lexy estudou comigo desde os primeiros anos de colégio e resolvia
todas as lacunas e problemas que apareciam em minha vida. Já Zed, era neto
de Bauer, que foi chefe de segurança de Harvey Stone praticamente a vida
toda. Ele era fascinado pelo trabalho que o avô fazia e depois que Bauer
começou a cuidar apenas da logística e do pessoal que fazia a segurança da
família Stone, o neto começou a acompanhá-lo.
E foi na casa do meu avô que o conheci. Na época eu tinha sete anos e
ele, nove, e apesar da diferença de idade, nos demos bem imediatamente,
talvez porque eu fosse mais alto que os meninos de sete anos e muito precoce
intelectualmente.
Desde o início, Zed teve uma postura mais protetora com relação a
mim. Embora fosse apenas um pouco mais alto que eu na época, era bem
mais encorpado. Atualmente, tínhamos quase a mesma altura, parei em
1m90, já ele, chegou a 1m95 e era muito mais forte do que eu.
Devido à sua força, à medida que crescíamos, ele me defendeu de
muita coisa e me tirou de algumas enrascadas, então, foi meio natural que se
tornasse meu segurança em alguma época da minha vida.
Ele dizia que era coisa de família, uma vez que depois que o velho
Bauer se aposentou, o pai de Zed tomou seu lugar, de forma que cresceu com
essa ideia de que os Bauer estavam ali para garantir a segurança dos Stone. O
fato de ter se tornado meu amigo muito antes, foi apenas um bônus.
O hilário disso tudo era que, apesar de eu ser amigo tanto de Lexy
quanto de Zed desde menino, eles nunca haviam se esbarrado. Os dois só se
conheceram depois que nos tornamos adultos. Infelizmente, não posso dizer
que formamos um grupo muito unido, uma vez que jamais se deram bem.
Zed, sério e compenetrado, era o exato oposto da extrovertida Lexy,
que não se cansava de provocar meu amigo que, devo dizer, tinha a paciência
de Jó, pois o mundo podia estar caindo ao redor, que ele continuava tão
austero como sempre. E quando falava ‘mundo caindo’ me referia à Lexy
enchendo sua paciência. A mulher possuía zero bom-senso.
Fora a minha família, apenas com Zed e Lexy eu me dava o direito de
ser eu mesmo. E apesar das provocações de Lexy e da impassibilidade de
Zed, eles eram meu contrapeso e minha consciência em boa parte do tempo, e
eu não poderia estar mais agradecido.
As portas do elevador se abriram e de cara avistei o coordenador-geral
da minha campanha que já se intitulava futuro Chefe de Gabinete, quando
ganhássemos. Sim, ele era um otimista, ou arrogante, dependia do ponto de
vista.
Mas foi exatamente por isso que o contratei.
A presidência foi algo com que sonhei desde bem pequeno e a vontade
apenas aumentou enquanto assistia à posse do presidente eleito quando eu
estava com dez anos. Tudo o que aconteceu e foi dito naquele dia me
impactou e ficou marcado em minha alma e coração.
Assim que a cerimônia de posse acabou, disse a mim mesmo que um
dia seria eu ali, não pelo status, mas pela possibilidade de realmente fazer
algo grande para o maior número de pessoas possível.
No entanto, mesmo com essa ambição consolidada desde cedo, nunca
fui o tipo de homem disposto a tudo para chegar ao poder e era aí que entrava
Duncan Allen. Ele era um grande marqueteiro e não media esforços para
angariar apoio. Toda sua manipulação política era feita por debaixo dos
panos para que nossos concorrentes não desconfiassem de nada e eu tinha a
impressão que o homem seria capaz de vender a alma ao diabo para chegar à
Casa Branca e nesse momento era de pessoas assim que eu precisava ao meu
lado. Contanto que ele não comprometesse a minha alma, tudo bem.
— Stone.
Ele se levantou e foi em minha direção.
— Como vai, Allen, acompanhe-me, por favor.
O homem tinha perto dos cinquenta anos e mesmo tendo elegido vários
governadores, nunca conseguiu chegar à Casa Branca. Sua impetuosidade
acabava fazendo com que seus serviços fossem dispensados na metade do
caminho e por esse motivo ele andava com sangue nos olhos.
— Bom dia, Ethel, por favor, não passe nenhuma ligação.
Minha secretária executiva apenas assentiu e voltou ao trabalho. Ela
também fora escolhida a dedo por mim para que não houvesse qualquer
confusão no sentido amoroso. Tomei essa precaução assim que assumi a
presidência das Indústrias Stone, não queria que a história de meu avô se
repetisse.
Em virtude disso, Ethel Morris era casada e mãe de dois filhos, além
disso, tinha mais de quarenta anos e uma vasta experiência como secretária
em multinacionais e foi isso o que me interessou.
Entramos em meu escritório acompanhados por Lexy e Zed.
No início, Allen tinha receio de falar algumas coisas na presença deles,
mas logo percebeu que aqueles dois eram meus olhos e ouvidos e que não
havia segredos entre nós.
Zed se posicionou ao lado da porta, como sempre fazia. Com toda a sua
altura e porte, impunha bastante medo. Ele realmente parecia ter nascido para
isso, não pensava em se casar ou ter filhos, pelo menos não tão cedo e
adorava a vida agitada que levávamos. Não poderia ser mais perfeito para
mim.
Lexy seguia a mesma linha, de modo que eu estava muito bem
assessorado.
— E então, novidades? — perguntei ao meu marqueteiro, enquanto me
acomodava atrás da minha mesa.
— Eu e Cathy estamos rodando o país em busca do apoio das maiores
lideranças, tudo na surdina, e vou te dizer uma coisa, a América está cansada,
todos estão querendo mudança.
Duncan tinha sido contratado para angariar apoio nos estados onde
existiam os maiores colégios eleitorais e eu sabia que precisaria de toda a
ajuda, tanto entre a população, quanto no partido, porque havia vários fatores
depondo contra mim.
Primeiro, eu não era um político, não no sentido exato da palavra,
afinal, nunca concorri a nenhum cargo, exceto na época de colégio e
universidade. Não por não me achar capaz de ganhar, mas porque possuía
uma aspiração específica e sempre tive a intenção de chegar diretamente lá,
sem precisar escalar cargos no caminho.
Isso poderia parecer pretencioso, mas era o modo como via as coisas,
eu tinha um objetivo apenas e faria de tudo para conseguir concretizá-lo.
Por causa disso, fiz um nome e construí uma reputação que ia além da
família Stone, e esperava que fizesse diferença na hora da votação.
Mas havia um outro problema que talvez fosse ainda maior: minha
idade.
Eu completaria trinta e cinco anos às vésperas da eleição, o que era
uma sorte, em meu ponto de vista, porque se não fosse assim, teria que
esperar mais quatro anos. Dessa forma, quando anunciasse a minha
candidatura, me tornaria o mais jovem aspirante à presidência dos Estados
Unidos.
Claro que eu poderia ter esperado mais alguns anos, quando, muito
provavelmente, já tivesse uma família sólida, com filhos e cachorros, mas o
cenário político atual era muito favorável, a população clamava por alguém
com novas ideias e eu acreditava ser essa pessoa.
Continuamos debatendo quais seriam nossos próximos passos e, no
final, Allen foi enfático quanto à necessidade de escolher minha primeira-
dama. Ele achava que não haveria qualquer problema em fazer um anúncio
repentino, uma vez que sempre fui muito discreto quanto aos meus
relacionamentos, razão pela qual a imprensa não estranharia um noivado
surpresa vindo de minha parte, mas não poderia demorar muito mais tempo,
já que o casamento teria que acontecer antes das eleições.
— Tem certeza de que nunca ficou com alguém que o satisfizesse ao
ponto de lhe propor casamento? — Lexy perguntou assim que ele saiu.
— Se isso tivesse acontecido, era bem provável que ainda estivesse
com ela. Então, não, nenhuma delas me agradou a ponto de eu querer algo
mais.
— Nossa, que homem sistemático! Apenas escolha uma dessas
socialites que nasceram para arrumar um marido rico e pronto, só vai precisar
aguentar quatro anos. Você sabe que o ideal seria que já estivesse casado há
um tempo quando oficializasse a candidatura, mas ficar noivo já vai ajudar.
Então pare de pensar tanto e agiliza as coisas.
— Lexy, eu terei que ficar casado por quatro anos, isso se não me
reeleger, aí seriam oito anos ao lado de uma pessoa, de forma que preciso
escolher alguém com quem tenha um pouco de afinidade e, mais importante,
que não me irrite com qualquer coisa.
Ela revirou os olhos, mas sabia que eu estava certo. Apesar de tudo o
que falou, minha amiga desejava mesmo era que eu encontrasse alguém de
quem gostasse de verdade. Entretanto, nós estávamos numa corrida e
tínhamos que ser práticos.
— Bom, depois falamos a respeito disso, agora temos que pensar em
uma forma de acalmar acionistas sedentos por sangue.
Ela deu de ombros, mas assentiu e começamos a trabalhar.
Durante a reunião, fui bombardeado por inúmeras perguntas e,
obviamente, não me esquivei de nenhuma, ver aqueles homens loucos para
que eu cometesse um deslize, me fez lembrar dos anos que passei seguindo
os passos de meu pai e avô.
Eu poderia ter apenas a metade da idade daqueles senhores, mas
entendia dos negócios melhor que qualquer pessoa naquela sala, além do
mais, sempre fui bom com as palavras. Diante disso, discursar se tornou uma
paixão e eu usava dessa vantagem para persuadir quem quer que fosse, de
modo que não foi difícil convencê-los de que meu ponto de vista era o certo a
seguir.
— Vai ficar até mais tarde? — Lexy perguntou enquanto entrávamos
novamente em meu escritório.
Fui ao pequeno bar para me servir uma bebida e ela se sentou em um
dos sofás mexendo no celular.
— Sim; preciso analisar meu plano de campanha — falei quando me
sentei na poltrona à sua frente, de onde fiquei admirando sua beleza.
Alta, loira e dona de um corpo fabuloso, Lexy era maravilhosa, mas
além disso, era uma mulher muito inteligente, esperta, educada (quando
queria) e extremamente competente.
Tão logo decidi que me candidataria para as próximas eleições,
imaginei que pudéssemos fazer um acordo para que ela fosse minha primeira-
dama. Isso seria perfeito, porque além de todas essas qualidades, ela podia
parecer durona, mas, na verdade, era naturalmente empática, bem articulada e
sabia exatamente como se portar na frente de quem fosse.
O problema era sua vida pessoal um tanto duvidosa. Para uma
assistente, seus gostos peculiares não fariam a menor diferença, mas nem que
eu fosse um democrata conseguiria ser eleito com uma primeira-dama tão
liberal. A imprensa iria esmiuçar sua vida até descobrir suas bizarrices e isso
jamais seria aceito em nosso país.
— Odeio quando me olha assim — ela falou, com os olhos ainda na
tela do celular.
— Odeia mais ainda quando eu a ignoro — retruquei porque Lexy era
uma exibicionista que adorava chamar a atenção e nada a frustrava mais do
que passar despercebida.
Ela sorriu e jogou os cabelos para trás, fazendo charme
propositalmente, o que me fez rir.
— Hoje é sexta-feira, será que não consegue arrumar um amigo
decente que possa te levar para tomar uma bebida? — ela falou, num claro
intuito de alfinetar Zed, mas também porque não gostava que eu trabalhasse
às sextas depois do horário ou nos finais de semana.
O que ela e muitas pessoas não entendiam é que era essa a rotina que
eu queria, eu gostava de ser responsável pelo legado da família Stone e,
embora pudesse ir a qualquer lugar ou conseguir a companhia de qualquer
mulher, preferia continuar focado.
— Eu gosto de trabalhar, não sei que mal há nisso.
— Por Deus, Harry, faz quase um mês que você não sai com ninguém,
como consegue ficar tanto tempo sem sexo?
Acabei rindo da cara de desolação dela.
— É sério, quando é que você vai transar com uma mulher sem toda
essa burocracia? Vocês ao menos gozam? Não precisa responder, depois de
passar por um armário mal-humorado e assinar um documento, a pessoa deve
broxar no mesmo instante.
Dessa vez explodi em uma gargalhada.
Lexy adorava pegar no meu pé pelo fato de todos os meus casos terem
que passar, primeiro, pelo armário de documentos, como ela dizia, antes de
poder ter qualquer contato íntimo.
O armário, no caso, era Zed, que levava seu trabalho muito a sério. Ele
faltava revistar as moças com quem me encontrava e só relaxou um pouco
quando lhe disse que o colocaria para tomar conta de Dom ou Eva.
Nesse dia eu vi estremecer e desde então ele pegava mais leve, mas não
saía do lado de fora da minha porta, nem por decreto.
— Quando se almeja ser o presidente dos Estados Unidos, até o sexo
fica em segundo plano. E já aviso que até que esse assunto esteja resolvido,
não pretendo sair com ninguém. Com ou sem contrato, eu não posso arriscar.
— Tenho pena da pessoa com quem irá se casar e dividir a cama todas
as noites. Não sei se a coitada vai sofrer pelo excesso, depois de você ter
ficado tanto tempo sem a coisa ou pela escassez, caso continue achando que a
presidência é mais importante que suas obrigações conjugais. Para amenizar a
situação, vou ficar amiga dela, a mulher vai precisar de um ombro para
chorar.
Gargalhei mais uma vez e tentei me imaginar dormindo todas as noites
com alguém ao lado. Essa ideia parecia absurda e distante, se levasse em
conta a vida solitária e regrada que eu costumava levar.
— Pode ter certeza de que pretendo tirar todos esses anos de atraso,
vamos rezar para que ela goste bastante de sexo.
Lexy balançou a cabeça e jogou um beijo no ar antes de sair,
levantando o queixo antes de passar por Zed que durante esse tempo
permaneceu em seu lugar de praxe, apenas observando nossa interação.
Voltei para trás da minha mesa porque Lexy estaria de folga durante o
fim de semana, mas eu, não, e o melhor que tinha para fazer era trabalhar.
Quando terminei de ler as mais de cem páginas do novo contrato que as
Indústrias Stone estavam fechando com o governo, abri meu e-mail para ver
se havia alguma novidade.
O primeiro nome que li foi o de Zara Sullivan e soltei um gemido
involuntário, já imaginando o teor.
Ao abrir, vi que estava certo. Ela havia me mandado um anexo
contendo a ficha completa, acompanhada por fotos de algumas das moças
que participariam de um evento que decidira organizar em Washington.
Segundo disse, era pra eu já ter uma ideia visual do que encontraria quando
chegasse lá.
Imaginava que o fato de ela ser uma ex espiã tenha facilitado muito sua
pesquisa.
Abri o anexo e sorri para aquela lista interminável. Por um segundo
cogitei não olhar as fotos, pois fazia parecer que as moças estavam expostas
numa prateleira para serem vendidas e essa ideia não me agradava nem um
pouco.
Só que, infelizmente, isso não era algo prudente a se fazer. Estava à
procura da mulher com quem me casaria e não dava para me interessar por
alguém apenas olhando o currículo dela. Ela precisaria ter várias qualidades,
mas eu teria que gostar do que via ou isso não daria certo.
A primeira foto que abri era de uma ruiva, muito conhecida nas altas
rodas de Washington e Nova York. Kimberly Snow vivia aparecendo em
colunas sociais e programas de fofoca. Ela era linda e divertida, mas o
completo oposto do que eu procurava em uma primeira-dama.
Vi mais algumas e parei em uma que me agradou.
A mulher era loira, tinha vinte e sete anos e vestia um tubinho
comportado. Seu nome era Pamela Buchanan, era filha de um político local e
formada em Direito em Harvard.
Embora tivesse o rosto bonito, não a achei fotogênica, talvez por causa
da expressão fechada que mostrava.
Mas não dava para julgar pela foto, é claro e o baile serviria exatamente
para isso, conhecer uma pretendente à altura.
Algumas fotos depois, uma me chamou a atenção.
Elizabeth Reagan. Gostei.
Ela tinha lindos cabelos em tom de avelã e olhos azuis afáveis, mas um
tanto tristes. A pele parecia de porcelana e o rosto fino vinha acompanhado
de um sorriso doce e convidativo.
Sempre fui bom em ler expressões faciais e corporais e havia algo
atrativo em Elizabeth. Ela era linda, óbvio, mas dava para ver que a câmera
gostava dela.
Comecei a ler seus dados que diziam que a garota era de uma antiga
família de Washington, mas sem nenhuma expressividade no meio político
ou mesmo social.
Estudou em colégios renomados, apesar de não indicar nenhuma
universidade. Entretanto, falava três idiomas, havia feito dezenas de cursos e
não gostava da vida noturna de Washington.
Ela era inquestionavelmente linda, porém, aos 23 anos, me parecia
meio nova para ocupar um cargo tão importante. Mas, mais uma vez, teria
que conversar com ela antes de descartar completamente.
Eu me conhecia bem e sabia que quando encontrasse a candidata ideal,
alguma coisa aconteceria, como uma luz ligada de repente, me mostrando que
ela era a pessoa certa.
Pelo menos, era com isso que eu estava contando. O tal evento seria na
semana seguinte e eu tinha chegado à conclusão de que seria lá que eu
precisaria me decidir por alguém. E eu esperava, de verdade, conseguir me
encantar por alguma mulher e, finalmente, seguir meus planos rumo à Casa
Branca.
Continuei com aquela lista interminável e analisei todos os nomes e
fotos, gostando de algumas e descartando outras antes de encerrar a noite.
Washington DC

Meu corpo estava tão cansado, os joelhos latejando e o estômago


roncando de fome, mas precisava terminar o que fazia antes que Eleanor
chegasse.
Normalmente eu não me preocupava com isso, porque com Stella me
ajudando, no meio da tarde estava tudo feito. Contudo, ela tinha uma
entrevista de emprego naquele dia, então saiu de casa cedo, e mesmo com
toda a minha agilidade, ainda faltava muita coisa para fazer.
Coloquei-me de pé e fiz um leve alongamento a fim de relaxar os
músculos doloridos e fatigados.
Todas as sextas-feiras, assim que minha mãe saía de casa, eu pulava da
cama para dar faxina na antiga mansão em que morávamos, a mesma em que
fui servida por várias pessoas durante boa parte da infância, mas que agora
abrigava tão somente minha mãe, eu e os únicos empregados que sobraram,
afinal, o tempo das vacas gordas tinha passado e nossa realidade era outra.
Eleanor manteve o emprego da nossa cozinheira e de seu marido, que
era nosso motorista, jardineiro e faz tudo, com a condição de que eles dessem
conta de todo o serviço da casa, coisa que era impossível, pois a propriedade
era gigantesca, com isso, eu e Stella, filha deles e minha melhor — e única —
amiga, nos dispusemos a ajudar para que dessem conta de tudo.
Claro que eles foram contra, afinal, eu era a ‘patroa’, além do mais,
todos nós sabíamos que se minha digníssima mãe sonhasse que eu ajudava
nas tarefas da casa, os colocaria no olho da rua. Mas seria impossível para
mim deixar Consuelo fazer tudo sozinha. Ela tinha um problema na coluna
que a impedia de fazer muitos movimentos, imagina limpar uma casa
daquelas.
Para completar, Consuelo, Benito e Stella eram ilegais no país e se
saíssem dali, talvez não arrumassem algo melhor, isso se não fossem
deportados, então agarravam-se ao que tinham.
De minha parte, faria de tudo para mantê-los comigo. Era deles e de
Gemma que vinha todo o afeto que recebia desde a morte de meu pai, pois
minha querida mamãe só se preocupava com o próprio umbigo e não erguia a
mão para fazer nada naquela casa, nem mesmo seu quarto ela se preocupava
em preservar arrumado. Ela era uma mulher horrível e eles, minha família.
Eu costumava iniciar a limpeza pelas salas de estar e jantar, passando
pelo hall de entrada de onde só saía quando o piso ficava reluzente. De lá, ia
para a grande escada com piso de mármore e corrimão de ferro forjado, todo
trabalhado, de onde eu precisava tirar a poeira e esfregar a flanela até cada
detalhe dourado estar brilhando.
Enquanto eu encarnava o papel da própria gata borralheira, minha mãe
passava o dia em um spa com direito a todo tipo de tratamento, nos outros
dias ela ia a almoços, ao Jockey Club ou às casas de suas amigas socialites,
tentando encontrar uma forma de voltar a ser rica, já que com seu
consumismo desenfreado, a herança que papai deixou estava prestes a acabar.
Por várias vezes me propus a arrumar um trabalho, mas ela sempre
falava a mesma coisa: não investira todo aquele dinheiro em minha educação
para que eu acabasse atrás de um balcão de loja.
Balancei a cabeça para tentar dissipar esses pensamentos e não me
aborrecer, mas todo dia ela aparecia com uma coisa. Eleanor Reagan era uma
mulher fria e gananciosa que tinha prazer em me torturar psicologicamente.
Na minha concepção, era o próprio diabo de saias usando Loubotins.
Estremeci só de visualizar a imagem enquanto me retirava do banheiro
que acabara de limpar.
Pelo tempo que papai viveu, tudo funcionou perfeitamente e por alguns
anos tive uma vida de princesa.
Ia para o colégio com motorista, tinha uma babá, que depois se tornou
nossa governanta e que foi uma verdadeira mãe para mim. Fora isso, meu dia
era cheio de atividades tais como balé, aulas de piano, etiqueta, línguas
estrangeiras, culinária, decoração e tudo o que uma dama da alta sociedade
precisava ter em seu “Portifólio para Arrumar Um Marido Rico”, que todas
nós adquiríamos desde o nascimento.
Eu sabia que meu pai me amava incondicionalmente e sua única
preocupação era que eu fosse feliz. Porém, ele nunca abriu mão de uma boa
educação, por isso mesmo, depois da primeira vez em que passou mal,
garantiu para que após sua morte eu continuasse meus estudos e aulas
extracurriculares. Para tanto, separou um fundo destinado apenas para este
fim, que seria gerido por seu melhor amigo e advogado, caso lhe acontecesse
algo.
Acho que mesmo amando a esposa, papai sabia que ela não se
preocuparia com esse assunto, uma vez que nunca escondeu que tudo o que
queria era que eu arrumasse um bom casamento. E foi só por esse motivo que
eu continuei frequentando bons colégios, pois segundo ela, eu não precisava
de tudo aquilo.
Por causa dele, também pude entrar em alguns cursos de artes. Eu
amava pintar e tinha certeza de que era apenas por causa disso que ainda não
havia enlouquecido, afinal, suportar minha mãe tirava todas as minhas forças.
Ela me consumia com suas demandas, com sua doença, com sua obsessão
pela riqueza e se não fosse o pedido do meu pai, pouco antes de sua morte,
para que não deixasse a mansão e permanecesse ao lado de sua amada
esposa, eu já teria ido embora há muito tempo.
Papai tinha a ilusão de que mamãe ainda carregava consigo os sintomas
da depressão pós-parto que teve depois do meu nascimento e que por isso
agia de forma estranha de vez em quando, mas que ela me amava, razão pela
qual eu precisava cuidar dela.
Por muitos anos, enquanto crescia, realmente pensei que tinha essa
obrigação: ela cuidou de mim desde que nasci, então era hora de retribuir.
Mas na medida em que ficava mais velha e ganhava entendimento, fui
percebendo que as coisas não eram assim.
Depois que papai morreu, ela se libertou do trabalho de ter que fingir
que gostava de mim e demonstrava seu rancor sem qualquer pudor. Era como
se sempre que me via, um tipo de demônio tomasse seu corpo, mas a cada
vez que eu tentava me rebelar, ela dava um jeito de contornar a situação,
sempre na base do drama, às vezes usando meu pai, outras vezes sua
depressão... Eu realmente me sentia uma marionete em suas mãos.
Era tão difícil conviver com uma pessoa bipolar, que cada dia acordava
de um jeito diferente. Meus únicos momentos de paz dentro daquela casa
aconteciam quando ela saía, e graças a Deus, isso andava acontecendo com
bastante frequência.
Eleanor gastou a herança que papai nos deixou desenfreadamente e em
consequência disso, ela agora se encontrava praticamente falida. Por esta
razão, queria a todo custo encontrar um marido rico, já que mesmo aos
quarenta e oito anos, sua aparência era impecável. Os cabelos tingidos de
loiro, o corpo esbelto e bem-feito, conseguido devido às diversas cirurgias
plásticas a que se submeteu, lhe davam uma aparência jovial.
Em contrapartida era uma mulher extremamente fria e distante. Tanto
que não me permitia chamá-la de mãe, nem mesmo quando estávamos em
casa. Isso quando nos víamos, coisa que raramente acontecia. Sendo assim
nunca nos falávamos, exceto quando era estritamente necessário.
Eu não podia sequer culpá-la, porque a verdade era que não tínhamos
nada para conversar, mas torcia para que encontrasse logo esse marido.
Acreditava que quando isso acontecesse, poderia me livrar dela sem
qualquer remorso.
Continuei minha limpeza pensando na decadência de nossa família e no
quanto meu pai ficaria triste se estivesse vivo para ver onde havíamos
chegado.
Eu estava naquela situação, porque à medida que o dinheiro acabava, os
empregados foram sendo dispensados. Começou com o jardineiro, continuou
com as faxineiras, as arrumadeiras, até chegar em minha doce e querida
Gemma. Conforme um saía, os que ficavam tinham que, automaticamente,
assumir o posto vago, com isso, nossos funcionários foram acumulando
funções às quais não estavam acostumados e para as quais os salários eram
insuficientes.
Por esse motivo, os que ficaram foram se demitindo, exceto o
motorista, a quem ela pagava rigidamente, apenas porque jamais se daria ao
luxo de andar por aí de taxi; isso seria um verdadeiro ultrage. Para Eleanor,
ele era como um artigo de primeira necessidade que a ajudava a sustentar a
mentira de que ainda era rica, pelo menos para suas amigas, tão fúteis quanto
ela.
Com toda essa baixa, a manutenção da mansão foi ficando a desejar,
mas Benito se esforçava ao máximo para cuidar do jardim e da piscina e
ainda arranjava tempo para ajudar sua esposa nos afazeres dela, enquanto eu
e Stella cuidávamos do que nos propusemos a fazer e tomávamos cuidado
para manter tudo em ordem, para que Eleanor não soltasse os cachorros em
Consuelo.
Em virtude de todas essas coisas, eu admitia a mim mesma imaginar
como seria viver longe daqueles muros. Entretanto, por mais forte que
quisesse parecer, eu morria de medo, Eleanor se encarregara disso. Suas
palavras cruéis ainda me perseguiam feito fantasmas pelos corredores da
velha mansão e era difícil me desvencilhar delas ou duvidar, afinal, era minha
mãe quem as dizia.
Mesmo eu sendo já uma mulher adulta, todas as vezes que discutíamos,
ela deixava claro que o mundo do lado de fora era cruel e que eu, burra,
incompetente e completamente inútil, com certeza viraria uma moradora de
rua, pois ninguém sobrevivia de arte e eu não era capacitada para outras
coisas, já que não tinha nenhuma formação, além de ser pálida demais, ao
ponto de ninguém querer me oferecer emprego, achando que eu era doente.
“Você não passa de uma criança ingênua e perturbada. Não pense que
sua vida será muito melhor fora daqui. Não tem ideia das coisas horríveis
que podem acontecer com uma moça solitária perambulando pelas ruas,
você pode ser feia, mas quando um homem quer fazer mal, ele não olha isso.
Então ponha na cabeça que só tem a mim e valorize.”
Quando era mais nova, eu me recusava a acreditar no que ouvia dela,
porque tanto Gemma quanto Consuelo viviam dizendo que eu era linda e
inteligente. Então Gemma foi embora e eu fiquei tão triste, que me permiti
usufruir da minha fase de rebeldia, brigas, discussões e tudo mais que eu
tinha direito.
Mas essa fase acabou e no momento eu me sentia como um cão
domesticado, pelo menos por hora, tinha fé de que ainda conseguiria reunir
força suficiente para me livrar dela e das armadilhas mentais às quais me
acostumei.
Ao terminar de limpar o piso dos corredores, segui para o escritório que
era de papai, meu lugar preferido em toda a casa.
Parei o carrinho com os produtos de limpeza em frente à porta e a abri,
sentindo imediatamente o cheiro de poeira e lugar fechado. Infelizmente eu
não tinha tempo nem ânimo para limpá-lo com a frequência que desejava, por
isso, esse era seu odor usual.
Puxei o carrinho para dentro e sorri ao ver as paredes cobertas de
prateleiras repletas de livros, os quais eu já tinha lido mais da metade. No
chão, o belo tapete persa que papai comprara especialmente para mim,
porque eu gostava de ficar com ele quando estava em casa e que só não fora
vendido, por causa da ressalva feita em seu testamento.
Sempre que entrava ali, eu me via sentada nele, ouvindo suas histórias.
Quando ele precisava trabalhar, eu pegava algo para ler ou algumas de
minhas bonecas e me refugiava lá, esse era o jeito que encontrava de ficar
perto dele e longe de Eleanor com suas palavras maldosas.
Meus olhos se encheram de lágrimas pelas lembranças que o escritório
de papai sempre me trazia.
O que eu havia feito de errado para merecer uma vida tão ruim assim?
Engoli o choro e comecei a tirar as coisas do lugar, enrolei o tapete e o
coloquei em um canto qualquer, tirei o pó das dezenas de livros enfileirados e
depois varri cada centímetro de chão empoeirado.
Quando terminei a limpeza, já eram quase 18h e eu ainda tinha coisas
para fazer.
Enquanto me dirigia à cozinha, dava graças a Deus por Eleanor ter uma
rotina tão regrada, ou não teria tempo de fazer mais nada.
Depois do spa, ela geralmente ia a algum restaurante, uma festa ou
qualquer outro lugar onde pudesse ir à caça. Eu podia imaginá-la desfilando,
com uma taça de champagne na mão e sem comer praticamente nada, uma
vez que estava sempre em dieta, cada uma mais louca que a outra.
Minha mãe vivia em prol de sua beleza e nada que a deixasse menos
que perfeita poderia entrar em seu corpo ou mesmo na casa.
Porque ao menos pela comida ela ainda pagava. Toda semana deixava
uma pequena quantidade de dinheiro para que Benito fizesse as compras da
semana.
Estava quase terminando a limpeza da cozinha quando escutei a porta
de entrada batendo com força.
Era ela!
O barulho de seus saltos ecoou pela casa silenciosa e imaginei que
estivesse me procurando para contar como havia sido seu dia. Como foi bem
tratada no spa, quantos elogios recebeu por sua beleza e elegância... Sim,
exceto por coisas muito importantes, era apenas para isso que ela me dignava
sua atenção.
Fechei a torneira e peguei uma maçã na fruteira para disfarçar.
— Aí está você.
Desviei o olhar da pia e passei os olhos rapidamente pela roupa que ela
vestia.
Eleanor possuía muito bom gosto, sempre usava roupas de grife e
bolsas que custavam o valor de um carro, tudo proveniente da época das
vacas gordas, já que agora mal conseguia comprar uma agulha.
Aliás, até conseguiria, se vendesse suas joias ou bolsas, coisa que eu
acreditava que já estivesse fazendo, mas apenas para comprar outras mais
atuais, afinal, ela tinha que estar sempre impecável.
Continuei minha varredura até chegar em seu rosto. Os cabelos estavam
bem alinhados como de costume e a pele perfeitamente maquiada. Nas
orelhas, um par de brincos de diamantes, o único que ela jurou nunca se
desfazer, pois alegava que as coisas iriam melhorar antes que tivesse de
vendê-los.
— Temos um evento para ir — anunciou com certa ansiedade.
Ela ultimamente nunca me convidava para nada, por isso achei estranho
e continuei em silêncio, achando que tinha ouvido errado.
— Você não ouviu? Recebemos um convite para uma festa.
— Sim, senhora, mas não prefere ir sozinha?
Ela torceu a boca e seu olhar ficou frio.
Agora, sim, ela havia voltado ao normal.
— Sabe há quanto tempo não somos convidadas para um evento
realmente grande, onde poderemos encontrar os homens mais ricos e
influentes de Washington?
Neguei com a cabeça, porque não era algo que me interessava.
— Foi uma pergunta retórica, eu sei que você não sabe de nada. Mas
continuando, esse evento é a nossa chance de sair dessa situação calamitosa.
Ela foi até a cafeteira, colocou uma cápsula de seu café favorito e
tamborilou os dedos sobre o balcão até que a bebida ficasse pronta.
— Ouvi rumores de que Harry Stone vai se candidatar à presidência
nas próximas eleições e ainda não achou sua primeira-dama — soltou e
tomou um gole de seu café.
Mesmo vivendo em Washington, eu não era muito antenada no que
dizia respeito à política e não fazia ideia de quem fosse esse homem. Além
disso, no meu tempo livre eu gostava de ler os livros do meu pai, era uma
forma de ficar perto dele, então não ouvia rádio e quase nunca via TV.
Contudo, o sobrenome Stone não me era completamente desconhecido.
— Está pensando em se casar com esse cara e ser a primeira-dama
dele? — questionei com toda a minha ingenuidade e Eleanor gargalhou.
— Não seria uma má ideia, mas conheço bem tipos como Stone, sem
contar que ele é meio novo para mim, gosto de homens mais experientes, no
entanto, se fizermos tudo certo, você pode deixá-lo interessado.
Franzi a testa quando me dei conta do que ela estava planejando fazer.
— Achei que tivesse desistido dessa ideia de me casar com qualquer
um por dinheiro — falei em um fio de voz, extremamente assustada com
aquela possibilidade.
— É claro que eu não desisti. E já vou avisando que não adianta tentar,
porque não conseguirá escapar. Você irá a esse baile por bem ou por mal e se
comportará como foi ensinada sua vida inteira.
— Por favor, eu não quero me casar com ninguém!
Ela caminhou pela cozinha segurando sua xícara de café e parou bem
ao meu lado. Então agarrou meu pulso e pude sentir suas unhas cravando em
minha pele.
— Como sempre, parece que não está pensando direito, Liz. Esse
casamento pode ser sua chance de se livrar de mim. Você se casa, me
consegue um bom dinheiro e não precisa mais me ver. Será um ótimo
negócio para nós duas.
Eu nunca fui uma pessoa interesseira, mas confesso que suas palavras
sussurradas me fizeram pensar. Tudo que eu queria na vida era me ver livre
de minha progenitora com suas manipulações desmedidas e talvez o
casamento fosse o único modo de conseguir isso.
Por outro lado, eu a conhecia bem demais e sabia que Eleanor não me
deixaria livre tão facilmente. Ela gastaria todo o dinheiro e iria atrás de mim
novamente e isso continuaria por toda a minha vida.
— É a sua chance, por isso, pense bem, querida filha.
Voltei a comer minha maçã enquanto escutava o som irritante de seus
saltos se afastando até que a casa voltou a ficar silenciosa.
Como eu odiava a minha vida, quando todo esse tormento iria acabar?
Após me certificar de que a bruxa estava trancada em seu quarto, segui
para a área de serviço com o velho carrinho de produtos de limpeza rangendo
a cada passo que eu dava.
Olhei para o balcão da lavanderia e me deparei com um cesto cheio
com as roupas dela. Nos dias em que não estava enfurnada em seu quarto, ela
gostava de sair e se exibir com os velhos vestidos de grife.
Era Consuelo quem cuidava da roupa, mas imaginei que devia estar
sentindo dor para não ter feito seu serviço, então resolvi ajudá-la. Seria uma
boa oportunidade para pensar no que Eleanor me falou.
Quando terminei já tinha anoitecido. Subi para o meu quarto e notei
que a porta da suíte de Eleanor estava entreaberta. Dava para ouvir o barulho
de seus saltos indo de um lado para o outro, sinal de que iria sair.
— Elisabeth, venha aqui — ordenou quando percebeu minha presença
através da pequena abertura da porta.
Coloquei metade do corpo para dentro, rezando para que ela não me
pedisse nada, meus músculos estavam moídos e tudo o que eu queria era
tomar um banho quente para relaxar.
Eleanor estava usando um vestido azul marinho de corte reto, mas que
delineava seu corpo. O rosto se encontrava muito bem maquiado, como
sempre e o cabelo preso em um coque apertado. Estava linda, mas era de se
esperar, uma vez que se produzir era uma das poucas coisas que ela sabia
fazer na vida.
— Estou de saída e quero que guarde esses vestidos e as bolsas.
Coloque-as dentro de suas caixas para não pegarem poeira.
Até suspirei quando ela terminou. Achei que fosse me pedir alguma
coisa da cozinha, então estava no lucro.
Passei pela porta enquanto ela se exibia para o espelho ao mesmo
tempo em que se perfumava.
Juntei os cabides que estavam espalhados pelo quarto e comecei a
encaixar os vestidos para depois levá-los ao closet.
— Voltarei tarde, mas nem pense em sair de casa com aquela garota
baixa renda que você chama de amiga — ela disse, azeda, antes de sumir pelo
corredor que levava às escadas.
Eleanor odiava minha amizade com a filha dos nossos empregados e
não se preocupava em esconder sua opinião. O que ela não sabia era que sua
ojeriza, na verdade, apenas nos impulsionava a provocar ainda mais, por isso,
sempre dávamos um jeito de sair escondido para encontrar com o resto do
pessoal.
Organizei todas as coisas no closet, depois apaguei as luzes e fechei a
porta, dando graças a Deus porque estaria livre de sua presença por algumas
horas.
Quando saí do meu banheiro, após um banho delicioso, Stella estava deitada
em minha cama, balançando as pernas para o ar.
Minha amiga era linda. Tinha um corpo violão de dar inveja a qualquer
uma, a pele cor de jambo era perfeita, os cabelos, um charme à parte; lisos,
longos, muito pesados e quase negros, eles chamavam a atenção, tanto quanto
seu corpo e ela adorava exibi-los. Estelita, como sua mãe a chamava, tinha o
sorriso mais gracioso do mundo, estava sempre de bom humor e isso era uma
qualidade que eu invejava muito.
— Mamãe falou que a Bruxa Má do Oeste saiu — disse ela, animada.
— Graças a Deus. Mas como foi sua entrevista?
— Ficaram de ligar, porém eu sei que o mercado está difícil, nunca
aparece coisa boa, mas estou rezando para ser aprovada. Qualquer coisa é
melhor que limpar o banheiro de Eleanor e escutar seus insultos.
Stella falava abertamente o que achava de minha excelentíssima mãe,
ela sabia que eu não me importava.
— Sinto muito por ela ser essa aberração e não uma pessoa normal,
mas um dia vamos nos livrar de tudo isso.
— Ei, não vamos pensar nela agora, consegui entradas para a boate
hoje, a galera toda vai.
Como nunca pude ter meus próprios amigos, acabei fazendo amizade
com os amigos de Stella, pessoas simples, totalmente diferentes de minha
mãe e com quem eu adorava estar.
Nossa turma era composta por mim, Stella, Freddy e Luna.
Stella, mesmo sendo dois anos mais nova que eu, comprava briga com
quem quer que fosse para manter seu cargo de melhor amiga e também para
me proteger. Freddy era boa praça, podia conseguir qualquer coisa em
qualquer lugar, por isso o chamávamos de MacGyver. Luna era a mais
problemática dos quatro, ela gostava de implicar com a vida de todo mundo,
principalmente com a minha, mas como era prima de Stella, não podíamos
simplesmente descartá-la.
No início ela foi contra eu andar com eles, mas ultimamente estava se
mostrando um pouco mais gentil. Stella achava que a garota estava
apaixonada. Se fosse o caso, eu esperava que durasse para que parasse de
pegar no meu pé.
— Não sei se consigo, amiga, estou morta — falei me jogando na
cama.
Eu gostava de sair escondido para encontrá-los. Nós saíamos para
dançar, ir ao cinema ou simplesmente jogar conversa fora. Mas naquela noite
eu me sentia exausta.
— Posso imaginar. Se mudar de ideia, me avise — Stella disse em tom
compreensivo, pois sabia que eu só negava seus convites quando estava
muito cansada.
— Eleanor quer me arrastar para um baile de gente besta igual a ela,
quer me apresentar a um figurão que vai se candidatar à presidência.
Stella arregalou os olhos e depois gargalhou.
— Essa daí não vai descansar enquanto não arrumar um marido rico ou
te vender por alguns milhões de dólares.
Era horrível ouvir isso, mas era a verdade.
— Quem é a vítima dessa vez? — minha amiga perguntou.
Eleanor já tinha cogitado me casar com um velho senhor, tão caquético,
que — Deus me perdoe, mas graças a Deus — morreu antes de ela conseguir
mexer seus pauzinhos.
Sem falar no encontro que tentou arranjar com o filho de uma de suas
amigas, mas só de pensar nele tinha vontade de gargalhar. Era alto, raquítico
de tão magro e ainda tinha espinhas no rosto.
Quando ela me falou que ele não havia gostado de mim, em vez de me
chatear, ajoelhei e orei em agradecimento por aquela bênção.
Eu tinha um ideal de homem guardado no meu subconsciente e aquele
rapaz não chegava nem perto das minhas ambições.
— Harry Stone, se não me engano. Acho que já vi esse sobrenome
associado a uma empresa de armas, mas não lembro de já tê-lo visto.
Minha amiga ficou alguns segundos em silêncio e isso queria dizer que
ela estava processando alguma coisa.
— Ah, meu Deus! Está de brincadeira? Harry Stone é o Master Crush
de 90% das mulheres dos Estados Unidos! Como você não se lembra dele?
Forcei minha memória, mas não consegui associar um rosto a esse
nome.
— Você me fala de tantos homens que é difícil lembrar de todos — me
defendi.
Stella revirou os olhos e pegou seu celular. Rapidamente entrou no
Google e achou uma foto para me mostrar.
— Uau! Tenho que admitir que esse Harry exibe algo muito próximo
ao que eu acho ideal na aparência física de um homem.
— Por favor, Liz, fala a nossa língua.
— Gato pra caramba, deve ser um deus na cama — brinquei e Stella
gargalhou.
Adorávamos comparar beleza física com desempenho sexual, para nós,
existiam homens que já tinham a pegada estampada no olhar.
Como se tivéssemos muita experiência, pensei.
— Se eu fosse você, adoraria ir a esse baile só para ter o prazer de estar
no mesmo metro quadrado que esse gato rico e cobiçado. Fora que, se
conseguisse fisgar o bonitão, todos os nossos problemas estariam resolvidos.
Imagina, euzinha, a dama de companhia da primeira-dama do país, andando
livremente pela Casa Branca em meio a todos aqueles engravatados
puritanos. Ninguém iria me segurar, minha amiga.
Gargalhei e joguei uma almofada nela, Stella era um barato, mas não
entendia que após tantos anos vivendo com minha mãe, tudo o que eu queria
na vida era liberdade, coisa que uma primeira-dama jamais teria.
Encerrei o assunto relativo ao Sr. Stone e decidi sair para dançar, estava
cansada, mas encontrar meus amigos era uma forma de relaxar e esquecer um
pouco a merda de vida que eu tinha.
A boate onde Stella gostava de ir pertencia a Kellan, um primo de
Freddy, e ficava em uma região meio barra pesada, bem afastada do bairro
onde eu morava. Entretanto, os frequentadores eram, em sua maioria, gente
de bem, que apenas queria desestressar de uma semana difícil de trabalho.
Como o lugar era simples, eu tentava ao máximo passar despercebida, o
que era difícil, porque grande parte das pessoas daquele bairro eram negras
ou latinas e eu, com minha pele ultra clara e os olhos azuis, chamava a
atenção sem querer, então não fazia questão de me arrumar demais.
Por ser noite de hip hop, coloquei um vestidinho preto com jaqueta
jeans, botinhas e muitos acessórios, deixei os cabelos soltos e fiz uma
maquiagem mais carregada.
Se Eleanor me visse, jamais acreditaria que era sua filha, pois com ela
eu sempre usava roupas mais sóbrias e clássicas, geralmente aquelas que ela
não queria mais.
Sim, minhas roupas eram todas provenientes da pilha que minha mãe
tirava de seu closet a cada seis meses. Na verdade, eu não me lembrava de
quando havia comprado alguma roupa para mim depois de adulta. Mas me
recordava muito bem das palavras cruéis que ouvi na última vez em que me
atrevi a pedir algo:
“Olhe bem para você, Elisabeth, acha mesmo que um vestido novo fará
diferença? Se ao menos fosse bonita... Não me faça gastar dinheiro à toa.”
Nas primeiras vezes que ela me falou coisas assim, eu me tranquei no
quarto e chorei por horas, mas com o passar do tempo percebi que só fazia
isso por maldade, inveja ou simplesmente para me magoar. Foi quando parei
de me importar e a me recusar a lhe dar mais munição.
A mulher era do mal e nada iria mudar sua natureza. Então apenas
aceitei que seria daquela forma e resolvi aproveitar, ver o lado bom daquilo.
As roupas, além de serem lindas, eram sempre novas. Com isso, eu
conseguia me manter sempre bem vestida e, de quebra, Consuelo e Stella
também conseguiam algumas peças entre as que ficavam boas em seus
corpos bem mais voluptuosos que os nossos. O que sobrava eu doava para o
bazar da igreja, ao que eles agradeciam efusivamente.
No final, todos saíam ganhando.
Depois de pronta, desci para encontrar Stella, que já me esperava em
frente à porta de entrada.
Quem nos levaria seria Benito. Apesar das outras obrigações que tinha
na casa, ele precisava ficar à disposição da patroa 24h por dia. Geralmente a
levava aos lugares e voltava para casa, permanecendo à espera de uma
ligação, quando chegava a hora de ir buscá-la.
Então, sempre que íamos sair, aproveitávamos esse intervalo para que
ele nos levasse ao local escolhido e depois nos pegasse.
No começo ele foi contra, pois tinha medo de que ela descobrisse, mas
depois de algum tempo e muita insistência, o motorista percebeu que
arrumaríamos um jeito de ir, com ou sem sua ajuda, e decidiu que era mais
seguro colaborar.
Quando ia a seus eventos noturnos dos finais de semana, Eleanor
costumava voltar para casa entre duas e três da manhã, o que eu achava meio
absurdo para alguém que se dizia “uma mãe de família”, mas não para quem
estava à caça.
Contudo, não iria reclamar e muito menos questionar o que ela fazia até
altas horas na rua, pois adorava quando ela saía. Mesmo nos dias em que não
havia nenhum programa combinado com Stella, era bom, parecia que o ar
dentro da casa ficava mais leve.
Todas as vezes que eu saía assim, sentia-me a própria cinderela tendo
que estar de volta até meia-noite. A diferença era que a madrasta má era a
mulher que me deu à luz e que, em tese, devia me amar e cuidar.
Saí de meus devaneios deprimentes quando Benito parou o carro à
nossa frente.
— Juízo, meninas — Consuelo falou antes de entrarmos no carro, como
sempre fazia.
Ela também tinha medo de que Eleanor descobrisse de nossas saídas,
mas entendia que éramos jovens e precisávamos curtir a vida.
— Sempre, mãezinha — disse Stella, com voz angelical, fazendo a mãe
revirar os olhos.
A viagem durou cerca de vinte minutos e passamos todo o caminho
falando besteiras e fazendo Benito rir.
— Venho buscar vocês mais tarde. Estelita, fique de olho em seu
celular — ele pediu quando nos deixou em frente à boate.
— No te preocupe, papito — respondeu ela em sua língua nativa e
ambas nos despedimos.
Atravessamos a rua e já encontramos Freddy e Luna à nossa espera.
Nosso amigo parecia feliz em nos ver, já Luna, foi indolente como
sempre.
— Aqui estão as pulseiras de acesso de vocês, o DJ principal já deve
estar para começar — Freddy avisou após nos cumprimentar com um abraço
apertado.
Ele estava usando jeans e camiseta, ambos pretos, cabelos bagunçados
e pulseiras com spike. Freddy também tinha algumas tatuagens e um piercing
na língua que eu, particularmente, achava horrível.
— Cadê a minha? — Luna reclamou e só então reparei de verdade nela.
A garota podia ser chata, mas era muito bonita e exatamente por isso,
tendia a exagerar no quesito vestimenta, sempre muito curta, justa e decotada,
tudo de uma vez.
Entretanto, eu não a julgava, achava que cada um devia se vestir e agir
como se sentisse melhor e esse era o estilo dela.
Meu problema com Luna era outro. A garota tinha ciúmes de Stella e
não disfarçava sua antipatia por mim; mas eu não podia fazer nada quanto a
isso e ficava chateada com a forma como me tratava às vezes.
— Aqui está, apressada — Freddy disse, passando a pulseira para ela e
depois voltou sua atenção a mim.
— E aí, Liz, já pegou seu celular de volta?
Há dois meses Eleanor estava usando meu celular, pois o dela caíra na
piscina do clube e não havia estimativa de quando poderia comprar outro,
uma vez que mal podíamos nos sustentar.
— Ainda não — respondi e dei de ombros.
— Acho um absurdo o que a noiva de satã faz com você — falou,
contrariado.
Sorri e balancei a cabeça, meus amigos sempre chamavam Eleanor
assim. Tinha a impressão de que se digitássemos ‘noiva de satã’ no Google,
era capaz de aparecer a foto dela
— Vamos ter que dar um jeito nessa situação — ele emendou e na
mesma hora neguei com a cabeça.
— Nem pensar — falei, categórica.
Meu amigo sempre dava um jeito de nos ajudar com tudo e não seria
justo ele arcar com mais isso. Sem contar que eu tinha um dinheiro guardado,
proveniente de algumas joias que ganhei de herança. As peças eram bem
bonitas, mas não faziam meu estilo e como estava precisando da grana,
acabei me desfazendo da grande maioria.
Quando Eleanor ficou sabendo, quase me matou. Depois de alguns dias
foi atrás de mim, dizendo que estava precisando de dinheiro, o que me fez
perceber que seu showzinho foi exatamente porque, na verdade, era ela é
quem queria ter feito isso.
Mas de forma alguma eu lhe daria o único dinheiro que possuía, então
inventei que havia comprado material para minhas aulas de pintura e algumas
outras coisas que ela considerou supérfluas, exceto que entre elas estava meu
celular, o qual ela tomou conta alguns meses depois.
Eu sabia que tinha idade para impor e exigir que ela me tratasse com, se
não amor, pelo menos, respeito. Mas sempre que eu pensava em confrontá-la
ou até mesmo fugir dali, o rosto amado do meu pai aparecia em minha mente,
junto com sua voz doce me pedindo para cuidar dela.
Entretanto, havia outra voz em minha cabeça que sempre me dizia que
minha hora iria chegar. Poderia parecer um tanto insano, mas era a ela que eu
me apegava. Por causa dela mantive meu dinheiro guardado para quando
precisasse.
Eu ainda possuía uma caixinha toda trabalhada, que pertencera à minha
avó, onde mantinha as joias de que mais gostava, mas essas eu só venderia
em um momento de extrema dificuldade.
— Parem de conversa fiada e vamos entrar — Luna exigiu, irritada e
ansiosa.
— Por que a gente tem que andar com ela? — Stella perguntou em tom
de deboche nos fazendo rir e recebendo um olhar enviesado da prima.
Diferente de Stella, Luna era americana, já que seu pai, irmão de
Benito, e a esposa dele chegaram aos Estados Unidos antes de ela nascer. Era
um consolo saber que parte da família Medina estava ali ilegalmente, mas ao
mesmo tempo, era difícil para Stella não ter o mesmo privilégio.
Entramos na boate lotada e quase todas as pessoas já estavam se
acabando na pista de dança.
Eu amava dançar e como fiz balé clássico por vários anos, além de
dança de salão, atividades obrigatórias a todas as meninas da minha “classe”,
conseguia me virar muito bem em músicas lentas.
Mas ali eu ficava perdida. Por isso sempre permanecia vidrada na pista,
observando todos os movimentos, morrendo de inveja, porque aquelas
pessoas realmente sabiam mexer o corpo, enquanto eu era um desastre total
na hora de dançar o hip hop que tanto adorava.
Para não ficar atrapalhando ninguém, fomos para um canto que estava
um pouco mais tranquilo.
De lá, era possível ver o reservado de Kellan, que por ser o dono da
boate, vivia cercado de meninas.
Devido a isso, nós nunca ficávamos com ele, preferíamos a pista,
afinal, estávamos ali para dançar e não para nos exibir ou, pior, servir de
lanchinho para o priminho do Freddy.
Ao menos era assim que eu e Stella pensávamos, quanto a Luna, eu não
podia opinar.
— Meu Deus, Liz, só você entende essa sua dança — Freddy disse pra
me provocar e tive que rir.
Eu realmente era péssima, mas não estava me preocupando muito com
isso, tudo o que eu queria era me divertir. E para isso eu estava no lugar
certo.
Tudo ali era simples, o ambiente, as pessoas, mas também era tão
alegre... Aqueles eram meus momentos de fuga, com aquelas pessoas eu
esquecia a merda de vida que vivia com Eleanor e seus caprichos.
Por volta das 2h, Benito ligou dizendo que estava indo nos buscar.
Quando saímos, ele já estava nos esperando na rua lateral e chegamos à
mansão bem no horário, já que meia hora depois escutei os saltos de Eleanor
pelo corredor.
Na mesma hora me aconcheguei em meu edredom e fingi que estava
dormindo, pois as vezes ela espiava para ver o que eu estava fazendo.
Enquanto esperava o sono chegar, voltei a pensar em meu pai. Imaginei
como seria nossa vida se ele não tivesse morrido. Obviamente, ainda estaria
casado com Eleanor, pois sempre foi bobo por ela, mas eu, com certeza, já
estaria fora dali, estudando em algum país bem longe dessa mulher e das
coisas horríveis que fazia.
Antes de dormir fiz minha oração de sempre, pedindo que Deus me
tirasse daquela situação, afinal, eu ainda era jovem e tinha as mesmas
vontades de qualquer garota de 23 anos, de viver intensamente, namorar,
conhecer o mundo e não me conformava em ficar presa a uma mulher que só
pensava em si.
Eu sabia, dentro de mim, que, mesmo com o pedido de papai, se não
fosse a família de Stella, já teria ido embora há muito tempo.
Mas eu me sentia responsável por eles, de certa forma, e nunca me
perdoaria se aquela megera lhes fizesse algo.
Forcei minha mente a mudar o foco dos meus pensamentos e decidi
dormir, teria mais um fim de semana inteiro pela frente e rezava para que
Eleanor tivesse muitos compromissos, pois odiava quando ela ficava em casa.

O dia seguinte amanheceu ensolarado e com ótimas notícias levadas a mim


por Stella: Eleanor acordou cedo, avisou a Consuelo que iria para a casa de
campo de uma amiga e só voltaria no domingo à noite.
Isso foi um ótimo negócio para todo mundo, já que minha mamãe
estaria no meio de gente rica e metida como ela e a casa ficaria inteira só para
nós, o que deixaria Consuelo, Benito e Stella mais à vontade também.
Desci de pijama mesmo e fui direto para cozinha.
— Bom dia, Liz — Consuelo disse e já puxou uma cadeira para mim.
Abracei nossa cozinheira antes de me sentar.
— O dia me parece muito auspicioso sem Eleanor por perto. Nesses
dias até os passarinhos cantam mais bonito — gracejei e elas deram risada.
— Mas para onde é que ela foi mesmo?
— Pelo o que eu entendi, um casal de amigos iria apresentar um
partidão a ela. Meu conselho é que rezemos, numa dessas a gente se livra da
cobra — Stella comentou.
Eu esperava que desse em alguma coisa, mas embora houvesse muitos
homens ricos e poderosos em Washington, a grande maioria já tinha sua
esposa troféu, o que dificultava bastante a vida de minha gananciosa mãe.
— Ela não desiste e agora ainda quer me arrastar para suas loucuras —
comentei e servi uma xícara de café.
— Estelita me contou do tal baile. Ela quer mesmo te apresentar a um
candidato à presidência?
— Sim, Consuelo. O cara é um gato, mas vai sentir o cheiro de
interesse de longe, Eleanor não percebe o quanto é óbvia em sua cega
ambição de ser rica.
Harry Stone era muito bonito, um homem acima da média em todos os
quesitos, por isso eu sabia que mesmo que seguisse o conselho de Stella e
fosse a esse evento, jamais seria sua escolhida. Um cara como ele certamente
estava em busca de uma primeira-dama perfeita e rica como ele próprio, o
que não era mais o meu caso.
— E vocês, o que pensam em fazer hoje? — Consuelo perguntou
enquanto se levantava da mesa.
Nos sábados de manhã, quando Eleanor não estava, eu dava aulas de
pintura, voluntariamente, em um orfanato que ficava no subúrbio da cidade.
Adorava passar algumas horas com aquelas crianças, em meio a tintas e
pinceis e já que Eleanor só voltaria no dia seguinte, aproveitaria a chance de
fazer isso.
— Acho que vou ao orfanato, as crianças ficam felizes quando apareço
por lá.
Consuelo sorriu, satisfeita, ela gostava do meu trabalho voluntário e
incentivava bastante.
— Benito pode te levar você e a Stella até lá.
— Tô morrendo de ressaca — minha amiga disse, pois havia bebido
algumas cervejas, o que para ela já era o suficiente.
Para mim também. Eu era muito fraca para bebida e já havia feito
algumas extravagâncias, por isso, contentava-me com refrigerante ou água
com gás.
— Não me interessa, deveria ter seguido o exemplo de Liz.
Stella revirou os olhos e depois encarou a mãe.
— Ah, mamá, a garota não precisa de bebida para ser louca. Mesmo
sóbria parece ter vindo de outra galáxia, imagina se beber?
Nós três sorrimos, mas a Liz da qual ela falava, andava adormecida nos
últimos tempos; na verdade, ultimamente ela só florescia quando Eleanor
extrapolava todas os limites do bom senso.
Terminei meu café e subi para me arrumar e meia hora depois eu já
estava a caminho do orfanato, com Stella dormindo tranquilamente ao meu
lado.
Aproveitei aquele breve passeio para admirar a bela paisagem de
Washington. Quando passamos próximo à avenida Pensilvânia, avistei a Casa
Branca ao longe e imaginei como seria a vida da escolhida de Harry Stone,
caso ele ganhasse as eleições.
Com certeza, seria regrada e cheia de compromissos oficiais.
Sim, mas, para compensar, ela estaria casada com aquele deus
maravilhoso, falou a vozinha em minha mente.
Balancei a cabeça rechaçando a ideia e sorri, aquele pensamento foi tão
Stella que até me assustei.
Quando chegamos ao orfanato, fomos recebidas com a mesma alegria
de sempre e para minha surpresa o padre Norton estava com a Madre Mary
no parquinho.
Eles conversavam distraídos e sorriram quando me viram.
Eu devia muito da minha sanidade mental ao padre Norton, pois
embora ele fosse conhecido por seu programa de TV, era um homem bem
simples e vivia para ajudar pessoas necessitadas.
Foi com ele que aprendi a ser voluntária, era uma forma de desfocar da
raiva que sentia da minha própria mãe.
O padre sabia da nossa relação conturbada, mas não a respeito de
nossos problemas financeiros e achava adorável que uma moça da alta
sociedade se deslocasse até o subúrbio para prestar serviço voluntário.
O fato de Benito sempre nos levar e buscar, reforçava a ideia de que eu
realmente era rica, mesmo não sendo verdade e como ele nunca perguntou,
nunca desmenti.
— Elizabeth, que surpresa boa! — o padre disse e me abraçou com
carinho, em seguida foi a vez da Madre Mary, que fazia de tudo para manter
aquele orfanato em pé.
— Desculpe vir sem avisar — Eu falei.
— Você é sempre bem-vinda — a Madre garantiu enquanto
entrávamos.
No instante seguinte escutei o burburinho da minha turminha de jovens
pintores se aproximando.
— Olha, é a tia Liz! — uma das crianças gritou.
— Tia Liz! — as outras ao redor gritaram em uníssono.
Fui abraçada por vários corpinhos e por poucos segundos senti como
era ser amada; aquelas crianças gostavam tanto de mim e estar ali era uma
forma de retribuir o carinho que me dispensavam.
— Quem vai querer pintar? — perguntei.
— Eu — eles responderam em coro, quase gritando.
— Ainda bem que eu trouxe tintas e pinceis novos. Estão na sala de
artes — informou o padre.
Com a ajuda de Stella e da Madre, organizamos as crianças e
montamos os kits que eles iriam utilizar na aula.
O padre continuou na sala, observando e elogiando os pequenos que
ficavam orgulhosos de suas pinturas.
— E como estão as coisas com a sua mãe? — ele perguntou quando
terminei a aula e liberei todos para irem até o parquinho enquanto os
desenhos secavam.
— Na mesma, ninguém me tira da cabeça que a mulher tem um rolo
com o capiroto — falei, fazendo o sinal da cruz de forma dramática.
O padre explodiu em uma gargalhada, mas logo se conteve.
— Não fale assim, filha, pessoas como ela vivem em uma bolha cheia
de ganância, onde tudo o que importa são coisas materiais — respondeu e
voltou a me ajudar com as tintas.
Minha mãe fazia o maior teatro em frente ao padre me fazendo passar
por uma filha ingrata que não dava valor a uma pobre viúva e ele só ganhou
minha confiança quando percebeu que a ingrata era Eleanor, não eu.
Tinha prometido ao padre que tentaria entender as razões para minha
mãe ser assim, mas foi impossível, dia após dia a mulher me dava provas de
que não merecia a compaixão de ninguém.
Na última vez em que me humilhou de verdade, eu coloquei pó de mico
no creme noturno dela. Não foi muito, claro, mas o suficiente para sua pele
coçar por alguns dias, que renderam boas risadas de mim e minha segunda
família.
Até mesmo Gemma ficou sabendo dessa e quase se acabou de rir
também, mas disse que eu devia ter colocado em seu sabonete íntimo.
No final, apesar de ter ficado com raiva, a toupeira apenas achou que o
creme estava vencido e o jogou fora.
Mas o pozinho mágico estava bem guardado e na próxima vez que me
insultasse, eu seguiria o conselho de Gemma, para que ela visse o que era
bom.
Voltei minha atenção ao padre, que falava dos planos que tinha para o
orfanato e relatando o quanto estava sendo procurado por políticos
importantes, todos com segundas intenções, já que com o programa de TV, o
padre Norton possuía muitos fiéis que poderiam virar potenciais eleitores
daquele a quem ele endossasse a candidatura.
— O senhor deveria usar esse assédio dos políticos a fim de conseguir
melhorias para o orfanato, as crianças precisam de tantas coisas.
— Eu sei, Liz, é uma vergonha que eles só se lembrem de nós nessas
épocas, por isso mesmo eu não me sinto intimidado na hora de pedir os
recursos de que tanto precisamos, se eu não barganhar, quem sairá perdendo
são as crianças.
Conversamos por mais de uma hora e me senti bem mais leve após ter
desfrutado de sua companhia. O padre era um homem astuto, engraçado e
cheio de piadas. Às vezes nem mesmo parecia um clérigo e era aí que estava
o encanto de sua personalidade, era fácil gostar e confiar nele.
No fim do dia, quando Benito foi nos buscar, eu senti uma coisa
gostosa dentro de mim, era como se tivesse nascido para fazer aquilo, pena
que por causa de minha mãe eu não podia me ocupar com coisas que tanto
gostava com mais frequência.
Após mais uma semana caótica em Nova York, tive que deixar a
empresa nas mãos do meu pai para ir à capital.
Além de participar do evento que Zara estava organizando, Lexy
também havia marcado inúmeras reuniões com políticos e pessoas influentes.
Naquela noite, entretanto, eu teria que focar minha atenção em
potenciais candidatas a primeira-dama.
E apesar de não estar nem um pouco satisfeito com aquela situação,
sabia que era necessário.
Eu realmente precisava achar alguém logo, antes que meus adversários
usassem minha solteirice contra mim e tinha que admitir que um baile
beneficente fora uma ideia genial, porque, além de participar de algo que
ajudaria três orfanatos do estado, poderia procurar por minha bendita noiva,
sem parecer que era isso que eu estava fazendo.
Esses benefícios, todavia, não me deixavam mais à vontade de estar ali,
como se fosse o maldito príncipe encantado da Cinderela.
— Se continuar com essa cara fechada, as moças vão sair correndo —
Lexy comentou, enquanto Zed colocava minhas malas no quarto do hotel.
— Estou muito bem, apenas cansado da viagem.
Lexy assentiu e depois de uma troca de olhares, ela e Zed me deixaram
sozinho.
Aproveitei aquele momento a sós para ligar pessoalmente para o
reverendo Norton que vinha nos enrolando há semanas.
Para minha surpresa, ele atendeu logo no segundo toque.
— Harry Stone, quanto tempo! — disse, animado.
— Como vai, reverendo?
— Eu estou ótimo, meu filho. Mas em que posso ajudá-lo?
O esperto sabia muito bem o que eu queria. Estava bem ciente de que
precisava de seu apoio. Mesmo não morando em Washington, sempre fiz
generosas doações para os eventos promovidos por ele, não apenas por causa
da política, mas porque acreditava em suas causas.
— Estou em Washington e queria saber se podemos nos encontrar
pessoalmente. — Fui direto ao ponto, já que não iria tratar desse assunto por
telefone.
— Esse fim de semana será impossível, mas podemos marcar uma
reunião para o sábado que vem.
Eu tinha pressa em acertar esse assunto com o reverendo e estava
confiante de que conseguiria encontrá-lo no mesmo fim de semana do evento
de Zara. Mas como ele não podia, teria que voltar no seguinte.
— Tudo bem, voltarei sábado que vem. Onde poderemos nos
encontrar?
— Estarei em um dos orfanatos que assisto, peça para sua secretária
entrar em contato para eu lhe passar o endereço.
— Ótimo, farei isso.
Nossa conversa foi breve e ficou um tanto óbvio que o padre gostaria
de me encontrar no tal orfanato para pedir alguma ajuda, mas eu não me
importava, se ele cogitasse me apoiar, faria os acordos que quisesse.
Com isso resolvido, fiz a segunda ligação do dia e dessa vez foi para
minha mãe que andava com os cabelos em pé por causa de Dominic. No auge
dos seus 28 anos, ele andava passando dos limites, participando de festas e
orgias intermináveis.
Mamãe se lamuriou por mais de dez minutos, enfatizando o quanto
queria que Dom se parecesse um pouco comigo.
Eu não gostava de ouvi-la falando assim e agradecia por desde cedo ela
ter se dado conta de que não devia fazer comentários desse tipo na frente
dele. Eu e meu irmão éramos completamente diferentes, mas, ainda assim,
havia muito respeito de ambas as partes.
Dom admirava minha determinação, meu zelo com os negócios, a
forma como conseguia me focar nas metas e ambições que atribuíra a mim
mesmo ainda tão jovem, enquanto eu me perguntava de vez em quando o que
aconteceria se eu saísse só um pouco dos trilhos e me permitisse relaxar, ser
uma pessoa normal.
Entretanto, nesses momentos, a imagem do Salão Oval aparecia em
minha mente. Tornar-me o comandante do país mais poderoso da terra me
movia, fazendo-me voltar à realidade.
Escutei pacientemente até que mamãe se sentisse mais tranquila e
prometi que ligaria no dia seguinte para conversar com Dom. Apesar de
respeitar bastante nossos pais, apenas quando eu intervinha era que ele
demonstrava alguma melhora.
Após desligar, respondi a alguns e-mails e recebi duas ligações de
políticos que sabiam que eu estaria na cidade.
Depois de tudo resolvido, tomei um banho e enquanto me vestia, tentei
me preparar mentalmente para o tal evento.
Nessas horas eu gostaria de ter o hábito de beber até ficar um pouco
alto, tinha certeza de que assim conseguiria aguentar a noite com muito mais
tranquilidade. Não seria fácil estar em meio a tantas jovens solteiras, faltando
se jogar aos meus pés, coisa que eu não achava nem um pouco sedutora.
Mas a situação estava ficando crítica e eu esperava me interessar ao
menos vagamente por alguém.
Quando saí do quarto, Lexy e Zed já me esperavam no corredor.
Ele usava seu habitual terno preto e ela, um vestido azul marinho,
muito bonito. Seus cabelos loiros estavam presos em um elegante rabo-de-
cavalo.
— Uau, já consigo escutar um coro de suspiros pelo salão — ela fez
piada.
— Vamos logo, preciso acabar com isso o quanto antes.
Lexy me lançou um olhar gelado.
— Você é tão chato às vezes.
— E você é a personificação da palavra encantadora — retruquei e
apontei para os elevadores.
Minha assistente me falou meio por cima que, além das garotas
escolhidas por Zara, também haveria empresários e políticos da cidade, ao
que dei graças a Deus, poderia ser uma boa oportunidade para, ao menos,
cogitar possíveis alianças.
No sentido financeiro eu estava mais do que coberto, já que quando
soltei a pérola da minha candidatura, aos quatro anos, meus dois avós,
Harvey e Robert, abriram uma conta para esse propósito, de modo que tinha
mais que o suficiente.
Então, o que eu precisava era do apoio de gente importante, pessoas
com influência no meio político.
— Tente ser ao menos simpático com as moças que se aproximarem de
você e não se esqueça de que, dessa vez, não haverá contratos, Harry, tem
que ser real.
Depois de muita conversa, Lexy conseguiu me convencer de que a
ideia de um termo de confidencialidade poderia ser um tiro no pé, sempre
haveria o risco de a imprensa descobrir. Mas a verdade era que não estava
pensando nisso, eu sabia como as coisas deveriam ser.
— Às vezes você fala como se eu não soubesse tratar uma mulher —
comentei e lancei um olhar enviesado em sua direção.
— Eu, melhor que ninguém, sei o quanto você pode ser sedutor, mas
ultimamente está meio ranzinza. O que foi, anda tendo contato com o
Alexander e eu não estou sabendo?
Sorri à menção do meu primo, mas não dei ouvidos às provocações,
nós havíamos chegado ao evento e era hora de encenar.
Na entrada, parei para tirar algumas fotos e respondi a algumas
perguntas dos jornalistas, para só depois seguir para dentro.
Foi só colocar o pé no salão, que uma fila interminável de pescoços
começou a girar em minha direção. No caminho até a mesa, cumprimentei
alguns velhos conhecidos e me juntei a Blake Sullivan, que seria meu vice-
presidente e Zara, sua nova esposa e organizadora da festa.
Sullivan era de uma família tradicional e cheia de políticos importantes,
então, minha escolha baseou-se primeiro na experiência política que ele
poderia trazer. Além disso, ambos tínhamos pensamentos muito convergentes
e o mais importante, ele era honesto.
Enquanto conversávamos, Lexy pediu licença e foi se misturar aos
convidados. Logo depois Zara fez o mesmo e ficamos apenas nós dois e Zed,
que se manteve por perto, de olho em tudo.
O evento estava repleto de belas mulheres, que mantinham olhares
gulosos em minha direção, o que me fez pensar que, mesmo sem termos
falado nada, havia tido especulação nos bastidores da alta sociedade de
Washington, referente a minha intenção de encontrar uma primeira-dama.
Eu estava discutindo algumas estratégias com Blake, quando Zara se
aproximou acompanhada de duas mulheres, provavelmente mãe e filha, dada
a semelhança entre elas. A jovem chamou minha atenção logo de cara por sua
beleza, mas também porque tive a impressão de já tê-la visto.
“A linda moça de tristes olhos azuis”, minha mente gritou, fazendo-me
lembrar que a foto dela estava entre as que Zara me enviou por e-mail.
Forcei minha memória a lembrar seu nome, mas não consegui, todavia,
isso não interessava, eu devia tentar uma aproximação, afinal, tudo o que
estava acontecendo ali visava a escolha de alguém que me agradasse.
Levantei-me, sendo seguido por Blake e fomos até elas.
— Esta é Eleanor Reagan e sua filha Elizabeth. Elas se juntarão a nós
— Zara fez as apresentações e mais uma vez meu olhar caiu sobre Elizabeth
Reagan que, na verdade, não parecia muito feliz por estar naquele evento.
Ela foi polida ao me cumprimentar, mas não captei nenhum olhar de
cobiça, muito menos de apreciação. Sentia que era a primeira mulher naquele
salão completamente indiferente à minha presença.
Aquilo me intrigou um pouco.
Depois de bebermos e conversarmos por um tempo, Lexy foi me
chamar para que pudesse circular pelo salão e em poucos minutos, conheci
uma dúzia de mulheres bonitas, educadas, charmosas, bem-criadas, além de
muito bem vestidas, e acabei esquecendo a indiferença de Elizabeth.
Vendo que eu estava um pouco cansado daquilo, Lex me chamou para
dançar e eu aceitei na hora. Ela tinha enviado o e-mail de Zara para si própria
a fim de “conhecer” as garotas também. Aquilo foi bem útil, já que sempre
que eu olhava para uma ou outra moça, recebia sua ficha completa.
Enquanto rodopiávamos pela pista de dança, reconheci mais uma das
mulheres que me chamara a atenção pela foto. Era a loira que, se não
estivesse enganado, era filha de um ex-senador. Minhas suspeitas se
confirmaram quando reconheci o homem sentado ao lado dela.
— Aquela é Pamela Buchanan — disse Lexy. — É de uma família
influente na cidade, estudou direito em Harvard e fez pós-graduação em
políticas públicas. Apesar da idade, teve apenas dois namorados a vida toda.
Uma ótima candidata, não acha?
— Ela parece um robô, Lexy.
— Melhor ainda, você poderia programá-la como achasse melhor —
comentou com aquele seu ar irônico.
Balancei a cabeça em desaprovação, mas não senti muita vontade de ir
até ela. Circularia um pouco mais pelo salão em busca de algo que agradasse
tanto aos meus olhos quanto aos meus interesses.
Havia acabado de conversar com dois empresários locais, quando uma
mulher entrou pelas portas duplas do salão. Ela não me chamou a atenção
pela beleza, apesar de ser, sim, bonita, mas pelo porte elegante e pelo vestido
amarelo que destacava a pele naturalmente amorenada.
Ela podia não ser tão bela e delicada quanto Elizabeth, mas possuía
muita graça e certa desenvoltura. Seus cabelos castanho-escuros eram curtos,
os olhos pareciam tão negros quanto petróleo e o sorriso que oferecia era
amplo e carismático, do tipo que chamava a atenção de longe.
Desci o olhar para analisar sua silhueta. Deveria ter em torno de 1m70
de altura e seu corpo era magro, sem muitas curvas, bem parecido com os das
modelos.
Voltei para seu rosto e percebi que ela me parecia familiar, mas não das
fotos que vira dias atrás.
Notando meu interesse, Lexy virou-se para onde meus olhos se
dirigiram.
Naquela hora, Duncan Allen e sua esposa, Maggie, entraram e se
colocaram ao lado da moça. Foi aí que me lembrei de onde eu a conhecia.
Ela era sobrinha do coordenador-geral da campanha e apesar de estar
trabalhando para mim, juntamente com o tio, eu só a tinha visto uma vez,
muito rapidamente, cerca de seis meses atrás, mas sabia que havia estudado
política internacional e era tão engajada nesse mundo quanto o tio.
— Olha quem apareceu. Que ótimo! — disse Lexy, com falsa animação
e revirou os olhos, me fazendo rir.
Peguei-a pelo braço e fui ao encontro deles.
— Allen, boa noite, como vai?
— Tudo ótimo, Stone; Lexy — falou, acenando para ela. Depois
voltou-se para mim novamente. — Você deve se lembrar de minha esposa,
certo?
— Claro que sim. Como vai, Maggie?
— Ah, muito bem, obrigada, Harry.
— E esta é Catherine Becker, sobrinha de Mag. Acredito que já tenham
sido apresentados um tempo atrás.
— Acredito que sim. Como vai, Catherine?
— Pode me chamar de Cathy, por favor, e eu estou ótima, obrigada.
— Você já conhece Lexy, imagino — falei.
— Sim, nós já tivemos oportunidade de conversar algumas vezes.
Como você está, querida?
— Melhor impossível. — Foi a resposta seca da minha amiga.
— E então, algum progresso? — Allen perguntou, sabendo o porquê
daquele evento.
Dei de ombros.
— Há uma bela seleção aqui — respondi de maneira amarga, eu
realmente não gostava daquilo.
— É, mas se ficar parado aqui, não vai conhecer ninguém — Lexy
sentenciou.
— Ela está certa — corroborou Cathy, suavemente. — Tente conhecer
o máximo de moças possível, quem sabe não encontre afinidades com
algumas delas.
Sorri por sua gentileza e balancei a cabeça, pedindo licença logo a
seguir.
Enquanto íamos para o outro lado do salão, podia ouvir Lexy
resmungando baixinho. O que me fez rir novamente.
No meio do caminho acabamos esbarrando com o ex-senador
Buchanan e sua filha, que saíam da pista de dança.
Precisava admitir que ela era muito bonita, educada, mas um tanto
altiva demais para o meu gosto.
Conversamos por cerca de quinze minutos e então vi Blake se
aproximando com dois homens. Um deles eu conhecia do cenário político e
na mesma hora me interessei. Pedi licença ao senador e sua filha e
imediatamente engatei numa conversa muito proveitosa com os três homens,
enquanto Lexy sumia entre os convidados.
Quase meia hora depois, eu e Blake voltamos para a mesa e notei que
Zara e Eleanor Reagan estavam em uma conversa animada. Elizabeth,
entretanto, havia sumido.
Peguei um uísque com um garçom que passava e voltei a circular, dessa
vez, para o lado oposto ao que estava.
Novamente cumprimentei dezenas de políticos e socialites, dancei com
duas moças que olhavam para mim como se eu fosse um pedaço de carne e
agradeci muito quando a música terminou e pude me afastar.
Aproveitei a ausência dos bajuladores que finalmente tinham me
deixado em paz e segui para a área externa onde havia um lindo jardim. Olhei
ao redor e vi alguns grupos de fumantes e dois casais conversando.
Coloquei as mãos nos bolsos e deixei que o ar gelado da noite esfriasse
meu rosto, enquanto passava, despreocupadamente, por diversos grupos de
pessoas.
Aquele momento de silêncio me fez pensar com mais clareza e
perceber o quanto fui ingênuo quando, bem em meu íntimo, eu achei que um
milagre aconteceria e acabaria me apaixonando por alguém da noite para o
dia.
Era natural do ser humano pedir coisas impossíveis a Deus, mas
quando Blake declarou mais de uma vez que não havia nada pior que um
casamento por conveniência, foi o que fiz, olhei em direção ao céu e pedi
silenciosamente que eu me interessasse por alguém naquela noite.
Mas nada aconteceu, como era de se esperar. Desde muito novo eu
sempre fui exigente em meus relacionamentos e isso não mudaria
repentinamente, só porque precisava de uma noiva.
Continuei andando jardim adentro, queria ficar mais um tempo fora dos
radares das pessoas ali, apesar de saber que Zed estava me vigiando, com sua
maneira discreta.
— Agora me diz, como foi que você entrou aqui? E como eu vou te
retirar sem causar uma grande confusão — falou uma voz próxima de onde
eu estava.
Dei mais alguns passos e quase não acreditei quando avistei Elizabeth
Reagan abaixada, passando a mão nos pelos de um cachorro de porte médio,
muito parecido com um filhote de labrador. Mesmo com a pouca claridade,
pude ver que ele estava todo sujo.
— Queria tanto um bichinho como você, só que minha mãe é o diabo
em pessoa e jamais deixaria — ela continuou e acabei rindo silenciosamente.
— Mas seria bom, você vai crescer bastante e eu poderia treiná-lo para correr
atrás dela, comer seus sapatos caros...
Foi quase impossível segurar uma gargalhada dessa vez, mas consegui
e continuei observando a interação da Srta. Reagan com aquele cão, tão
parecido com o que meu avô me presenteara na infância.
Não pude deixar de ver que, conforme ela se mexia para acariciar o
cachorro, seu decote ficava à mostra e ali tive o vislumbre de um belo par de
seios. Elizabeth era toda linda, na verdade e, surpreendentemente, também
tinha uma veia cômica que me agradava bastante.
— Posso te ajudar a tirá-lo daqui — falei, de repente.
Ao ouvir minha voz, tentou se colocar de pé, mas acabou se
desiquilibrando e caiu sentada na grama.
O cachorro, certamente achando que era uma brincadeira, na mesma
hora pulou em cima da garota e começou a lambê-la.
Apressei-me para junto dela, com o intuito de ajudá-la a se levantar,
mas ao chegar perto, acabei hesitando um pouco. O filhotinho estava muito
empolgado em fazer carinho e ela não parecia muito diferente dele, rindo
muito à medida que recebia as lambidas, sem se importar com a sujeira do
cachorro ou com o vestido que, provavelmente, estaria arruinado após aquela
noite.
— Você está bem? — finalmente perguntei enquanto estendia a mão.
— Estou, sim, obrigada — respondeu, um pouco sem graça.
Então aceitou minha mão, mas não se levantou de imediato, apenas
inclinou o corpo para frente e ficou me encarando por longos segundos.
— Nossa, você é bonito mesmo, hein.
Soltei uma gargalhada que tomou todos os cantos daquele jardim.
— Com certeza é o elogio mais sincero que recebi esta noite — garanti
e a puxei para que ficasse em pé.
— Não ligue, às vezes meu filtro entope e acabo falando o que vem à
cabeça — justificou, ajeitando o vestido como pôde. — Mas agora vamos ao
que interessa. Como você pode me ajudar a tirar o cachorro daqui?
Mais uma vez ela me pegou completamente de surpresa. Achei que
fosse usar aquele tempo para flertar ou tentar me seduzir, mas não, a garota
estava mais preocupada com o cachorro do que comigo.
— Elizabeth, certo? — perguntei, mas ela me corrigiu.
— Prefiro que me chame de Liz. Elizabeth é tão sério, faz parecer que
tenho 50 anos a mais.
Mais uma vez me esforcei para não gargalhar ou acabaria chamando a
atenção das pessoas.
— Então, Liz, respondendo à sua pergunta, posso pedir ao meu
segurança que retire o filhote da festa e o leve até sua casa.
Ela fez um biquinho e depois o torceu de um lado para o outro, como se
estivesse ponderando.
— Melhor não, ainda não tenho certeza se a bruxa que se diz minha
mãe não cozinha cachorrinhos no jantar — falou, muito séria, olhando para o
animal, mas em seguida colocou a mão na boca e arregalou os olhos, como se
estivesse arrependida de ter falado.
— Filtro entupido? — perguntei.
Ela gargalhou e eu ri junto. Nesses poucos minutos de interação, eu
tinha me divertido mais com suas pérolas do que com qualquer outra coisa
em muito tempo.
— Sim, sempre ele — concluiu, divertida, e então franziu a testa e
ficou séria, o olhar triste que vi em sua foto aparecendo quando se voltou
para o cachorro.
Eu nunca fui de me importar muito com a vida alheia, mas Elizabeth
não tinha a mãe em alta conta, juntando isso ao comportamento sério que ela
teve ao me cumprimentar, pude concluir que as duas não tinham uma relação
muito boa.
— Por que não fica com o ele, percebi que gostou de você.
— E eu dele, mas não dá. Eleanor nunca deixou que eu tivesse um
bichinho de estimação e não começaria a fazer concessões agora.
— Podemos mandá-lo para um abrigo, então — sugeri.
— Sim, pode ser uma opção — ela deu de ombros, constrita.
Senti-me enternecido com sua situação, que havia ficado bem clara
para mim, mesmo não a conhecendo de verdade. Liz parecia ser uma pessoa
naturalmente alegre e otimista, exceto quando estava na presença da mãe.
Nessas horas, ela era completamente reprimida e se transformava num
arremedo de si mesma. Era como se a mãe exercesse algum tipo de poder que
tornava a filha prontamente obediente.
— Elizabeth! Que diabos você está fazendo aqui? eu te procurei por
todo o salão — Eleanor vociferou e logo depois arfou, quando viu Liz pegar
o cachorro no colo, como se quisesse protegê-lo. — Ah, meu Deus, o que faz
com esse pulguen...
Ela se calou quando me virei e a luz de um dos postes de jardim incidiu
sobre o meu rosto.
A mulher que um segundo atrás parecia furiosa com a filha, abrandou o
olhar quando me reconheceu.
— Era exatamente desse lindo filhotinho que estávamos conversando.
Eu o encontrei aqui no jardim e nos demos bem no mesmo instante. Mas
como deve saber, eu moro em Nova York, em um apartamento, e seria
impossível cuidar de um cachorro tão grande, que precisa de um lugar onde
possa correr e extravasar a energia. Quando vi o quanto ele gostou de
Elizabeth, tomei a liberdade de lhe perguntar se poderia cuidar dele para
mim. Se a senhora permitir, é claro, assim, quando viesse a Washington,
poderia visitá-lo.
Liz se voltou para mim imediatamente, e seu olhar demonstrava tanto
agradecimento, que senti algo estranho em meu estômago e peito, uma
sensação de satisfação imensa, misturada a algo que não me lembrava de já
ter experimentado antes.
Já Eleanor olhou de mim para a filha e depois parou no cachorro, para
em seguida voltar a mim novamente. Dessa vez, entretanto, havia um ar de
triunfo no rosto cheio de Botox.
— Seria um prazer cuidar do seu cachorro, Sr. Stone.
Liz encarou a mãe com ar de intensa incredulidade.
Mas antes que qualquer um de nós pudesse falar mais alguma coisa,
Zed se fez presente em nosso campo de visão e após uma troca de olhares, se
aproximou e pedi a ele que cuidasse do cão, até que as duas fossem embora
da festa.
Minha solicitação deixou Zed desconsertado, afinal, eu nunca havia
pedido nada parecido com isso, mas ele apenas acatou minhas ordens e pegou
o cachorro dos braços de Liz.
Com isso resolvido, convidei Elizabeth e Eleanor a voltar ao salão.
Enquanto caminhávamos, pensei em como, naquele curto espaço de
tempo, as coisas mudaram tanto.
Eu achei que acabaria a noite sem qualquer vontade de voltar a ter
contato com nenhuma das mulheres que conheci ali, e então, do nada, me
aparece Elizabeth Reagan com sua espontaneidade, tão incomum no meio em
que eu vivia.
Sim, ela havia me chamado a atenção por sua beleza desde o início,
mas a atitude de sua mãe acabou me causando repulsa, sua ambição era quase
palpável, do tipo que podia imaginar cifrões sobre seus olhos e aquilo me
enojou. Por isso saí para circular e não voltei tão cedo.
Mas nunca imaginei que iria encontrar uma moça da alta sociedade
interagindo com um cachorro de rua. Menos ainda que ela fosse me divertir
tanto, ao ponto de eu querer inventar uma mentira para agradá-la e, de
quebra, ter a oportunidade de conhecê-la melhor.
Parecia que, no final, o saldo da noite seria bem positivo.
Mais uma vez cedi aos caprichos de Eleanor e estava completamente
arrumada para o evento onde seria apresentada a Harry Stone.
Durante o dia, ela recebeu a visita da massagista de uma de suas amigas
e transformou seu quarto em um spa. Depois apareceu um cabeleireiro, que
também fez minha produção, tudo de acordo com sua vontade.
Eleanor estava tão animada com esse baile, que nem reclamou por estar
gastando seus últimos tostões comigo; em sua cabeça maquiavélica, se eu
fizesse tudo certo, em pouco tempo ela voltaria a ser rica.
Diferente do que imaginei, o vestido que providenciou não era nem
decotado e nem justo demais. Ele era preto, lindo e chique, com algumas
aplicações de tule em pontos estratégicos. Entretanto, tinha um belo decote na
frente que apenas insinuava, mas não mostrava demais.
Nem saberia explicar o quanto fiquei aliviada, se ela tivesse me vestido
como uma acompanhante de luxo, não teria nem saído de casa.
Porém, Eleanor era esperta. Ela sabia que me intimidava bastante, mas
que havia um limite.
Enquanto eu me arrumava, fiquei pensando a que ponto um ser humano
poderia chegar em nome de dinheiro, poder e tantas superficialidades
materiais; minha mãe vivia em função disso, sempre atormentada com a
possibilidade de arranjar um homem rico.
Por metade da minha vida, eu a vi se portando daquele jeito, e do meu
ponto de vista, era uma forma bem vazia de se passar toda uma existência.
Quando estava pronta, desci e fiquei na sala esperando por ela.
Logo Consuelo e Stella apareceram e ambas pareciam maravilhadas.
— Você está uma verdadeira princesa, Liz — Stella falou, para minha
alegria e Consuelo concordou com a cabeça.
Conversamos um pouco, mas assim que ouvimos a porta do quarto
principal ser fechada, as duas se despediram. Antes, contudo, me desejaram
boa sorte e pediram pra eu não fazer nenhuma maluquice, pois sabiam que eu
estava indo contra minha vontade.
Tão logo passaram pela porta que levava à cozinha, Eleanor apareceu
no alto da escada, elegante como sempre, em um de seus vestidos de grife
que deveria ter custado uma fortuna.
Durante o trajeto, ela foi enchendo minha cabeça com sugestões de
como eu deveria me portar, as coisas que deveria falar e até me deu respostas
prontas, caso Harry Stone fizesse alguma pergunta.
Estava muito animada com a ideia de ele se interessar por mim.
Eu escutava todas as maluquices que ela falava em silêncio, acenando
com a cabeça às vezes, sem prestar real atenção às suas palavras.
Houve uma hora, no entanto, que seus devaneios começaram a me
incomodar.
— Quando você e Harry Stone estiverem casados, eu serei muito
relevante nos Estados Unidos, mas mais importante que isso, estarei muito
próxima da fortuna dos Stone...
Olhei para ela, abismada, e vi que seus olhos até brilhavam com essa
perspectiva.
Eu não sabia o que se passava na cabeça dessa mulher, será que ela
achava que os Stone haviam ficado ricos à toa? eu tinha certeza de que na
hora em que olhassem para ela, veriam o nome “golpista” escrito em sua
testa.
— ...para mim ele nem precisaria ser presidente, mas já que resolveu se
aventurar na política, vamos encarar como um brinde. Meu Deus, um genro
bilionário e ainda presidente do país, é muito mais do que sonhei para mim.
A mulher faltava se engasgar com a própria ambição. Sua soberba não
tinha limites.
Nessa hora me dei conta de que se algum dia eu me casasse com
alguém afortunado, essa pessoa teria o desprazer de conviver com Eleanor
Reagan e seria escrava de suas vontades, porque aquela mulher não tinha
escrúpulos.
Sabia que se não alimentássemos seus caprichos, ela usaria dos meios
mais sórdidos que tivesse ao seu alcance para satisfazer suas vontades.
Imagina se essa pessoa fosse o presidente dos Estados Unidos.
Esse pensamento me deixou triste, parecia que eu jamais iria me livrar
dela e dessa sua mania de querer se aproveitar das pessoas.
Só que eu não era assim e por mais que quisesse me ver livre dessa
megera, não conseguiria enganar ninguém. Então fiz um propósito a mim
mesma de ser quem eu era de verdade, nada de mentiras ou subterfúgios.
Claro que eu não escancararia nada na frente de Eleanor, ou acabaria
levando um daqueles beliscões que só as mães sabiam dar, mas não fingiria
ser outra pessoa, em momento algum.
Feliz com minha resolução, fiquei um pouco mais aliviada, sabendo
que, ao conhecer a verdadeira Liz, Harry Stone nunca se interessaria por mim
e, consequentemente, nem ele nem sua família ficariam propensos a levar um
belo golpe.
Quando chegamos em frente ao local do baile, Eleanor desceu do carro
como se fosse a dona da festa, acenando e sorrindo para os jornalistas,
parando inclusive para conversar com a repórter de um programa de fofocas
local.
Minha mãe adorava esse tipo de exposição, enquanto eu, queria apenas
fugir. Mas como não poderia, ensaiei um ou dois sorrisos, somente para não
sair com cara de velório nas fotos.
Por não estar costumava a ir nesse tipo de evento, fiquei bem
impressionada com a grandiosidade e luxo do salão; era tão diferente do hip
hop da última sexta...
Sorri ao me lembrar de Stella, Freddy e Luna. Eles, com certeza,
ficariam loucos ali.
— Veja quanta gente rica e bem-nascida, esse sim é o tipo de lugar que
eu mereço frequentar — Eleanor comentou quando um garçom a serviu de
uma taça de champanhe.
Eu, mais uma vez, apesar de estar precisando relaxar, preferi não beber,
não daria sorte ao azar.
Em dado momento vi Eleanor passando os olhos pelo salão,
provavelmente procurando por seu alvo. Aproveitei sua distração e sussurrei
em seu ouvido que ia ao banheiro.
Ela assentiu e eu agradeci por não ter querido ir comigo, estar a seu
lado era sufocante.
Quando entrei no luxuoso banheiro, fui direto para a pia e espalmei as
mãos no mármore frio, eu precisava respirar ou não aguentaria ficar ali a
noite toda.
Poucos minutos depois, infelizmente, senti a presença de alguém atrás
de mim e quase gemi imaginando que fosse minha mãe.
— Eu já estava voltando — falei e fui me virando para ouvir uma de
suas broncas.
Mas para minha surpresa, não era Eleanor e sim uma loira alta e muito
bonita.
— Desculpe, só queria saber se está tudo bem — falou ela em tom
amigável.
— Está sim, eu… eu achei que fosse minha mãe — expliquei e me
preparei para encerrar a conversa.
Ela assentiu levemente, mas continuou encarando meu rosto por alguns
segundos, então se apresentou.
— Sou Zara Sullivan, prazer.
— Elizabeth Reagan — falei tentando me lembrar de onde conhecia
seu sobrenome.
— Ah, meu Deus, não diga que você é a Liz de quem minha
governanta Gemma tanto fala! — perguntou, cheia de expectativa.
— Sou eu, sim — respondi, curiosa.
Eu amava a Gemma e o carinho era recíproco. Mesmo depois que ela
parou de trabalhar na mansão, fazia questão de ligar para saber como estavam
as coisas. Mas já tinha um tempo que não nos falávamos.
— Como ela está? Sinto tanto sua falta — admiti.
— Ótima, estamos nos dando muito bem — respondeu, mas quando eu
estava prestes a perguntar mais alguma coisa, minha mãe entrou no banheiro.
— Filha, estava preocupada, você demorou — disse a megera, com voz
melosa ao perceber que havia alguém comigo.
— Estava conversando com a Sra. Sullivan.
Eleanor olhou para a linda moça ao meu lado e seu rosto se iluminou.
— Ah, que prazer conhecê-la, Sra. Sullivan — cumprimentou.
Logo depois agradeceu o convite e elogiou o evento.
Ela sabia ser agradável quando havia algum interesse ou benefício para
si própria.
— Podemos continuar esse assunto em minha mesa. O que acham de se
juntar a nós? — a Sra. Sullivan perguntou e minha mãe conseguiu disfarçar a
animação com um sorriso humilde.
— Claro que aceitamos, será um prazer, não é querida? — perguntou e
eu assenti; se negasse, ela me fuzilaria com aqueles olhos gélidos.
Quando a pobre mulher — que não sabia onde estava se metendo —,
passou por nós, Eleanor me lançou um olhar tanto de vitória quanto de
advertência. Mas eu não esbocei reação, apenas segui a Sra. Sullivan para
fora do banheiro e por entre os convidados em direção à mesa.
Ao chegarmos lá, dois homens se aproximaram.
— Esta é Eleanor Reagan e sua filha Elizabeth. Elas se juntarão a nós
— falou Zara, apresentando os dois homens em seguida.
O senador Sullivan nos cumprimentou e depois foi a vez de Harry
Stone, que me lançou um olhar demorado, o qual eu não fiz questão de
retribuir. Não pertencia àquele mundo, o luxo ostentado ali não me agradava
como a Eleanor, então, apenas os saudei com a educação que recebi a vida
toda.
Mamãe, claro, agiu como uma verdadeira dama da alta sociedade e se
comunicou sem problemas.
Já eu, preferi o silêncio, era mais confortável do que falar algo que a
desagradasse.
Mesmo de cabeça baixa durante quase todo o tempo, pude capturar
alguns olhares de Harry em minha direção.
Mas isso durou apenas alguns minutos, pois logo apareceu uma loira
alta, com longos cabelos presos em um rabo-de-cavalo e o levou para longe.
Blake Sullivan também pediu licença um tempo depois para ir
conversar com alguns senhores, enquanto minha mãe se desmanchava em
sorrisos e elogios para a Sra. Sullivan.
Quase uma hora após aquele tormento, aproveitei que uma amiga de
minha mãe foi até a mesa, distraindo as duas, e pedi licença para ir até o bar
pegar uma água. Eleanor estava tão animada, tentando impressionar sua
“nova amiga”, que nem me repreendeu.
Caminhei pelo salão e me esquivei de muitas pessoas e garçons que
ofereciam bebidas e saí à procura de um lugar onde pudesse ficar longe
daquela música monótona e da falsidade daquela mulher.
Quando cheguei a área externa, procurei me afastar o máximo possível
e fui em direção ao belo jardim, cheio de flores e plantas exóticas. Aquele,
certamente, foi o lugar de que eu mais gostei naquela festa.
Estava distraída olhando a beleza das plantas quando vi um cachorrinho
farejando tudo ao redor e balançando o rabo.
— Olá — falei e ele se aproximou.
Abaixei-me para tocá-lo e percebi que ficou todo feliz com o carinho.
— Ei, amiguinho, qual o seu nome? — perguntei carinhosamente e ele
se animou ainda mais.
Procurei em seu pescoço para ver se ele usava coleira, mas não tinha
nada, além disso, ele estava sujo demais para não ser um cachorro de rua.
— Como você é carinhoso.
Ele pareceu me entender, pois começou a mexer a cabeça, como se
estivesse me acariciando.
— Agora me diz, como foi que você entrou aqui? — perguntei,
passando a mão em seu pelo. — E como eu vou te tirar daqui sem causar uma
grande confusão.
Olhei para a frente, analisando bem o lugar onde estava e tentando
achar uma forma de ajudá-lo. Tinha medo de que os seguranças do lugar o
machucassem.
— Queria tanto um bichinho como você, só que minha mãe é o diabo
em pessoa e jamais deixaria.
Minha fala teve um tom de lamento, então sorri para mim mesma ao
falar:
— Mas seria bom, você vai crescer bastante e eu poderia treiná-lo para
correr atrás dela r comer seus sapatos caros — comentei com o cachorro que,
se não estivesse enganada, era um filhote de labrador.
Continuei acariciando o animalzinho, que até fechava os olhos para
receber os meus afagos.
— Posso te ajudar a tirá-lo daqui — uma voz grave soou atrás de mim
me assustando e fazendo com que eu me desequilibrasse.
Para minha consternação, acabei caindo de bunda no chão e para piorar
a situação, o cachorro veio para cima e começou a me lamber
entusiasmadamente, deixando-me cativa.
Que maravilha!
Logo o homem estava ao meu lado, estendendo a mão para me ajudar a
levantar.
— Você está bem? — perguntou em tom preocupado.
— Estou, sim, obrigada — respondi, sentindo meu rosto arder de
vergonha.
Aceitei sua mão, mas permaneci imóvel assim que fitei seu rosto mais
de perto; era Harry Stone e ele parecia ainda mais lindo pessoalmente.
— Nossa, você é bonito mesmo, hein — soltei e ele gargalhou, o que o
deixou ainda mais gato.
— Com certeza é o elogio mais sincero que recebi esta noite — ele
respondeu enquanto me ajudava a levantar.
— Não ligue, às vezes meu filtro entope e acabo falando o que vem à
cabeça. Mas agora vamos ao que interessa. Como você pode me ajudar a tirá-
lo daqui?
Desviei o olhar e resolvi focar no cachorro para não ficar pensando no
belo sorriso do Sr. Stone.
— Elizabeth, certo? — ele perguntou.
— Prefiro que me chame de Liz. Elizabeth é tão sério, faz parecer que
tenho 50 anos a mais.
Vi sua boca se apertar um pouco, como se estivesse segurando um
sorriso.
— Então, Liz, respondendo à sua pergunta, posso pedir ao meu
segurança que retire o filhote da festa e o leve até sua casa.
Eu queria muito aquilo, mas, definitivamente, não era uma boa ideia.
— Melhor não, ainda não tenho certeza se a bruxa que se diz minha
mãe não vai cozinhar o pobrezinho no jantar — quando percebi o absurdo
que tinha falado, tapei a boca com a mão, mas ao olhar para Harry, ele
parecia estar se divertindo com a minha falta de noção.
— Filtro entupido? — perguntou e eu gargalhei.
— Sim, sempre ele — concluí, divertida.
— Por que não fica com o bichinho, percebi que ele gostou de você.
— E eu dele, mas não dá. Eleanor nunca deixou que eu tivesse um
animal de estimação e não começaria a fazer concessões agora.
— Podemos mandá-lo para um abrigo, então — sugeriu.
— Sim, seria o jeito. — Mal tinha acabado de responder e Eleanor
surgiu no meu campo de visão.
Era tudo que eu não precisava.
— Elizabeth! Que diabos você está fazendo aqui? eu te procurei por
todo o salão. Ah, meu Deus, o que faz com esse pulguen...
Eleanor se calou quando Harry se voltou e ela o reconheceu. Na mesma
hora seu olhar abrandou e ela sorriu, doce como mel.
— Era exatamente desse lindo filhotinho que estávamos conversando.
Eu o encontrei aqui no jardim e nos demos bem no mesmo instante. Mas
como deve saber, eu moro em Nova York, em um apartamento, e seria
impossível cuidar de um cachorro tão grande, que precisa de um lugar onde
possa correr e extravasar a energia. Quando vi o quanto ele gostou de
Elizabeth, tomei a liberdade de lhe perguntar se poderia cuidar dele para
mim. Se a senhora permitir, é claro, assim, quando viesse a Washington,
poderia visitá-lo.
A explicação de Harry me deixou tão admirada e agradecida, que tive
vontade de abraçá-lo, mas me contive. Na presença de satã, cada movimento
deveria ser calculado.
Eleanor olhou para nós três e então vi sua expressão mudar e aquilo me
deu até um calafrio. Era a cara que usava quando estava arquitetando algum
plano.
— Seria um prazer cuidar do seu cachorro, Sr. Stone.
Encarei minha mãe sem acreditar no que ouvia. Ela sequer visitava as
amigas que tinham gatos ou cachorros que ficavam dentro de casa, porque
não gostava de bichos, então a minha surpresa foi bem grande.
Segundos depois o segurança de Harry Stone se aproximou e ele deu
ordens para que cuidasse do cãozinho até que fossemos embora e nos
convidou para voltar ao salão.
Eleanor foi bajulando o homem, enquanto eu pedi licença para ir lavar
as mãos, ainda sujas do cachorro.
Quando voltei, Harry continuava dando atenção à minha mãe e pareceu
aliviado ao ver que eu me aproximava.
— Aceita dançar comigo, Liz? — ele perguntou me chamando pelo
apelido e vi a boca de Eleanor ir ao chão.
Eu ia recusar, porém, como sempre, aquela hiena aproveitadora abriu a
boca antes.
— Mas é claro que ela aceita — respondeu e recebeu um olhar
esquisito de Harry.
— Sim, claro — falei para nos livrarmos dela.
Harry me pegou pela mão e fomos até a pista de dança, que estava bem
cheia.
Eu era alta, mas quando ele parou à minha frente com seu 1m90 de
altura — segundo o Google —, senti-me minúscula e a coisa só piorou
quando sua mão enorme pousou na base da minha coluna.
Nossos corpos se aproximaram e senti seu cheiro inexplicavelmente
maravilhoso.
Eu nunca tinha ficado tão perto de um homem do nível dele, porque
Eleanor não me levava a seus eventos. Ela só começou a cogitar essa
possibilidade quando me tornei sua chance de voltar a ser rica.
— Desculpe-me por ela — falei, quando começamos a nos mover.
Estava envergonhada pelo comportamento bajulador de minha mãe.
— Estou acostumado a lidar com esse tipo de coisa, não se preocupe —
respondeu e começou a me guiar.
Sorri, imaginando que ele devia aguentar muita coisa mesmo.
— Eu queria agradecer por me ajudar com o cachorro, ela jamais teria
permitido, caso não fosse um pedido seu.
— A relação de vocês me parece meio conturbada — ele comentou.
— Se fosse apenas conturbada, seria ótimo. Mas se estiver tudo bem,
não quero falar a respeito dela.
Eu estava nos braços do homem mais cobiçado da festa. E apesar de
saber que ele, provavelmente, estava apenas com dó de mim, resolvi
aproveitar e tentar esquecer que Eleanor existia.
— E do que quer falar? — ele perguntou com uma sobrancelha
levantada, o que o deixou incrivelmente sedutor.
Meu Deus, vinte minutos na presença daquele homem e eu já estava
começando a babar feito o resto das mulheres daquela festa.
O único detalhe é que eu não era como elas e esse negócio de primeira-
dama certamente não era para mim.
Então, ao invés de tentar impressioná-lo com algo interessante, decidi
falar amenidades, talvez assim ele desistisse logo daquela dança e me
deixasse ir embora com o meu cachorro. Não queria me iludir.
— Do filhote. Eu sei que é um homem ocupado e que nem mesmo
mora aqui, mas será que poderia mandar algum funcionário seu à minha casa
uma vez ou outra, para que ela continue acreditando na nossa mentirinha?
Tenho medo do que possa fazer quando você não aparecer.
Harry me encarou com aquele seu olhar divertido e balançou a cabeça
de leve.
Eu não sabia se aquilo era um sim verdadeiro ou se estava apenas sendo
gentil, mas rezaria para que ele fizesse mesmo isso ou logo Eleanor colocaria
o pobrezinho para fora a pauladas.
Continuamos conversando e quando me senti mais confortável em seus
braços, olhei para as pessoas ao redor e capturei muitos olhares curiosos em
nossa direção.
Aquelas mulheres deviam estar loucas para dançar com o partidão da
festa, enquanto eu, desperdiçava aquele precioso tempo falando do meu novo
amiguinho que, muito provavelmente, era mesmo um pulguento, como minha
mãe quase soltou.
Quando a música acabou, a loira do rabo-de-cavalo se apressou em
chamar meu acompanhante.
Ele gentilmente se despediu de mim e disse que me encontraria na
mesa em alguns minutos.
Concordei e me encaminhei para lá, mas Eleanor me encontrou no
meio do caminho.
— Vamos embora — disse, categórica.
— Como assim?
— Aquele bicho já está com Benito em nosso carro e o segurança de
Harry Stone já pegou nosso endereço, isso é tudo que precisa saber por hora.
— Mas ele pediu para encontrá-lo na mesa — falei, chateada.
Não queria nada com o Sr. Stone, mas não podia ser indelicada, ainda
mais depois de ter me ajudado tanto.
— Melhor ainda, ele já está interessado e ficará muito mais quando vir
que não ficou esperando feito um cãozinho adestrado. Agora pare de discutir
comigo e apenas me obedeça. Vamos embora! — ela aumentou o tom de voz
e, como de costume, fiz como pediu, não era hora de começar uma discussão.
Antes de passar pelas portas de saída, arrisquei um olhar para a nossa
mesa e avistei Harry ao lado do senador Sullivan. Era possível notar que ele
vasculhava ao redor como se procurasse por alguém e alguma coisa em meu
íntimo me dizia que era por mim.
Não soube o que pensar, mas senti meu coração se aquecer.
Eu nunca fui do tipo romântica, que ficava pensando no príncipe
encantado. Talvez porque com a vida que eu levava, não sobrasse muito
tempo para romantizar as coisas.
Contudo, desde a interação que tive com Harry Stone, a imagem dele
não parava de surgir em minha cabeça.
Eu tinha meio que bloqueado qualquer interesse pelo sexo masculino,
desde a minha primeira e última desilusão amorosa, mais de dois anos atrás.
Derek era amigo de Freddy e o conheci em uma das festas a que compareci
com minha turma.
Nós nos demos bem e começamos a ficar pouco tempo depois e, apesar
de não nos encontrarmos com muita frequência, era sempre bom, nós cinco
nos divertíamos muito e quando nós dois estávamos sozinhos, passávamos
todo o tempo nos beijando; Derek era muito bom nisso.
Claro que nunca contei a Eleanor, mas tinha a impressão de que
desconfiava; eu sorria bastante naquela época, o que não era muito normal
para mim quando ela estava em casa.
Só que eu estava feliz e não conseguia esconder. Derek era parecido
comigo em muitas coisas, além de ser estudioso e esforçado, qualidades que
eu admirava.
Após algumas semanas juntos, entretanto, descobri que ele estava
ficando com outra menina e aquilo me abalou demais.
Ainda não sabia ao certo se estava mesmo apaixonada ou não, mas a
decepção foi grande, tanto que desde aquele dia perdi o interesse em
conhecer outros caras.
Minha vida já era miserável demais, não precisava de desilusões
amorosas para piorar as coisas.
Só que Harry Stone estava em outro patamar, não dava para comparar
sua beleza e elegância com os piercings e cabelos espetados de Derek, que
naquela época, eu achava até bonitinho.
O fato é que, se foi difícil superar o desgosto que tive com o primeiro
garoto de quem gostei, imagina como seria se me deixasse iludir por um
homem dez anos mais velho que eu e infinitamente mais experiente; o tombo
seria muito maior.
Por isso me obriguei a parar de pensar em Harry e fui cuidar de Lion.
Sim, foi esse o nome que dei ao filhotinho e não por causa da cor de seu pelo,
mas porque ele virava uma fera toda vez que minha mãe chegava perto de
mim.
No início, achei que pudesse ser uma implicância passageira, mas já era
sexta-feira e seus rosnados apenas aumentavam de intensidade quando ela
estava por perto. Tanto, que Eleanor não fez questão de ficar em casa, pois
não suportava os grunhidos do meu novo amigo.
Nós achamos isso ruim? De modo algum. Era divertido demais e todos
estávamos felizes com a presença dele na casa. O fato de minha mãe ser uma
exceção, não contava, pois ela não gostava de ninguém.
— Acha que ele vai mandar um funcionário vir aqui para saber do
cachorro? — Stella perguntou enquanto esfregava os vidros da sala.
Como de costume, estávamos ajudando Consuelo com a limpeza da
casa. Mas naquele dia havia um clima diferente devido às novidades.
Já tinha perdido a conta de quantas vezes relatara meu encontro com
Harry no jardim. Stella e Consuelo pareciam crianças com um doce. Até
mesmo Benito se juntou a elas.
— Óbvio que não, ele foi gentil e tudo, mas nem deve estar lembrando
que eu existo.
Stella largou o pano e me encarou.
— Um homem como ele não perderia seu tempo daquele jeito, nem se
preocuparia a ponto de mentir, apenas porque ficou com dó.
— Não foi nada de mais — falei, refazendo o coque do cabelo e me
alongando para relaxar os músculos.
— Pois eu acho que foi, então, por favor, prometa que se vir esse
homem de novo, não vai perder a chance de dar um beijão nele — ela pediu
com voz suplicante me fazendo rir muito de sua loucura. A garota era mais
iludida do que eu. — Pelo amor de Deus Liz, estamos falando de Harry
Stone, um dos homens mais lindos do planeta.
— Exatamente, minha amiga, essa foi a coisa mais sensata que falou
essa semana.
Stella estava empolgada demais, por isso eu precisava manter os pés no
chão, não podia ir na onda dela.
Ela não se deu por vencida e permaneceu falando enquanto seguíamos
com nossa limpeza.
Mas antes do que esperávamos, escutamos o barulho do carro
estacionando na garagem.
Minha mãe havia chegado.
Larguei tudo o que tinha na mão e corri para o quarto onde troquei de
roupa. Depois de pronta, fui me refrescar, jogando um pouco de água fria no
rosto, por último, prendi o cabelo direito, para não ser alvo de um de seus
ataques.
Ao descer, alguns minutos depois, escutei vozes alteradas vindo da
cozinha e achei estranho, já que quando recebia uma bronca, Consuelo nunca
retrucava.
No entanto, para minha surpresa, era Lion quem rosnava, furioso, para
Eleanor, que fora se abrigar em cima da mesa com rolo de massa na mão,
enquanto Consuelo e Benito tentavam acalmar o animal furioso.
— Tire essa aberração da minha frente. Agora! — berrou enlouquecida
quando me viu.
Com a voz mansa, cheguei perto dele e o peguei no colo, antes que
aquela louca o acertasse com o rolo de madeira.
Graças a Deus ele não me mordeu, mas continuou rosnando até
chegarmos do lado de fora da casa.
— Liz, conversei com a mamãe e achamos que é melhor o Lion ficar
com a gente lá na edícula; não vai demorar para Eleanor perder a paciência
com ele — Stella sugeriu e eu concordei, era a melhor coisa a fazer.
Deixei que ela o levasse e voltei para a cozinha. Ao chegar lá, a maldita
estava gritando de novo e imaginei que estivesse terminando o que havia
iniciado, antes de Lion sair em defesa de Consuelo.
— Quantas vezes eu já disse para tomar cuidado com as minhas roupas,
sua inútil? — vociferou, balançando uma blusa de seda no ar. — Minhas
coisas não são como os trapos que vocês estão acostumados a usar. Têm que
ser lavadas à mão e não na máquina.
Fechei os olhos e me lembrei que, no intuito de ajudar, eu acabei
misturando algumas peças na semana anterior, após ela ter me falado do
baile.
Quando Consuelo me mostrou que havia puxado alguns fios da blusa
da madame, tive vontade de jogar fora, mas ela disse que se Eleanor desse
falta, iria acusá-la de roubo, então, era melhor deixar como estava e aguentar
as consequências.
— Vou tomar mais cuidado, senhora — Consuelo respondeu de cabeça
baixa, como de costume, e aquilo me cortou o coração.
Eu odiava ver qualquer pessoa sendo humilhada e Eleanor sentia um
prazer quase sádico em fazer isso.
— Tome mesmo ou da próxima vez, além de te colocar no olho da rua,
eu ligo direto para a imigração.
Respirei fundo e fechei as mãos em punho para conter meu ódio, mas
quando pensei em falar alguma coisa Consuelo fez que não, sutilmente, com
a cabeça.
Logo em seguida Eleanor passou por mim e saiu bufando da cozinha.
— Por que ela é desse jeito? — perguntei com os ombros caídos em
desânimo e vergonha.
— Não sei, filha, mas fez bem em não se meter, já sabemos que não
adianta. Ela é assim e não vai mudar.
Consuelo já estava acostumada com os chiliques de Eleanor, mas eu
jamais iria me acostumar com tanta grosseria gratuita.
O que era uma blusa perto de tudo que a família Medina já tinha feito
por nós?
— Graças a Deus que ela vai viajar — falei, vendo-a colocar água para
esquentar em uma chaleira.
Na mesma hora me animei. Eu adorava seu café. Ela sempre o
preparava à moda latina, mais forte e encorpado. Perfeito.
Para não depender de Consuelo, pedi que ela me ensinasse a fazer,
então, só apelava para as cápsulas quando estava com muita preguiça.
— Sim, passou a semana se preparando para essa viagem. Bem que
Deus podia nos ouvir e arrumar alguém que se interessasse por ela. Quem
sabe não ficasse mais dócil — comentou.
Seria mesmo bom se ela conseguisse o que tanto procurava, mas eu
duvidava que um homem fosse capaz de mudar o comportamento de minha
mãe; o que aquela jararaca mais gostava no mundo era dinheiro e nem
mesmo o amor mudaria sua natureza.
Stella voltou a se juntar a nós na cozinha e ficamos conversando
enquanto bebíamos café, como fazíamos sempre que Eleanor estava reclusa
em seu quarto ou fora de casa.
Quase uma hora depois Benito apareceu para avisar que iria levá-la até
um hangar, onde marcara de encontrar suas amigas.
Quando ele saiu, nós três nos olhamos com sorrisos abertos no rosto,
felizes por saber que estaríamos livres dela por mais um fim de semana.
— Vão aproveitar para sair? — Consuelo perguntou e foi retirando as
xícaras da mesa.
— A Stella, não sei, mas eu vou ficar em casa — respondi.
— Foi só conhecer o bonitão bilionário que não quer mais saber dos
pobres mortais. Mas eu não te julgo, amiga, agiria da mesma forma — Stella
brincou e todas rimos.
— Eu bem que queria aproveitar, só que meu corpo está realmente
moído. Correr atrás de Lion durante a semana acabou comigo. A criatura não
para um segundo sequer.
Elas riram novamente, então Consuelo sugeriu:
— Por que vocês não convidam Freddy e Luna para fazerem alguma
coisa mais tranquila aqui mesmo.
A ideia era boa.
Olhei para Stella e vi que ela também concordava.
— Ótimo — disse Consuelo —, mandem mensagem para Freddy e
vejam se ele topa, digam que vou fazer pizza — afirmou já indo se preparar
para fazer a massa.
Enquanto Stella ligava para ele, subi para tomar um banho.
Sentia-me tão dolorida, que me dei o luxo de encher a banheira, coisa
que não fazia com muita frequência para não gastar água e energia. Mas
naquele dia eu achava que merecia e foi ótimo. Poucos minutos depois de ter
mergulhado, senti a água cálida relaxar meus músculos.
Quando finalmente saí do banho, liguei a TV e comecei a me arrumar
com calma.
Estava penteando os cabelos, quando escutei a voz de Harry Stone e
minha atenção foi completamente sugada para tela. Ele estava em um famoso
telejornal da cidade e discorria a respeito do momento político atual nos
Estados Unidos. Logo depois criticou algumas leis que tinham sido aprovadas
pelo governo atual e assim continuou a entrevista, com firmeza e seriedade.
O modo como se expressava e as coisas que falava, deixavam claro que
entendia muito bem de tudo aquilo. Poderia estar sendo tendenciosa, mas ele
tinha toda a pinta de presidente, desde a forma como olhava para câmera, à
paciência que demonstrava enquanto aguardava a próxima pergunta,
mostravam que havia nascido para aquilo.
Então, mais uma coisa me chamou atenção: o jornal era ao vivo, e se a
entrevista estava acontecendo no estúdio, significava que se encontrava em
Washington.
Aumentei o volume e acompanhei o resto da entrevista, prestando
atenção a cada resposta e percebendo o quanto era bom no que fazia.
Eu ainda não sabia se eram apenas rumores ou se ele iria mesmo se
candidatar à presidência, mas tinha certeza de que se isso acontecesse, seus
adversários teriam uma boa concorrência.
Quando o telejornal acabou, olhei-me no espelho e desci.
Ao entrar na cozinha, vi que Stella também já tinha tomado banho. No
balcão, Consuelo abria as massas, enquanto Benito colocava os recheios.
— E o pessoal, vem ou não? — perguntei, sentando-me à mesa com
minha amiga.
— Freddy confirmou, já Luna ficou de frescura, como sempre, mas não
descartou.
Dei de ombros e quando vi Benito lavar as mãos, pedi que descesse até
a adega milenar da família Reagan e pegasse uma garrafa de vinho.
Eleanor não gostava muito de vinho e só bebia para fazer média com as
amigas, por isso a adega ainda estava bem abastecida.
Eu, por outro lado, gostava bastante, mas sempre deixava para tomar
em ocasiões como aquela, quando colocávamos animadas músicas italianas e
fingíamos que estávamos todos na Sicília ou na Toscana.
Essas noites eram sempre especiais, pois só eram possíveis quando
Eleanor estava bem longe, o que fazia com que todos relaxassem e
aproveitassem muito mais.
A cada vez que nos reuníamos ali, em volta da mesa, bebendo vinho e
conversando em paz, eu me convencia um pouco mais de que eles eram a
minha família e de que jamais poderia deixar que nada de mal lhes
acontecesse.
Para a noite ficar completa, faltava apenas a Gemma, de quem eu fiquei
com ainda mais saudade depois de conversar com a Sra. Sullivan.
Saí dessa linha de pensamento para que não voltasse a pensar em Harry
Stone novamente e foquei naqueles três à minha frente. Se não fosse por eles,
eu já teria ido embora há muito tempo, mas meu coração ficava apertado só
de pensar no que aquela desalmada seria capaz de fazer, apenas para me
castigar. Com certeza os demitiria e ainda chamaria a imigração e isso não
poderia acontecer.
Uma parte da família de Consuelo era envolvida com perigosos carteis
no México, por esse motivo ela e Benito criaram coragem para fugir, mesmo
com um bebê de dois anos, e jamais cogitaram voltar, primeiro por medo e
depois porque grande parte de seus familiares havia morrido e não de
maneira natural.
Era por isso que aguentavam as humilhações de Eleanor; segundo eles,
era ficar ali ou voltar, pois seria difícil encontrar outra família que desse
emprego, casa e comida para os três.
Quando a campainha tocou, eu e Stella corremos para atender. Ao abrir
a porta, Freddy e Luna estavam lado a lado.
— Liz — Freddy cumprimentou e me deu um beijo no rosto.
Já Luna, nos cumprimentou com seu jeito seco e foi entrando.
— Você é mesmo rica, né? — ela comentou depois de passar os olhos
pela sala.
Freddy já havia nos visitado diversas vezes, mas era a primeira vez de
Luna, por isso ela estava impressionada. O que era natural.
Mesmo Eleanor não se preocupando em fazer as manutenções regulares
necessárias, eu tinha que admitir que era uma casa muito imponente.
— Meu pai é que era rico. Não eu.
— É exatamente esse o tipo de coisa que gente rica fala — ela retrucou
e caímos na gargalhada.
Guiei-os para a cozinha e quando Consuelo tirou a primeira pizza do
forno, todo o cômodo foi tomado por um aroma delicioso e suspiros
incontroláveis.
— Quer dizer que a noiva de satã viajou — Freddy comentou depois de
comer a primeira fatia e em três bocadas, como um típico rapaz.
— Sim, parece que só volta segunda-feira de manhã.
— Podemos ir a boate, depois que sairmos daqui? — Luna perguntou a
Freddy e eu olhei para ela com um pouco mais de atenção. Estava começando
a desconfiar de que a garota tinha algum interesse por ele.
Poderia até ser que ela quisesse, simplesmente disputar sua atenção,
mas dada a forma como me tratava, talvez seu ciúme não fosse apenas de
Stella, mas também de Freddy, por causa da amizade que tínhamos.
— Acho que não. Qual a graça de sair sem a Liz e a Stella? —
perguntou, naturalmente.
Luna fechou a cara na hora, não gostando muito da resposta dele.
— Eu vou com seu primo, então, ele me convidou hoje à tarde.
— Vai lá, só não vire o lanchinho dele no final da noite — Stella
cutucou e a expressão de Luna se fechou ainda mais.
Kellan era acostumado a oferecer cortesias para garotas bonitas. Ele as
convidava para irem à sua boate, oferecia bebidas de graça e dava toda a
atenção apenas para depois dormir com elas no final da noite. Então, quase
todas que frequentavam seu camarote tinham um destino certo.
— Eu acho ele gato, já transei com uns bem piores — disse ela
baixinho para os tios não escutarem.
Luna e Freddy eram bem experientes, sexualmente falando.
Na época em que fiquei com Derek, até senti vontade de transar com
ele, não sabia se por tesão ou apenas como uma forma de desafiar Eleanor;
mas graças a Deus descobri que ele não prestava a tempo.
Minha cabeça mudou muito desde aquela época, não que estivesse
esperando o príncipe encantado para finalmente perder a virgindade, contudo,
não queria que fosse um idiota como Derek.
— Então vai fundo, só não fique esperando que ele vá querer algo mais
sério com você — sentenciou Stella, cortante como sempre, e nós três
balançamos a cabeça em concordância.
Luna fez bico, mas logo pegou outra fatia de pizza e esqueceu o
assunto.
Consuelo e Benito tinham ido até a edícula dar uma olhada em Lion, e
quando voltaram à cozinha, estávamos todos largados nas cadeiras, moles de
tanto comer. Exceto por Freddy que havia se ocupado em traçar o que
sobrara. O estômago do garoto parecia não ter fundo.
De lá, fomos assistir a um filme e quando nossos amigos se
despediram, já passava da meia-noite.
Antes de ir me deitar, fui pegar meu cãozinho. Aproveitaria que
Eleanor não estaria ali para ficar um tempo com ele dentro de casa.
Pouco antes de dormir, lembrei-me de que havia prometido ao padre
Norton que voltaria ao orfanato e sorri ao pensar que teria mais um dia junto
com meus pestinhas preferidos.
A semana em Nova York foi corrida, como era de se esperar. Tive
reuniões todos os dias, tanto com gerentes e acionistas das Indústrias Stone
quanto com possíveis apoiadores políticos.
Minha candidatura oficial tinha que ser lançada nos próximos dois
meses, então, eu já precisava ter alguma ideia de com quem poderia contar.
Graças a Deus isso estava se consolidando um pouco mais a cada dia.
O fato de a empresa de minha família sempre ter trabalhado com o governo,
fez com que eu conhecesse a maioria daquelas pessoas fora do âmbito
político, o que lhes deu a oportunidade de avaliar meu caráter muito antes de
qualquer especulação relativa a uma possível candidatura.
A lisura com que sempre tratei os negócios e a vida ilibada que sempre
apresentei, estava dando seus frutos agora.
A única questão realmente pendente nessa história, era o fato de ainda
não ter escolhido a minha primeira-dama.
O baile que Zara promoveu — e que eu achei que seria totalmente
enfadonho —, acabou se tornando uma agradável surpresa.
Conheci pessoalmente dezenas de mulheres, todas lindas e educadas,
mas precisava admitir que a única que realmente me chamou a atenção foi
Elizabeth Reagan.
Nossa interação foi rápida, surreal na maior parte do tempo e
completamente inesperada. Assim que nossa dança acabou e eu tive que ir
falar com um apoiador em potencial, pensei que teria a oportunidade de
conhecê-la um pouco melhor, mas quando voltei à mesa, ela havia sumido e
isso me chateou.
No dia seguinte, no entanto, tive tempo para analisar tudo o que
acontecera e resolvi reler a ficha que Zara enviara, contendo todas as
informações da garota.
Analisei vários pontos importantes, listei as qualidades que deveriam
existir em minha futura esposa e, embora Elizabeth tenha me divertido e me
agradado bastante fisicamente, ainda estava longe de ser uma candidata ideal.
Além da falta de uma formação superior, também havia a situação com sua
mãe, que não era muito favorável para que se tornasse minha escolhida. Sem
falar da mãe em si, que era insuportável.
Por isso, tratei de deixar meu encantamento por ela de lado e, antes
mesmo de voltar para Nova York, estava decidido a continuar procurando.
Nunca antes em minha vida eu tinha precisado ser tão prático como
agora e era o que pretendia ser. Se não iria me casar por amor, precisaria
escolher a mulher perfeita para o “cargo” de primeira-dama e esta deveria ter
inúmeros atributos que iam muito além da beleza física e do bom humor.
Então, precisaria procurar novamente.
Entretanto, tive tanta coisa para fazer durante a semana, que não tive
tempo de pensar nesse assunto. Só voltei a me lembrar na sexta-feira à tarde,
durante o voo de volta a Washington.
Pedi que Lexy imprimisse as fichas das garotas mais apropriadas com
quem interagira naquele baile e passei a viagem analisando cada uma delas.
Quando avião pousou, porém, eu não havia chegado a nenhuma
conclusão.
Deixei as fichas de lado enquanto nos encaminhávamos à rede de TV
onde daria uma entrevista.
Eu queria ter voltado apenas no sábado, para o compromisso marcado
com o reverendo Norton, mas quando recebi o convite da TV, achei que seria
uma boa oportunidade de me expor antes do anúncio de minha candidatura.
A entrevista foi tranquila, o âncora quis saber a respeito do mundo
empresarial e sobre como as decisões tomadas no atual governo
influenciaram na crise econômica que assolava o país e eu aproveitei a
oportunidade para enumerar todos os problemas.
Todavia, tomei o cuidado de me expor como um cidadão comum e não
um futuro candidato; as pessoas tinham que continuar me vendo apenas como
um bem sucedido empresário que sabia do que estava falando.
De lá, fui jantar com meus fiéis escudeiros e depois todos fomos
descansar.
Na manhã seguinte acordei super bem-disposto, pronto para convencer
Norton de que eu era a melhor opção.
— O reverendo marcou o encontro em um orfanato no subúrbio da
cidade, melhor preparar o talão de cheque — Lexy brincou ao telefone
quando eu estava saindo do hotel.
Ela não pôde me acompanhar porque iria se reunir com as pessoas que
estavam preparando meu comitê em Nova York, de modo que apenas eu, Zed
e outros dois seguranças fomos para Washington.
— Já estou acostumado — falei, antes de me despedir.
Desde muito cedo, quando acompanhava meus pais ou avós a eventos
beneficentes, era absurdo o número de pessoas que pedia dinheiro a eles.
Mas meu avô sempre me explicou tudo o que acontecia ao meu redor e
a melhor forma de agir, assim, aprendi como lidar com todo o tipo de gente e
distinguir aqueles que se valiam de causas sociais apenas para enriquecerem.
E esse não era o caso de Norton. Ele realmente se empenhava em
ajudar os mais necessitados e fazia muitas ações sociais em prol disso, então,
era compreensível que usasse sua influência para conseguir auxílio.
De minha parte, estaria conseguindo duas coisas: ajudar aquelas
crianças e angariar o apoio daquele que seria primordial para meu sucesso
com os eleitores mais conservadores.
Allen havia insistido em participar desse encontro, mas achei que não
seria necessário, ele era direto demais, ao ponto de ser autoritário e esse tipo
de atitude não daria certo com o reverendo.
Por causa disso, pedi que continuasse com sua peregrinação pelos
Estados Unidos, ele seria mais útil dessa forma.
Quando o carro estacionou em frente ao orfanato, percebi que a
construção era antiga e gritava por uma reforma.
Sorri, pensando no quanto aquele velho senhor era esperto.
Assim que Zed abriu a porta para mim, eu desci, abotoei o paletó e
segui para dentro, ladeado por meus seguranças.
Fomos recebidos pelo próprio reverendo Norton, que vinha nos
enrolando há meses, e por uma freira a quem ele apresentou como Madre
Mary.
— É um prazer recebê-lo aqui, Sr. Stone — disse o padre após os
cumprimentos formais e nos guiou para dentro. — Este é um dos orfanatos
que eu mais tenho tentado ajudar nos últimos tempos. Como vê, a estrutura
está quase comprometida e as crianças precisam de tantas coisas — comentou
enquanto caminhávamos pelos corredores cheios de paredes descascadas e
portas sem fechaduras.
Era realmente vergonhoso que existisse em Washington um orfanato
naquelas condições, sendo que ali era o berço do poder onde qualquer
político interessado poderia mudar aquela situação.
Escutei pacientemente enquanto reclamava das condições do prédio e
pontuava todas as melhorias que precisavam ser feitas, entendendo muito
bem que antes de anunciar seu apoio, ele estava deixando claro o que eu teria
de fazer para consegui-lo.
— Bom, acho que já visitamos tudo — o reverendo comentou depois
que caminhamos por quase meia hora, entre pátios e corredores.
— Falta a sala de pintura — pontuou a Madre.
— Ah, sim, é verdade, mas vamos tomar um café antes — falou e
começou a andar, certo de que o seguiríamos.
Eu não estava com a menor paciência para estender a visita, mas como
ainda não tinha conseguido conversar direito com ele, apenas concordei e
caminhamos em direção ao refeitório, que também estava em péssimas
condições.
Lá, o padre me apresentou a funcionários e voluntários que
costumavam aparecer nos finais de semana.
Ele pediu os cafés que foram servidos em copos descartáveis, mas que
estava com o gosto muito bom.
Tão logo a Madre se afastou, tive mais liberdade para conversar, então
lhe falei abertamente a respeito da minha candidatura e do quanto seu apoio
seria importante para mim.
O reverendo me parabenizou e disse que acreditava que eu tinha
grandes chances de ganhar, pois o povo estava cansado da velha política,
cheia de falsas promessas.
Depois se calou e ficou apreciando seu café, o que me deixou inquieto,
já que minha única intenção ali era conseguir seu apoio.
— Esse lugar está realmente precisando de uma reforma urgente —
forcei a barra quando voltamos a caminhar.
— Está, sim, por isso marquei nosso encontro aqui, queria que visse
com os próprios olhos tudo o que precisa ser feito, para ter uma ideia do
quanto nos custaria.
Ele parou e se virou para mim.
— Não pense que é o primeiro que vem atrás de mim em busca de
apoio. Todos os outros com quem conversei, prometeram que fariam as
melhorias quando ganhassem as eleições, mas, infelizmente as crianças não
podem esperar — falou com pesar. — Por isso, resolvi fazer essa última
tentativa com o senhor. Eu venho acompanhando sua família há muito tempo
e sei o quanto são empenhados em causas sociais.
Assenti, já imaginando o que viria e ele voltou a andar.
— Sei também que dinheiro o senhor tem de sobra e que por mais
dispendiosa que seja essa reforma, não lhe fará nenhuma falta, então, por
favor, não seja como os outros.
Com essas palavras ele parou em frente a uma porta dupla e a abriu.
Do outro lado da ampla sala havia várias crianças, todas concentradas
nas telas à sua frente, enquanto uma moça caminhava entre elas, apontando
aqui e ali, provavelmente ensinando como fazer e totalmente alheia à nossa
presença.
Não demorou, no entanto, para a atenção dos pequenos começar a se
voltar para onde estávamos.
De repente, todos aqueles olhinhos curiosos nos encaravam e ela,
percebendo que não tinha mais a atenção deles, virou-se para saber o que os
havia distraído.
Foi aí que tive a maior surpresa de todas.
Era ela, Elizabeth Reagan.
Nunca imaginei que fosse encontrá-la tão cedo, ainda mais naquele
lugar.
— Liz, perdoe-me pela invasão, mas queria mostrar a sala de pintura ao
Sr. Stone — o reverendo falou, em tom de desculpa.
— Ah, tudo bem, a aula já está terminando — ela explicou, parecendo
tão surpresa quanto eu com aquele encontro e Norton pediu que eu o
seguisse.
Enquanto entrava, não conseguia tirar os olhos da garota. Ela estava
vestida com uma calça jeans, toda cheia de respingos de tinta, e uma regata
branca, também manchada. Os longos cabelos estavam presos em um rabo-
de-cavalo simples que deixava seu pescoço, longo e alvo, à mostra.
— Essa é Elizabeth Reagan, ela dá aulas de pintura para as crianças
como voluntária há alguns anos — ele explicou. — Liz, esse é meu amigo,
Harry Stone, ele veio nos fazer uma visita — completou.
Prontamente ela estendeu a mão e abriu um sorriso.
— É um prazer, Sr. Stone.
A forma como me tratou, deixou claro que não queria revelar ao
reverendo que já nos conhecíamos, então, apenas apertei sua mão.
— O prazer é meu, Srta. Reagan.
Liz assentiu e o padre voltou a falar do trabalho que ela fazia ali, além
das melhorias que a sala de pintura necessitava.
Enquanto caminhava pelo espaço, escutava o que ele falava, mas a toda
hora meus olhos me traíam e procuravam por ela, que a essa altura, já tinha
voltado sua atenção às crianças.
Aquele era o nosso segundo encontro e mais uma vez ela me
surpreendera. Imaginei que uma mulher com seu status, fizesse qualquer
outra coisa em um sábado de manhã, menos trabalho voluntário em um
orfanato no subúrbio.
Voltei minha atenção ao padre, mas acabei me distraindo quando notei
uma das crianças se aproximar de Liz, que logo se ajoelhou para ficar à sua
altura. O menino lhe mostrou um potinho, dizendo que sua tinta azul havia
acabado. Ela, com toda a paciência, explicou que não tinha mais aquela cor e
pediu que ele escolhesse outra.
O garotinho, que deveria ter uns quatro anos, fez bico e começou a
chorar. Imediatamente a garota o pegou no colo e o consolou com extremo
carinho, como se fosse seu próprio filho.
Fiquei observando sua expressão consternada, ela parecia realmente
triste por seus pequenos alunos não terem nem tinta para usar em suas artes.
Enquanto Liz permanecia alheia aos meus olhos de águia, lembrei-me
de minha infância. Eu cresci tendo tudo, até mesmo coisas de que não
precisava, isso sem contar todo o amor que recebi de minha família e não me
senti nem um pouco confortável ao ver uma criança, que já tinha tão pouco,
chorando por causa de uma simples tinta.
— Eu vou ajudar no que precisar, reverendo, independentemente de o
senhor me apoiar ou não — falei de maneira convicta, enternecido pela cena
que presenciei.
— Oh, mas isso é maravilhoso, Harry. — Norton parecia a ponto de
chorar. — Saiba que já o havia escolhido como meu candidato. E agora, após
garantir que irá nos ajudar sem tentar barganhar nada em troca, vejo o quanto
eu estava certo. Será um prazer apoiá-lo.
Um enorme alívio se juntou ao bem-estar que eu já estava sentindo com
minha resolução.
— Obrigado, padre.
— Nós é que agradecemos, meu filho.
Quando o reverendo pediu licença para ir falar com a Madre, tomei a
liberdade de me aproximar de Liz, que estava acabando de dispensar os
alunos.
— Espero não ter atrapalhado sua aula — falei para puxar assunto.
Ela sorriu.
— Não atrapalhou — respondeu, simpática, e começou a organizar as
telas em um canto da sala.
— Quer ajuda? — ofereci.
— Melhor não, vai acabar sujando seu terno.
— Vou tomar cuidado.
Liz deu de ombros, como se estivesse se isentando de qualquer desastre
que pudesse acontecer, e começamos a levar as telas cheias de desenhos
coloridos para o local que ela havia escolhido.
— Foi embora cedo do evento, aquele dia... — comentei.
— Ah, sim, eu estava louca para levar o Lion embora.
— Já escolheu um nome, então?
— Escolhi, ele se chama Lion Reagan — ela falou sorrindo.
Eu adorava quando ela sorria.
— Belo nome.
— Obrigada, também achei — gracejou.
Fiquei observando enquanto ela carregava a última tela, vendo o quanto
era linda.
Além de estar vestida de maneira simples, Liz ainda estava sem
nenhuma maquiagem e, mesmo assim, me atraía como nenhuma outra
mulher.
Mas não era apenas sua beleza que chamava a minha atenção. Elizabeth
Reagan também era educada, simpática e muito afetuosa. E ainda tinha
aquele sorriso genuíno e caloroso que tomava seu rosto quando ela estava
relaxada e fazendo algo de que gostava.
— Bom, eu já vou indo, obrigada pela ajuda — ela disse, desviando
meus pensamentos.
— Aceita jantar comigo esta noite?
Liz ficou surpresa com o meu convite repentino e eu também. Não
pretendia fazer isso, mas era como se não conseguisse pensar com clareza
quando estava em sua presença.
Eu sabia que ela não tinha as qualidades necessárias para ser primeira-
dama, sabia que não deveria investir em algo que não daria em nada, e com
qualquer outra pessoa eu teria ido embora sem nem mesmo pensar duas
vezes.
Mas ali, à sua frente, eu só conseguia me lembrar de que não tivera a
oportunidade de conhecê-la melhor, porque ela havia ido embora sem nem
sequer se despedir. Foi por isso que quando dei por mim, já estava fazendo
algo que, conscientemente, eu sabia que não deveria fazer.
— Acho melhor não.
Sua resposta me pegou completamente desprevenido. Já tinha feito esse
convite muitas vezes, para muitas mulheres diferentes e nunca havia recebido
um não como resposta.
— E por que não? — me vi perguntando, um tanto ofendido.
Ela suspirou fundo antes de responder:
— Sr. Stone...
— Harry, por favor.
— Harry, eu não sei se é verdade, mas houve um burburinho entre a
alta sociedade de que você estava à procura de uma noiva, então, todas as
mulheres solteiras que estavam naquele evento, tinham como objetivo
conhecê-lo e cair em suas graças. Eu, por outro lado, relutei em ir exatamente
por causa disso, mas minha mãe sempre consegue me coagir a fazer suas
vontades, por isso eu acabei indo. — Ela fez uma pausa e depois me encarou
com seus olhos que eu achei serem azuis, mas que naquele dia, devido à luz
do sol que entrava pelas janelas, estavam esverdeados. — E embora você seja
um homem bonito, interessante e com um futuro brilhante pela frente, eu não
posso deixá-lo perder seu tempo comigo, porque não sou a pessoa que você
procura.
Eu estava perplexo ao final de seu discurso e tinha quase certeza de que
isso nunca havia acontecido.
Outra coisa que nunca aconteceu, em toda a minha vida, foi ser
dispensado de uma forma tão elegante.
— Eu não sei o que dizer — confessei.
— Diga que aceita ser meu amigo — propôs, com outro de seus
sorrisos e não pude deixar de retribuir. Ela era uma princesa.
— Bom, se você não pode ser minha primeira-dama, aceito sua oferta
de amizade. E se não estou enganado, amigos também podem jantar juntos,
certo?
— Você é terrível — ela brincou, segurando uma gargalhada.
— Sou, sim — respondi sentindo que ela estava prestes a ceder apenas
para levar outro banho de água fria quando ela falou:
— Eu agradeço e me sinto muito lisonjeada com seu convite, mas a
minha resposta ainda é não. — Sorriu de um jeito gentil e passou por mim. —
Até mais, Harry e obrigada por ter me ajudado com o Lion, foi muito
importante para mim.
Eu fiquei atônito e quando finalmente acordei e pensei em falar alguma
coisa para reverter a situação, o reverendo entrou na sala com a Madre e tive
que deixar Liz ir embora sem nem ao menos pegar seu telefone.
Tanto o padre como a Madre me encheram de agradecimentos, mas
apenas metade da minha atenção estava ali, a outra metade estava longe,
repassando o momento em que a Srta. Reagan recusou meu convite.
Poderia ser contraditório, já que saí de Nova York totalmente
convencido a esquecê-la, mas não estava acostumado a ser contrariado e não
teria chegado tão longe se tivesse desistido no primeiro não que recebi.
Saí da sala de pintura com o coração batendo forte e um sorriso nos
lábios.
Stella iria me matar por ter recusado o convite de Harry, mas eu
realmente não podia alimentar esse tipo de coisa, nem na minha cabeça e nem
na dele.
Mas é óbvio que estar sendo guiada pelo único fio de juízo que me
restava não tirava a emoção de ter sido convidada para jantar com aquele
homem.
Nunca me passou pela cabeça que algo assim um dia poderia
acontecer, pensei ao correr para o carro sob o olhar surpreso de Benito.
Harry não me parecia o tipo de homem que aceitava uma rejeição
muito bem, e fiquei com medo de ele ir atrás de mim para insistir no convite.
Eu era muito boba mesmo, é claro que ele não faria isso.
Ainda assim, enquanto ia para casa, não consegui prestar atenção a
nada, minha cabeça estava imaginando como seria estar em sua companhia
em um lugar reservado, sem interrupções... Me perguntei que assuntos um
homem como ele teria para conversar comigo. Será que possuía diversos
tópicos em seu repertório ou só falaria de política?
Na mesma hora balancei a cabeça. Harry não era nenhum garotinho e já
devia ter saído com dezenas de mulheres, então, é claro que ele não falaria
apenas de política. Na verdade, se tivesse aceitado seu convite, teria que me
preocupar era comigo mesma.
Conhecendo-me muito bem, era certo que acabaria falando alguma
besteira imperdoável, que o faria se arrepender imediatamente de ter me
convidado.
Suspirei fundo e apoiei a cabeça no descanso do banco.
Eu sabia que nunca daria certo, mas tinha muita curiosidade em saber
quem era o homem por trás do empresário bem sucedido e aspirante a
político que ele envergava.
Depois de tê-lo conhecido, eu e Stella fizemos mais algumas pesquisas
e descobrimos várias coisas a respeito de sua família — e, meu Deus, que
família; seria impossível aquele homem ter nascido feio.
Mas não apenas isso, eles eram filantropos contumazes, além dos bailes
que promoviam, ainda tinham uma ONG que cuidava de pessoas necessitadas
de forma que ele havia crescido fazendo parte de tudo aquilo.
Saber disso tudo me fez pensar que não estava entrando para a política
apenas por capricho. Ele parecia realmente querer ajudar, fazer a diferença e
tudo isso apenas aumentava minha curiosidade com relação a esse homem.
Ao mesmo tempo, me fazia ter certeza de que eu não era a pessoa certa
para ele. Harry precisava de muito mais do que boa vontade e dinheiro para
ganhar aquela corrida, necessitava também da mulher perfeita ao seu lado.
Por esta razão, mais uma vez disse a mim mesma que fui correta em
declinar seu convite, tinha certeza de que se o conhecesse mais, acabaria me
envolvendo e, no final, quando ele escolhesse uma mulher completamente
diferente de mim para ser sua primeira-dama, eu seria a única desiludida na
história, passando o resto dos meus dias suspirando por ele.
Nossa, quanto drama!, pensei, dando graças a Deus ao ver que já
havíamos chegado.
Apesar de ter tentado me centrar, quando entrei em minha casa ainda
estava um pouco avoada, mas resolvi não falar nada para Stella, ela tinha
decidido não ir comigo ao orfanato, então não saberia das novidades tão
cedo. Por causa disso, fui direto ao meu quarto para descansar um pouco e
pensar em tudo o que havia acontecido.

— Você está estranha, Liz — Stella comentou, enquanto jogávamos uma


bolinha de meia para o Lion buscar do outro lado do jardim.
Nós tínhamos almoçado um pouco tarde e resolvemos ir brincar com
nosso cachorrinho, ele era ativo demais e eu já tinha percebido que quando
não conseguia extravasar sua energia, tendia a querer comer o que não devia.
— Eu sou estranha — comentei e acabamos gargalhando.
Às vezes ficava pensando em como minha vida seria vazia sem Stella,
ela era tão especial para mim, com certeza a irmã que eu sempre desejei.
Talvez fosse esse o motivo de eu estar me sentindo tão mal por ter
escondido meu encontro com Harry.
— Está bem, eu vou falar, mas só se prometer que não vai ficar
colocando caraminholas na minha cabeça.
— Eu juro — ela disse, fazendo um X com os dedos indicadores.
— Hoje de manhã eu encontrei Harry Stone no orfanato e ele me
convidou para jantar.
— Ah, meu Deus, ah, meu Deus, ah, meu Deus...
Ela começou a surtar e esperei até que seu arroubo cessasse.
— Posso continuar?
Stella assentiu, respirando fundo para se acalmar.
— Eu fiquei tentada a aceitar, mas recusei.
— Você anda comendo a merda do Lion, Elizabeth Reagan, não tem
outra explicação.
Balancei a cabeça, rindo dela.
— Stella, eu não tenho nada a ver com o perfil de primeira-dama que
ele está procurando, sem contar que não foi isso que sonhei pra mim.
— Bom, a Liz de alguns meses atrás jamais serviria para primeira-
dama, mas veja o quanto mudou, está até dando aula num orfanato.
— Não brinca com isso — pedi.
Minha rebeldia com Eleanor não tinha nada a ver com maldade e sim
com revolta.
— E como ele reagiu quando você recusou o convite?
— Não sei, não fiquei para ver.
— Eu ainda não posso acreditar que você fez isso.
Na verdade, eu também não entendia como havia conseguido forças
para recusá-lo. Qualquer mulher em minha posição teria aceitado sem hesitar,
não somente por ser quem era, mas porque ao olhar para ele, qualquer mortal
se derreteria, o homem era ainda mais bonito à luz do dia. Não tinha um
detalhe naquele rosto que não fosse perfeito. Fora todas as outras qualidades
que vinham no pacote.
— Eu que o diga, tenho que confessar que não foi fácil, mas será
melhor assim.
— Você é muito corajosa. Metade das mulheres do mundo quer aquele
homem e você foge dele. Meu Deus, porque o Senhor não me deu uma amiga
mais esperta?
Joguei a bola em Stella ao ouvir suas palavras e saí correndo para casa,
às gargalhadas, quando vi Lion pulando em cima dela, querendo brincar.
Antes de entrar, falei:
— Vamos assistir nossa série mais tarde.
— Bem mais tarde, vou descansar um pouco.
Concordei e fui direto para o banheiro tomar banho, precisava lavar o
cabelo, aquela brincadeira lá fora me fez suar.
Aproveitei que tinha um tempo livre e pintei todas as minhas unhas
com um esmalte laranja que estava louca para experimentar.
Claro que ficou bem escandaloso, mas ficaria com ele até a hora em
que Malévola me obrigasse a tirar.
Permaneci deitada, lendo um livro, até que o esmalte secasse, então fui
até meu closet e escolhi um vestidinho fluido que eu raramente usava e deixei
os cabelos soltos para secarem mais rápido.
Depois de pronta, desci para ir chamar Stella e encontrei Benito e
Consuelo, prontos para irem à igreja que frequentavam. Eles me convidaram
para ir junto, eu até gostava de ir, mas naquele dia não estava com paciência
para aguentar três horas de culto.
Quando perguntei por Stella, Consuelo disse que ela ainda estava
dormindo, mas assim que acordasse iria à mansão para ficar comigo.
Sem nada para fazer, resolvi assistir a um filme enquanto ela não
aparecia. Ao passar pela sala de visitas, vi que os porta-retratos que ficavam
sobre a cornija da lareira estavam em cima da mesa de centro e imaginei que,
enquanto limpava a sala, Stella foi fazer outra coisa e acabou se esquecendo
de colocá-los no lugar.
Fui até lá e comecei a organizá-los.
Todas as fotos contidas ali eram antigas, da época em que papai era
vivo e qualquer um que as olhasse diria que ali morava uma família feliz: o
pai, sempre sorridente, a mãe, linda em suas roupas caríssimas e a única filha,
uma mistura dos dois, parecendo uma princesa em seus belos vestidos.
Um observador mais atento, no entanto, veria que na maioria das fotos
eu sempre estava ao lado do meu pai ou em seu colo. Havia apenas uma em
que eu me encontrava entre os dois, mas em nenhuma eu estava no colo de
Eleanor.
Era revoltante saber que desde muito cedo ela já me desprezava e
disputava a atenção de papai comigo.
Balancei a cabeça em desgosto; eu jamais faria algo assim com um
filho.
Coloquei a última foto no lugar, mas perdi a vontade de ver o filme, por
isso, sentei-me confortavelmente no sofá, coloquei os pés em cima da mesa
de centro e fiquei admirando minhas unhas escandalosas.
Todo aquele ócio me fez perceber o quanto meu celular fazia falta e
mesmo não querendo gastar, seria obrigada a recorrer às minhas economias
para comprar um aparelho, nem que fosse usado, só não dava para continuar
incomunicável.
O barulho da campainha me fez dar um pulo. A princípio estranhei,
pois não ouvi o interfone do portão tocar, mas depois imaginei que fosse
Stella, ela adorava entrar pela porta da frente quando Eleanor não estava em
casa, fingindo ser uma visita ilustre.
Já rindo, caminhei até o hall de entrada, pensando se a receberia com
uma bronca ou com uma mesura. Optei pela bronca.
— Entra logo, sua besta — falei ao abrir a porta, mas na mesma hora
tapei a boca com a mão ao dar de cara com a última pessoa que imaginei ver
ali, na minha casa. — Harry, me desculpe, estava esperando que fosse minha
amiga.
Ele me deu um de seus sorrisos e eu quase derreti.
— Não se preocupe e desculpe vir sem avisar, mas nós não trocamos
telefones — explicou, colocando as mãos no bolso da calça.
Apesar de continuar formal, ele não estava usando terno, apenas calça
social cinza e uma camisa preta de botões.
— Não tem problema, entre, por favor — pedi e avistei seu segurança
ao lado de um carrão imponente que deveria valer o valor de um fígado no
mercado negro.
Harry entrou e ficou me esperando fechar a porta.
Já eu, sinceramente, não sabia o que fazer com as mãos, imagina pensar
em alguma coisa para falar com aquele homem.
— Deve estar estranhando a minha visita — expressou, enquanto
passava os olhos pelo ambiente.
— Estranhando é pouco.
— Vai acreditar se eu disser que vim ver o Lion? — brincou de um
jeito charmoso e senti um negócio revirando pelo meu estômago.
Ele era gato demais, tipo, muito, muito mesmo.
— De minha parte seria inteligente acreditar que sim.
Ambos sorrimos e o silêncio voltou a reinar.
— Ainda quero jantar com você.
Uau! Ele me deixou sem reação.
— Por que eu, Harry?
— E por que não você?
Aquela conversa era tão estranha e sedutora ao mesmo tempo.
Eu não sabia nem o que conversar com um homem como ele. Harry era
lindo, rico e inteligente demais para se interessar pela garota pobre e sem
qualquer expressividade no meio social, por isso, eu realmente não o
entendia.
— Por que está perdendo seu tempo comigo? Um jantar não vai mudar
em nada a nossa situação, não vai mudar quem eu sou.
Dessa vez ele não sorriu, apenas estreitou os olhos, como se tivesse
considerando algo.
— Você disse que poderíamos ser amigos.
— E podemos, mas não preciso sair com você para provar nossa
amizade — ele sorriu. — É sério, não gaste seu dinheiro comigo.
Ele riu do meu comentário idiota, óbvio que um jantar a mais não faria
diferença em sua conta bancária. Então ficou sério novamente.
— O problema sou eu ou o convite para jantar?
Ergui as sobrancelhas em descrédito, mas quando ele permaneceu
calado, esperando minha resposta, falei:
— Olhe para você, Harry, óbvio que o problema sou eu.
— As mulheres geralmente falam isso quando querem dispensar um
cara.
Balancei a cabeça, rindo de sua resposta bem humorada.
— Segundo a minha melhor amiga, você é o tipo de homem que 90%
das mulheres quer pegar.
Harry gargalhou.
— Pegar?
— Sim, pegar, beijar, namorar e arrastar para o altar — brinquei.
— Você não existe, Liz. Mas agora fiquei curioso.
— Curioso?
Ele balançou a cabeça afirmativamente.
— Sim. Por acaso você também se inclui nesses 90%.
Fiquei vermelha feito um pimentão, ele era direto demais e estava
mexendo com a minha cabeça.
— Acho que ainda não tenho uma opinião formada com relação a isso.
Era óbvio que eu tinha, mas não dava para bancar a deslumbrada, já
bastavam meus olhos, que a toda hora me traíam.
Antes que pudesse continuar a conversa, seu celular começou a tocar.
Sem tirar os olhos de mim, ele atendeu:
— Estou ocupado, Lexy.
O tom que usou era totalmente diferente do que usava ao falar comigo,
não chegava a ser grosseiro, mas possuía um quê de ‘não me incomode
agora’.
— Ainda estou decidindo se volto para Nova York hoje ou não —
respondeu, ainda me encarando.
Será que ele tinha ficado por minha causa?
Senti a barriga ficar gelada com essa possibilidade.
— Conversamos quando eu chegar — falou e desligou.
Então guardou o telefone no bolso e se aproximou.
Quando parou, bem próximo a mim, senti seu perfume invadindo
minhas narinas e alguma coisa atravessar minha coluna.
Ter o corpo daquele homem tão perto do meu, me deixava
completamente sem ação.
— Eu fiquei em Washington exclusivamente para jantar com você,
então, se sua resposta ainda for não, essa é a hora de me falar.
Senti um aperto no peito com a ideia de vê-lo indo embora. Foi algo
rápido, meio desesperador e completamente sem sentido.
Por que eu estava sentindo aquilo por um cara a quem vi apenas três
vezes na vida?
Talvez porque ele fosse galante demais e tivesse te tratado como uma
princesa desde o dia em que a conheceu, minha mente sugeriu, mas
imediatamente balancei a cabeça tentando dissipar esses pensamentos.
Eu deveria manter minha linha de raciocínio e negar seu convite pela
terceira vez, mas com ele tão perto, seu olhar, seu cheiro...
— Tudo bem, eu aceito.
Eu ainda custava acreditar que estava na casa de Liz Reagan, sentado
em sua sala, esperando que ela terminasse de se arrumar.
Apesar de não ser o tipo de cara que desiste das coisas no primeiro
obstáculo, nunca precisei usar minha tenacidade na hora de conquistar uma
mulher. Mas a recusa de Elizabeth Reagan não me caiu muito bem, e depois
de algumas horas pensando a respeito, decidi ir até sua casa para uma última
tentativa.
Aquela mulher tinha me intrigado de uma forma inexplicável e sua
postura elegante ao me dispensar, acabou me deixando ainda mais
interessado.
O fato de ela fazer trabalho social naquele orfanato também lhe rendeu
muitos pontos em relação as outras mulheres que conheci. Acho que as
únicas coisas que ainda me preocupavam era sua pouca idade e o fato de não
ter uma faculdade, algo que, para mim, não fazia a menor diferença, mas para
a mídia, correligionários e boa parte do eleitorado, dizia muito a respeito de
mim, o que era ridículo.
Claro que talvez meus marqueteiros pudessem dar um jeito nisso, mas
antes de tomar qualquer decisão, eu precisava ter mais um tempo com ela
para saber até onde iria esse meu repentino interesse.
Sim, Liz era linda, educada, espontânea, humilde, bondosa e
extremamente divertida e talvez por ser tão diferente do que eu estava
acostumado, tivesse me atraído tanto. Mas isso não queria dizer que esse
fascínio iria perdurar, uma vez que nunca tinha acontecido. Exceto com
relação a Lexy, que tomou conta dos meus pensamentos desde os quatro anos
de idade, até o dia em que ficamos juntos e descobrimos que éramos
melhores como amigos do que como amantes.
O engraçado era que não poderia haver duas pessoas mais díspares
entre si do que Liz e Lexy. Ao mesmo tempo, as duas se destacavam por
serem diferentes das demais.
Dispersei meus pensamentos quando ouvi barulho de salto.
Levantei-me e caminhei até o hall de entrada a tempo de ver Liz
descendo as escadas e me deixando totalmente perturbado.
Ela estava usando um vestido preto colado, com um decote que
destacava seus seios, sem mostrar demais. Os cabelos, levemente ondulados,
estavam soltos, do jeito que eu gostava e o rosto tinha pouquíssima
maquiagem, algo que eu apreciava muito também.
Vendo meu olhar de admiração, ela abriu seu sorriso mais
característico: doce, com uma pitadinha de malícia, como se estivesse me
achando engraçado.
— Estou pronta.
— E linda — completei, e dessa vez recebi um sorriso envergonhado,
acompanhado de bochechas coradas.
Ela era adorável.
— Obrigada. Dê-me apenas um minuto para eu avisar minha amiga que
estou saindo — ela pediu, mas quando viu meu cenho franzido, explicou que
o motorista e a cozinheira que trabalhavam na casa há anos, eram como sua
família e que a filha deles era sua melhor amiga.
Assenti, ainda digerindo suas palavras, e ela se foi, sumindo por um
corredor, deixando o cheiro do seu delicioso perfume pairando pelo ar.
Sua ausência me fez questionar que tipo de pais ela teve, para
considerar como família, pessoas que não eram seus parentes. Tinha certeza
de que aquilo era algo que nunca entenderia, uma vez que tanto eu quanto
meu irmão fomos criados com muito amor por parte de todos os adultos que
nos rodeavam.
Minha mãe ficou três anos sem trabalhar, apenas para cuidar de mim e
quando Dominic nasceu, foi do mesmo jeito. Assim que começamos a
estudar, ela fazia questão de nos levar e pegar no colégio e nos dias em que
não podia, era meu pai quem fazia isso. Não sei quantas vezes ouvi algum
deles dizer que encerrou alguma reunião no meio porque precisava ir pegar
os filhos na escola.
Além deles, ainda tinha meus avós, que sempre foram presentes, e
meus tios, Lou e Tony, que criaram seus filhos do mesmo jeito. Desse modo,
considerar qualquer outra pessoa como família em detrimento deles, era algo
inconcebível para mim.
Liz não demorou a voltar e quando parou ao meu lado seu perfume
voltou a me inebriar.
Ao sairmos, Zed estava à postos e abriu a porta traseira do carro. Dei
passagem para que Liz entrasse primeiro e segui logo atrás.
Ao me acomodar, vi que ela olhava ao redor, prestando atenção aos
detalhes do carro, então, sem qualquer constrangimento, soltou um assobio
engraçado.
— Meu pai tinha um carro desses quando eu era criança, não era tão
moderno e chique assim, mas o modelo era igualmente bonito.
Zed me olhou pelo espelho e prendeu uma risada.
— O que foi, falei alguma besteira ou nunca saiu com uma mulher que
gostava de carros?
— Só estou surpreso.
— Pois saiba que muitas gostam ou acha que todas elas saem com você
apenas por causa desse rostinho bonito?
Soltei uma gargalhada e dessa vez nem mesmo Zed conseguiu se
conter.
Eu sabia que Liz estava brincando, mas esse seu jeito me deixava
encantado, porque parecia genuíno, como se o seu filtro realmente estivesse
entupido o tempo todo.
O trajeto até o restaurante foi permeado de uma conversa descontraída.
Até mesmo Zed se viu respondendo às suas perguntas sem pé nem cabeça, o
que nos arrancou boas risadas.
— Seu motorista deve ter me achado uma doida, não é?
— Tenho certeza de que ele nunca se divertiu tanto — garanti quando
entramos em um dos restaurantes mais requintados dos arredores de
Washington.
Eu o escolhi não pelo status, mas porque o ambiente era muito
acolhedor e bem reservado, porém, o principal motivo foi porque ficava
longe do centro, não queria encontrar paparazzi e nem causar burburinho.
O terceiro fator para a escolha foi o fato de ser italiano, não estava a
fim de levá-la a um restaurante onde só haveria pratos mirabolantes.
O garçom nos guiou até a mesa que Lexy conseguiu de última hora e
assim que nos sentamos, senti que Liz parecia desconfortável.
— O que foi, algum problema?
— Eu nunca estive em um lugar assim. — Quando levantei uma
sobrancelha em questionamento, ela explicou: — Não costumo sair muito,
mas fique tranquilo, eu sei usar os talheres.
Congelei com suas palavras e quando dei por mim, estava gargalhando
mais uma vez.
— Pelo amor de Deus, Harry, pare de rir, as pessoas estão olhando —
ela pediu, o rosto vermelho de vergonha ao ver vários olhares sobre nós.
— Me desculpe, não consegui segurar.
— Continue rindo assim e daqui a pouco vai estar cheio de rugas ao
redor dos olhos.
Mais uma vez tive que me conter, a garota era demais.
— Pois saiba que eu não rio assim há anos — minha confissão fez um
sorriso brotar de seus lábios. — E tem mais. Eu não ligo para o fato de você
saber ou não usar os talheres, porque se não soubesse, eu poderia lhe ensinar.
Seu sorriso se alargou.
— Bom saber, porque há muitas coisas que eu não sei — admitiu e não
pude deixar de admirar sua sinceridade.
Depois de olhar o menu por alguns segundos, falou:
— Tudo nesse cardápio me parece tão delicioso que não consegui me
decidir. Você sugere alguma coisa?
Mostrei a ela os pratos mais gostosos que já provara ali e acabamos
escolhendo o mesmo: linguini com frutos do mar. Na hora de escolher o
vinho, ela me deu sugestões, comentando que seu falecido pai tinha uma
ótima adega em casa e que por causa dele havia se interessado pela bebida.
Não houve momentos constrangedores durante o jantar, Liz apenas
conversava comigo, falava o que vinha à cabeça sem se importar com o que
eu iria pensar, e isso me deu a certeza de que não havia um personagem ali,
estava simplesmente sendo ela mesma e eu gostava disso, gostava muito.
Quanto mais se mostrava, mais eu percebia o quanto estava farto das pessoas
que me rodeavam, com seus gestos e falas ensaiadas visando apenas me
agradar.
— Nossa, fazia tempo que eu não comia uma coisa tão boa — elogiou
ao terminar o Tiramisu que pediu de sobremesa.
Ela comia com gosto, algo completamente incomum para mim,
levando-se em conta que a maioria das mulheres sobrevivia à base de folhas e
frango grelhado, isso quando não eram vegetarianas e ficavam apenas na
salada; essas eu até entendia, nem todos os restaurantes dispunham de
opções... Mas ver uma mulher apreciar uma refeição assim, era reconfortante
e extremamente divertido.
— Posso repetir? — pediu com olhar de cachorro que caiu da mudança.
— Quantas vezes quiser — respondi, segurando um sorriso, e olhei ao
redor, à procura do garçom que estava nos atendendo.
Quando Liz terminou o segundo Tiramisu, eu pedi a conta. Antes que o
rapaz se afastasse, ela o chamou e falou algo em seu ouvido. Fiquei curioso,
mas ela apenas me olhou com uma expressão travessa.
Cinco minutos depois, o garçom retornou com a conta em uma mão e
um saco na outra. Obviamente, pensei que ela tivesse pedido outra sobremesa
e não me falou nada por vergonha, mas não perguntei para confirmar.
Ao sairmos do restaurante, Liz quis saber se poderíamos dar uma volta
pela cidade. Nós estávamos em Georgetown e como ela nunca havia ido ali,
queria aproveitar para conhecer.
Pensei em negar, devido à segurança, mas a garota estava tão falante e
sorridente, que não tive coragem.
Entramos no carro e enquanto ela falava com meu motorista e amigo,
comecei a prestar atenção no número de coisas que fiz desde que conheci
Elizabeth Reagan e que, em meu estado normal, nunca faria. Eu estava
quebrando algumas de minhas regras e isso era algo que deveria me deixar
em alerta.
Antes que pudesse concluir meus pensamentos, Zed parou o carro
próximo ao Waterfront. Eu já havia ido a um restaurante localizado ali, mas
nunca tive interesse em conhecer o lugar, tão visitado por moradores e
turistas.
Ela saltou, com o saco de papel na mão, e foi me encontrar do outro
lado.
— Venha, vamos andar por aqui — falou, pegando minha mão.
Minutos depois, estávamos caminhando pela orla do rio Potomac.
Logo, vi um de meus seguranças passando por nós para ficar à nossa
frente, enquanto Zed permanecia atrás. Por ser sábado, havia uma boa
quantidade de pessoas ali, o que os deixou em alerta o tempo todo.
Liz, por outro lado, parecia totalmente alheia àquela movimentação,
olhando para tudo com genuína fascinação.
Balancei a cabeça, imaginando o que minha equipe pensava quando eu
decidia fazer passeios de última hora.
Exceto que eu nunca fazia isso. Nunca saía do cronograma, pensei.
Quando chegamos em frente à fonte, ela parou, encantada com a dança
das águas e suas luzes coloridas.
Ao olhar para os lados, vi casais de namorados, assim como grupos de
famílias apreciando o pequeno espetáculo.
Liz riu muito quando um garotinho se soltou da mão da mãe e saiu
correndo em direção à água, sendo seguido pelo pai que voltou segundos
depois com o filho no colo.
Acabei rindo também e me dei conta de que estar ali foi a coisa mais
estranha e divertida que fiz nos últimos anos.
— Como é ser você, Harry? — Liz quis saber quando voltamos a
andar.
A pergunta me deixou pensativo, nunca haviam me questionado aquilo
antes.
— Às vezes é cansativo, mas no geral, é bom... A verdade é que eu não
tenho muito tempo para pensar nisso, levo uma vida muito ocupada.
— Nada de diversão, então?
Sorri e meneei a cabeça.
— Só o suficiente.
Ela franziu o cenho e torceu a boca para um lado, como se não tivesse
gostado da resposta. Então, dirigiu-se para a escadaria que ficava de frente
para o rio. Sem se preocupar com o vestido que estava usando, sentou-se num
dos últimos degraus e fui obrigado a fazer o mesmo.
Enquanto Liz mantinha sua atenção nos patos que ficavam ali,
recebendo alimento dos visitantes, fiquei admirando seu perfil.
Ela tinha o rosto tão delicado, sua pele macia parecia feita de
porcelana, os lábios eram cheios e aqueles olhos furta-cor, um espetáculo à
parte.
Desci o olhar por seus cabelos e senti vontade de tocá-los para ver se
eram tão macios quanto pareciam, mas não o fiz. Apesar de sua
espontaneidade, Liz não dava ares de ser muito experiente e não queria
assustá-la.
Então, ela abriu o saquinho do restaurante, tirou algo lá de dentro e
falou:
— Abre a mão.
Fiz como pediu e no instante seguinte havia um punhado de pão
cortado.
— Vamos alimentar os patinhos — disse ela, sorrindo da minha
estupefação e começou a jogar pedaços em direção ao rio.
Eu sorri e comecei a fazer o mesmo, mas minha vontade era puxar sua
cabeça e beijá-la por conseguir me surpreender a todo momento.
— Você acha que vai gostar de viver na Casa Branca?
Mais uma vez ela me pegou de surpresa.
Eu sempre me imaginei no Salão Oval, comandando o mundo e
fazendo coisas que só cabiam a um presidente. Sempre que pensava nisso,
um sentimento de poder tomava meu corpo e isso me dava ainda mais
vontade de correr atrás do meu sonho, no entanto, nunca me perguntei como
seria viver na Casa Branca, com minha esposa e, quem sabe, filhos.
— Espero que sim. Renunciei a muita coisa durante a minha vida para
um dia me tornar o candidato ideal.
— Como assim?
— A primeira vez que falei sobre ser presidente dos Estados Unidos, eu
estava com quatro anos de idade.
— Meu Deus, isso é sério?
— Sim. Claro que logo depois, com colégio e tudo mais que acontece
na vida de um garotinho, essa ideia ficou guardada, mas não esquecida. Aos
dez anos, quando visitei Washington pela primeira vez, essa vontade voltou
forte e desde então, eu comecei a me preparar para isso. Sempre fui muito
focado e calculei todos os meus passos para que minha vida fosse
irrepreensível, para que minha reputação fosse, de certa forma, imaculada.
— Você não namorou?
Tive que rir, ela era muito inocente.
— Claro que sim, e quando era adolescente consegui aproveitar um
pouco a vida, porém, nunca me meti com pessoas de reputação questionável
ou em qualquer tipo de confusão. Logo que terminei a universidade, comecei
a trabalhar nas Indústrias Stone junto com meu pai. Alguns anos depois, eu
me tornei o CEO da empresa, mas meu foco sempre foi conquistar a
presidência do país, por isso levo uma vida regrada e discreta.
— Nossa, então eu te devo desculpas por ter pedido que me trouxesse
aqui, não devia ter feito isso.
— Não se preocupe, está tudo bem — respondi, mas vi que ela
continuou cabisbaixa, por isso reiterei: — É sério, se esse passeio fosse me
causar algum problema, eu não teria vindo.
Liz encarou meu rosto, circunspecta, como se estivesse pensando em
tudo o que eu havia lhe falado.
De repente, sua testa se franziu e fiquei imaginando o que se passava
em sua cabeça. Quando ela mordeu o lábio, meu olhar se direcionou para
aquela boca convidativa.
Por também estar prestando atenção em mim, Liz viu onde estava meu
foco e desviou o olhar, enrubescida, e começou a falar do reverendo Norton.
O assunto nada tinha a ver com nossa conversa, mas não tive outra
alternativa a não ser sustentá-lo.
Ela, é claro, ficou muito animada ao saber que eu iria ajudar a reformar
o orfanato e vi o quanto seus olhos brilharam enquanto eu falava das coisas
que pretendia fazer.
— Não tem ideia do quanto fico feliz em saber que poderá ajudar
aqueles pequenos. Eles são tão maravilhosos, me ensinam tanto, e me corta o
coração não poder fazer mais — disse, os olhos cheios de lágrimas.
Aquilo me comoveu. Liz era tão nova, mas se mostrava tão forte.
Apesar de não saber mais do que o que ela me contara e do que havia
em sua ficha, tinha a impressão de que sua vida não era muito fácil, pois
aquele tipo de força e até mesmo algumas das qualidades que demonstrava
ter, provinham de certo grau de sofrimento.
Então, por que não a escolhe?
Esse pensamento me pegou desprevenido, mas não quis me ater àquilo
naquele momento, estar perto daquela garota dificultava minha linha de
raciocínio e não me deixava ter um julgamento claro.
Quando Liz se cansou do passeio, seguimos para sua casa e mais uma
vez ela deu um show de simpatia.
A todo momento Zed me olhava através do espelho retrovisor como se
aprovasse tudo o que via ali, eu, no entanto, só conseguia pensar que nossa
noite estava chegando ao fim e quando o carro parou em frente aos portões,
desejei ter mais algum tempo com ela.
— Foi uma noite maravilhosa, Harry, muito obrigada — ela agradeceu
no momento em que paramos em frente à porta de entrada de sua casa
— Concordo e acho que devemos repetir — sugeri e ela mais uma vez
me encarou com aquele olhar travesso.
Então fixou os olhos em minha boca de um jeito sugestivo e eu me vi
preso naquele olhar, naquele momento, despertando apenas quando ela deu
um passo à frente, espalmou as duas mãos em meu peito e me deu um beijo
no canto da boca.
Ao sentir seus lábios macios, eu quis ir além, aliás, desde que a
conheci, eu quis fazer muita coisa, ultrapassar vários limites. Por isso, antes
que ela se afastasse, agarrei sua cintura e, gentilmente, para não assustá-la,
prendi seu corpo contra ao meu.
Ela suspirou, mas não se afastou, mantendo nossos rostos a centímetros
um do outro.
Eu sabia que não podia brincar com seus sentimentos, mas quando dei
por mim, minha boca já estava procurando pela dela.
E aquilo foi o meu fim.
Os lábios de Elizabeth tinham um sabor incomparável e o gemido que
soltou quando enfiei a língua em sua boca, fez com que eu colasse meu corpo
ainda mais ao dela. Ao fazer isso, peguei-me imaginando como seria tê-la em
meus braços de maneira mais íntima.
Assim que nos separamos, percebi que aquele simples beijo tinha
despertado mais emoções em mim do que senti em qualquer um dos
relacionamentos que tive durante a minha vida.
Ela possuía um charme inexplicável que estava me deixando cada vez
mais encantado, confuso, rendido.
Que diabos estava acontecendo comigo?
Durante minha vida inteira, mantive a mente ocupada por estudos,
compromissos e uma agenda rigorosa, não havia tempo para pensar em
qualquer outra coisa, mas, estranhamente, desde o momento em que deixei
Liz em casa, não conseguia parar de pensar no gosto de seu beijo e na
sensação de tê-la em meus braços.
Por que ela provocava esse tipo de coisa em mim?
— Filho, estou te achando meio distante — mamãe comentou durante o
almoço.
Tinha voltado para Nova York logo após o jantar que tive com Liz e
acordei cedo para ir visitar meus pais, fazia tempo que estavam me cobrando
essa visita.
— Só estou preocupado com a aproximação do lançamento da minha
campanha.
— Entendo, mas não deixe que isso o consuma. Estou rezando para que
tudo isso acabe logo e você seja eleito. Também espero que esses quatro anos
passem voando para você finalmente conseguir aproveitar a vida.
Mamãe tinha muito orgulho dos meus passos e principalmente da
minha determinação em um dia conseguir chegar à Casa Branca, no entanto,
ela ainda achava que minha vida possuía pouca diversão.
— Se eu gostar, posso tentar uma reeleição — comentei para deixá-la
irritada e recebi um de seus olhares matadores.
— E como anda a seleção para sua primeira-dama? — papai perguntou
e mais uma vez mamãe demonstrou irritação.
— Conheci uma pessoa, mas... — parei e recebi olhares curiosos.
— Ah, meu Deus, esse seu mas, odeio quando você o coloca no meio
de suas frases. Vamos ver se eu adivinho. Pela forma como falou, a garota te
agradou, mas não se enquadra no perfil de primeira-dama.
Foi minha vez de encarar minha mãe com ar perplexo.
— Não sei o porquê de tanta surpresa — ela argumentou.
— Não se assuste, filho, sua mãe é meio bruxa, às vezes — papai
brincou, mas minha mãe continuava com seus olhos verdes fixos em mim,
esperando uma resposta.
— É mais ou menos isso, mamãe.
Ela deixou o que estava fazendo de lado e sentou-se ao meu lado.
— Harry, se você gosta dela, tente transformá-la em sua primeira-
dama. Seu pai também não era meu sonho de consumo e veja só o milagre
que eu fiz.
Gargalhei com a comparação que ela fez e papai também não se
conteve, pois já estava acostumado com a sinceridade da esposa.
— Eu sei, mãe, por isso estou analisando todas as situações, sei que o
casamento é o próximo passo, e quero ter, ao menos, alguma afeição pela
mulher que vai ficar comigo pelos próximos quatro anos.
Recebi mais um olhar reprovador. Não era segredo que caso eu não me
encantasse por alguém, teria que me casar com a mulher mais apropriada de
nossa lista.
Quando a ideia do casamento por conveniência foi levantada, eu fui
totalmente contra, mas agora, com a aproximação do lançamento da minha
campanha, não tinha tempo para ficar procurando, precisava agir e escolher a
mais adequada.
Ao menos, isso era o certo a fazer.
— Fale-me dessa moça, já estou curiosa para conhecê-la — mamãe
pediu.
— Ela se chama Elizabeth Reagan, mora em Washington, tem uma mãe
terrível e dá aulas de pintura em um orfanato no subúrbio da cidade.
— Uau, gostei dessa descrição. E fisicamente, como ela é?
Minha mãe era o ser mais curioso do mundo e amava detalhes.
— Ela é linda, cabelos tom de chocolate, olhos verdes... ou azuis,
depende da luz ou de seu humor, e um sorriso digno de princesa. Mas foi o
seu jeito que me deixou interessado, ela é gentil e louca ao mesmo tempo,
não sei explicar.
A troca de olhares entre meus pais me fez perceber que tinha falado
demais.
— Sua mãe era assim, gentil e louca, então, tome cuidado, essas são as
piores — papai alertou e mamãe continuou me olhando de um jeito estranho.
— O que foi? — perguntei.
— Moça bonita, meiga, louca e que dá aula de pintura para órfãos? A
coisa está cada vez melhor. Sinto cheiro de romance, mais do que isso, já
consigo sentir cheiro de netos.
Mais uma vez fui obrigado a gargalhar, mamãe era uma mulher muito
espirituosa.
— Eu mal conheço a garota e você já está pensando em netos? —
brinquei.
— Claro que sim, especialmente agora que sei que está interessado por
alguém, isso me deixou extremamente feliz, posso imaginar o quanto deve
ser triste ter que se casar por conveniência — comentou com pesar.
Eu pensava como ela, mas ainda era cedo para cogitar casamento com
Elizabeth, havia muita coisa em jogo.
— E aí, quando vão se ver novamente? Já trocaram telefones?
— Ela está sem telefone, caiu na piscina ou algo assim.
— Essa Elizabeth está me deixando cada vez mais intrigada. Quem
atualmente fica sem telefone? — mamãe questionou e me fez pensar a mesma
coisa.
— Ela disse que não sente falta, mas que iria providenciar um aparelho.
De qualquer forma, eu lhe dei meu número.
Mamãe me encarou com a expressão incrédula.
— Pelo amor de Deus, não acredito que ainda não deu um celular para
essa moça?
— Elizabeth não é nenhuma morta de fome, mamãe, se não comprou
outro aparelho deve ter seus motivos e eu não quis ser indelicado, ela poderia
encarar isso de outra forma, sei lá...
— Aff, desde que o mundo é mundo as mulheres amam ganhar
presentes, isso inclui celular, meu filho. Apenas diga que comprou o aparelho
por que estava ansioso para falar com ela.
— Vou pensar no assunto — menti.
A ideia era boa, assim como a desculpa e estaria mentindo se dissesse
que aquilo não me passou pela cabeça, mas depois de muito pensar, acabei
desistindo e decidi esperar que ela entrasse em contato. E isso não tinha nada
a ver com orgulho, eu simplesmente não queria me impor a ela mais do que
já havia feito.
Elizabeth não era como as outras garotas, de forma que eu precisava ser
cauteloso, pelo menos esses próximos dias, mas, uma coisa era certa, se ela
não me ligasse, eu pretendia ir à casa dela novamente.
Depois de ter descoberto a existência de Liz, mamãe a tornou o assunto
do almoço. Como eu não tinha segredos com os meus pais, não tive maiores
problemas em responder às perguntas que fizeram com respeito a ela.
Infelizmente eu não sabia muita coisa, então enrolei da melhor forma que
pude, mas, no final, muitas perguntas ficaram sem resposta.
Quando estava prestes a ir embora, Dominic apareceu.
Meu irmão era o completo oposto de mim e nossas diferenças
começavam pelas roupas que vestia. Como até hoje ele não quis colocar o
que aprendeu na universidade em prática, estava sempre de jeans preto,
rasgado nos joelhos e camisetas da mesma cor, além da jaqueta de couro,
uma vez que praticamente só andava de moto.
Dom também adorava pulseiras e os escapulários que comprou em
viagens que fez para América do Sul e Europa; sempre andava com mais de
um pendurado no pescoço. Fora isso, ele vivia com a barba por fazer e seu
cabelo estava sempre bagunçado, como se tivesse acabado de acordar.
Todo aquele conjunto bad boy era um chamariz para garotas.
Mamãe dizia que ele era uma cópia fiel do meu pai na época em que se
conheceram, enquanto eu, tinha puxado meu avô, Harvey Stone.
— Quer dizer que o futuro presidente dos Estados Unidos lembrou que
tem família? — brincou ao me abraçar.
— Como você está?
— Na verdade, estou puto da vida com você — falou, mas havia um
sorriso em seus lábios.
Ele foi até nossos pais, os cumprimentou com beijos e abraços e todos
voltamos a nos sentar na sala.
— Estou curioso para saber porque está puto comigo — falei, fazendo
aspas na palavra puto.
— Estou tentando traçar uma garota há semanas e adivinha porque ela
não quer sair comigo?
— Por que você é um playboy boa vida que só acorda depois do meio
dia? — mamãe sugeriu e todos gargalhamos.
Ela era demais.
— Também, mas além disso, descobri que ela faz parte do fã-clube do
seu filho mais velho — admitiu com uma careta e se virou para mim. —
Porra, Harry, mesmo estando fora de circuito você me atrapalha.
Balancei a cabeça, rindo dele, assim como nossos pais.
— Não tenho culpa se as mulheres preferem homens de negócios.
— Nem me fala, estou quase colocando um terno só pra sair com essa
louca — ele brincou e bateu a mão no sofá ao seu lado. — Venha aqui, minha
Julieta, estou carente, precisando de carinho — disse, todo manhoso.
Mamãe foi até ele, colocou sua cabeça no colo e alisou seus cabelos.
Olhei para meu pai e ambos sorrimos. Sabia que ele, assim como eu,
gostava de ver Dom daquele jeito, especialmente porque quando garoto, meu
irmão era muito arredio, o que foi motivo de preocupação para todos nós.
O fato de os meus pais precisarem se preocupar com a personalidade
introvertida do filho mais novo, fez com que minha relação com eles se
tornasse um pouco mais séria, entretanto, eu adorava ver a forma como os
três interagiam hoje e principalmente o fato de Dom ter superado o ciúme que
sentia de mim e se tornado meu amigo.
Ficamos conversando por mais de duas horas. Meu irmão tinha uma
energia contagiante: era falante, engraçado e prendeu a atenção de todos nós
com suas histórias. Cada uma mais louca que a outra.
Ao ver o quanto eu fiquei horrorizado com o que dizia, Dominic
prometeu que ficaria longe de confusão, ele sabia que suas atitudes poderiam
respingar em mim e atrapalhar minha campanha; isso me deixou aliviado.
Saí da casa dos meus pais no meio da tarde e segui direto para minha
cobertura.
Mesmo lá, continuei evitando as ligações de Lexy e Allen, tiraria o
resto da tarde para pensar, já que muitas decisões precisavam ser tomadas e
eu refletiria melhor se não tivesse interferência.

Na segunda-feira eu cheguei cedo às Indústrias Stone e como de


costume, cumprimentei todos os funcionários que encontrei pelo caminho, a
maioria deles parecia feliz em me ver... menos minha assessora.
— Bom dia, Lexy — falei ao passar pela recepção da presidência
depois de cumprimentar minha secretária.
— Eu te liguei o fim de semana inteiro — ela vociferou quando
entramos em meu escritório.
Zed fechou a porta e se posicionou ao lado dela.
— Estive ocupado — respondi e destranquei minha maleta.
— Já estou sabendo que você esteve com alguém, mais precisamente,
Elizabeth Reagan.
Olhei para Zed que ergueu as mãos em sua defesa.
— Não foi ele, não esqueça que você tem outros seguranças. Mas
agora, vamos ao que interessa, o que você quer com essa garota?
— Como assim, o que eu quero?
Lexy suspirou e depois caminhou pelo escritório.
— Eu já havia pedido para Zara descartar a pasta dessa moça, Harry,
ela não serve. Na verdade, ainda não entendi por que foi convidada para o
baile.
Lexy estava irritada e ela só demonstrava esse tipo de comportamento
quando as coisas saíam do seu controle.
— E por que ela não serve?
Dessa vez ela bufou.
— Por favor, não me faça perguntas às quais você já sabe a resposta.
Será dificílimo eleger você como o presidente mais novo da história, mas se
ao seu lado tiver uma primeira-dama tão jovem e sem formação, será
praticamente impossível. Seus adversários irão massacrar você e a imprensa
se banquetear com essa história — falou passando a mão pelos cabelos. —
Pense comigo, a garota está com vinte e três anos agora; até o anúncio da sua
candidatura terá acabado de fazer vinte e quatro o que significa que, no dia da
eleição, ela ainda terá vinte e cinco. Para o mundo da política isso é
inaceitável.
Permaneci calado, não querendo concordar e ela se irritou.
— Santo Deus, Harry, acorde! Ela acabou de sair das fraldas!
Os argumentos de Lexy eram muito bons e eu certamente já tinha feito
as contas e pensado em tudo isso e no que minha equipe precisaria fazer para
transformar Elizabeth em uma primeira-dama aceitável.
Mas ainda não era hora de discutir esse tipo de coisa, primeiro eu
precisava saber se o fato de ela não sair dos meus pensamentos significava
algo mais.
— Preciso que cancele meus compromissos de sexta, vou viajar —
falei, ignorando seu discurso.
— Deixe-me adivinhar. Vai para Washington atrás de Elizabeth? — ela
questionou cheia de sarcasmo.
— E se for, Lexy?
Os olhos de minha assistente se arregalaram e depois ela encarou Zed.
— Que diabos aconteceu nesse encontro? O que essa garota fez com
ele?
Esforcei-me para não rir.
— Por tudo o que vi, ela simplesmente foi ela mesma, ou seja, uma
mulher adorável — Zed concluiu, para desespero da minha amiga.
— Se eu tivesse ido junto, nada disso teria acontecido. Eu falei para
você tomar conta dele! — ela repreendeu meu chefe de segurança como se eu
fosse uma criança de dez anos que precisava de um adulto por perto.
— O Sr. Allen e a Srta. Becker chegaram, Sr. Stone. — A voz de
minha secretária soou pelo interfone interrompendo a discussão.
Lexy fez uma careta e se encaminhou para o banheiro que ficava anexo
à minha sala.
— Pode mandá-los entrar — falei e na mesma hora Zed abriu a porta
para lhes dar passagem.
— Boa tarde, Stone, como vai? — perguntou Allen, expansivo como
sempre.
— Muito bem, obrigado. Cathy, como você está?
— Olá, Harry, eu estou ótima, obrigada por perguntar.
Sorri e indiquei o sofá para que ficássemos mais à vontade.
— Vocês aceitam algo para beber, café, água?
Ambos negaram e eu resolvi iniciar a reunião:
— E então, alguma novidade?
— Sim. O comitê de Nova York já está pronto. Por isso eu trouxe
Cathy comigo. Enquanto eu estiver no Sul em busca de apoiadores, ela ficará
responsável por fazer a contratação do pessoal que trabalhará conosco e,
claro, ficará a sua disposição para o que você precisar.
— Ótimo. E quanto ao comitê em Washington?
— Ele será o próximo — foi Cathy quem respondeu. — O prédio já
está quase terminado e os equipamentos encomendados. Acredito que em
duas semanas estará tudo pronto.
— Perfeito — falei, satisfeito por ver as coisas acontecendo.
— E quanto à sua noiva? Alguma novidade? — Allen perguntou e eu
não soube o que responder, afinal, não podia dizer nem que sim e nem que
não.
— Bom, eu encontrei algumas moças...
Antes que eu pudesse concluir, Lexy voltou à sala, chamando a atenção
de todos, como acontecia em qualquer lugar que ela estivesse.
— Boa tarde — falou secamente, sem nenhuma animação por encontrar
meus visitantes e se sentou na poltrona.
Após os cumprimentos, Allen voltou ao assunto:
— O que você estava falando com relação à noiva?
— Que havia algumas moças com potencial naquele baile, mas...
— Mas ele resolveu optar pela menos qualificada — Lexy se
intrometeu e tive vontade de arrancar sua língua grande.
Ela, obviamente, não se importou com minha cara feia e apenas deu de
ombros.
— Na minha opinião, você deve escolher uma pessoa com quem tenha
afinidade, nosso marketing fará de tudo para torná-la aceitável aos olhos do
seus eleitores, afinal, é para isso que você nos paga — Cathy falou,
categórica.
Não podia negar que aquilo me deu um fio de esperança. Como
imaginei, se realmente escolhesse Elizabeth, eles me ajudariam a torná-la
uma primeira-dama perfeita.
— Não sei como vocês fariam isso, ninguém poderia torná-la mais
velha, nem lhe dar um diploma de ensino superior, então vamos ser realistas,
porque a verdade é que ela tem apenas vinte e três anos e um curso de pintura
amador, somente mágica poderia transformá-la em uma primeira-dama
decente.
O olhar que lancei para Lexy deixou claro que eu não gostei da forma
como descreveu Liz, ela não era um objeto para ser tratada daquela maneira.
— OK, eu me excedi e peço desculpas — falou, percebendo que tinha
ultrapassado o limite do bom senso.
Após alguns segundos de silêncio, Cathy voltou a falar.
— Harry, faça o que seu coração mandar e saiba que no que depender
de mim, essa moça será muito bem assessorada. No entanto, sugiro que passe
algum tempo com ela para saber se realmente é a pessoa certa para você —
falou, mostrando ser a única ali que me apoiava abertamente.
Assenti e lhe ofereci um arremedo de sorriso antes de mudar de
assunto. Não queria mais discutir Elizabeth com eles.
Pelo restante da reunião, acertamos vários pontos que ainda precisavam
ser definidos e quando Allen e Cathy fora embora, Lexy voltou a olhar para
mim, obviamente querendo continuar o assunto.
— Lexy, eu sei que você está certa e que eu deveria estar pensando de
maneira mais prática, já que isso seria o melhor para minha campanha, mas
quero que saiba que não vou jogar tudo para o alto a essa altura do
campeonato. Acontece que há alguma coisa naquela garota que mexe comigo
e eu preciso saber o que é.
Com essas palavras eu ganhei sua atenção, mas ela não falou nada.
— Há quanto tempo você me conhece? — questionei.
— Tirando a época em que você usou fraldas, acho que a vida inteira.
Sorrimos.
— Quantas vezes me viu cancelar um dia inteiro de trabalho por
alguém que mal conhecia?
Ela olhou para mim com visível preocupação e externou seus medos:
— É isso que me assusta, Harry, você nunca foi assim, nunca deixou de
me atender, nunca cancelou um dia inteiro de trabalho para absolutamente
nada, exceto se tivesse algo a ver com sua família — admitiu.
Então se levantou e parou na minha frente.
— Eu sei que estou parecendo uma tola ciumenta, mas eu amo você e
sei o quanto essa campanha é importante. Porém, tenho medo de que, caso se
apaixone, acabe tendo que escolher entre esse amor e seu sonho. Ela pegou
minhas mãos nas suas e continuou: — Conhecendo você como conheço, sei
que se perder qualquer um dos dois, sofrerá muito e eu não quero isso.
Puxei-a para um abraço, pois sabia que sua preocupação era real.
— Eu sei e também não estou confortável com tudo que está
acontecendo, mas preciso voltar a Washington e tirar essas dúvidas, ver o que
vai acontecer.
Lexy se afastou e revirou os olhos, depois encarou Zed como se a culpa
fosse dele e, por fim, suspirou:
— Ok, se você quer a sexta-feira de folga, considere feito.
Sorri e voltei a trabalhar sentindo uma leve ansiedade que há muito
tempo não me visitava, tudo isso porque eu sabia que no final da semana
reencontraria a doce Elizabeth Reagan.
— Está pensando nele? — Stella perguntou segurando um balde lotado
de produtos de limpeza.
Aquilo era um eufemismo, já que desde o momento em que Harry
entrou no carro e foi embora, não conseguia pensar em outra coisa a não ser
no nosso jantar, nosso passeio e, principalmente, no beijo que trocamos.
Eu nunca tinha sido beijada daquele jeito e só de lembrar, já sentia meu
estômago se contorcer. Era como se uma revoada de borboletas tivesse feito
moradia ali.
Eu fechava os olhos e sentia o gosto dele na minha boca e, para minha
desgraça, eu queria mais.
O pior era que, mesmo com todos os meus avisos, parecia que Harry se
sentia da mesma forma, pois antes de ir embora, pediu o número do meu
telefone alegando que queria falar comigo enquanto estivesse em Nova York.
Para não expor de forma tão crua a situação em que vivia, optei por
contar uma meia verdade e disse que meu celular tinha caído na piscina, mas
que iria providenciar outro durante a semana. Não sei se ele acreditou, mas
deixou um cartão com seus telefones para que eu ligasse.
O problema é que Eleanor havia voltado de viagem e não me deu um
segundo de paz; acho que ela nunca ficou tanto em casa como nos últimos
dias.
Mas não era apenas isso. Também estava relutante em gastar minhas
economias num celular só para falar com Harry.
Tudo bem que não era apenas por causa dele, eu sentia falta de ter
contato com meus amigos, mas era ele quem estava me instigando a colocar o
bom senso de lado e fazer algo que não tinha condições de bancar.
Graças a Deus a rotina de sexta-feira não mudou, então, nossa feitora
tinha ido ao spa e, apesar de achar que o certo a fazer seria me afastar, estava
relutante em deixar Harry acreditar que não estava interessada ou, pior, que
tivesse me assustado com aquele beijo maravilhoso, por isso, depois da
faxina, eu daria um jeito de sair para comprar o novo aparelho.
— Estou pensando que devemos acabar essa faxina logo para eu ter
tempo de sair para comprar um celular. Eleanor está em cima de mim a
semana toda, ela cismou que estou diferente e desconfia que eu tenha
conhecido alguém. Acha que eu vou fugir antes de conseguir conquistar
Harry Stone — falei revirando os olhos.
Eu não tinha comentado com ela dos nossos encontros e minhas
respostas evasivas a deixaram desconfiada. Por isso, desde que voltou de
viagem tem feito mil perguntas, não apenas a respeito do que fiz em sua
ausência, mas sobre quem encontrei ou conheci. De minha parte, preferia vê-
la feito uma barata tonta atrás de informações a dar-lhe munição para
transformar minha vida e a de Harry num inferno.
Claro que, quando não conseguiu nada de mim, ela foi atrás de Benito e
Consuelo, e apesar de todos eles saberem tudo o que aconteceu, não falaram
absolutamente nada, afinal, a conheciam tanto quanto eu e, de forma alguma,
iriam permitir que ela estragasse meu “romance”.
Sim, os três achavam que se Harry não estivesse interessado, não
perderia seu tempo indo atrás de mim e já nos viam como um casal.
Eu não queria me iludir, mais do que já estava, entretanto, desde aquele
beijo estava sendo impossível não fantasiar, tudo o que eu queria era que eles
estivessem certos, queria muito beijar aquela boca de novo.
— Já falei para usar meu telefone — ela falou, um pouco irritada pela
minha relutância.
— Eu sei, Stella, mas ainda não decidi se quero ligar. E se ele só tiver
falado aquilo porque era o que achava que eu esperava ouvir? Se ele tiver se
arrependido de ter me beijado, prefiro ficar apenas com as boas lembranças.
— Você é realmente um bebê no que se refere a relacionamentos, não
é?
Quando não respondi ela largou o balde e se aproximou de mim.
— Se não quisesse, teria simplesmente aceitado o fato de você não ter
telefone para esquecer o assunto, mas o que ele fez? — Sem esperar resposta,
continuou: — Ele te deu um cartão com, pelo menos, três números dele. Se
isso não é estar interessado eu não sei o que é. Ou você acha que um homem
importante desses sai dando o número de seu celular particular para qualquer
pessoa?
Fiquei ponderando suas palavras e tive que concordar com seus
argumentos. Harry realmente estava interessado em mim.
Aquilo fez um enorme sorriso surgir em meu rosto e depois de dar um
abraço apertado em minha amiga, dirigi-me a sala de visitas, louca para
terminar meu serviço.
Stella também sorriu, feliz por mim e começou a limpar o corrimão.
Consuelo se encontrava no quarto de Eleanor, o único lugar que
limpava, pois a patroa já estava acostumada com a forma que ela organizava
as coisas, já Benito estava no jardim, era dia de aparar a grama.
Aquela casa era tão grande que ás vezes me perguntava se não seria
inteligente da parte de Eleanor vender a propriedade e dividir o dinheiro
comigo, como estava estipulado no testamento de meu pai, para que cada
uma pudesse seguir sua vida.
Mas, então, como acontecia toda vez que pensava nisso, lembrava-me
que minha mãe era sádica e jamais permitiria que eu e minha família
fôssemos embora para viver em paz longe dela, sem contar que a megera
passaria fome, mas nunca se livraria do único bem que ainda lhe garantia
algum status.
Tinha acabado de ligar o aspirador quando ouvi o toque da campainha.
— Deixa que eu atendo, deve ser o pessoal que vai consertar o
interfone e o portão — Stella gritou.
Esperava mesmo que fossem eles. Foi um custo para Benito convencer
Eleanor de que o portão precisava de mão de obra especializada uma vez que
ele não sabia mexer na parte elétrica. Mas depois de muito relutar ela acabou
aceitando e pediu que ele providenciasse, afinal, tinha a ver com nossa
segurança.
Retirei as almofadas do sofá para aspirar os cantos e, mais uma vez,
pensei no quanto aquela estampa estava ultrapassada.
Eu gostava bastante de decoração no estilo nórdico, muito diferente da
mobília clássica da velha mansão onde eu morava, mas sabia que mesmo que
tivéssemos dinheiro, Eleanor nunca trocaria o estilo da casa, uma casa super
moderna não combinaria com a fachada que ela insistia em mostrar. Para
ela...
— Liiiiiz — Stella berrou me fazendo olhar em direção a porta e
congelar imediatamente, completamente incrédula ao ver Harry Stone parado
ao lado dela, com uma expressão de pura curiosidade naquele rosto lindo.
Meu Deus, ele devia estar se perguntando o que eu estava fazendo com
aquele aspirador na mão.
Quando seus olhos me inspecionaram de cima a baixo, foi que me dei
conta de como deveria estar horrível, toda descabelada e mal vestida,
enquanto ele, parecia ter saído de uma revista de negócios.
Rapidamente desliguei o aspirador, desfiz o coque que tinha feito ainda
pela manhã e o refiz da melhor maneira que pude, então me aproximei um
pouco.
— Oi — cumprimentei e tentei sorrir.
— Desculpe vir sem avisar, mas você não ligou.
— Ah, eu... Ia sair à tarde para comprar o celular — justifiquei.
— Imaginei mesmo que não tivesse comprado.
Eu pensei em alguma coisa para falar em seguida, mas meu olhar e
minha atenção estavam presos na forma como ele me fitava.
— Bom, eu vou deixar vocês dois a sós — Stella se pronunciou e
finalmente quebramos nossa troca de olhares.
— Eu, hum... Se não tivesse desmontado o sofá inteiro, até te
convidaria a se sentar — falei, sem jeito, a sala estava um caos.
— Estou bem assim — garantiu. — Na verdade, vim te convidar para
almoçar.
Tudo que eu queria era passar mais algumas horas com ele, mas se
Eleanor chegasse à noite e a casa estivesse bagunçada ou não me encontrasse
ali, ela iria descontar em Stella e sua família.
Eu poderia inventar qualquer mentira, porém, tinha criado aversão a
isso de tanto escutar Eleanor mentindo para as pessoas.
— Eu juro que queria, Harry, mas não posso, veja como essa casa está.
— Não entendi, seja mais clara.
Sem ligar para o que ele iria pensar, simplesmente falei a verdade:
— Lembra quando te disse que minha mãe era uma bruxa?
Vi seus lábios quererem formar um sorriso, mas ele se recompôs e
apenas assentiu.
— Como você pode ver, a casa é muito grande e, diferente do que se
espera, nós não temos outros empregados, então, eu auxilio Consuelo e Stella
com a faxina de sexta-feira, se não ajudar, é impossível que consigam
terminar todo o serviço a tempo de minha mãe chegar e se isso acontecer, ela
vai demiti-los — balancei a cabeça. — Não posso permitir.
Harry permaneceu em silêncio, no mínimo desacreditado de tudo o que
ouviu.
— Nossa... — falou depois de alguns segundos em silêncio.
— Eu sei que parece brincadeira ou exagero, mas minha mãe é uma
espécie de bruxa contemporânea que consegue prejudicar as pessoas com
apenas um telefonema, então, eu tento não lhe dar motivos.
Ele sorriu do meu gracejo e se aproximou, o que fez as borboletas em
meu estômago acordarem.
Conforme ele se aproximava, eu ia me sentindo minúscula, Harry era
aquele tipo de homem cuja masculinidade era impossível não ser notada, fora
isso, tinha um charme irresistível e um perfume que me levava às nuvens.
— De todas as desculpas que imaginei que pudesse me dar, uma faxina
foi a menos improvável.
Suspirei, imaginando o quanto aquilo deveria parecer patético para ele.
— Harry, eu disse que não era a pessoa certa, você deve conhecer
mulheres muito mais descomplicadas e com mães normais — falei,
desanimada, pois era a mais pura verdade.
Eu queria ter mais força para enfrentá-la, mas enquanto a família de
Stella estivesse à mercê dela, as coisas continuariam daquele jeito.
— Acho que posso te ajudar com a faxina.
Arregalei os olhos só de imaginar aquele homem segurando um
aspirador de pó.
Ele pegou o celular e ligou para alguém.
— Zed, localize uma empresa que presta serviço de limpeza e peça que
enviem uma equipe completa para a casa da Srta. Reagan com urgência.
Abri a boca me sentindo perplexa com o que ele tinha acabado de fazer.
— Você é maluco!
Harry sorriu e chegou ainda mais perto.
— E agora, qual desculpa vai usar para recusar o meu convite?
— Não é bem uma desculpa, mas eu preciso voltar antes que minha
mãe chegue em casa, não quero que ela saiba da gente, Harry. Não sei se
você percebeu, mas ela ficou bem empolgada quando te conheceu e se souber
que andamos nos vendo, não vai te deixar em paz.
Ele assentiu.
— Prometo te devolver antes de ela chegar.
— Ok, me dê alguns minutos para tomar um banho e trocar de roupa.
Subi as escadas na velocidade da luz, ainda sem acreditar no que Harry
havia feito para conseguir sair comigo.
Aquilo era loucura e fez uma ansiedade gigantesca crescer dentro de
mim.
Após um banho rápido, fiquei em dúvida acerca do que usar, afinal, não
sabia onde iríamos almoçar. Depois de muito pensar, optei por um vestido
fluido, frente única, com alças finíssimas que fora da minha mãe.
Ele era de seda azul-marinho com poás brancos, mas o diferencial
estava no forro, também de seda, só que branco, um pouquinho mais
comprido que o vestido, formando uma espécie de barrado.
Quando Eleanor o “doou” para mim, ele tinha ficado um pouco
folgado, pois sou mais magra que ela, mas Consuelo o ajustou e ficou
perfeito. Fui ao espelho do banheiro e olhei a parte de trás, onde as alças
formavam uma amarração delicada, deixando as costas praticamente nuas e
amei o resultado. Ele era lindo e feminino e eu me sentia fabulosa.
Aproveitei que estava ali e passei rímel nos cílios, um brilho na boca e
borrifei meu perfume preferido.
Então fui até meu closet e escolhi uma sandália e uma bolsa, ambas
nude.
Quando desci, Harry estava agachado, acariciando a cabeça de um Lion
muito animado. Stella, que se posicionara ao lado dele, falava pelos cotovelos
e era prontamente respondida por Harry. Quem visse, diria que eles se
conheciam há anos.
— Estou pronta — avisei e os três se viraram para mim.
Stella tinha o sorriso maior do mundo no rosto, Harry me lançou aquele
seu olhar intenso, avaliador e quente ao mesmo tempo. Já Lion, achou que era
hora de brincar e se não estivesse sendo segurado pela coleira de maneira
firme, teria se jogado em cima de mim, como sempre fazia.
O belo e imponente homem andou em minha direção e Stella se
adiantou para abrir a porta, com um cachorro bastante agoniado ao lado.
— Foi um prazer, Stella — disse Harry ao se despedir de minha amiga,
que parecia prestes a se derreter na frente dele, assim como Lion, que até
fechou os olhos quando ele lhe acariciou a cabeça.
— O prazer foi todo meu, acredite — ela proferiu, fazendo-o rir de seu
jeito espontâneo.
Dei um tchauzinho e fui guiada até o carro, onde Zed nos esperava com
a porta aberta. O motorista me ofereceu um meneio de cabeça acompanhado
de um sorriso antes de eu entrar. Isso fez com que me sentisse mais à vontade
do que na última vez.
— Divirtam-se — Stella berrou pouco antes de Harry fechar a porta.
— Aonde vamos? — perguntei assim que ultrapassamos os portões da
mansão.
— Pensei em almoçarmos no hotel onde estou hospedado, o restaurante
é ótimo e vamos ficar mais à vontade.
Gostei da sugestão dele, estava com receio de encontrar com Eleanor
em algum restaurante grã-fino da cidade.
— Por mim, tudo bem — falei e abri um sorriso meio nervoso.
Harry tocou minha mão e depois entrelaçou nossos dedos. Sua pele,
quente e acolhedora, era um contraste enorme à minha, tão gelada quanto a
de um cadáver.
No curto caminho até o hotel, perguntei como havia sido sua semana e
Harry explicou um pouco de sua rotina nas Indústrias Stone.
Quando chegamos ao restaurante, uma simpática hostess nos
direcionou a uma mesa localizada em um canto bem reservado do amplo
salão. Assim que nos acomodamos, um garçom se apresentou e ofereceu o
menu.
O cardápio era bem variado e pedi Atum fresco grelhado acompanhado
de mini batatas, tomatinho e salada verde, já Harry optou por risoto com filé
mignon.
Mais uma vez escolhemos o vinho juntos e quando nossos pratos
chegaram, já tínhamos bebido uma taça e rido muito das peripécias de Lion
que, como Harry comentou, já havia crescido muito.
Depois de apreciarmos metade de nossa refeição, que estava
maravilhosa, foi sua vez de perguntar como tinha sido minha semana.
Parei de mastigar o pedaço de atum que estava em minha boca, sem
saber se falava tudo o que acontecia naquela casa ou o poupava dos detalhes
sórdidos.
Depois de ponderar um pouco, resolvi que, se Harry queria mesmo
levar isso adiante, precisava saber desde já com o que teria que lidar. Então
fui sincera ao dizer que, como minha mãe estava em casa, não pude fazer
nada de interessante.
Seu cenho franziu, como se tivesse ficado intrigado com aquela
informação.
— Mas porque ela não te deixa sair?
— Não quero ser dramática, mas eu sou quase uma prisioneira com
uma tornozeleira invisível. — Tentei colocar um pouco de humor em minhas
palavras, só que ele não caiu nessa.
— Há quanto tempo sua mãe age dessa forma com você?
— Acho que desde que eu nasci.
— E você sabe a razão de tanta hostilidade?
— Sim, mas nem vou te falar, porque não justifica suas atitudes.
— Já tentou dizer a ela como se sente?
— Quando era mais nova e, digamos, um pouco rebelde, eu a
confrontei, mas as coisas apenas pioraram, então eu resolvi ignorar suas
grosserias e obedecer. Hoje em dia ela só consegue me magoar quando
resolve atacar as pessoas de quem gosto, por isso prefiro não a cutucar,
entende?
— Quanto a isso, sim, mas para mim é inconcebível que uma mãe trate
a filha dessa forma.
Suspirei profundamente, deixei meus talheres no prato e bebi um gole
de vinho antes de me abrir ainda mais com ele.
— Minha mãe é aquele tipo de pessoa que vive em função da
sociedade, da forma como é vista; em sua concepção, os fins justificam os
meios e as únicas pessoas que interessam são aquelas que podem lhe
proporcionar algum ganho. Acho que se eu fosse um pouco como ela, as
coisas seriam melhores, afinal, teria uma aliada, mas eu sou o completo
oposto e sinto que isso, de certa forma, a enoja. Eleanor acha que não tenho
ambição suficiente para ser alguém na vida, o que me torna fraca a seus
olhos.
— E você tem?
— O quê? — perguntei, sem saber ao que ele se referia.
— Ambições?
— Claro que sim, mas não o tipo que ela acha legal. Eu quero
conseguir minhas coisas por mérito próprio, como meu pai, que mesmo vindo
de uma família abastada, trabalhou até seu último dia, só que, infelizmente,
estou de mãos atadas. As últimas discussões que tive com minha mãe foram
porque eu queria arrumar um emprego, porém, como eu te disse, o que
impera em sua vida é o status e ter sua filha trabalhando em “subempregos”,
é algo completamente inadmissível para Eleanor Reagan. Entretanto, quando
sou mais incisiva, ela ameaça Stella e seus pais, porque sabe que eu os amo e
que jamais deixaria que os prejudicasse.
Era um assunto pesado para tratar em um encontro, mas a última coisa
que queria era que depois Harry me acusasse de tê-lo enganado. Além disso,
se ele achasse que não poderia lidar com aquilo, era melhor que acabasse com
tudo agora do que mais para frente, quando eu estivesse ainda mais
envolvida.
Percebendo que fiquei incomodada com tudo isso, estendeu a mão e
acariciou os nós dos meus dedos, como se dissesse que sentia muito pela
situação em que eu vivia, e mudou de assunto, de forma que o restante da
refeição desceu com muito mais facilidade.
Quando estávamos finalizando o vinho em nossas taças, ele recebeu
uma ligação da tal Lexy novamente, pedindo que ele lhe enviasse alguns
documentos.
Como estes estavam no computador que havia ficado em sua suíte, ele
perguntou se eu me incomodava de subimos até lá para que pudesse fazer o
que ela pediu.
Confesso que fiquei paralisada, sem saber o que falar. Após alguns
segundos de silêncio, ele insistiu:
— E então, Liz, você quer subir comigo ou prefere me esperar aqui?
A suíte era gigantesca e luxuosa, como todos os lugares que ele devia
frequentar.
Harry pediu licença e foi até a mesa onde estava seu notebook para
enviar os tais documentos.
Fiquei admirando a forma elegante como se sentou e a habilidade de
seus dedos ao digitar. Ele tinha mesmo pinta de presidente, aliás, aquele
homem poderia ser um rei em qualquer país onde houvesse monarquia.
— O que foi, Liz? — ele perguntou depois de baixar a tela do notebook
e me ver sorrindo feito uma idiota.
Todos os anos praticamente trancafiada naquela mansão, me fizeram
criar o hábito de sempre aproveitar cada momento de liberdade que eu tinha
longe de Eleanor.
Então encarei Harry por longos segundos e caminhei lentamente até
parar à sua frente. Ele se manteve em silêncio, esperando para saber o que eu
pretendia fazer, mas vi seu pomo de adão se mover quando ele engoliu em
seco.
Aproveitei que ele estava sentado de frente para mim, com as pernas
levemente abertas e me sentei em seu colo. Depois de garantir que ele não me
afastaria, acariciei gentilmente seu rosto.
— Você daria um belo quadro, Sr. Stone — falei enquanto passava os
dedos por suas sobrancelhas desenhadas.
— Isso é um elogio?
— Sim, é — confirmei e aproximei meu rosto do dele.
A mão direita de Harry subiu pelas minhas costas e no instante seguinte
estava, mais uma vez, sentindo o sabor da boca pela qual ansiei a semana
inteira.
Meu ventre contorceu em euforia por estar beijando aquele homem de
novo.
Deslizei meus dedos por seus cabelos sem me preocupar se estava
bagunçando seu penteado sempre bem alinhado. Harry também aproveitou
aquele momento de luxúria para mordiscar minha boca e me apertar contra si.
Em pouco segundos sentia meu corpo mole e, ao mesmo tempo, aceso,
vivo. Tinha certeza de que nenhum estudo seria capaz de explicar o que
estava acontecendo comigo naquele momento.
Logo senti uma umidade tomar conta da minha calcinha e sabia que
Harry estava tão excitado quanto eu, pois dava para sentir seu membro rijo
embaixo de mim.
Aquilo fez com que um tremor totalmente libidinoso tomasse meu
corpo e fiquei pensando que, se apenas por ser beijada por aquele homem já
estava sendo assim, imagine quando as coisas ficassem mais intensas entre
nós.
— Uau, isso foi... — falei, desconcertada, quando afastei minha boca
da dele.
— Eu sei — respondeu.
Se fosse qualquer outro cara eu estaria completamente desconfortável e
até envergonhada, mas Harry sempre fora um príncipe comigo. Eu sentia que
ele gostava de mim e ficava à vontade em sua presença, independentemente
da circunstância.
— Quero mais beijos — falei depois que acalmamos nossas
respirações, roçando meu nariz no dele.
Ele fez como pedi, mas, dessa vez as coisas ficaram mais intensas e
senti sua mão subindo por minha coxa, levando o tecido do vestido junto.
Eu nunca tinha ficado com um homem como ele, ainda mais de uma
forma tão íntima, e sabia que deveria parar, só que aquilo estava tão bom...
Mesmo consumida por seus beijos quando ele se levantou comigo em
seu colo e caminhou até a cama, onde me depositou e se deitou por cima,
fazendo com que eu sentisse de maneira ainda mais intensa o quanto estava
excitado.
Ficamos nos beijando por vários minutos, mas assim que sua mão
voltou à minha coxa e começou a subir a saia novamente, meus alarmes
soaram. Se não falasse algo logo, as coisas apenas progrediriam e nós
precisávamos conversar antes.
— Harry é melhor a gente ir com calma — pedi.
— Eu sei, mas não vou me desculpar por isso — falou e se afastou um
pouco, visivelmente perturbado.
Mais uma vez, levamos um tempo tentando estabilizar um pouco a
respiração e o coração, que batia de modo completamente errático.
De repente, ele rolou para cima de mim novamente, prendendo meu
corpo embaixo de si.
— Posso te fazer uma pergunta idiota, indiscreta e sem cabimento?
Ele gargalhou e assentiu.
— Demora quantos encontros para você levar uma mulher pra cama?
— No nosso caso uns três ou quatro — ele brincou.
— Não falo só disso aqui, refiro-me ao pacote completo.
— Você é bem direta, Srta. Reagan e fiquei bem curioso para saber o
motivo dessa pergunta.
— Bom, você é o segundo cara com quem eu fico na vida, mas o
primeiro eu só beijei e descartei qualquer possibilidade de algo mais quando
descobri que ele estava saindo comigo e com outra pessoa ao mesmo tempo.
Mas já estou com vinte e três anos e não quero morrer sem sexo, por isso
queria saber com quantos encontros seria aceitável.
Harry paralisou, literalmente, porque parecia que ele nem mesmo
respirava.
Então saiu do transe e se afastou repentinamente, como se meu corpo o
queimasse.
— Você é virgem?! — perguntou, o rosto completamente lívido.
Fiz que sim com a cabeça, estranhando sua atitude. Será que ele tinha
algum preconceito com relação a virgens?
Meu coração voltou a bater descompassado, mas dessa vez era de
angústia.
— Meu Deus, só pode haver mesmo alguma maldição de família —
disse, esfregando as têmporas e começando a andar em círculos pelo quarto.
Não entendi seu comentário, mas alguma coisa me dizia que o fato de
eu ser virgem não havia lhe agradado muito. Se sua atitude já não tivesse
deixado isso bem claro, a forma como me olhou, sem o mesmo encantamento
de antes, o teria delatado.
— Qual o problema de eu ser virgem? — questionei, incomodada.
Eu deveria ser uma sonsa mesmo, por achar que aquilo teria algum
valor nos dias atuais, afinal, uma mulher virgem com a minha idade devia ser
considerada uma aberração ambulante, não uma dádiva, como era
antigamente.
Hoje em dia os caras gostavam de mulheres experientes e descoladas,
não das bobas, a quem teriam que ensinar tudo.
— Problema nenhum, Liz, desculpe pelo meu comportamento.
O jeito que ele falou não me convenceu, mas eu não iria fazer uma cena
por causa daquilo.
— Vamos fazer assim: eu finjo que acredito e você volta para cá, sem
compromisso, vamos apenas nos beijar — desafiei.
Ele passou os olhos pelo meu corpo, deu um sorriso de lado e voltou a
se aproximar.
— Sabe o que você é, Elizabeth Reagan?
Fiz que não com a cabeça.
— Uma pequena provocadora.
Dizendo isso, Harry avançou sobre mim e tomou meus lábios,
deixando-me aliviada e completamente mole.
O jeito como suas mãos envolviam meu corpo, a forma como sua boca
me beijava, com volúpia e anseio, era uma tortura para qualquer mulher
experiente, imagine para mim, que há anos não sabia o que era estar nos
braços de um homem.
Eu não estava muito diferente.
Depois de me fartar com seus cabelos, desci as mãos por seu peito e
parei em seu quadril, onde, sem pensar muito, o puxei para ainda mais perto,
a fim de sentir sua pélvis contra a minha.
Quando estava prestes a fazer a besteira de o provocar até não ter
retorno, afastei-me para conseguir respirar e, assim, pensar com clareza,
afinal, sem oxigênio no cérebro, eu seria apenas um amontoado de corpo e
sensações.
— Se continuar me beijando desse jeito, vai acabar fazendo o que não
quer — ameacei.
Vi-o sorrir e me lançar um olhar predador.
Ele podia não gostar do fato de eu ser virgem, mas não era tola e sabia
quando um homem estava com tesão e Harry parecia prestes a subir pelas
paredes.
Ele encostou a testa na minha e ficamos alguns minutos tentando nos
acalmar. Quando ergueu a cabeça novamente, perguntou:
— O que quer fazer, então?
— Que tal me ensinar algumas coisas referentes a negócios, preciso
conseguir me manter, assim como à minha família de coração quando me
livrar de Eleanor — falei, tentando mostrar alguma animação, e ele se ajeitou
ao meu lado na cama.
— Você depende dela financeiramente?
— Por enquanto, sim. Meu pai deixou uma soma para mim em
testamento, mas só posso receber quando fizer vinte e cinco anos. No entanto,
não adianta ter dinheiro se eu não souber usá-lo de forma inteligente.
— Isso é verdade. Mas tem algo específico em que queira trabalhar?
— Bom, você me viu lá no orfanato com as crianças — ele assentiu e
continuei: — Eu amo pintar e estou fazendo algumas telas... Eu sei que viver
de arte é difícil e que a beleza de um quadro ou uma peça de arte é totalmente
subjetiva, mas queria ao menos tentar vender minhas telas, no entanto, não
sei nem por onde começar.
Harry se levantou da cama e me estendeu a mão.
— Venha cá.
Ele me guiou até a mesa, colocou uma cadeira ao lado da que usara
mais cedo e apontou para que eu me sentasse. Então, foi até o frigobar, pegou
uma água, dois copos e depois de os encher sentou-se ao meu lado.
Após tomar um gole, sendo imitado por mim, fez algumas pesquisas na
internet e começou a falar.
Durante duas horas ele me explicou como funcionava o mercado de
artes sob um contexto geral, discorreu sobre como começar um negócio, que
tipo de investimento eu deveria fazer com meu dinheiro e como abordar
galerias de artes.
Fiquei encantada com a paciência que ele teve para me explicar tudo.
Harry me fez perceber que a internet seria o pontapé inicial para que eu
pudesse expor minhas telas.
Minha vida era tão cheia de amargura e espera, que eu passava dias
remoendo as maldades de Eleanor e por causa disso não me dei conta de que
talvez nem precisasse sair de casa para conseguir ganhar algum dinheiro.
— Nossa, você tirou uma venda dos meus olhos — falei embevecida e
voltei para o seu colo. — Não tem ideia de como estou agradecida por isso.
— É mesmo? — perguntou com uma voz preguiçosa e um brilho no
olhar.
— Sim — garanti e passei os braços por seu pescoço.
— E o que eu ganho depois de toda essa aula de negócios?
— Hum, você já sabe que eu não tenho dinheiro, então pensei em quitar
minha dívida com beijos, o que acha?
— Perfeito — disse e não perdeu tempo em tomar minha boca
novamente.
Ficamos juntos por mais uns quarenta minutos, nos beijando, trocando
carinhos e olhares que falavam mais que mil palavras.
Mas como tudo o que é bom dura pouco, nosso momento foi
interrompido, mais uma vez, pela tal Lexy, que agora eu sabia ser sua
assistente pessoal.
— Achei que tivesse me prometido a sexta de folga — ele zombou ao
atender o celular.
Eu já tinha saído de seu colo, então ele se levantou e parou em frente à
porta da sacada.
Pelo visto as notícias eram boas, pois Harry ficou radiante e desligou o
celular dando um soco no ar como se estivesse comemorando.
— Quanta euforia! — brinquei e me levantei da cama.
Harry foi ao meu encontro e me abraçou apertado.
— O plano era ficar com você mais tempo, mas preciso fazer uma
viagem inesperada, pois minha assessora conseguiu marcar uma reunião com
um político muito importante para a minha candidatura. Se conseguirmos o
apoio dele, ficarei um passo à frente na disputa pela Casa Branca.
Harry falava com uma paixão tão grande, que mesmo morrendo de
frustração, só consegui apoiá-lo.
— Então, vá, consiga esse apoio e volte o quanto antes para me ver.
Ele sorriu e me beijou. Dessa vez não houve pressa, foi um beijo
carinhoso e demorado.
— Tenho uma coisa para você — falou quando nos afastamos e foi até
um aparador.
Lá, destravou uma pasta preta e tirou uma caixinha branca de dentro.
Voltou para perto de mim e ofereceu a caixa que, pude ver, era da
Apple.
— Harry, não... — comecei, dando um passo para trás.
— Não discuta, Liz. Passei a semana toda esperando um telefonema
que nunca veio e não quero que aconteça novamente. Por favor, aceite.
— A cada dia eu te entendo menos.
Ele franziu a testa sem compreender.
— Você é um dos caras mais ricos do mundo, sem falar que é lindo,
poderia estar com qualquer mulher e escolheu passar seu tempo com uma
pobre coitada que não tem sequer um celular...
Ele revirou os olhos e sorriu.
— Não fale besteira — pediu, me entregando a caixa.
— Tudo bem, mas quando eu me tornar uma pintora famosa, faço
questão de te pagar.
— Combinado — ele disse e nos sentamos na cama.
Harry me ajudou a configurar o aparelho e salvou tanto o número de
seu celular quanto o de Zed na memória.
Depois disso eu sabia que ele precisava me levar em casa, mas fiquei
com o coração apertado por ter que me despedir.
Aos poucos eu começava a sentir como seria estar com um homem
como ele. Harry era, além de todos os adjetivos, um importantíssimo
empresário e só esse fator já era algo grande.
Pensei por um momento e cheguei à uma conclusão. Se isso que
estávamos construindo desse em alguma coisa, eu sempre teria que dividi-lo
com o mundo.
A ideia me incomodou, mas não tirou o sorriso do meu rosto quando
ele me deixou em frente à mansão.
— Mande notícias, Sr. Stone — brinquei antes de darmos um último
beijo.
— Mando, sim.
Eu fiquei parada nos degraus da escada vendo o carro de Harry se
afastar.
De repente, aquele famoso nó que sentia na garganta quando Eleanor
brigava comigo se fez presente, mas dessa vez não era proveniente de tristeza
e indignação e sim de um tipo de angústia misturada com saudade.
Era perigoso demais me envolver com aquele homem, tinha tanta coisa
que poderia dar errado e, mesmo assim, optei por acreditar que merecia viver
aquilo.
Harry Stone estava sendo, de longe, a melhor coisa que já aconteceu na
minha vida e eu me daria aquele presente pelo tempo que durasse.
Eu nunca tinha reparado em como a pintura do teto do meu quarto
estava feia até passar metade da semana deitada em minha cama revezando o
olhar entre ele e meu telefone, numa expectativa louca de que o lindo
aparelho tocasse, anunciando uma chamada ou mensagem de Harry.
Mas ele não tocou.
Isso me deixou um pouco deprimida e reclusa, mas, evidentemente, não
me livrou dos desmandos de Eleanor. Contudo, diferente da semana anterior,
nesta Eleanor quase não parou em casa. Além disso, estava, digamos...
eufórica, se é que podia chamar assim, e misteriosa ao mesmo tempo.
Claro que ela não me contou o que estava havendo e nem eu quis
perguntar, preferia não me inteirar do que estava aprontando.
Graças a Deus também não soube que Harry havia aparecido e muito
menos que ele havia me dado um telefone. Não queria nem imaginar as
loucuras que passariam por sua cabeça.
Aproveitei sua ausência no sábado de manhã para ir ao orfanato. Foi
impossível não me lembrar do encontro que tivemos ali e acabei mandando
uma mensagem desejando bom dia antes de ir para a sala de pintura.
Várias horas depois, recebi uma resposta um tanto seca de Harry,
apenas falando que estava em um compromisso e me desejando um bom dia
também.
Não me apeguei àquilo, pois um homem como ele deveria ser muito
ocupado. Por isso, decidi que o melhor era ficar na minha e deixar que ele
entrasse em contato, não queria ser inconveniente, Harry tinha vindo de Nova
York só para passar algumas horas comigo e me dado um celular de última
geração só para podermos nos comunicar, então bastava eu esperar.
Para não me abater, dediquei todo o tempo vago às telas que eu
precisava terminar e às aulas de negócio que ele me indicara.
Além disso, com a ajuda de Stella, fotografei todo o meu portifólio e
criei uma página na internet para expor e vender meu trabalho. Decidi usar
um pseudônimo, pois assim poderia indicar a pessoas do círculo de Eleanor
sem correr o risco de ela descobrir.
Essa iniciativa me deixou bastante feliz e bem confiante de que uma
hora meu trabalho seria reconhecido.
É claro que não consegui tirar Harry completamente da cabeça. Seu
sumiço ainda me incomodava e machucava.
Nos dois primeiros dias, disse a mim mesma que o presidente de uma
empresa do porte das Indústrias Stone deveria ser mesmo muito ocupado.
Stella também bateu a tecla nessa justificativa, no entanto, conforme os
dias foram passando, minhas esperanças foram caindo por terra e todas as
nossas desculpas já haviam se esgotado.
Então cheguei à conclusão de que minha virgindade o tinha assustado.
Alguém como ele não iria querer lidar com a responsabilidade de ser o
primeiro homem de uma garota, especialmente se não fosse querer nada sério
com ela.
Além disso, havia tantos problemas: minha sinceridade brutal, minha
mãe interesseira e minha situação financeira, dentre outras coisas.
Óbvio que Harry Stone pesou tudo isso e percebeu que era loucura se
envolver com alguém como eu quando havia tantas mulheres bem resolvidas
e muito mais apropriadas no mundo.
— Daqui a pouco seu cérebro vai derreter de tanto pensar — Stella
proferiu enquanto eu terminava de me arrumar.
Eleanor iria a um jantar na casa de uns amigos e deixou claro que eu a
acompanharia.
Na mesma hora percebi que o tal jantar era a razão de seu
comportamento estranho e sua imposição me deixou bem irritada; a última
coisa que eu queria era sair de casa.
Entretanto, estava tão desanimada com o sumiço de Harry, que antes de
abrir a boca para reclamar, cheguei à conclusão de que ver Eleanor mentindo
para aquela gente metida com quem ela costumava sair, acabaria sendo uma
bela distração.
— Eu não entendo, Stella, ele parecia tão feliz comigo aquele dia e
agora...
— Eu também não sei o que pensar, Liz, estava torcendo demais por
vocês e ainda espero que tenha acontecido alguma coisa.
— Eu não deveria ter dito que era virgem.
— Já te falei que não acredito que um homem como ele se importaria
com isso, é mais fácil que ele tenha descoberto alguma coisa bem grave
acerca de sua mãe.
No mesmo instante trocamos olhares através do espelho.
— Como não pensei nisso antes? — falei, atônita.
— Ei, eu não estou afirmando, apenas acho mais fácil ele desistir por
causa dela do que por você ser ‘zero quilômetro’.
Soltei uma gargalhada, Stella era um barato.
— Você tem razão, vou aproveitar esse jantar com os amigos de
Eleanor para parar de pensar nele um pouco.
— Tá ligada que isso tem cheiro de armação, né? No mínimo ela achou
um plano B pra você.
— Nem brinque com uma coisa dessas — pedi, embora também tenha
desconfiado das intenções de minha mãe, mas não adiantaria bater o pé. O
jeito era encarar.
— Elizabeth?!
Eleanor berrou do corredor.
— Já estou indo! — falei pegando a bolsa que ela me emprestou e
ajeitando o vestido que também fora escolha sua.
— Qualquer coisa, me liga. E não esqueça de esconder esse celular —
Stella lembrou; se Eleanor visse o aparelho, ficaria desconfiada.
Eu ainda não estava à vontade com a ideia de Harry ter gastado tanto
dinheiro para me dar um celular, mas segundo Stella, os Stone deveriam ter
uma propriedade só para guardar obras de arte e frutas caras.
Aquilo foi a coisa mais idiota que já escutei, mas fez com que
gargalhássemos bastante, o que ajudou a relaxar.
Despedi-me de minha amiga e encontrei Eleanor me esperando dentro
do carro. Estava meio escuro, mas deu para ver que usava um de seus
vestidos mais decotados e extravagantes.
Quando me sentei ao seu lado, ela lançou um olhar de falsa aprovação
para a minha aparência e durante todo o caminho, assim como acontecia
todas as vezes que eu era obrigada a acompanhá-la a algum evento, foi dando
ordens de como eu deveria me portar.
“Não diga besteiras, fale apenas o necessário...”
“Não dê detalhes sobre nossa vida...”
“Pelo menos finja que é inteligente...”
“Tente não me envergonhar...”
E blá-blá-blá.
Benito, que escutava toda aquela ladainha, devia ter dado graças a Deus
quando chegamos a uma bela mansão em um endereço nobre da cidade.
Eleanor desceu primeiro, seguida por mim. Antes de fechar a porta,
nosso motorista me lançou um olhar acolhedor, ele sabia que minha noite não
seria fácil.
Como de costume, minha mãe vestiu sua máscara de simpatia e quando
o mordomo abriu a porta, se portou como a mais agradável das criaturas.
— Sejam bem vindas — ouvi alguém falar de algum lugar.
Então, um homem surgiu de um corredor e caminhou até nós. Ele era
alto, tinha olhos verdes e cabelos castanhos permeados de fios grisalhos.
Usava um terno elegante e imaginei que devia ter por volta de cinquenta
anos.
— Como vai, Gilbert? — mamãe o cumprimentou.
— Ótimo, querida e você? — perguntou com um sorriso antes de
depositar um beijo em seus lábios.
Aquilo fez meus olhos se arregalarem, minha boca cair e meu estômago
embrulhar.
Que merda estava acontecendo?
— E essa deve ser Elizabeth — ele falou, voltando-se para mim.
— Sim, esta é minha querida filha. Elizabeth, esse é Gilbert Holmes.
— Como vai, Sr. Holmes? — Estendi a mão para um aperto formal,
mas ele a pegou e beijou o dorso.
Eca!
— Estou ótimo, mas me chame de Gilbert, por favor.
Assenti e ele continuou:
— Devo dizer que sua mãe não fez jus à sua beleza, minha querida.
Você é lindíssima.
— Eu... Obrigada — falei, sem graça, e quando olhei Eleanor, ela
estava com um bico enorme, que se transformou em um sorriso amoroso no
momento que Gilbert se virou para ela.
Que mulher cínica.
— Vamos nos sentar — disse, apontando para a sala. — Arion, traga
champanhe — pediu ao mordomo que anuiu e se afastou.
Optei por uma poltrona enquanto minha mãe e Gilbert sentaram-se,
lado a lado, em um sofá muito parecido com o nosso.
Pelo visto, os moradores dali também gostavam de móveis clássicos.
Eleanor, super simpática, dominou a conversa, enquanto eu apenas
sorria e bebericava do champanhe que fora servido.
Observando minha mãe e o tal Gilbert, percebi que os dois
combinavam de uma forma assustadora. Até mesmo a conversa fútil de
sociedade era a mesma e isso me assustou.
Ao mesmo tempo, me deu um fio de esperança.
Se Eleanor conseguisse o que tanto queria, ou seja, um marido rico,
talvez deixasse de ser tão amarga e me desse um pouco mais de liberdade.
Uma pessoa feliz não tinha tempo para querer o mal de outras, não é?
Meus pensamentos super animados foram interrompidos pela voz do
mordomo:
— O jantar está pronto, senhor.
— Ótimo, então chame o tio Joseph, por favor — Gilbert, pediu e
Eleanor me lançou um olhar estranho.
Continuei bebendo meu champanhe e observando a interação deles até
que um senhor que devia ter, pelo menos, oitenta anos, apareceu. Ele se
equilibrava em uma bengala com uma das mãos e tinha o outro braço apoiado
pelo mordomo.
O ancião usava um terno escuro e, se estivesse de olhos fechados, diria
que estava pronto para ser enterrado, de tão frágil que parecia.
Fitei minha mãe, mas ela desviou o olhar logo em seguida. Como se
tratava de Eleanor todos os meus alertas ficaram ligados.
— Esse é o meu tio Joseph Holmes. Titio, essa é Elizabeth, filha de
Eleanor — Gilbert fez as apresentações.
Levantei-me e fui cumprimentá-lo, imaginando que seria muito
trabalhoso para ele ir até mim.
O senhor grisalho e de pele enrugada sorriu e me ofereceu o braço para
que o acompanhasse até a sala de jantar e eu aceitei.
Esperei até que ele se acomodasse na cadeira que ficava na ponta da
mesa e, para minha surpresa, o homem apontou para o lugar que ficava à sua
direita. Então vi Gilbert sentar-se à sua esquerda, com minha mãe ao seu
lado.
Mesmo estranhando aquilo, sentei-me e voltei a olhar para o velho Sr.
Holmes que me encarava com admiração, como se nunca tivesse visto uma
mulher na vida.
— Ela é mesmo muito bonita, Eleanor — falou, com uma voz fraca,
logo antes de ter um acesso de tosse.
— Sim, minha filha é mesmo linda e muito educada — a dissimulada
ratificou olhando para mim. Quem a visse, pensava que era a mãe mais
amorosa do mundo.
Logo fomos servidos e enquanto comíamos, falamos apenas
trivialidades.
A refeição estava boa, mas o clima permaneceu totalmente estranho. A
toda hora Joseph Holmes me olhava e sorria, e quando não era ele, era minha
mãe ou Gilbert.
De minha parte, não via a hora de ir para casa.
Assim que terminamos de comer, Arion, o mordomo, nos entregou
novas taças de champagne e Gilbert se levantou:
— Nós nos reunimos aqui hoje para que eu e Eleanor oficializássemos
nosso noivado. Mas para isso, gostaria de pedir a bênção de sua filha —
falou, todo pomposo e olhou para mim. — Elizabeth, você me daria a honra
de abençoar minha união com sua mãe?
Fiquei olhando para eles sem saber o que dizer. Não podia acreditar que
aquilo estava acontecendo e tive uma imensa vontade de cair na gargalhada.
Graças a Deus consegui me segurar, assenti solenemente e ainda
acrescentei:
— Minha mãe é uma verdadeira princesa. Tenho certeza de que o fará
imensamente feliz.
Ele sorriu e então colocou um anel com uma pedra enorme em seu
dedo. Logo depois a beijou novamente e todos brindamos.
Após o pedido, voltamos para a sala de estar. Eu pensei que o Sr.
Holmes fosse voltar para seus aposentos, mas em vez disso, ele se aproximou
de mim e disse baixinho:
— Estou louco para vê-la sem esse vestido. — Então deu um beliscão
na minha bunda que me fez arfar.
Que velho safado!
Minha vontade era acertar minha bolsa na cabeça dele, mas fiquei tão
atônita, que nem consegui revidar.
Antes de eu me recuperar, mamãe disse que tinha um assunto particular
para conversar com ele e todos os três seguiram para o escritório do velho
senhor.
Quando ela finalmente voltou, pensei que fôssemos embora, entretanto,
apenas me encarou por alguns segundos com aquele seu olhar cheio de
veneno, antes de dizer:
— O Sr. Holmes quer falar com você a sós.
Ouvir aquilo fez meu corpo gelar.
— O quê? Pra quê?
— Como não teve capacidade de segurar nenhum homem da sua idade,
terá que se contentar com o que eu consegui.
— Eu não estou entendendo... — comecei, mas então minha mente se
iluminou e meu coração acelerou como nunca antes. Ela só podia estar
ficando louca. — Você não pode estar querendo dizer o que estou pensando
— falei, tentando me agarrar a qualquer esperança.
— Sim, Elizabeth, é isso mesmo. Eu dei sua mão em casamento a
Joseph Holmes. — Estava prestes a abrir a boca quando ela me interrompeu:
— E nem pense em me desafiar, você sabe que com uma ligação posso fazer
com que aqueles mortos de fome que moram lá em casa sejam deportados.
Ela falava, mas eu ainda não conseguia acreditar que minha própria
mãe estava me chantageando, me forçando a casar com um idoso só para
manter sua vida de rainha.
— Meu Deus! Você é um monstro!
— Sem drama, Elizabeth, todos nós temos que fazer sacrifícios e
chegou a sua vez. Mas não se preocupe, ele está com o pé na cova, não
demorará muito para que fique com toda a sua fortuna.
Fechei os olhos, sem acreditar no que estava ouvindo.
Quando os abri novamente, vi Gilbert se aproximando.
Ele abraçou Eleanor por traz, depositou um beijo em seu pescoço e me
lançou um sorriso. Nessa hora desconfiei que ele, e talvez até mesmo o velho
Joseph, estivessem mancomunados.
Enquanto via minha vida prestes a escorrer pelo ralo, só consegui
pensar que depois de tudo, Harry não tinha me ligado. Se ele me quisesse, eu
teria uma chance de escapar das garras de Eleanor, mas sem ele...
Engoli em seco e respirei fundo. Eu precisava manter o sangue frio e
colocar a cabeça para funcionar, apenas assim conseguiria arrumar uma
maneira de me livrar daquilo.
Contudo, não havia necessidade de minha doce mãe saber o que se
passava em minha mente. Por isso, virei a taça de champanhe que estava ao
meu lado e falei o que ela queria escutar:
— Leve-me até ele — pedi.
Era melhor saber logo com o que estava lidando.
Eleanor abrandou o olhar, pensando que com aquela chantagem, eu
tinha aceitado meu destino.
— Eu a levo até lá — disse Gilbert, fingidamente solícito, e o segui.
Dessa vez ela tinha ido longe demais, mas eu também podia ir!
Enquanto eu caminhava em direção ao escritório do Sr. Holmes, uma
sensação estranha tomava conta do meu peito; medo, talvez, misturado a um
pouquinho de angústia, mas também havia uma boa dose de coragem.
Era dessa dose que eu me alimentaria para tentar me livrar das mãos de
Eleanor.
Claro que eu sabia que poderia ser um tiro no pé, mas tinha que tentar.
— Estou aqui, Sr. Holmes — falei assim que atravessei a porta, já
aberta.
O homem estava acomodado atrás de uma enorme mesa de carvalho
escuro, que lembrava bastante a que tinha no escritório do meu pai.
— Pode me chamar de Joseph. Agora entre e encoste a porta.
Apertei os dentes em desgosto, mas fiz como pediu. Por mais safado
que o velho tivesse se mostrado, não teria medo de ficar a sós com ele, afinal,
com um empurrão eu o desmontaria em vários pedaços.
— Pode falar — pedi, dando mais alguns passos para dentro, queria
acabar logo com aquilo.
— O que acha de sua mãe ter prometido sua mão a mim? Você ficou
satisfeita com o acordo? — ele perguntou num tom de voz potente,
totalmente diferente do que tinha usado durante o jantar e se levantou, altivo
e imponente, parecendo até outra pessoa.
Ao ver aquilo, meu coração começou a galopar no peito e a pouca
coragem na qual estava me agarrando, começou a desaparecer.
Por um minuto pensei em concordar com tudo e dar o fora dali, mas
então me lembrei de quem eu era. Há muito tempo prometi a mim mesma que
nunca me equipararia à minha mãe e não seria naquele momento, quando
minha vida estava sendo leiloada, que eu me afugentaria.
Respirei fundo, arrumei a postura e disse tudo o que pretendia desde a
hora em que aceitei ir até ali:
— Acho que eles estão loucos para se livrar do senhor para ficar com
sua herança — falei de uma vez e vi seus olhos se estreitarem.
— Como assim, Elizabeth? — requereu, a voz um pouco mais suave,
mas, de certa forma, mais perigosa.
Ainda assim não me acovardei, alguém tinha que abrir os olhos dele, e
seria eu.
— Está na cara que eles armaram esse casamento para que pudessem
colocar as mãos no seu dinheiro. Eu não tenho ideia de suas posses, mas te
garanto que minha mãe deve saber até os centavos que o senhor tem na conta,
aquela lá sente cheiro de dinheiro a quilômetros de distância.
Joseph soltou uma risada alta e eu acabei acompanhando, mesmo ainda
achando aquilo tudo muito estranho.
— Diga-me uma coisa, menina, você compactua com isso?
— Obviamente que não — afirmei, categórica. — Quero ganhar meu
dinheiro de forma honesta, não dando um golpe do baú ou enganando as
pessoas. Acredito muito na lei do retorno, Sr. Holmes e minha existência já
está sendo complicada demais para eu ainda ajudar o destino a me ferrar um
pouquinho mais lá na frente.
Ele assentiu e me lançou um sorriso amigável. Então começou a andar
em minha direção, completamente firme, sem precisar de qualquer ajuda.
Mesmo impactada com o que via, fiquei em alerta, se ele tentasse
alguma gracinha comigo, eu iria torcer os dedos dele.
— Então não quer se casar com um velho rico?
— Eca, claro que não! — soltei, e logo me arrependi e tentei contornar
um pouco a situação. — Quer dizer, não tenho nada contra homens idosos ou
ricos, mas quero me casar com alguém por quem eu esteja apaixonada.
Alguém como Harry Stone, de preferência, pensei, sonhadora, mesmo
naquela situação.
Vi Joseph sentar-se em um sofá perto da estante lotada de livros.
— Eu sei tudo que está acontecendo, Elizabeth, sou velho, mas não sou
bobo.
Arregalei os olhos ao ouvir aquilo.
— Eu não entendo — murmurei e Joseph apontou para a poltrona ao
seu lado, num pedido silencioso para que me sentasse.
Quando me acomodei, ele começou a falar:
— Veja bem, querida, desde o dia em que vi sua mãe, notei quem ela
era: uma mulher gananciosa, cheia de uma conversa fútil e ensaiada com
intuito de me impressionar.
Era bem típico de Eleanor fazer esse tipo de coisa, mas pelo visto, nem
todos os ricos gostavam dessa ladainha.
— Se percebeu tudo isso, porque permitiu que ela se relacionasse com
seu sobrinho?
— Gilbert apareceu de paraquedas aqui em casa há alguns meses e
desde então vem tentando ser incluído em meu testamento.
— Nossa, mais um interesseiro!
Ele sorriu e confirmou com a cabeça.
— Sim, dos maiores. Do mesmo jeito que sua mãe sente o cheiro do
dinheiro de longe, eu sinto cheiro de picaretas, lidei com esse tipo de gente a
vida toda.
Olhando para o homem distinto e forte à minha frente, não pude deixar
de rir ao perceber que a fragilidade que Joseph vinha apresentando àqueles
dois era falsa.
— Eu comecei a juntar as peças, só não entendi ainda por que me
chamou aqui e o mais importante: por que beliscou minha bunda?
Ele riu novamente.
— Me perdoe por aquilo, mas eles tinham que acreditar que eu estava
realmente interessado.
— Bom, saiba que o senhor quase levou uma bolsada na cabeça —
avisei, só para ouvi-lo gargalhar, divertido. — Agora, apenas para garantir:
foi tudo mentira?
— Eu diria que uma encenação.
Sorri de novo, sentindo um enorme alívio.
Ao entrar ali, estava pronta para brigar pela minha liberdade e, se
possível, falar umas boas verdades na cara daquele senhor.
Então descubro que, além de não fazer parte da armação, ele está
alimentando aqueles dois interesseiros com o mesmo veneno.
Que maravilha!
— Certo, mas por que eu estou aqui?
— Eu quero que continue nutrindo as esperanças de Eleanor e Gilbert,
acho que nunca me diverti tanto na vida.
— Como é?
— Veja bem. Desde que minha amada esposa morreu, eu ando muito
solitário e ver o filho do meu irmão, que era outro embuste, fazendo todas as
minhas vontades apenas para ficar com uma parte do que eu lutei tanto para
alcançar, e pior, achando que está conseguindo, tem sido uma boa distração.
Eu não podia crer no que estava ouvindo. A ideia de diversão das
pessoas ricas era muito diferente da minha.
— Ele chegou aqui achando que eu estava com o pé na cova — Joseph
continuou: — Mas os meses foram passando e eu não morria, então, ele quis
acelerar as coisas me dando a ideia de me casar novamente. Quando eu me
animei, ele me apresentou Eleanor — acredito que na época ele não estava
interessado nela —, mas eu lhe disse que a achava velha demais para mim.
Meus olhos se arregalaram antes de eu soltar uma gargalhada nada
elegante.
— Não acredito que falou isso dela!
— Claro que sim, querida. Conheço tipos como sua mãe, que não
aceitam a idade que têm, gastam a fortuna dos maridos em clínicas de estética
e dermatologistas achando, de verdade, que parecem ser muito mais novas do
que realmente são. O que não percebem é que a única pessoa enganada é
aquela que está do outro lado do espelho. E se junto com a vaidade, elas
tiverem maldade e ganância, merecem ouvir a verdade sem nenhuma
maquiagem.
Meu Deus, homem era terrível!, pensei, enquanto me acabava de rir,
imaginando a cara de Eleanor quando escutou isso de Gilbert, se é que ele lhe
falou tudo. Se não tiver falado, sei que ela desconfiou, já que apelou a mim.
— Foi por isso que eu entrei na história, porque você queria uma
mulher mais nova.
— Exatamente — ele respondeu com um sorriso diabólico no rosto
enrugado.
Meneei a cabeça. Aquele ali não tinha nada de bobo mesmo, mas
precisava ser sincera com ele.
— Joseph, eu imagino que seja tudo muito divertido, mas eu não posso
aceitar algo assim.
— Você não precisa se casar comigo, meu anjo, já fui casado com o
amor da minha vida, mas infelizmente ela se foi cedo demais. Depois me
casei mais duas vezes, apenas para me divertir, porém, essa época passou. Na
verdade, só de imaginar uma mulher querendo me dar ordens, já sinto
arrepios — brincou —, entretanto, gostaria muito que me ajudasse a dar uma
boa lição naqueles dois.
Bom, eu estava relutante em concordar com ele, mas dar uma lição em
Eleanor era tudo que eu queria na vida e aquela talvez fosse minha única
oportunidade.
— Antes de aceitar, preciso saber o que tem em mente.
Joseph assentiu e nos minutos seguintes me explicou como iria fazer
para enrolar os dois trambiqueiros e fazê-los beberem do próprio veneno.
Quando finalizou, eu tinha um sorriso enorme no rosto.
Joseph Holmes era muito ardiloso. Mas havia uma coisa me
preocupando.
— O senhor tem certeza de que está seguro com aqueles dois por perto?
— perguntei, sem querer externar o que se passava em minha cabeça.
Mas ele sabia muito bem do que eu estava falando.
— Não se preocupe, querida, Arion trabalha comigo há muitos anos e
antes de qualquer coisa é um grande amigo. Ele está de olho em tudo, assim
como minha governanta, que não consegue disfarçar sua antipatia tão bem
quanto meu mordomo e vive falando o que pensa. Então, é mais fácil eles
receberem um prato de comida envenenada do que eu — garantiu, dando
tapinhas na minha mão e eu sorri, bem mais tranquila.
Após resolvermos tudo, saímos do escritório, com Joseph apoiado em
mim, da mesma forma que fizera com seu mordomo e eu tive que me segurar
muito para não começar a rir.
Assim que entramos na sala, minha mãe abriu o sorriso mais sincero
que já vi em minha vida. A cobra estava radiante de nos ver lado a lado.
— Até mais, Elizabeth, foi um prazer — disse o velho senhor, beijando
minha mão.
Dessa vez eu apenas acenei polidamente e dei boa noite, sentindo pena
por saber que um senhor daquela idade, por mais vivaz que fosse, tivesse que
lidar com aqueles dois dissimulados.
Mamãe parecia nas nuvens quando foi se despedir dele. Depois deu um
beijo em seu comparsa de golpe e me guiou para fora, onde Benito nos
esperava.
No caminho de volta para casa, ela não parou de falar um só minuto.
Elogiou minha atitude "madura" de ter aceitado o noivado, pois seria o
melhor para nós todos, segundo ela, muito em breve estaríamos todos
vivendo na mansão de Joseph, uma vez que a propriedade era muito maior e
possuía vários empregados para nos servir.
Isso, com certeza, deixou Benito em alerta, pois percebi quando ele
procurou meu olhar pelo retrovisor.
Nenhum deles ganhava o suficiente trabalhando para minha mãe e
todos os meses ela atrasava seus salários, no entanto, lá sua família tinha casa
e comida, o que para eles era o suficiente, no momento.
Lancei-lhe um olhar tranquilizador, explicaria toda a situação a ele,
Consuelo e Stella quando a bruxa não estivesse por perto.
Até lá, apenas escutei as ideias fantasiosas de minha mãe e deixei que
ela sonhasse com a vida luxuosa que teria pela frente, afinal, quanto mais ela
se iludisse, maior seria seu tombo. Quem sabe se, depois dessa, ela não
aprendesse a parar de medir as pessoas pelo tamanho de suas contas
correntes.
Subimos até o andar superior lado a lado e Eleanor estava tão feliz, que
tive medo de que me puxasse para um abraço e desse um beijo em minha
bochecha. Mas, graças a Deus, ela apenas entrou em seu quarto e eu, no meu.
Joguei-me na cama, aproveitando o silêncio para pensar em tudo que
acontecera, mas logo Stella entrou, toda produzida.
— Que gata — brinquei, sabendo que ela iria sair e estava ali para me
convencer a acompanhá-la, escondida de Eleanor.
— Obrigada — falou, dando uma voltinha.
— Para onde está indo?
— Para onde estamos indo, já que vim te chamar para ir comigo.
— Sem chance, ainda estou atordoada com o tal jantar em que Eleanor
me levou.
— Tão ruim assim?
Dei de ombros, deixaria para falar quando estivessem todos juntos.
— Depois você me conta como foi. Agora senta que eu preciso que
veja uma coisa.
Stela pegou o celular, sentou-se ao meu lado e me estendeu o telefone.
Na tela havia uma foto de Harry desembarcando de um avião.
— Tão lindo falei — passando o dedo sobre seu rosto —, mas estou
com raiva dele.
— E devia mesmo — minha amiga emendou. — Depois que vocês
saíram, dei uma fuçada na internet, queria saber se tinha algum motivo para o
sumiço dele e encontrei essa foto onde aparece desembarcando de uma
viagem que fez à Rússia. A matéria diz que ele passou uma semana por lá e
só voltou para os Estados Unidos ontem.
Não era nenhuma novidade que Harry era um homem ocupado e cheio
de coisas importantes para fazer.
— É normal que um homem na posição dele faça esse tipo de viagem,
não estou entendendo seu espanto.
— Eu sei, Liz, só que a questão não é essa. Isso quer dizer que, tudo
bem, ele estava em outro continente numa viagem de negócios, mas também
significa que não sofreu nenhum acidente ou um infarto...
— Infarto, Stella? — questionei, divertindo-me com os exageros dela.
— Bom, já vi reportagens falando que esses empresários não costumam
se cuidar. Eles não se alimentam direito, não fazem exercícios e vivem
estressados; por causa disso muitos tiveram infarto antes dos quarenta.
Ouvi-la falar de exercício físico me fez lembrar dos braços fortes de
Harry ao meu redor e da dureza de seu corpo quando passeei minhas mãos
por ele, tinha certeza de que por falta de exercício, Harry Stone não infartaria.
— O que interessa é que o cara está bem, então, nada justifica esse
silêncio, quantos anos ele tem pra sumir assim? — falou, realmente irritada e
não pude deixar de me emocionar com a indignação da minha amiga.
— Stellinha, eu sei que está tão incomodada com isso quanto eu, mas
não há nada que possamos fazer. Se formos sinceras, vamos admitir que era
um tanto óbvio que um homem como ele acabaria caindo na real. Claro que
eu esperava que ele tivesse me dado o chute de uma forma mais madura e não
simplesmente sumido, mas não foi assim que aconteceu e talvez tenha sido
melhor, não sei como me comportaria se ele tivesse me dispensado
pessoalmente.
Ela olhou para mim com tristeza, mas anuiu e me abraçou.
Então, por mais de meia hora tentou me convencer de que sair me faria
bem, mas eu estava tão desanimada que não teve jeito, naquela noite eu
ficaria em casa, mesmo sabendo que pensaria em Harry até pegar no sono.

No sábado de manhã, acordei bem cedinho, queria contar as últimas


loucuras de Eleanor a Benito e Consuelo.
Eu os encontrei na cozinha e tomamos café da manhã juntos.
Assim que terminei meu relato, eles ficaram chocados, como eu
esperava.
— Não sei o que dizer, Liz — Consuelo comentou, desanimada.
Benito também parecia desacreditado de que minha mãe pudesse
chegar a tal ponto. Eu só não sabia o porquê disso, em se tratando de Eleanor,
todos os absurdos eram possíveis.
— Pois é, mas, graças a Deus, Joseph se mostrou mais lúcido do que eu
poderia supor e muito mais inteligente que os dois interesseiros e garantiu
que não quer se casar de novo.
Stella apareceu um tempo depois e estava com uma cara péssima.
Como de costume, Consuelo chamou sua atenção por ter bebido e
chegado tarde, já Stella, comeu feito louca o bolinho de chocolate que só
Consuelo sabia fazer. Ela só não reclamava mais porque a filha sempre ia e
voltava com o pai.
Depois de ouvir tudo o que a mãe tinha para falar, minha amiga
perguntou o que estávamos conversando e, mais uma vez, expliquei em
detalhes tudo a respeito do jantar.
Ela não ficou tão chocada, seu coração não era tão inocente quanto o
deles e sabia que Eleanor era capaz de tudo para voltar a ter dinheiro. Além
disso, se divertiu muito com a proposta de Joseph, estava louca para ver
como tudo acabaria.
— Benitoooo... — escutamos minha mãe berrando da sala e, mais que
depressa, Benito deixou a xícara dentro da pia, disposto a se apresentar, mas
no instante seguinte Eleanor entrou na cozinha, toda produzida e carregando
uma mala de viagem.
— Preciso que me leve ao aeroporto em tempo recorde — falou, toda
animada.
— Claro, Sra. Reagan, vou pegar o carro.
Continuei comendo sem lhe dar o gostinho de perguntar para onde
estava indo, sabia que não demoraria para ela revelar seu destino.
E foi o que aconteceu; assim que terminou de digitar algo no telefone,
olhou para nós, e disse:
— Eu sei que não é da conta de vocês, mas ganhei uma viagem com
tudo pago para as Ilhas Maldivas.
Consuelo, Stella e eu trocamos olhares desconfiados.
— Nossa, que sorte a sua — falei.
— Que sorte a nossa, isso sim — Stella sussurrou.
— Falou alguma coisa, Stella? — a cobra perguntou ao escutar o
cochicho da minha amiga.
— Apenas que é muita sorte mesmo.
Minha mãe sorriu e ajeitou a bolsa ao lado do corpo.
— Bom, volto em uma semana e, Elizabeth, não coloque os pés fora de
casa, não esqueça de que está comprometida e que deve respeito ao seu
noivo.
Quase me engasguei com o pedaço de bolo, mas assenti e ela saiu toda
feliz, arrastando sua mala de rodinhas e nos deixando completamente
desnorteadas.
— Estou passada. Eleanor falta rasgar dinheiro, sem condições de ela
ter capital guardado para uma viagem dessas — falei, pensativa.
— Não duvido que tenha ganhado mesmo ou, talvez, tenha algo a ver
com as milhas do cartão de crédito, do jeito que gasta, daria para ela ir ao
Japão.
A explicação de Stella me pareceu bem plausível, mesmo assim, fiquei
sem saber o que pensar.
— Bom, já que tenho uma semana de livre arbítrio, vou aproveitar para
ir ao orfanato. Quer ir comigo, Stella?
Minha amiga fez que não com a cabeça, disse que iria dormir.
— Espere Benito voltar que ele leva você, querida — Consuelo pediu.
— Tudo bem, enquanto isso vou lá atrás ver o Lion, faz dias que não
brinco com ele.
Para evitar o estresse, mas principalmente para que Eleanor não se
lembrasse de sua existência, não deixei meu cachorro entrar na casa, estava
morrendo de medo que ela pedisse para eu me livrar dele.
Por causa disso, era Stella quem brincava com ele para que não ficasse
entediado.
Lembrar disso me deixou chateada, que merda de vida essa minha; não
podia nem brincar com meu cachorro, porque a mulher que se dizia minha
mãe arrumaria um jeito de sumir com o bichinho.
Afinal, ela só aceitou o cãozinho numa tentativa de fisgar Harry Stone,
mas como não deu certo, não tinha porque continuar com ele.
Assim que me viu, Lion fez a maior festa e corremos pelo jardim feito
dois loucos. Dez minutos depois, minhas têmporas estavam suadas e meus
cabelos grudados no rosto.
Precisaria de um belo banho antes de ir para o orfanato.
— Liz. Liiiiiiz... — ouvi Stella gritar enquanto corria pelo jardim,
chegando até mim quase sem fôlego.
— O que foi?
Ela apoiou as duas mãos nos joelhos e puxou um monte de ar para
dentro dos pulmões antes de explicar:
— Não quero que crie expectativas, mas acabei de ver na TV que Harry
Stone está em Washington.
Aquele famoso frio na barriga percorreu meu corpo e foi impossível
não ficar com esperanças de que estivesse ali por mim. Mas aí me lembrei de
que ele tinha sumido sem me dar nenhuma explicação e toda aquela
esperança virou poeira.
— Harry está aqui por causa da política, é só isso que interessa a ele,
Stella — rebati, amarga, e minha amiga me lançou um olhar de compreensão.
Depois disso toda a minha empolgação se foi e pedi a ela que prendesse
Lion em sua casinha improvisada, Benito tinha acabado de passar pelos
portões e precisava me arrumar para ir ao orfanato.
Ocupar a cabeça era a melhor coisa a fazer naquele momento, seria
burrice demais ficar alimentando esperanças em relação a Harry Stone.
— Harry, o avião está pronto — Lexy avisou.
Verifiquei meu relógio e contei mentalmente a quantidade de horas que
teria pela frente para ter uma ideia de quando eu chegaria ao meu destino.
Com tudo o que tinha acontecido nas últimas 24 horas, nem mesmo
para isso eu tive cabeça.
— Obrigado, Lexy. Onde está minha pasta? — perguntei, após procurar
ao redor e não a encontrar.
— Zed está com ela, vamos.
Anuí e peguei meu notebook antes de sairmos de dentro do meu
escritório.
Era domingo, no entanto, minha equipe estava comigo nas Indústrias
Stone para que eu pudesse finalizar algumas coisas mais urgentes, já que meu
pai, provavelmente, não apareceria por ali nos próximos dias.
Eu pedi que Dominic ajudasse enquanto estivesse fora e ele se
prontificou a resolver o que estivesse ao seu alcance, mas era complicado,
uma vez que não estava por dentro de nenhuma das negociações.
Por causa disso pedi a minha secretária que desmarcasse todos os
compromissos que teria durante a semana e instruí que entrasse em contato
com Dom apenas se surgisse uma emergência.
Suspirei profundamente quando entrei no elevador.
— Ei, não se preocupe assim, a tia Julie disse que os médicos estão
otimistas — falou Lexy, dando um aperto em minha mão, antes de pegar meu
notebook e guardá-lo em sua bolsa.
Ofereci um meio sorriso a ela e passei as mãos no rosto.
Eu estava cansado como nunca estive antes, chateado por ter que viajar
de última hora e muito preocupado.
Meus avós, Robert e Laura, chegaram a Nova York para passar uma
semana na cidade.
Como sempre acontecia quando eles nos visitavam, meus pais fizeram
um jantar que contou com a presença de todos os Stone, onde pude matar a
saudade dos dois.
E estava tudo bem, até eu receber aquele telefonema.
Eu tinha ido a Michigan na sexta-feira para me encontrar com Bob
Miles, um ex-senador altamente influente no estado. Ele estava sondando os
possíveis candidatos do partido republicano, para ver a quem daria seu apoio.
O jantar foi bem agradável e, pelo visto, fui considerado aceitável, pois
Bob me convidou para jogar golfe com ele e outros dois amigos, um político
e outro empresário, que estavam interessados em me conhecer.
Claro que eu aceitei. Golfe não era meu esporte favorito, mas eu jogava
bem, de modo que não passaria vergonha. Além do mais, era em lugares
descontraídos como aquele que a maioria das alianças costumavam ser
forjadas e já que não tinha nada para fazer, por que não?

Estávamos no 11º buraco, quando Lexy apareceu avisando que meu


pai ligara dizendo que meu avô tinha passado mal e teve que ser levado às
pressas para o hospital.

Na mesma hora senti um baque no estômago. Apesar de morarmos em


continentes diferentes, nós éramos muito próximos e saber que ele não estava
bem, foi bastante impactante.
Vendo o que havia acontecido e especialmente o quanto fiquei abalado,
meus companheiros de jogo foram unânimes em dizer que eu deveria ir
embora, coisa que iria fazer independentemente de eles terem me “liberado”
ou não. Eu podia ter todas as ambições do mundo, mas minha família vinha
em primeiro lugar.
Com isso acertado, despedi-me deles, subi no carrinho e fui embora.
Lexy, eficiente como sempre, já tinha pedido para Cathy ir ao hotel
pegar minhas coisas e fazer o checkout, de modo que só precisei ir ao
vestiário para tomar um banho rápido e trocar de roupa, antes de me deslocar
para o aeroporto.
Graças a Deus Michigan era perto de Nova York e cerca de duas horas
depois, estava entrando no hospital, onde encontrei toda a minha família.
Pelo que os médicos disseram, vovô Robert teve um infarto, no entanto,
ainda não tinham informações acerca de possíveis sequelas.
Quando saí do hospital, por volta das 22h, ele ainda não havia acordado
e mesmo querendo permanecer lá com eles, não tinha como, uma vez que
com tudo o que aconteceu, fui obrigado a tomar o lugar de meu pai na
viagem que ele faria à Rússia, onde trataria de uma negociação que vinha se
arrastando há vários meses.
Minha mãe iria junto com ele, porque além de aproveitar para
explorarem o país juntos, eles iriam para à Ucrânia, pois mamãe queria
conhecer a Usina e o Museu Nacional de Chernobyl. Mas com seu pai
doente, seria impossível e seu marido jamais a deixaria sozinha em um
momento como aquele.
Então, ali estava eu, em pleno domingo, embarcando no avião das
Indústrias Stone, indo para o outro lado do mundo.
— Você anda monóxilo comigo desde que voltou de Washington —
minha amiga reclamou quando entramos no carro.
— Impressão sua, conversamos bastante — rebati, mas sabia que ela
tinha razão.
Lexy não estava muito contente com a aproximação entre mim e Liz,
razão pela qual achei melhor não dar detalhes sobre nosso encontro, isso seria
combustível para que ela continuasse sua campanha contra.
— Você entendeu o que eu quis dizer, mas vamos ao que interessa... —
Então ela começou a me deixar a par de tudo que aconteceria na minha
viagem à Rússia.
Eu não era muito fã dos ‘soviéticos’, mas devido ao tipo de produto que
nossa empresa vendia, essa interação era inevitável.
Durante o trajeto até o aeroporto, fiquei sabendo que teria reuniões
todos os dias daquela semana, tanto com empresários quanto com o governo;
precisaria também visitar algumas instalações e participar de vários eventos
noturnos, a começar pelo jantar ao qual teria que comparecer ainda naquela
noite.
Eu só esperava ter cabeça para conversar, já que não tinha dormido
quase nada na noite passada.
— Rurick também entrou em contato. Disse que precisa falar com você
quando voltar. Pediu para dizer que se não puder ir a Washington, ele virá
para Nova York.
Quando eu ia me manifestar quanto àquilo, ela me interrompeu:
— Não se preocupe, já falei que você terá um imenso prazer em
encontrá-lo na capital, afinal, terá outras coisas para fazer por lá — finalizou,
com seu ar de quem sabia de tudo e eu sorri. — Outra coisa, ele pediu que
não comente nada com Zara ou Blake. Pelo visto, a relação dele com a filha
ainda está meio estremecida e você sabe como Zara gosta de se meter nos
detalhes da campanha.
— Bem que dizem que não há espaço para duas abelhas rainhas na
mesma colmeia — comentei para irritá-la.
Lexy e Zara se bicavam o tempo todo, não porque não se gostavam,
mas porque eram muito parecidas. As duas eram lindas, fortes e acostumadas
a impor suas ideias e decisões.
O problema era que Zara Sullivan tinha trabalhado como agente secreto
por vários anos e entendia melhor que ninguém como funcionava o
submundo da política e das negociações em geral, não apenas nos Estados
Unidos, mas em nível mundial, só que Lexy não sabia disso e a considerava
uma sabichona.
Eu gostava muito de Zara, ela era inteligentíssima e um ser humano
formidável. Mas Rurick Czar era um dos meus mais importantes aliados. O
homem era uma águia e seria meus olhos e ouvidos em todas as partes do
mundo, por esse motivo, não teria qualquer problema em acatar seu pedido
de nos encontrarmos em particular.
— Não tenho nada contra, na verdade, Zara é o tipo de mulher que eu
pegaria, se não fosse casada, só que ela é meio intrometida às vezes. —
Levantei uma sobrancelha e me esforcei para não rir. — Totalmente
diferente, engraçadinho. Eu me meto na sua vida porque nos conhecemos
desde sempre, Zara chegou agora e já quer se sentar na janela.
Revirei os olhos e preferi não discutir.
— Pode marcar o encontro com Rurick, estou mesmo precisando falar
com ele. Quanto a Zara, acho melhor se acostumar, não se esqueça de que ela
é a esposa do meu vice-presidente.
Blake Sullivan era uma pessoa a quem eu apreciava muito também e
fora escolhido a dedo para ser meu vice. Especialmente pela experiência de
sua família no mundo político, estava certo de que todos os anos que viveu
vendo o pai exercendo seus mandatos e os anos que o próprio tinha no
congresso, compensariam toda a minha inexperiência nesse quesito.
Eu sabia que ele também almejava ser presidente dos Estados Unidos
algum dia, mas ambos sabíamos que por ter se divorciado há pouco tempo, o
eleitorado conservador não seria muito complacente. Como vice-presidente,
no entanto, era diferente. Apesar de ele ser importantíssimo no governo, os
eleitores não focavam muito em sua figura, a não ser que algo de muito grave
o atingisse.
O que não era o caso de Sullivan. Graças a Deus, sua ex-mulher não fez
alarde ou sensacionalismo por causa do divórcio, na verdade, colocou a culpa
deste em si mesma, alegando que com todos os problemas inerentes ao
“cargo de esposa de político”, o casamento havia se desgastado e que depois
do tiro que levou, não queria mais fazer parte dessa vida.
Isso fez com que Blake fosse visto como o marido abandonado, o que
gerou muita simpatia, além de uma fila de pretendentes para o consolar.
Mas é claro que Lauren não fizera isso por altruísmo. Ela sabia que
Blake estava apaixonado por outra mulher e preferiu acabar ela mesma com o
casamento de conveniência que tinham, antes que ele o fizesse quando
assumisse a namorada, deixando-a com a alcunha de mulher traída, que pode
até gerar comoção em um primeiro momento, mas depois vira apenas
chacota.
Com isso, ambos saíram por cima. Ela se mudou para Nova York com
tudo o que conseguiu após o divórcio, já Blake se casou com Zara alguns
meses depois e poderia dizer, com toda certeza, que eles estavam
imensamente felizes. Isso era algo quase palpável, o que deixava as eleitoras
mais românticas suspirando, de modo que não atrapalharia em nada minha
candidatura.
Desde que decidimos quem comporia a chapa, foram incontáveis as
reuniões e jantares que tivemos para bolar estratégias de campanha, até que
fui colocado contra a parede com relação à minha primeira-dama.
Ao saber daquilo, Zara resolveu promover o baile, a fim de reunir todas
as solteiras elegíveis de Washington e onde conheci Elizabeth Reagan.
Depois de uma vida um tanto robótica, relacionando-me com mulheres
aleatórias, eu estava desacreditado daquele evento. Então foi meio surreal eu
me ver interessado por Liz.
Nossa sexta-feira tinha sido maravilhosa. Fazia tantos anos que eu não
passava um tempo de qualidade com uma pessoa tão diferente e... incrível.
Sim, com certeza essa era a palavra certa para descrevê-la.
Liz conseguia ser, linda, inteligente, engraçada...
E virgem...
Porra. Ela era virgem e eu ainda não conseguia acreditar nisso.
— Terra chamando Harry.
Olhei para Lexy, que dessa vez me olhava como se soubesse o teor dos
meus pensamentos, mas ela nunca poderia imaginar o que eu ouvi de Liz,
porque era bastante surreal.
— O quê? — perguntei.
— Falei que chegamos e que o piloto já está esperando.
— Achei que sendo o dono do avião eu pudesse chegar a hora que
quisesse — brinquei.
— Você é tão presunçoso — rebateu, batendo em meu ombro com o
seu.
Ambos nos encaminhamos para a aeronave, juntamente com Zed. Os
outros dois seguranças já deviam ter entrado para verificar o interior, pois não
estavam a vista.
— Allen e Cathy também já devem estar lá dentro — Lexy comentou
com desgosto. — Já estou me preparando mentalmente para aguentar aqueles
dois.
— Tem alguém de quem você goste, além de mim, claro?
Ela revirou os olhos.
— Quem disse que gosto de você? eu apenas te suporto porque paga
meu salário.
— Um ótimo salário, diga-se de passagem — cutuquei e nós dois
rimos.
Lexy era muito inteligente e poderia trabalhar em qualquer empresa ou
com qualquer empresário de renome, que se daria bem. A única coisa que a
deixava em desvantagem, era a antipatia gratuita que nutria pelas pessoas em
geral.
Acho que além de mim, Zed, seus pais e seu irmão, suas interações
eram de cunho sexual, pois ela não tinha paciência de fazer novas amizades,
além das poucas que já possuía.
Nós nos parecíamos em muitos pontos, mas nunca poderia ser fechado
como ela, não com o cargo que almejava ocupar; seria um tiro no pé.
Apesar de que, com a família que eu tinha, isso seria impossível. Era
muito amor envolvido, muito companheirismo, muita gaiatice de todos os
lados. Até mesmo Alexander, o garoto mais mal-humorado que eu já conheci,
foi se abrindo aos poucos enquanto crescia e, ao menos entre nós, já
conseguia ser um pouco mais afável.
Isso também se devia ao meu avô, que desde muito cedo nos ensinou a
importância de ter uma personalidade magnética, que atraísse as pessoas.
E ele estava certo, simpatia gerava simpatia, mas às vezes era bom ter
um cão raivoso ao lado, era assim que Lexy se intitulava com pessoas que
passavam da conta comigo e isso era muito divertido.
Chegamos a escada e dei passagem para que ela me precedesse. Zed foi
logo atrás de mim.
Agradeci mentalmente ao meu pai por ter escolhido a maior aeronave
da frota pertencente à nossa empresa. Ele, muito provavelmente, fizera isso
porque mamãe estaria junto, mas foi ótimo para nós, pois poderíamos viajar
com muito mais conforto e comodidade.
Assim que entramos, fomos recebidos por duas comissárias e o
comandante. Após algumas palavras a respeito do voo, continuei meu
caminho e vi os dois seguranças sentados nas primeiras poltronas, um de cada
lado. Mais atrás estavam Allen e Cathy.
Meus assessores fizeram questão de me acompanhar porque seria bom
iniciar algum tipo de relação com pessoas que, futuramente, poderiam estar
negociando com o governo.
Além disso, era importante que vissem como funcionava uma cúpula
composta pelos políticos e empresários mais poderosos da terra.
Ser o CEO do maior fabricante de armas do mundo, me dava o
privilégio de estar entre eles, mesmo sabendo que havia interesses bélicos e
muitas vezes escusos por traz de tudo aquilo.
Só que eu aprendi com os melhores e não me deixava ser enganado.
Claro que as reuniões seriam a portas fechadas, mas todo o resto
poderia ter a participação deles, por isso fiz questão de suas presenças, se eu
fosse eleito, participaríamos de vários encontros parecidos, e queria que
minha equipe entendesse como o jogo funcionava.
Depois de cumprimentar a todos, sentei-me de frente para Allen e
Cathy, que se encontravam acomodados à mesa de reuniões do meu avião. Os
dois pareciam bastante animados.
Após alguns minutos de amenidades, Lexy repassou minha agenda pela
segunda vez naquela manhã para que eles ficassem a par do que aconteceria.
Tão logo ela terminou, pedi que me entregasse o notebook que havia
guardado consigo, precisava trabalhar porque meu tempo seria escasso lá na
Rússia.
Assim que o fez, Allen pediu que ela o acompanhasse, parecia que ele
queria tratar de algum assunto e todos se levantaram.
Sorri internamente por saber o quanto minha amiga ficaria irritada com
isso. Ao olhar para o lado, vi Zed disfarçando um sorriso, ele também sabia
como ela era e não disfarçava seu contentamento.
Voltei minha atenção ao notebook e não vi mais nada ao meu redor.
Um bom tempo depois, Lexy colocou um prato à minha frente, assim
como uma taça de vinho, e me intimou a comer.
Eu nem tinha percebido o quanto estava faminto até colocar a primeira
porção na boca.
Com tudo o que ocorreu, eu não tive tempo para almoçar ou jantar,
apenas comi um sanduiche no trajeto entre Michigan e Nova York e depois
dividi outro com Dominic, no início da noite, porque mamãe nos obrigou.
Naquela manhã, com tanta coisa de última hora para fazer e o voo
marcado para as 10h30, eu sequer me lembrei de comer, apenas tomei um
café e masquei um chiclete, duas coisas péssimas para um estômago vazio.
— E como vão as coisas com Elizabeth? — perguntou Cathy,
sentando-se à minha frente.
Ela também tinha uma taça de vinho na mão e imaginei que já tivesse
almoçado.
Sorri, Cathy vinha se mostrando muito prestativa em relação aos
detalhes da campanha e demonstrava simpatia por meu possível
relacionamento com Liz.
— Estamos nos conhecendo, mas ainda é cedo para falar qualquer coisa
— pontuei.
— Eu sei que sim e sinto muito tocar nesse assunto, mas você não tem
muito tempo, Harry. Se acha que Elizabeth pode ser sua escolhida, tire uma
semana de folga e veja se é isso mesmo que quer, acho que passar esse tempo
com ela será primordial para tomar uma decisão.
Cathy estava certa, a cada dia que decorria, meu tempo ia se esgotando
e eu precisava me posicionar o quanto antes.
— É uma boa ideia, vou pensar no assunto.
— Se precisar de ajuda com alguma coisa, me fale — ofereceu.
— Lembrarei disso. Obrigado.
Entendendo que o assunto estava encerrado, Cathy pediu licença e se
afastou, mas me deixou pensativo.
Com o jantar de sexta, a partida de golfe e a internação do meu avô,
não tivera tempo nem cabeça para pensar com clareza do que ela me falara a
respeito de si ou em como aquilo me afetaria.
Sim, num primeiro momento eu fiquei bastante abalado com a
novidade, mas após pensar um pouco mais, percebi que era melhor encarar
sua virgindade como um bônus e não como um problema, Liz era adulta,
sabia muito bem o que queria e se fosse para acontecer...
Balancei a cabeça ao me dar conta do rumo dos meus pensamentos.
Minha vida era tão atribulada, eu tinha intermináveis compromissos
referentes ao trabalho, agora, com a candidatura, as coisas pioraram muito, de
forma que eu ainda não conseguia entender como Liz havia conseguido
ultrapassar todas as barreiras impostas por mim há tantos anos e se
embrenhado em minha mente.
No coração também, disse uma vozinha dentro de mim.
Será? Eu ainda não tinha certeza. Fiquei esperando para ver o que
sentiria em relação a isso, mas nada aconteceu além de bem-estar, o que me
fez perceber que aquilo não me preocupava. Liz era uma mulher
extraordinária, a única que despertou algum interesse genuíno em mim e eu
estava convicto de que seria ótimo se me apaixonasse por ela.
Sorrindo, fiz uma anotação mental para ligar assim que chegássemos ao
hotel.
Chegamos ao local do evento com cerca de meia hora de atraso.
O plano era ir direto para o hotel onde nos hospedaríamos, tomar um
banho e nos arrumar com calma, mas não contávamos com a tempestade que
caiu no meio do trajeto.
Eu, na verdade, não vi nada, pois, após o almoço, a taça de vinho que
tomei se juntou ao cansaço que sentia por não ter dormido quase nada na
noite anterior e simplesmente me baqueou.
Por esta razão, ao tomar o último gole, pedi licença e fui para um dos
quartos existentes no avião, onde apaguei, acordando horas depois por Lexy,
avisando que não teríamos tempo de ir ao hotel antes do evento e que, por
isso, eu devia me vestir ali mesmo.
Enquanto tomava banho, ela preparou meu smoking e disponibilizou
todos os acessórios de que precisaria. Essa era uma das vantagens de se ter
uma assessora particular tão eficiente e sempre atenta a tudo.
Apesar de rápido, o banho foi revigorante e aliviou o cansaço que ainda
restava em meu corpo.
Claro que eu ainda iria sofrer um pouco, já que teria que lidar com os
efeitos do jet leg, mas não havia nada que eu pudesse fazer quanto a isso.
Quando saímos do aeroporto com destino ao jantar, percebi que todos
pareciam animados, exceto eu. Nada daquilo estava programado e aquela
semana, certamente, seria longa. Mas não devia reclamar, eu precisava
substituir meu pai e o faria da melhor maneira possível.
Assim que entramos no salão de festas, que estava belamente decorado,
notei como aquele ambiente refletia a riqueza da maioria das pessoas que se
encontrava ali.
Os russos adoravam ostentar seu dinheiro e poder, principalmente aos
americanos.
Procuramos pela mesa que ocuparíamos e vimos que já havia um casal
acomodado. Nós nos apresentamos e após alguns minutos de conversa,
descobri que ele era um empresário alemão do ramo automotivo.
Após o jantar, o casal se levantou para cumprimentar alguém e fiz o
mesmo.
Conversei com alguns políticos, tanto russos quanto americanos, além
de secretários do nosso atual governo.
Também encontrei diversos empresários de diferentes países, vários
deles eram novos por ali e outros já bem conhecidos. Muitos destes já haviam
feito negócios com as Indústrias Stone e alguns ainda eram nossos parceiros.
Depois de alguns minutos, percebi que a única coisa que não mudava
nesses eventos, era o olhar sedento que algumas mulheres lançavam aos
homens ao redor. Ser uma figura pública aumentava muito o nível de assédio
da ala feminina.
— Harry — Lexy chamou, quase uma hora depois, assim que me
despedi de Zen Mayaf, um amigo de meu pai do ramo de joias, que, segundo
me disse, pretendia expandir seus negócios para outras áreas e achou que ali
seria um bom lugar para especular e fazer contatos.
— Sim? — respondi, acenando para uma modelo com quem saíra
alguns anos atrás. Graças a Deus ela estava acompanhada, pois o olhar que
me lançou dizia que, estaria mais do que disposta a assinar meu termo de
confidencialidade novamente.
Não que eu fosse querer.
— Vamos a algum lugar para que eu possa tirar algumas fotos suas. Já
tirei várias enquanto conversava por aí, mas precisamos de algumas menos
aleatórias para colocarmos no site da empresa e também para a campanha.
Suspirei. Tudo o que eu queria era voltar para o hotel e, dependendo do
horário nos Estados Unidos, ligar para Liz. Estava louco para falar com ela,
só que com todos os acontecimentos, mal consegui responder sua mensagem.
Mas a verdade era que eu não gostava muito de trocar mensagens via
celular, preferia ligar e escutar sua voz quando lhe perguntasse o que tinha
feito no fim de semana... Isso, entretanto, teria que esperar um pouco mais.
Vendo meu desânimo, Lexy falou:
— Pode ser perto de nossa mesa mesmo, há um painel do evento bem
ao lado. Vamos — pediu e a acompanhei até o local que ela indicou.
No caminho, cumprimentei meus acompanhantes, que haviam
permanecido lá quando fui socializar e me posicionei como Lexy queria,
vendo Cathy chegar logo atrás dela.
— Ah, droga! — reclamou minha assistente e soltou várias
imprecações. Pelo visto, já estava um pouco alta, mas como seu horário de
trabalho tinha acabado há muito tempo, não me importei. Quando a fitei com
uma sobrancelha erguida, ela respondeu: — A bateria do meu celular acabou.
Revirei os olhos e lhe entreguei o meu, já estava acostumado com isso.
Após ela ter tirado as tais fotos oficiais, pedi que Cathy e Allen se
aproximassem. Queria que tivesse uma foto nossa para quando minha
candidatura fosse lançada, tanto para nossos arquivos, quanto para o
eleitorado, queria mostrar que tínhamos um time unido.
Ambos se aproximaram e Lexy fez o que pedi. Depois de pronto, ouvi
Cathy se oferecer para tirar uma de mim e Lexy que, como sempre, fez uma
de suas poses sensuais que deixavam seus seguidores babando.
— Tá bom, já chega — falei, querendo me sentar, mas antes que
pudesse fazer isso, o secretário de Comércio dos Estados Unidos se
aproximou para conversar e vi que elas aproveitaram para tirar mais algumas
fotos antes de voltarem à mesa para me esperar.
Cerca de uma hora depois, estávamos saindo do evento, cada um mais
cansado que o outro.
Esse era o preço que eu tinha que pagar por ocupar um cargo tão
importante na sociedade e, principalmente, nos negócios da família Stone.
Entrei em meu quarto, limitei-me a fazer minha higiene noturna e caí
na cama, morto de cansaço e dando graças a Deus por não ter nenhum
compromisso na manhã seguinte.

Ao acordar, várias horas depois, estava me sentindo bem. Não totalmente


descansado, mas bem o bastante para enfrentar o dia.
Tomei banho, vesti um terno e, como se adivinhasse que eu estava
pronto, alguém bateu na porta.
— Bom dia, belo adormecido — falou Lexy, entrando e se sentando em
minha cama.
— Bom dia. Acordou há muito tempo? — perguntei, após verificar
meu relógio e ver que passava das 9h da manhã.
— Há quarenta minutos, mais ou menos. Vim te pegar para irmos
tomar café. Lá eu passo sua agenda novamente.
— Tudo bem — concordei e voltei ao banheiro, saindo de lá alguns
minutos depois completamente pronto.
Ao atravessar a porta, deparei-me com Zed, alerta como sempre.
— Bom dia — falei e ele assentiu com um pequeno sorriso no rosto.
Zed, além de ser meu amigo, era um dos meus funcionários mais
competentes e era por isso que eu, com certeza, o colocaria para trabalhar
junto com o Serviço Secreto, caso fosse eleito, seria reconfortante ter uma das
poucas pessoas em que eu confiava ao meu lado.
Descemos e fomos diretamente para o restaurante do hotel, onde
encontramos Cathy e Allen. Vi que meus outros seguranças também já
estavam por ali, atentos a tudo.
Fizemos nossos pedidos e enquanto esperávamos, Lexy relembrou o
que teria para fazer naquela tarde e no dia seguinte.
Estava acabando minha omelete, quando me lembrei do meu celular.
Sentia-me tão exausto, que não dei falta do aparelho.
Sabia que não o tinha colocado para carregar, pois não estava sobre a
mesa de cabeceira, que era onde costumava ficar, por isso imaginei que
tivesse esquecido em algum bolso do meu smoking. Mas logo após esse
pensamento, lembrei-me de que Lexy não havia me devolvido o aparelho
depois que tirou as fotos.
— Lexy, eu preciso do meu celular. Quero ligar para Elizabeth antes de
entrar em reunião.
—Mas eu não estou com seu celular.
— Como não está? Você o pediu emprestado ontem e depois não
devolveu.
Ela franziu o cenho, como se estivesse tentando se lembrar do que
havia acontecido.
— Olha, eu tinha bebido um pouco ontem, mas tenho certeza de que
não levei seu telefone comigo sem querer.
Estreitei os olhos e me voltei para Cathy.
— Se não ficou com ela, ficou com você — acusei, já perdendo a
paciência.
— Eu só o peguei para tirar as fotos de vocês, depois o devolvi para a
Lexy.
Encarei minha amiga que olhava para Cathy como se pudesse matá-la.
— Lexy — rosnei.
— Eu não me lembro com exatidão de tudo o que aconteceu, mas sei
que não está comigo.
Bati o punho na mesa, chamando a atenção dos poucos hóspedes que se
encontravam no restaurante naquele horário.
— Ei, não precisa ficar assim, pega meu telefone e liga para ela! —
Lexy ofereceu, soando ofendida e irritada.
— Como eu disse ontem no carro, enquanto íamos para o evento, eu lhe
dei um telefone de presente, porque o dela tinha caído na água, então, não
tenho seu número anotado em nenhum outro lugar.
Todos ficaram calados e desviaram o olhar, ao que eu agradeci. Estava
muito irritado.
— Faz assim — disse Cathy alguns minutos depois —, como não tenho
nada para fazer esta tarde, posso voltar ao salão de festas e ver se alguém
achou o aparelho. Sei que é um tiro no escuro, mas podemos ter sorte.
Sorri levemente por sua boa vontade e dirigi um olhar atravessado a
Lexy, antes de pedir licença e me levantar.
— Daqui a pouco eu desço — avisei e saí em direção ao elevador,
extremamente chateado e sem entender como meu celular podia ter sumido.
Por questão de segurança, meu GPS ficava desligado, minha equipe
tinha medo de que minha localização fosse descoberta por inimigos em
potencial.
Além do poder e dinheiro proporcionado pelas Indústrias Stone, eu
também havia herdado seus inimigos. Embora nunca tivesse me desentendido
com ninguém em particular, as ameaças chegavam de todas as partes do
mundo, desde ativistas que eram contra as armas que produzíamos até os
terroristas mais procurados do mundo, que as queriam para si.
Em virtude disso, eu adquirira o hábito de não colocar muita coisa em
meu aparelho, pois sabia do perigo que seria se caísse em mãos erradas, de
forma que a única coisa realmente importante nele era o número de Elizabeth.
Se ela tivesse telefone em casa, seria mais fácil, mas nem isso...
Fechei minha pasta com força, sendo dominado por raiva e frustração.
Já podia imaginar o que se passaria na cabeça de Liz quando eu não
entrasse em contato. Ela já era bem insegura com relação ao nosso
relacionamento, tanto que me dispensou no primeiro dia. Depois teve a forma
como reagi quando confessou que ainda era virgem... Ela vai pensar que eu
simplesmente desisti de nós.
Droga!
Ainda estava irritadiço quando voltei a descer.
Eu tinha um milhão de coisas para fazer, por isso deixei que minha
equipe resolvesse essa questão, com um pouco de sorte, Cathy encontraria o
aparelho e eu daria um jeito de me desculpar.
Para meu azar, o celular não foi encontrado, de forma que fiquei a semana
toda sem ter contato com Elizabeth.
Devido a isso, resolvi que daria um jeito de voltar à Washington ainda
na sexta-feira para poder me explicar, mesmo certo de que após tantos dias
sem dar sinal de vida, ela deveria estar me achando o pior dos cafajestes.
— O que foi, filho? — mamãe perguntou quando nos acomodamos no
sofá de sua sala.
Assim que cheguei de viagem, no final da manhã de sexta-feira, fui
direto para a cobertura dos meus pais para ver como estava meu avô e
aproveitei para almoçar com eles.
Fiquei feliz em ver que vovô Robert já estava fora de perigo, tendo,
inclusive, recebido autorização para viajar ainda naquele dia.
— Cansado da viagem — menti.
— Eu te conheço desde os nove meses em que morou em minha
barriga, então, não tente me enganar.
Encarei os olhos verdes de minha mãe, sempre tão astutos, eles não
deixavam nada escapar.
— Não tenho mais certeza de que Elizabeth vá querer me ver outra vez
— confessei, tentando soar engraçado, mas ela continuou me olhando,
querendo uma explicação. A Sra. Julie adorava uma boa história, então eu
relatei meio por cima o que tinha acontecido.
— Mas você nunca foi covarde e por isso irá atrás dela — demandou,
com toda a sua autoridade de mãe. — Só não leve flores, querido, isso será
como uma confissão de culpa.
Soltei uma risada daquelas, minha mãe era uma figura.
Quando fui embora, passei nas Indústrias Stone para ver como estavam
as coisas e acabei demorando muito mais do que desejava, por isso, ao
desembarcar em Washington, tive tempo apenas de me instalar em meu
quarto, antes de ir ao restaurante do hotel para me reunir com Blake Sullivan
e Rurick Czar, que precisavam conversar comigo.
Com todos esses contratempos, só conseguiria ver Elizabeth no sábado
e, isso sim, estava sendo um martírio. A posição em que me encontrava,
acabava me deixando completamente amarrado à uma agenda rigorosa, mas
como eu tinha muita coisa para lhe explicar, era melhor que tivéssemos
tempo.
Pensando nisso, pedi ajuda a Zed. Depois do sumiço do meu celular,
não arriscaria que Lexy ou Cathy fizessem outra burrada, então, meu amigo
passou a tarde toda procurando uma maneira de afastar Eleanor Reagan de
casa pelo maior tempo possível.
Cheguei à capital perto das 21h e fui direto para o restaurante do hotel
onde Blake e Rurick já me aguardavam para falar algumas novidades da
campanha.
Blake me repassou os nomes de vários políticos que se comprometeram
a nos apoiar durante as primárias, Rurick falou a respeito de esquemas que
alguns adversários haviam forjado, os quais já estava desmantelando e eu
expliquei com mais detalhes a conversa que tivera com o reverendo Norton.
Sabendo o quanto Zara era ligada a assuntos que diziam respeito a
orfanatos, tinha pedido a Blake que lhe perguntasse se não gostaria de ficar
encarregada da reforma que havia prometido ao padre e fiquei feliz quando
ele me deu uma resposta positiva, afirmando que ela já tinha até entrado em
contato com os responsáveis pelo local e feito uma visita.
Durante nossa conversa, o nome de Liz acabou surgindo e fui sincero
ao dizer que tinha intenção de começar um relacionamento com ela.
Ao ouvir isso, tanto Blake quanto Rurick foram discretos e não
expressaram nenhuma opinião que pudesse me influenciar, mas todos nós
sabíamos que havia muita coisa em jogo e que era necessário pensar bastante,
antes de tomar qualquer decisão.
Aquilo soou um pouco contraditório, já que, quando se tratava de
Elizabeth Reagan, eu sempre acabava indo de encontro a tudo que era lógico

No dia seguinte, acordei disposto a ir à casa de Liz logo cedo. Mas então me
lembrei de que alguns sábados atrás a tinha encontrado no orfanato, por isso,
para não me precipitar, pedi a Zed que ligasse e perguntasse a seu respeito.
Não foi nenhuma surpresa saber que ela realmente estava lá, dando aula
de pintura para as crianças.
Preferindo encontrá-la sozinha, parei em frente ao prédio antigo e
malcuidado um pouco antes do horário em que a vi sair da última vez e
esperei.
Não demorou para avistar Liz se despedindo de duas freiras e algumas
crianças. Na mesma hora saí do carro e me encostei na lateral, mãos nos
bolsos, numa tentativa de parecer casual e tranquilo, embora sentisse o
coração palpitando no peito, enquanto a via caminhando a passos lentos, com
olhos vidrados na tela do celular.
Será que ainda esperava por uma ligação minha?, pensei.
Quando ela levantou o olhar e finalmente me notou, vi seu corpo
enrijecer, mas ela logo se recompôs e continuou andando em minha direção.
Conforme se aproximava, fui me deliciando com a suavidade de seus
traços e a beleza de seu rosto.
Liz estava usando um longo vestido azul marinho com estampas
geométricas, os cabelos desciam soltos pelos ombros, mas não havia qualquer
resquício do sorriso que tanto me fascinava.
Desencostei-me do carro e caminhei ao encontro dela. Eu sabia que
tinha muito a esclarecer, mas a única coisa que consegui fazer quando me vi
de frente para ela novamente, foi tomá-la nos braços e beijá-la, tentando
demonstrar toda a saudade que estava sentindo.
Obviamente eu achei que ela fosse resistir, me empurrar para longe,
mas não, após alguns segundos de hesitação, Liz se entregou ao beijo e ao
perceber isso todo meu corpo vibrou, cheio de vida, excitação e mais alguma
coisa.
Enquanto nossas línguas duelavam, tudo em que podia pensar era que
essa garota provocava sensações desconhecidas em meu corpo, minha mente
e, principalmente, em meu coração.
O beijo terminou e agarrei-me a ela, Ficamos assim por vários
segundos, até Liz se dar conta do que estava fazendo e se afastar de mim,
com um olhar raivoso, mas também magoado, que me quebrou por dentro.
Por mais que quisesse puxá-la de volta para mim, havia chegado o
momento de lhe dar explicações e só esperava que ela entendesse, porque
após todo esse tempo longe, meu desejo por ela apenas aumentou e agora eu
queria muito mais que apenas beijos ardentes.
Eu ainda estava atordoada com a gritaria que as crianças fizeram no
final da aula e depois de uma breve conversa com o padre Norton, encerrei
minha manhã com aquela deliciosa sensação de dever cumprido.
Mais cedo havia mandado uma mensagem para Benito dizendo que não
precisava ir me buscar, pretendia ir almoçar no centro e andar um pouco por
lá antes de voltar para casa.
Queria aproveitar meus dias de liberdade ao máximo.
Enquanto percorria a entrada ladeada por árvores gigantescas, peguei
meu celular na bolsa para ver o que recebera, mas só tinham as besteiras que
Freddy, Luna e Stella enviaram ao nosso grupo, do qual tinha sido removida
quando Eleanor pegou meu celular.
Saber que Harry estava na cidade e, ainda assim, não me mandara uma
mensagem sequer, fez a sensação de tristeza e desapontamento que me
acompanhava nos últimos dias voltar com força.
Levantei o olhar para me situar e parei imediatamente, desacreditada do
que via.
Harry Stone, com toda a sua beleza e elegância, se encontrava
encostado em um carro preto, estacionado alguns metros adiante.
Uma infinidade de sentimentos tomou conta de mim e,
inconscientemente, estremeci e enrijeci o corpo.
Se o sol alto do fim da manhã não estivesse queimando minha pele e o
som das risadas das crianças não continuasse ecoando às minhas costas, com
certeza diria que estava vendo coisas.
Olhando ao redor, avistei dois de seus seguranças, um pouco afastados
e de costas para nós. Mais uma prova de que era mesmo verdade.
Durante toda a semana, sem ter qualquer notícia, imaginei o que faria
caso ficasse cara a cara com Harry novamente, também inventei inúmeras
conversas em minha cabeça, mas ali, enquanto isso acontecia, não sabia o que
pensar e muito menos o que falar.
Por um segundo pensei em virar as costas e simplesmente ir embora,
mas estava curiosa para saber o que ele queria comigo após todos esses dias,
apesar de já imaginar que, educado como era, devia estar se sentindo na
obrigação de dar um fim ao relacionamento, que sequer havia começado,
pessoalmente.
Por isso levantei a cabeça e voltei a andar.
Harry se desencostou do carro e vi que estava usando uma calça social
grafite e uma camisa branca de botões. Na hora pensei que, mesmo em um
dia atipicamente ensolarado como aquele, o homem não abria mão de usar
suas roupas de político sério.
Ele tirou os óculos escuros e foi de encontro a mim, fazendo meu
coração bater alucinadamente.
Acalme-se, Liz.
Como em uma cena de cinema, Harry não esperou que eu o
confrontasse, apenas agarrou minha cintura e me beijou, ali mesmo, no meio
da rua, à vista de quem estivesse passando.
Eu até cogitei resistir e empurrá-lo para longe, mas a verdade era que
não sabia o quanto estava desesperada por aquilo, até sentir o gosto de sua
boca mais uma vez.
Ao me ver nos braços dele novamente, esqueci o sumiço repentino e a
raiva que senti por causa disso e me deixei ser beijada, tudo que queria era
aplacar a saudade que me consumia.
O beijo se encerrou, mas em vez de se afastar, Harry me abraçou
apertado e continuou assim por longos segundos, como se tivesse ansiado por
aquele momento tanto quanto eu.
Contudo, por mais que meu desejo fosse me agarrar a ele e não soltar
mais, não poderia deixar que voltasse sem mais nem menos, como se nada
tivesse acontecido.
Eu estava chateada e muito magoada por seu comportamento e quando
me afastei bruscamente, percebi que ele notara isso, pois sua boca se
contorceu em desgosto e o brilho de seu olhar desapareceu.
Harry deu um passo atrás e colocou as mãos nos bolsos, parecendo
constrangido.
— Sinto muito por isso. Vim até aqui para me desculpar pelo meu
sumiço e explicar o porquê, mas ao vê-la depois de todos esses dias, não
consegui me conter — ele falou, e apesar de parecer sincero, resolvi me
manter indiferente.
— Na verdade, você não me deve nada, afinal, nós apenas trocamos
uns poucos beijos, não temos qualquer compromisso um com o outro —
afirmei secamente.
Dessa vez, foi ele quem me lançou um olhar magoado.
— Você sabe tão bem quanto eu que não foram apenas alguns beijos. E
mais do que um compromisso, nós temos uma conexão que se fez presente
desde que nos conhecemos.
E com isso ele me desarmou. Não podia sequer argumentar, pois era
verdade, aquele vínculo surgira desde o início e se tornava mais forte a cada
encontro.
Suspirei pesadamente antes de falar:
— Você me confunde, Harry Stone. E a não ser que tenha morrido
alguém da sua família, não consigo pensar em nada que possa me convencer
a te perdoar.
Harry me pegou pela mão e abriu a porta do carro para que eu entrasse.
— Vamos conversar aqui dentro, será mais seguro.
Assenti e entrei, já ele, ficou conversando com Zed por alguns
segundos antes de fazer o mesmo. Supus que estivera pedindo um pouco de
privacidade, pois o motorista fechou a porta e se postou um pouco mais à
frente, atento a tudo ao seu redor.
Depois que Harry se acomodou no banco de couro, virei-me um pouco
de lado para que pudesse ficar de frente para ele.
— Muito bem, estou ouvindo — falei e imediatamente revirei os olhos
internamente.
Aquilo parecia tão coisa de casal de namorados, que às vezes me
esquecia que ele era um dos homens mais ricos do mundo e futuro candidato
à presidência dos Estados Unidos.
— Graças a Deus não morreu ninguém na minha família, mas meu avô
teve um infarto no sábado de manhã, então você pode imaginar o estresse por
que passamos.
Na mesma hora senti minhas bochechas ruborizarem por ter dito que
apenas uma morte justificaria sua ausência. Mas já tinha soltado e não havia
como mudar isso.
— Sinto muito por seu avô e espero que ele esteja bem — falei com
sinceridade.
— Obrigado, ele está cada dia melhor.
— Eu vi em um site que você estava na Rússia — comentei para saber
o que ele me falaria.
— Sim, fui para lá no domingo. Normalmente é meu pai quem faz as
viagens de negócios das Indústrias Stone, mas por causa do vovô, tive que
substituí-lo. — Ele suspirou e passou a mão pelo cabelo. — Minha semana
foi infernal, cheia de reuniões, jantares e dezenas de outros compromissos
com empresários e membros do governo.
— Entendi, mas você poderia ter me ligado.
Não queria parecer insensível, mas uma ligação breve ou mesmo uma
mensagem para avisar o que estava acontecendo, já teria me tranquilizado.
— Talvez você pense que é uma desculpa, mas meu celular
simplesmente desapareceu no domingo, durante o primeiro jantar que
tivemos na Rússia. Eu consegui outro aparelho no dia seguinte, achando que
quando sincronizasse minha agenda, conseguiria seu número, mas parece até
que havia alguma conspiração, porque ele simplesmente não estava lá e como
não o tinha de cabeça, foi impossível te ligar. Se você tivesse telefone
residencial, eu teria dado um jeito de conseguir seu número, mas também não
tinha, então... — ele deu de ombros, dando a entender que aquela era a
verdade, cabia a mim acreditar ou não.
Nós realmente não tínhamos telefone residencial há muito tempo.
Desde que a herança de Eleanor começou a acabar, ela deixou de pagar
algumas dívidas e para não receber mais telefonemas de cobrança, achou
mais fácil se desfazer da linha.
Desviei o olhar do dele, não sabia o que pensar. Certamente nunca me
passou pela cabeça que algo assim pudesse ter acontecido. Também não
podia negar o quanto me sentia feliz por ele estar ali, tentando se explicar,
contudo...
— Liz, você tem todo o direito de não acreditar em mim, mas é a
verdade, não tenho porque mentir — ele disse, chamando minha atenção e
pegando minha mão. — Nesse momento, eu deveria estar em Nova York,
despedindo-me do meu avô que está voltando para Londres, mas sabia que
precisava lhe dar essa satisfação... Não sei que teorias você criou em sua
cabecinha sobre o que havia acontecido ou como me pintou nesses dias, mas
te garanto que não sou o tipo de homem que engana outra pessoa assim.
Eu realmente fiz uma caricatura bem depreciativa dele desde que
sumiu, mas agora, após todas as explicações, minha raiva tinha amenizado
um pouco. Só que a questão não era apenas esta e eu precisava me abrir.
— Esses dias, achando que não o veria mais, me deu tempo de pensar
um pouco e consegui enxergar algumas coisas, coisas que eu fingi que não
existiam porque queria estar com você.
Parei, tentando encontrar as palavras certas e ele apenas esperou.
— O problema não está somente no seu sumiço, mas em todo o resto...
Quer dizer, você é Harry Stone, caramba! — falei, um tanto quanto irritada,
pois essa era uma das coisas que mais me deixava insegura em relação a tudo
que tinha a ver com nós dois.
O homem à minha frente não era um cara normal, a quem eu poderia
ver sempre que tivesse vontade, ele fora criado para levar o legado da família
adiante e depois, quando estivesse preparado, se tornar um político de renome
e isso tinha um peso enorme para mim.
— Sim, eu sou Harry Stone, mas o dinheiro e status de minha família
nunca interferiram nos meus sentimentos, eu ainda tenho um coração, Liz.
Um coração que se agita bastante quando se trata de você.
Essas simples palavras me desmontaram em milhões de pedaços.
— Eu sei, mas isso não deixa as coisas menos complicadas.
— Isso é verdade, mas você precisa entender que eu calculei todos os
riscos antes de te procurar pela primeira vez e ainda estou aqui.
— Você tem certeza? — quis saber, mesmo vendo a sinceridade em
seus olhos.
— Absoluta.
Não consegui conter o sorriso que surgiu em meu rosto, era bom
demais ouvir tudo isso.
— Tudo bem, então — falei e me aproximei um pouco mais.
Eu sabia que deveria ter sido mais dura com ele, mas Harry já havia se
tornado tão caro a mim, não conseguiria terminar tudo assim.
— Tudo bem? — quis confirmar, segurando meu rosto com ambas as
mãos.
— Uhum — balbuciei, logo antes de ele tomar minha boca novamente
em um beijo arrebatador.
Quando nos afastamos, estávamos ambos ofegantes.
— Seria tão bom se você morasse aqui. Minha mãe viajou e nós
teríamos a semana toda livre — falei, tocando seu rosto. Ainda estava
extasiada por ele ter voltado para mim.
— Ah, é? E quem você acha que providenciou essa viagem para ela?
Afastei-me um pouco para olhar seu rosto e ter certeza do que tinha
ouvido.
— Eu não acredito! — exclamei e ele assentiu com um sorriso enorme
no rosto. — Você é maluco.
Meu Deus, isso mudava tudo. Para fazer algo assim, Harry deveria
estar mesmo muito a fim de mim ou não teria gastado uma fortuna com
aquela megera.
— Maluco para ficar sozinho com você — confessou.
— Quer dizer então que vai ficar em Washington a semana toda?
Ele negou com a cabeça e isso me fez murchar.
— Infelizmente tenho muitos compromissos nas Indústrias Stone, então
pensei que você poderia passar a semana em Nova York comigo. O que
acha?
Sem pensar, pulei em seu colo, sentindo uma euforia enorme tomar
conta de mim.
— Eu vou adorar passar a semana com você — assegurei, enchendo o
rosto dele de beijos.
Deitei a cabeça em seu ombro e enquanto me inebriava com seu
perfume, pensei no quanto nosso futuro era incerto. Mas logo me recriminei.
Naquela semana eu não pensaria em nada sério, apenas aproveitaria a
companhia do homem que conseguia me levar do inferno ao céu com apenas
algumas palavras.

Cheguei à minha casa e corri para a cozinha em busca de Consuelo e


Stella, precisava da ajuda delas para fazer uma mala decente para aquela
semana.
Enquanto nós três arrumávamos minhas coisas, Harry acompanhou
Benito até onde Lion ficava. Pela janela do meu quarto, pude vê-lo agachado,
afagando o pescoço do nosso cachorro e não pude deixar de sorrir.
Achei que Consuelo fosse questionar minha decisão de ir com Harry,
mas ela foi completamente a favor de que eu viajasse e aproveitasse como
nunca minha liberdade, mesmo que temporária.
Stella, em compensação, me encheu de perguntas, e mesmo depois que
esclareci tudo, ainda ficou desconfiada, mas não tentou me impedir, assim
como sua mãe, minha amiga estava feliz de me ver saindo daquela casa por
alguns dias, porém, deixou claro que estaria ali para qualquer coisa.
Quando estava pronta para ir, meus amigos fiéis prometeram que
dariam um jeito de enrolar Eleanor, caso ela ligasse. Mas eu duvidava de que
minha mãe se lembraria da existência de alguém, enquanto estivesse nas ilhas
Maldivas, então não me preocupei.
Seguimos direto para o aeroporto e, apesar de já estar vagamente
familiarizada com os guarda-costas de Harry, percebi que o que vira das
outras vezes não era nada. Seu sistema de segurança era muito pesado, ele
parecia aqueles mafiosos dos filmes, sempre acompanhado de muitos
brutamontes vestidos de preto.
Certamente, ser seguido pelo Serviço Secreto, não o incomodaria.
É, nada naquele homem era comum e eu deveria estar preocupada com
toda a diferença que existia entre nós, mas toda vez que ele sorria para mim,
acabava me esquecendo do resto do mundo.
— Uau! — falei, mais que um pouco deslumbrada, quando entramos no
avião da família de Harry, elegantemente decorado em tons claros. As
poltronas de couro eram cor de creme e em vários lugares se via detalhes em
caramelo, o que dava um contraste excepcional.
— Gostou? — perguntou, despreocupado, me abraçando por trás.
— É lindo.
— Vem comigo — ele pediu, pegando minha mão e me levando para a
parte de trás da aeronave, onde havia um conjunto de poltronas altas, e
deixando suas sombras lá na frente.
Ali, tínhamos a impressão de estarmos sozinhos.
Acomodei-me na poltrona da janela e Harry na do lado. Assim que
prendemos nossos cintos, o avião começou a taxiar e minutos depois estava
levantando voo.
O trajeto até Nova York foi rápido. Durante o voo, explicou-me melhor
a respeito do drama que viveu na Rússia e anotou meu telefone novamente
em seu celular, garantindo que o decoraria para que aquilo nunca mais
acontecesse. Após esse momento de fofura, continuou detalhando alguns dos
eventos dos quais participou.
Enquanto ele falava, me peguei pensando em como a vida era
engraçada. Eu estava me sentindo imensamente triste, mesmo fazendo uma
coisa que adorava, apenas porque, assim que entrei na sala de pintura,
inevitavelmente, recordei o encontro que tive com Harry ali, semanas atrás.
Agora, poucas horas depois, estava frente a frente com a razão dos
meus suspiros, dentro de um jato que valia milhões de dólares, para passar
uma semana inteira com ele.
Quando deixamos o aeroporto e começamos a percorrer as ruas de
Nova York, tentei disfarçar um pouco do meu encantamento, mas foi difícil,
pois a cidade era muito mais incrível que os filmes e documentários
mostravam. Eram tantos carros, tantas luzes e pessoas pelas ruas.
Um verdadeiro caos urbano.
No entanto, mesmo em meio àquela confusão, consegui enxergar o
encanto que atraía tantos turistas.
Tudo que meus olhos viam ficaria guardado em minha memória
fotográfica, para depois se transformar em belos quadros.
Continuei observando o lado de fora, enquanto Harry falava com seu
pai ao telefone. Ele podia estar comigo, mas dava para ver o quanto estava
preocupado com o avô.
Saber que ele fez questão de me levar ali, mesmo passando por um
problema familiar, me fez valorizar ainda mais sua atitude e o homem em si.
Harry era especial.
Assim que chegamos à sua cobertura, fiquei maravilhada e também um
pouco confusa. O lugar era lindo e luxuoso, mas também era grande demais
para apenas uma pessoa.
— Acho que os livros de romance não mentem quando descrevem os
magnatas de Nova York e os lugares onde moram — comentei, indo até uma
das janelas que ia do chão ao teto. Tudo ali era surreal.
Harry gargalhou.
— Anda lendo muitos romances, Srta. Reagan? — perguntou e me
abraçou por trás mais uma vez, deixando um beijo em meu pescoço que
arrepiou todo meu corpo.
— Sempre — afirmei, imaginando como seria ver o sol nascer da
enorme varanda que avistei ou qual seria a sensação de apreciar a chegada do
crepúsculo através das janelas panorâmicas que contornavam a sala.
— Venha, vou te mostrar onde você vai ficar — chamou depois de
alguns minutos.
Assenti, pegando sua mão, algo que estava se tornando bem natural
para mim.
Enquanto o seguia pelos corredores, não avistei nenhum empregado e
não pude deixar de conjecturar quem seria o responsável pela arrumação
daquele lugar. Imaginava que deveria ser mais de uma pessoa, pois havia
coisa demais para se limpar ali.
— Pedi a Zed que deixasse suas coisas em meu quarto, espero que não
se importe — ele disse, abrindo a porta de uma ampla suíte, cuja decoração
séria e masculina, puxando para o acinzentado, combinava bastante com ele.
Apesar de toda a mobília cara que adornava o quarto, a coisa que mais
chamou minha atenção foi a foto que estava em sua mesa de cabeceira.
Andei até a cama, sentei-me e peguei o porta-retratos.
Na imagem, ele estava em frente à Casa Branca com uma bandeirinha
dos Estados Unidos na mão direita.
— Dez anos? — perguntei, lembrando-me da conversa que tivemos em
Waterfront, quando ele me contou sobre a viagem que fizera à Washington
nessa idade.
— Sim — afirmou, sorrindo.
Recoloquei a foto no lugar, pensando na grandiosidade de tudo aquilo.
Levantei a cabeça para olhá-lo e apenas disse:
— Preciso de um banho.
— Fique à vontade. Há toalhas no banheiro, assim como sabonete e
todas essas coisas. — Assenti e ele sorriu outra vez, parecia imensamente
feliz por me ter ali. — Enquanto isso, vou providenciar alguma coisa para
comermos.
Eu realmente estava com fome. O avião possuía um serviço de bordo
impecável, mas acabamos comendo salgadinho e tomando refrigerante.
Concordei e ganhei um beijo leve nos lábios.
Apenas alguns segundos depois que Harry me deixou sozinha, foi que
me dei conta de que, se minhas coisas estavam em seu quarto, era porque
dormiríamos juntos.
Ah, meu Deus! Será que a gente ia transar?
Pulei da cama imediatamente, sentindo a boca seca e as mãos suando
de nervoso e expectativa.
Sim, as coisas tinham esquentado bastante em nosso último encontro,
mas depois de todos esses dias longe e de tudo o que senti com a falta de
notícias, fiquei com um pé atrás, não sabia se estava na hora de dar esse passo
com ele.
Em contrapartida, a vida estava passando e eu ainda não tinha sentido
nenhuma das maravilhas proporcionadas pelo sexo.
Pare com isso, garota, apenas espere e veja o que vai acontecer.
É, aquilo era o melhor a fazer. Suspirei pesadamente, abri minha mala e
peguei as coisas que precisava para tomar banho. Era melhor jogar uma água
fria no corpo e parar de pensar em como seria a primeira noite que passaria
com Harry Stone.
Mesmo após o banho delicioso que tomei, ainda me sentia um pouco
ansiosa. Minha cabeça não parava de criar fantasias acerca de como seria
aquela noite e nenhum dos cenários conseguiu me acalmar.
Numa tentativa de aplacar um pouco do meu nervosismo, resolvi
bisbilhotar as coisas de Harry, antes de me juntar a ele. A bancada de
mármore era bem extensa e lá havia cosméticos masculinos e alguns
perfumes de marcas variadas.
Como a boa curiosa que era, abri a tampinha de todos eles para saber
qual possuía a fragrância que ele usava normalmente. Todos eram
maravilhosos, mas nenhum tinha o cheiro que me levava às nuvens.
Então me lembrei de que Harry havia acabado de chegar de viagem e
que seu perfume ainda devia estar guardado na mala.
Ótimo, agora pare de ser enxerida e termine de se arrumar, minha
mente ralhou e tive que concordar. Não dava para ficar ali a tarde inteira.
Enquanto secava os cabelos, fiquei pensando no que usar para passar o
restante do sábado com Harry em sua cobertura.
Ao terminar o que estava fazendo, decidi não usar maquiagem, por
achar que não combinava com a ocasião, mas antes de sair do banheiro,
passei meu perfume, queria estar cheirosa para ele.
Voltei ao quarto e abri minha mala. Depois de pensar um pouco, optei
por uma bermuda de alfaiataria preta com detalhes em branco e uma regata
de seda creme com decote redondo.
Ao me olhar no espelho, gostei bastante do que vi, ficou leve e casual.
Estava pronta para sair, mas ao pegar meu celular, vi que havia várias
mensagens do nosso grupo de amigos. Freddy, sabendo que Eleanor tinha
viajado, estava agitando para que saíssemos mais tarde. Stella, entretanto,
desconversou e para me encobrir, disse que nós aproveitaríamos para sair
com os pais dela.
Após confirmar a mentira, mandei uma mensagem em privado para ela
dizendo que depois entraria em contato, mas que estava tudo bem.
Deixei o celular em cima da cama e caminhei até as amplas janelas do
quarto. A vista, como imaginei, era simplesmente deslumbrante, eu poderia
ficar horas admirando a beleza e grandiosidade de Nova York.
— O almoço está pronto — Harry avisou após bater levemente na
porta.
Virei-me e sorri para ele.
Imediatamente me dei conta de que sorria muito quando estava em sua
presença. Mas não podia ser diferente, Harry me deixava feliz. Era só olhar
para ele que me pegava rindo feito uma tola e desejando coisas que só me
permiti almejar em meus sonhos.
— Ótimo, estou faminta.
Ele também sorriu, estendeu a mão para que eu a pegasse e me guiou
até sua ampla sala de jantar, onde a mesa estava posta para dois.
— Está cheirando maravilhosamente bem — falei, sentindo o odor que
tomava o ambiente.
— Pedi de um ótimo restaurante, como quase não fico em casa, não
mantenho nenhum funcionário fixo — explicou ao puxar uma cadeira para
mim.
— E quem limpa tudo isso? — perguntei, sem pensar.
— O que foi, ficou com medo de ter que fazer isso essa semana? — ele
brincou, provavelmente se lembrando do dia em que me pegou fazendo
faxina.
— Era só o que me faltava, né, me tirar de casa para me transformar em
uma gata borralheira — retornei a brincadeira e ambos rimos.
— Nunca faria isso — garantiu, pegando minha mão por cima da mesa
e a acariciando. — A governanta de minha mãe é quem providencia toda a
arrumação, geralmente quando estou trabalhando. Pode parecer frescura, mas
não gosto da sensação de ter pessoas estranhas dentro de casa. Mesmo a sala
onde meus seguranças ficam, é fora da cobertura, pois prezo muito pela
minha privacidade.
Não estranhei sua postura. Ele vivia cercado de secretárias e assessores
durante o dia, era normal que quisesse um pouco de isolamento quando
estivesse em casa.
— Mas agora, vamos comer, já passa das 15h e eu também estou com
fome — falou e foi o que fizemos.
No meio da refeição, lembrei-me de perguntar como ele havia
conseguido afastar Eleanor por uma semana.
— Meu tio Tony tem um dos melhores hackers trabalhando para ele há
vários anos e quando pedi ajuda a Zed com essa tarefa, ele se lembrou de
Ben. Poucas horas depois, a empresa de cartão de crédito dela estava
oferecendo uma viagem com tudo pago, desde que ela pudesse sair de
Washington no sábado. O resto você sabe.
Sorri, pensando em como era incrível ter dinheiro e contatos.
— Agradeça ao Zed por mim, então.
Ele também sorriu e mudamos de assunto. Ambos estávamos muito
relaxados, afinal, não precisávamos ir a lugar nenhum e fizemos nossa
refeição com extrema tranquilidade.
Depois de muita conversa, regada ao vinho branco que ele havia
escolhido, nós nos levantamos e fomos levar as louças para a cozinha.
Sob protestos, limpei rapidamente tudo que havíamos usado e coloquei
na lavadora, odiava coisas sujas ao meu redor.
Antes de voltarmos para a sala principal, Harry fez questão de
preencher nossas taças com o vinho restante e levá-las consigo.
Ambos nos sentamos no confortável sofá e ele continuou a conversa
que havíamos iniciado, referente a sua rotina de trabalho. Fiquei sabendo que
a partir do momento em que a candidatura se tornou real, a maioria das
viagens quem fazia era seu pai, uma vez que Harry teria que se deslocar pelo
país em busca de apoio.
No fim, percebi que não havia diversão em sua vida, somente agendas
cheias de compromissos e na mesma hora pensei que se já era assim, sendo
apenas empresário, como seria quando fosse presidente!
Não pense nisso agora, apenas beije o homem.
E foi o que eu fiz. Peguei a taça de Harry e a coloquei ao lado da
minha, na mesa lateral, enquanto ele me olhava com aquelas piscinas azuis
que já começavam a escurecer em expectativa.
Cheguei um pouco mais perto e comecei a aproximar minha boca da
dele. Mas antes que pudesse tocá-la, ele me pegou pela cintura, me deitou no
sofá, inclinando seu corpo sobre o meu e me beijou com paixão.
Senti-me uma formiga embaixo de toda aquela masculinidade.
Harry Stone não era apenas bonito, ele possuía um charme que parecia
ser intrínseco e, para piorar a situação, tinha pegada. Talvez isso explicasse o
fascínio que sentia sempre que olhava para ele.
— Esses beijos me deixam... — falei quando consegui me afastar um
pouco, mas tive que parar para inspirar um pouco de ar.
— Te deixam? — ele perguntou.
Mordi o lábio e aproximei a boca do ouvido dele.
— Com vontade de tirar a roupa — sussurrei e voltei a deitar a cabeça.
— Mas isso não deve ser nenhuma novidade para você.
Harry explodiu em uma gargalhada e me apertou nos braços.
— Você não existe, sabia?
— Acho que anda saindo com pessoas pouco sinceras, porque seria
impossível para qualquer mulher estar com você e não desejar isso.
Harry se sentou, depois me pegou e me colocou sentada ao seu lado.
— Não pense que sou o tipo de homem que sai com uma mulher
diferente toda semana, acho que nem na universidade fui esse tipo.
— Mas, deve ter um montão de mulher atrás de você — falei o óbvio e
ele sorriu.
— Claro que tem, mas é difícil elas conseguirem me encontrar por aí,
sou bastante ocupado e não dou meu número particular a qualquer pessoa.
— Entendi.
Gostei de saber que ele não fazia o tipo pegador, e talvez devesse me
sentir privilegiada por Harry me tratar de forma diferente, ainda assim,
achava que era cedo para confiar plenamente no que via e ouvia.
Mas isso não me impediria de aproveitar nosso tempo juntos.
Sentei-me no colo dele e aproximei a mão de seu rosto para deslizar os
dedos por sua pele.
Harry sustentou o olhar, com a gente era sempre assim, silêncios e
olhares que falavam mais que qualquer palavra.
Sempre que ficava perto daquele jeito, sentia como se meu coração
pudesse parar de bater a qualquer momento.
— Você parece uma estátua de tão lindo — confessei e ele me apertou
pela cintura.
— Posso dizer o mesmo de você, Srta. Reagan — falou mordendo meu
queixo e subindo até chegar à minha boca.
Então o beijo começou a esquentar até se tornar lascivo. Podia sentir o
quanto ele estava excitado pelo volume que pressionava meu centro.
As mãos de Harry subiram por dentro da minha blusa e fiquei arrepiada
ao sentir o contato de seus dedos roçando minha pele.
Ele tinha uma pegada firme, um beijo quente e isso me deixava louca,
havia muito desejo incidindo de nós dois.
— Harry, preciso que você assine...
Afastei-me bruscamente ao escutar a voz feminina.
Quando me virei, dei de cara com a loira bonita que acompanhava
Harry no dia em que nos conhecemos, se não estivesse enganada, eles até
dançaram juntos.
— Desculpe, Harry, não sabia que você tinha visita.
Harry respirou fundo e lhe lançou um olhar desgostoso, antes de se
voltar para mim de novo.
— Essa é Lexy, minha assistente particular.
OK, eu sabia que sua assistente se chamava Lexy, mas não sabia que a
mulher era tão bonita e não gostei da ideia de eles trabalharem lado a lado
todos os dias. Contudo, não era mal educada e me levantei, indo até ela para
cumprimentá-la.
— Prazer, Lexy, sou Elizabeth, como vai?
Ela passou os olhos por meu corpo antes de estender a mão.
— Estou ótima, obrigada. Me desculpe, mas preciso roubá-lo uns
minutinhos — declarou, tentando ser simpática, mas falhou.
— Se são apenas assinaturas, posso fazê-las aqui mesmo —
argumentou Harry, estendendo a mão para pegar a pasta que ela carregava.
— Não são apenas assinaturas — falou, os dentes cerrados
demonstrando impaciência.
Meu Deus, será que ela estava brava por eu estar ali com ele?
— Ok, vamos até o escritório — ele cedeu. — Já volto, Liz — disse e
me deu um beijo rápido nos lábios.
Lexy o seguiu e os dois sumiram em um dos corredores.
Eu não precisava ser nenhum gênio para saber que aquela mulher odiou
ter me visto ali, mas se eu trabalhasse com Harry, talvez tivesse a mesma
postura, ele era fascinante demais.
Os minutos que Lexy pediu se estenderam, então decidi esperar no
quarto. Lá, aproveitei para entrar na página onde estava expondo minhas telas
e fiz algumas alterações na sequência das fotos, quem sabe isso ajudasse a
vender alguma.
— Desculpe por isso, Liz, mas essa viagem estragou todo o nosso
cronograma — Harry falou, entrando no quarto quase uma hora depois. — E
como fui para Washington, ela ficou resolvendo as coisas no escritório. Eu
ainda estou sentindo os efeitos da mudança de fuso horário e acabei me
esquecendo de avisar que você estaria aqui comigo — explicou.
— Tudo bem. — Dei de ombros, porque era a atitude madura a tomar e
deixei o celular de lado.
— Antes que comece a pensar qualquer coisa, Lexy e eu somos amigos
de longa data e temos uma relação estritamente profissional.
— Que bom, eu detestaria ter que disputá-lo com uma mulher tão
bonita — brinquei e ele sorriu.
— Não se menospreze, pela forma como a olhou, eu diria que Lexy
gostaria de estar no meu lugar.
Abri a boca e arregalei os olhos. A informação realmente me pegou de
surpresa.
— Sério que ela gosta de mulher?
— Na verdade, no que se refere a sexo, o gênero da pessoa é só um
detalhe para ela. Sei que não deveria falar disso, mas não quero que coloque
bobagens na cabeça.
— Acha que sou tão insegura assim? — perguntei para disfarçar,
porque a verdade era que eu sempre fui tranquila com relação a isso, mas
Harry não era um homem comum, então meu ciúme era proporcional.
— Digamos que conheço as mulheres e sei como elas pensam.
Revirei os olhos para ele.
— Vai ter que trabalhar hoje? — perguntei, incerta, pois alguma coisa
me dizia que ainda encontraria aquela assistente muitas vezes.
— A princípio, não, pedi a Lexy que avise caso precise de alguma
coisa.
Anuí, pedindo a Deus que ela não inventasse nenhuma emergência,
mas logo meus pensamentos foram interrompidos, quando aquele corpo alto e
forte pairou em cima de mim.
— Até onde me lembro, fomos detidos num momento crucial — disse
ele em tom sugestivo e voltamos a nos beijar, dessa vez na cama, e não pude
deixar de pensar que a dividiria com ele naquela noite.
Após vários minutos de beijos deliciosos e mãos bobas de ambas as
partes, ouvimos um pigarreio vindo da porta que ficara meio aberta.
Suspirei pesadamente, assim como Harry.
Pelo visto, ficar sozinha e sem interrupções ali, seria bem difícil.
— Só um instante, deve ser o Zed — falou e foi até lá.
Percebi que sua voz estava estranhamente rouca e tinha a impressão de
que a minha se encontrava do mesmo jeito.
— Venha, Liz, quero que conheça uma pessoa — chamou quando
voltou.
Mais uma?, pensei, mas entrelacei meus dedos aos dele.
Zed já tinha ido, provavelmente para não me deixar constrangida, e
quando chegamos à sala, havia um rapaz que, apesar do estilo selvagem,
tinha os mesmos olhos e cabelos de Harry.
— Liz, esse é o Dominic, meu irmão mais novo — ele apresentou e o
belo rapaz sorriu.
— Então você é a famosa Elizabeth Reagan — falou, avaliando-me de
cima a baixo na maior cara de pau.
Acabei fazendo o mesmo, passei os olhos pelo cabelo desalinhado, a
barba por fazer, a jaqueta de couro, a calça rasgada e os coturnos que usava.
Sim, verdadeiramente selvagem.
O rapaz era o oposto do irmão, parecia mais alegre, mais solto, mais
livre...
Tentei imaginar Harry sendo um pouco como ele e a ideia não me
agradou, preferia-o como era, com seus ternos e roupas mais sérias,
combinavam bem mais.
— Muito prazer, Dominic — cumprimentei e ele me deu um beijo no
rosto.
— Mamãe vai ficar eufórica quando souber de sua visita, ela está louca
para te conhecer.
— Não se atreva, Dom... — Harry alertou.
Já eu, sorri do comentário, mas fiquei apreensiva, também achava que
era cedo para conhecer os pais dele, no entanto, fiquei feliz por saber que eles
estavam cientes da minha existência.
— Muito bem, a que devo essa visita? — Harry perguntou e nos
sentamos, eu ao lado do meu colírio e Dom à nossa frente.
— Preciso que me ajude em uma parada.
— Quer conversar no escritório?
Dominic me encarou e abriu um sorriso.
— Pode ser na frente da minha futura cunhada, não devemos ter
segredos entre família.
Dessa vez Harry não falou nada, pelo jeito, Dominic gostava de
provocar o irmão mais velho.
— Certo, desde que eu não tenha que me afastar de Liz — disse ele,
passando o braço por trás do meu pescoço e me puxando para mais perto —,
pode pedir o que quiser.
Dom sorriu novamente e se inclinou para a frente, apoiando os
cotovelos nos joelhos.
— Sei que tanto você quanto papai já me ofereceram isso antes e eu
sempre recusei, mas tive uma briga feia com o velho e ele me deu um
ultimato, por isso, preciso que me dê um cargo nas Indústrias Stone.
— Bom, isto é realmente uma surpresa. Agora me diga o que andou
aprontando para deixar papai tão irritado, estou curioso.
O rapaz passou as mãos pelos cabelos e soltou uma lufada de ar.
— Dormi com a filha dos Turner.
— Você fez o quê? — Harry quase gritou e se levantou, visivelmente
furioso. — Essa menina não é menor de idade?
— Ela acabou de fazer dezoito e pediu de presente de aniversário, que
eu tirasse sua virgindade.
Aquilo me fez encolher no canto do sofá e vi Harry olhar para mim
rapidamente, antes de voltar a atenção ao irmão.
— Não acredito que cometeu uma tolice dessas.
— Qual é, Harry, já fiz coisa bem pior e não deu em nada.
— Não é apenas por isso e você sabe.
— Eu não acredito na maldição, se fosse assim, já teria me apaixonado
ao menos cinco vezes — falou, enfrentando o olhar acusatório do irmão.
Já eu, fiquei olhando de um para outro, tentando entender aquela
conversa.
— Ainda assim, quando você vai crescer, Dominic?
Aquela versão de Harry me deixou perplexa, ele estava muito
enfurecido e desejei ter deixado a sala antes de eles começarem a conversa.
— Olha, eu prometo que vou me comportar, afinal, preciso mesmo
disso para acalmar os ânimos lá em casa, não quero aqueles dois chateados
comigo.
Harry passou as mãos nos cabelos e andou pela sala por alguns
segundos, tempo suficiente para eu analisar a interação deles. Aquela
conversa não parecia coisa de irmão e sim de pai e filho.
— Com tantas funcionárias trabalhando nas Indústrias Stone,
sinceramente não sei onde te colocar — declarou, encarando o irmão.
— Desde que eu não tenha que tirar xerox ou fazer café, serei seu
escravo.
Tive vontade de gargalhar, Dominic era uma figura.
— Ok, vou pensar em alguma coisa.
— Valeu, irmão — falou se levantando e o abraçando.
Harry hesitou a princípio, mas depois acabou retribuindo ao abraço.
— Agora eu vou nessa. Prazer, Liz — disse Dom, já perto da saída,
sorrindo para mim.
Dei um tchauzinho e no instante seguinte ele havia desaparecido.
Harry então pegou o telefone e fez uma ligação.
— Zed, não quero receber mais nenhuma visita hoje ou amanhã. Se
aparecer alguém, diga que terá que esperar até segunda-feira, mesmo que
sejam meus pais, mas no caso deles, peça que me liguem.
Ele desligou e voltou para perto de mim.
— Só assim para eu conseguir ficar em paz com você — explicou.
Segurei sua mão e o puxei para o sofá, abraçando-o em seguida e sendo
retribuída com extremo carinho.
Pensando um pouco, percebi que Harry sempre estava me tocando, me
abraçando... As coisas esquentavam quando nos beijávamos, é claro, mas fora
isso, havia tanta ternura, que meu coração ficava repleto de bons sentimentos.
Talvez fosse a menina carente dentro de mim que estivesse falando,
mas eu sentia que com ele, poderia ter tudo que me fora negado a vida toda.
Depois que nos separamos, Harry olhou o relógio em seu pulso.
— São 19h, você quer sair para jantar em algum lugar ou prefere ficar
aqui.
Fiquei gratamente surpresa, achava que ele não iria querer sair comigo.
Pensei um pouco. Eu queria conhecer a cidade, mas me lembrei de
ouvi-lo dizer que ainda estava sentindo os efeitos do jet leg, e eu não estava
muito melhor. Naquela manhã, além da aula de pintura, eu havia feito
recreação com as crianças, o que me cansou mais do que o normal, de forma
que foi fácil responder:
— Se você não se importar, prefiro ficar aqui. A aula dessa manhã e
essa viagem repentina tiraram um pouco das minhas forças.
— Não me importo, teremos bastante tempo para passear pela cidade.
— Perfeito.
— O que acha de pedirmos uma pizza.
— Mais que perfeito — brinquei e ele sorriu.
Então voltou a me beijar, mas antes que as coisas esquentassem,
afastou-se de mim e se levantou, já com o telefone na mão para fazer o
pedido.
Depois que decidimos o sabor, Harry me chamou para irmos escolher
um vinho, que ele colocou para resfriar.
A pizza chegou 40 minutos mais tarde e após duas fatias e uma taça da
deliciosa bebida, eu já estava bocejando, o que me deixou bastante sem graça.
— Venha — pediu Harry depois que jogou os guardanapos usados fora
e guardou o restante da pizza e do vinho.
Peguei sua mão e fomos para o quarto.
— Pode usar esse banheiro, vou usar o do quarto de hóspedes.
Eu ia protestar, mas ele me calou com um beijo e entrou em seu closet,
saindo de lá com algumas roupas e me deixando sozinha.
Fui à minha mala, escolhi um pijama curto de seda, que a Stella me
obrigou a levar, peguei minha necessaire e entrei no banheiro, onde tomei um
banho super rápido, escovei os dentes e vesti o pijama.
Quando voltei ao quarto, Harry ainda não tinha retornado, então me
sentei na cama e peguei meu celular para falar com minha amiga, precisava
de conselhos. Mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele voltou,
vestido com uma camiseta branca de dormir e uma calça de pijama de seda,
os cabelos molhados estavam despenteados como eu nunca vira antes.
Lindo!
Ele sorriu para mim, mas deve ter percebido minha apreensão, pois se
abaixou à minha frente, as mãos apoiadas nos meus joelhos, e falou:
— Uma das coisas que mais desejo, desde que te conheci, é tê-la por
completo, mas não foi por isso que a trouxe para cá e sim para nos
conhecermos melhor. Se durante esse período você achar que está preparada
para dar esse passo, eu vou ficar mais do que feliz em te ajudar, mas se não,
tudo bem, também.
Engoli em seco e toquei seu rosto.
— Eu desejo você, muito, mas nós ficamos todos esses dias separados e
isso acabou me travando um pouco.
— Tudo entre nós acontecerá no seu tempo. Você não é apenas um
caso para mim, Liz, então eu não tenho pressa.
Ouvir aquilo me deixou nas nuvens. Espalmei o rosto dele com as duas
mãos e me abaixei para que pudesse beijá-lo.
Ele correspondeu de forma doce e lenta, diferente dos beijos que
tínhamos dado mais cedo.
Ao nos separarmos, Harry me puxou para que ficasse de pé e afastou as
cobertas, não sem antes me olhar por inteiro e respirar profundamente, o que
me fez rir baixinho.
Feito isso, ele ligou o abajur na mesa de cabeceira, desligou a luz do
quarto e foi se deitar no meio da cama. Então olhou para mim, que
continuava parada no mesmo lugar, e deu uma batidinha no colchão, num
pedido mudo para que eu me deitasse ao seu lado, o que eu fiz sem qualquer
receio.
Harry era um cavalheiro e eu tinha certeza de que cumpriria o que
falou.
Ele me puxou para que deitasse sobre seu peito, aconchegando-me
ainda mais contra si.
E apesar de ter tido vontade de aproveitar mais daquele momento
íntimo, o sono estava vencendo muito rápido.
Antes de me perder no mundo dos sonhos, pensei nas palavras de
Harry. Parecia tão sincero ao dizer que esperaria meu tempo, que sua
gentileza me deixou ainda mais certa de que ele seria meu primeiro homem.
Comecei a despertar com uma sensação deliciosa em meu corpo.
Assim que tomei consciência, notei que ela vinha dos beijos que Harry
dava em meu pescoço.
Sorri imediatamente, deliciada por estar nos braços dele.
— Bom dia.
— Bom dia — respondeu com a voz ainda rouca do sono.
— O que acha de continuar de onde paramos ontem à tarde? —
brinquei quando um arrepio tomou toda a minha pele.
— Eu até faria isso, mas tenho planos para nós dois.
— Hum, que planos?
— Vamos sair para comer alguma coisa e depois vou te levar para
conhecer a cidade.
— Sério? — falei, animada.
— Sim — confirmou, levantando-se em seguida e me puxando para
fazer o mesmo.
— O que eu devo usar? — perguntei, pois não sabia para onde iríamos.
— O que você quiser, Liz, ficará linda de qualquer jeito.
Ah, esse homem!
Demos um beijo rápido e ele saiu dizendo que iria fazer um café.
Estava tentando decidir o que usar, quando seu celular começou a tocar
em cima da mesa de cabeceira.
Curiosa, fui até lá ver quem estava ligando e vi o nome Lexy.
A chamada foi encerrada, mas logo vi uma mensagem chegar.

Não se esqueça do almoço com o pessoal do comitê.


PS: Continuo achando uma loucura investir nessa garota.

Enrijeci o corpo ao ler a pré-visualização, mas não estranhei sua


postura, Lexy deixou claro desde o momento em que me viu, que não ficou
feliz com a minha presença.
Bom, azar o dela, se Harry realmente me quisesse, como estava
demonstrando, não seria sua assistente pessoal que ficaria em nosso caminho.
Deixei o celular de lado e voltei à minha mala.
Após escolher algo que achei adequado, entrei no banheiro, onde fiz
um coque no cabelo e minha higiene matinal. Decidi tomar um banho rápido,
também, já que não sabia a que horas retornaríamos.
Ao terminar, saí enrolada em uma toalha e estaquei ao ver Harry
entrando. Mais uma vez seus cabelos estavam úmidos, mas diferente da noite
anterior, ele usava um roupão de banho.
Vê-lo daquele jeito me deixou um pouco sem graça, mas ao mesmo
tempo tive uma vontade súbita de desfazer o nó da faixa que o mantinha
vestido para ver como ele era sem nada.
O impacto que sua visão me causou deve ter ficado implícito em meu
rosto, pois ele perguntou:
— O que foi, Liz?
Sem querer expor meus pensamentos impróprios, falei a primeira coisa
que veio à cabeça:
— Nada, só não fico a vontade de ter que tirá-lo de seu próprio quarto.
E era verdade, se eu não tivesse amarelado, nós já teríamos dormido
juntos e Harry não precisaria estar usando o quarto de hóspedes.
— Besteira — ele garantiu, indo ao meu encontro e me envolvendo em
seus braços.
Aceitei seu abraço, rezando para que minha toalha não caísse.
Harry tocou de leve meus lábios com os seus, de início com delicadeza,
mas logo começou a aprofundar o toque, fazendo minha respiração acelerar.
Sem pensar demais, infiltrei os dedos em seus cabelos úmidos e quando
vi, estava puxando a cabeça dele a fim de intensificar ainda mais o beijo.
Não demorou muito para que meu centro latejasse em antecipação,
minha pele esquentasse e meus seios, nus embaixo da toalha, se tornassem
mais e mais sensíveis.
Nunca havia sentido algo tão intenso em toda a minha vida. Estar com
Harry sempre acendia uma coisa dentro de mim que era difícil de explicar,
mas saber que ambos estávamos nus, talvez tivesse aumentado ainda mais
nossa conexão.
De repente, ele me pegou no colo e, sem desgrudar nossos lábios,
andou pelo quarto, até chegarmos na cama.
Apesar de me sentir inebriada com seu sabor incomparável, eu sabia o
que poderia acontecer quando ele me deitou, mas não fui capaz de
interromper seus beijos que se tornavam mais ardentes a cada segundo.
— Estou louco só de imaginar que está nua embaixo dessa toalha —
sussurrou contra minha boca e se acomodou entre minhas pernas.
Mesmo com a toalha e o roupão nos impedindo de um contato mais
íntimo, consegui sentir sua potente ereção pressionando minhas coxas e
imediatamente me peguei pensando como seria tê-lo todo dentro de mim.
Jesus coroado, de onde surgiu esse pensamento?
Para tentar calar as vozes que tagarelavam em minha cabeça, voltei a
beijá-lo, queria aproveitar cada momento com ele.
Harry subiu a mão pela minha perna até pousá-la no quadril. O
movimento arrastou a toalha junto, expondo e deixando minha pele ainda
mais arrepiada.
Eu poderia pedir para que parasse, aquela era a hora certa de tentar
esfriar um pouco as coisas, mas fui incapaz de impedi-lo, eu queria saber qual
seria a sensação de ser tocada por ele de maneira mais íntima.
Quando percebeu que eu não iria me opor, Harry voltou a mover a mão,
dessa vez para o centro, chegando ao interior da coxa. Como minhas pernas
estavam abertas, foi fácil encontrar minha abertura, que estava
completamente úmida e ansiosa por um toque ou qualquer tipo de atenção.
Ele gemeu ao notar o tamanho do meu desejo e eu arfei quando senti
seu dedo deslizar delicadamente por minha fenda.
Nós nos afastamos, as respirações descompassadas, e nos encaramos.
Seus olhos estavam escuros de luxúria e ele parecia hipnotizado enquanto
continuava me explorando.
— Hum... — gemi quando o polegar começou a circular meu clitóris
inchado e sensível, provocando uma sensação deliciosa que parecia irradiar
dos pés à cabeça.
Harry se ergueu um pouco e abriu a toalha vagarosamente, deixando-
me totalmente nua.
Aquela era a primeira vez que me expunha assim para um homem e
senti vergonha, mas o encantamento que vi em seu olhar aplacou qualquer
sentimento negativo.
— Você é a coisa mais linda que já vi — ele disse ao passar os olhos
por meu corpo repetidas vezes, como se quisesse gravá-lo em sua mente.
Então, sem aviso, abaixou a cabeça e abocanhou um de meus seios.
Como se isso já não fosse demais, seus dedos voltaram à minha boceta,
intensificando ainda mais o que eu sentia.
Tudo que estávamos fazendo era algo completamente novo para mim e
foi impossível não gemer com todos os estímulos que estava experimentando.
Deixei que Harry me tocasse como quisesse e meu corpo respondeu a
cada toque. Era como se cada célula em mim soubesse que ele era especial,
como se estivessem esperando por aquilo.
— Isso é muito bom — murmurei de maneira sôfrega quando os
movimentos em meu clitóris se intensificaram.
Harry voltou a me beijar e, para meu desespero, o dedo que tocava
minha boceta desapareceu. Logo, ambas as mãos subiram para os seios,
apertando-os com maestria, enquanto a boca descia por meu pescoço,
beijando e lambendo a pele quente.
Ele continuou deixando uma trilha de beijos, passando pelo vale entre
os seios, descendo pelo meu estômago e chegando ao umbigo, onde sua
língua ficou por alguns segundos, antes de voltar a descer.
Fiquei nervosa quando imaginei qual seria seu próximo passo, mas se
sua boca habilidosa já tinha passado por tantos lugares, que mal faria se fosse
até ali?
— Nossa! — arfei assim que ele abocanhou meu clitóris.
Segurei-me nos lençóis quando a língua entrou um pouquinho em meu
canal e gemi sem nenhum pudor.
Aquilo era maravilhoso demais.
As mãos de Harry, que continuavam nos seios, pinçaram os bicos
completamente duros e os torceram sem muita delicadeza, mas de uma forma
que apenas aumentou meu prazer.
Na medida em que ele engolia minha boceta, tudo o que saía de mim
eram gemidos e sons intercortados, enquanto meu corpo se mexia
involuntariamente, indo de encontro à sua boca, em uma tentativa de
aumentar ainda mais o contato.
Eu sentia que estava prestes a explodir e quando o orgasmo chegou,
larguei os lençóis e agarrei seus cabelos, fechando os olhos e gritando,
tamanha a força do prazer que me atingiu.
Assim que voltei da minha pequena morte pós-orgasmo, sentia meus
olhos pesados, a boca seca e meu peito arfante. Fora o coração, que batia
descompassado.
Quando finalmente consegui abrir os olhos, ele havia voltado a se pôr
sobre mim. Ainda estava com o roupão no lugar, mas tinha consciência de
que depois daquilo, não havia mais volta. E não queria que houvesse, naquele
momento, transar com Harry, era o que eu mais desejava na vida.
— Meu Deus, o que foi isso! — exclamei, apoiando-me nos cotovelos.
— Uma amostra grátis — brincou e voltou a descer o corpo.
Sem a toalha, dava para notar com muito mais clareza o quanto seu pau
estava duro e senti necessidade de tocá-lo.
Mas antes que pudesse fazer isso, ele ergueu meus dois braços acima da
cabeça e tomou minha boca de novo, com suavidade dessa vez, me deixando
provar meu gosto em seus lábios e isso aumentou ainda mais o meu desejo.
Se antes eu já imaginava, depois de tudo o que me fez sentir, tive
certeza de que o sexo com ele seria incrível.
— E se em vez da amostra, eu quiser o pacote completo? — sussurrei,
dando uma mordidinha em seu lábio que o fez gemer.
Harry então mexeu os quadris entre minhas pernas, simulando o ato
sexual, e me enlouquecendo. Mas antes que pudesse responder, o celular dele
tocou e tive uma vontade enorme de segurá-lo ali comigo.
Será que para transar com esse homem, eu teria que arrastá-lo para
uma ilha deserta?
— Só um minuto — falou, lançando-me um olhar de desculpas.
Harry pegou o celular, olhou na tela, pediu licença e saiu do quarto em
seguida, deixando-me ali, satisfeita pelo orgasmo que tive, mas louca para
continuar o que começamos.
Depois de um minuto achei que não haveria mais clima e resolvi ir
tomar outro banho.
Enquanto a água quente me molhava, pensei que talvez tivesse sido um
sinal divino, falando para manter minhas pernas fechadas, mas nem religiosa
eu era, então resolvi colocar a culpa na vida agitada que ele tinha.
Após o banho, coloquei o vestido azul marinho que havia escolhido.
Ele era colado no corpo e se abria em uma saia fluida, de altura midi. O
modelo tinha um cinto mais largo que marcava bem a cintura e mais uma vez
agradeci por Eleanor possuir roupas tão legais e por ter Consuelo para as
ajustar, deixando-as perfeitas para mim.
Calcei uma sandália coral, de tiras delicadas e salto bloco, que fazia um
lindo contraste com a cor sóbria do vestido.
Como iríamos sair, coloquei maquiagem, mas apenas o mínimo,
somente para não ir de cara lavada.
Soltei os cabelos, passei um perfume e quando deixei o banheiro, Harry
já estava me esperando. Ao ver que ainda usava o roupão, imaginei que ele
pretendia prosseguir com nossa brincadeira. E isso se provou correto quando
percebi o quanto ficou surpreso ao me ver toda arrumada.
— E a história de pacote completo? — falou, me abraçando por trás e
depositando um beijo em meu pescoço.
Eu poderia apenas minimizar a situação, mas achava que ele deveria
saber o que eu realmente pensava.
— Bom, como disse ontem, eu te quero muito. Talvez ainda mais
agora, mas acho que minha primeira vez deve acontecer num momento em
que você possa dar toda a sua atenção a mim — respondi e dei de ombros.
Ele soltou um suspiro, visivelmente frustrado, e me virou de frente para
si.
— Você está absolutamente certa e só espero que isso aconteça, já que
minha vida anda uma loucura ultimamente.
— Pelo jeito, o telefonema dizia respeito a trabalho.
— Sim. O coordenador da minha campanha queria me lembrar do
almoço que estava marcado com o comitê de Nova York.
Na mesma hora me lembrei da mensagem que a mocreia da assistente
enviou e me senti um pouco mal por não tê-lo avisado. Mas imediatamente
recordei a mim mesma que estava bisbilhotando, então, não poderia ter
falado, mesmo que ele não tivesse entorpecido meus sentidos a ponto de me
fazer esquecer qualquer coisa.
— E esse almoço é hoje? — perguntei, me fazendo de desentendida.
— Sim, a equipe finalmente foi formada e eu preciso conhecê-los
pessoalmente, afinal, são eles que irão trabalhar duro para me dar
visibilidade. Tem algum problema para você?
Bom, eu não podia dizer que estava super feliz com aquilo. Quando ele
falou que iríamos conhecer a cidade fiquei muito empolgada e agora não seria
mais possível.
Por outro lado, aquela era a vida dele, não me sentia no direito de
impor nada quando entrei nessa sabendo exatamente quem ele era e o que
queria no futuro.
— Claro que não, você deve ir.
— Nós, Liz, quero que me acompanhe, assim você já conhece as
pessoas que trabalham comigo.
Senti uma euforia enorme ao ver que ele não queria me esconder de
seus funcionários. Era mais um sinal de que as coisas entre nós estavam
ficando sérias mesmo.
— Será um prazer acompanhá-lo a esse almoço. Acha que essa roupa
está adequada?
— Está perfeita — garantiu com um sorriso e me deu um beijo na
bochecha antes de se encaminhar ao closet.
Enquanto Harry se arrumava, fiquei sentada na cama, acompanhando
de perto todo o ritual de escolha de sua roupa: terno, camisa, gravata, meias,
sapatos italianos...
Conforme ele ia se vestindo, comecei a me sentir como a portadora de
um grande segredo.
Quantas mulheres não gostariam de vê-lo assim, em seu habitat natural,
mexendo em suas coisas, como um simples mortal. No entanto, quem estava
tendo o prazer de conferir tudo isso era eu, que nem em minhas fantasias
mais delirantes, imaginei algo assim.
Quase meia hora depois, ele estava pronto e perfumado dentro de um
terno grafite, completamente irresistível. Gostei do fato de ele ter desistido da
gravata, achava que aquele look um pouco mais despojado era o ideal para
conhecer as pessoas que o ajudariam.
— Vamos, o piloto já chegou.
— Piloto? — quis saber, confusa.
— Sim, nós vamos de helicóptero. Tudo bem para você?
Assenti, peguei minha bolsa e entrelacei meus dedos aos dele.
Harry me guiou até o heliponto da cobertura, e apesar de tentar parecer
tranquila, eu estava um pouquinho nervosa.
Embora meu pai tivesse tido muito dinheiro, eu não lembrava de já ter
andado de helicóptero com ele, mesmo que já tivesse visto fotos nossas
dentro de um.
Ao chegar lá em cima, soltei a mão de Harry e segurei minha saia.
Claro que por causa disso, meu cabelo voou para todo lado, mas antes isso a
mostrar minha calcinha para o piloto e Zed, que já esperava por nós.
Foi ele quem me ajudou a subir, parecendo bem solidário com a minha
situação.
Harry se sentou ao meu lado e, minutos depois, estávamos sobrevoando
a cidade de Nova York.
Enquanto ele falava com Zed, através do fone de ouvido, tentei arrumar
meu cabelo o melhor que pude.
Quando não tinha mais nada a fazer, virei-me para a janela a fim de
apreciar a vista privilegiada e fiquei maravilhada. Havia um mar de prédios
rodeando a enorme área verde do Central Park, que naquela época do ano,
exibia árvores com folhagens de diversas tonalidades.
Vendo meu interesse, Harry pegou minha mão e chegou mais perto
para poder indicar o que se enxergava dali.
Ele apontou para as janelas. De um lado estava o Rio Hudson, Nova
Jersey e Newport, do outro, Long Island, Brooklyn, Queens...
Perguntei onde estava a Estátua da Liberdade, e o vi apontar para a
frente, só que não consegui enxergá-la com clareza, pois estava longe, mas
ele prometeu que faria o possível para mostrá-la a mim.
Antes do que eu esperava, percebi que o helicóptero estava se
preparando para pousar.
Saber que em poucos minutos Harry me apresentaria às pessoas que
seriam responsáveis por, talvez, torná-lo o próximo presidente dos Estados
Unidos, me deixou apreensiva e eu não sabia bem o porquê.
Talvez por medo de ser julgada ou por não controlar minha boca e
acabar falando alguma besteira ou apenas por não estar acostumada a me
reunir com tantas pessoas, só sabia que havia voltado a ficar nervosa.
Não tinha percebido o quanto estava apertando a mão de Harry até ele
levá-la aos lábios e beijar o dorso. Isso me distraiu e acabou me relaxando.
Ele me ofereceu seu sorriso lindo e, sem se importar com Zed ou o
piloto, simplesmente me beijou, deixando-me rendida mais uma vez.
Quando nos afastamos, a aeronave já havia pousado e Zed se preparava
para abrir a porta.
Antes de descer, respirei fundo numa tentativa de me acalmar. Não
adiantou muito, mas não teria mais tempo, o jeito era seguir em frente.
Quando saímos do helicóptero, Lexy já o esperava na porta de acesso
ao terraço.
Ela usava calça skinny preta com uma regata grafite soltinha. Os
cabelos longos estavam presos em um coque moderno, no alto da cabeça. Sua
aparência despojada não parecia muito profissional, mas tanto sua atitude
quanto seu olhar mostravam uma enorme competência.
Eu sabia que Harry havia falado que, além de serem apenas amigos, a
loira jogava nos dois times, mas estava curiosa para saber se ela não ia com a
minha cara apenas por questões políticas ou se realmente tinha algum
sentimento de posse com relação ao chefe lindo de morrer.
— Bom dia, Harry, todos já chegaram e estão à sua espera — falou ao
cumprimentá-lo, então me lançou um olhar de falsa simpatia. — Como vai,
Elizabeth?
— Ótima e você?
— Ocupadíssima. Se puderem me seguir... — falou e apontou a porta
para que a precedêssemos.
A forma hostil como ela respondeu, passou despercebida por Harry, ou
talvez ele estivesse acostumado com o jeito dela, mas eu não gostei nada de
seu tom seco e apressado.
Sem nem pensar, ele pegou minha mão e me guiou até um elevador que
já nos aguardava.
Quando as portas se abriram novamente, estávamos em um lindo salão,
amplo e envidraçado.
Lá dentro havia aproximadamente vinte pessoas. Alguns estavam em
pé, com drinks na mão, reunidos em grupos, outros se encontravam sentados
às mesas dispostas em um dos cantos.
Nessa hora senti que estava entrando no mundo dele, o real, aquele em
que ele passava a maior parte de seu tempo.
Nervosa, apertei sua mão de maneira inconsciente e ele a apertou de
volta dizendo, em silêncio, que eu não deveria me preocupar.
Assenti levemente e o segui para dentro.
A primeira pessoa a se aproximar foi um homem engravatado e muito
bonito que eu tinha certeza de conhecer, mas não sabia de onde.
Ah, Blake Sullivan, o vice-presidente de Harry, lembrei-me assim que
visualizei a mulher que vinha logo atrás.
Zara Sullivan, esposa de Blake, havia sido muito simpática comigo no
dia do baile beneficente e era impossível não me recordar dela, especialmente
porque era a nova patroa da minha antiga babá e governanta, Gemma.
— Elizabeth, que surpresa boa vê-la por aqui — Zara falou, parecendo
realmente feliz ao me cumprimentar.
Ela estava belíssima dentro de um vestido preto com cintinho fino que
a deixava com ar sofisticado, seus cabelos estavam soltos e, assim como eu,
usava pouca maquiagem. Mas nem precisava, era naturalmente linda sem
qualquer artifício.
Além disso, desde que a conheci, senti que era uma pessoa do bem, e
essa sensação apenas aumentou quando o padre Norton comentou comigo
que ela estava responsável pela reforma do orfanato. Ele disse que a bela
mulher era muito comprometida com causas sociais, principalmente as que
envolviam crianças abandonadas.
Lembrava-me de ter sentido um quentinho no peito quando ouvi aquilo,
achava louvável que ela usasse o dinheiro e a influência que tinha para
realmente ajudar quem precisava.
— Que bom revê-la, Zara — falei e depois cumprimentei seu marido
com um aperto de mão.
Logo, um homem expansivo chegou para cumprimentá-lo. Ao olhar
para mim, ele apenas meneou a cabeça de leve e então voltou sua atenção ao
meu acompanhante.
— Harry — falou Zara, interrompendo o homem —, você vai ter que
falar com muita gente agora, porque não deixa Elizabeth comigo e vai
resolver isso. Quando estiver livre, é só ir à nossa mesa.
Ele se voltou para mim com a testa franzida.
— Zara está certa, essa parte não vai ser muito interessante. Você se
importa de ficar com ela por um tempo?
— De forma alguma, faça o que você tem que fazer, eu estarei por aqui.
Ele sorriu e me beijou levemente nos lábios.
Depois de também receber um beijo do marido, Zara me levou à mesa
na qual estava acomodada.
— Você está linda, Liz e estou tão feliz por saber que as coisas com
Harry estão evoluindo — disse ela quando nos sentamos.
Sorri, sentindo que corava um pouco.
— Eu também estou feliz, vou passar a semana em Nova York com ele.
Ela assentiu e bebeu um gole de seu champanhe.
— Espero de coração que fiquem juntos — desejou com evidente
sinceridade.
Como era bom ter alguém torcendo por nós.
— Boa tarde, Zara, como vai? — perguntou uma mulher morena de
olhos e cabelos escuros na altura dos ombros.
Ela me lançou um olhar curioso e imaginei que se tratava da esposa de
um dos engravatados que estavam à espera de Harry.
— Olá, Cathy, estou ótima e você? — Zara respondeu, de maneira um
pouco seca e quando a mulher me encarou, ela emendou: — Esta é Elizabeth
Reagan, namorada de Harry.
Os olhos escuros se arregalaram, como se tivesse ficado surpresa com o
meu título de namorada, mas ela logo disfarçou.
— Prazer, Srta. Reagan, sou Catherine Becker, trabalho no comitê de
campanha de Harry.
— Apenas Elizabeth, por favor. E o prazer é meu — respondi
educadamente.
— Você está em Nova York a passeio, presumo — disse ela, o que me
fez ter certeza de que já tinha ouvido falar a respeito de mim.
— Sim, cheguei com Harry ontem e passarei a semana aqui.
Ao ouvir aquilo, sua boca franziu de leve, mas ela mais uma vez
colocou um sorriso ensaiado no rosto para responder:
— Se precisar de qualquer coisa, é só me avisar.
Eu assenti, sorrindo também, mas por dentro algo me dizia que aquela
simpatia não era verdadeira. Claro que eu poderia estar enganada, porém, a
forma como agiu logo que chegou à mesa, me deixou com uma péssima
impressão e eu dificilmente me enganava com essas coisas.
— Não quer se juntar a nós? — ofereceu minha acompanhante,
educadamente, apontando para uma mesa.
Cathy agradeceu e se sentou.
Na mesma hora Zara perguntou acerca da viagem a Rússia e a moça
começou a particularizar algumas coisas.
Então ela estava com ele, pensei comigo mesma, inesperadamente
curiosa, e resolvi prestar atenção ao que Cathy falava das reuniões que
tiveram, aos restaurantes que visitaram. Em dado momento, comecei a achar
que ela estava se esforçando demais para detalhar como tinha sido a viagem
de negócios.
Não pude deixar de me atentar ao quanto ela era elegante, inclusive na
forma como se expressava, seu tom de voz parecia o de uma jornalista bem
treinada, sempre fazendo pausas e sorrindo na hora certa.
De imediato imaginei que ela seria uma ótima porta-voz para Harry,
pois sua desenvoltura e oratória eram impecáveis.
Ela também comentou o fato de Harry ter perdido o celular e lamentou,
já que, pelo que falou, eles tiraram várias fotos com o intuito de usá-las na
campanha e esperava que tivessem ficado salvas na nuvem.
Estreitei os olhos. Cathy, claramente, quis se mostrar íntima, talvez
mais íntima do que era.
Enquanto a observava, pude notar todas as vezes em que desviara o
olhar para Harry, que estava a alguns metros de distância rodeado por
pessoas.
Segui seu olhar. Alguns dos que estavam ali agiam de forma indolente,
mas a grande maioria parecia ávida para ouvir o que ele falava, loucos para
começar a trabalhar.
Vê-lo daquele jeito me fez lembrar das vezes em que o encontrei
cercado de guarda-costas, parecendo mais uma estrela de cinema, sempre
com gente em volta, com aquela bajulação costumeira e mulheres caindo aos
seus pés.
Eu podia atribuir toda a adulação aos seus lindos olhos azuis, às feições
aristocráticas ou ao corpo alto e bem-feito, mas sabia que seu sobrenome e os
bilhões que possuía em sua conta tinham muito a ver com isso.
Voltei minha atenção para a conversa que se desenrolava a minha
frente.
Cathy estava tão absorta no que falava — e olhava —, que se esqueceu
da minha presença ao seu lado, cuidando de todos os seus movimentos.
Pelo visto, a Miss Simpatia tinha outros interesses, além da campanha.
Como se já não bastasse a assistente que antipatizara comigo de graça
e não fez questão de esconder.
Eu tinha que ser justa e dar esse crédito a ela. Diferente da senhorita
perfeição, Lexy mostrava o que era, não se escondia atrás de bons modos e
sorrisos falsos.
Suspirei pesadamente, mas de maneira discreta para elas não
perceberem.
É, ficar com Harry Stone demandaria muito mais energia e cautela do
que eu supostamente imaginara. Mas o que elas não sabiam era que após
suportar tudo o que já suportei de minha mãe, não seria fácil me derrubar.
Sabia que enquanto Harry me tratasse bem, como vinha fazendo e
contanto que minha presença em sua vida não o atrapalhasse, eu aguentaria
qualquer coisa.
Especialmente se houvesse mais orgasmos como aquele.
Esse pensamento me fez sorrir internamente e me deixou ansiosa para
voltar para casa e repetir a dose.
Quando Cathy pediu licença para falar com duas pessoas que haviam
chegado, Zara voltou a me encarar.
— Desculpe pela falta de atenção, Liz, mas queria saber como tinha
sido a viagem.
— Não tem problema, eu também estava interessada em saber —
tranquilizei-a porque era verdade. Além disso, Zara era do tipo de pessoa que
passava uma energia boa, pelo menos para mim, e sabia que não tinha feito
aquilo de propósito.
— Mas me diga, está gostando de Nova York?
— Eu só cheguei ontem à tarde e não saí para conhecer nenhum lugar
ainda. Sei que Harry é bem ocupado, mas espero que ele encontre um
tempinho para me mostrar alguns lugares.
— Estou certa de que ele vai arrumar tempo, nem que seja à noite.
Bem, ainda não tinha certeza se conseguiríamos fazer alguma coisa
legal com Lexy inventando compromissos a todo momento, mas eu podia
sonhar, certo?
— Infelizmente eu terei que viajar essa semana e não sei quando
retornarei, ou me ofereceria para ciceronear sua visita — lamentou Zara. —
Mas estava pensando que poderíamos marcar alguma coisa para fazer em
Washington, talvez um jantar em minha casa.
— Nossa, eu iria adorar, seria ótimo vê-la novamente e ainda matar a
saudade de Gemma e sua comida deliciosa.
— Ah, que maravilha — falou ela, animada. — Veja que dia será
melhor para você e me diga. Aqui, anote seu telefone — pediu, estendendo
seu celular e fiz o mesmo com o meu.
Estava tão feliz, tinha a impressão de que Zara seria uma ótima amiga,
caso meu relacionamento com Harry engrenasse.
Agora era só ver um dia em que Eleanor não estivesse em casa, pois se
ela sonhasse que eu estava indo à casa de Zara Sullivan, iria querer me
acompanhar, e de forma alguma eu submeteria a doce mulher a esse martírio.
Meu Deus, só de lembrar das atitudes de minha mãe no baile em que
conhecemos Zara e seu marido, eu estremecia, que mulher fútil e
interesseira...
— Como você lida com tudo isso? — perguntei depois de uma
conversa tranquila sobre diversos assuntos, várias comidinhas cheias de
frescura e umas duas taças de champanhe.
— Na verdade, esses eventos são bem enfadonhos, mas política é a
vida de Blake, foi nesse meio que o conheci, então, eu tento acompanhá-lo,
pois sei que é importante para ele.
Fiquei imaginando como seria minha vida se me casasse com Harry. Se
não fosse por Zara, eu tinha certeza de que teria ido embora, atrás de algo
melhor para fazer.
Claro que minha falta de empolgação com sua vida política podia estar
atrelada a minha pouca idade, era raro que alguém que não fosse engajado no
assunto desde sempre, gostasse de eventos assim e eu era uma dessas
pessoas, que só me ligava em política em época de eleição.
Voltei-me mais uma vez para Harry bem na hora em que ele olhou para
mim e piscou, lançando-me um de seus sorrisos encantadores.
E foi só ver isso que todo o resto desapareceu. Agora era só esperar até
que minha mente inventasse novas teorias de como seriam nossas vidas sob
outra perspectiva.
Duas horas depois, muitas pessoas já tinham ido embora e durante todo
esse tempo Harry só foi à nossa mesa uma vez.
Eu sabia que ser namorada dele iria exigir uma postura mais séria de
minha parte, principalmente em eventos como o daquele dia e isso me
assustava. Às vezes eu pensava que seria tão mais fácil se ele fosse um
homem comum e não um aspirante a presidente dos Estados Unidos.
Já era difícil dividi-lo com aquele bando de assessores, imagina com
uma nação inteira!
Esse tipo de pensamento me assustava, pois se eu realmente
continuasse com Harry, teria que assumir um cargo de primeira-dama e fazer
parte de um mundo que não tinha nada a ver comigo.
Obviamente não me passou despercebido que sempre que ele tentava se
aproximar, alguém interrompia seus passos, especialmente Cathy e o homem
expansivo que cumprimentou Harry quando chegamos. Lexy também fez isso
algumas vezes, mas menos do que eu esperava.
O que interessava era que ficou nítido que tentavam mantê-lo afastado
da minha mesa, deu para ver que não queriam que ele fosse visto ao meu
lado.
— Sei exatamente o que está pensando, Liz e, sim, você está certa, eles
estão fazendo isso mesmo — Zara falou de repente.
Eu estava tão distraída, acompanhando o vai e vem de Harry, que nem
percebi que ela havia voltado do banheiro.
— A gente mal começou a namorar e já tenho inimigos declarados —
falei, brincando, mas meu sorriso era triste.
Zara sorriu de forma compreensiva e olhou para onde as duas estavam.
— Se quer saber, aquelas duas não se suportam, mas por causa dele,
acabam se aturando. Harry é um homem muito interessante, inteligente,
misterioso, além de lindo e o magnetismo dele as impede de desistir e se
afastar.
— Mas eu não tenho nada a ver com isso, não entendo essa aversão por
mim.
— O problema não é você, Liz — garantiu. — Veja bem, Harry
cresceu com um objetivo muito claro e viveu de forma quase imaculada,
esperando pelo dia em que concretizaria seu sonho. Atualmente, além de suas
vontades, ainda há diversas pessoas lhe dizendo como agir, cada um
tagarelando uma coisa diferente... Pela primeira vez ele está indo contra a
vontade de todos e assumindo você e eles não estão sabendo como lidar com
essa rebeldia, então, valorize isso.
O que Zara estava me falando não era nenhuma novidade, eu até
concordava com seus assessores, sabia que não me enquadrava no perfil de
uma primeira-dama, mas isso não justificava todos os olhares hostis que
vinha recebendo.
— Eu valorizo, demais até, mas isso tudo é uma grande novidade para
mim.
— Se realmente gosta dele, aguente firme e não abaixe a cabeça para
elas.
O conselho de Zara me arrancou um largo sorriso, alguma coisa me
dizia que se precisasse de ajuda, era só falar com ela.
Estava para perguntar algo quando Harry apareceu e avisou que iríamos
embora.

— Eu sei que não foi muito legal, mas prometo compensar — falou,
afrouxando o nó da gravata que ele acabou colocando por insistência de seu
staff, e entrando em sua suíte.
Estar apaixonada era mesmo uma droga, eu não tinha gostado do
evento, mas gostava de Harry, muito, então preferi não falar nada.
Havia uma pressão silenciosa se formando em minha cabeça e me
mostrando que, para ficar com ele, eu precisaria de muita paciência, pois seus
compromissos sempre exigiriam sua total atenção, de forma que eu teria que
ser adulta o suficiente para entender a vida que levava e não me ressentir
depois.
— Tudo bem, vou só tomar um banho — falei, numa boa, e tentei
passar por ele, mas fui interrompida.
Harry me puxou pela cintura e me beijou sem que eu esperasse, e foi só
sentir seu gosto para amolecer em seus braços, totalmente esquecida do
almoço chato.
Entrelacei as mãos atrás de seu pescoço e fiquei na ponta dos pés para
beijá-lo melhor.
Em poucos minutos eu já estava me sentindo molhada de desejo e isso
não me incomodava de jeito nenhum. Exceto pelo fato de que precisaria
providenciar um estoque de calcinhas para continuar namorando com esse
homem, pois era só ele me olhar, tocar ou beijar, para eu ficar pensando
besteira.
— Preparei uma surpresa pra você — contou, beijando meu pescoço.
— Ah, é?
— Sim, tome seu banho e se arrume, porque nós vamos sair.
Sorri, subitamente animada, e voltei a beijá-lo, morrendo de
curiosidade para saber o que ele estava aprontando.
Como de costume, fiquei em dúvida acerca do que usar. Depois de
quebrar a cabeça por um tempo, acabei me lembrando das dicas de Eleanor
— quem diria, não é mesmo? — que sempre dizia que, na dúvida, devia-se
usar preto.
Revirei minha mala e achei um modelo perfeito. O vestido tinha alças
finas, decote quadrado e ficava uns três dedos acima dos joelhos. Consuelo já
o ajustara, então ficou perfeito, acentuando minhas curvas e deixando meu
corpo lindo.
Também peguei um trench coat, não muito pesado, pois não estava tão
frio e para finalizar, optei por uma sandália preta com tiras finas e salto
médio.
Escolhi deixar os cabelos soltos, mas enrolei as pontas, adorava o efeito
de raiz lisa e comprimento ondulado. No rosto fiz o de sempre, apenas rímel,
blush, para dar aquele aspecto saudável na pele e um brilho nos lábios.
Alguns minutos antes, Harry bateu na porta do banheiro, avisando que
me esperaria na sala, e foi para lá que me dirigi assim que acabei de me
arrumar, o barulho do salto da minha sandália soando através do corredor
quando em contato com o mármore do piso.
Conforme avançava, a música que tocava ficava mais audível.
Ao chegar à sala, Harry conversava com Zed, que logo se despediu e
me lançou um meio sorriso antes de desaparecer.
— Está linda — elogiou ao se aproximar.
Seu olhar brilhava em apreciação, deixando-me satisfeita por minha
escolha.
— Você também — retribuí.
Ele estava usando uma calça escura e uma camisa azul marinho de
botões, algo bem casual, para alguém que vivia de terno e gravata.
Num impulso, tomei a liberdade de abraçá-lo. Adorava estar entre seus
braços, seu corpo era tão acolhedor.
— Já posso saber aonde vamos? — perguntei ao me afastar.
— Ainda não, mas garanto que vai gostar — falou, pegando minha mão
e me levando até o elevador.
Revirei os olhos, sabendo que não adiantaria insistir. Mas foi difícil,
ainda era cedo, de forma que fiquei tentando adivinhar onde iríamos antes de
irmos jantar.
Diferente das outras vezes, Harry não tocou no celular e ficou o
caminho todo conversando comigo, mostrando os pontos turísticos pelos
quais passávamos e fazendo comentários relevantes a respeito deles.
Também contou histórias relativas a sua infância em Nova York,
revelando que, apesar de ter tido várias atitudes pertinentes à sua idade, fora
bem diferente das crianças em geral. Falou que após os sete anos, o que mais
gostava de fazer era ir para as Indústrias Stone com seu pai ou avô e eu só
pude imaginar um menininho de cabelos negros e olhos azuis, andando pelos
corredores da empresa, todo sério, como se já soubesse que um dia teria o
mundo em suas mãos.
Quando Zed parou o carro, minutos depois, fiquei confusa e ansiosa ao
ver que estávamos em uma marina.
Harry me ajudou a descer e após uma breve apresentação, fomos
autorizados a entrar.
— Você tem um barco?
— Temos três — respondeu despreocupado —, um fica aqui, outro em
Ibiza e o terceiro em Mônaco.
— Poxa, que chato ser rico, não é? — zombei e ele gargalhou.
— É muito bom, só que eu queria ter mais tempo para aproveitar tudo
que a minha família conquistou ao longo dos anos. Mas a empresa e a política
ocupam praticamente toda a minha vida desde... Desde sempre, eu acho. É
um pouco sufocante, na verdade.
Então, desista de tudo isso e vamos aproveitar a vida, foi o que pensei,
mas de forma alguma iria externar, não quando ele estava prestes a realizar
um sonho.
— É esse aqui — ele apontou para um iate gigantesco onde três rapazes
nos aguardavam.
— Boa noite, Sr. Stone — o mais velho deles disse.
Harry os cumprimentou e então me apresentou a eles.
Nós subimos à bordo e fomos para o último convés, seguidos por Zed,
que ficou invisível, mas eu sabia que ele estava bem perto, de olho em tudo.
No minuto seguinte o iate estava se afastando da marina e eu não
conseguia parar de olhar ao redor. Nunca estivera nem mesmo em um barco
de pesca, quanto mais em uma embarcação tão luxuosa como aquela, então,
achava que tinha o direito de parecer extasiada com tudo.
— Vamos ver o pôr do sol daqui — falou quando chegamos à grade de
proteção.
Ele me abraçou por trás e eu descansei a cabeça em seu torço forte.
Não demorou para um dos rapazes aparecer carregando uma bandeja
com duas taças de vinho branco. Ainda assim, não mudamos de posição,
nenhum de nós queria se afastar do outro.
Àquela hora, o céu já estava todo pintado de tons rosados e alaranjados,
nos oferecendo uma vista realmente fascinante e incrivelmente romântica.
Fiquei chateada por ter esquecido meu telefone. Eu sabia que não
poderia postar a fotografia em nenhum lugar, mas gostaria de ter uma
lembrança daquele momento.
Percebendo que algo me incomodava, Harry perguntou:
— O que aconteceu, Liz?
— Queria ter trazido meu celular para tirar uma foto, só quando
estávamos no carro foi que eu vi que tinha me esquecido de colocá-lo dentro
da bolsa.
— Não seja por isso — falou e um segundo depois me oferecia seu
aparelho.
Dei um beijo leve em seus lábios como agradecimento e tirei uma foto.
Depois ele pediu para tirar uma minha com aquele céu maravilhoso como
cenário.
Queria ter tirado uma de nós dois, mas fiquei com vergonha de pedir.
— Pronto, já enviei para você.
Sorri e voltamos à posição anterior.
— Obrigada por isso — agradeci depois de alguns minutos. — Eu sou
uma pessoa maleável, compassiva e bem pacífica, sabe, tive que aprender a
ser assim ao longo da vida, mas passei tanto tempo praticamente trancada
naquela mansão, que às vezes fico revoltada. Há tanta coisa linda nesse
mundo que eu não tive a chance de conhecer... Às vezes acho tão injusto.
Resolvi me calar ou começaria a chorar.
— Se depender de mim, vai conhecer o mundo inteiro.
Quando eu achava que não tinha como ficar mais apaixonada, ele
conseguia me tirar do chão e me levar ao céu.
— Você fala umas coisas que mexem comigo — admiti, virando-me
para ele.
— Essa é a intenção — ele brincou e me roubou um beijo.
Harry possuía um cuidado especial comigo, mas eu ainda tinha tantas
dúvidas em relação ao nosso futuro, acho que só me sentiria segura quando
estivesse casada com ele, com a casa cheia de filhos.
De onde surgiu esse pensamento?, pensei, voltando-me para a frente
novamente e apoiando os braços na proteção, sendo seguida por Harry.
Ver aquele pôr do sol magnífico na companhia daquele homem, foi, de
longe, a coisa mais romântica que já fiz na vida, algo que eu jamais
esqueceria.
Às vezes me pegava pensando se esses momentos que estava tendo
com ele não seriam uma recompensa por tudo de ruim que já tinha passado
na vida. Junto com esse pensamento vinha a incerteza. Será que aquilo
duraria ou estava sendo oferecido por um tempo limitado?
Não gostava de pensar nisso, por isso voltei a olhar adiante.
Assim que o sol desapareceu no horizonte, Harry me virou de frente e
me beijou de forma apaixonada, fazendo meu coração bater feito um louco.
Eu estava tão envolvida em nossa relação que minha vontade era
guardá-lo dentro de uma caixa e colocá-la no fundo do armário. Harry Stone,
se tornou especial e, mesmo sendo um pensamento egoísta, eu o queria só
para mim.
— Venha, vamos descer para jantar — ele pediu.
Quando chegamos à sala do andar inferior, havia uma mesa posta para
dois, com direito a velas e champanhe no gelo.
— Nossa, que romântico! — brinquei tentando disfarçar a voz, que
havia ficado um pouco embargada.
Harry era maravilhoso, mas eu não queria alimentar minha mente com
esse tipo de coisa. Um homem com a educação que ele teve, devia ser
atencioso com todas as mulheres, e era a isso que eu deveria me apegar, ao
menos por enquanto.
— Só com você — respondeu ele, charmoso, e puxou a cadeira para
mim, sentando-se à minha frente em seguida.
Logo, um de seus funcionários nos serviu mais vinho e imaginei que o
champanhe ficaria para o final.
Enquanto ele falava a respeito das festas de família que já tinham sido
realizadas ali, fiquei analisando cada detalhe daquele homem que exalava
masculinidade combinada com uma beleza e sofisticação que poucos mortais
conseguiam exibir.
Fiquei encarando as mãos grandes que costumavam se mover quando
ele explicava alguma coisa. Subi o olhar por seu pulso adornado por um
Rolex prateado com fundo azul marinho e continuei, reparando nos pelos do
antebraço e mais acima, onde a camisa abraçava seus músculos.
Meu olhar traidor se desviou para o lado e foi direto para o peitoral,
onde eu podia ver pelos escuros, devido aos dois botões que ele deixara
abertos.
Quando finalmente cheguei a seu rosto, Harry me encarava com ar
divertido, como se tivesse percebido toda a minha avaliação.
— Pega em flagrante — falei para descontrair e bebi um gole de vinho.
— Adoro quando me olha assim.
— Todas as mulheres do mundo devem te olhar assim — zombei.
— Só me importo com o jeito que você me olha — sorri satisfeita, mas
não tive chance de responder, pois um dos funcionários de bordo serviu o
nosso jantar.
Era um filé de peixe super aromático com uma salada leve, aliás, toda a
refeição era muito leve, o que me fez supor que Harry tinha mais planos para
a nossa noite.
Rezei para que estivesse certa. Eu já sabia que estava apaixonada e
após todas as demonstrações de carinho que teve comigo, não havia mais
dúvidas de que queria me entregar a ele.
Após o jantar fizemos um tour pelo luxuoso iate e fui avisada de que
passaríamos a noite ali, fiquei super empolgada, pois estava adorando aquele
clima romântico que ele tinha armado para nós.
A suíte onde dormiríamos era gigantesca e belamente decorada, mas só
ficamos ali por alguns segundos, pois logo ele me guiou para fora e de volta
ao último andar, onde um balde de gelo, uma garrafa de champanhe e duas
taças tinham sido colocados sobre uma mesa baixa, entre duas
espreguiçadeiras.
Ele encheu as taças e me levou para o mesmo lugar onde estivemos
mais cedo. Dessa vez, porém, indicou a Estátua da Liberdade.
Fiquei emocionada em vê-la, linda e majestosa acima de nós.
Sem que eu pedisse, ele tirou uma foto de mim com a ilha da Liberdade
como pano de fundo e depois se colocou ao meu lado para fazer uma selfie,
atitude que fez meu coração bater feito louco no peito.
Sem querer demonstrar o quanto ficara tocada, virei-me para apreciar o
monumento gigantesco e, como havia feito antes, Harry me abraçou por trás.
Ele parecia tão relaxado, tinha certeza de que nunca o vira tão à
vontade. O homem que estava comigo não parecia carregar o peso de um
sonho nos ombros e nem a responsabilidade de gerir as Indústrias Stone.
— Queria te ver assim mais vezes — comentei minutos depois, sentada
em seu colo, sobre uma das espreguiçadeiras.
Eu já tinha colocado minha taça vazia em cima da mesinha e estava
com a cabeça apoiada na curvatura de seu pescoço.
— Assim como?
— Leve, relaxado.
— É você quem me deixa assim — devolveu e levantou meu queixo
para alcançar minha boca.
Meu Deus, ele realmente estava inspirado, e eu, cada minuto mais
apaixonada.
— Promete que vai ser sempre assim — roguei quando ele cessou o
beijo.
— Você sabe que sou ocupado, mas quando estivermos sozinhos,
minha atenção será toda sua.
Eu sabia que aquilo era o máximo que ele podia me prometer, e não me
sentia no direito de pedir mais, ele tinha uma vida muito bem estruturada
antes de me conhecer, por isso apenas sorri e o beijei de volta, com mais
ousadia dessa vez.
Logo senti sua ereção pressionando minha bunda e segurei um gemido
de satisfação, mas deixei que Harry tomasse as rédeas.
Ele acompanhou a intensidade do meu beijo e começou a passear as
mãos por meu corpo, subindo os dedos por dentro do meu vestido, chegando
ao limite da minha calcinha.
— O que foi? — ele perguntou quando interrompi o beijo e olhei para
os lados a fim de me certificar de que estávamos sozinhos.
— Pode ter alguém olhando — falei, preocupada e ele sorriu.
— Não tem, mas podemos descer, se preferir.
— Prefiro — respondi rapidamente, odiaria ser espionada por um dos
marinheiros.
Harry pegou minha mão e me guiou até a suíte onde passaríamos a
noite.
Comecei a ficar ansiosa. Iria mesmo acontecer, eu sentia e, mais do que
isso, eu queria demais, como nunca quis algo antes em minha vida.
Foi por isso que, mal ele trancou a porta, eu o ataquei sem qualquer
cerimônia. Agarrei os cabelos em sua nuca, abaixei sua cabeça, colei nossos
corpos e o beijei lascivamente, fazendo-o gemer.
— Não me provoque — disse.
Separei nossos lábios e levei minhas mãos às suas costas para tirar a
camisa de dentro da calça e depois as subi por dentro do tecido.
Era tão bom sentir o calor de sua pele contra as minhas palmas.
Soltei o restante da camisa e apoiei as mãos em seu peito. No minuto
seguinte, pude sentir uma espécie de rugido reverberar dali.
— Harry, eu quero — falei numa voz que não se parecia com a minha
de tão rouca que estava.
— Eu sei que está excitada, mas tem certeza de que quer ir até o fim?
Por mais que a deseje muito, sei que a primeira vez de uma mulher é um
passo importante.
Suas palavras apenas me deixaram ainda mais certa da minha decisão.
— Sim, nunca tive tanta certeza em toda a minha vida.
Seu olhar poderoso suavizou e um sorriso luxurioso brotou de seus
lábios.
Nessa hora eu soube que não haveria mais volta, nós iríamos transar e
eu estava sedenta por isso.
Harry abaixou a cabeça e roçou o nariz no meu antes de começar a me
beijar, sem qualquer pressa, fazendo todo aquele fogo acender dentro de
mim. Era uma mistura de paixão, ansiedade e tesão, muito tesão.
Enquanto o beijo rolava, senti seus dedos descendo o zíper do meu
vestido. O toque, lento e preciso, fez meu corpo estremecer de tal forma, que
poderia afirmar que abalara minha alma.
De repente, uma alça desceu, seguida da outra, fazendo o vestido
deslizar para fora do meu corpo e se acumular aos meus pés.
Como estava sem sutiã, fiquei apenas de calcinha de renda preta e
sandálias.
Harry apartou nossos lábios e deu alguns passos atrás para fitar meu
corpo.
Vê-lo ali, olhando meus seios expostos, fez com que me sentisse um
pouco embaraçada.
— Linda...
Corei com o elogio, ao mesmo tempo em que pensava no quanto queria
vê-lo nu também. Entretanto, pelo fato de nunca ter estado naquela situação
antes, fiquei um pouco constrangida, tinha medo de não saber o que fazer ou
de que forma agir.
Sentia-me meio patética diante de tudo aquilo, afinal, eu estava com 23
anos e me considerava bastante esperta, mas no que se referia ao sexo,
possuía muito entusiasmo e pouco embasamento, e isso era um pouco
frustrante.
Por exemplo, será que eu deveria tirar a roupa dele também ou iria
parecer demasiadamente atirada?
— Vejo uma fumacinha saindo de sua cabeça — Harry gracejou e
voltou a se aproximar para me abraçar, as mãos deslizando pelas laterais do
meu corpo.
— Estou nervosa, eu... — engoli em seco — ...não sei o que fazer —
admiti.
Ele me lançou um sorriso charmoso e beijou a ponta do meu nariz.
— Apenas relaxe, eu vou cuidar de você.
Dito isso, capturou o lóbulo da minha orelha e o chupou com
suavidade, para então descer a língua por meu pescoço.
Certo, como se eu fosse conseguir relaxar com um homem daqueles
fazendo algo que deixava minha pele toda arrepiada e a vagina molhada.
Subi as duas mãos por seu peito e as uni atrás de sua cabeça, bem a
tempo de Harry me erguer, obrigando-me a rodear as pernas em sua cintura,
para logo depois me colocar sentada na ponta da cama e se ajoelhou à minha
frente.
Ah, meu Deus, ele ia fazer aquilo de novo!
Gentilmente, deslizou minha calcinha pelas coxas e abriu um pouco
minhas pernas, colocando-se entre elas.
A luz da suíte era amena, mesmo assim, senti vergonha de tê-lo ali,
fitando minhas partes íntimas.
Mordi o lábio em expectativa enquanto trocávamos olhares intensos. O
meu, eu não sabia o que expressava, mas o dele, era puro fogo.
Após um profundo suspiro, Harry pegou uma de minhas pernas e a
colocou apoiada sobre o próprio ombro.
Isso fez com que eu ficasse ainda mais exposta e muito mais excitada.
Sem pressa, ele se aproximou e passou a língua lentamente contra
minha fenda, para só depois cobri-la com sua boca quente.
Apoiei-me nos cotovelos e joguei a cabeça para trás, deixando-o me
levar ao céu com sua língua e ansiando por um pouco mais de atrito.
Logo, sua mão subiu pela minha barriga e agarrou um de meus seios.
Harry começou a massageá-lo enquanto sugava minha boceta, com cada vez
mais avidez.
Rapidamente, senti todo meu corpo queimando, o ventre se
contorcendo, prenunciando aquela sensação de prazer que me arrebataria,
como havia acontecido pela manhã.
— Ahhh... — gemi e comecei a rebolar em busca de mais fricção.
Ele aumentou o ritmo fazendo sua língua trabalhar intensamente em
meu clitóris, num ponto certeiro, que me fez explodir e gemer alto enquanto o
orgasmo me consumia.
Quando se afastou, tinha o olhar enevoado, enquanto eu estava
completamente ofegante; não havia qualquer resquício da vergonha de
minutos atrás.
— Posso tirar sua roupa? — quis saber, tímida, mas resoluta, assim que
consegui me recuperar.
Harry ficou de pé, deu alguns passos atrás e abriu os braços, como que
me dando autorização.
Levantei-me e parei à sua frente. Minhas pernas estavam trêmulas, mas
respirei fundo e ergui a mão em direção aos botões de sua camisa.
Calmamente, desabotoei um por um, sob o olhar atento dele, sentindo a
sensação de estar abrindo um desejado presente de Natal.
Quase ri com esse pensamento, mas logo o dispersei e continuei.
Depois de o livrar da camisa, analisei seu peitoral, sentindo os pelos
escuros sob as palmas de minhas mãos. Deslizei os dedos para baixo, em
direção a sua barriga, até chegar à fivela quadrada do cinto.
Antes de continuar, dei um beijo em seu peito e fiquei entorpecida com
cheiro de sua pele.
Desafivelei o cinto e abri o botão da calça e, com muita calma, comecei
a descer o zíper que mal escondia a enorme protuberância.
Todo o meu teatro devia estar sendo uma tortura, pois se Harry
estivesse ficando apenas comigo, já estaria há mais de um mês sem sexo.
Deixei a calça cair, como ele fizera com meu vestido e depois me
abaixei para retirá-la por completo.
Dei dois tapinhas em seus tornozelos e quando olhei para cima, ele
tinha uma expressão divertida no rosto bonito.
Quando nos livramos do sapato, das meias e da calça, voltei a me
levantar.
Do mesmo jeito que ele havia feito, dei um passo atrás para poder olhá-
lo por inteiro. Deixei meu olhar passear por suas coxas grossas, o membro
enrijecido dentro da boxer, o abdômen firme e o peito largo, até chegar em
seu rosto, para encontrar um olhar vidrado.
Meu Deus, Harry era todo lindo.
Ele estendeu a mão e me puxou para perto.
Acho que chegou a hora, esse pensamento me fez engolir em seco.
Que Deus me ajudasse a ter um bom desempenho.
Deus não tem nada a ver com essa safadeza.
Antes que eu mandasse minha mente ficar quieta, Harry me segurou
firme pela cintura, colou nossos corpos e voltou a me beijar.
Esse beijo não foi calmo, pelo contrário, ele parecia mais que ansioso
pelo momento de me fazer sua.
Enquanto minha boca era engolida pela dele, meus seios roçavam nos
pelos de seu peito, excitando ainda mais meu corpo.
Harry caminhou comigo pelo quarto em direção à cama, sem descolar
nossas bocas, até cairmos engalfinhados contra ela. Sem qualquer pudor,
minhas mãos passearam pelos músculos de seus braços e costas.
Toda vez que ficávamos juntos, era como se houvesse outra Elizabeth
dominando minhas vontades e ações, eu me despia de todas as reservas, pois
ele tinha o poder de me deixar a vontade.
Exatamente por isso, eu me sentia maravilhada por, finalmente, estar
fazendo aquilo que sempre desejei.
Quando ele se afastou para tirar a boxer e colocar um preservativo
fiquei de olhos arregalados com o tamanho do seu membro, era muito grande.
Bonito e bem dotado daquele jeito... Era ser muito abençoado pelos
deuses.
Harry voltou a pairar sobre mim, a boca sedenta voltou a se apropriar
da minha e a essa altura eu já estava totalmente pronta, louca de vontade de
me entregar a ele.
Respirei fundo quando seu corpo alto e musculoso se acomodou entre
minhas pernas, mas, em vez de investir, ele se apoiou nos antebraços e olhou
para mim.
— Nervosa? — perguntou levando a mão até a junção de minhas coxas
e acariciando minha boceta.
— Um pouco, mas louca para ter você — respondi e mordi o lábio,
distraída pelos movimentos de seus dedos lá embaixo.
Ele gemeu.
— Mal posso acreditar que vou estar dentro de você — sussurrou
contra a minha boca e aproximou o membro da minha entrada.
Senti uma leve pressão, mas ele não avançou, ficou apenas num vai e
vem superficial e delicioso que me deixou ainda mais molhada.
Estava certa de que era essa sua intenção.
— Pare com essa tortura — pedi e ele riu, mas abaixou a cabeça.
Atendendo ao meu suplício, enfiou a língua em minha boca ao mesmo
tempo em que seu membro me invadiu mais um pouquinho.
Involuntariamente fiquei tensa e Harry deve ter percebido, pois parou
por alguns segundos. Quando voltei a relaxar, ele retrocedeu um pouco
apenas para entrar novamente.
Abri os olhos para ver seu rosto e sua expressão era de dor. Parecia que
o intuito de não me machucar estava lhe cobrando um preço alto.
— Você é tão apertada, Liz, isso está me matando — balbuciou e
entrou ainda mais, fazendo com que visse estrelas dessa vez.
A ardência vinha acompanhada por uma sensação de completude... Era
difícil até respirar.
— Calma, já deve passar — murmurou com carinho, embora a voz não
estivesse muito firme.
Para me distrair daquele desconforto, voltou a me beijar e massagear
meus seios.
Deu certo, pois na próxima vez que avançou, conseguiu entrar inteiro.
E foi nessa hora que senti que havia “virado mulher”.
Eu ainda estava dolorida, é óbvio, mesmo assim, não sabia descrever a
sensação de ter sido tomada por ele.
E em meio a toda essa confusão de estímulos e sensações, havia um
prazer quase masoquista, uma vez que a dor que sentia estava misturada à
satisfação de tê-lo preenchendo minha intimidade até há pouco intocada.
O início daquela jornada, repleto de ansiedade e desconforto, se
transformou em puro desejo na medida em que Harry entrava e saía,
arrancando gemidos e suspiros de ambos.
Porque, sim, ele estava se controlando ao máximo para não me invadir
com vontade, tomando muito cuidado para não me machucar mais do que o
necessário em minha primeira vez.
Quando o prazer suplantou a dor e fui ficando mais e mais lubrificada,
ganhei um pouco de confiança e comecei a rebolar embaixo dele, o que o
levou à loucura.
Harry gemeu alto e me beijou com selvageria, sem parar de arremeter.
Para completar, levou uma das mãos à minha boceta para que pudesse
massagear meu clitóris e essa combinação foi o meu fim.
Sem conseguir me conter, cravei as unhas em suas costas úmidas e
enterrei os dentes em seu ombro, quando um orgasmo avassalador tomou
meu ventre.
Foi muito mais intenso gozar enquanto era preenchida por ele, tanto,
que por algum tempo perdi a noção de onde estava. Só voltei a me situar
quando ouvi um ofego e me dei conta de que Harry devia estar chegando ao
clímax também.
Para confirmar minhas suspeitas, ele agarrou uma mexa do meu cabelo
próxima à nuca, voltou a me beijar e começou a estocar com impetuosidade.
Segundos depois mordeu meu lábio rapidamente, antes de começar a
gemer contra minha boca. Quase gozei novamente só de presenciar aquilo.
Ao final, ficamos agarrados, ambos ofegantes, o coração batendo
contra o peito do outro com ferocidade.
— Juro que não queria estragar o momento, mas você pesa uma
tonelada — brinquei quando ele relaxou sobre o meu corpo.
— Desculpe — falou com suavidade, então, saiu vagarosamente de
dentro de mim e se colocou de pé.
Fiquei envergonhada quando notei que havia um pouquinho de sangue
no preservativo.
Harry, no entanto, não pareceu se importar, apenas foi até o banheiro
para descartá-lo, lavou as mãos e voltou para cama.
— Tudo bem? — perguntou, tirando alguns fios suados do meu rosto.
Na verdade, do ponto de vista do nosso sexo, estava tudo maravilhoso,
ele era um deus na cama e fora dela, só que depois dessa noite eu não
conseguia imaginar uma vida sem Harry Stone, e isso sim era uma coisa que
me deixava completamente insegura.
— Está, sim, foi maravilhoso — falei, beijando seu pescoço.
Harry me envolveu nos braços e me puxou para que eu ficasse com a
cabeça encostada em seu peito. Havia tantas coisas que eu queria perguntar,
mas naquele momento me contentei com os carinhos que ele fazia nos meus
cabelos. Não existia nada melhor após aquele sexo maravilhoso.
Despertei da melhor maneira possível, com Harry distribuindo beijos
em meu ombro.
— Bom dia, linda — falou ao pé do meu ouvido me fazendo sorrir
ainda de olhos fechados.
Ao me mexer, senti um pouco de desconforto entre as pernas, o que fez
com que as lembranças da noite anterior voltassem com tudo.
Realmente tinha acontecido, e com o homem que eu amava.
Quando me virei para ele, notei que Harry já tinha tomado banho e
trocado de roupa, o que me deixou mortificada por ainda estar nua e toda
descabelada.
— Bom dia — respondi e me sentei, tomando o cuidado de cobrir meus
seios com o lençol. A Liz atiradinha tinha ido embora e ali estava aquela
boba que corava por tudo.
Percebendo meu embaraço, ele passou os dedos por minha bochecha
ruborizada e depositou um beijo leve em meus lábios.
Olhando-o mais detalhadamente, vi que estava usando uma calça jeans
clara combinada com uma camisa branca e resolvi brincar com o intuito de
desanuviar o clima:
— E eu achando que você não sabia o que era jeans.
— Era a única coisa que tinha para vestir aqui no barco, mas eu gosto
— respondeu ele com um sorriso.
— Eu também.
— Já retornamos à marina e nosso café-da-manhã está pronto. Por que
não se arruma, vou ficar te esperando lá fora.
Assenti e Harry saiu.
Depois de me espreguiçar, dirigi-me ao banheiro onde achei uma
escova de dentes nova, além de vários outros produtos femininos. Fiz minha
higiene matinal, tomei um banho rápido e coloquei o vestido que usara na
noite anterior, porém, não me atrevi a vestir a calcinha, que tinha ficado um
tanto melada das nossas preliminares.
Após guardá-la na bolsa, fiz um rabo-de-cavalo e não passei sequer o
batom que havia levado, estava me sentindo radiante naquela manhã e não
queria nenhum artifício.
Deixei a suíte e encontrei Harry na mesma sala onde havíamos jantado.
Ele se levantou ao me ver, fitou meu corpo e pude enxergar um brilho sensual
se acender em seus olhos. Sem falar nada, colou nossos corpos e me beijou
novamente, dessa vez com um pouco mais de intensidade.
Ao se afastar, ele sorriu e me guiou até a mesa.
— Não sabia o que você gostava, então pedi o básico — falou, puxando
uma cadeira para mim.
— Está ótimo — afirmei.
Harry sentou-se elegantemente a minha frente e abriu o jornal.
Vê-lo naquela pose, fez com que me lembrasse de que o homem à
minha frente poderia ser o próximo presidente dos Estados Unidos e que se
nosso relacionamento progredisse, eu teria que me inteirar de seu mundo.
Estar integrada ao seu meio e não conseguir elaborar um comentário
inteligente, ou ao menos pertinente, acerca de política seria inadmissível, até
mesmo para mim.
Pare de pensar e coma!, disse a mim mesma e foi o que fiz, peguei um
pouco de ovos mexidos e servi uma xícara de café, mas logo me arrependi.
Aquele era o típico café americano e nada tinha a ver com o que Consuelo
fazia lá em casa.
Após alguns goles, que tomei apenas para acompanhar o que havia em
meu prato, desisti e peguei um pouco da salada de frutas que estava deliciosa.
Com sede, servi-me de suco de laranja e fiquei bebericando.
Harry comeu praticamente o mesmo que eu: café preto, ovos mexidos,
a metade de um bagel com cream cheese e, por último, suco de laranja.
Durante a refeição, nós conversamos pouco e apenas sobre assuntos
aleatórios. Nenhum dos dois falou a respeito do que havia acontecido na noite
anterior, o que foi ótimo, eu ainda estava um tanto atordoada com a nossa
nova situação.
De repente, me lembrei de uma coisa.
— Você não tinha que estar trabalhando?
— Sim, mas mandei mensagem para a minha secretária pedindo que
remarcasse toda a agenda do dia.
— Sério? Mas por quê?
— O que foi, não gostou? — perguntou com um sorriso.
— Não, quer dizer, é claro que gostei, mas você é tão ocupado, achei
que fosse passar meus dias sozinha.
Suas feições se enterneceram e ele afastou a cadeira para trás.
— Venha cá, Liz — pediu e quando me aproximei, acomodou-me em
seu colo. — Eu realmente sou muito ocupado e tive que desmarcar
compromissos bem importantes, mas não queria deixá-la sozinha, não hoje,
pelo menos.
Não queria te deixar sozinha depois de termos transado pela primeira
vez, após você ter perdido a virgindade. Era isso que ele estava querendo
dizer.
E eu achando que não poderia ficar mais apaixonada.
Sem hesitar, espalmei seu rosto e o beijei ternamente, querendo
demonstrar o quanto havia apreciado seu gesto.
Contudo, o que começou como sinal de agradecimento, se transformou
num beijo tomado de luxúria e quando dei por mim, estava quase
escarranchada em seu colo, o que me deteve foi a saia do vestido, justa
demais, e a possibilidade de alguém aparecer.
Quando nos afastamos, Harry descansou a testa na minha e pude ver
que ele tinha ficado tão afetado pelo beijo quanto eu.
— É melhor irmos embora — falou após alguns minutos.
— Uhum — foi tudo o que respondi e voltei à suíte, precisava dar uma
passada no banheiro antes de irmos.
Depois de limpar a prova física da minha excitação, escovei os dentes,
peguei minha bolsa e meu casaco e saí novamente.
Quando deixamos o iate, passava pouco das 9h da manhã e fomos
direto para cobertura. Chegando lá, Harry disse que precisaria de alguns
minutos em seu escritório para resolver algumas coisas.
Assenti e fui trocar de roupa.
Como não queria ficar zanzando pelo apartamento feito alma penada,
deitei-me em sua cama e mandei mensagem para Stella. Não entraria em
detalhes por telefone, porque ela não me deixaria em paz, tudo o que queria
era perguntar de Eleanor e avisar que estava bem.
Graças a Deus, a bruxa ainda não tinha dado as caras, sinal de que
estava se divertindo.
Após finalizar nossa conversa, coloquei um filme para assistir.
Cerca de uma hora depois, quando voltou, Harry me pegou rindo feito
uma idiota de uma cena que se desenrolava.
Ao vê-lo, dei pausa no filme e ele se sentou ao meu lado.
— Desculpe minha ausência, mas para poder ficar em paz com você,
precisava resolver algumas coisas. Além disso, ainda recebi em uma ligação
de minha mãe, o que fez com que eu demorasse um pouco mais.
— Tudo bem, não precisa ficar se desculpando por coisas que precisa
fazer. Sei o quanto é ocupado.
— Obrigado — falou, acariciando meu rosto. — Agora me diga o que
deseja fazer hoje — quis saber.
— Posso pedir qualquer coisa?
Harry estreitou os olhos, como se estivesse considerando. Decerto,
devido ao meu histórico, imaginou que eu ia pedir alguma coisa muito louca
ou infantil demais, e na minha opinião, era as duas coisas, ao menos para um
homem como ele.
Finalmente, fez que sim.
— Quero passear no Central Park, como um casal de namorados
normal.
Ele arqueou as sobrancelhas.
— Passear no Central Park? — perguntou, como se eu tivesse pedido
uma viagem à lua.
Assenti e rezei para que aceitasse.
— Em uma escala de 1 a 10, o quanto isso a faria feliz?
— Onze — falei sorrindo e ele me acompanhou.
— Tem muito tempo que não vou lá, mas tenho boas lembranças.
— Isso quer dizer sim?
Ele aproximou o rosto do meu e disse:
— Sim — e então me beijou.
Quando se afastou, analisei a roupa que usava.
O jeans estava ok, mas aquela camisa de botões não combinava muito
com o programa que faríamos.
— Você não tem camisetas? — perguntei.
— Está criticando meu visual, Srta. Reagan? — caçoou.
— Óbvio que não, só queria te ver mais despojado.
Ele meneou a cabeça positivamente e foi para o closet, minutos depois,
quando voltou de lá, vestia uma camiseta azul marinho e um mocassim de
couro, super chique, mas bem mais informal que seus sapatos italianos.
Babei.
— Uau! Agora sim.
Eu já estava com uma bermuda de alfaiataria, que era o único tipo que
Eleanor comprava, e uma blusa soltinha, que coloquei por dentro do cós. Nos
pés, optei por sapatilhas, por serem mais confortáveis. Para completar, peguei
uma bolsa tiracolo nude que combinava com tudo e fora escolhida
exatamente para fazer meus passeios e coloquei dinheiro, documento um
batom e meu celular, dessa vez não o esqueceria.
Quando chegamos à sala, havia cinco seguranças, além de Zed.
— Todos eles vão com a gente? — perguntei baixinho.
Não era exatamente esse o tipo de passeio que tinha em mente; não me
sentiria à vontade com tantos homens atrás de nós, sem contar o tanto de
atenção que isso poderia chamar.
— Zed fica meio tenso em lugares abertos, mas vou tentar barganhar
com ele — respondeu e se afastou.
Após alguns minutos de conversa, ficou decidido que Zed e dois outros
seguranças nos acompanhariam de perto, mas vestidos à paisana. Os outros
ficariam no carro, para o caso de haver alguma emergência.
Não sabia que tipo de emergência poderia acontecer durante um
passeio ao Central Park em um dia ensolarado, mas não discutiria.
Quando todos estavam vestidos de acordo, fomos em direção ao nosso
destino, chegando lá uns cinco minutos depois.
Por ser segunda-feira, e no final da manhã, não havia tanta gente se
exercitando, apenas algumas pessoas com crianças ou cachorros.
— Tinha me esquecido o quanto o Central Park é bonito. Sempre o
vejo da minha cobertura, mas não é a mesma coisa — comentou algum
tempo depois enquanto atravessávamos a Bow Bridge[1].
Ele tinha razão, além de todas as árvores, ainda havia inúmeras outras
coisas que você não espera encontrar em apenas um lugar...
— É igualzinho nos filmes — falei, completamente encantada, mal
acreditando que estava ali.
Harry me encarou com ar divertido, em seguida parou e reclinou-se
sobre a balaustrada da ponte. Após alguns segundos, vi-o fechar os olhos e
inspirar profundamente, o que me instigou a fazer o mesmo.
Voltamos a caminhar e ele me contou dos vários passeios que fizera
com a família.
Foi a primeira vez que falou a respeito deles, o que me deixou
imensamente feliz. Depois de comentar um pouco sobre o irmão, Dominic e
o primo, Alexander, começou contar coisas referentes à prima, Eva. Segundo
me disse, apesar da diferença de idade que havia entre eles, sempre foram
inseparáveis; ela estava morando em Londres agora, mas sempre os visitava.
Quando ele afirmou que nos daríamos muito bem, só pude concordar,
Eva parecia uma garota agradável, divertida e completamente sarcástica;
fiquei muito curiosa em conhecê-la.
— Todos nós sempre estudamos nas mesmas escolas, mas mesmo
tendo Dom e Alex ali, era ela quem ficava no meu pé o tempo todo porque
me achava sério demais. Quando não estava implicando, estava me exibindo
para suas amigas ou tentando me convencer a beijar algumas delas na hora do
intervalo.
— E você beijava? — perguntei.
— Às vezes — respondeu com um sorriso travesso e apontou um dos
bancos espalhados por The Ramble[2].
Olhando todo aquele verde ao redor e o lago a nossa frente, eu nem
podia acreditar que ainda estávamos em Nova York. Mas o melhor de tudo
era ver o quanto Harry parecia relaxado, mesmo sabendo que estávamos sob
vigilância.
— Você mudou completamente a minha rotina — admitiu.
— Isso é ruim?
— É assustador, na verdade.
Suas palavras me fizeram rir e já que ele estava fazendo tantas
concessões, resolvi atiçar um pouquinho mais.
Andando em direção à área gramada que havia à nossa frente, tirei
minha sapatilha e me voltei para ele.
— Vai me deixar fazer isso sozinha? — perguntei, olhando para um
Harry levemente atônito.
Balançando a cabeça, ele se levantou e começou a se aproximar, mas
eu o detive.
— Sem sapatos, Sr. Stone — sentenciei, séria, para ele ver que eu não
estava brincando.
Ele olhou para o lado e quando fiz o mesmo, vi Zed a poucos metros,
com um sorriso enorme no rosto, claramente divertido com o que eu estava
aprontando.
Sem alternativa, Harry deixou os mocassins ao lado das minhas
sapatilhas e foi andando até mim.
— Sabe há quantos anos meus pés não tocam a grama? — falou de
ótimo humor, quando finalmente me alcançou.
— Esse é aquele tipo de coisa simples que todas as pessoas fazem. As
pessoas normais, quero dizer, não empresários supertops como você.
Antes que pudesse responder, o celular dele tocou e eu poderia apostar
minha vida que era Lexy. Harry pegou o aparelho do bolso e pela cara que
fez, soube que estava certa, mas para meu espanto, ele não atendeu, apenas
descartou a chamada e o colocou de volta no bolso.
— Não vai atender? Pode ser importante.
Ele fez que não com a cabeça e, pegando-me completamente
desprevenida, sentou-se no chão e me puxou, colocando-me sentada entre
suas pernas.
— Hoje eu sou só seu — afirmou e senti aquele delicioso friozinho na
barriga que sempre aparecia quando ele falava esse tipo de coisa.
Fiquei com as costas apoiadas em seu peito e as mãos sobre as dele,
que envolviam minha cintura.
Mais uma vez nos perdemos em conversas aleatórias acerca de nossas
vidas. Harry fez muitas perguntas e respondi a todas, comentando inclusive a
respeito de Freddy e Luna. Foi nítido que ele ficou curioso para saber mais
sobre meu amigo, talvez achando que fosse algum paquera.
Logo que garanti que nenhum de nós via o outro de maneira romântica,
mudamos de assunto e acabamos chegando à minha mãe. Eu não queria
estragar nosso momento com um tópico tão pesado, mas não pude evitar. E
conforme eu respondia, seu corpo ficava mais tenso, o que era normal,
qualquer pessoa que me ouvisse sentiria pena da vida que eu levava.
Por fim, não foi tão ruim, Harry era um bom ouvinte e só interrompia
quanto tinha alguma pergunta para fazer.
Em meio ao meu relato, lembrei-me do Sr. Joseph e nosso “noivado”.
Recordei-me da conversa que tivemos e do quanto ele tinha sido fofo, mas
por mais que desejasse ajudá-lo a dar uma lição naqueles dois, não queria
continuar com aquilo.
Só que aí, eu teria que revelar a Eleanor o que andava acontecendo há
mais de um mês e isso não poderia acontecer, ao menos por enquanto.
Eu estava ciente de que precisava falar daquele assunto com Harry,
entretanto, tinha a impressão de que se soubesse o que Eleanor pretendia,
nem o fato de o Sr. Joseph querer apenas brincar com aqueles dois,
abrandaria sua cólera e eu tinha medo do que ele poderia fazer.
Meu Deus, que situação!
— O que foi, Liz — Harry perguntou, provavelmente sentindo minha
tensão.
— Nada, é que falar de minha mãe sempre me chateia — disse, já que
não era mentira.
— Desculpe, vamos falar de outras coisas então.
Assenti e decidi que seria melhor pensar em assuntos desagradáveis
quando estivesse de volta a Washington, não iria macular aqueles dias com as
armações de Eleanor.
Perto do meio dia, ambos estávamos morrendo de calor. Decidimos ir
atrás de algo para nos refrescar e optamos por água e sorvete.
O problema era que Harry, um dos homens mais ricos do mundo, só
tinha cartões de crédito em sua carteira e por causa disso, foi Zed quem
pagou por tudo, uma vez que ele não permitiu que eu o fizesse.
Assim que terminamos o sorvete, fomos embora, mas como ainda
estávamos com fome, Zed passou em um drive-tru onde compramos
hambúrguer e fritas para comer no carro mesmo.
O segurança parecia não acreditar que seu chefe estava fazendo aquele
tipo de coisa — mesmo sabendo que ele havia sido persuadido por mim.
— Tem uma vida que não como hambúrguer.
— Sério?
Ele assentiu e limpou a cantinho da minha boca com o guardanapo.
— Minhas refeições, a maioria delas, pelo menos, são feitas durante
reuniões de negócios e os lugares que frequento não servem fast-food —
gracejou.
— Então aproveite e coma mais um — falei, tirando outro sanduiche do
pacote pardo e o entregando a ele, que aceitou prontamente.
Enquanto comíamos, achei que Zed estava nos levando direto para
casa, mas Harry tinha lhe pedido que rodasse por alguns pontos turísticos da
cidade.
Ao meu olhar questionador, ele explicou que a semana seria cheia de
reuniões e que por isso queria ao menos me mostrar os lugares bacanas, para
que depois eu pudesse ir sozinha durante a semana, caso o desejasse.
Dessa vez, Harry aceitou o boné dos Lakers e o par de óculos que Zed
lhe ofereceu, para não ser reconhecido entre as pessoas.
Durante todo o tempo, passeamos de mãos dadas e tiramos mais
algumas fotos em meu celular, que no mesmo instante foram encaminhadas
para o dele.
Gostei de todas, mas estava apaixonada mesmo pelas que tiramos na
Bow Bridge. Tudo ali, desde o ar bucólico às formas da balaustrada, me
tiraram o fôlego.
Tinha certeza de que nunca me esqueceria daquele passeio.
Depois de quase duas horas perambulando pela cidade, eu já estava
bem cansada, louca para colocar os pés para cima. Harry se sentia da mesma
forma e pediu que Zed nos levasse embora.
Ao entrarmos em sua suíte, joguei-me na cama e ele foi direto para o
banheiro. Segundos depois, escutei barulho de água e estranhei quando ele
reapareceu ainda vestido.
— Que tal um banho de banheira?
Sorri, já percebendo as implicações de sua pergunta e mordi o lábio.
— Vai se comportar? — perguntei de maneira travessa.
— De jeito nenhum.
— Então, eu topo.
Harry gargalhou e se colocou sobre mim para me dar um beijo
daqueles, apenas um aperitivo para o que viria.
Dessa vez, sem dor, tinha certeza de que seria bem melhor, com direito
a um belo orgasmo para finalizar aquele dia incrível.
Lexy vinha me ligando desde o momento em que pisamos no parque e
com toda certeza iria me infernizar por ter saído em público com Liz. Só que,
pela primeira vez em muitos anos, eu não estava ligando para as
consequências, deixaria para lidar com elas no dia seguinte. Tudo o que
queria nesse momento era aproveitar a companhia da linda mulher à minha
frente.
Era incrível como sua presença fazia de mim uma pessoa diferente,
muito mais leve, relaxada e, inegavelmente, mais feliz.
Seu modo de enxergar a vida era admirável e isso se tornava nítido em
cada coisa que fazia, a começar por seus pedidos, sempre tão simples.
Qualquer mulher na posição de minha namorada, iria aproveitar para
pedir coisas materiais ou se aproveitar disso para aparecer, como já aconteceu
no passado, mas Liz, não, ela ficava satisfeita com um passeio ao Central
Park ou com o hambúrguer de um fast-food qualquer.
Estar com alguém assim era tão... libertador, eu não sabia que era essa
leveza que faltava em minha vida até encontrá-la. Elizabeth Reagan estava
sendo uma espécie de refúgio, um oásis em meio aos problemas e
compromissos que eu enfrentava todos os dias.
Peguei sua mão, guiei-a a até o banheiro e, sob meu olhar atento, ela
começou a tirar as roupas. Era tão linda com seu corpo cheio de curvas
delicadas e seios perfeitos...
Saber que somente eu a tinha visto daquela maneira, despertava meu
lado primitivo; não queria que mais ninguém visse o que me pertencia.
Um tanto possessivo, eu sei, mas depois da noite que tivemos, não
havia como negar que ela era minha, assim como eu era dela.
Aquela mulher tinha conseguido despertar uma paixão que até então eu
desconhecia. Sim, eu cheguei a gostar de duas namoradas que tive no
passado, mas era um sentimento mais controlado, nada comparado ao que
sentia quando colocava os olhos em minha doce Liz, que nesse momento me
olhava com imenso desejo, como se eu fosse o homem mais lindo do mundo.
Ajudei-a a entrar na banheira e fiquei observando enquanto seu corpo
mergulhava e sumia por baixo da espuma.
— Sua vez, Sr. Stone — disse ela depois de se acomodar em uma das
extremidades.
Sorri de sua ousadia e, vagarosamente, comecei a me despir, tomando
cuidado para não quebrar o contato visual.
Enquanto me livrava das peças, a safada perscrutava meu corpo. Seu
olhar era sugestivo e o fato de seus dentes morderem o lábio inferior com
certa intensidade, me dizia que havia bastante ansiedade também.
Sem qualquer pudor, seus olhos se fixaram em meu pau, ereto e
pulsante de desejo por ela.
Louco para sentir seu corpo, entrei na banheira e me escorei na
extremidade oposta. Na mesma hora Liz se colocou entre minhas coxas.
Deslizei as mãos pelas laterais de seu corpo e a puxei para perto, quase
encaixando nossos sexos.
Meu Deus, ela era uma delícia!
Gostosa, feminina, delicada... Tê-la ali em meu colo, nua e toda
molhada daquele jeito, me deixou completamente louco.
Aproximando-se ainda mais, ela tomou meus lábios de maneira
faminta, como se quisesse se alimentar dos meus beijos.
— Quero você — sussurrou.
— Sou todo seu, Liz.
Ela sorriu e desceu a mão até encontrar meu pau, que estremeceu ao
seu toque, então, posicionou-o em sua entrada e, com cuidado, foi
introduzindo-o em sua boceta quente e apertada.
— Humm — gemeu quando metade de mim estava dentro dela.
Voltando a me beijar, ela esperou alguns segundos antes de rebolar,
fazendo com que meu pau deslizasse até o fundo.
— Nossa, que delícia! — murmurou contra minha boca, ao mesmo
tempo em que eu gemia quando senti seu interior me tomando por completo.
O beijo continuou, mas nossos corpos ficaram imóveis, esperando que
ela se acostumasse ao meu tamanho.
Quando se sentiu segura, Liz começou a se mexer, mas eu permaneci
parado, permitindo que ela fizesse tudo a seu tempo. A última coisa que
queria era machucá-la ou assustá-la em nossas primeiras vezes. Todavia,
quando a sentisse mais confiante, faria amor com minha menina do meu jeito.
E alguma coisa me dizia que ela não iria se importar.
— Isso é tão bom, Harry, quero fazer sempre — falou baixinho
enquanto subia e descia, quase estrangulando meu pau com aquela boceta
apertada.
Nossa, que delícia de mulher!
Ela tinha acabado de perder a virgindade, mas era fogosa, dengosa,
exatamente como eu gostava.
— Quantas vezes e quando você quiser — respondi.
— Vou querer para sempre — afirmou e voltou a me beijar.
Vendo que ela estava mais relaxada, comecei a subir os quadris um
pouco mais rápido, tendo uma vaga noção da água que se derramava pelas
laterais da banheira, mas sem me importar o bastante.
Liz começou a ofegar, balbuciando palavras inteligíveis, e percebi que
estava chegando ao ápice. No minuto seguinte, quando o orgasmo a atingiu,
ela se agarrou ao meu corpo e começou a se mover com mais rapidez, quase
me tirando o juízo.
Quase.
Eu ainda estava ciente de que não poderia gozar dentro dela, já
estávamos sendo imprudentes demais por fazer sexo sem preservativo.
Por isso, mesmo morrendo de tesão e louco para me afundar com tudo,
tentei me acalmar, e quando Liz caiu, quase desfalecida contra o meu peito,
deixei que ficasse assim por um bom tempo, lavando seu corpo com cuidado,
meus dedos decorando todas as suas formas.
Tão logo me senti controlado o suficiente, levantei-me, com ela ainda
preenchida por mim, e a levei para o quarto.
Sentei-a na cama e voltei ao banheiro para pegar uma toalha. Quando
terminei de enxugá-la, Liz já estava mais recuperada, pois me olhava
novamente com desejo. Parecia uma ninfa insaciável.
— Você é todo grande — falou enquanto eu me secava.
Morto de tesão devido ao gozo reprimido, deixei a toalha de lado e
parei bem a sua frente, a cabeça dela quase na mesma altura do meu pau, seu
olhar de cobiça diretamente nele.
Sem falar nada, Liz deslizou os dedos sobre seu comprimento, fazendo-
o ficar ainda maior, ainda mais duro... Era incrível como meu corpo reagia a
cada olhar e toque daquela garota.
Silenciosamente ela aproximou a boca da glande e passou a língua
quente e molhada por toda a cabeça, como se estivesse me provando.
— Humm — gemi e fechei os olhos.
Ato contínuo, a boca deliciosa tomou meu membro por completo e todo
meu corpo se tensionou.
Liz não tinha a mesma experiência das mulheres com quem eu
costumava sair e, mesmo assim, nunca senti tanto prazer ao ser ordenhado
daquele jeito.
Voltei a abrir os olhos e infiltrei os dedos em seus cabelos a fim de
guiar seus movimentos.
Nessa hora os lindos olhos azul-esverdeados alcançaram os meus, e vê-
la chupando meu pau enquanto me fitava, fez com que eu chegasse muito
próximo ao limite.
À medida que o prazer aumentava, mais vontade eu tinha de foder sua
boca gostosa, mas refreei meus instintos e continuei guiando-a gentilmente,
não queria assustá-la fazendo movimentos bruscos ou grosseiros, ainda não
era o momento de saber até que ponto ela seria capaz de ir.
Quando estava à beira do precipício, tentei me retirar, mas ela fez que
não com a cabeça e segurou minhas coxas com firmeza, sugando cada vez
mais rápido, tornando cada segundo mais prazeroso que o outro, até que
gozei, ainda segurando seus cabelos entre os dedos e trincando os dentes para
permanecer calado.
Ao me afastar, puxei Liz para que ficasse de pé e ela me deu um beijo
casto nos lábios.
— Você é maravilhosa — declarei.
— Sim, eu sei, mas espera um pouquinho porque preciso escovar os
dentes.
Dei uma gargalhada e deixei que ela fosse ao banheiro.
Aproveitei esse tempo para tomar um banho rápido e quando passei
atrás dela, dei um tapinha em sua bunda gostosa, fazendo-a pular.
Ri mais uma vez e entrei embaixo do chuveiro.
Assim que voltei ao quarto, ela estava dormindo, completamente nua.
Sua visão me deixou extasiado, parecia um anjo com sua pele de
porcelana e os cabelos tom de avelã espalhados sobre os meus travesseiros.
Fechei as cortinas automáticas e ajustei o aquecedor para que ela não
sentisse frio.
Estava entrando no closet quando me lembrei de que tinha ouvido um
toque no celular, indicando que havia recebido uma mensagem.
Peguei o aparelho, abri o aplicativo para ler e vi que era de Zed,
avisando que Lexy tinha chegado e estava me esperando no escritório.
Respirei fundo. Já sabia que isso aconteceria, ela devia estar louca atrás
de mim.
Mas não era para menos. Nunca faltei a nenhum compromisso sem
avisar com dias de antecedência, então, o fato de ter feito isso para ficar com
Liz, deve ter diminuído ainda mais a pouca afeição que ela nutria por minha
garota.
Troquei de roupa e me dirigi ao escritório, encontrando Lexy sentada
no sofá, digitando algo em seu notebook.
— Espero que tenha valido a pena cancelar tantos compromissos
importantes em cima da hora — soltou, sem olhar em minha direção.
Como na maioria das vezes, estava toda de preto e com a cara fechada,
pronta para brigar. Mas depois do dia maravilhoso que eu tive, nem ela iria
tirar a minha paz.
— Acho que um homem na minha posição pode se dar o direito de tirar
um dia de folga — falei, despreocupado, e me acomodei em minha poltrona.
Lexy fechou o notebook, colocou-o de lado e se sentou na cadeira à
minha frente.
— Desde que conheceu essa garota, você não é mais o mesmo, Harry,
será que não enxerga que ela está te fazendo perder a cabeça.
— Isso não está acontecendo.
— Está, sim e todos nós percebemos, menos você.
— Ah. Então você foi a escolhida para vir aqui falar todas essas
bobagens.
— Bobagens? Meu Deus, só você não vê que Elizabeth Reagan não
tem condições de estar ao seu lado durante esta disputa... E quando ela ferrar
com a sua eleição, você irá odiá-la. É isso que você quer? Será que vale a
pena perder tudo por um rabo-de-saia?!
— Chega, Lexy! — vociferei, irritado.
Eu sabia que muito do que ela estava falando era verdade, mas não
queria pensar nisso agora; não quando estava me sentindo tão feliz.
Lexy se levantou e começou a juntar suas coisas.
Quando estava com tudo pronto, aproximou-se novamente de minha
mesa.
— Sei que vocês estão se dando bem, e se não houvesse tanto em jogo,
tenho certeza de que também gostaria dela, mas as coisas não são tão simples.
Você batalhou tanto por isso, Harry, não sei quantas vezes, em nossa
infância, te ouvi dizer que um dia seria presidente e não tenho ideia de
quantas coisas deixou de fazer, porque nada poderia manchar sua reputação,
uma vez que tudo poderia ser usado contra você futuramente... — Ela
balançou a cabeça e mordeu o lábio e eu sabia que estava tentando refrear a
emoção. — Quero muito que seja feliz, que encontre o que seus pais e avós
tiveram, mas ao mesmo tempo, quero que consiga realizar esse sonho que
está tão arraigado em você desde sempre, só que, infelizmente, não acredito
que conseguirá ter tudo.
Eu poderia simplesmente mandá-la calar a boca, nós tínhamos
intimidade para tal, mas se agisse assim, a antipatia que ela nutria por Liz
aumentaria ainda mais. Por isso, disse apenas:
— Por hoje é só, Lexy, nos veremos amanhã nas Indústrias Stone.
Ela suspirou pesadamente e, mesmo recebendo um olhar duro que
costumava intimidar qualquer pessoa que o recebia, prosseguiu:
— Pelo que Zed me falou, Liz é bem diferente das mulheres com quem
você costuma sair e, talvez por isso, esteja tão encantado. Mas,
independentemente do que sinta, você precisará colocá-la na balança junto
com seu sonho e ver qual dos dois pesa mais. — Ela se dirigiu à porta,
porém, assim que sua mão tocou a maçaneta, voltou-se para mim. — Só uma
última coisa. Essa vontade de ser presidente está com você há quase 30 anos,
já Elizabeth, há menos de dois meses.... Considere essas informações antes de
tomar uma decisão.
Depois que Lexy saiu, meus pensamentos perturbadores.
Ela estava certa em tantas coisas, talvez na maioria delas, mas me
recusava a deixar que suas críticas nublassem meus pensamentos. Ainda tinha
vários dias para ficar com Liz e aproveitaria cada segundo que pudesse,
depois disso, eu pensaria em tudo o que ouvi.
Colocando os problemas de lado, liguei meu computador e respondi
alguns e-mails mais urgentes, depois telefonei para minha secretária e pedi
que me passasse a agenda do dia seguinte.
Quando voltei ao quarto, Liz continuava dormindo de lado, como a
deixei, e completamente nua.
A cena me deixou excitado, louco para estar dentro dela mais uma vez.
Sem pensar duas vezes, tirei a roupa, peguei um preservativo e me
deitei ao seu lado.
Passando um braço por baixo do seu corpo, puxei-a para mais perto e
espalmei um dos seios. Com a mão livre, alisei a lateral de seu corpo, desde o
ombro, até o quadril e depois para o meio de suas pernas.
Liz gemeu e empinou a bunda, roçando-a em meu pau que já estava
pronto.
Após circular o clitóris por alguns segundos, afundei dois dedos em sua
pequena boceta, fazendo-a gemer, toda manhosa.
Enquanto a masturbava, Liz soltava balbucios incoerentes intercalados
com gemidos sôfregos.
— Isso é tão bom — sussurrou quando juntei um terceiro dedo aos
outros dois e os afundei dentro dela.
Quando senti que estava pronta, peguei o preservativo e o coloquei.
— Não, continue de lado — pedi quando ela fez menção de se virar e
me posicionei logo atrás novamente.
Sem qualquer esforço, meu pau começou a deslizar por aquele canal
apertado.
Liz virou um pouco o rosto e encontrou minha boca, o que deixou
nossa posição ainda mais perfeita.
Conforme a intensidade das penetrações aumentava, mais ela rebolava,
indo de encontro a mim e me levando ao limite.
Voltei a espalmar um dos seios e capturei o bico entre os dedos que,
poucos minutos atrás, estavam em sua boceta.
Tomei a boca dela novamente, dessa vez com muito mais ímpeto e
apertei o bico túrgido. Isso a fez gemer mais alto o que me deixou
completamente louco.
Aumentei o ritmo mais uma vez e meus golpes se tornaram ainda mais
severos.
O som emitido pelo impacto do meu corpo com o dela, junto com seus
choramingos, tornava tudo ainda mais excitante.
Pouco tempo depois, sua boceta começou a apertar meu pau com mais
força e eu soube que ela estava prestes a gozar.
Aumentei minhas investidas e quando Liz se desmanchou em meus
braços, mordiscando minha boca, eu me derramei dentro dela, apertando seu
corpo gostoso contra o meu.
Enquanto nos recuperávamos, cheguei à conclusão de que precisaria
definir algumas coisas. Eu e Liz morávamos em cidades diferentes e essa
distância se tornaria um grande problema, pois algo me dizia que não
conseguiria ficar longe dela por muito tempo.
A terça-feira chegou e Harry teve que ir trabalhar, deixando-me sozinha
na cobertura.
Antes, contudo, me presenteou com um delicioso sexo matinal que me
deixou tão mole, que eu voltei a dormir.
Quando acordei novamente, por volta das 11h, tomei um banho
revigorante e vaguei pela casa, me sentindo a própria dona de tudo aquilo ali.
Ok. Isso não era verdade. Eu estava louca para bisbilhotar cada canto,
mas não me atreveria, por isso fui direto para cozinha.
No dia anterior Harry já havia me falado, mais ou menos, onde ficava
tudo, porém, deixou claro que se eu precisasse de qualquer coisa, podia ligar
em seu celular.
Mas isso era algo que eu não planejava fazer, não depois de ele ter
largado tudo na segunda-feira por minha causa. Harry tinha me falado que a
cuidadora dos portões do inferno, também conhecida como Lexy, estava
louca da vida, e não pretendia lhe dar mais munição para encher o saco dele.
Também me abstive de fazer qualquer comentário a seu respeito, meu
namorado era bem grandinho e deveria saber com quem estava lidando.
Abri a geladeira de portas duplas e, como Harry havia garantido, estava
completamente abastecida. Mesmo sabendo disso, ele deixou claro que se eu
quisesse algo diferente, era só ligar na sala dos seguranças, que eles
providenciariam o que eu pedisse.
Só que, mais uma vez, não pretendia fazê-lo. A não ser que tivesse
alguma emergência, não perturbaria ninguém.
Percorri as prateleiras, assim como as portas, e achei inúmeras coisas
gostosas e principalmente saudáveis.
Peguei os ingredientes para uma omelete e enquanto ela cozinhava, fui
preparar um café.
Harry tinha uma Nespresso, um pouco mais moderna que a que
tínhamos em casa, e preparei um expresso para mim — duvidava que ali
tivesse o tipo de café que eu gostava, então nem perdi meu tempo
procurando.
Depois de comer meu brunch, fui até a enorme varanda da sala e fiquei
admirando aquela vista que deveria valer alguns milhões de dólares.
Estava ali há vários minutos, quando senti a presença de alguém atrás
de mim.
Ao me virar, dei de cara com Lexy e Cathy atravessando a sala.
Encostei-me no guarda-corpo e fiquei observando.
Elas não poderiam ser mais diferentes uma da outra. Ambas eram
relativamente altas e lindas, mas as semelhanças acabavam por aí.
Enquanto Lexy possuía cabelos loiros, longos e lisos, olhos verdes e
corpo voluptuoso, Cathy era o completo oposto. Os cabelos castanhos e
levemente ondulados, chegavam à base do pescoço, seus olhos grandes eram
muito escuros e seu corpo se igualava aos das modelos de passarela, além
disso, tinha a pele naturalmente morena, como Stella.
Fiquei imaginando se ela teria ascendência latina.
Quem visse as duas assim, lado a lado, diria que elas se davam muito
bem. Mas eu me lembrava de Zara ter dito que elas se detestavam, porém se
aturavam em prol de um bem maior.
Pelo visto, minha presença ali havia unido as duas e eu estava curiosa
para saber que bomba seria jogada em meu colo.
— Precisamos conversar. — Lexy, como sempre, dispensou as
formalidades.
— Como vai, Elizabeth? — perguntou Cathy, tentando ser simpática.
Sinceramente, não sabia qual das duas era a pior. A cascavel que
mostrava as presas antes mesmo de ser atacada ou a doninha, simpática e
saltitante, apenas esperando uma distração para te dar um abraço de morte.
— Estou ótima, Cathy. E, sim, Lexy, nós podemos conversar.
Dizendo isso, passei pelas duas e me sentei no sofá.
Enquanto elas se acomodavam, fiquei analisando suas roupas. Ambas
pareciam mulheres muito bem-sucedidas, Lexy em um terninho esportivo
preto e Cathy em um vestido clássico e bege, que destacava sua pele. Os
Scarpins vermelhos davam um charme a parte.
Belas e elegantes.
— Viemos trazer seu contrato — disse Lexy.
Contrato?
— Não sei do que você está falando — expliquei, olhando de uma para
outra.
Cathy abriu sua bolsa e entregou um envelope branco para Lexy.
— O Contrato de Confidencialidade que Harry faz com todas as
mulheres com quem sai.
Arregalei os olhos, sentindo-me imediatamente enjoada.
Será que eu estava ouvindo bem? Harry mantinha relacionamentos à
base de contrato?
— Eu... não entendi — afirmei, querendo confirmar meus
pensamentos.
Lexy revirou os olhos.
— Nós sabemos que estão... se relacionando, então você precisa assinar
o termo. Harry tem um grande futuro na política e sua imagem tem que ser
preservada. Nada pessoal — disse, dando de ombros —, só fazendo nosso
trabalho — completou, deixando-me ainda mais desconfortável.
— Eu jamais falaria qualquer coisa a respeito dele — expliquei,
sincera.
As duas se olharam, mas logo Lexy estava me encarando novamente.
— Mesmo assim terá que assinar — insistiu, deixando-me irritada e,
lentamente, deslizou o contrato sobre a mesa de centro e colocando uma
caneta por cima.
Segui seus movimentos com os olhos, me questionando se fora Harry
quem mandara suas funcionárias fazerem aquela visita inesperada e
extremamente constrangedora.
Tudo em mim dizia que quando eu lhe contasse, ele ficaria tão surpreso
quanto eu estava naquele momento.
Foi pensando nisso que falei, com o máximo de calma que consegui:
— Tudo bem, eu assino. — As duas estavam prestes a abrir um sorriso,
quando eu completei: — Mas só depois que conversar com Harry. Se ele faz
tanta questão de confidencialidade, terá que me pedir.
O sorriso de Lexy se transformou em uma careta de impaciência.
— Você é muito egoísta, Elizabeth! Harry batalhou a vida toda por
isso, e por causa de um capricho seu, pode perder tudo.
— Eu não sei por quê. Se você tivesse tirado um pouquinho do seu
tempo para me conhecer, saberia que eu seria incapaz de fazer algo assim. Eu
jamais o prejudicaria.
— Fala isso agora, quando estão bem, mas e se daqui a um mês ou dois
ele reavaliar esse namoro e terminar com você, será que ainda vai pensar do
mesmo jeito?
Ouvi-la dizer que ele poderia se arrepender, fez meu peito se apertar.
Antes que eu pudesse esboçar alguma resposta, Lexy se levantou e
arrumou a bolsa no ombro.
— Se Harry perder as eleições por causa de você, ele jamais a perdoará.
Depois não diga que não foi avisada.
Com isso, ela pegou o contrato, bem como sua caneta chic, e saiu,
batendo os saltos de seus Louboutin no piso de mármore.
Senti meus olhos queimando e não consegui deter as lágrimas.
Quem ela pensava que era para falar daquele jeito comigo?
De repente, alguns lenços de papel foram estendidos em minha direção.
Estava me sentindo tão miserável, que nem me lembrei que Cathy
havia permanecido ali.
— Obrigada — falei, tentando enxugar as lágrimas que teimavam em
cair.
— Sinto muito pelo comportamento de Lexy, ela se excedeu, mas é
que... — Cathy se calou e franziu a testa, como se estivesse escolhendo as
palavras. — A verdade é que todos nós estamos preocupados com o futuro
político de Harry — ponderou.
— Eu jamais faria qualquer coisa para prejudicá-lo — afirmei,
categórica.
— Acredito em você, querida.
— Então, por quê? Por que ela não gosta de mim? Por que me trata
assim desde o início? E o mais importante, o que há de tão ruim em mim, ao
ponto de ser um risco tão grande? — exigi.
Eu tinha minhas próprias restrições, tanto que tentei fugir dele no
início, mas precisava saber o que havia de tão grave contra mim.
— Eu serei sincera, tudo bem? — Quando afirmei com a cabeça, ela
suspirou e começou a falar: — O problema é que você não tem o perfil de
uma primeira-dama.
Levantei as sobrancelhas, sem entender, mas ela continuou:
— Harry já será o candidato mais jovem dessas eleições, e tudo indica
que ele tem ótimas chances de ganhar. Mas para isso, ele precisa de alguém
que o complemente em tudo, para que seus opositores não tenham como
atacá-lo, ao menos nesse sentido.
— E eu não me encaixo.
— Infelizmente não. Primeiro, você é muito nova, segundo a pesquisa
que fizemos, o eleitor leva isso muito em consideração, ou seja, eles não
verão com bons olhos um candidato de 34 anos, com uma esposa de 23. Em
segundo lugar, você tem uma dezena de cursos em seu currículo, porém, não
tem nível superior. Mesmo uma pessoa sem muita escolaridade, quer que
seus líderes estejam em patamares muito mais altos que os seus, incluindo
seus companheiros. Existem outras coisas, mas essas são as principais, as que
mais chamariam a atenção de maneira negativa.
— Entendo — murmurei, pensativa.
— Não leve isso para o lado pessoal. Todos nós somos pagos para
cuidar dos interesses políticos dele. E levando estritamente para esse lado,
posso afirmar que você não seria uma boa escolha... Sei que parece frio de
minha parte dizer essas coisas, mas a verdade é que estou sendo apenas
prática. — Ela balançou a cabeça, parecendo realmente chateada. — Eu
percebi que Harry está muito afeiçoado e acharia ótimo se você preenchesse
os outros requisitos, assim, ele teria os dois: você e a presidência. Mas temo
que se ele escolher um, ficará sem o outro.
Meu Deus, que vida de merda é essa onde a pessoa só consegue ser
feliz pela metade?
— Em resumo: nós temos que renegar nossos sentimentos, só porque
uma pesquisa idiota diz que eu não sou a primeira-dama ideal — concluí,
aborrecida.
— Como eu disse, estou apenas explicando os motivos de termos vindo
até aqui.
— Eu não acredito que Harry vai aceitar isso — falei, com mais
convicção do que sentia.
— Liz, Harry cresceu com a meta de se tornar presidente dos Estados
Unidos e colocou na cabeça que quer isso agora. E, tal qual eu mencionei,
suas chances são ótimas, as pessoas querem mudança e ele oferece tudo o que
o americano deseja no momento.
Nessa hora seu telefone apitou, indicando uma mensagem e ela pediu
licença para ler. Após uma leve careta, guardou o aparelho na bolsa e voltou a
falar:
— Eu não quero te magoar, mas me sinto na obrigação de alertar que
entre todos nós, Harry é o mais prático e centrado, sempre agindo com a
razão e temo que quando ele tiver que decidir, a presidência virá em primeiro
lugar. Isso significa que o relacionamento de vocês e, consequentemente,
você, ficarão em segundo plano.
Foi então que eu comecei a entender tudo.
Elas tinham ido ali para tentar me convencer a terminar com ele.
Parecendo ter percebido meu insight, ela soltou o verbo:
— Pense bem, Elizabeth. Viver ao lado de Harry Stone significa estar
sempre rodeada de assessores, seguranças e jornalistas, imersa em
compromissos, sem tempo para nada. Se ele for eleito, isso só vai piorar.
Você consegue se imaginar vigiada 24h por dia, tendo que falar apenas o que
seu assessor mandar, avaliando todos os seus movimentos... Não pode ficar
triste, porque vão inventar uma crise no casamento, não pode ficar alegre,
porque vão dar mil e um motivos para isso, cada um mais indecoroso que o
outro. Fora o tanto que é perigoso. É como se houvesse um alvo nas costas o
tempo todo...
Cathy franziu o cenho e balançou a cabeça, como se estivesse
considerando aquilo mais profundamente pela primeira vez. Mas logo se
recompôs e voltou a me fitar.
— Você é tão jovem ainda, querida, por que quer se meter nesse mundo
quando pode arrumar um homem da sua idade, com uma vida comum e
tempo disponível para vocês.
Engoli em seco.
Infelizmente tudo o que ela falou fazia muito sentido. Harry não era um
simples mortal, era herdeiro de uma das famílias mais ricas e tradicionais dos
Estados Unidos e estava prestes a se tornar presidente da nação mais
importante do mundo. Não dava para se envolver com um cara desses e achar
que a vida seria um grande mar de rosas.
O que ela não sabia era que quando resolvi ceder aos seus avanços e
iniciar um relacionamento, pensei em tudo isso. E contanto que eu não
prejudicasse ninguém, ficaria com ele. Até o fim.
Tive vontade de falar umas boas verdades para a Srta. Catherine
Becker, mas preferi respirar fundo e apenas dispensá-la. Estava cansada de
tudo aquilo.
Coloquei-me de pé, esbocei um sorriso educado e falei:
— Vou pensar em tudo que me disse, mas se não se importar, gostaria
de ficar sozinha, essa conversa me deu dor de cabeça.
Cathy assentiu, meio ressabiada com a minha postura, mas fez o que
pedi.
Assim que ela saiu, pensei em ligar para Harry, mas no minuto seguinte
desisti.
O que eu precisava naquele momento era de um pouco de ar fresco para
me ajudar a pensar na vida e em tudo que escutei daquelas duas. Se não
fizesse isso, iria explodir com Harry por ter escolhido seu staff tão mal.
Além do mais, eu precisava analisar todos os pontos para não tomar
nenhuma decisão precipitada.
Decidida, fui até o quarto, peguei minha bolsa, celular, um pouco de
dinheiro e saí em direção ao elevador.
O Central Park ficava bem pertinho do edifício onde Harry morava e, a
despeito do calor que fazia àquela hora do dia, todo o verde existente ali
ajudou a dissipar um pouco da minha raiva.
Eu odiava sentir esse tipo de coisa pelas pessoas, mas desde que
comecei a ficar com Harry, esse sentimento vinha aparecendo vez ou outra e
isso estava me fazendo mal.
O fato de estar completamente apaixonada, não me cegou para o que
acontecia ao meu redor.
Desde o início, eu senti que estava entrando em um mundo repleto de
tramas e falsidade, entretanto, por saber o quanto Harry era correto, pensei
que isso não me afetaria, mas não tinha levado em consideração as pessoas
que o rodeavam.
Todos eles estavam preparados para ir às últimas consequências, se isso
significasse chegar à presidência. E depois do que escutei, não tinha certeza
se ele não pensava exatamente igual.
Todas as vezes que parava para refletir acerca do nosso relacionamento,
essas mesmas dúvidas surgiam, e ainda que nos déssemos bem e eu quisesse
ignorar tudo aquilo, o que elas falaram fazia muito sentido.
Ser esposa do presidente dos Estados Unidos era uma coisa séria, algo
que não combinava comigo e com a leveza com que tentava levar minha
vida.
Além disso, eu não era cega. Podia não entender nada de política, mas
sabia que havia uma grande diferença entre mim e as outras mulheres que
ocuparam esse “cargo”. Se fosse sincera, diria que era simplória e inábil
demais para algo tão importante e com uma visibilidade tão grande.
Detive minha atenção em um casal de namorados que estava sentado na
grama. Eles conversavam e riam de alguma coisa que viram no celular da
garota e isso me encheu de tristeza.
Seria utopia demais desejar um relacionamento assim?
Eu nunca tinha namorado de verdade e ter estreado isso com um
homem tão importante quanto Harry, estava fazendo uma reviravolta em
minha cabeça e após tudo o que ouvi, minha insegurança resolveu dar as
caras novamente. Os medos que eu tinha no início, estavam voltando com
tudo e me fazendo repensar diversas coisas.
E não apenas por mim, por Harry também.
E se elas estivessem certas?
E se por causa de mim, Harry fosse impedido de realizar seu sonho?
Eu não me perdoaria se isso acontecesse.
No entanto, não fugiria sem mais nem menos, sem lhe dar o direito de
opinar, apenas por causa das minhas conjecturas. Nós estávamos em um
relacionamento e era conversando que iríamos nos entender.
Depois de quase duas horas andando pelo parque, um saco de pipocas e
dois sorvetes, voltei para cobertura, bem mais feliz do que quando saí.
Ao entrar, Harry estava lá, falando com alguém ao telefone.
— Oi — cumprimentei quando ele finalizou a ligação.
— Olá — devolveu e me beijou com intensidade. — Como foi o
passeio? — inquiriu quando nossas bocas se separaram, envolvendo-me em
um abraço carinhoso.
Eu tinha lhe mandado uma mensagem falando que estava no Central
Park, mas a forma como respondeu, me disse que ele já estava sabendo, o que
me fez supor que um de seus seguranças devia estar me seguindo, apesar de
não ter visto ninguém.
— Foi ótimo — respondi. — E seu dia, como foi? — perguntei,
afastando-me um pouco para tentar captar suas emoções.
— Cheio, como sempre. Mas minha última reunião foi cancelada e
resolvi sair mais cedo para ficar com você.
Ele parecia tranquilo e o tom sereno que usou me deu a certeza de que
ele não estava sabendo da visita que recebi no início da tarde.
— Isso é ótimo, já posso te arrastar para o quarto? — brinquei, mas
falando de verdade, e ele sorriu.
— Deve, só que antes preciso te falar uma coisa.
Soltei-me de seus braços e esperei o que viria a seguir.
— Meu irmão comentou com meus pais que você está na cidade e
mamãe planejou um jantar para que eu a apresentasse à família. Mas antes de
aceitar, disse que falaria com você. Se não quiser, nós não iremos.
Meu coração palpitou de animação e ansiedade só de me imaginar em
meio ao clã Stone, mas então me lembrei do que aquelas bruxas haviam
falado e fiquei dividida entre ter uma conversa clara com ele sobre o Contrato
de Confidencialidade e tudo o mais ou ter uma noite agradável ao lado do
homem que eu amava.
Resolvi que teria as duas coisas, iria ao jantar e depois lhe perguntaria a
respeito do tal contrato.
— Por mim tudo bem, será um prazer conhecê-los.
Harry sorriu aliviado e me beijou apaixonadamente. Sem desgrudar
nossas bocas, ele me conduziu pelo corredor, indo em direção ao quarto.
Mas antes que nos livrássemos de nossas roupas, seu celular tocou e ele
teve que atender. Aproveitei então para ir tomar um banho. Quando terminei,
minutos depois, Harry havia saído e resolvi escolher a roupa que usaria para
conhecer sua família.
Eu estava nervosa, mas acreditava que todos seriam gentis como ele.
Abri minha mala e comecei a fuçar. Não queria usar preto novamente,
por isso fui direto nas peças coloridas. Optei por um modelo rose ajustado na
cintura e saia fluida, com comprimento midi, que o deixava muito elegante.
Eu nunca o tinha usado, mas quando o provei, após o ajuste que Consuelo
teve que fazer, senti-me linda.
Para compor, escolhi uma sandália nude de salto alto e coloquei tudo
em cima da poltrona que havia ao lado.
Voltei ao banheiro e soltei os cabelos que ficaram cacheados devido ao
coque que fiz enquanto ainda estavam molhados, antes de ir passear.
Depois de ajeitá-los, fiz minha maquiagem clássica, ressaltando um
pouco mais os olhos com lápis.
Estava prestes a passar o batom quando Harry apareceu à porta.
Fiquei olhando-o através do espelho.
Ele ainda estava todo vestido com seu terno de três peças,
completamente composto e absolutamente lindo.
Seu semblante, contudo, estava cansado e eu podia apostar que era
Lexy naquela ligação e que ela havia enchido a cabeça dele contra mim.
Para não chateá-lo ainda mais, achei melhor não tocar no assunto, pelo
menos por enquanto. Mas quando ele continuou apenas me encarando, virei-
me e perguntei:
— Tudo bem?
Harry não respondeu, somente me olhou, por vários segundos,
deixando-me desconfortável.
Comecei a morder o lábio de nervoso, preparando-me para falar alguma
coisa, mas então ele se mexeu e começou a caminhar em minha direção.
Sem abrir a boca, desfez o laço do meu roupão com delicadeza e
deslizou as mãos pela minha cintura, puxando-me para perto de si.
Como estava nua, pude senti a magnitude de seu corpo poderoso
mesmo através de suas roupas.
Mantive meu olhar fixo no dele, que parecia atormentado, dividido, e
isso me causou um leve arrepio, que logo se transformou em medo de que
aquelas víboras tivessem conseguido fazê-lo acreditar que eu não era boa o
suficiente.
Por fim, sua cabeça desceu e nossos lábios se encontraram num beijo
que me deixou quente e pronta para ele.
Enquanto sua boca explorava a minha, sem pressa, comecei a
desabotoar seu colete, em seguida, afrouxei a gravata e logo me pus a abrir os
botões da camisa; estava louca para sentir sua pele junto à minha.
Harry sorriu, sem se desgrudar, quando me atrapalhei com o cinto e me
ajudou a retirá-lo.
Assim que consegui deixá-lo nu, deslizei as mãos pelos ombros largos
e as descansei em seu peito forte.
— Você é perfeito — elogiei e dei um beijo do lado esquerdo, bem em
cima de seu coração.
De modo gentil, ele levantou meu queixo, tomou minha boca
novamente e colou ainda mais nossos corpos.
Quando me colocou sentada sobre a bancada da pia, toda minha pele se
arrepiou em expectativa ao que iria acontecer.
Daquela vez, entretanto, parecia que ambos estávamos tentando fugir,
ao menos por um tempo, dos fantasmas que nos rodeavam, assim como da
realidade que que nos atingiria muito em breve, e senti que era exatamente o
que eu precisava.

Quem nos recebeu à porta da luxuosa cobertura onde Harry foi criado
foram seus pais.
Julie Collins era linda com seus cabelos castanhos e olhos esverdeados,
além disso, era muito elegante e extremamente simpática. O pai dele também
era belíssimo e deu para ver a quem o filho tinha puxado, eles eram muito
parecidos. Olhando Romeo Stone, pude ver nitidamente como Harry estaria
quando fosse mais velho.
Os dois pareciam muito felizes em me receber e eu comecei a relaxar,
até perceber que havia mais membros da família ali. Isso me deixou um tanto
insegura.
Seguimos para a sala principal onde os outros se encontravam e Harry
foi me apresentando a cada um. A linda mulher de olhos azuis e cabelos
escuros era Louise Stone, tia dele, o homem bonito e de sorriso aberto ao
lado dela era Tony Osborne, seu marido.
Ambos se levantaram e me cumprimentaram educadamente, mas de
soslaio consegui perceber a piscadela que Louise endereçou a Julie, assim
como o sorriso largo que havia em seu rosto.
No outro sofá estava Alexander, filho deles e gêmeo de Eva, a prima de
quem Harry me falou. O rapaz era tão alto e bonito quanto os outros homens,
mas seus cabelos eram bem mais claros, já os olhos, eram inegavelmente dos
Stone. Ele foi educado ao me cumprimentar, mas parecia mega entediado por
estar ali.
Por último cumprimentei Dominic. Como da outra vez em que o vi, ele
estava vestido como um típico bad boy, nessa noite, porém, havia dispensado
a jaqueta de couro e sua barba estava bem mais cerrada, o que não diminuiu
em nada o magnetismo de seu sorriso safado.
Meu Deus, que gene essa família tinha! Faltou pouco para começar a
me abanar.
Dom e Alexander se levantaram para que eu e Harry nos sentássemos
juntos e ocuparam duas das poltronas ao lado.
— Você deve estar apavorada — Dom falou baixinho e o irmão lhe
lançou um olhar de advertência.
— Não, está tudo bem — garanti e ele apenas sorriu.
— Estamos bebendo vinho, mas se quiserem outra coisa, posso
providenciar — Julie assinalou, o olhar ansioso.
Quase ri. Ela era a legítima mãe casamenteira, louca para desencalhar o
filho.
A única diferença aqui, era que Harry continuava solteiro por opção.
— Vinho está ótimo — falei e ele me acompanhou.
Quando Julie se foi, fiquei muito sem graça por ver que todos os
olhares estavam em mim.
Ao perceberem meu embaraço, eles iniciaram uma conversa aleatória,
com o intuito de me acalmar. O único que continuava se divertindo com
minha situação era Dominic, que lançava sorrisinhos tortos para o irmão ou
para mim o tempo todo.
Em certo momento, eu revirei os olhos e ele gargalhou, me fazendo rir
também e isso acabou me relaxando um pouco. Percebi que era isso que ele
queria, pois logo após virou-se para o primo e eles deram início a uma
conversa.
Graças a Deus a tia de Harry era bem falante e nos guiou para assuntos
engraçados, que incluíram histórias sobre a infância das “crianças”. Ao falar
da filha, seus olhos se entristeceram um pouco, dava para ver que ela estava
louca para a garota voltar de Londres.
A forma carinhosa com que falava da amizade deles, especialmente de
Harry e Eva, me deixou ainda mais curiosa para conhecê-la. Alguma coisa
me dizia que ela seria uma ótima aliada.
— Você se importa de ficar sozinha por alguns minutos? — Harry
perguntou e na hora entrei em pânico.
Mas o que eu poderia dizer? “Não me deixe aqui sozinha com eles?”
Minha vontade era essa, mas apenas assenti e ele garantiu que não
demoraria.
— E então Liz, está gostando de Nova York? — Julie quis saber e eu
me perguntei se havia chegado a hora das típicas perguntas que os ricos
faziam para avaliar se a pessoa à sua frente deveria ser aceita em seu meio ou
colocada para fora feito um cão sarnento.
— Estou sim, a cidade é incrível.
Ela sorriu gentil então houve outra troca de olhares com Louise.
Eu não tinha a menor ideia do porquê disso, mas como não adiantava
perguntar, apenas dei de ombros.
A conversa continuou e elas estavam curiosas para me conhecer
melhor, mas para minha surpresa, não houve perguntas desagradáveis ou
constrangedoras. Elas também não insistiram quando, ao me perguntarem a
respeito de minha mãe, eu dei uma resposta suscinta. Isso me agradou
imensamente.
Depois, fiquei pensando se Harry não havia dito alguma coisa relativa a
minha relação com Eleanor, mas logo descartei a ideia, ele não faria isso.
Quando retornou, eu estava explicando meu trabalho voluntário no
orfanato. Era nítido o quanto a filantropia estava entranhada na família Stone,
pois seus olhos brilhavam em aprovação.
— O jantar está servido — uma governanta uniformizada anunciou e
todos seguimos para a mesa, com lugares marcados e toda a produção que um
jantar na casa de uma família como aquela tinha direito.
A comida estava maravilhosa e fiquei feliz ao ver que não haveria
silêncios constrangedores durante a refeição.
Longe disso, houve conversas aleatórias o tempo todo, o que me deixou
bem confortável para rir de Dominic, que tentava provocar o irmão a todo
custo.
Após o jantar, os homens foram para a área externa, pois Tony e
Romeo iriam degustar um charuto, o que me deixou com Julie e Louise, que
pareciam ansiosas para conversar comigo sem a presença dos rapazes.
— Estou tão feliz por vocês terem aceitado o convite, Harry mora aqui
do lado, mas fica semanas sem nos visitar — Julie reclamou.
— Ele realmente é muito ocupado. Recebe telefonemas a toda hora —
falei, lembrando-me da ligação que o deixou tão estranho.
Ainda bem que ele tinha voltado ao normal.
— É igual ao pai — disse ela;
— E o tio — continuou Louise e as duas balançaram a cabeça em
reprovação, mas dava para ver quanto carinho havia em suas palavras. — E
como estão as coisas entre vocês? — ela perguntou, direta. — Espero que
Lexy não esteja sendo um problema.
Arregalei os olhos e isso fez com que as duas trocassem olhares
cúmplices.
— Bom, ela, sei lá... eu... prefiro não falar — declarei por fim, não
achei elegante falar mal da assistente pessoal que, além de tudo, era sua
amiga de infância e conhecida por todos.
— Tudo bem, Liz, nós já conhecemos o sentimento de posse que ela
tem por Harry e isso me irrita um pouco também. No entanto, Lexy não é
mal, o problema foi que Harry lhe deu muita ousadia e isso, junto ao seu
espírito impetuoso, a tornaram mandona e intransigente — Julie comentou.
Bom, parecia que elas não gostavam muito de Lexy. Por outro lado,
aquilo poderia ser um teste, então, preferi me manter neutra.
— Ela cuida dos interesses dele com muito cuidado, é normal que se
preocupe com quem ele se relaciona.
— Besteira. Se quer um conselho, não a deixe comandar o
relacionamento de vocês. Acho que os últimos acabaram porque nenhuma
das garotas foi corajosa o suficiente para colocá-la em seu lugar — Louise
falou, desgostosa.
Ali estavam duas pessoas preocupadas com o Harry ser humano e não
com o candidato à presidência. Isso queria dizer que elas estavam cientes de
quem o rodeava, o que me deixou aliviada.
— Vou me lembrar do seu conselho — afirmei com um olhar
agradecido.
Nós continuamos conversando, dessa vez acerca das obras sociais que a
ONG da família desenvolvia e eu fiquei impressionada com tudo o que eles já
haviam realizado.
Vários minutos depois os homens voltaram à sala e os assuntos se
diversificaram. A família de Harry era divertida e, no fim, até Alexander
estava menos carrancudo.
Mas com um palhaço como Dominic do lado, ninguém conseguia ficar
impassível por muito tempo.
Quando nos despedimos, passava da meia-noite e eu estava feliz por ter
ido.
Harry foi carinhoso e atencioso o tempo todo, sempre tomando cuidado
para não me deixar muito tempo sozinha e eu achei isso perfeito.
Ao chegarmos em casa, achei que fôssemos apenas tirar as roupas e
dormir, mas meu homem estava bem-disposto e fez amor comigo por vários
minutos antes de me abraçar e cair no sono.
Apenas quando estava prestes a fazer o mesmo, foi que me lembrei de
que não havia falado do contrato, mas prometi a mim mesma que não
deixaria de lhe contar.
— Já terminei de arrumar minhas coisas — falou Liz, encostada no
portal do meu escritório.
Eu já havia me acostumado a vê-la daquele jeito, pois ela adorava me
observar quando eu estava distraído com o trabalho, algo que aconteceu
bastante naquela semana, já que cancelei alguns compromissos para ficar
com ela e isso me obrigou a trabalhar no escritório da cobertura.
Alguns diriam que, uma vez que eu teria que trabalhar, era melhor estar
na empresa, com minha secretária e assistente a postos para ajudar no que
precisasse. Mas era totalmente diferente. Saber que minha garota estava a
poucas portas de mim, me distraía, mas também fazia as coisas fluírem com
mais facilidade e eu me estressava menos.
A verdade era que passar esses dias com Liz estava sendo maravilhoso,
ela me deixava tão leve e bem-humorado.
Toda essa mudança em minha rotina despertou a insatisfação, não só de
Lexy, mas dos que trabalhavam em prol da minha campanha. Cathy e Allen,
por exemplo, não falavam muito, mas sempre que me procuravam e não me
achavam no escritório, ficavam visivelmente irritados.
Tinha certeza de que todos estavam rezando para a semana acabar, já
que Liz iria embora e eu voltaria ao normal.
Ao menos foi o que Zed os escutou dizendo.
Todos achavam uma loucura estar me relacionando com uma garota tão
nova e tão diferente do tipo que haviam idealizado para mim.
Eu, no entanto, não enxergava as coisas por esse lado. Acreditava que
com uma boa conversa com o setor estrategista, as coisas poderiam virar a
nosso favor. Afinal, Liz era educada e doce, sem contar o trabalho voluntário
que fazia junto ao orfanato muito antes de me conhecer...
Os americanos adoravam esse tipo de história meio ‘conto de fadas’ e
estava certo que com boas jogadas de marketing, conseguiríamos fazê-los
enxergá-la da mesma forma que eu.
— Venha aqui — pedi.
Saber que o dia de sua partida havia chegado, deixava-me triste,
desconfortável. Especialmente porque eu não poderia acompanhá-la ao
aeroporto e ela não poderia ir no dia seguinte, já que coincidiria com a
chegada de sua mãe, que voltaria das Maldivas.
Liz fez como pedi e caminhou em minha direção. Encontrava-se
descalça, com os cabelos úmidos do banho e, se estivesse com sorte, nua por
baixo daquele roupão.
Ela se sentou no meu colo, como fazia todas as vez e me beijou com
extremo carinho. Mas antes que as coisas avançassem, levantou-se e falou:
— Precisamos conversar.
Franzi o cenho. Liz não era o tipo de mulher chata que ficava cobrando
tempo ou explicações, então imaginei que deveria ser algo importante.
— Claro, estou ouvindo — garanti enquanto ela se sentava em uma das
cadeiras em frente à minha mesa.
— Você está sabendo da visita que Lexy e Cathy me fizeram essa
semana?
— Como é?
— Pelo visto, não. Bom, elas apareceram aqui na terça à tarde querendo
que eu assinasse um Contrato de Confidencialidade.
Fechei os olhos e torci a boca em desprezo.
— Eu não tinha ideia — afirmei, já morto de raiva.
— Pois é, elas insistiram que eu assinasse os papéis, pois era assim que
você fazia com todas as mulheres com quem ficava. Quando me recusei, as
duas tentaram me convencer de que se perdesse as eleições, seria por minha
causa e você jamais me perdoaria caso isso acontecesse.
Fiquei imaginando a cena de Lexy e Cathy falando esse tipo de coisa
para Liz e meu sangue borbulhou.
Dessa vez Lexy foi longe demais.
Levantei-me e dei a volta na mesa, depois me abaixei entre suas pernas
e peguei suas mãos.
— Não dê ouvidos a nada do que elas falaram. Eu não nego que já usei
esse contrato com outras mulheres antes, mas seria incapaz de fazer algo do
tipo com você.
Ela sorriu, um pouco tristonha, e encostou a testa na minha.
— Eu senti, no fundo do meu coração, que você não sabia, mas não
queria estragar nossa semana, por isso não falei nada antes.
— Vou falar com elas, não irei mais admitir esse comportamento, por
parte de ninguém.
— Não precisa brigar por minha causa, já estou feliz em saber que você
não está por de trás disso.
Olhei para ela e me senti imediatamente hipnotizado, a beleza de
Elizabeth Reagan era uma das poucas coisas que me deixava impressionado;
mesmo tendo acabado de sair do banho, sem nenhuma maquiagem, ela era a
coisa mais linda que eu já tinha visto na vida.
— Jamais faria isso com você. E não deixarei de conversar com elas.
Existe uma delimitação entre o trabalho e minha vida pessoal. E embora Lexy
tenha bastante liberdade comigo, eu ainda sou o chefe e ela não pode fazer as
coisas pelas minhas costas.
Lexy sempre foi abelhuda com tudo que se referia a mim, mas meu
relacionamento com Liz a estava tirando do sério.
Obviamente eu a entendia. Faltava um ano para as eleições
presidenciais e estava mais do que na hora de confirmar os diversos rumores
espalhados tanto pelos meus assessores quanto pelos de Sullivan e,
finalmente, anunciar minha candidatura.
Era por isso que ele viajaria para Nova York naquele dia. À noite nós
dois teríamos uma reunião com os organizadores da campanha, bem como
com o pessoal do marketing para decidir que dia e de que forma se daria o
anúncio.
Depois que isso acontecesse, as especulações sobre minha vida
amorosa começariam e por essa razão, meu pessoal estava em polvorosa. Eles
sabiam que quando chegasse a hora, era Liz quem eu apresentaria como
futura primeira-dama.
— Para ser sincera, no início eu achei que ela tinha algum interesse
romântico, sabe — ela continuou —, mas depois percebi que, sim, Lexy
gosta muito de você, mas seu interesse é apenas profissional. Ela quer que
você vença as eleições e já falou com todas as letras que eu não sirvo para o
papel de primeira-dama.
— E você está certa. Digo, no que se refere aos interesses dela. Nós
sempre nos demos muito bem, mas apenas como amigos e ela sente o mesmo.
— Sim, mas não acredito que com Cathy seja a mesma coisa. Ela quer
você, Harry, eu sinto isso no jeito como te olha. Eu só não sei se ela almeja
apenas o homem ou poder que esse homem pode adquirir daqui a alguns
meses, caso seja eleito.
— Besteira, todos ali só querem me ver na presidência e garantir bons
cargos no meu governo.
Liz se afastou visivelmente chateada e me levantei, mas permaneci à
sua frente.
— Eu raramente me engano com as pessoas e nas poucas vezes que
interagi com Cathy, senti que ela tem interesse em um cargo, sim, mas de
primeira-dama. Eu não a julgo, claro. Que mulher nesse mundo não gostaria
de ser sua, seja lá o que for?
Soltei uma risada para amenizar o clima daquela conversa.
Poucas vezes vi Liz demonstrar ciúmes ou insegurança, e quando o fez,
conseguiu se sair muito bem. Mas eu ainda achava que ela estava enganada
em relação a Cathy, nunca a vi me olhando do jeito que ela estava falando.
— Bom, eu não acredito que haja esse tipo de interesse por parte dela,
mas posso te garantir que não misturo negócios com prazer, além disso, ela
não faz muito o meu tipo, é montada demais, prefiro mulheres mais naturais
— assegurei de forma que entendesse minha insinuação.
Ela revirou os olhos. Já tinha me ouvido falar vezes demais o quanto eu
gostava que fosse naturalmente bonita e sem tanta sofisticação.
— Você é quem sabe, mas fica de olho, depois de tudo o que ouvi dela,
não acho que Cathy seja tão sincera assim e odiaria vê-lo enganado.
— Isso não vai acontecer, eu te garanto.
Liz assentiu e curvei-me para beijá-la.
Ela não entendia que eu não me imaginava com uma mulher que não
fosse ela. Nossa relação se tornou tão profunda nesse pouco mais de um mês
em que nos conhecíamos, que às vezes me pegava pensando em que
momento eu a deixei entrar e dominar o meu coração.
— Tem mais uma coisa que preciso te contar — ela disse ao se afastar.
— Deixou tudo para o último dia? — brinquei, escorando-me na mesa
outra vez para escutá-la, mas ela continuou séria.
— Eu já falei como a cabeça da minha mãe funciona, certo?
Assenti, já ficando em alerta.
— Desde que ela descobriu que você estava à procura de uma possível
primeira-dama, achou que eu poderia ser essa pessoa — falou, revirando os
olhos como se não acreditasse naquela possibilidade —, mas quando você
não deu sinal de vida após o baile, ela começou a procurar outras formas de
ganhar dinheiro fácil.
Eleanor Reagan era realmente uma parasita da pior espécie, eu sentia
uma enorme aversão a ela e muita pena de Liz por ter que conviver com
aquela mulher.
— O que foi que ela aprontou dessa vez?
— Muito antes de te conhecer, ela já havia me apresentado aos filhos
de amigos dela, tipo, querendo me arranjar um bom partido, mas eu sempre
fui contra e como nunca senti interesse por nenhum deles e nem eles por
mim, consegui me safar. Depois disso, ela começou a ir atrás de viúvos ricos,
chegou até mesmo a me apresentar um que estava tão caquético, que morreu
logo depois. Foi nessa época que eu parei de acompanhá-la aos diversos
eventos de que participava, jamais me envolveria com alguém por dinheiro.
Senti meu corpo ficar tenso, o ódio aumentando só de imaginar o que
viria a seguir.
— Alguns dias antes de você aparecer no orfanato e me trazer para cá,
Eleanor me levou a uma mansão como a nossa e me apresentou ao novo
namorado. Achei que ela finalmente tinha arrumado um partido rico para si,
mas, na verdade, ele era apenas um vigarista.
— Como assim — perguntei, já impaciente com aquela história.
— Na hora do jantar, apareceu um senhorzinho que me foi apresentado
como tio do namorado dela. Ele devia ter uns oitenta anos e andava com a
ajuda do mordomo. Quando finalizamos a refeição, o namorado de minha
mãe anunciou o noivado deles e eu achei que seria tudo, mas, então, veio a
bomba: Eleanor anunciou que havia dado minha mão em casamento àquele
ancião. Segundo disse, ele já estava com o pé na cova, de forma que em
breve morreria e eu ficaria com tudo.
Fiquei tão perplexo, que por vários segundos não consegui esboçar
nenhuma reação.
Eleanor tinha vendido a própria filha para um homem de oitenta anos!
— Liz... — comecei, mas estava tão irritado que parei.
— Calma, Harry. Deixa eu terminar. Depois que ela me contou isso,
falou que ele queria conversar comigo a sós e eu fui, pronta para colocá-lo
em seu devido lugar, mas para minha surpresa, o homem disse que achava
um absurdo o que Eleanor estava fazendo comigo e pediu minha ajuda para
pregar uma peça naqueles dois, fazê-los provar um pouco do próprio veneno.
Cocei a cabeça e andei pelo escritório, sentindo-me como um touro
bravo.
Aquela mulher era mesmo um monstro, que audácia a dela usar a filha
como moeda de troca!
— Eles fizeram alguma coisa com você ou te obrigaram a algo?
— Não, claro que não, só insinuaram que teria de me casar, mas eu
jamais faria isso ou não estaria contando a você.
Aproximei-me dela, puxei-a bruscamente para meus braços e a apertei
com força.
— Você confia em mim, Liz?
— Com todo o meu coração.
Sua confiança era tão confortadora. Eu sabia que, diferente dos outros,
Liz não precisava de nada além de mim
— Então acredite quando digo que isso nunca vai acontecer, você
jamais será obrigada a se casar com ninguém — prometi, fitando-a nos olhos.
— No próximo fim de semana vou falar com sua mãe. Ela precisa saber que
estamos juntos para não inventar mais nada desse tipo.
Liz arregalou os olhos, completamente atônita, como achei que ficaria.
— Isso é sério?
— Seriíssimo. Eu não vou permitir que ela sequer pense em vendê-la
novamente.
— Você tem certeza, Harry, aquela mulher...
— Eu já lidei com gente muito pior que Eleanor Reagan, Liz, então,
não se preocupe, O.K? — inquiri, precisava aplacar seu receio com relação a
isso.
Ela assentiu e em seguida me beijou com paixão e um toque de
esperança.
Meu Deus, a sensação de estar apaixonado era mesmo como uma droga
potente; eu me sentia invencível, capaz de tudo para protegê-la.
Necessitando de mais contato, desatei o laço de seu robe e deslizei as
mãos por seu corpo que ficava cada vez mais arrepiado sob meu toque.
Precisando disso tanto quanto eu, ela desceu a mão para o botão da
minha calça e abriu o zíper para alcançar meu pau, fazendo com que um
rugido saísse de minha garganta.
Desde o dia em que tirei sua virgindade, Liz tinha se tornado uma
devassa. Ela adorava sexo e não podia me ver pela casa que já começava a
me seduzir, muitas vezes sem querer, já que eu ficava duro só de vê-la,
especialmente quando saía do banho, enrolada apenas com uma toalha ou
vestindo esse mesmo roupão de banho.
Apenas imaginar seu corpo delicado e curvilíneo já me enlouquecia,
conforme acontecia naquele momento.
À medida que o desejo entre nós foi aumentando, as coisas que estavam
sobre minha mesa foram caindo no chão.
Deslizei as mangas por seus braços e me deliciei com a sensação de seu
corpo nu em contato com o meu.
— Eu quero aqui, Harry — disse ela, toda manhosa, apontando para a
mesa onde me mantive encostado.
— Você manda.
Desgrudei nossas bocas, alucinado de tesão, e tirei mais algumas coisas
do caminho.
Depois a virei de costas para mim e a coloquei inclinada contra o tampo
da mesa, para completar, ergui uma de suas pernas e apoiei o joelho no
tampo, mantendo a outra no chão.
Essa posição a deixou completamente à minha mercê.
Lambi sua coluna de cima a baixo, enquanto tirava a camisa e libertava
meu pau, que já estava louco para invadi-la.
Quando a glande parou em sua entrada já completamente molhada, Liz
empurrou a bunda para trás, fazendo-me entrar até a metade.
Que mulher gostosa, pensei, sentindo o calor e a pressão daquele canal
apertado.
— Acho que você já está bem treinada — murmurei, mordiscando a
pele de suas costas com um pouco mais de força que o normal, fazendo-a
gemer de prazer.
— Acho que você ainda tem muito a me ensinar — falou rebolando no
meu pau, deixando-me ainda mais duro.
Eu sempre me controlei em nossas transas anteriores, pois não queria
assustá-la com um sexo mais selvagem, mas naquele momento, com sua
partida iminente, eu sentia que Liz queria um pouco mais do que tivera nos
últimos dias.
A forma como rebolava e empinava a bunda, dando-me total acesso ao
seu interior, deixou-me completamente descontrolado e quando dei por mim,
já estava segurando seus cabelos pela nuca e bombeando dentro dela com
força, como um aríete, cada vez mais rápido.
Liz, por sua vez, em nenhum momento reclamou, pelo contrário, ela me
acompanhava a cada investida, gemendo de uma forma que me enlouquecia,
agarrando a borda da mesa com força.
— Mais — pediu e eu obedeci, mas isso me fez chegar cada vez mais
perto da borda, um prazer abissal tomando conta de mim.
Quando ela gozou, jogando a bunda para trás e ordenhando meu pau
com seus espasmos, massageei seu clitóris, numa tentativa de segurar minha
liberação por alguns segundos.
Ao ver Liz praticamente desfalecer sobre a mesa, tomei o controle e
voltei a me enterrar, uma e outra vez. Quando cheguei ao limite, saí de dentro
dela e gozei na curva de suas costas, gemendo alto, a respiração acelerada e o
coração a ponto de explodir.
— Espera um pouco — pedi quando ela fez menção de se levantar e fui
ao banheiro do escritório.
Depois de limpá-la, agarrei-a pela cintura e a beijei apaixonadamente
por vários minutos. Minha vontade era de nunca mais soltá-la.
Mas isso não era possível. Por isso peguei o roupão e a ajudei a vestir,
antes de pegar minhas próprias roupas.
— Espero que não sejam coisas importantes — Liz falou ao ver toda
aquela bagunça de papéis no chão.
Olhei para ela que estava linda como nunca com o rosto todo vermelho
e os olhos brilhantes de satisfação.
— Nada é mais importante que você — declarei.
Liz me brindou com um de seus sorrisos lindos e pegou a mão que eu
ofereci.
Levei-a de volta para o chuveiro, onde fizemos amor novamente, dessa
vez com calma, aproveitando cada segundo que ainda tínhamos juntos.
Quando chegou a hora de ela ir embora, vi-me tentado a desmarcar meu
compromisso, mas eu não era irresponsável, estava há meses negociando essa
conta pessoalmente e não poderia deixar que outra pessoa concluísse o
negócio.
Mas isso não me acalmou, e saber que só conseguiria voltar a vê-la no
outro fim de semana me deixava ainda mais irritado.
Quando nos despedimos, prometi que tentaria ligar para ela todos os
dias e ela me disse que esperaria ansiosa por isso.
Após outro beijo arrebatador, ela foi para o aeroporto e eu fui para o
escritório, já contando os dias para vê-la novamente.
Era difícil voltar para a realidade depois de ter vivido um sonho com
Harry em Nova York. Ele prometeu que iria para Washington no sábado e eu
já estava contando os dias para ficarmos juntos novamente.
Nossa despedida foi triste e até um pouco dramática, uma vez que eu
me negava a deixá-lo e ele também parecia bastante insatisfeito com a nossa
despedida.
Mesmo não podendo me acompanhar, disponibilizou seu jato, cujo
serviço de bordo foi muito atencioso, mas eu sentia um vazio enorme e uma
saudade que já começava apertar.
Quando o taxi que peguei no aeroporto parou em frente à mansão, senti
um arrepio perpassar meu corpo. A única coisa que me consolava por estar
ali novamente era saber que Stella, Consuelo e Benito estavam à minha
espera.
— Pode começar a me contar tudo — exigiu Stella quando passei pela
porta.
— Deixe-a respirar, menina! — Consuelo pediu quando Stella
continuou grudada a mim em um abraço apertado.
— Eu também morri de saudades — falei, abraçando todos eles.
Benito pegou minha mala e a levou para o meu quarto, já eu e as
mulheres nos dirigimos à cozinha. Consuelo havia feito um bolo para me
receber e iria passar um café fresquinho para tomarmos enquanto eu contava
as novidades.
E foi o que fiz, contei com detalhes como tinha sido minha semana,
omitindo, obviamente, o fato de ter perdido a virgindade com Harry, isso eu
contaria apenas a Stella quando estivéssemos sozinhas.
Após meu relato, deixaram-me a par de tudo que aconteceu durante a
semana. Segundo elas, Eleanor não ligou nenhuma vez, ao que eu agradeci
imensamente, não queria nem imaginar o que ela faria se soubesse onde eu
me encontrava.
Infelizmente para todos nós, ela chegaria no dia seguinte, de forma que
iria aproveitar meus últimos momentos de paz.
Quando subi para o meu quarto com a intenção de desfazer minha
mala, Stella me seguiu.
— Vai falando, Liz, quero todos os detalhes — pediu, jogando-se em
minha cama.
Eu conhecia muito bem a minha amiga e sabia que não adiantava
esconder nada, e nem pretendia, afinal, Stella era minha única amiga.
— Bom, nós transamos — soltei e ela arregalou os olhos, mas eu
continuei tirando as coisas de dentro da mala e as organizando no guarda-
roupa.
— Ai, meu Deus, me conta tudo. Doeu? Você gozou? Ele é grande?
Tive uma crise de riso que era uma mistura de divertimento e vergonha,
evidenciada pelo calor que sentia em meu rosto.
— Sim para todas as perguntas — respondi e separei as roupas que
precisavam ser lavadas.
— Detalhes, por favor — pediu ela, sentando-se.
— A primeira vez foi esquisito, doeu no começo, mas depois foi bom,
ele foi cuidadoso, maravilhoso, na verdade, e acabou sendo como eu sonhei.
— Fala sério, você é muito sortuda.
Isso era verdade, Harry Stone poderia namorar com qualquer mulher do
mundo e eu fui a escolhida, quer mais sorte que isso?
Após contar mais detalhes, tais como: o tamanho dele, quantas vezes
fizemos e coisas do gênero, ela quis saber como eu tinha sido tratada.
— Entre nós foi incrível, o problema são as pessoas que trabalham com
ele, principalmente a coordenadora da campanha e a assistente pessoal. Elas
fizeram de tudo pra melar nosso lance. Sorte que eu sou bem observadora,
isso me ajudou a não cair na armadilha delas — afirmei.
Depois falei do passeio de iate, as fotos que tiramos juntos, dentre
outras coisas.
— Fez bem em não chatear Harry com isso — concluiu ela no fim —,
só ia causar mais atrito. Sem contar que é normal um homem poderoso como
ele ter um monte de abutres por perto.
— Eu sei, Stella, mas elas me falaram tanta coisa: que eu não tenho
perfil de primeira-dama, que sou muito nova, que não tenho curso superior...
Isso mexe com a cabeça de qualquer um.
Deus sabia que eu não tinha pretensão de ser primeira-dama, na
verdade, preferia muito mais que meu relacionamento com Harry fosse
normal, mas aquilo era impossível, a não ser quando estávamos apenas nós
dois, nessas horas eu conseguia fingir que aquele homem não era tão
importante.
— Não dê ouvidos a elas, o que importa é que você transou com aquele
deus e que ele te trata como você merece.
Soltei uma risada gostosa. Só Stella para me animar.
Conversamos por mais de uma hora sobre Harry e Nova York e Stella
só saiu do meu quarto quando estava satisfeita com o que ouviu.
Depois de tudo arrumado, de forma que Eleanor sequer desconfiasse de
algo, fui tomar um banho relaxante.
Quando peguei meu celular para ver se tinha algum recado de Harry,
achei apenas duas chamadas não atendidas de Zara Sullivan.
Isso fez um sorriso surgir em meu rosto.
Zara era tão diferente de Lexy e Cathy, tão agradável. Além disso,
mesmo sem saber, era um elo que eu tinha com Harry, por isso, retornei
imediatamente.
— Oi, Liz, que bom que você retornou — disse ela animada ao atender.
— Desculpe não ter atendido antes. Como você está?
— Ótima, obrigada. Blake está em Nova York e Harry comentou com
ele que você havia voltado para casa, então resolvi convidá-la para jantar
comigo esta noite, se não tiver outro compromisso, é claro
Ouvir o nome de Harry fez aquele famoso frio na barriga surgir e me
peguei sorrindo feito uma boba, tanto, que quando dei por mim, Zara estava
falando novamente e eu não tinha escutado nada.
— ...ela disse que fará um prato que você adorava.
Imaginei que ela estivesse falando de Gemma e fiquei ainda mais
animada, estava morrendo de saudades da minha ex-babá.
— Será um prazer — afirmei, dando graças a Deus por Eleanor não
estar em casa ou eu teria de declinar.
Combinamos o horário e, cinco segundos depois que desliguei, chegou
uma mensagem com seu endereço.
Na hora pensei em levar a Stella, ela também conhecia a Gemma e
sempre falava dela, porém, logo desisti, não seria apropriado levar mais
pessoas em minha primeira visita, mas na próxima, quem sabe.
Aproveitei as horas que teria antes do jantar para descansar e tentar
abrandar minha ansiedade, uma vez que a animação que estava sentindo por
fazer amizade com a esposa do vice de Harry tinha ido às alturas.

Os Sullivan viviam em uma luxuosa mansão ligeiramente afastada do


Capitólio. Benito me levou até lá e estranhou que um político vivesse tão
longe do congresso, mas quando avistamos o heliponto no fundo do jardim
iluminado, entendemos que para quem tinha dinheiro, a distância era apenas
um detalhe.
Foi Gemma quem abriu a porta e no mesmo instante senti uma onda de
alegria e nostalgia tomar meu peito. Também me senti péssima por ter ficado
tanto tempo afastada, especialmente quando recebi seu abraço apertado.
— Que saudade, minha menina! — disse ela, visivelmente emocionada.
— Eu também, Gemma, como você está?
— Estou ótima, querida, venha, a Sra. Sullivan já está aguardando.
Ela me guiou pela mansão muito bem decorada com piso de carvalho
escuro e mobília em tons pasteis e branco; era tudo lindo, organizado e
aconchegante.
— Liz, que prazer recebê-la — Zara falou ao me cumprimentar.
Como sempre, estava linda dentro de um vestido verde escuro.
— Obrigada pelo convite.
Gemma nos serviu vinho branco e Zara pediu que ela se sentasse e
bebesse com a gente. Óbvio que a governanta recusou o convite, mas depois
de muita insistência, ela ficou sem jeito e se juntou a nós, mas com a
condição de que não iria beber.
Nossa conversa começou leve, com Zara perguntando como tinha sido
a semana que passei com Harry em Nova York e pela segunda vez naquele
dia eu narrei minha experiência, sem dar muitos detalhes e omitindo, mais
uma vez, as coisas desagradáveis.
Zara era uma boa ouvinte e a todo momento incluía Gemma na
conversa. Esta, apesar de curiosa, parecia desconfortável e em estar sentada
na sala principal junto com sua patroa.
Quando terminei meu relato, foi minha vez de fazer perguntas a Zara.
No dia em que nos encontramos no almoço com o pessoal do comitê de
Nova York, nós conversamos sobre várias coisas, mas sem muitos detalhes,
pois fiquei sem graça de perguntar, mas naquela noite estava me sentindo tão
à vontade...
Ela falou com mais detalhes a respeito das ações que fazia junto a
orfanatos da cidade e afirmou que não via a hora de Harry ser eleito para que
seu trabalho voluntário tivesse mais visibilidade e incentivasse outras
pessoas.
Zara parecia genuinamente feliz em ajudar crianças abandonadas, por
isso, acabei cometendo a indiscrição de perguntar se ela pretendia ter filhos.
— Quero muito, Liz, de preferência um casal e um deles será adotado.
— Nossa, acho isso incrível!
— Já faz algum tempo que eu e Blake estamos amadurecendo essa
ideia, tanto com relação a filhos biológicos quanto adotados. Esta é a razão de
sairmos do apartamento onde morávamos e virmos para esta casa.
— E quando vocês pretendem fazer isso, depois das eleições?
— Bom, na verdade, eu já encontrei um garotinho.
Na mesma hora meu coração palpitou de felicidade e Zara notou, pois
logo falou.
— Ainda não está nada certo, na verdade, nós ainda não falamos com
ele, eu só... me apaixonei, sabe?
Assenti, imaginando como deve ter sido.
— Talvez você o conheça, porque ele está no orfanato da Madre Mary,
eu o vi pela primeira vez quando fui tratar da reforma com o padre Norton.
Ela me contou mais detalhes sobre o menino e eu me lembrei dele,
apesar de ser muito pequeno para estar nas minhas aulas, sempre o via pelo
pátio.
Notei que ela não falou nada de sua família, mãe, pai ou irmãos, e eu
jamais seria intrusiva ao ponto de fazer perguntas a esse respeito, mas
acreditava que deveria ter tido uma ótima criação, pois era uma pessoa
maravilhosa.
Após perguntar detalhes relativos às aulas de pintura que eu dava, quis
saber se eu precisaria de algo especial, disse que os engenheiros e arquitetos
já estavam finalizando o primeiro esboço, mas que ainda dava tempo de
incluir alguma coisa, caso eu quisesse.
Senti-me lisonjeada por ela pedir minha opinião e falei tudo o que
achava, não apenas da sala de pintura, mas outras coisas.
Ela anotou tudo em seu celular e garantiu que iria repassar aos
responsáveis, deixando-me imensamente feliz por saber que, em breve,
aquelas crianças teriam um lugar decente para viver.
Continuamos com esse assunto por vários minutos. Nessa hora, Gemma
já estava mais à vontade e ficou dando palpites sobre a alimentação das
crianças, o que tirou várias risadas de nós duas.
Pouco antes das 20h, outra funcionária apareceu na sala para chamar a
governanta e algum tempo depois esta voltou, pedindo que fôssemos para a
sala de jantar.
Como fizera anteriormente, Zara pediu que Gemma nos acompanhasse
e, dessa vez, a mulher aceitou com menos relutância.
Ela havia preparado um salmão com molho cítrico que eu adorava e por
vários minutos nós apenas nos deliciamos com a comida.
Zara não poupava elogios ao trabalho de Gemma, dizendo que foi com
ela que aprendeu a cozinhar e deixando a governanta vermelha como um
pimentão.
Sorri, era tão bom saber que ela tinha encontrado uma empregadora
que, diferente de Eleanor, realmente a valorizava.
— Sabe, Liz, eu e Gemma conversamos a seu respeito logo que ela
veio trabalhar aqui e o que ouvi foi um pouquinho diferente do que vi.
— Como assim, não entendi — falei olhando dela para Gemma que
tinha parado de comer e estava, mais uma vez, ruborizada.
— Bom, algumas das coisas que Gemma falou batem certinho, mas
outras, especialmente sobre a sua personalidade, não têm muito a ver.
Dessa vez nós duas olhamos para a governanta que parecia estar
procurando um buraco onde se enfiar.
Percebendo que não tinha para onde fugir, ela largou os talheres,
limpou a boca e falou:
— Tudo bem, eu alterei um pouco a descrição.
— Eu ainda não estou entendendo, o que você disse? — perguntei.
— Um dia eu ouvi o Sr. Blake e os outros dizendo que Harry Stone
precisava de uma noiva. Sabendo o que sua mãe andava fazendo, contei sua
história para a Sra. Sullivan com a esperança de que ela gostasse de você e a
apresentasse ao rapaz. Por isso, eu posso ter exagerado um pouco com
relação a sua personalidade, mas não foi muito, a senhora sabe — disse ela
para a patroa, que tentava esconder um sorriso.
Zara confirmou e depois disse tudo o que Gemma lhe falara.
De fato, a mentira não foi tão grande, mas de forma alguma eu era
aquela pateta chorosa que ela descreveu.
No final, todas nós rimos, pois não havia malícia, ela só estava dando
uma de mãe casamenteira.
— E quando você e Harry se verão novamente, Liz? — Zara perguntou
quando voltamos à sala de estar.
— Ele vem na sexta-feira e vai passar o fim de semana aqui.
— Então a coisa é realmente séria — afirmou e eu não soube o que
responder.
Harry disse que conversaria com Eleanor, mas em momento algum
falou sobre o status da nossa relação, por isso, apenas dei de ombros, tímida.
Zara sorriu, percebendo meu embaraço e falou, animada:
— Acho que muito em breve ele irá pedi-la em casamento.
Eu sabia que se continuássemos namorando, o próximo passo seria
esse. Mas por mais apaixonada que eu estivesse, estaria mentindo se dissesse
que não estava apreensiva.
— O que foi Liz? — ela perguntou quando notou meu ar pensativo.
— A ideia de casamento me assusta, não por Harry, mas por causa do
que o cerca. É tudo tão novo...
— Eu também tive os mesmos receios que você, especialmente porque
quando conheci Blake, ele ainda era casado. Assim que começamos a nos
relacionar, tive medo do que iria acontecer, do que a mídia iria falar, de como
iriam me taxar... A verdade, porém, era que ele havia se casado por
conveniência e nenhum dos dois estava feliz com aquele arranjo. No
momento em que o divórcio se tornou oficial, as pessoas lamentaram, mas
acabaram aceitando que casamentos às vezes chegam ao fim, mesmo para os
políticos. Claro que houve muitos burburinhos quando, meses depois, nós nos
casamos, porém, logo eles se esqueceram e partiram para a próxima fofoca.
Fiquei bem surpresa por ela ser a segunda esposa dele, mas não falei
nada, era uma vergonha de minha parte não saber detalhes a respeito de
pessoas tão próximas a Harry. Isso teria que mudar.
— Mas e agora que já se passaram alguns meses? Como é estar casada
com uma figura pública?
— Não posso dizer que é um mar de rosas o tempo todo. Ser esposa de
um senador é bem desafiador. Talvez se eu fosse o tipo de mulher pacata que
vai apenas a eventos a fim de aparecer nas fotos, tudo bem, mas não sou
assim e isso significa que tenho que andar com seguranças 24h por dia.
— E tem mesmo, não se esqueça que a ex Sra. Sullivan sofreu um
atentado.
— O quê? — perguntei num ofego e vi minha anfitriã lançar um olhar
de repreensão a Gemma, que havia acabado de chegar com nossos cafés.
— Não foi bem assim — contemporizou Zara —, ela realmente sofreu
um atentado, só que não foi por causa de Blake... Quer dizer, foi, mas não por
causa de seu cargo... Quer dizer..
Zara suspirou e tomou um gole de café antes de continuar:
— Um oponente contratou alguém para atirar em Lauren, ex-esposa de
Blake, não para matar, mas para estabelecer uma teoria. — Ela balançou a
cabeça, como se dissesse a si mesma o quanto aquilo era louco. — Ele e
Blake tinham uma rixa antiga, mas o que interessa é que no final não deu
nada.
— Mas ele sequestrou a senhora — Gemma falou novamente e recebeu
outro olhar que a fez pedir licença e voltar à cozinha.
— Liz, eu não estou dizendo que não haja perigos, o mundo da política
é muito sujo, mas isso que aconteceu conosco foi um caso isolado. Taylor
ficou obcecado por mim e quando resolvi ficar com Blake, o homem
enlouqueceu e me sequestrou. Em sua cabeça doentia, eu ficaria com ele para
sempre.
Engoli em seco. Não tinha a menor ideia de que tudo aquilo havia
acontecido.
— O importante é você saber que esse não é o padrão. Há pessoas
muito ambiciosas nesse meio, mas a maioria apenas ladra. Depois desse
episódio, não houve mais nenhum problema, o que prova que foi um caso
isolado.
— Eu... fico feliz que as coisas tenham dado certo no final — concluí,
não sabia o que falar.
— Vai dar certo para vocês também — afirmou ela em tom alegre —,
até soube que ele te apresentou ao clã Stone.
— Sim, eu adorei a família dele, principalmente o Dom, Julie e Louise,
com quem tive um pouco mais de contato.
— Imaginei que fossem se dar bem. Todos torcem muito para que
Harry seja feliz e imagino que estejam nas alturas. Ele é muito reservado, de
forma que isso foi um passo importante. Acredito que ninguém nunca o viu
tão apaixonado.
Corei ao ouvir aquilo.
Após esses dias juntos, eu percebi que ele estava tão apaixonado quanto
eu, mas era diferente escutar isso de outra pessoa.
Vendo meu interesse, Zara falou por longos minutos sobre sua relação
com Harry.
Contou que ele se recusava a arrumar uma esposa de conveniência e
que ela e Blake o pressionaram muito para que encontrasse alguém
compatível, pois seu vice não queria que ele cometesse o mesmo erro de se
casar com quem não gostava. Foi por causa disso que resolveu promover o
baile. Estava certa de que lá ele encontraria alguém.
Quando fomos nos despedir, prometemos marcar um café em breve e
enquanto Benito me levava para casa, sentia em meu coração que havia
ganhado uma amiga, a única pessoa naquele meio que estava torcendo por
mim e Harry.
Isso era reconfortante.
Mas foi só entrar em casa para me lembrar que no dia seguinte Eleanor
chegaria de viagem e toda aquela ladainha de noivado iria recomeçar.
Ao menos até Harry aparecer e esclarecer as coisas.
Na manhã seguinte acordei com os berros de Eleanor me chamando
pela casa.
Meu Deus, tinha até me esquecido o quanto sua voz era desagradável!
— Me chamou? — perguntei, colocando metade do corpo para fora do
quarto.
Eleanor estava toda arrumada, nem parecia que havia chegado de
viagem há poucas horas. O vestido branco que usava, entretanto, realçava seu
belo bronzeado.
— Sim, arrume-se, nós vamos almoçar na casa do seu noivo.
Revirei os olhos em desgosto.
— Eu não vou — falei, decidida.
Harry tinha ficado tão chateado, que me pediu para não ir mais me
encontrar com Joseph.
— Eu preciso mesmo te falar o que farei caso me desobedeça?
Fechei os olhos e suspirei, essa mulher era um ser humano desprezível.
— Você não cansa de ser tão cruel?
— Não. Agora se arrume e desça — exigiu e saiu batendo os saltos
pelos corredores.
Frustrada, encostei a testa na porta. Depois de uma semana vivendo no
luxo, ela seguramente estaria ainda mais decidida a colocar seus planos em
prática.
Tomei um banho e me arrumei, contrariada. Não queria trair a
confiança de Harry, mas também não podia arriscar. Eleanor apenas tolerava
a família de Stella e nas últimas semanas ela estava muito mais irascível. Era
provável que estivesse mesmo acreditando naquele casamento e a
possibilidade de voltar a ficar rica estava deixando sua paciência por um fio.
Pelo que conhecia dela, tinha certeza de que sentiria um enorme prazer em
ligar para a imigração e denunciá-los.
— Melhore essa cara — a chata pediu quando o carro parou em frente à
mansão de Joseph, que parecia ainda mais bonita durante o dia.
Subimos o lance de escadas que levava à porta e fomos recebidos pelo
mordomo que nos guiou até o hall e informou que o patrão estava na área da
piscina.
— Vá lá, Elizabeth, vou esperar por Gilbert — disse Eleanor.
Assenti e segui o mordomo, mas pude ver o sorriso de contentamento
no rosto de minha mãe, ela realmente achava que eu estava fazendo suas
vontades.
Tive que sorrir.
Mal sabia ela que de bobo Joseph não tinha nada, e jamais se deixaria
ser enganado.
— Elizabeth, minha querida, como vai? — perguntou, pronto para se
levantar a fim de me cumprimentar, mas eu me aproximei com o intuito de
poupá-lo.
— Estou bem e pode me chamar de Liz. — Ele assentiu. — E o senhor,
como está?
— Bom, sua mãe e meu sobrinho desapareceram a semana toda —
afirmou e olhou para trás, para ver se estávamos sozinhos, e então continuou
—, não tem como as coisas estarem melhores — brincou com um sorriso de
deboche no rosto enrugado, enquanto eu me acomodava ao seu lado.
— Eles viajaram para as Maldivas. Pelo que fiquei sabendo, minha mãe
ganhou a viagem e a hospedagem, quanto ao seu sobrinho... — dei de
ombros, porque até onde sabia, a “oferta” que Harry deu de bandeja a
Eleanor, era para uma pessoa apenas.
— No mínimo deve ter dado um golpe em algum otário. Mas o
importante é que tivemos alguns dias de paz — falou e ambos gargalhamos.
Joseph era realmente adorável.
— E então, como foi sua semana de liberdade? — quis saber.
— Aproveitei que a bruxa estava longe e fui para Nova York ficar com
meu namorado.
— Hum, sei bem do que está falando. Posso estar velho, mas me
lembro dos meus vinte e três anos.
— Não quero nem imaginar — soltei e ele gargalhou novamente.
A partir daí falamos sobre nossas experiências em Nova York, os
pontos turísticos, os restaurantes... Em momento algum citei o nome de Harry
e também não dei muitos detalhes de nada. Para minha sorte, ele era discreto
e não fez perguntas do tipo.
Quando o assunto Nova York morreu, perguntei como estava de saúde.
No decorrer da nossa conversa, Joseph havia tossido um pouco e fiquei
curiosa para saber se estava realmente bem.
Antes de responder, ele mais uma vez olhou para trás e quando viu que
os dois carniceiros não estavam por perto, confessou que não andava bem de
saúde devido a uma gripe que estava demorando a sarar. Preocupado, Arion,
o mordomo e amigo do velho senhor, chamou seu médico que lhe receitou
alguns medicamentos para gripe, mas deixou claro que se ele não se cuidasse,
poderia evoluir para algo mais sério.
Como medo, pedi que tomasse os remédios direitinho e fizesse tudo o
que o médico pediu. Apesar da idade avançada, ele mostrava tanta
jovialidade, que não seria justo deixar que uma gripe o abatesse.
Exatamente ao meio-dia e meia, Arion foi avisar que o almoço estava
pronto.
Durante a refeição, Eleanor e Gilbert falaram a respeito das Maldivas; o
que fizeram e os lugares maravilhosos que visitaram. Também falaram dos
planos que estavam fazendo para a próxima viagem, certamente iludidos com
a certeza de que ficariam com a herança de Joseph Holmes.
A cada coisa que eles falavam, mais enjoada eu ficava com tanto
descaramento.
Olhei para Joseph e fiquei chateada por vê-lo tão cabisbaixo. Mas,
então, ele ergueu a cabeça e me lançou um olhar cheio de sarcasmo, o que me
deu uma vontade enorme de gargalhar. Após isso, sempre que o fitava, aquele
olhar astuto estava lá e foi com muita dificuldade que consegui me controlar.
O almoço pareceu durar uma eternidade. Enquanto isso, os dois seres
egocêntricos e patéticos à minha frente, não enxergavam nada além de si.
Mesmo quando fomos para a sala e ficamos conversando lá por quase uma
hora.
Imaginei que não estivessem querendo “atrapalhar o casal”.
Só dois doentes para pensarem isso.
Quando estávamos prestes a ir embora, pedi para conversar com Joseph
em particular e fomos para seu escritório.
Lá, expliquei a ele que no fim de semana meu namorado iria conversar
com Eleanor e que ela talvez aparecesse ali para desfazer nosso “noivado”.
Não comentei que Harry, provavelmente, possuía muito mais dinheiro
que ele e ainda tinha o bônus de ser candidato à presidência dos Estados
Unidos, com grandes possibilidades de vitória.
— Ah, querida, fico feliz em saber que seu namorado irá tirá-la daquele
lugar. E vou pensar em outra maneira de dar uma lição em meu sobrinho e
sua amada. Se é que ela ainda vai querer ficar com ele, uma vez que não
precisará mais de mim.
— É isso que me preocupa. Sei que já falamos sobre o assunto, mas
tem certeza de que Gilbert não vai lhe fazer mal?
— Tenho. Ele pensa que estou muito doente, mas sabe que eu não sou
idiota. Provavelmente vai aparecer aqui com outra jovem para me apresentar,
nada além disso, não se preocupe.
Apesar de não me sentir tranquila, anuí e me despedi, feliz por tê-lo
ajudado a ter um pouco de alegria.
No trajeto para casa, Eleanor, mais uma vez, estava radiante, contando
os outros planos que estava traçando para quando voltasse a ficar rica.
Eu ouvia aquilo e não podia acreditar no quão fútil e egoísta ela
conseguia ser.
Que tipo de valores lhe foram passados quando criança?, ponderei
comigo mesma.
Até onde eu sabia, seus pais tinham morrido quando Eleanor era muito
nova e ela fora criada por uma tia, a quem eu nunca vi. Imaginava se toda
essa maldade e individualismo haviam sido incutidos nela por essa tia ou se
fazia parte dela e apenas aumentaram na medida em que crescia.’
Definitivamente era algo intrínseco, concluí, afinal, fui criada para ser
como ela e nunca me deixei influenciar, talvez porque tive meu pai para me
guiar nos anos mais críticos de minha formação como ser humano e isso era
algo pelo qual eu agradecia. Pessoas como Eleanor não podiam ser realmente
felizes, pois sempre queriam mais, enquanto eu me acostumei com o pouco e
sempre procurava ver algo de positivo em tudo.
Balancei a cabeça enquanto as coisas mais absurdas jorravam de sua
boca.
Talvez algum dia eu sentisse dó dela por ser tão vazia, mas no
momento, estava apenas feliz em saber que seus planos iriam por água a
baixo. Harry a conhecia e eu confiava que ele saberia lidar com ela.
Assim que Benito parou em frente à nossa garagem e nós descemos,
Eleanor recebeu uma ligação e entrou. Já eu, dei a volta e fui rumo à casa de
hóspedes para brincar com Lion.
Logo Stella apareceu e se juntou a mim na brincadeira o que deixou o
cachorro alucinado, já que não sabia para onde correr.
Quando me cansei, coloquei Lion de volta em sua casinha e ganhei
muitos latidos em protesto.
— Amanhã eu volto, garotão — garanti.
— Tá animada pra sair mais tarde? — Stella perguntou.
— Para fazer o quê exatamente?
— Freddy tem ingressos e perguntou se não queríamos ir à boate.
— Ah, apesar de estar com muita saudade dele, não estou no clima.
— Já imaginava — falou com um sorriso e depois de garantir que daria
um beijo nele por mim, cada uma entrou em sua casa.
Já em meu quarto, tomei um banho quente, vesti uma camiseta velha e
caí na cama.
— A Stella já saiu? — perguntei a Consuelo quando voltei a descer,
algumas horas depois, após um sono revigorante.
— Sim, querida, disse que ia à boate com Luna e Freddy.
— Hum — resmunguei à guisa de assentimento e disse: — Estou com
fome.
Eu tinha dormido muito mais do que esperava, levando um susto ao
olhar a tela do celular e constatando que passava das 21h.
Quando vi que Harry havia me ligado mais cedo, fiquei imediatamente
chateada, mas isso se abrandou ao ler a mensagem que ele deixara dizendo
que estava com saudades e falando que ia a um jantar com Blake e outros
políticos de Nova York.
Com um sorriso enorme no rosto, respondi dizendo que não tinha
atendido porque caíra no sono, e que também estava com saudades.
— Então, sente-se, já estou preparando algo aqui — disse ela.
— Obrigada. E Eleanor, saiu ou está em casa?
— Saiu há um tempo, disse que iria ao aniversário de casamento de
uma amiga. Com o noivo — completou, fazendo uma careta.
Estava rindo de sua implicância quando Benito chegou e se acomodou
em uma das cadeiras.
— E aí, para onde ela foi hoje? — perguntei, referindo-me à minha
mãe.
— Eu os deixei no Omni.
— Hum, então a festa deve ser linda — comentei, lembrando-me de
fotos e vídeos que já tinha visto do hotel.
— Imagino que sim — falou e balançou a cabeça. — Eu estou
impressionado. Nunca vi duas mentes pensarem tão parecido — concluiu,
fazendo uma cara de desgosto tão engraçada que acabamos rindo.
— Sim, são dois sanguessugas da pior espécie — confirmei e ele
assentiu.
— Bom, que se completem, sejam felizes e nos deixem em paz —
desejou Consuelo, colocando alguns sanduiches no centro da mesa.
Enquanto comíamos, contei o que tinha conversado com Joseph
naquele dia. Também falei que ele estava doente e na hora Consuelo disse
que lhe prepararia uma sopa de galinha como a que faziam em seu país.
Estávamos praticamente acabando, quando meu telefone tocou fazendo
meu coração palpitar achando que fosse Harry, mas, para minha surpresa, era
Freddy.
— Oi, amigo.
— Liz, tudo bem? — perguntou, a voz animada.
— Estou ótima e você?
— Bem, também. E aí, resolveu vir? — quis saber.
— Não, eu falei para a Stella que iria descansar.
— Ah, pensei que ela estivesse demorando por causa de você.
— Como assim, demorando? — perguntei, tirando o aparelho da orelha
para ver que passava bastante das 22h. — Stella já saiu daqui há muito tempo
— falei, colocando o aparelho no viva-voz e olhando para Consuelo que
balançou a cabeça em confirmação.
— Estelita saiu daqui pouco depois das 20h — afirmou ela, o
semblante antes leve tornando-se preocupado. — Ele já ligou para ela?
— Sim — Freddy respondeu —, várias vezes, mas ela não atende. Nós
combinamos de tomar sorvete, antes, por isso, ficamos de nos encontrar
naquela sorveteria próxima à boate do meu primo — explicou —, só que já
tem quase uma hora que eu e Luna estamos esperando e nada. Será que ela
foi a outro lugar antes de vir pra cá?
— Não — respondi simplesmente. Stella nunca saía, ou mesmo se
desviava de seu destino, sem dizer a alguém para onde estava indo.
Vendo que eu não falei mais nada, Benito pegou o celular e continuou
conversando com Freddy, já eu, só saí do meu torpor quando vi Consuelo cair
na cadeira ao lado da minha e abaixar a cabeça, orando em sua língua
materna.
Peguei sua mão e voltei a prestar atenção a Benito.
— Deixe Luna aí e vá para a boate, dentro de alguns minutos me
encontro com você lá — demandou e desligou o telefone, colocando-o sobre
a mesa.
Minha vontade era acompanhá-lo, mas não podia deixar Consuelo
sozinha ali.
— Qualquer coisa, me liga — pedi quando ele se aproximou para nos
abraçar.
Depois que Benito saiu, tentei ligar para Stella várias vezes, mas o
telefone apenas chamava, e a cada minuto sem notícias, eu e Consuelo nos
desesperávamos mais.
Não tinha ideia de quanto tempo havia se passado, mas em dado
momento, alguém finalmente atendeu, só que não era Stella e sim, Luna.
— Nós a encontramos, daqui a pouco tio Benito irá levá-la para casa
— disse a garota. E mesmo ela desligando em seguida, sem me dar chance de
perguntar qualquer coisa, nunca fiquei tão feliz por escutar sua voz.
Mais de uma hora se passou até ouvirmos o barulho do carro
estacionando. Ao chegarmos lá fora, Benito já se aproximava com Stella nos
braços.
Atrás deles estavam Freddy e Luna, ambos visivelmente abatidos.
— Ah, Dios mio, hija. ¿Que te pasó? — perguntou Consuelo,
apavorada, ao ver a blusa da filha suja de sangue e os machucados em seu
rosto.
— No te preocupes. Ya ha sido examinada — garantiu Benito, indo em
direção à casa de hóspedes, com a esposa em seu encalço.
— O que aconteceu? — perguntei a Freddy e Luna, segurando-me para
não chorar. Minha amiga estava muito machucada.
— Ninguém sabe ainda. Ela estava a umas duas quadras da boate, em
um beco — falou ele, baixinho, para que Consuelo não escutasse.
— E quem a examinou? Vocês a levaram ao hospital?
— Não. Eu contei ao meu primo que Stella havia sumido e quando
falamos sobre o estado dela, ele ligou para um médico da nossa quebrada que
costuma atender pessoas que não podem ir a hospitais por medo de serem
deportadas.
Verdade, ainda tinha isso.
— Mas por que ela não reage?
— Ele aplicou um sedativo pra ela conseguir dormir melhor. Também
deu esse anti-inflamatório, disse pra começar a tomar amanhã de manhã —
explicou, entregando-me um frasco branco.
Em casa, Benito a depositou na própria cama e, mesmo dormindo,
Stella gemeu.
— Eles machucaram os quadris dela, há hematomas dos dois lados e
um local em suas costas está em carne viva, como se ela tivesse se rastejado
ou... sido arrastada — foi Luna quem falou e uma lágrima desceu por seu
rosto.
Vendo isso, Freddy a abraçou.
— Santo Deus! Quem faria algo assim? — perguntei quase para mim
mesma.
— Ninguém sabe. Quando a encontraram ela estava sozinha — Freddy
explicou.
— Quem a encontrou?
— Dois casais. Eles estavam passando em frente ao beco quando
ouviram um telefone tocar e foram ver o que era. Chegando lá, encontraram
Stella caída no chão, desacordada e sozinha. Por sorte eram conhecidos
nossos, eles a reconheceram e me ligaram.
Sentei-me ao lado da minha amiga na cama e segurei sua mão. Apenas
ali pude ver seu rosto melhor. Um dos olhos já estava roxo, assim como o
nariz, uma das bochechas estava muito inchada, o que me fez pensar que era
bem provável que também estivesse roxa no dia seguinte. Fora isso, tinha um
corte em seu lábio inferior e imaginei que o sangue em sua blusa tivesse
vindo dali. Pude ver que seus cotovelos também estavam esfolados e havia
um arranhão enorme na testa, como se ela tivesse sido arrastada no chão, o
que validava o que Luna dissera.
Senti meu peito se apertar de angústia e também não pude segurar as
lágrimas.
Por que fizeram uma monstruosidade dessas com uma garota
indefesa!?
— Oh, meu Deus!
— O que foi, Liz? — perguntou Freddy, assustado com meu grito, que
acabou chamando a atenção de Consuelo, que estava abraçada a Benito do
outro lado da cama.
— É que... Vocês têm certeza de que eles não fizeram mais nada?
Levou poucos segundos para Consuelo entender o que eu quis dizer, o
que a levou a chorar novamente.
— O doutor a examinou, disse que foi só a surra mesmo — garantiu
Luna.
— Graças a Deus, graças a Deus... — repeti várias vezes, enquanto
beijava sua mão inerte, extremamente aliviada por eles não terem violentado
minha amiga.
Isso, entretanto, não acalmava meu coração que se encontrava
destroçado.
Estávamos há vários minutos velando o sono dela quando o celular de
Benito tocou. Era Eleanor, pedindo que fosse buscá-la.
Resignado, ele deu um beijo na testa da filha, gesto que foi imitado por
Freddy e Luna, já que Benito lhes daria carona.
— Ela vai ficar bem — disse meu amigo ao me abraçar em despedida e
eu assenti.
Depois que eles saíram, eu e Consuelo permanecemos lá, mas logo eu
tive que ir também, se Eleanor passasse em meu quarto e não me visse, faria
um escândalo.
Enquanto atravessava o terreno em direção à casa principal, senti uma
raiva enorme por saber que nem mesmo poderíamos prestar queixa, ou Stella
correria o risco de ser denunciada à imigração. Era uma injustiça muito
grande.
Ao passar pela cozinha, vi meu celular sobre a mesa. Havia me
esquecido completamente dele quando ouvi Benito chegar.
Fui olhar as horas no visor e estranhei o fato de haver cinco ligações
perdidas, sendo que a última tinha acontecido três minutos atrás. E se já era
inusitado receber uma ligação às duas da madrugada, mais estranho ainda era
o fato de o número ser bloqueado.
Isso fez meu peito se apertar novamente, mas dessa vez, com um mau-
pressentimento.
Subi para meu quarto e quando terminei minha higiene, o aparelho
soou novamente.
Por algum tempo debati comigo mesma se atendia ou não, mas já sabia
que minha curiosidade venceria.
— Alô.
— Boa noite, Elizabeth — uma voz estranha falou do outro lado.
Apesar de estar modificada, era nitidamente masculina.
— Quem está falando?
— Diga-me uma coisa, como vai sua amiga Stella?
Na mesma hora me sentei na cama, ou correria o risco de cair.
— Quem é você? — tentei mais uma vez, mas ele continuou como se
eu não tivesse falado nada.
— Eu espero que não tenham batido demais nela, afinal, a coitadinha
não tem culpa por você ter se metido com quem não devia.
— Do que está falando? — perguntei, com um nó na garganta e uma
suspeita tomando meu coração.
— Desta vez, minhas ordens foram para machucá-la de modo a não
deixar muitas sequelas, ou seja, um aviso apenas.
— Que aviso?
— Afaste-se de Harry Stone.
Senti todo meu corpo estremecer por confirmar que meu envolvimento
com Harry tinha causado aquilo à minha amiga.
— Porque está fazendo isso? — inquiri, já chorando.
— Porque nós temos tudo planejado e você não se encaixa no que
traçamos para ele.
— Harry não vai simplesmente aceitar que eu me afaste. Nós estamos
apaixonados — falei num fio de voz.
— Então, cabe a você ser convincente. Stone deve acreditar que não o
quer mais, caso isso não aconteça, serão as pessoas a quem você tanto preza
que sofrerão.
— Por que não ataca a mim, como você disse, fui eu que me meti onde
não devia.
— Porque você é pateticamente empática. O tipo de pessoa que não se
preocupa consigo mesma, mas que daria a vida por quem ama. Além disso,
Stone acha que está apaixonado, se lhe acontecesse algo, ele lidaria com isso
da pior maneira possível, então você ficará sã e salva. Mas não fique
achando que estou sendo bonzinho, porque não estou, essa cortesia não se
estenderá a mais ninguém.
Meu Deus, quem eram essas pessoas, como sabiam de tudo isso?
— Ah, presumo que não preciso dizer para não contar absolutamente
nada ao seu namoradinho, não é mesmo? Se ele ficar sabendo, ainda que
seja por outra pessoa, a próxima vez que vir um dos seus, ele ou ela estará
implorando para morrer.
Arfei ao ouvir aquilo, mas tentei controlar meu choro.
— Nós não estamos brincando, mocinha, temos olhos e ouvidos em
todo lugar, então, não nos subestime.
Com isso, a ligação foi encerrada e eu me dei o direito de entrar em
pânico.
Após me acalmar um pouco, um milhão de coisas se passaram por
minha cabeça. Pensei em Lexy e Cathy, mas não quis acreditar que elas
fossem capazes de fazer algo assim.
Então me lembrei da conversa que tivera com Zara na noite anterior.
Esse meio era realmente muito sujo, mas não imaginei que chegariam a
machucar as pessoas que eu amava para conseguir o que queriam.
Em meio a esse turbilhão de pensamentos e sensações, o que eu mais
queria era ligar para Harry e contar tudo que aconteceu.
Mas como eu poderia fazer isso? Ele não tinha ideia de que havia gente
perigosa assim trabalhando ao seu lado.
Se lhe contasse, o que ele faria? Interrogaria todos eles? Demitiria todo
mundo?
Não, eu não podia me precipitar. Precisava pensar muito bem em tudo
antes de tomar uma decisão.
Eu não dormi quase nada e essas poucas horas de descanso serviram
apenas para ampliar a miríade de sentimentos que havia tomado conta de
mim.
Jamais poderia imaginar que me envolver com Harry causaria esse tipo
de reação nas pessoas que viviam fora da nossa bolha. Nunca passou pela
minha cabeça que existiria um interesse tão forte por parte das pessoas
envolvidas em sua candidatura, que justificasse o horror que fizeram à minha
amiga.
Eles a ameaçaram de morte, pelo amor de Deus! Tudo por causa de
poder.
Enquanto escutava a voz modificada daquele homem, eu me senti
dentro de um filme cheio de conspirações, onde inimigo está bem ao nosso
lado.
Foi por causa disso que o nome de Lexy me ocorreu por várias vezes
desde aquele telefonema, contudo, a assessora era transparente demais e
alguma coisa me dizia que ela não iria tão longe apenas para me afastar de
Harry.
Mas, se não era Lexy, quem seria?
Essa dúvida continuou me atormentando durante minha higiene e
também enquanto eu trocava de roupa e descia as escadas, bocejando de
sono.
Pretendia ir ver Stella imediatamente, mas quando passei pela cozinha,
notei que Consuelo ainda não havia preparado o café da bruxa,
provavelmente por ter ficado cuidando da filha.
Para evitar um escândalo logo de manhã, fiz seus ovos mexidos, depois
coloquei sua cápsula preferida na cafeteira enquanto cortava algumas frutas,
isso era tudo o que ela comia no desjejum.
Estava quase terminando de montar a bandeja quando Consuelo
apareceu, toda esbaforida.
— Ah, Liz, obrigada, fui dormir tão tarde que acabei perdendo a hora e
ainda precisava fazer os curativos de Estelita — explicou, dando um beijo em
minha testa. Depois foi colocar o avental que fazia parte de seu uniforme,
afinal, tinha que estar impecável na frente da patroa.
— Como ela está? — perguntei e me esforcei para não chorar ao me
lembrar que tudo o que aconteceu com ela foi por causa de mim.
— Acordou melhor do que eu esperava e já pediu por você; vai lá que
eu termino aqui.
Foi o que fiz. Quando entrei na casa de hóspedes, Stella estava sentada
no sofá vendo TV, mas se virou e deu um leve sorriso ao me ver.
— Ah, Stella — falei ao ver seu rosto. À luz do dia, o aspecto era muito
pior e fez eu me sentir ainda mais culpada.
— Ei, está tudo bem — falou quando me sentei ao seu lado e ela viu
meus olhos marejados. — Sou durona, vou sobreviver — completou,
tentando encostar o ombro no meu, mas acabou fazendo uma careta de dor.
— Eu sinto tanto que tenha passado por isso. Foi tudo culpa minha —
falei, sem conseguir me conter.
— Você já está sabendo, então — concluiu ela, pegando minha mão
numa tentativa de me confortar.
— O quê? Como assim? — perguntei, sem entender.
Ela me encarou e depois de um longo suspiro, falou:
— Enquanto me batiam, os caras que me arrastaram para aquele beco
deixaram bem claro que eu estava apanhando por que “minha amiga” havia
se metido onde não devia. Claro que no início eu não entendi nada e disse
que eles estavam com a pessoa errada, mas então eles citaram os nomes dos
meus pais e a cada soco ou pontapé que me davam, falavam que na próxima
vez seria a mamãe no meu lugar e depois o papai e, por último, você.
Disseram também que na vez de vocês, os chutes não seriam dados nos
quadris e sim nas costelas. Quando ficaram satisfeitos, falaram para lhe dizer
que terminasse com Harry Stone, ou eles voltariam.
Meu Deus, então Stella já sabia que tinha apanhado por minha causa.
— Essas pessoas não estão de brincadeira, Liz, e eu estou apavorada...
Se fizerem alguma coisa com meus pais... — ela se encolheu no sofá e meu
coração se apertou ainda mais.
— Me perdoe, amiga, eu jamais imaginei que me envolver com Harry
poderia desencadear tudo isso.
— Você não tem culpa, querida, ninguém iria adivinhar que esse conto
de fadas tivesse vilões tão odiosos e sedentos de poder. O pior é que eles
sabem tudo referente à minha família, que somos ilegais e também o porquê
de termos fugido para os Estados Unidos.
— Sempre houve algo dentro de mim dizendo para não me meter com
um homem poderoso como Harry. Se eu tivesse dado ouvidos aos meus
instintos, você não teria passado por tudo isso.
— Pare de se culpar, Liz, os errados são eles. Agora me diz, como você
ficou sabendo?
Enxuguei os olhos e contei toda a conversa que tive com aquele
homem.
— Então não foi a tal de Lexy.
— Claro que pode ter sido alguém a mando dela, mas algo me diz que
o que está por trás disso é bem maior do que ela, Stella, e isso me dá um
medo de morte.
Ela assentiu, concordando comigo.
— E o que você vai fazer?
— Eu ainda não sei. Tenho receio de contar a ele e acabar colocando a
vida de todos nós em risco.
— Bom, não posso negar que tenho medo; mesmo sabendo que estou
segura aqui, já me peguei olhando para a porta e imaginando que eles podem
entrar a qualquer momento e me pegar, é terrível.
— Eu posso imaginar, pois estou do mesmo jeito, mas não se preocupe,
eu vou pensar muito bem em tudo e vou resolver isso.
Stella assentiu, confiante, então eu comecei a falar de outras coisas com
o intuito de distraí-la e só voltei para casa depois que ela começou a bocejar,
efeito do remédio dado pelo médico.
Quando voltei ao meu quarto, peguei meu celular dentro da gaveta da
mesinha de cabeceira; com Eleanor em casa, eu não arriscava andar com ele.
Ao desbloquear a tela, vi uma mensagem de Harry desejando bom-dia.
Aquilo me deu uma sensação agridoce, ao mesmo tempo em que ficava
feliz por ele ter se lembrado de mim, uma grande tristeza me invadia por
saber o quanto nosso futuro era incerto.
Respondi do modo mais carinhoso que pude, feliz por ele não ter
ligado, eu não conseguiria disfarçar a dor que sentia naquele momento, o
sentimento de culpa estava me corroendo por dentro.
Acabei ficando trancada em meu quarto a maior parte do dia e só saí
para ver Stella e brincar um pouquinho com Lion. No final da tarde, obriguei-
me a comer alguma coisa, já que não tinha conseguido nem tomar café da
manhã e nem almoçar.
Quando cheguei à cozinha, Stella estava sentada à mesa ao lado de seus
pais. Eles também estavam lanchando, mas pareciam desolados, ainda
tentando entender por que alguém faria aquilo com a filha deles.
Isso fez com que eu me sentisse mal novamente, queria lhes contar a
verdade, mas isso não seria prudente e nem inteligente, serviria apenas para
deixá-los mais aflitos.
Aproveitei a oportunidade e avisei que eu mesma faria os curativos de
Stella para que minha mãe não percebesse a ausência de Consuelo e todos
concordaram.
E por falar na noiva de satã...
Minha cabeça estava tão avoada que nem me dei conta de sua
existência. Quanto ao ocorrido, ninguém lhe falara nada, Eleanor seria
incapaz de ajudar em alguma coisa e ainda acharia um jeito de culpar minha
amiga.
Quando voltei ao meu quarto, havia três ligações perdidas de Harry, por
isso, tive que retornar.
— Estou morto de saudades — foi a primeira coisa que disse, fazendo-
me fechar os olhos e engolir o choro.
— Eu também estou. Desculpe-me por não ter retornado antes, mas
Stella está doente e passei o dia com ela — menti.
— Ah, espero que não seja nada grave.
— Não é, não se preocupe.
— Quem bom. E como estão as coisas com a sua mãe?
— Ela voltou superfeliz de viagem, isso quer dizer que o monstro está
saciado por enquanto — menti novamente, não o preocuparia dizendo que
tinha ido à casa de Joseph.
Harry riu, sem ter a menor noção de que a sede por dinheiro e luxo de
Eleanor jamais seria aplacada.
— Se tiver qualquer problema, me ligue, e lembre-se de que sábado eu
estarei aí para conversar com ela.
Com todos os acontecimentos das últimas horas, acabei me esquecendo
desse detalhe.
— Então você vem mesmo — constatei.
— Sim, eu vou mesmo — afirmou, soltando uma risada. — Tenho outro
jantar de negócios agora.
— Bom jantar, então. Foi bom ouvir sua voz.
— Foi muito bom ouvir sua voz também. E, Liz?
— Sim.
— Estou contando os minutos para vê-la novamente.
Suspirei e a vontade de chorar veio com força, por isso pigarreei antes
de falar:
— Eu também, Harry, eu também.
Ele finalizou logo em seguida, mas eu ainda consegui escutar a voz de
Lexy ao fundo falando com alguém e tudo o que aconteceu com Stella me
voltou novamente.
Será que era ela quem estava por trás disso?
Meu Deus, havia tantas dúvidas em minha cabeça que a vontade que eu
tinha era de desaparecer, mas naquele momento eu só precisava de uma boa
noite de sono. Não conseguiria pensar direito se não pudesse sequer manter
os olhos abertos.
No entanto, logo antes de dormir, algo surgiu em minha mente, uma
ideia que, se desse certo, salvaria quem eu amava e me daria a oportunidade
de contar tudo a Harry, ele nos tiraria desse pesadelo.

Nos três dias que se seguiram, fiz como havia combinado, mas foi um
tormento. Cada careta de dor que Stella fazia durante os curativos, era uma
pontada em meu coração.
— Pare de se torturar, Liz.
— Não consigo, amiga, é muita crueldade.
— Eu sei, mas já estou melhorando e queria saber se você já decidiu
alguma coisa.
Com toda essa confusão, não percebi que minha amiga estava
preocupada e curiosa sobre como lidaria com tudo isso, afinal, a segurança de
sua família dependia do que eu iria fazer.
— Eu já conversei com alguém que está me ajudando a pensar com
mais clareza, entre outras coisas... Ainda não decidi nada, mas posso te
garantir que jamais deixarei que algo de ruim aconteça a vocês de novo —
afirmei.
Stella me abraçou, aliviada. Ela jamais me pediria para desistir de
Harry, sabia que isso iria partir meu coração em milhões de pedaços, mas
confiava que eu daria um jeito.
Após fazer seus curativos, voltei para a mansão, tomei um café e fui
para o meu ateliê. Nos últimos dias ele tinha sido visitado mais do que nunca,
já que pintar me ajudava a pensar.
Peguei uma tela em branco, separei algumas tintas e pincéis e fiquei
parada por alguns minutos, esperando para ver que tipo de inspiração minhas
emoções iriam externar naquele momento.
Comecei os primeiros traços e fui deixando a imaginação me levar.
Quando estava na metade do trabalho, me dei conta de que minhas mãos
retrataram exatamente o que meu coração estava sentindo.
Demorei algumas horas para finalizar a tela e quando pincelei o último
traço, senti vontade de chorar, era, de longe, a tela mais linda e especial que
eu já tinha feito.
Ainda fiquei vários minutos apreciando meu trabalho antes de sair dali
e me dirigir à cozinha para almoçar com Consuelo.
Quando lhe perguntei por Stella, ela me disse que a filha estava
dormindo. Também me informou que Eleanor tinha aparecido há poucos
minutos pedindo que Benito a levasse a algum lugar. Disse que ela parecia
nervosa e eufórica e eu só podia imaginar o que estaria aprontando agora.
Depois de comer, prometi a Consuelo que tentaria dormir um pouco. A
doce mulher estava preocupada comigo por não estar dormindo direito. Em
sua cabeça, minha insônia tinha a ver com o que ocorreu à Stella.
Mal sabia ela que nossos problemas eram muito maiores.
Após um banho relaxante, peguei meu celular e, exatamente como
acontecia todos os dias, Harry havia mandado uma mensagem de bom-dia e
outra avisando que ligaria assim que tivesse uma brecha em seus
compromissos.
Ele era tão atencioso comigo e não tinha ideia do inferno que eu estava
vivendo. A cada vez que nos falávamos, a vontade que sentia de contar o que
estava acontecendo era maior, mas eu sempre me refreava. Aquilo não dizia
respeito apenas a mim, e nesse caso especificamente, eu não podia
simplesmente seguir meu coração; para lidar com esse tipo de gente, era a
razão que devia predominar.
E foi exatamente por estar racionalizando demais, que mil coisas
surgiam em minha cabeça a toda hora.
E se meu telefone estivesse grampeado?
E se eles estivessem nos vigiando?
Como se fosse uma confirmação, o celular começou a tocar em minha
mão indicando o mesmo número bloqueado de três dias atrás.
Cogitei não atender, mas logo desisti dessa ideia, era melhor saber o
que eles queriam a ficar imaginando o que poderia acontecer.
— O que você quer?
— Achou mesmo que conseguindo o Green Card da família Molina,
você iria nos deter, mocinha?
Engoli em seco. Como eles sabiam disso, será que...
— Eu tenho olhos e ouvidos em todos os lugares, Elizabeth, e sei de
absolutamente tudo — afirmou, como se tivesse escutado as dúvidas que
surgiram em minha cabeça. — No entanto, parece que você não está me
levando a sério. Então, resolvi dar mais uma amostra do que sou capaz de
fazer.
Meu Jesus, o que ele tinha feito agora?
— Do que está falando? — Minha voz saiu num sussurro desesperado.
— Por que não dá uma passada naquele orfanato de que tanto gosta.
Tenho a impressão de que aquelas crianças inocentes estão precisando de
todo apoio que conseguirem nesse momento.
Completamente petrificada, nem percebi quando o celular deslizou de
minha mão e caiu sobre o carpete macio do quarto.
Deus, não!
Saindo de meu estado catatônico, entrei em meu closet, troquei o shorts
que tinha acabado de colocar por uma calça jeans e calcei um tênis. Também
abri a gaveta onde guardava meu dinheiro e retirei algumas notas.
Eleanor tinha saído com Benito, então eu teria que ir de metrô.
Quando voltei ao quarto, coloquei minha bolsa no ombro, peguei o
celular do chão e saí correndo de casa.
No caminho, mandei uma mensagem a Consuelo avisando que haviam
me ligado do orfanato e que eu estava indo para lá.
Quase que imediatamente ela me respondeu dizendo que tinha acabado
de ver no jornal algo relativo ao orfanato e uma explosão.
Então era mesmo verdade.
— Canalhas — murmurei baixinho enquanto lágrimas lavavam meu
rosto.
Quando cheguei à minha estação, já estava mais controlada, mas não
menos desolada.
E essa desolação apenas aumentou quando virei a esquina e me deparei
com uma quantidade enorme de policiais, bombeiros e ambulâncias, além de
um aglomerado de pessoas atrás de uma faixa de contenção.
Corri até lá, louca para conseguir informações.
Por sorte, logo depois, a Madre Mary atravessou os portões ao lado de
um homem fardado.
Eles se despediram e antes que ela voltasse a entrar, chamei seu nome.
Madre Mary olhou para trás e na mesma hora me reconheceu. Então,
falou alguma coisa com um dos policiais que estavam guardando a área e ele
me autorizou a entrar.
— Ah, Liz, que bom que veio.
— Assim que vi o noticiário, corri para cá — menti. — Mas o que
houve? Eles falaram de explosão. Tinha uma... bomba? — perguntei, ansiosa.
Apesar do visível abatimento, ela sorriu.
— Não, querida, quem iria colocar uma bomba em um orfanato? —
disse, convicta de que algo assim seria impossível.
— O que foi, então?
— Houve um curto-circuito lá onde era a antiga cozinha, lembra? —
perguntou e eu apenas assenti. — Os bombeiros disseram que teve uma
sobrecarga no circuito daquela ala, o problema foi que havia e restos de tinta
e solvente lá dentro. A sorte é que a quantidade de querosene era baixíssima e
as tintas eram a base de água, ou poderia ter sido pior.
— Quer dizer que estão todos bem?
— Graças a Deus, sim. Duas funcionárias que estavam por perto foram
atingidas por estilhaços, mas não houve nada de mais, apenas alguns
arranhões. De qualquer forma nós tivemos que enviar as crianças a um abrigo
aqui perto, elas só poderão voltar quando o Corpo de Bombeiros verificar
toda a fiação e se certificar de que não há perigo.
Suspirei e anuí, saber que estavam todos bem tirou um peso das minhas
costas.
Nós conversamos por mais alguns minutos e quando perguntei pelo
padre Norton, ela disse que ele estava com as crianças.
Como não poderia ajudar em nada, despedi-me dela e fiz o caminho de
volta à estação. Dessa vez, entretanto, andei bem devagar para poder pensar.
Claro que não havia sido um simples curto-circuito, eles fizeram tudo
de forma que parecesse um acidente e eu sabia que ninguém iria descobrir.
Quando meu celular voltou a tocar e o número bloqueado apareceu
novamente, eu apenas atendi, apática.
— Alô
— Acredito que agora você vai me levar a sério, não vai?
Todo meu corpo estremeceu.
— Vocês são todos uns desgraçados.
— Não perca seu tempo, mocinha, nada do que você disser irá fazer
diferença. O bem-estar dessas crianças, bem como dos Molina, depende de
você.
— Você mataria mesmo todas aquelas crianças?
— Sem pestanejar — afirmou e eu percebi que era verdade. — Mas
para provar que não sou tão mal assim e que confio que você não vai
arriscar a vida de tantos inocentes contando o nosso segredo, vou deixar que
se encontre com Stone quando ele estiver em Washington, neste fim de
semana. Use essas últimas horas para convencê-lo de que não o quer mais e
depois desapareça do mapa, ou da próxima vez, o curto-circuito acontecerá
nos alojamentos das crianças e eu não vou parar por aí.
Mais uma vez comecei a chorar no meio da rua, parecia que eu estava
vivendo em um pesadelo.
— E só para você saber, este é meu último aviso. Desapareça ou
aguente as consequências. Tique-taque — disse e desligou.
Tentei controlar meu choro e minha respiração, mas os batimentos do
meu coração estavam descompassados e o pânico que eu estava sentindo
fazia um suor gelado escorrer pelas minhas costas.
Eles tinham acabado de provar que para conseguir o que queriam,
seriam capazes de tudo, sem arrependimentos e sem o menor receio de serem
pegos.
Eu já sabia a coisa certa a fazer, mas, mesmo assim, meu peito se
apertou como nunca, só de imaginar que para salvar a vida das pessoas que
eu amava, teria que sacrificar meu coração.
Após uma semana cheia de compromissos e reuniões intermináveis, eu
finalmente estava em Washington.
Havia combinado de me encontrar com Liz no sábado, mas como
ficaria ocupado quase o dia todo com o pessoal do partido, trabalhei até mais
tarde todos os dias para que pudesse ir ainda na sexta-feira e tinha dado certo.
Para que pudesse se programar, mandei uma mensagem para ela logo
cedo falando da mudança de planos e mais tarde, antes de sair das Indústrias
Stone, avisei a hora da minha chegada.
Mal podia esperar para vê-la novamente.
Para meu desgosto, Liz não deixou que fôssemos buscá-la, disse que
preferia ir com seu motorista. Não entendi todo esse cuidado, uma vez que no
dia seguinte sua mãe ficaria sabendo do nosso relacionamento, mas respeitei.
Depois de instalado na suíte que possuía no Trump Internacional, tomei
um banho demorado e liguei para minha mãe para avisar que não estaria em
Nova York no fim de semana.
Ainda estava falando com ela quando bateram à porta.
Despedi-me rapidamente e fui abrir, sentindo-me pateticamente
ansioso. Sentimento que só piorou quando vi Liz do outro lado, tão linda
quanto eu me lembrava.
O vestido que usava tinha uma delicada estampa de lírios e os longos
cabelos que eu adorava estavam soltos. Como sempre, estava perfeita, mas
aquele brilho travesso que fazia parte de seu olhar não estava presente.
Analisando-a melhor, percebi que parecia um pouco abatida e só pude
associar ao estado de saúde de Stella que, pelo que Liz falara, ainda não
estava bem.
— Oi — ela disse com sua voz doce.
— Oi — respondi.
Minha vontade era de agarrá-la ali mesmo, na frente de Zed, mas em
vez disso, peguei sua mão e a levei para dentro.
Foi quando vi que ela tinha um tubo na mão.
— O que é isso?
— Ah, um presente para você — falou estendendo-o a mim.
Curioso, abri o tubo e tirei de lá uma tela, que eu imaginei ser dela.
Com cuidado, estendi-a sobre a mesa e tomei meu tempo analisando. A
imagem retratava um casal sentado à sombra de uma arvore e a forma como
foram posicionados, assim como a paisagem ao redor, me fizeram lembrar o
dia em que estivemos no Central Park.
— Somos nós? — perguntei.
Liz deu um leve sorriso e balançou a cabeça em concordância.
Voltei a olhar para a tela. Por mais comum que a imagem fosse, os
traços delicados, a simetria entre as cores primaveris das árvores, da grama e
do céu límpido, junto à maneira difusa como foram distribuídas e o contraste
perfeito entre sombra e luz, deixaram a paisagem romântica, embora um
pouco melancólica, nostálgica.
Quando dei por mim estava sorrindo, lembrando-me de um momento
extremamente feliz que passei ao lado da mulher por quem estava
apaixonado.
— É lindo, você é muito talentosa, Liz — falei com sinceridade,
realmente impressionado. — Muito obrigado.
— Fico feliz que tenha gostado, mas agora venha me dar um beijo,
estou morrendo de saudade.
— Não precisa pedir duas vezes.
Deixei a tela onde estava e puxei a linda mulher à minha frente para os
meus braços.
Quando nossas bocas se tocaram, foi simplesmente incrível. Depois de
Liz, eu notei a diferença que fazia estar com quem se gostava. Não havia
comparação e não dava sequer para explicar todas as sensações que ela me
causava.
Mas se alguém me pedisse para traduzir em apenas uma palavra, eu
diria que estava feliz. Realizado também poderia me definir. Assim como
agradecido, por tê-la encontrado.
— Senti tanto a sua falta... — ela sussurrou.
— Eu também. Não sei se vou conseguir continuar com essa rotina. Por
isso, tenho pressa em resolver esse assunto com a sua mãe.
Liz pegou minha mão e mordeu o lábio.
— Podemos falar de coisas desagradáveis depois? Hoje eu preciso de
você, de nós...
Concordei imediatamente. Também queria matar uma semana de
saudade antes de tratar de assuntos indesejados.
Ela me abraçou apertado e depois ficou olhando para o meu rosto por
longos segundos.
— O que foi?
— Eu acho você maravilhoso, Harry.
Estranhamente, seus olhos ficaram marejados.
— Ei, está tudo bem?
— Sim, tudo. É que fico meio boba quando estou perto de você.
Sem que eu esperasse, Liz ficou nas pontas dos pés e mordeu meu lábio
inferior. Então, arrastou a boca por meu maxilar até chegar à minha orelha.
— Faça amor comigo — sussurrou.
Meu corpo correspondeu no mesmo instante, ainda assim, alguma coisa
no tom de sua voz me deixou em alerta, todavia, com Liz me beijando, foi
impossível pensar com coerência. Naquele momento, tudo o que eu queria
era amá-la.
Enquanto me beijava, ela foi desfazendo o nó da minha gravata e
desabotoando os botões da minha camisa.
Segui seu exemplo e desci o zíper de seu vestido. Antes que ela
chegasse ao meu cinto, o tecido deslizou por seu corpo, deixando-a apenas de
calcinha.
Conforme ela me livrava das roupas restantes, senti-me orgulhoso por
finalmente ter deixado alguém derrubar minhas barreiras, não uma pessoa
qualquer, mas uma mulher como Liz, tão parecida com as mulheres da minha
família em vários aspectos, cheia de valores elevados que me deixavam mais
apaixonado a cada dia.
Quando ficamos completamente nus, Liz passou os olhos pelo meu
corpo e, pela primeira vez naquela noite, seu olhar travesso apareceu, pouco
antes de ela cair de joelhos à minha frente.
Eu já sabia o que faria, mas quando meu pau deslizou para dentro
daquela boca quente e macia, eu fui à loucura.
Gentilmente guiei seus movimentos enquanto ela me ordenhava,
engolindo um pouquinho mais a cada sugada, o que fez com que, em poucos
segundos, eu já estivesse a ponto de explodir.
Só que eu não faria isso, não por enquanto, queria aproveitar cada
momento com ela. Puxei-a para que ficasse de pé.
— Você é perfeita — falei e a beijei com voracidade.
Deslizei as mãos por suas costas e me deliciei com a maciez de sua pele
e os arrepios que acompanhavam o caminho percorrido pelos meus dedos.
Nosso nível de conexão era fortíssimo, eu adorava o jeito como ela
reagia quando estava em meus braços e ainda me espantava com a rapidez e
força com que o meu reagia a ela.
— Hum, assim — balbuciou quando deslizei os dedos para seu centro,
já completamente pronto para mim.
Antes, porém, eu queria prová-la.
Peguei-a no colo, depositei-a na cama, afastei suas coxas e me agachei.
Usei dois dedos para entreabrir suas dobras e no momento em que minha
língua tocou seu ponto mais sensível, Liz arfou e ergueu o quadril, me
obrigando a segurá-lo no lugar.
— Quietinha — pedi e ela gemeu, já sabendo o quanto isso seria difícil.
Voltei ao meu intento, mas dessa vez com voracidade, a língua
entrando em seu canal apertado enquanto ela se contorcia sob meu jugo.
Foram necessários poucos segundos para estar estremecendo e gritando.
Quando seus espasmos acabaram, comecei tudo de novo. Sentir o gosto
de seu prazer quase me enlouqueceu. Ao perceber que estava chegando ao
orgasmo novamente, ouvi-a chamar meu nome.
— Entra em mim. Quero que esteja dentro de mim na próxima vez que
eu gozar.
Ouvir aquilo fez um rugido meio selvagem sair de minha garganta.
Levantei-me e a ajustei de bruços no centro da cama, de modo que ela
pudesse me sentir com mais intensidade.
Vê-la naquela posição me deixou ainda mais excitado, não só por seu
corpo magnífico, mas também por saber que apenas eu a tinha visto daquele
jeito, que apenas por mim ela gemeu de prazer e que apenas para mim ela se
entregou sem reservas.
Tudo o que eu estava sentindo piorou quando Liz abriu um pouco mais
as pernas. Com outro rugido e uma arremetida, eu estava completamente
enterrado, arrancando arquejos de ambos.
Comecei a investir dentro dela, mas a minha garota já estava em seu
limite e segundos depois gozava mais uma vez, pulsando em torno do meu
pau, o que requereu de mim todas as minhas forças para não acompanhá-la.
Quando ela se acalmou, voltei a entrar e sair, deleitando-me com sua
maciez. Cobri seu corpo com o meu e, tomado pelo deleite de estar dentro
dela, falei em seu ouvido:
— Você foi feita para mim, Liz, para me dar prazer, olha como deslizo
fácil dentro de você.
— Eu sonhei com isso a semana toda — disse ela, manhosa, a voz
entrecortada.
Sabendo que não duraria muito mais tempo, saí rapidamente de dentro
dela e a virei de barriga para cima, queria ver seu rosto quando estivesse
gozando.
Liz gemeu quando voltei a penetrá-la e logo suas mãos estavam em
minhas costas, as unhas arranhando minha pele e me deixando
completamente alucinado.
Aumentei as incursões, movendo-me cada vez mais rápido, fazendo-a
se agarrar ainda mais a mim.
— Ah, Harry... — sussurrou, elevando os quadris para conseguir mais
contato.
O movimento me possibilitou ir mais fundo e também fez com que seu
clitóris fosse atingido a cada vez que entrava nela.
Então, pela terceira vez, Liz gozou.
Com muito custo me segurei até que ela se acalmasse, mas antes
mesmo de seus espasmos terminarem, saí de dentro dela e esporrei, dessa vez
sobre sua barriga lisa, travando os dentes enquanto meu corpo chegava ao
ápice.
Era ótimo gozar de maneira natural, sem interrupções, mas ao mesmo
tempo, ver a prova do prazer que ela me fazia sentir sobre sua pele, era
indescritível, primitivo, como se a estivesse marcando como minha.
Quando consegui controlar a respiração, saí do meio de suas pernas e
me levantei.
— Deixe-me pegar alguma coisa para dar um jeito na bagunça que fiz.
Liz sorriu e continuou parada.
Após limpar tudo, peguei-a no colo e a levei para o chuveiro, onde
tomamos um delicioso banho quente.
— Como será seu dia amanhã? — perguntou, já deitada contra meu
peito.
— Cheio de reuniões com os caciques do meu partido, nada muito
interessante.
— Para você, é, sei o quanto ama esse universo — afirmou, girando a
cabeça para me fitar.
— Sim, você está certa — confirmei. — Queria que dormisse comigo
— falei após alguns minutos.
— Eu sei, mas prefiro não atropelar as coisas.
Eu apenas assenti. Depois que conversasse com Eleanor, tudo mudaria.
E já estava na hora. Minha candidatura seria oficialmente anunciada e
esperava fazer o mesmo com nosso noivado em seguida. Mas só faria o
pedido oficial a Liz quando tudo estivesse acertado, tanto com sua mãe
quanto com o partido.
Havia tensão para todos os lados, de forma que achei melhor tratar de
cada assunto em seu devido tempo.
Continuamos deitados, mas eu estava muito cansado e por mais que
quisesse aproveitar nosso tempo juntos, as horas que passei trabalhando a
mais naquela semana começaram a cobrar seu preço e acabei dormindo e
despertando várias vezes.
Numa delas, lembrei-me de que acabei não perguntando o que a estava
incomodando, mas sabia que no estado em que me encontrava, não
conseguiria falar sobre nada sério e desisti, perguntaria depois.
Então, a certa altura, senti-a acariciando meu rosto e falando, com sua
voz doce: nunca se esqueça do quanto eu te amo.
Eu queria corresponder, mas, novamente, fui engolido pelo sono.

Quando acordei, várias horas depois, estava completamente


descansado.
Instintivamente deslizei a mão para o lado em busca de um corpo
delicado que, infelizmente, não estava mais ali.
Passei os olhos pela suíte e tudo estava silencioso, exceto pelo pouco
ruído proveniente da rua.
Eu já sabia que Liz não dormiria comigo, mas fiquei chateado por não
ter sido acordado, preferiria eu mesmo tê-la levado para casa. Meu consolo
era saber que seu motorista a pegaria na porta do hotel assim que ela ligasse.
Levantei-me e somente nessa hora notei que a manhã já estava alta; ao
verificar meu telefone, constatei que já eram quase 10h30 da manhã.
Não me lembrava de já ter dormido tanto.
Mas esse era o efeito de estar com Liz, eu relaxava ao ponto de me
esquecer da vida.
Sorri. Logo esse negócio de acordar sozinho iria acabar. A partir
daquele dia, eu a queria ao meu lado todas as noites.
Depois de fazer minha higiene, tomei um banho e, antes de ir me vestir,
pedi um café leve, que não demorou a chegar.
Como fazia todas as manhãs, degustei meu desjejum enquanto lia os
jornais. Após terminar, fui checar meu e-mail, o que me deu algo pra fazer
até ter que sair para me encontrar com a cúpula do Partido Republicano.
Tinha chegado a hora de lhes informar as decisões que havia tomado
uma semana atrás junto com Blake, Allen, e todos os estrategistas que
cuidariam da minha campanha, ou seja, que minha candidatura seria
anunciada na semana seguinte e que, alguns dias depois, eu divulgaria meu
noivado com Elizabeth Reagan.
Não precisava dizer que ao ouvir a última parte Lexy, Cathy, Allen e,
especialmente, os políticos que estavam me apoiando, foram completamente
contra, mas eu já havia conversado com o diretor de marketing e ele tinha
certeza de que com pouca coisa conseguiríamos transformar Liz na potencial
primeira-dama mais amada do país e era nisso que eu me apegaria.

Exatamente como havia imaginado, ouvi todo tipo de desculpa do alto


escalão do partido no que se referia a Liz. Foram horas e horas de reunião
onde a todo momento alguém fugia do tema que estava sendo abordado para
dar sua opinião com relação à minha namorada, o que começou a me irritar.
Só que eu já estava preparado e deixei meu ponto de vista mais do que claro a
todos eles, ninguém me dissuadiria do que eu queria, era isso ou nada.
Felizmente para mim e infelizmente para eles, eu era a melhor aposta
que tinham, de modo que, apesar das caras feias, todos tiveram que
concordar.
Agora era hora de me preparar para outra batalha, pensei enquanto
me vestia pela segunda vez naquele dia.
Estava ajustando meu relógio no pulso quando vi o tubo que continha a
pintura que Liz me dera apoiado em uma das cadeiras.
Abri-o novamente, curioso para ver seu trabalho sob a pouca luz que
ainda restava no dia, mas, para minha surpresa, junto com a tela veio um
envelope.
Eu tinha certeza de que ele não estava ali quando o abri na noite
passada e na mesma hora senti minha coluna gelar.
Alguma coisa me dizia que eu não gostaria do que encontraria, mesmo
assim, voltei a colocar a tela dentro do tubo e fui até a cama, onde me sentei
antes de abrir o envelope e tirar um papel lá de dentro.
Com dedos incertos, desdobrei a folha e vi que se tratava de uma carta
de Liz.

Harry,
Não sei a que horas você achou esta carta. Se foi antes de ir até
minha casa, peço desculpas, mas não me encontrará lá. Se foi depois de
já ter falado com Eleanor, peço perdão, pois, provavelmente, já deve
estar louco, sem saber o que realmente aconteceu.
Eu sei que devia ter conversado com você pessoalmente, mas sou
covarde, se estivesse olhando para seu rosto bonito, jamais teria
coragem de dizer tudo o que precisava, por isso, resolvi escrever.
Após a semana fantástica que passei com você em Nova York, eu
refleti muito a respeito de minha vida.
Eu sempre me senti como um pássaro, presa em uma gaiola, ou
como um cão adestrado, sempre recebendo ordens. Especialmente
depois da a morte do meu pai. Grande parte da minha infância, toda a
minha adolescência e o início da minha vida adulta, eu passei sendo
dominada pela mulher que deveria ter me amado, mas que, em vez
disso, sempre me tratou como um objeto.
Como você sabe, eu nunca tinha viajado, na verdade, mal saí de
casa, a não ser para lugares predeterminados, então, a semana que
passei longe de Washington e, principalmente, longe da minha mãe, me
fez perceber que eu não poderia voltar àquela vida. Que eu precisava
dar ouvidos ao sentimento que vem me inquietando há muitos e muitos
anos.
É embaraçoso para uma mulher de 23 anos admitir, mas eu nunca
tive liberdade para fazer escolhas, sempre fui tolhida em cada desejo
que tive, tudo isso por medo de que minha mãe cumprisse suas ameaças.
Uma pessoa de fora pode dizer que eu estou exagerando, que se a
tivesse confrontado, não teria sofrido por tantos anos, mas somente
quem conhece Eleanor Reagan sabe que ela não blefa. Além disso, ao
menos na infância e início da adolescência, eu quis cumprir a promessa
que fiz ao meu pai, um homem bom que não tinha ideia da mulher com
quem se deitava todos os dias.
Só que após tantos anos de sofrimento, alguma coisa mudou em
minha cabeça, e isso apenas piorou depois que o conheci. Conviver com
você despertou algo dentro de mim e me fez perceber que ser sua
primeira-dama deve ser o desejo de metade das mulheres desse planeta,
mas não o meu.
Eu preciso de liberdade, Harry, o tipo de liberdade que sempre
sonhei, de conhecer pessoas e culturas diferentes, mas sem estar sendo
observada pelo mundo inteiro.
Não me entenda mal. Meus sentimentos por você são reais e só de
escrever estas palavras, sinto como se meu coração sangrasse, mas eu
jamais conseguiria viver sob tantas regras, eu me sentiria sufocada e,
cedo ou tarde, isso acabaria com o nosso relacionamento.
Por outro lado, eu jamais pediria que renunciasse ao seu sonho
para ficar comigo, seria injusto e mesquinho de minha parte.
Saiba que não foi fácil tomar essa decisão, na verdade, talvez
tenha sido a mais difícil da minha vida, pois você foi a melhor coisa que
já me aconteceu, só que eu quero mais. Eu preciso ter experiências reais
e não vou conseguir isso se estiver sob vigilância 24h por dia e muito
menos trancada na Casa Branca.
Esse é o seu sonho, não o meu.
Por isso, peço que, por favor, não me procure, nossas expectativas
são totalmente diferentes e por mais que gostemos um do outro, em
algum ponto de nossas vidas, nossas diferenças iriam nos separar.
Eu amo você com todo o meu coração, mas, nesse momento,
preciso amar a mim mesma e, ao menos uma vez na vida, fazer minhas
próprias vontades. E o que meu eu mais quero neste momento é
liberdade de fazer o que sempre desejei.
Sei que o que vivemos foi intenso, porém, foram apenas dois
meses, meses esses que para uma garota inexperiente como eu, nunca
serão esquecidos, mas que para um homem vivido como você,
certamente não farão diferença.
Eu desejo boa sorte na sua campanha e espero que encontre
alguém que o complete em todos os sentidos e o faça feliz, como você me
fez nesses dias em que estivemos juntos.
Sempre sua,
Liz.
A carta de Liz me deixou completamente desestruturado, simplesmente
porque não fazia sentido, ela jamais me deixaria daquela forma, ainda mais
depois da noite que tivermos.
Em um primeiro momento eu liguei, queria entender o porquê de uma
pessoa que sempre foi tão verdadeira comigo, ter ido embora assim.
Quando caiu na caixa postal todas as vezes, resolvi ir à sua casa. Se ela
não estivesse lá, talvez conseguisse alguma informação com Eleanor.
— Está tudo bem, senhor? — Zed perguntou quando me encontrou no
saguão do hotel.
— A que horas Elizabeth saiu daqui ontem à noite?
— Por volta de duas da manhã.
— E você viu com quem ela foi embora?
— O motorista dela. Vai me dizer o que está acontecendo?
— Eu ainda não sei, mas pretendo descobrir.
Ele franziu o cenho, porém, permaneceu calado.
O caminho até a casa de Elizabeth nunca pareceu tão longo e minha
ansiedade por respostas era tanta, que mal o carro parou, já estava saltando.
Subi os degraus da escada correndo e apertei a campainha repetidas
vezes.
Para meu espanto, quem abriu a porta foi a própria Eleanor, que não
pareceu nem um pouco surpresa com a minha presença.
— Boa tarde, Sr. Stone.
— Preciso falar com a Liz.
— Ela não está.
— E para onde ela foi?
— Eu não sei, acordei esta manhã e não havia ninguém e seu closet
estava vazio.
— E isso quer dizer...
— Que ela foi embora.
— Liz não pode ter meramente ido embora — afirmei, ciente de que
estava tentando enganar a mim mesmo.
Eleanor me encarou com seus olhos de águia e deu um sorriso
maléfico.
— Meu Deus, Elizabeth conseguiu enganá-lo direitinho, não é, Sr.
Stone. Bom, odeio ser a portadora de más notícias, mas o senhor não era o
único no radar dela.
— Não estou entendendo.
— Você não era o único cara rico com quem minha filha estava saindo.
Então, só posso supor que tenha ido embora com quem ofereceu mais, pois
levou os mortos de fome que trabalhavam aqui junto com ela.
— Eu não acredito nisso. Liz não é como você, diga-me o que fez com
ela! — Eu praticamente gritei, perdendo a paciência.
Eleanor não se importou com meu destempero e soltou uma risada.
— Você acredita mesmo que ela passou a vida toda comigo e não
aprendeu nada, bobinho? Elizabeth Reagan é uma caça tesouros, que para sua
sorte, ou azar, odeia política. Isso quer dizer que você nunca seria a escolha
ideal, a não ser que ela não tivesse outras opções.
Aquela história parecia tão absurda que quando dei por mim, estava
chamando por Liz.
— Pode berrar, revistar, fazer o que quiser, mas não a encontrará —
afirmou com calma. — Quer saber o que é mais irônico? Eu dei um jeito para
ela conhecer todos esses homens, exatamente como fiz com você e, no final,
acabei ficando com uma mão na frente e outra atrás.
Isso me chamou a atenção.
— Se o que diz é verdade, você sabe com quem ela está.
À minha declaração, outra gargalhada meio enlouquecida soou dela.
— Se não fosse por uma amiga, que os viu juntos, acho que nunca teria
sabido a respeito do senhor, então, como poderia saber dos outros. Já
apresentei Elizabeth a dezenas de homens, seria impossível saber com quem
ela manteve contato e muito menos com quantos estaria saindo ao mesmo
tempo.
— Liz seria incapaz de fazer uma coisa tão sórdida.
Ela bufou e balançou a cabeça, lançando-me um olhar falsamente
piedoso.
— Por mais raiva que eu esteja sentindo de minha filha agora, preciso
admitir que ela saiu melhor que a encomenda. Sem eu perceber aquela sem
sal se tornou uma vigarista de primeira, do tipo que consegue enganar o mais
esperto dos homens — escarneceu.
Não, não, não!
Aquilo não estava certo.
— Lion! — falei, de repente, sentindo um fio de esperança.
— O quê?
— Lion, o cachorro — expliquei e Eleanor deu uma fungada de
desdém.
— Você acha mesmo que ela iria embora e deixaria aquele pulguento
aqui sabendo que eu descontaria toda a minha raiva nele?
Liz não mentiu quando disse que a mãe não aprovaria o cachorro, vi
isso na forma como a mulher o olhou naquele dia, então, seria impossível que
ela o deixasse para trás.
E ele não estava ali, e sua dona também não.
Por mais que me negasse a deixar Eleanor me enganar com suas
palavras venenosas, cada vez mais, uma sensação horrível tomava conta do
meu corpo.
Meio desesperado, saquei o celular do bolso e, mais uma vez, liguei
para Liz.
— Siga o meu conselho e não perca seu tempo, querido. Elizabeth já
queria se livrar do meu domínio há muito tempo, tudo o que precisava era de
alguém com grana o suficiente para bancar tanto a ela quanto aos imigrantes
que a ingrata chama de família. A partir do momento em que saiu daqui, ela
fez uma escolha que não incluía nem você e nem a Casa Branca. Minha filha
jamais trocaria uma prisão por outra, a não ser que não encontrasse nada
melhor. E, pelo que estamos vendo, encontrou.
Esse argumento me fez pensar.
Era terrível imaginar a garota que conheci como uma interesseira, mas
o veneno de Eleanor era potente e me peguei lembrando do tempo em que
estivemos juntos.
Liz gostava de mim, era nítido, ninguém conseguiria fingir daquele
jeito, mas se fosse muito sincero comigo mesmo, assumiria que nunca houve
empolgação de sua parte no que se referia a ser minha primeira-dama. Pelo
contrário, a possibilidade sempre a assustou muito.
E, mesmo concluindo tudo isso, eu me negava a acreditar que fora tão
ingênuo assim. Preferia crer que tudo não passava de uma armadilha de
Eleanor, na qual eu me recusava a cair.
— A Liz que eu conheço jamais faria isso comigo — afirmei,
aproximando-me da mulher odiosa à minha frente. — Então, escute bem, se
por acaso eu descobrir que você tem alguma coisa a ver com seu sumiço, é
bom que esteja preparada, pois vou usar todo o meu poder e influência para
acabar com a sua raça.
Eleanor estremeceu, mas logo voltou a me lançar seu sorriso
pernicioso.
— Eu já disse que desconheço seu paradeiro, então, se conseguir entrar
em contato com ela, faça o favor de lhe dizer para devolver meus serviçais.
Antes que fizesse algo de que me arrependeria, virei as costas e
comecei a me afastar.
— Harry.
Parei ao ouvir meu nome, mas não me voltei para ela novamente.
— A Liz que você conhece não existe. Nunca existiu — completou.
Senti um nó se formar em minha garganta e tive que respirar fundo
algumas vezes antes de prosseguir em direção à porta e para o mais distante
que pudesse daquela casa.
Os primeiros minutos do trajeto até o hotel foram feitos em total
silêncio, comigo olhando para além da janela, mas sem enxergar nada, pois
minha cabeça estava a mil, tentando definir o que fazer e no que acreditar.
Quando, por fim, tomei uma decisão, olhei para cima e me deparei com
os olhos preocupados de Zed através do retrovisor.
Sem perda de tempo, liguei para Rurick Czar e expliquei a situação.
Estava determinado a tirar essa história a limpo, para o bem ou para o mal, e
ele era a minha melhor aposta. Se sua agência não conseguisse encontrá-la,
ninguém conseguiria.
Balancei a cabeça, ainda atordoado, e voltei a olhar para fora.
Liz não pode ter me enganado dessa forma, pensei, porque me negava
a acreditar que ela tivesse ido embora com outro homem... Não fazia sentido.
Mas, então, nada fazia sentido. Por isso mesmo minha mente não
parava de bolar conjecturas, das mais simples às mais descabidas.
Em minha ânsia de encontrar razões plausíveis para tudo aquilo,
convenci a mim mesmo de que Eleanor tinha vendido a própria filha, afinal
de contas, se tudo o que Liz me contou fosse verdade, isso era bem possível.
Mas e se Eleanor estivesse certa e nada do que aconteceu entre mim
Elizabeth Reagan naqueles dois meses tivesse sido real?
Essa dúvida me acompanhou pelo restante do sábado, enquanto
aguardava, esperançosamente, que Liz entrasse em contato e me explicasse o
que estava acontecendo.
Minha melancolia aumentava na mesma proporção em que a garrafa de
uísque que abri assim que cheguei ia secando. Especialmente quando me
lembrava o quanto ela estava feliz em meus braços, apenas um dia atrás,
naquela mesma suíte.
Seus olhares, seus sorrisos... Essas lembranças deixavam meu coração
cada vez mais apertado.
Tinha certeza de que nunca me sentira tão triste, preocupado, ansioso.
Para a tortura ser maior, perdi a conta de quantas vezes li aquele pedaço
de papel tentando achar algum erro, algum deslize, alguma coisa que me
fizesse perceber que tudo aquilo era um grande mal-entendido.
Mas, então, começava a lembrar de todas as vezes em que falei da Casa
Branca, da necessidade de uma esposa e tantas outras coisas referentes à
política.
Liz sempre me escutava e torcia por mim, por meu sonho, mas nunca se
mostrou animada com seu potencial papel ao meu lado. E eu, entusiasmado
com ela, não quis ver o que estava bem na minha frente.
Essa mistura de sentimentos me instigou a continuar bebendo.
Em algum momento o álcool me venceu, pois, quando acordei, tinha
uma dor aguda e latejante em cada têmpora, intensificada pelo estrondo que
reverberava dentro da minha cabeça.
Quando consegui abrir os olhos e me situar, percebi que já era dia e que
não havia estrondo algum, apenas alguém batendo à porta com muita
insistência.
— Harry, sou eu, abre — disse Lexy.
Suspirei, não me espantava que ela estivesse ali, uma vez que toda a
equipe de Nova York havia me acompanhado para que pudéssemos acertar os
últimos detalhes sobre o anúncio.
O que estranhava era que só tivesse aparecido naquele momento,
quando o normal seria estar no meu pé desde que voltei, na noite anterior.
Levantei-me e fui abrir a porta.
— Entre — falei.
Não queria receber ninguém, mas estava louco para ter com quem
brigar, a quem culpar.
Lexy foi ao frigobar, pegou uma garrafa de água e a entregou a mim
juntamente com dois comprimidos.
Resmunguei alguma coisa que se pareceu muito com um ‘obrigado’ e
tomei o remédio, junto com todo o conteúdo da garrafa.
Quando nossos olhares se encontraram, percebi que ela já sabia.
— Harry, eu...
Dispensei seu comentário e fui para o banheiro. Precisava de alguma
normalidade e começaria seguindo minha rotina diária.
Após um banho relaxante e, ao mesmo tempo, torturante, já que via Liz
em todo lugar, retornei ao quarto, apenas para encontrar Lexy sentada na
cama, lendo a carta que, àquela altura, estava toda amassada.
— Não sei o que dizer.
— Diga que está feliz por ter conseguido o que queria — falei,
amargurado.
Eu estava louco de ódio e não seria condescendente com ela.
— Nunca escondi que não achava Liz boa o bastante, mas se ela fosse
mesmo o que você queria, eu teria ajudado a transformá-la em uma primeira-
dama perfeita.
— Vai para o inferno! — berrei, alto o bastante para Zed ouvir e entrar.
— Agora que Liz me deixou, é muito fácil falar que me apoiaria. Por que não
pensou nisso quando foi lhe mostrar aquele maldito contrato! — gritei
novamente e a vi estremecer.
Fechei os olhos e respirei fundo, tentando manter o controle, mas as
circunstâncias não estavam ajudando.
Peguei a garrafa de uísque que jazia no chão, ao lado da minha cama,
servi uma dose em um copo e me posicionei em frente à janela. Não queria
olhar para ela.
— Veja bem, Harry, eu sei que é meu chefe. Sei também o quanto é
difícil levar um fora, mas, porra, você está prestes a entrar numa disputa
ferrenha por algo que sempre foi sua meta de vida, não vá começar a surtar
por uma mulher que conheceu outro dia, é hora de focar no que realmente
vale a pena.
— E quem te disse que ela não vale?
Lexy torceu a boca em desgosto.
— Você enlouqueceu! — exclamou, irritada.
— Lexy, volte para Nova York e cuide de tudo por lá — pedi com mais
educação do que ela merecia, já que na minha cabeça, minha amiga de
infância era uma das responsáveis pela decisão que Elizabeth tomou.
— Como é? Quer dizer que você não vai voltar com a gente? —
Quando não respondi, ela continuou: — A garota deixou mais que explicado
naquela carta que não quer essa vida! Pelo amor de Deus, Harry, você tem
que seguir em frente.
Suas palavras me fizeram lembrar da época em que eu não costumava
pensar duas vezes nas mulheres que passavam por minha vida.
O que ela não entendia era que eu estava completamente apaixonado
por Elizabeth Reagan e não conseguiria, simplesmente, seguir em frente.
— Apenas faça o que estou mandando — pedi, cansado.
— Mas...
— Lexy, pelo menos uma vez na vida, siga uma ordem! — a voz de
barítono de Zed fez minha assessora arregalar os olhos e abrir a boca de
espanto.
Se não estivesse tão chateado, teria rido de sua cara. Era a primeira vez
que Zed falava com ela dessa forma e eu podia imaginar o quanto estava
absorta.
Lexy ainda olhou para mim em busca de apoio, mas meu olhar duro lhe
tirou qualquer esperança e, no instante seguinte, ela tinha ido embora.
Olhei para meu guarda-costas e amigo e meneei levemente a cabeça,
como agradecimento. Ele espelhou meu gesto com a mesma sutileza de
movimentos e me deixou sozinho.
Como ainda estava apenas com a toalha de banho na cintura, fui ao
guarda-roupas e vesti uma boxer e uma calça.
Depois, peguei meu celular e liguei para Czar, precisava saber se ele
tinha alguma novidade.
Infelizmente as notícias não eram otimistas.
Ele prometeu que estava fazendo o impossível, mas que ainda não tinha
achado nada, nem referente a ela e nem a nenhum membro da família
Medina. Mas ele estava confiante. O sistema que a RC-2 utilizava era de
última geração, e conseguiria detectar seu rosto, mesmo que ela estivesse
disfarçada. Se Liz pegasse um avião, ônibus ou até mesmo metrô, ele
conseguiria localizá-la, pois sua agência estava conectada com o sistema de
monitoramento interno de todos os aeroportos, rodoviárias e estações.
Sei que deveria me incomodar com isso, mas, nesse caso, eu não
poderia estar mais contente por tê-lo ao meu lado.
Olhei ao redor da suíte, e após encontrar a garrafa de uísque e o copo
que ainda continha uma boa quantidade do líquido âmbar, peguei os dois e
fui para a cama, onde me encostei à cabeceira, pensativo.
Quando fui encher o copo novamente, meus olhos se desviaram para a
carta que estava dobrada sobre a mesa de cabeceira.
Tive vontade de lê-la outra vez, mas minha cabeça voltou a me
bombardear com as palavras de Eleanor.
Quem estava falando a verdade?
Não sei quanto tempo fiquei ali, pensando mil coisas e entorpecendo
meus sentidos com álcool, até que, enfim, a garrafa estava vazia.
Minha vontade era pegar outra, mas não tinha ânimo nem para isso.
Algum tempo depois, voltaram a bater na porta e, antes que eu
dispensasse quem quer que fosse, ela foi aberta e soube que só poderia ser
Zed.
Ele começou a se aproximar, porém, não olhei em sua direção.
— Senhor? — Sua voz era baixa, cautelosa, mas continuei como
estava. — Harry! — falou, e isso atraiu minha atenção. Zed raramente me
chamava pelo nome.
Quando me virei, sua expressão estava séria. Na mesma hora senti o
coração acelerar. Alguma coisa havia acontecido.
— O que houve — quis saber, saindo de minha posição quase deitada.
— É a Srta. Reagan.
— Liz? — perguntei, pondo-me de pé imediatamente. — Ela voltou? O
que...
— Não, ela não voltou — disse ele, enfatizando as palavras, de modo
que eu prestasse atenção —, mas me deixou uma mensagem de voz —
explicou, mostrando seu celular.
Achei estranho o fato de ela entrar em contato com Zed após ter ido
embora, mas assenti, mesmo intuindo que ouvir aquilo não me faria bem.

“Oi, Zed, é a Liz. Primeiramente, quero pedir desculpas. Sei que as


coisas não devem estar muito fáceis no momento. Eu prometi a mim mesma
que não entraria em contato com ninguém, mas, como está vendo, não
consegui cumprir.”

Liz riu um pouquinho, e eu fechei os olhos, fingindo que ela estava ao


meu lado.

“Eu não sei porque, mas senti que precisava te falar que sempre fui
verdadeira com Harry. Se... se apenas gostar resolvesse todos os problemas,
eu teria ficado, mas, infelizmente, as coisas não são tão simples.”

Havia um tom melancólico em sua voz... Sua tristeza era tão parecida
com a minha, que senti os olhos arderem e a garganta se fechar, mas respirei
fundo, engoli o nó que se formou e me controlei para escutar o resto.

“Estou falando tudo isso porque preciso te pedir uma coisa. Por favor,
cuide dele para mim. Sei que isso é meio ridículo, afinal, Harry já é um
homem feito e em pouco tempo nem se lembrará que eu existo, mas não
conseguiria ficar em paz sem saber que ele terá alguém nesses primeiros
dias.”

Ela suspirou tão profundamente que deu para escutar.

“Bom, é isso. Espero, de coração, que ele realize seu grande sonho,
estou torcendo muito. Também desejo que encontre alguém que o faça feliz.
Harry merece ser feliz.”

As últimas palavras foram ditas com dificuldade.


Após uma pausa maior, ela continuou:

“Ah, eu sei que isso vai se parecer muito com alguns filmes clichês,
mas vamos lá: Não procurem por mim, eu não vou voltar. Também não
tentem me ligar, porque após esta mensagem, irei destruir o chip do
celular.”

Ela riu novamente e, mais uma vez, meu coração faltou saltar do peito.

“Gostei muito de te conhecer e fico agradecida por saber que ele tem
alguém como você para apoiá-lo. Adeus, Zed.”

E, assim, Liz acabou de destruir qualquer esperança que eu ainda


tivesse.
Eu escutei a mensagem novamente, apenas para me torturar mais um
pouquinho. Mas isso serviu para ver que ela realmente não me queria mais.
Saí de perto de Zed e andei até a sacada. Precisava respirar um pouco
de ar.
Logo, senti sua presença atrás de mim. Ele devia estar preocupado,
achando que eu faria alguma besteira. Mas isso não aconteceria, jamais me
prejudicaria por uma mulher que sequer teve a decência de terminar tudo
comigo pessoalmente. Que preferiu fugir como uma covarde.
— Eu estou bem, Zed. Pode ir, não pretendo pular daqui — afirmei,
olhando para trás a fim de que ele visse em meu olhar que estava falando a
verdade.
Ele respirou fundo, assentiu e começou a se afastar.
Eu podia apostar que nem fecharia completamente a porta para que
pudesse ouvir a qualquer sinal de problema.
Minutos depois voltei à suíte e meus olhos foram atraídos para a
maldita carta que continuava dobrada sobre a mesinha, inerte, inocente, como
se seu conteúdo não tivesse virado meu mundo de cabeça para baixo.
Com a fúria exalando pelos meus poros, peguei-a, prestes a deixá-la em
pedaços, mas logo me refreei, precisava de algo tangível que me lembrasse o
quanto fui enganado.
Guardei-a no bolso, peguei a garrafa que me acompanhou durante meus
momentos de desespero e a joguei do outro lado do quarto. Fiz a mesma coisa
com o copo e com o abajur que também estavam em cima da mesa de
cabeceira.
Era incoerente e dramático, mas tudo o que queria era aplacar um
pouco a dor de ter sido abandonado.
Quando ouvi a porta se abrir, sentei-me na cama, coloquei a cabeça
entre as mãos e permaneci assim por um bom tempo, até me acalmar.
— Ligue para o piloto e mande-o me esperar. Nós estamos indo para
casa — falei.
Zed voltou a me deixar sozinho e quando entrou novamente, vários
minutos depois, eu já estava completamente pronto para deixar aquele quarto
e, esperançosamente, as lembranças da mulher que partiu meu coração.
Estava chegando a hora de a corrida começar e eu me sentia aliviada
por saber que, agora, teríamos chances de ganhar.
No dia em que eu soube que Elizabeth Reagan finalmente caíra na real
e libertara Harry, comemorei internamente, afinal, era o que todos nós
queríamos, pois não existia qualquer possibilidade de vencer uma eleição de
tamanha grandiosidade com ela ao seu lado.
Obviamente que ele me culpou pela decisão de sua amada, aliás, culpou
a todos nós, o único que ficou ileso foi o intocável Zed.
Isso me incomodava? De forma alguma. Havia interesses muito
maiores e eu não daria uma de coitadinha injustiçada, mesmo achando que
estava certa.
Minha felicidade, entretanto, foi se transformando em preocupação
quando Harry se trancou em sua cobertura assim que chegou de Washington,
dizendo que não receberia ninguém, e ela apenas aumentou quando a
segunda-feira chegou e ele não foi trabalhar.
Eu liguei inúmeras vezes até que me cansei e resolvi ir lá, mas fui
proibida de entrar.
Isso me chateou? Claro que sim. Mas Harry precisava ter a quem
direcionar sua frustração e por ser a mais chegada, eu seria seu alvo principal.
E aguentaria tudo o que me jogasse, pois acreditava que quando a fase
da depressão passasse, ele voltaria ao normal e finalmente poderíamos
retomar os planos de campanha, pois era isso que importava.
Só que mais dois dias se passaram sem que ele aparecesse.
Todo o alto escalão das Indústrias Stone estava cuidando do que se
referia ao conglomerado, mas havia dezenas de outras coisas que só poderiam
ser feitas depois que passassem pelo aval do presidente da empresa.
E foi por causa disso que entrei em contato com Romeo Stone.
Ele, obviamente, não sabia de nada do que estava acontecendo e eu não
entrei em detalhes, apenas disse que Harry estava passando por um período
ruim e que, talvez, estivesse precisando conversar com alguém.
Esperto e vivido como era, perguntou a respeito de Elizabeth e quando
dei de ombros, ele logo percebeu o que estava acontecendo.
Contudo, me surpreendeu quando pediu que eu não comentasse nada
com tia Julie. Disse que sabia exatamente pelo que o filho estava passando e
lhe daria mais um tempo, antes de ir conversar com ele, coisa que não
aconteceria se sua esposa soubesse.
Também garantiu que tomaria conta da empresa enquanto isso, disse
que seria uma ótima oportunidade de inteirar Dominic dos assuntos mais
importantes.
Sua atitude me tranquilizou um pouco, mas não desfez minha
apreensão. Harry estava mais envolvido do que eu pensava e tinha medo de
que nunca se recuperasse completamente.
Isso me deixou ainda mais ressentida com Elizabeth.
Eu sabia que era irracional, mas não pude evitar. Desde o dia em que
coloquei os olhos nela, soube que seria encrenca. Ela era o exato oposto de
todas as mulheres com quem ele saía. Sim, era absolutamente linda, mas seu
olhar não possuía a malícia que existia nas outras, também não parecia ser o
tipo caça-dotes, sua única ambição estava em Harry, ela o olhava como se ele
fosse um tipo de deus.
E para fechar o pacote de virtudes, ainda era virgem.
Que homem resistiria a tudo isso?
Eu tentei com todas as forças mudar o foco daquele cabeça-dura, mas
ele estava irredutível. Então, tive a maior surpresa da vida quando Zed me
disse o que havia acontecido e fiquei chocada. Mesmo com todas as minhas
investidas, nunca imaginei que a decisão de colocar um ponto final em tudo
partiria dela. Nenhuma mulher que tivesse Harry Stone nas mãos, iria deixá-
lo, ainda mais assim, por meio de uma carta.
Isso me intrigava e também justificava o fato de ele ter perdido o juízo.
— Ou você me deixa entrar ou eu vou ligar para a mãe dele. Você
decide.
Era quinta-feira e eu estava em frente à porta da cobertura de Harry
para tentar fazer uma negociação. Tinha conseguido chegar até ali por
intermédio do tio Romeo, que era o dono do edifício, se não fosse por isso,
continuaria sendo barrada na portaria.
— Ele está bem, apenas não quer ver e nem falar com ninguém — Zed
respondeu, completamente imperturbável em seu posto.
Eu já tinha perdido a conta das vezes que liguei para esse imbecil e
implorei que me deixasse conversar com Harry, mas segundo ele, eu era a
última pessoa que ele queria ver naquele momento.
Se eu já tinha ficado com raiva do troglodita por ter gritado comigo lá
no hotel, nos últimos dias eu estava possessa.
O homem era insuportável e super protetor.
Óbvio que por um lado eu ficava feliz e aliviada por Harry ter alguém
assim, mas por outro, tudo o que queria era que ele sumisse.
— O.K., eu vou embora, mas se ele não aparecer na empresa amanhã,
as coisas começarão a ser feitas do meu jeito — avisei e girei nos saltos para
sair dali, morrendo de raiva por não ter conseguido o que queria.
Quando cheguei à empresa, Duncan Allen e Catherine Becker já me
esperavam para a reunião que estava marcada para as 15h.
Suspirei profundamente, sentindo-me meio perdida. Como não
consegui contato com Harry, sequer sabia o que poderíamos fazer.
Meu Deus, eu não sabia nem se ele ainda iria concorrer.
— Como Harry está? — Cathy perguntou.
— Não sei, ele não quis falar comigo.
Ela e Allen se olharam. Eu continuei:
— Mas esta noite o Zed estará de folga, então, vou tentar passar uma
lábia no segurança que vai ficar no seu lugar e ver se consigo entrar.
— Espero que dê certo, pois nem Sullivan conseguiu conversar com ele
— disse Allen.
Isso era preocupante.
— Ele pediu para mantê-lo informado e falou que se a situação não se
resolver nos próximos dias, virá para cá e o tirará de lá nem que seja a força
— Cathy completou.
— Eu espero que não precise chegar a isso. Tenho fé que o pior já
passou e ele só precise de mais um tempo.
— É bom mesmo, porque há muita coisa em jogo e muita gente
apostando suas fichas em Stone. Como você sabe, na reunião que tivemos
com o partido ficou estabelecido que anunciaríamos a candidatura neste fim
de semana — continuou o coordenador-geral da campanha. — Isso pode ser
facilmente contornado, na atual conjuntura, alguns dias a mais não farão
diferença. O que me incomoda mesmo é a falta de uma noiva. Você tem
certeza de que ela não vai voltar? — quis saber.
— Na carta ela disse que não queria essa vida e deixou claro que não
voltaria — falei, dando de ombros.
— Então temos que arrumar outra — disse ele, prático como sempre.
— Harry é genioso e estava apaixonado, temo que ele não aceite outra
pessoa assim — externei meus receios, que só aumentavam a cada dia.
— Por isso precisamos fazê-lo voltar a ver a presidência como um
sonho. Se fizermos direito, ele vai esquecer a garota e focar no que é
importante. Quando isso acontecer, será mais fácil convencê-lo desse outro
detalhe.
Assenti, concordando com suas palavras. Harry precisava se recompor
e lembrar do quanto batalhou por aquilo.
Durante o encontro tratamos de todos os assuntos pendentes, como se
nada tivesse acontecido, esperançosos de que nosso candidato logo voltaria
ao normal e retomaria de onde parou.
Também combinamos que, mesmo sem ter certeza de que ele aceitaria,
eu faria uma lista de possíveis candidatas, baseado no que conhecia dele. À
essa altura, não poderíamos ser tão exigentes, então, focaríamos na idade e na
formação dela, no restante, daríamos um jeito depois.
Já quase no final da reunião, a secretária de Harry ligou perguntando se
eu podia ir até ela rapidamente para assinar um documento que precisava ser
despachado.
Pedi licença aos dois para fazer o que Ethel pediu, mas acabei
demorando um mais do que queria, porque encontrei Dominic. O garoto
ainda tinha esperança de que eu fosse para a cama com ele e tentava me
seduzir toda vez que me encontrava.
Dei um tapinha condescendente em seu rosto bonito. O coitadinho não
tinha ideia de que eu comia projetos de homens como ele no almoço.
Ainda estava sorrindo de sua expressão desolada quando me
encaminhei para a sala de reuniões. Assim que me aproximei da porta, notei
que Cathy estava sozinha e parecia exultante com alguma coisa. Ao me ver,
ela disfarçou o entusiasmo e voltou a apresentar a expressão polida e
estudada que tanto me enervava.
— E o Allen? — perguntei.
— Foi fazer uma ligação, mas já volta.
Anuí e me sentei, mas ninguém tentou entabular uma conversa,
simplesmente porque não tínhamos nada em comum para tratar, a não ser os
interesses de Harry.
Ainda bem que nenhuma das duas era cínica o bastante para fingir uma
amizade, eu era uma pessoa transparente e não suportaria tanta hipocrisia.
A reunião durou mais quarenta minutos, e quando as últimas questões
foram concluídas, já passava das 18h. Nós nos despedimos ali mesmo e
esperei que os dois se fossem antes de fazer o mesmo caminho.
Iria ao meu apartamento para tomar um banho e trocar de roupa, antes
de tentar falar com Harry de novo.

Meu telefone tocou e eu dei graças a Deus por ter ido dormir cedo ou
estaria muito chateada por estar sendo acordada antes da hora. Quando
peguei o telefone para ver quem era, fiquei surpresa ao ler o nome de Zed.
— Ele está se arrumando para ir trabalhar — foi logo falando assim que
atendi.
Aquilo fez com que qualquer sono que eu estivesse sentindo se
esvaísse.
— Tem certeza? — perguntei, eufórica, mas ainda descrente.
— Tenho, pediu inclusive que eu marcasse uma reunião com o pessoal
esta tarde.
— Certo, então é sério.
— Sim.
— Tudo bem. Obrigada, Zed.
— Tchau — falou e desligou.
Apesar do que ouvi, só acreditaria que estava tudo bem de novo quando
o encontrasse.
Na noite anterior, quando fui lá, não consegui passar da portaria,
provavelmente por instrução daquele babaca. Por causa disso, eu não sabia
qual era seu real estado.
Por outro lado, já devia imaginar que uma semana era tempo suficiente
para alguém chafurdar na própria desgraça, antes de cair na real.
Apesar de achar que não era apenas isso.
Sim, Harry estava sofrendo, isso era nítido, mas alguma coisa me dizia
que, na verdade, ele tinha esperanças de conseguir alguma notícia dela e
quando isso não aconteceu, desistiu e resolveu voltar à realidade.
Restava saber como agiria agora.
Quando entrei no banheiro para tomar banho, rezei para que as coisas
não estivessem tão ruins quanto eu imaginava. Tudo o que eu queria era que
meu amigo voltasse a ser o cara de sempre, porém, sentia em meu coração
que as coisas nunca mais seriam iguais.
Cheguei à empresa um pouco mais cedo que o normal e cuidei eu
mesma de vários assuntos para que tudo estivesse perfeito.
Quando ele finalmente apareceu, vestido em um de seus ternos caros,
os cabelos bem penteados e a barba feita, um alívio enorme tomou conta de
mim.
No entanto, assim que olhei para ele — olhei de verdade —, notei o
quanto ainda estava mal. Harry podia estar em seu modo CEO, todo elegante
e arrogante, mas as olheiras profundas abaixo de seus olhos provavam que a
realidade era outra.
Senti-me mal, mas logo me lembrei de que, no final, tinha conseguido o
que queria. Ele poderia estar sofrendo agora, mas logo se recuperaria.
Parecendo ler meus pensamentos, Harry fixou os olhos em mim.
Eu não era uma pessoa covarde, mas confesso que me retraí um pouco
com a hostilidade que exalava dali.
O.K., parecia que para o meu lado, as coisas continuavam iguais.
Reunindo todo o orgulho que possuía, entrei em sua sala atrás dele e
lhe passei sua agenda.
Enquanto eu falava, Harry olhava os documentos que estavam sobre
sua mesa, mas sabia que ele estava me ouvindo, por isso continuei. Quando
finalizei, achei que ele fosse perguntar algo ou me mandar fazer alguma
coisa, mas ele apenas ligou seu notebook e agiu como se eu não estivesse ali.
Incomodada, virei-me para Zed, que estava posicionado em seu lugar
habitual, à frente da porta, e ele deu de ombros, mas a cara que fez dizia:
“tudo isso é consequência dos seus atos”.
Engoli em seco e fui me sentar no sofá, não imploraria por atenção.
Isso, entretanto, não queria dizer que não estivesse preocupada. Harry
ainda estava magoado e os vários cortes superficiais em suas mãos não me
passaram despercebido. Minha imaginação era muito boa e eu conseguia
adivinhar o que causara aquilo, mas ficava magoada por saber que,
provavelmente, nem ele e nem Zed me diriam o que havia acontecido de
verdade.
Às 15 horas, Allen, Cathy e os principais estrategistas da campanha
chegaram, assim como o senador George McNolan, uma raposa velha do
partido Republicano, por quem eu tinha especial aversão.
Diferente do que acontecia nas reuniões passadas, não houve muito
burburinho, todos nos sentamos e ficamos esperando, inquietos, a chegada de
Harry, já que após quase uma semana de ausência, ninguém tinha certeza do
que aconteceria.
Quando ele entrou na sala de reuniões, acompanhado por Blake e Zara
Sullivan, estava sério como nunca e foi quase possível sentir a ansiedade que
emanava da maioria das pessoas ali. Nem todos estavam cientes do motivo de
sua reclusão, mas os que sabiam estavam receosos a respeito das próximas
decisões que ele iria tomar.
— Boa tarde a todos. Em princípio gostaria de pedir desculpas pela
minha ausência nos últimos dias. Eu estava precisando colocar algumas
coisas em ordem e agora que está tudo resolvido, estou pronto para
continuarmos nossa caminhada rumo à Casa Branca.
Comemorações tímidas e suspiros de alívio foram ouvidos pelo recinto
após estas palavras, inclusive de mim, que senti um peso enorme ser retirado
dos meus ombros.
Mesmo com esse clima festivo que se formou, Harry continuou estoico,
recebendo todas as congratulações com um frio aceno de cabeça.
Quando os ânimos arrefeceram, ele se sentou à cabeceira da mesa e deu
início à reunião.
Devido ao encontro que eu, Allen e Cathy tivemos no dia anterior,
vários pontos já estavam acertados e foram apenas expostos, tanto a Harry
quanto aos demais para que pudéssemos discutir e definir as próximas ações.
Depois disso, tratamos da data do anúncio da candidatura. Todos
concordaram que as coisas seriam feitas conforme fora decidido na reunião
realizada com a cúpula do partido, ou seja, no dia seguinte, durante a
entrevista que ele daria no Fox & Friends[3].
Quando os assuntos gerais acabaram, restou o tema primeira-dama.
Os que sabiam de Elizabeth, na mesma hora ficaram apreensivos, mas
todos os que estavam alheios aos últimos acontecimentos, sequer perceberam
a tensão que se instalou de repente.
Então, um desses desavisados caiu na besteira de perguntar:
— E quando o noivado com a Srta. Reagan será anunciado.
— NÃO. DIGAM. ESSE. NOME!
O grito de Harry reverberou pela sala assustando a todos e sendo
seguido por um silêncio mortal.
Tentando se recompor, ele respirou fundo e passou a mão no cabelo,
uma mania que tinha quando estava nervoso.
Pelo visto, meu amigo havia encontrado uma forma de seguir em
frente. Eu o entendia, seria muito mais fácil odiar Elizabeth a continuar
alimentando um amor que jamais seria correspondido e, pior, a esperança de
que ela um dia voltaria.
Quando o silêncio se prolongou a um nível meio opressor, pensei em
falar alguma coisa, mas o próprio Harry se encarregou de desanuviar o clima:
— Desculpem-me por isso. Imagino que devem estar curiosos, mas
esse assunto realmente não interessa a ninguém. O que interessa é que tudo
vai se resolver, o cronograma inicial será seguido e no momento oportuno
faremos um pronunciamento oficial. Obrigado por terem vindo.
Todos assentiram e começaram a juntar suas coisas para irem embora,
exceto eu, Allen, Cathy, McNolan e os Sullivan.
Outro silêncio se seguiu. Dessa vez, entretanto, havia expectativa pelo
que ele iria falar, pelo que pretendia fazer.
Harry se postou na frente de uma das grandes janelas e lá permaneceu
por vários minutos.
— Parece que, no final, vocês estavam certos — declarou, sem
qualquer inflexão na voz. — Eu deveria ter procurado por uma mulher que se
encaixasse no papel de primeira-dama e apenas isso.
Quem o ouvisse, diria que aquele era um homem prático apenas
constatando um fato, mas eu, que o conhecia muito bem, podia sentir a dor
por trás de suas palavras.
Olhei para Zed.
Ele também havia percebido, pois o olhar que lançava para o amigo era
permeado de pesar. Pesar por seu sofrimento e pelas mudanças que aquele
abandono causara.
Ambos conseguíamos ver que o homem à nossa frente era apenas a
sombra daquele com quem crescemos. E isso era desolador.
Tudo por causa daquela garota, pensei, mais uma vez, ressentida com
ela.
Respirei fundo e resolvi me pronunciar.
— Harry... — comecei, mas ele me interrompeu.
— Eu preciso de alguém que possua todas as características necessárias
para me ajudar a chegar à presidência, porque agora, meus amigos, isso é a
única coisa que me interessa.
A dureza e convicção com que falou, fez todo meu corpo se arrepiar.
Toda a mágoa e raiva que Harry estava sentindo naquele momento, seria
direcionada em prol da corrida presidencial. Dessa vez, ele não se desviaria
de seu foco.
— E se for bonita e gostosa, será um ótimo bônus, já que terei que ficar
com ela, por, no mínimo, quatro anos — adicionou ele com um cinismo que
eu nunca tinha visto.
Voltei a olhar para Zed que, dessa vez, me olhou de volta com ar de
preocupação.
Zara e Blake emanavam o mesmo sentimento.
Allen, por outro lado, mal conseguia se conter de tanto contentamento.
— Eu sei exatamente do que você precisa — falou, com um sorriso que
esfriou meu estômago.
Pela primeira vez desde que essa jornada começou, senti
arrependimento por ter afastado Elizabeth e receio pelo que aconteceria dali
para frente.
— “...com o melhor de minha capacidade, protegerei e defenderei a
Constituição dos Estados Unidos. Que Deus me ajude.”
E após estas palavras, Harry Arthur Stone era, oficialmente, o novo
Presidente dos Estados Unidos.
Durante esses doze meses, desde que fui embora de Washington, raras
vezes assisti TV simplesmente porque, em virtude da corrida presidencial,
toda vez que eu via um aparelho ligado, o rosto dele estava lá. Parecia até que
havia um tipo de complô astral para me lembrar, dia após dia, de tudo que fui
obrigada a deixar para trás.
Claro que eu não culpava as emissoras por lhe dar tanta notoriedade.
Harry tinha boas propostas e exalava sinceridade sempre que falava, além
disso, era lindo sem ser metido, carismático sem ser forçado e educado sem
ser pedante, de forma que até mesmo os homens se sentiam atraídos pela aura
de poder que emanava dele.
No entanto, depois que ele venceu as eleições primárias e se tornara o
candidato republicano, não consegui deixar de ver os debates e após a
votação, fiquei grudada na tela, louca para saber o resultado.
Quando vi que ele tinha ganhado, derramei rios de lágrimas. Tudo o
que não me permiti chorar durante quase um ano longe dele, eu extravasei
naquele dia, o coração pesado num misto de alegria e tristeza.
E ali estava eu mais uma vez, dois meses depois, em frente à grande
TV que havia na sala familiar. Ver a emoção que emanava do rosto de Harry
enquanto ele fazia seu juramento, também me emocionou e precisei me
segurar para não chorar de novo.
Especialmente porque pela primeira vez, em meses, consegui enxergar
o meu Harry e não o homem frio que ele se tornara.
Pensar nisso me entristecia. Embora ainda tivesse todas as qualidades
que enxerguei nele assim que o conheci, não havia mais suavidade em seu
olhar. Mesmo quando sorria, a dureza estava lá e doía demais saber que a
culpada daquela mudança era eu.
Esse era um dos motivos para não querer assisti-lo. Sempre que via os
olhos que uma vez me fitaram com extrema ternura, sentia a culpa me
corroer.
Meu desconsolo apenas aumentava por saber que eu não deveria me
sentir daquele jeito, afinal, não fui embora porque quis e sim por uma questão
de sobrevivência.
E só eu sabia o quanto sofri por ter sido obrigada a deixar o amor da
minha vida.
Parecia clichê, mas era verdade, eu e Harry nos conectamos quase que
instantaneamente. O que tivemos naqueles dois meses foi puro, intenso, mas
também carnal e arrebatador. Aquele homem possuía meu coração e mesmo
depois de todo esse tempo, eu ainda estava aprendendo a sobreviver sem ele.
Nos primeiros meses eu agia no automático. Comendo porque
precisava e saindo da cama porque me obrigavam.
Com o passar dos dias, meu martírio foi diminuindo, até que acordei
em uma manhã e disse a mim mesma que ficar daquele jeito não faria
nenhum bem, nem a mim e nem à minha família, que sofria junto comigo.
Não sabia se um dia conseguiria ser completamente feliz, mas esperava
que sim, pois depois de tudo, achava que merecia.
Infelizmente os dias sombrios que foram embora, não levaram consigo
as lembranças de tudo o que ocorreu e que culminou na nossa fuga.
Zara estava certa, o mundo político era sujo, havia coisa demais em
jogo e, para eles, eu era apenas um peão que não servia nem para avançar
algumas casas. Pelo contrário, com muita facilidade me descartaram, sem se
importarem com nada.
Não sabia dizer quantas vezes desejei que eles tivessem feito isso mais
cedo, antes de eu me apaixonar, mas nem nisso eu tive escolha e precisava
ficar feliz por não ter acontecido coisa pior conosco.
Mesmo assim, passei muitas noites acordada me lembrando de como
Stella havia ficado. Também me recordava, com exatidão, do medo que senti
quando ele me mandou ir até o orfanato e do colapso nervoso que tive depois
que saí de lá.
O maldito, além de canalha, era, definitivamente, sádico.
Lembrava-me que eu chorava tanto no trajeto até minha casa, que uma
senhora se sentou ao meu lado e me abraçou.
Seu gesto me confortou na mesma medida em que amargurou. Foi
ótimo sentir seu carinho e ouvir suas palavras de consolo, mas também serviu
para me fazer perceber que eu nunca havia recebido um abraço como aquele
da minha mãe e isso me feriu tanto. Eu nem sabia que ela ainda tinha aquele
poder sobre mim.
Quando desci do metrô, já estava bem mais calma e agradeci muito à
senhora que me amparou e me ajudou a colocar os pensamentos no lugar.
Devastada, fui para a casa de hóspedes assim que cheguei e chorei
outro tanto agarrada à minha melhor amiga que, mesmo machucada como
estava, me acolheu e chorou junto comigo.
Depois que me recompus, sentei-me com Consuelo e Benito e abri o
jogo com eles. Graças a Deus os dois entenderam que eu também estava
sendo uma vítima e apenas me apoiaram. Isso foi primordial, sem aqueles
três ao meu lado, eu não conseguiria fazer o que era preciso.
Foi também por causa deles que me despi de qualquer orgulho e fui
falar com a única pessoa que poderia me ajudar. Joseph Holmes.
Lembrava-me que no início da semana, antes de tomar essa decisão,
andei pelo que pareceu quilômetros dentro do meu quarto, tentando achar
uma saída que me permitisse continuar ali e manter todos em segurança.
A princípio pensei em falar com Harry, mas logo descartei essa ideia, a
ameaça que ouvi foi clara e, por mais poder que ele tivesse, aqueles monstros
já haviam mostrado do que eram capazes, por isso, antes de falar qualquer
coisa, eu precisava tirar minha família dali.
Foi então que, subitamente, o rosto do velho senhor surgiu em minha
cabeça. Eu sabia que era um tiro no escuro, entretanto, se explicasse toda a
situação, ele talvez entendesse e me ajudasse.
Mas e se ele não acreditasse?
Foi com essa ambiguidade de pensamentos que segui para sua mansão,
dois dias depois do ataque à Stella.
Joseph ficou surpreso ao me ver, mas também feliz.
Contudo, em poucos minutos de conversa percebeu que havia algo
errado.
— Posso saber o que a está afligindo, Liz? — perguntou, bebericando
seu chá.
Parei de torcer os dedos e dei um longo suspiro antes de narrar tudo o
que estava acontecendo em minha vida. Iniciei meu relato pelo baile onde
conheci Harry, passando pela forma assustadoramente rápida como nos
apaixonamos, até contar o que havia acontecido com Stella e a ameaça que se
seguiu.
— Eu sei que parece uma grande armação para conseguir arrancar
dinheiro do senhor, mas juro que é verdade. Nunca viria aqui se não estivesse
desesperada... Eu não sei o que fazer — finalizei, chorando, as mãos
tremendo de nervoso.
— Acalme-se, querida — pediu, entregando-me alguns lenços de papel.
— Bom, vamos começar pela parte mais fácil. Eu já sabia que você estava
namorando Harry Stone, tenho amigos na cúpula conservadora que estão
apostando todas as fichas na eleição dele.
Arregalei os olhos sem acreditar que Joseph era mais antenado do que
eu podia imaginar.
— Desculpe por não ter dito nada, mas eu, sei lá... nunca me senti à
vontade para falar desse assunto.
— Não se preocupe com isso. Quanto ao que me contou, posso garantir
que o que está acontecendo com você é mais normal do que imagina.
Washington é um verdadeiro ninho de cobras todas loucas para dar o
primeiro bote, então, seguramente, há gente poderosa por trás dessa sujeira
que estão fazendo.
— Quer dizer que acredita em mim?
Ele assentiu, com um sorriso tranquilo no rosto, e o alívio tomou o meu
corpo.
— Agora preciso saber o que você pretende fazer — perguntou.
Naquele dia eu ainda estava muito confusa, mas de uma coisa eu tinha
certeza, precisava tirar os Medina dali.
— Queria saber se conseguiria três Green Cards para mim. Essa família
é ilegal e trabalha em minha casa desde que chegaram aqui, fugidos de um
cartel do México. Com pena da situação deles, meu pai os contratou, mas
desde que ele morreu, Eleanor praticamente os explora e todos os dias
ameaça ligar para a imigração — expliquei, com pesar. — Por causa disso
nunca fui embora daquela casa, eles seriam mortos assim que pisassem no
México novamente e eu não poderia deixá-la fazer algo tão grotesco.
— Considere feito — garantiu, convicto.
— Isso é sério?
Joseph assentiu novamente.
— Puxa, você é mais poderoso do que eu imaginava — declarei,
espantada.
Ele riu do meu comentário e explicou:
— Um homem com o dinheiro que eu tenho, conhece gente em muitos
lugares, Liz.
Não consegui disfarçar minha alegria ao saber que eles finalmente
conseguiriam ser livres.
Havia mais coisas a fazer, claro, mas isso era o mais importante, o
dinheiro que precisariam viria das joias que ainda tinha em meu poder,
venderia todas elas para que pudessem recomeçar em outro lugar.
— Então é isso? Esse é o seu plano, tirá-los daqui? — perguntou, a
sobrancelha grisalha erguida com descrença.
— Bom, eu...
— Estou com a impressão de que você ainda não entendeu com quem
está lidando, querida. Posso até estar enganado, mas não acredito que isso irá
solucionar seu problema. Na verdade, eu tenho certeza de que não irá.
Suas palavras me fizeram desinflar como um balão.
— Eu preciso tentar. — Minha fala soou mais como uma súplica e ele
apenas balançou a cabeça, condescendente.
Mas, bem no fundo, eu sabia que as coisas não seriam tão fáceis assim.
E isso se provou correto quando, dois dias depois, aconteceu o incêndio
no orfanato.
O fato de não terem ferido ninguém não significava nada. Eles me
queriam longe dali e estavam dispostos a tudo para garantir isso.
Com esses acontecimentos tirando qualquer esperança que eu ainda
pudesse ter, lá estava eu, mais uma vez, na casa de Joseph.
Depois de contar o que havia acontecido, pedi seu conselho:
— Me ajude a decidir o que fazer, por favor. Será que devo dizer ao
Harry?
Ele ficou pensativo por vários minutos e depois meneou a cabeça.
— Se achasse que falar com ele resolveria, era o que eu iria lhe
aconselhar a fazer, mas eu não acho que adiantará. Quando se trata de
dinheiro e poder, a maioria das pessoas é capaz de tudo e, nesse caso, se trata
dos dois. Quem está te ameaçando, não tem nada a perder, simplesmente
porque ninguém sabe quem são. Se você os desobedecer e contar a Harry, o
máximo que ele poderá fazer é proteger vocês com guarda-costas. O
problema é que essa gente é muito organizada, eu tenho certeza de que há
pessoas infiltradas em todo lugar, inclusive entre os seguranças. Será que vale
a pena desafiá-los?
Suas palavras fizeram meu medo triplicar. Eles já mostraram que não
tinham limites e para estarem tão seguros, era porque mantinham tudo sob
controle. Não me ameaçariam se não soubessem que iriam vencer de uma
forma ou de outra.
Depois de pensar, e chorar, bastante, decidi:
— Eu vou fazer o que eles mandaram. Não tenho força para combatê-
los e não vou arriscar a vida de ninguém.
Joseph deu uns tapinhas na minha mão, parecendo comovido com meu
sofrimento.
— Eu sinto muito, querida. Queria poder ajudá-la, mas estou à margem
desse tipo de coisa.
— Tudo bem. Minha vida nunca foi fácil, eu deveria saber que ela não
mudaria assim, de uma hora para outra. Essa é só mais uma das barreiras que
eu terei de enfrentar.
— Você é muito corajosa, menina, e eu vou fazer de tudo para diminuir
esse fardo que você carrega nas costas.
Eu sorri tristemente para ele.
— Obrigada, Joseph — falei e respirei fundo, para me recompor. —
Que tal começar a me ajudar dando ideias de como sumir do mapa? — pedi.
Para minha surpresa, ele já havia planejado tudo.
— Se este rapaz estiver tão apaixonado quanto eu acho que está, vocês
não poderão viajar de avião ou mesmo de ônibus. Se quiser guardar a vida de
todos, vai precisar fazer como ele mandou: sumir do mapa. Inexoravelmente,
sem deixar pistas.
Ouvir aquilo fez meu coração disparar. Era real, nós iríamos embora de
Washington, talvez para sempre.
Fechei os olhos e respirei fundo para conseguir digerir tudo aquilo e
reorganizar minhas ideias.
— Muito bem, o que sugere? — perguntei a Joseph depois de algum
tempo. — Farei como você achar melhor — afirmei.
Com isso, passei a hora seguinte ouvindo atenciosamente o plano
simples, mas eficiente, que ele traçara.
Era tudo perfeito e preciso. A única coisa que me incomodava era saber
que também precisaria de ajuda financeira durante esse processo de transição.
Eu não gostava disso, mas não estava em condição de recusar. Além do mais,
como ele mesmo disse, o que mais possuía era dinheiro e usá-lo para ajudar
pessoas de bem era muito melhor do que deixar qualquer migalha para o
aproveitador do sobrinho e sua noiva maligna.
O último conselho que me deu foi o de não sumir simplesmente.
Segundo ele, se não o convencesse de que estava indo porque queria, Harry
jamais pararia de me procurar.
Eu sabia que era verdade, mas só de pensar em fazê-lo acreditar que eu
não o queria mais, me embrulhava o estômago. Contudo, se não fizesse isso,
ele daria dezenas de desculpas, procuraria por culpados e sofreria a cada
busca infrutífera.
E eu não queria que Harry sofresse, não demais, pelo menos. Para sua
paz de espírito, era melhor que ele me odiasse, sua raiva lhe daria força para
chegar onde tanto almejava.
E foi com esse pensamento que, ao voltar para a mansão, tranquei-me
em meu estúdio. Eu sabia que se o confrontasse pessoalmente, não
conseguiria ir embora, por isso, comecei a colocar no papel as palavras mais
mentirosas da minha vida, quando minha vontade era derramar ali todo o
amor e gratidão que sentia por tudo que vivemos juntos e confessar o quanto
estava sendo difícil partir e deixá-lo, depois dessa paixão arrebatadora que
pegou a nós dois.
Mas em vez disso, segui as instruções de Joseph e coloquei
justificativas suficientes para que ele entendesse porque eu estava indo
embora. Infelizmente não consegui ser tão dura quanto precisava, uma parte
de mim queria que ele não me desprezasse tanto. Era egoísta, mas foi o
melhor que consegui fazer.
A próxima coisa que fiz foi pegar a tela que havia feito no início da
semana. Esperava não estar sendo cruel ao lhe presentear com uma pintura de
nós dois em um dia tão especial, mas assim que a terminei, sabia que devia
ficar com ele.
Já passava da hora do almoço quando saí dali e fui ao meu quarto para
guardar a tela e a carta. Coloquei ambos em um tubo para carregar telas sem
moldura, deixei sobre a minha cama e desci para a cozinha, onde detalhei o
plano de Joseph.
Apesar de saber que o homem não estava mancomunado com Eleanor
para se casar comigo, Benito ficou apreensivo. Achava temerário confiarmos
nossas vidas a um homem que mal conhecíamos. Mas a minha intuição me
dizia que podia acreditar nele e era a ela que eu seguiria. Só esperava que
estivesse certa.
Após a refeição, subi para meu quarto a fim de arrumar minhas coisas.
Não conseguiria levar tudo, mas daria um jeito de carregar o máximo
possível. Mesmo que Joseph estivesse ajudando, não queria ter que gastar
dinheiro com o que eu já possuía.
Ao chegar lá, fui conferir meu celular e achei uma mensagem de Harry
confirmando o horário em que chegaria.
Meu coração disparou, não apenas por saber que em poucas horas o
veria, mas por ter uma percepção de que tudo estava se encaixando para que
pudéssemos sair dali o mais rápido possível.
Senti meus olhos arderem, mas me recusei a chorar, tinha muita coisa
para fazer e não perderia meu tempo lamentando pelo que não poderia ser
mudado.
Já havia guardado quase tudo quando a hora de me arrumar chegou.
Pronta, coloquei-me em frente ao espelho de corpo inteiro que havia
em meu quarto, para me avaliar pela última vez antes de sair. Eu estava
exatamente como sabia que ele gostava, com um vestido bem feminino,
pouca maquiagem e cabelos soltos. Era nossa despedida e eu queria que fosse
inesquecível.
No entanto, ao fitar meus olhos, mal me reconheci. A tristeza era quase
palpável e eu tinha certeza de que se não melhorasse aquilo, ele perceberia.
Usei o trajeto até seu hotel para me recompor, sabendo que Benito me
examinava através do espelho retrovisor.
Assim que chegamos ao nosso destino, avisei que ligaria quando
estivesse pronta para ir embora e ele apenas assentiu, preocupado.
Respirei fundo, dei meu nome à atendente e minutos depois estava em
frente à porta de seu quarto.
E foi só vê-lo novamente para meu coração pular, como se estivesse
solto dentro do peito. Havia euforia, por estar com ele de novo, mas o que
predominava era a tristeza de saber que aquela seria a última vez.
Acho que só consegui segurar a vontade de chorar, por que sabia que
havia muito em jogo, e se Harry desconfiasse de algo, todos nós estaríamos
perdidos. Então fiz meu melhor para que ele não percebesse.
E quando nos amamos, foi absolutamente perfeito. Exatamente como
uma despedida deveria ser.
Ao deitar a cabeça em seu ombro, tentei deixar todos os problemas de
lado e focar apenas no que estava sentindo naquele momento.
Continuei ali por vários minutos, completamente desperta, a mão sobre
seu peito que subia e descia, tranquilamente, embalado pelo sono.
Sabendo que não podia mais adiar minha partida, saí dos braços de
Harry com cuidado para não acordá-lo e arrumei-me do jeito que pude.
Fui à mesa onde a tela ficara e a admirei por alguns segundos, depois a
enrolei e guardei. Antes de fechar, tirei a carta de dentro da bolsa e a coloquei
junto. Deixei o tubo em pé, sobre uma cadeira, esperando que ele tivesse a
curiosidade de abri-lo antes de ir à minha casa conversar com minha mãe.
Quando estava quase chegando à porta, rendi-me à saudade que já
sentia dele e voltei à cama.
Passei alguns segundos acariciando seu rosto divino. Então, aproximei
a boca de seu ouvido e disse:
— Me perdoe por isso, meu amor, eu juro que se tivesse um outro
jeito... — Engoli o choro com medo de acordá-lo e sussurrei: — Nunca se
esqueça do quanto eu te amo — concluí e toquei seus lábios bem de leve.
Antes de sair, limpei o rosto e tentei me recompor o máximo possível.
Ao passar por Zed, ele acenou de leve, mas nada falou. Exceto para seu
comunicador, avisando a alguém que eu estava descendo.
Enquanto íamos embora, Benito disse que tinha deixado Eleanor em
casa cerca de uma hora antes. Também falou que todas as nossas coisas já
haviam sido colocadas nos carros que Joseph disponibilizara para nos levar.
— Espero que ela já esteja dormindo.
— Ela voltou mais cedo porque estava com dor de cabeça, então, deve
tomar um de seus remédios e só acordar amanhã — informou e eu sorri,
agradecida por isso.
Assim que chegamos, fui ao meu quarto apenas para trocar de roupa.
Quando desci, todos já estavam acomodados em um dos carros.
Juntei-me a Consuelo, Stella e Lion no banco de trás de um SUV,
enquanto Benito foi na frente com o motorista.
Parecendo entender que precisava se comportar, Lion se deitou sobre os
meus pés e ficou quietinho.
Por fim, o carro se pôs em movimento, sendo seguido pelo utilitário
onde estavam as nossas coisas.
À medida que deixávamos Washington para trás, sentia que deixava
meu coração também, ciente de que Harry iria me odiar por tê-lo abandonado
de forma tão repentina e sem consideração.
Reprimi a vontade de chorar e tentei me convencer de que estava
fazendo o que era preciso para nos manter seguros. Era nisso que eu tinha que
me apegar para seguir em frente.
Quando chegamos à casa que Joseph nos cedera, no estado de Nova
Jersey, já havia amanhecido.
Como era de se esperar, a propriedade era enorme, repleta de árvores,
um lago particular e um pequeno deck.
Não tinha ideia de quantas horas passei ali nos primeiros meses após a
fuga. No início mantive-me apenas enterrada na tristeza que me dominava,
imaginando como Harry havia reagido à todas as coisas que aconteceram.
Depois, quando já estava melhor, comecei a levar meus apetrechos de
pintura e produzi belos quadros. Foi isso e Stella, que sempre estava ao meu
lado, que me ajudaram a passar pela fase mais difícil.
Benito e Consuelo também foram primordiais, ela com carinho de mãe,
e ele, sempre fazendo uma piada ou contando histórias para nos entreter.
E não podia me esquecer de Joseph. Aquele senhor que em tão pouco
tempo se tornou tão importante para mim, já era considerado da família.
Generoso, ele tinha feito de tudo para que tivéssemos todo o conforto
possível e desde o primeiro dia providenciou muito mais do que
necessitávamos.
Além disso, ligava toda semana para saber como estávamos indo e para
garantir que continuava à disposição para qualquer coisa.
Aquilo era tão reconfortante.
E por mais difícil que fosse estar diante da TV, olhando para o homem
que eu amava, tudo teria sido muito pior se não tivesse minha família torta ao
meu lado.
Foram eles que me guiaram nos momentos mais difíceis, quando a dor
parecia me sufocar e o sofrimento se tornou uma sombra que me seguia por
todos os lados.
Mas não apenas eles.
Saber que estava carregando um pedacinho do homem que eu amava
dentro de mim, fora primordial para que eu saísse da depressão. Agora que eu
tinha pelo que viver, era mais fácil enxergar um belo futuro.
Desviei os olhos da tela e encarei os pezinhos envoltos em meias
estampadas, o largo sorriso desdentado e os lindos olhos azuis que fitavam,
curiosos, a imagem de Harry.
— Aquele é o seu pai, meu amor.
O som da porta sendo batida após a saída de Harry Stone, aumentou
ainda mais a raiva que estava sentindo desde que soube que ele e Elizabeth
estavam se encontrando às escondidas.
Meu Deus, onde eu estava que não vi isso acontecendo?
Quando foi que aquela sonsa ficou mais esperta do que eu?
Não, ela não ficou mais esperta, porque se isso tivesse acontecido, eu
não teria perdido a chance de realizar o sonho de casar minha filha com um
bilionário.
Não um simples bilionário, mas alguém que era considerado quase um
rei, devido ao poder que detinha no mundo empresarial.
Um homem que, a não ser que algo muito grave acontecesse, seria
eleito o próximo Presidente dos Estados Unidos.
Um verdadeiro deus, que estava apaixonado por Elizabeth, uma garota
idiota que simplesmente o largou por causa de algumas ameaças.
— Ah, que ódio! — gritei, sentindo todo meu corpo estremecer.
Eu estava com muita raiva, mas ela era direcionada, principalmente, às
pessoas por trás da partida de Elizabeth e dos subalternos.
Se aquela inútil tivesse aberto o jogo desde o início, eu poderia tê-la
ajudado e todos sairiam ganhando. O casalzinho apaixonado teria seu final
feliz, e eu, como mãe da primeira-dama, seria a pessoa mais influente do
nosso meio.
Só que minha querida filha era boba demais para entender como aquele
tipo de jogo funcionava. Por mais que eu tenha ensinado, ela não adquiriu
nenhuma malícia. Ainda estava iludida com sua crença de um mundo
perfeito, com pessoas boas e honestas, algo que não existia, especialmente
ali, no centro do poder.
Burra e ingênua, essa era Elizabeth.
Não duvidava que ainda fosse virgem.
Estaquei, cessando as voltas que estava dando pela sala.
Era isso! Era essa a razão de Harry Stone estar tão ligado a ela, tão
chateado por tê-la perdido, tão apaixonado... O bobinho tinha sido agarrado
pelas coxas.
Balancei a cabeça, inconformada.
Eles agora estavam separados e quem quer que tenha feito isso, possuía
coragem o bastante para mexer com a poderosa família Stone e transformar
todos nós em marionetes.
Foi por isso que, entre o certo e o duvidoso, eu preferi ficar do lado que
havia deixado claro que não mediria esforços para separar Harry de
Elizabeth.
Sem contar que eu não tinha mais um tostão furado no bolso e ajudar a
separá-los me rendeu um bom dinheiro, o suficiente para eu voltar a ter a vida
que sempre sonhei.
E pensar que a própria Elizabeth me ajudou ao escrever aquela carta
dramática, a qual deixou junto com aquela pintura de mal gosto. Eu ainda
estava em dúvida com relação ao que falar para convencer aquele bobo, mas
as palavras dela me ajudaram a montar a mentira perfeita.
E deu certo. O coitadinho foi embora desnorteado.
Peguei o celular descartável que foi entregue a mim dois dias atrás,
quando me fizeram aquela “proposta”, e liguei para o único número existente
ali.
— Está feito, como vocês pediram, agora eu quero o restante do meu
dinheiro — informei assim que atenderam.
Sem uma palavra, a ligação foi encerrada e fiquei esperando pelo que
iria acontecer a seguir.
Quando concordei com aquilo, eu sabia que só haveria duas situações
possíveis: ou eles depositariam o dinheiro, como foi combinado, ou logo
depois que eu fizesse minha parte, mandariam alguém para me apagar e
sumir com meu corpo.
Dramático, eu sei, mas conhecia a realidade e sabia que ela não era tão
diferente da ficção contada por Hollywood.
Foi por isso que quando ouvi o toque de mensagem no celular e vi a
confirmação da transferência bancária, senti um alívio tão grande, que até me
sentei num degrau da escada e respirei fundo várias vezes para diminuir
minha tensão.
Mais calma, passei os olhos pela velha mansão onde morava há tantos
anos e decidi que estava na hora de fazer as malas e dar o fora de
Washington.
VOLUME I I

ELE REALIZOU O SONHO DE SER O HOMEM MAIS PODEROSO DO MUNDO, MAS PERDEU O GRANDE
AMOR DE SUA VIDA.

Harry Stone conquistou a Casa Branca e achou que todo aquele poder preencheria o vazio que
carregava em seu peito, que os muros daquela fortaleza o protegeriam de seus próprios
sentimentos. Pensou que se sufocasse seu amor e focasse em sua carreira política, seria mais fácil
seguir em frente, por isso, ele decidiu odiá-la.
Elizabeth Reagan foi obrigada a deixar Washington abandonando todos os seus planos e o
homem que amava. Ela sofreu, chorou e viveu os piores momentos de sua vida, até decidir que não
precisava mais carregar aquele fardo sozinha e decidiu que precisava voltar e revelar a verdade
sobre sua fuga.

Descubra como termina esse delicioso conto de fadas em:


O PRESIDENTE – HARRY STONE VOL. 2.
Este solário é maravilhoso, pensei comigo mesma pelo que devia ser a
milésima vez desde que me mudei para aquela casa.
Com suas paredes de vidro, era o espaço ideal para o meu ateliê, uma
vez que recebia a luz do sol por todos os cantos. De lá, eu tinha vista para o
lago, para o pequeno aglomerado de árvores que circundava um dos lados da
propriedade e para o belo jardim que cercava a casa.
A luz era perfeita, a vista era inspiradora e ali eu criei belas pinturas.
Como a que estava finalizando naquele momento.
Era provável que quem a olhasse pela primeira vez, achasse perfeita,
mas eu sabia que não estava pronta; apesar de linda, sentia que faltava
alguma coisa.
— Nossa, essa ficou incrível — Stella elogiou ao entrar.
Apenas nesta hora olhei para fora e percebi que o dia já estava indo
embora.
— Obrigada, mas ainda não está acabada.
— Sim, talvez falte aquele toque “Liz”, mas está linda — falou, indo de
acordo com meus pensamentos.
Ela tinha aprendido tanto a respeito de arte, que já adquirira a
sensibilidade apurada que só os grandes apreciadores possuíam.
— Sim, falta apenas descobrir o quê — respondi, desanimada, e
quando me virei, vi que ela havia montado a mesa para lancharmos, um
convite claro para que eu desse um tempo.
— Mais um motivo para você vir aqui, tomar um café, comer alguma
coisa e relaxar, assim vai ter mais inspiração para perceber o que falta —
falou, enchendo minha xícara.
— Tudo bem, mas não posso me demorar, prometi entregá-la a John
amanhã. Não sei a que horas ele vem, mas quero terminar logo — falei,
enquanto deixava minhas coisas sobre a mesa de trabalho e ia ao banheiro
anexo lavar as mãos.
— Você ainda tem dúvidas da hora em que ele vai aparecer? —
perguntou ela em tom de zombaria quando me sentei.
— Não, nenhuma — respondi e ambas rimos.
John Kent era um marchand, superelegante, que ficou encantado com
minhas obras quando, por intermédio de Stella, teve acesso ao meu portifólio.
Apesar de ser um homem sofisticado, ele amava uma comida caseira,
especialmente dos bolos e do café que eram servidos em nosso desjejum.
Desconfiava até que sempre marcava suas visitas no primeiro horário para
poder desfrutar das delícias que Consuelo fazia.
E ela adorava, aliás, todos nós o apreciávamos muito, afinal, foi ele
que, sem saber, nos ajudou a dar a volta por cima. Primeiro ao dar emprego a
uma garota latina e meio doidinha que não entendia nada de arte, depois,
quando começou a vender meus quadros. Mas a ajuda mais surpreendente e
bem-vinda veio quando me propôs uma sociedade na pequena galeria que
possuía.
No dia em que ele chegou à nossa casa dizendo que sua nova secretária
o havia mandado para ver meus quadros, eu quis matar Stella. Tinha acabado
de dar à luz e um pouco da depressão que havia ido embora, acabara por
voltar, deixando-me supersensível e, consequentemente, bastante insegura.
A meu ver, tudo o que havia pintado desde que chegara ali refletia a
tristeza que estava sentindo e duvidava que fosse agradar alguém.
Mas foi exatamente o contrário. John adorou o que viu e após uma
longa conversa, descobrimos uma grande afinidade, tanto em nível pessoal
como no que se referia a arte. Naquele dia ele já saiu dali com três quadros
que em pouco tempo haviam sido vendidos.
Alguns meses depois, quando eu já estava bem, ele me surpreendeu ao
perguntar se eu não gostaria de me tornar sua sócia.
Apesar de ter ficado muito empolgada, pedi um tempo para lhe dar uma
resposta e fui falar com Joseph que imediatamente mandou investigar para
ver se havia algum problema com Kent ou a empresa. Como estava tudo bem
e minha família me incentivou, eu aceitei, mas estipulei algumas regras.
Uma delas era que eu entraria com minha parte do dinheiro, é claro,
mas não seria obrigada a estar na loja tanto quanto ele, afinal, eu precisava ter
tempo para fazer meus quadros.
Ele aceitou e, com isso, havia quase três anos que éramos sócios na
charmosa galeria da cidade de Marlboro, Nova Jersey.
Além de cuidar da loja na maioria do tempo, John também era
responsável pelas vendas na internet. Por ser muito conhecido nessa área, ele
negociava obras de vários artistas em todo o país. Mas o que mais nos
motivava era descobrir novos talentos. Era por isso que expúnhamos diversas
pinturas, fotos e esculturas, em sua maioria de artistas residentes na região e
me orgulhava em dizer que muitas pessoas começaram a ficar conhecidas
após deixarem suas obras sob nossos cuidados.
— Eu e Dan iremos a um pub esta noite. Quer vir com a gente? —
Stella perguntou, cortando minhas lembranças.
— Se eu conseguir terminar a pintura a tempo, irei, sim, estou
precisando beber algo que não seja vinho e falar besteira com minha melhor
amiga.
Depois de tudo o que aconteceu, mas, especialmente, depois que me
descobri grávida, decidi viver de maneira mais comedida, isso, porém, não
significava que estava reclusa, pelo contrário, gostava de sair para me divertir
e espairecer de vez em quando.
Claro que, nem sempre foi assim. Nos primeiros meses após ter
deixado Washington, eu morria de medo de sermos descobertos, mesmo com
nomes falsos, mais uma das coisas providenciadas por Joseph.
Em meus documentos eu tinha tirado o Reagan e colocado o sobrenome
da minha avó paterna, Nichols, e agora era chamada pelos amigos de Lizzie
Nichols, nome pelo qual também era conhecida como artista, pois foi o
pseudônimo que adotei.
Os Medina também possuíam outro sobrenome, herdado da família
materna de Consuelo, e agora se chamavam Rivera.
O fato de os primeiros nomes continuarem os mesmos, ainda me
deixava um pouco insegura, mas há muito tempo parei de temer até mesmo a
minha sombra e voltei a levar uma vida normal. Quer dizer, o mais normal
que uma mãe solteira poderia ter.
O importante era que algum tempo depois que o meu filho nasceu, eu
saí do torpor onde havia me enfiado e me dei conta de que não poderia viver
com medo, afinal, Harry já estava eleito, isso queria dizer que todos os leões
estavam em suas jaulas.
— Ah, então eu espero que consiga terminar logo.
— Vamos cruzar os dedos — gracejei. — E como vocês dois estão?
— Ótimos, apesar de ele não gostar de sair muito de casa, como você
sabe. Deu trabalho para convencê-lo a ir comigo hoje.
Daniel e Stella se conheceram por causa da galeria.
Ele tinha uma loja de computação e era meio nerd nesse sentido, do
tipo que quando a gente fazia uma pergunta simples, recebia uma resposta
super elaborada que apenas os iguais a ele conseguiriam entender.
No dia em que ele apareceu na galeria para fazer um orçamento, Stella
achou seu jeito bem fofo e foi por isso que, quando o rapaz retornou para
arrumar o servidor, ela o chamou para sair.
Por ser um pouco tímido, o relacionamento demorou para engatar, o
que contentou bastante Consuelo e Benito, que estavam relutantes com essa
história de namoro. Apesar de a filha já ter vinte e três anos na época, eles
ainda a viam como criança.
Hoje em dia, entretanto, um ano e meio depois, já se mostravam muito
mais à vontade e ele nos visitava todo fim de semana.
Eu esperava que continuassem se dando bem, Dan era um ótimo rapaz,
sempre disposto a ajudar e Stella estava gostando bastante dele.
— Valeu pelo lanche, amiga, acho que agora vou conseguir terminar.
Ela se despediu e eu voltei ao trabalho. John disse que o cliente tinha
ficado de pegar a tela no final da manhã, então, eu precisava finalizar para dar
tempo de secar, de forma alguma queria que meu trabalho estragasse.
Depois que fiquei satisfeita com o resultado, voltei para o quarto, onde
encontrei Colin dormindo.
Como sempre, Lion estava aos pés da cama cuidando deles.
Sorri e fiquei alguns segundos admirando a paz que aquele momento
me trazia.
Quando descobri que estava grávida, achei que Consuelo fosse me
repreender por ter sido descuidada, mas não, tanto ela quanto Benito foram
maravilhosos comigo e me apoiaram o tempo todo.
Na verdade, foi muito mais difícil para mim mesma aceitar aquela nova
realidade do que para eles.
Lembrava-me com exatidão o quanto estava me sentindo estranha antes
dessa bomba ter sido jogada em meu colo.
Nós estávamos há pouco mais de um mês longe de Washington e eu
ainda estava imensamente triste, mas além disso eu sentia enjoo quando
acordava e uma série de sintomas que me deixaram paralisada assim que
desconfiei do que se tratava.
Escondi o máximo que pude de todos, não queria acreditar que aquilo
estava realmente acontecendo comigo, mas não demorou para Consuelo
perceber que alguma coisa estava errada e por insistência dela fiz alguns
testes de farmácia.
A confirmação me deixou em pânico. Eu mal sabia tomar conta de
mim, como conseguiria cuidar de uma outra vida!?
Esse choque de realidade me deixou reclusa e pensativa. O medo que
senti fez a depressão voltar e eu só melhorei de verdade quando minha
barriga começou a crescer.
Ver a prova física do serzinho que estava crescendo dentro de mim, fez
com que criasse uma nova consciência e por causa dele eu me obriguei a
melhorar e nunca descontei em meu filho a dor por estar vivendo aquela
situação, embora soubesse que ele podia sentir minha agonia.
Depois que me acostumei com a ideia, pensei em procurar por Harry,
mesmo sabendo que ele estava prestes a se casar, mas o mesmo medo que
tomou conta de mim quando fugi, voltou com força total. As pessoas que
tinham me ameaçado eram perigosas e não me deixariam destruir tudo o que
haviam conseguido até ali.
Joseph foi da mesma opinião quando lhe contei do meu estado.
Segundo ele, havia gente muito poderosa nesse jogo e eles não hesitariam em
acabar com a minha vida e, consequentemente, com a do meu bebê.
Então eu recuei e deixei que minha família cuidasse de mim.
Eles me faziam bem e não conseguia imaginar avós melhores para meu
filho.
Deixei minhas lembranças de lado quando Consuelo entrou no quarto.
— Esse rapaz me deu a maior canseira hoje — confessou, olhando com
carinho para ele.
— Eu sei bem como é — sussurrei.
Consuelo sorriu e avisou que desceria para começar a fazer o jantar.
Aproveitei seu sono para ir tomar um banho, precisava tirar os
respingos de tinta que havia pelo corpo. Ao terminar, coloquei uma bermuda
e uma regata bem confortáveis e me deitei ao lado do meu bebê.
Minutos depois, vagarosamente, ele foi despertando.
— Oi, meu amor... — falei, pegando sua mãozinha e a acariciando.
Colin abriu os olhos completamente e ficou me olhando.
A beleza do meu filho era algo inquestionável, ele tinha algumas
características minhas, como o formato dos olhos e o sorriso, mas o restante
era tudo do pai dele: as lindas íris azuis, sombreadas por longos cílios, a pele
clara e o cabelo castanho-escuro.
Às vezes a semelhança dele com Harry chegava a me assustar e isso
sempre vinha acompanhado de uma pontada no peito.
— Quelo donut — disse ele, a voz ainda rouca de sono.
Não pude deixar de rir. Colin adorava donut e Consuelo fazia os
melhores que já comi e, se deixasse, ele viveria de lanches
— Que tal uma fruta?
Ele fez que não com a cabeça e fechou a cara.
— Donut — insistiu, levantando-se da cama.
— Se você comer bem no jantar eu prometo que te dou donut.
Seus olhinhos ficaram estreitos, pois ele sabia que eu estava tentando
negociar.
— Donut pimero — persistiu, batendo o pé e tive que me segurar para
não rir.
O garoto tinha um gênio difícil, era quase impossível negociar com ele.
Precisaria ter uma conversa séria com seus avós para que parassem de mimá-
lo, senão ele ficaria insuportável.
— Vamos descer e brincar um pouco com o Lion, depois a gente
conversa sobre seus donuts.
Ele pensou um pouco e depois balançou a cabeça em confirmação.
Colin amava o Lion e quando os dois se juntavam era dor de cabeça na
certa.
Para não haver bagunça dentro de casa, descemos direto para o jardim.
No dia em que chegamos àquela linda casa de campo, todos nós
estávamos assustados, sem saber direito o que fazer, sem graça de mexer em
qualquer coisa.
Mas aos poucos, e após muita persistência de Joseph, ela acabou se
transformando no nosso lar.
Benito e Consuelo sempre sonharam com algo assim e em muito pouco
tempo estavam cuidando de tudo como se aquela casa fosse deles.
Mesmo após ter recebido a parte da herança deixada a mim por meu
pai, continuamos vivendo ali, primeiro porque Joseph insistiu demais. Ele
afirmou que se não aceitássemos seu empréstimo, a casa ficaria fechada. E
segundo porque já havíamos nos acostumado, seria doloroso ter que nos
mudar novamente.
Entretanto, fizemos questão de continuar cuidando da limpeza e da
manutenção do maravilhoso jardim. Não queríamos pessoas estranhas
convivendo conosco.
O importante era que amávamos morar ali e o fato de estarmos
rodeados por tanta beleza diminuiu um pouco da tristeza que todos nós
sentíamos por termos sido praticamente expulsos de Washington.
O jardim ficava florido o ano inteiro, uma vez que meu antigo
motorista se encarregou de cultivar flores e plantas para todas as estações.
Além disso, havia uma horta bem sortida e também um pomar.
Era, literalmente, um pequeno pedaço do paraíso no qual Benito
passava grande parte do seu dia, por isso, não foi novidade encontrá-lo lá
quando saímos.
Ao nos ver, o velho senhor parou de molhar as plantas e se juntou a nós
para brincar também.
Fiquei observando o garoto e o cachorro correndo pelo vasto gramado.
Ao longe, o lindo pôr do sol que me serviu de inspiração dezenas de vezes já
fazia sua mágica.
Se o preço que paguei para estar ali não tivesse sido tão alto, se meu
filho não estivesse crescendo sem nem saber quem era seu pai e eu não
estivesse longe do homem que amava, poderia dizer que tinha uma vida
perfeita.
Mas infelizmente as coisas não eram assim. Eu ainda carregava comigo
um monte de ressentimento por aqueles que foram responsáveis por tantos
infortúnios em minha vida.

— O café está pronto, filha — Consuelo avisou assim que me viu


descer as escadas na manhã seguinte.
Assenti e a acompanhei até a varanda. Era lá que tomávamos nosso
café ou o lanche da tarde sempre que a temperatura permitia.
— O que houve, querida? — ela perguntou após me servir um pedaço
de bolo.
— Colin está cada dia mais teimoso e às vezes sinto falta de uma figura
masculina na educação dele.
— Sente falta dele — afirmou.
— Todos os dias, desde que o deixei — confirmei, pois não adiantava
me fazer de desentendida.
— Bom, o mandato dele está quase acabando, logo as pessoas que
queriam vocês separados vão achar outro candidato para focar e você poderá
revelar toda a verdade.
Eu não achava que as coisas seriam tão fáceis assim. Mas, fáceis ou
difíceis, eu já tinha estipulado um prazo máximo para revelar a verdade e
faltando um ano para seu mandato terminar, esse prazo havia chegado.
Havia rumores de que ele iria concorrer à reeleição, mas isso não faria
diferença, já que tinha esperado tempo demais para deixá-lo ciente do que me
motivou a ir embora e, especialmente, da existência de Colin.
Além do mais, eu me sentia na obrigação de lhe informar que estava
rodeado de pessoas mentirosas e perigosas, que fariam de tudo para mantê-lo
no poder. Isso era algo que me atormentava desde que fui embora, mas que o
medo não me deixou corrigir.
Só esperava que ele não tivesse mudado tanto quanto aparentava.
Por mais raiva que sentisse de tudo o que aconteceu, eu me esforçava
para que o ódio não me contaminasse a ponto de colocá-lo no mesmo pacote.
Embora soubesse que Harry devia sentir essa mesma raiva de mim por tê-lo
abandonado, ele desconhecia as circunstâncias de nossa separação, então, não
era justo que pagasse pelas armações de outras pessoas.
Claro que isso poderia mudar de uma hora para outra, tudo dependeria
de como ele me trataria e de como encararia as informações que iria lhe
passar; se ele agisse como o homem frio que parecia ter se tornado, eu não
hesitaria em jogar todo o meu ressentimento em cima dele também.
Bem que diziam que amor e ódio andavam juntos.
— Sim, Consuelo, também espero que um dia todo esse pesadelo acabe
— falei para tentar encerrar o assunto.
Sabendo o quanto ainda me incomodava falar dele, ela não insistiu e
conversamos a respeito de outras coisas até avistarmos o carro de Kent se
aproximando.
— Bom dia, meninas — disse ele assim que chegou à varanda e ambas
o cumprimentamos.
John tinha trinta e oito anos, era loiro, alto e relativamente forte. Além
disso, era extremamente educado, muito simpático e discreto. Seu porte
aristocrático chamava a atenção e eu sempre dizia que ele parecia um
autêntico lorde inglês.
— Aceita um café? — Consuelo ofereceu.
— Certamente que sim, seu café é o melhor que já bebi — respondeu,
todo galanteador, mas sincero.
Ficamos conversando amenidades até que ele terminasse e fomos para
o ateliê, queria que ele visse a pintura ainda no cavalete.
Como sempre fazia, John analisou a obra por vários minutos e depois
me encarou. Seu semblante estava tão sério, que me deixou apreensiva.
— O que foi, não gostou?
— Pelo contrário. Gostei tanto que vou te aconselhar a fazer outra para
deixarmos na galeria, a que tinha lá já foi reservada.
Sorri, aliviada.
— Ótimo, se você gostou, significa que os clientes vão gostar.
John entendia muito de arte e eu confiava no julgamento dele, afinal,
quando não apreciava alguma coisa, ele falava sem nenhuma cerimônia. Esse
seu jeito prático foi me dando confiança para ir melhorando.
— Tenho certeza que sim. Essa, pelo que eu entendi, vai para
Washington, mas ela já avisou que se gostasse iria encomendar outra para si,
então, prepare-se.
Senti um friozinho na barriga só por saber que minha tela iria para a
mesma cidade onde o homem da minha vida estava.
— Com vocês, o Presidente dos Estados Unidos.
Por detrás das paredes de um dos salões de festa da casa branca, escutei
meu nome ser anunciado daquela forma pela milésima vez desde que fui
eleito.
Tornar-me presidente foi uma das minhas maiores conquistas, mas
também a maior responsabilidade que já tive.
Desde o dia da minha posse, foram inúmeros jantares, festas e
encontros com chefes de estado, embaixadores e presidentes de outros países.
Eu tinha o dever de proteger e cuidar, da melhor maneira possível, da
nação mais poderosa do mundo e só eu sabia o quanto isso pesava em minhas
costas.
Passei pelos homens do serviço secreto e encontrei um salão suntuoso
cheio de políticos e possíveis aliados para minha reeleição — ideia fixa em
minha cabeça nos últimos meses, mas que só seria anunciada naquela noite e
apenas àquele grupo.
E apesar de ser assustador pensar em embarcar nessa loucura
novamente, era gratificante saber o quanto contribuí para o crescimento do
país e das pessoas em geral.
O poder de compra aumentou em todas as classes, um grande número
de pessoas conseguiu adquirir a própria casa; jovens, sem qualquer visão de
futuro, hoje faziam faculdade e inúmeras crianças agora viviam em lugares
mais seguros.
Ficava aliviado por nunca ter precisado decretar um bombardeio ou
algo do tipo em algum desses países mais beligerantes. Ser, de certa forma, a
mão de Deus na terra, era cansativo, desafiador e na maioria das vezes,
bastante complicado. Muitas das decisões que tomava em prol do bem maior,
acabava por prejudicar algumas pessoas, de forma que nunca era fácil estar
no meu lugar.
No entanto, embora tenha perdido muita coisa no caminho até ali, ainda
não tinha me arrependido, e isso não tinha nada a ver com o prestígio que o
cargo me dava e sim com a perspectiva de continuar com o trabalho que
havia iniciado.
Como de costume, procurei pelo olhar de minha esposa que se
encontrava acomodada à mesa próxima ao palanque.
Catherine estava desempenhando com louvor o seu papel de primeira-
dama, simplesmente porque amava estar naquela posição. Astuta, ela sabia
exatamente o que falar à imprensa para acalmar a sede que os jornais e
revistas tinham por notícias.
A bela mulher realmente tinha talento para aquilo, motivo pelo qual,
ultimamente, estava se esforçando para que eu conseguisse me reeleger.
Sorrindo, ela acenou, parecendo nitidamente orgulhosa e carinhosa,
como toda esposa de político deveria se mostrar.
Eu, como de costume, retribuí, arrancando alguns olhares de aprovação.
Era uma grande encenação, ao menos naquela parte da minha vida, e
ambos havíamos nos tornado experts em fingir que formávamos a família
perfeita.
Assim que as palmas cessaram e as pessoas voltaram a se sentar, dei
boa-noite ao público seleto e comecei meu discurso.
Ali havia prefeitos, governadores, deputados e senadores dos principais
estados. Eles compunham minha base aliada e meu intuito naquele evento era
medir a temperatura e mensurar o grau de aceitação, já que deixei muitas
dessas pessoas insatisfeitas quando não aceitei certos acordos que visavam
apenas encher os bolsos de algumas lideranças.
Para começar a traçar minhas estratégias, tinha que saber em que
terreno estava pisando, ao mesmo tempo, precisava ser firme e convincente.
Todos eles sabiam que eu era a melhor opção para o partido Republicano
continuar no poder, mas ainda haveria aqueles que tentariam barganhar,
então, fiz o meu melhor.
Após meu discurso, foi a vez de Blake.
Como sempre, ele atraía a atenção de todos e como meu vice, tivera um
enorme protagonismo e era uma extensão de mim. Eu ainda não sabia se meu
amigo iria querer se candidatar à presidência futuramente, mas estávamos
trabalhando de modo que, se essa fosse sua vontade, ele tivesse chances de
ganhar.
Quando descemos do palanque, cada um foi para um lado a fim de
cumprimentar o maior número de pessoas. Também fui apresentado a uma
dezena de outras, entre políticos de esfera estadual e empresários que
resolveram investir em minha reeleição.
Enquanto andava em direção a eles, Lexy ia me dando detalhes sobre
cada um, o que eu achava incrível.
Era ela e Allen que cuidavam do meu gabinete e, apesar de todas as
divergências entre eles, estavam fazendo um ótimo trabalho, pois um
contrabalanceava o outro e a mediação de ambos me ajudava a tomar a
melhor decisão. Com isso, nosso índice de aprovação nunca esteve tão alto,
pois conseguíamos manter os conflitos internos sob controle o que me
ajudava a focar nos problemas do país.
Quando finalmente cheguei à nossa mesa, encontrei Zara. Ela e minha
esposa apenas se toleravam e a interação entre as duas era sempre forçada.
Mais uma encenação no teatro que era a minha vida.
Dei um beijo em Catherine e cumprimentei as outras pessoas que
ocupavam a mesa.
Meus pais deveriam estar ali, mas haviam viajado e não conseguiram
chegar a tempo para o evento, todavia, os encontraria no dia seguinte, na
inauguração de uma escola no subúrbio da cidade. Mamãe adorava participar
desse tipo de evento, então, sempre que podia, estava ao meu lado.
Ela era outra que não suportava Catherine e isso era um verdadeiro
desastre, pois Julie Collins-Stone não deixava barato e quando estávamos em
público, preferia não ficar muito perto da nora para não ter que fingir.
— Seu discurso foi incrível — elogiou minha esposa.
— Obrigado, mas não pretendo ficar muito tempo, estou exausto — foi
o que respondi, um tanto seco.
Ser o presidente de um país significava trabalhar em tempo integral. Eu
não tinha descanso durante o dia e não sabia quantas vezes fui acordado de
madrugada para resolver algum conflito do outro lado do mundo.
Mas eu não reclamava. Há mais de três anos eu não sabia o que era ter
oito horas de sono contínuo, de forma que ir dormir tarde ou ser acordado em
meus momentos de descanso já havia virado rotina.
Naquela noite, porém, eu estava especialmente cansado.
— Tudo bem, iremos quando você quiser.
Assenti e comecei a conversar com Blake, que havia acabado de se
juntar a nós. Meu vice presidente era muito experiente e entendia de
manobras políticas. Por isso mesmo se tornara meu braço direito em tudo,
para desespero de Allen.
Eu confiava bastante em meu chefe de gabinete, mas minha interação
com Blake era diferente. Eram seus conselhos que me ajudavam a fugir das
armadilhas da oposição no congresso, era ele quem mediava com seus
antigos colegas as questões mais complicadas e eu lhe era muito grato por
tudo isso.
Não demorou dez minutos para Lexy me chamar novamente.
Ela geralmente limitava a quantidade de pessoas com quem eu falava,
mas naquele evento em especial eu tinha de ser o mais simpático e amigável
com o maior número de pessoas possível, pois seriam elas que me apoiariam
quando eu chegasse em suas cidades durante a campanha.
— Tem um casal tentando se aproximar há mais de uma hora, será que
Lexy não percebe esse tipo de coisa? — Catherine reclamou e imediatamente
olhei para onde minha esposa depositava sua atenção.
Ao lado de Zed havia um casal com os olhos fixos em nós, como se
estivessem esperando a oportunidade ideal para se aproximar.
Cathy sorriu e acenou para eles que foram imediatamente ao nosso
encontro.
O homem estava visivelmente nervoso, sua acompanhante, em
contrapartida, parecia radiante.
— É uma honra conhecê-lo, senhor presidente — disse ele quando o
cumprimentei, assim como à sua esposa. Apenas nessa hora eu o reconheci.
Jeff O’Neil estava em seu segundo mandato como prefeito de Nova
Jersey. E apesar de nunca termos sido apresentados, eu sabia que era um
homem simples e íntegro, que sempre elogiou o meu governo e deu seu apoio
para uma possível reeleição antes mesmo de eu a cogitar.
Conversei com ele até Lexy aparecer dizendo que precisava me
apresentar a alguém.
Essa era a forma que havíamos encontrado para poder falar com o
maior número de pessoas possível, se não fosse assim, seria monopolizado
por poucos e não conseguiria circular e dar atenção aos outros.
Despedi-me dos dois, agradecendo o apoio, e após cumprimentar mais
alguns políticos e empresários, deixei o evento, aquele dia já tinha se
estendido demais.
Ao chegarmos em nossos aposentos privados, Cathy dirigiu-se ao
quarto e eu fui ao bar, onde me servi uma pequena dose de uísque.
Caminhei pela área comum e ao chegar à sala de estar, vi os presentes
que havíamos recebido no evento daquela noite. Observei que todos estavam
fora das embalagens e prontos para serem catalogados, uma vez que
Catherine, em seu papel de primeira-dama perfeita, gostava de enviar uma
carta de agradecimento a cada pessoa que nos presenteava.
A maioria das coisas que ganhávamos tinha um toque do lugar de onde
vieram. Muitos preferiam oferecer algo feito por artistas locais, por isso,
havia diversas peças artesanais, além de peças de arte como esculturas, vasos
e quadros feitos por pessoas muito talentosas, mas pouco conhecidas.
— Senhor, temos um problema — disse Allen, entrando na sala.
Já era tarde, mas como eu estava em um evento, devem tê-lo chamado.
— O que houve?
— Uma base americana próxima a Israel acabou de ser bombardeada.
— Convoque uma reunião de emergência, estarei lá em cinco minutos.
Allen assentiu e saiu para cumprir minhas ordens.
Terminei minha bebida, fui ao banheiro para jogar uma água no rosto e
me dirigi à Sala da Crise.
Depois de uma hora e meia com os diretores da CIA e da ASN[4], o
secretário de estado e o Departamento de Defesa, foi decidido que
enviaríamos uma equipe para retirar os feridos e deixaríamos todas as tropas
próximas em alerta. Enquanto isso, os órgãos competentes fariam de tudo
para descobrir quem lançara o míssil, uma vez que ninguém havia se
responsabilizado pelo atentado.
Esperava que no dia seguinte já tivesse um relatório detalhado com os
nomes dos culpados.

Com todos os acontecimentos, meu humor estava péssimo na manhã


seguinte, quando me sentei à mesa para minha primeira refeição do dia.
Catherine, ao contrário, já estava andando pela casa com seu sorriso
ensaiado.
— Bom dia, querido — disse ela, beijando-me rapidamente nos lábios,
para o caso de haver algum empregado por perto.
— Bom dia — resmunguei e tomei um gole de café.
Após ter comido, enchi mais uma xícara e fui à sala de estar a fim de
ler o jornal. Aquele era o único momento do dia em que eu podia relaxar, por
isso não abria mão, a não ser que houvesse algo mais urgente para fazer.
— Há peças muito bonitas aqui, mas outras, meu Deus, como alguém
tem coragem de presentear uma pessoa com isso!
— Hum — resmunguei, não prestando real atenção ao que minha
esposa estava falando.
Ainda assim, ela continuou olhando tudo e fazendo comentários, o que
tirou minha concentração.
Desviei minha atenção das notícias e analisei seu rosto bonito. Parecia
que Cathy havia nascido para isso e mesmo nos nossos piores momentos, eu
não havia me arrependido da escolha que fiz.
Não apenas por tê-la sempre ao meu lado, segurando a barra e
aconselhando, mas porque foi ela quem me abriu os olhos durante o período
mais sombrio da minha vida.
Lembrava-me nitidamente da noite em que apareceu no meu
apartamento.
Fazia quatro dias que eu tinha chegado de Washington. Zed estava de
folga e eu já tinha bebido muito, uma vez que quando não estava dormindo,
era apenas isso que eu fazia.
Só que Rurick havia acabado de me falar que, apesar de todos os
esforços, não encontrara qualquer pista de Elizabeth e isso me deixou
especialmente irritado. Quando dei por mim, estava quebrando tudo o que
via pela frente.
E foi agachado, tentando juntar alguns cacos de vidro, que Cathy me
encontrou.
— Meu Deus! — ouvi a exclamação e quando me virei, ela estava
parada, a mão na boca, atônita diante do caos que presenciava.
Eu podia entender seu choque, a sala da minha cobertura estava
irreconhecível, como se um furacão tivesse passado por ali, com móveis
revirados, espelho estilhaçado, copos quebrados e algumas poucas garrafas
inteiras espalhadas pelo chão.
— Eu achei que a fase da raiva já tivesse acabado — disse ela quando
conseguiu falar.
Imediatamente meu rosto se fechou em angústia. Também tinha achado
que os dias mais sombrios haviam ido embora.
Voltei a me abaixar e gemi pela décima vez quando outro filete de
vidro entrou em minha pele.
No instante seguinte Cathy estava ao meu lado, a mão sobre a minha
para me impedir de continuar aquilo.
— Deixe-me ajudá-lo — pediu, a voz calma e doce.
— Ninguém pode me ajudar — rebati, amargurado.
— Deixe-me tentar.
Olhei para seu rosto e ela parecia bem aflita. Quanto a mim, senti-me
subitamente exausto de lutar comigo mesmo e acabei cedendo.
Guiei-a até meu quarto, que estava impecável, já que minha fúria havia
se limitado à sala, e fomos direto para o banheiro.
— Sente-se aqui — falou, apontando a tampa da privada.
Quando o fiz, ela abriu o armário e achou a caixinha de primeiros-
socorros que eu deixava ali.
Em silêncio e com muita calma, pegou uma de minhas mãos. Havia
pequenos cortes nas palmas de quando tentei catar o vidro e também no
dorso, que eu não sabia como haviam surgido.
Depois de limpar, passou uma pomada antisséptica e enrolou uma
faixa em ambas as mãos.
Quando terminou, levantei-me e fui para cama, como um autômato.
Deitei-me de lado e fiquei olhando através das janelas para as luzes
noturnas de Nova York.
— Vou providenciar a limpeza da cobertura e alguma coisa para você
comer.
Eu nada respondi, não tinha forças.
Ela saiu e pude ouvi-la falando com alguém, mas não me interessei o
suficiente para prestar atenção à conversa.
Pelo que pareceu uma hora, eu fiquei ali, o olhar disperso, meio morto.
Então Cathy voltou e um cheiro delicioso de comida tomou conta da
suíte. Infelizmente, meu estômago não achou tão bom assim e revirou um
pouco. Há dias que eu não me alimentava direito. A verdade era que havia
entrado em um círculo vicioso: bebia até dormir, acordava, e começava tudo
de novo; justo eu, que nunca fui de beber. Só que a falta de comida associada
ao excesso de álcool não estava me fazendo bem.
— Coma ao menos um pouco — pediu quando não me movi.
Pensei em negar, mas imaginei que quanto mais eu teimasse, mais
tempo ela ficaria ali, então me sentei e, mesmo com um pouco de náusea,
tomei algumas colheradas da sopa.
Quando viu que eu não comeria mais nada, ofereceu-me um copo de
água gelada, que eu sorvi vorazmente.
— Que tal um banho, agora? — sugeriu como se eu fosse uma criança
e só pude imaginar o estado em que me encontrava para ela me fazer aquela
proposta.
Um pouco envergonhado, tranquei-me no banheiro e fiz como ela
sugeriu. Ao terminar, refiz o curativo o melhor que pude e escovei os dentes,
conformado com o fato de que ela não iria embora enquanto eu não estivesse
dormindo.
Voltei ao quarto e me deitei novamente. Dessa vez, entretanto, ela não
saiu.
— É agora que você vai falar o quanto eu estou sendo imbecil por ficar
sofrendo por uma mulher? — perguntei, sarcástico.
Cathy se sentou na poltrona que ficava perto da cama e por alguns
segundos ficou calada, como se estivesse ponderando o que falar.
— Eu não vim aqui para te dar bronca ou lição de moral, Harry. Vim
porque estava preocupada. Claro que eu não imaginei que fosse encontrá-lo
parecendo tão patético, mas não me surpreendi.
Minha respiração acelerou ao ouvir suas palavras. Tirando Lexy,
ninguém falava comigo daquele jeito e isso me surpreendeu e aborreceu ao
mesmo tempo.
— Se não gosta do que vê, vá embora. Você não tem nada a ver com
isso — apontei, bruscamente.
— É aí que você se engana. Todos nós temos a ver com qualquer coisa
que acontece com você. O que o atinge respinga em nós que estamos
trabalhando incansavelmente há vários meses para que possa realizar seu
sonho.
Ri sem qualquer humor.
— Um sonho idiota de um garoto mimado.
— Isso até poderia ser verdade se realmente fosse um garoto mimado,
mas esse não é você. Pelo contrário, venho acompanhando sua vida há muito
tempo e as coisas que fez, as lutas que travou em prol dos mais pobres e a
ajuda que conseguiu não aconteceram apenas porque queria ser presidente
um dia e sim porque é disso que gosta. É nítido no seu olhar e na paixão com
que fala sobre a necessidade de ajudar quem precisa que isso lhe faz bem,
então não venha com esse cinismo para cima de mim, porque não vai
conseguir me enganar.
Ela parou e quando não me manifestei, respirou fundo.
— Eu sei que está sofrendo, acredite em mim, eu sei — enfatizou,
fazendo-me olhá-la com mais atenção. — Mas o que aconteceu com você
acontece todos os dias com centenas de pessoas, porém, a grande maioria
delas, as mais fortes, sofrem por um tempo, mas depois se erguem, tornando-
se ainda mais fortes. E se você é o homem inteligente e bem intencionado que
eu sempre enxerguei, vai superar essa perda e voltar ainda mais poderoso do
que era. É isso que eu, sua equipe e os americanos esperamos de você.
Engoli em seco e desviei o olhar. Mas ela prosseguiu:
— Harry Stone nasceu para ir além, para deixar um legado e um
exemplo a ser seguido. Não permita que uma desilusão amorosa o impeça de
ser e fazer tudo o que sempre desejou.
Após isso, ela se aproximou de mim, acariciou meu rosto e saiu,
deixando-me só com meus pensamentos.
Eu queria contrariá-la, fingir que suas palavras não tinham me
atingido, mas não consegui. Naquela noite, após ponderar tudo o que ouvi,
dormi como não fazia há muito tempo e no dia seguinte acordei disposto a
tomar as rédeas da minha vida outra vez.
— Eu amei esse quadro aqui — Cathy falou, tirando-me das
lembranças em que imergi. — Vou colocá-lo na nossa biblioteca, o que acha?
— perguntou, analisando um dos presentes que havíamos ganhado na noite
anterior.
Fitei com mais atenção a pintura que ela me mostrava e na mesma hora
senti uma fisgada no peito ao associar aqueles traços a outros que eu conhecia
muito bem. Não pude evitar que minha mente viajasse para lugares proibidos,
lugares que eu fazia questão de deletar da minha memória, mas que,
infelizmente, ainda estavam ali.
Desviei o olhar e esforcei-me para mandar todas aquelas imagens de
volta ao arquivo esquecido nas profundezas da minha alma.
— É maravilhoso, não acha? — ela insistiu.
Obriguei-me a olhar para a pintura mais uma vez e assenti.
— É, sim, muito bonito.
Fechei o jornal, levantei-me, despedi-me dela e fui trabalhar; não havia
espaço para nostalgia em minha vida.
— O Dan anda meio estranho — Stella comentou ao entrar em meu
ateliê.
Colin estava dormindo e aproveitei para iniciar uma das duas telas que
haviam sido encomendadas naquela semana.
— Estranho como?
Stella se jogou em uma poltrona que ficava próxima à porta.
— Sei lá, é ótimo quando estamos juntos, mas às vezes o acho meio
distante.
Não era a primeira vez que Stella reclamava de seu namorado. Eu não o
conhecia profundamente, mas tinha certeza de que era uma boa pessoa, por
isso sempre tentava dar bons conselhos.
— Alguém já te falou o quanto você é carente e louca por atenção? —
brinquei e ela arregalou os lindos olhos cor de amêndoa.
— Você está defendendo o distanciamento dele?
Fiz que sim com a cabeça.
— Amiga, Dan sofre do mal de muitos nerds: é avoado. Não fica
procurando defeito no rapaz.
Dan amava ficar horas e horas montando e desmontando computadores,
às vezes desmarcava compromissos para terminar algum trabalho.
Stella, obviamente, não gostava desse jeito desprendido dele e vivia
reclamando, sem se lembrar que quando estavam juntos, ele era super
atencioso com ela e seus pais, que pensavam como eu.
— Eu não tive outros namorados, mas sinto vontade de estar com ele o
tempo todo — ela confidenciou.
Ah, como eu a entendia! Lembrava-me de que quando comecei a ficar
com Harry, sentia-me muito envolvida e queria estar a todo momento com
ele.
Sempre que o nome dele surgia em minha cabeça, meu olhar vagava,
procurando por lembranças e momentos que ficaram marcados em minha
alma. Tanto, que logo nos primeiros meses longe, Stella e eu paramos de
tocar no nome dele, já que eu sempre caía em uma profunda tristeza.
Com o tempo, essa dor foi diminuindo, mas nem por um instante
deixava de ser incômoda.
Stella conversou mais um pouco sobre Dan e depois ligou a TV que eu
havia colocado no ateliê para que Colin assistisse desenho enquanto eu
pintava.
Ela sintonizou em um canal de fofocas que exibia um de seus
programas favoritos e, para minha surpresa, estavam falando de Harry e
Catherine.
— Eles são lindos juntos, mas é aí que está o problema, o casal é
perfeito demais, entende? — uma comentarista disse e Stella me olhou.
— Pode deixar, não tem problema — garanti e continuei pintando.
— Concordo com a Jane, tudo bem que uma primeira-dama precisa
exibir uma fachada impecável, mas ela é muito forçada — disse Jim, um dos
mais venenosos.
— O que mais me chama a atenção é o fato de eles não terem filhos —
comentou outra e essa fala fez meu coração se apertar. — Sim, eu sei que eles
tentaram e não conseguiram, mas vai ficar por isso mesmo?
— Estava me fazendo a mesma pergunta outro dia — voltou a falar
Jim. — Será que em vez de cogitar uma reeleição, eles não deveriam estar
pensando na perpetuação dos Stone?
— Chega, você não precisa ficar ouvindo isso — disse Stella, pegando
o controle e desligando a TV.
Fiquei em silêncio remoendo aquelas notícias que me faziam
questionar, mais uma vez, como ele estava, como era sua vida de casado, se
ele sentia por ela a mesma paixão que um dia sentira por mim...
— Você acha que eles são felizes? — perguntei a Stella, ainda de
costas para ela.
— Não sei, Lizzie, em frente às câmeras eles fazem um belo trabalho,
mas entre quatro paredes as coisas podem ser diferentes.
Lembrava-me como se fosse ontem do dia em que li a notícia de que
ela e Harry estavam noivos, aquilo desceu pela minha garganta como ácido.
Todas aquelas manchetes, o noivado, o casamento pomposo, tão
diferente da cerimônia íntima que eu sonhei, foi realizado poucos meses
depois de eu o deixar e nada me tirava da cabeça que isso só aconteceu
porque Harry estava tão decepcionado com a minha partida, que colocou todo
o seu foco nas eleições, querendo ganhar a qualquer custo, ao ponto de
aceitar o que lhe ofereceram.
Depois que eles se casaram comecei a perceber muitas coisas e rezava
para que a vida dele com aquela mulher intragável, por quem eu cultivava um
grande desprezo, não fosse tão ruim quanto eu imaginava.
Respirei profundamente, não adiantava ficar remoendo os fatos
passados, eu tinha que pensar no meu filho, no meu trabalho e seguir em
frente.
Mas para isso, eu precisava me abrir com Harry. Tudo o que aconteceu
pesava em meus ombros e mais do que nunca eu sentia necessidade de dividir
esse peso com aquele que foi, indiretamente, responsável pelo que passei.
Quando isso acontecesse, seria a hora de ele tomar algumas decisões. Estava
curiosa para saber como iria proceder depois que soubesse da existência do
filho.
— Provavelmente, ser presidente está suprindo qualquer outro desejo
que ele pudesse ter. Se as coisas entre eles fossem tão ruins assim, ninguém
estaria falando a respeito de uma possível recandidatura — Stella deu de
ombros, mas ao ver minha tristeza, emendou: — Ei, não pense nisso,
independentemente de como eles dois estão, você já sabe o que tem que
fazer, não se martirize antes da hora — pediu e saiu, voltando minutos depois
com duas taças de sorvete para nós.
Era sempre assim quando algum assunto desagradável surgia; tínhamos
a falsa ilusão de que tomar sorvete acabaria com os problemas.
Não acabava, mas aliviava o peso e deixava um gosto doce na boca.
No fim do dia, John apareceu, superanimado, dizendo que recebera
uma carta pedindo que ele indicasse um dos artistas com quem trabalhava
para que este participasse de uma exposição promovida apenas para novos
talentos.
Se já ficara animada com a carta, quando ele me entregou o convite,
dizendo que havia me escolhido, eu fui às nuvens. Tinha tanto tempo que não
me dava ao luxo de fazer alguma coisa realmente legal...
Entretanto, do mesmo jeito que começou, minha animação arrefeceu e
me obriguei a pedir um tempo para pensar um pouco sobre o assunto. O
evento aconteceria dali a quatro semanas em Nova York e na semana
seguinte, em Washington, com artistas diferentes em cada cidade.
Mas só de pensar em voltar para qualquer desses dois lugares, um
arrepio atravessava meu corpo. O primeiro porque certamente me traria
lembranças da época mais feliz da minha vida e o segundo por razões óbvias.
Uma coisa era viver normalmente em outro estado, outra completamente
diferente era voltar para aquele ninho de cobras.
Quando Kent foi embora, peguei Consuelo me observando de onde
estava sentada, na varanda.
— O que foi? — perguntei ao me sentar perto dela.
— Você ficou com medo.
— Anda escutando a conversa dos outros, é?
Consuelo me conhecia muito bem, por isso não neguei.
Ela sempre me incentivou a ir atrás de Harry desde o começo, quando
descobri que estava grávida, mas naquela época eu estava fragilizada demais
e consegui convencê-la do que poderia acontecer caso jogasse uma bomba
daquelas no colo dele.
Entretanto, conforme os anos foram passando e minha confiança
voltando, convenci a mim mesma de que tinha chegado a hora de colocar as
cartas na mesa. Isso não queria dizer que não sentia um frio na barriga só de
pensar na possibilidade de voltar a uma daquelas cidades.
— Foi sem querer, mas, sim, eu escutei — afirmou, firme.
Olhei para ela que me fitou de volta, não se deixando abalar pela minha
tentativa de intimidação.
— Depois do que fizeram com a Stella, você deveria ser a primeira a
me desincentivar a voltar para Washington.
Consuelo me encarou, o rosto sério.
— Lizzie, eu a amo como se fosse minha filha, por isso não posso ficar
calada. Qualquer um vê o quanto está feliz com seu negócio ou quando faz as
coisas de que mais gosta, como pintar e cuidar do seu filho, mas, ainda assim,
parece estar agindo no automático... Sei o quanto ficou feliz quando soube
que estava grávida e do quanto ama seu filho, mas isso não quer dizer que
superou tudo o que aconteceu. — Ela suspirou. — Eu acho que deve ter
medo, sim, afinal, são pessoas perigosas, mas esse medo não pode te impedir
de ir atrás do que deseja.
Tudo o que Consuelo falava era verdade, eu tinha reconstruído minha
vida, montado meu próprio negócio, mas realmente precisava ir além.
— Você tem razão em tudo Consuelo, acho que só fiquei assim porque
foi a primeira vez que a possibilidade de sair daqui surgiu. E se eu quiser
expandir meu negócio e mostrar a minha arte, preciso começar a circular, não
é mesmo? Além disso, resolvi que chegou a hora de Harry ficar a par do que
aconteceu. Você sabe que eu fiquei esperando que ele viesse atrás de mim,
mas isso não aconteceu — dei de ombros —, então, sou eu quem vai atrás
dele e quanto mais confiante eu estiver, melhor.
— Finalmente! — falou de forma dramática. — Tenho certeza de que
quando souber de tudo, ele ficará ao seu lado. O pai do seu filho é o
presidente dos Estados Unidos, santa madre de Dios, o homem mais
poderoso do mundo!
Não pude deixar de rir. Consuelo morria de orgulho de ter conhecido
Harry e tinha total certeza de que ele nos protegeria, ainda mais depois que
soubesse sobre Colin.
E era isso o que mais me agoniava. Eu já sabia que depois do que fiz,
Harry não me receberia com os braços abertos. Mas isso não era nada perto
do pior pecado que cometi: esconder o nosso filho. Tinha a impressão de que
ele não me perdoaria.
Meu Deus, havia tantas questões a serem resolvidas que eu ficava
exausta só de pensar.
— Isso quer dizer que vai aceitar?
— Ainda não sei. Mas se aceitar, será para ir a Nova York, por mais
decidida que eu esteja a colocar tudo isso para trás, revelar o que aconteceu e
seguir minha vida, não pisarei em Washington tão cedo.
— Que seja em Nova York, então.
— Eu vou pensar. Ele disse que precisa de três obras e eu não tenho
tudo isso.
— Tem, sim.
— Não, ele vendeu todas as que eram boas o bastante para uma
exposição.
— Não estou falando dessas e sim das que você trouxe consigo quando
veio embora e daquelas que pintou logo que chegou.
Consuelo estava se referindo às pinturas inspiradas na visita que fiz a
Nova York com Harry. Eu amava todas elas, mas nunca as mostrei a John.
Era doloroso demais até vê-las, quanto mais expô-las.
— Eu... Vou pensar.
Ela ia falar mais alguma coisa, provavelmente tentar me convencer,
mas fomos interrompidas por Dan, que havia acabado de chegar.
Bonito, alto, com um corpo bem feito, cabelos castanhos bagunçados e
olhos esverdeados, que não necessitavam de óculos, ele contrastava muito
com a imagem que eu sempre tive de um nerd da computação.
Exceto, talvez, por seu jeito calmo e afável.
Como Stella estava em seu quarto, ficamos lhe fazendo sala enquanto
Benito foi chamá-la.
O convite para exposição estava em cima da mesa e Daniel acabou
pegando para olhar.
— Você vai? — perguntou.
— Ainda não sei — respondi, dando d ombros.
— Seria uma ótima oportunidade de ser reconhecida fora daqui —
disse ele, sem se comprometer, encarando as belas letras impressas em tom
acobreado.
— Estava dizendo a mesma coisa — Consuelo afirmou, mas parou de
falar quando Stella apareceu.
Feliz, minha amiga deu um beijo em Dan e também se juntou a eles
para me convencer a aceitar o convite de John.
Escutei seus argumentos e concordei com todos eles, mas não podia
agir por impulso, precisava fazer as coisas com a cabeça no lugar para não
me arrepender depois. A última coisa que queria era ter que fugir de novo e
acabar com a vida que tínhamos construído ali.
Naquela propriedade, Benito e Consuelo estavam vivendo a vida dos
sonhos, Stella, por sua vez, estava feliz, apaixonada, e ainda havia meu filho,
que amava tudo aquilo, de forma que eu jamais me perdoaria se acabasse
colocando um alvo em nossas costas novamente.
Parei de pensar naquilo no momento em que Consuelo resolveu
aproveitar a presença de Dan para fazermos uma noite italiana, regada a
muito macarrão e vinho.
Daniel adorou a ideia. Ele fora criado apenas pela mãe, que havia
morrido poucos anos atrás e adorava o clima hospitaleiro com que Consuelo
e Benito sempre o recebiam; sentia que já nos considerava sua família.
Durante o jantar, Colin comeu bem e brincou bastante com Stella e seu
namorado, ele adorava quando recebíamos visita.
De certa forma, isso também me fazia sentir culpada. Toda a situação
em que vivíamos privava meu filho de ter uma vida normal. Para piorar, em
um ano ele iria para a escolinha e eu ficava me perguntando como seria sua
vida sem ter o pai presente.
Sempre que esses pensamentos aleatórios surgiam, eu tentava me
convencer de que estava dando o meu melhor para manter todos em
segurança, era me apegar a isso ou enlouquecer.
O salão o oval era o local onde eu passava a maior parte do dia, onde
recebia chefes de estado, fazia pequenas reuniões, mas também era o lugar
favorito para Lexy me perturbar.
— Harry, você precisa se afastar daquela mulher — disse ela, irritada.
— De novo isso? — perguntei, erguendo os olhos dos documentos que
lia.
— Sim, porque você não me escuta!
— Eu é que sei do que preciso.
— Pelo amor de Deus, Harry, além de presidente do país, você é
casado!
— Está me falando algo que eu já sei — rebati.
— Então pare de agir como se fosse um ser humano qualquer! Mesmo
com seus Contratos de Confidencialidade, não é seguro continuar com esses
casos por mais tempo.
Respirei fundo. Lexy era totalmente contra o comportamento que
adotei nos últimos anos. Não que ela estivesse errada, mas, às vezes, parecia
que eu tinha voltado a ser o pré-candidato que precisava ser perfeito em tudo.
— Além disso, você acha que Cathy vai ficar fazendo cara de paisagem
por quanto tempo?
— Ela não será um problema, nunca foi — falei, dando de ombros.
— O povo americano a aprecia muito, consegue imaginar como ficaria
sua situação caso eles descobrissem que ela está sendo traída pelo marido
que, por coincidência, é o presidente deles?
— Você fala como se fossemos um casal normal.
— Eu sei que não são, mas você vai precisar dela para fazer sua
reeleição acontecer.
— Cathy ama ser primeira-dama, ela não irá me boicotar.
Lexy suspirou, frustrada com tudo isso.
— Eu só acho que tentar preencher esse vazio deixado por...
— Não se atreva, Lexy!
Vi-a estremecer com meu tom de voz, mas não me importei, ela sabia
que era proibida de tocar em determinados assuntos.
— Ok, mas pense em sua reeleição.
Falando isso, ela saiu da sala e minutos depois Duncan Allen entrou,
cheio de novidades sobre as especulações que estavam sendo feitas com
relação ao dia em que faria o pronunciamento oficial.
Era nítido que meu eleitorado estava feliz com o trabalho que
estávamos fazendo nos últimos anos, então, era normal que eu estivesse
confiante com uma possível reeleição.
Exatamente por isso, meus opositores estavam em polvorosa,
desesperados até, uma vez que nunca conseguiram achar nada que manchasse
minha reputação. Para piorar, eu tinha ótimos planos que alavancariam ainda
mais nossa economia, que só não cresceu mais, porque o país estava em uma
situação calamitosa quando fui eleito.
Todos sabiam disso, motivo pelo qual o Serviço Secreto estava ainda
mais atento, temeroso de que acontecesse algum atentado contra mim.
Eu também tinha medo, mas não podia me esconder.
Após debatermos alguns assuntos mais urgentes, notei que Allen
parecia inquieto.
— O que houve?
— Há mais uma coisa que preciso falar, Sr. Presidente — ele disse, por
fim.
— Estou ouvindo.
— Como de costume, fizemos pesquisas para saber qual o seu índice de
aprovação e ele nunca esteve tão alto, no entanto, uma coisa nas respostas nos
chamou a atenção.
Como chefe de gabinete, Allen administrava muito bem todas as coisas
que aconteciam ao meu redor, ele e Lexy eram meus olhos e ouvidos por
todos os lugares.
— Estou curioso para saber o que é — afirmei.
— A grande maioria está satisfeita com os rumos que deu ao país, mas
ainda há muita cobrança para que o senhor e a Sra. Stone tenham um filho.
— O quê?
— O fato de ainda não terem filhos é um dos assuntos preferidos dos
eleitores e da imprensa nos últimos tempos.
— Mas já não foi explicado que Catherine não pode engravidar?
— Sim, mas as pessoas são românticas, elas querem acreditar que o
senhor está fazendo de tudo para perpetuar o nome da sua família.
— Manter a economia estável, gerar empregos, investir em educação e
segurança não é o suficiente, eles estão mais interessados em minha vida
pessoal. É isso mesmo? — perguntei, irritado.
— Sim, senhor, mas isso é natural, os eleitores sempre querem mais.
A parte ruim de ser presidente era estar constantemente sendo vigiado,
não apenas por meus guarda-costas e pela Agência de Segurança Nacional,
mas também pelo restante do mundo, tendo votado e mim ou não.
Minha vida não era mais minha e mesmo tendo embarcado nisso
sabendo que as coisas seriam assim e após três anos sob intensos holofotes,
achava que jamais iria me acostumar.
— Bom, não tenho nada a falar sobre isso.
Eu não tinha a menor vontade de ser pai, muito menos de um filho de
Catherine e não iria fazer tratamento e muito menos adotar uma criança
apenas para satisfazer meus eleitores.
— Está dispensado — falei, sem voltar a olhar para o meu Chefe de
Gabinete.
Essa notícia tinha conseguido amargar o meu dia. Logo me peguei
lembrando de que meu principal concorrente era um ex-combatente de guerra
que tinha o que se podia chamar de família perfeita. Além disso, era um
democrata moderado que poderia agradar muitas pessoas, o que tinha algum
potencial para me dar trabalho.
No entanto, o legado que eu já havia deixado até então, devia pesar na
hora do voto, e era com isso que iria contar.
Fui tirado daqueles pensamentos quando recebi uma ligação de Dom.
Meu irmão estava nos surpreendendo a frente das Indústrias Stone, tanto, que
meus pais mal podiam acreditar que se tratava do mesmo irresponsável de
poucos anos atrás.
— Dom — falei e ouvi um riso baixo.
— Ah, então ainda se lembra de mim? — ele brincou e foi minha vez
de rir.
— Sempre. E aí, como estão as coisas em Nova York?
— Confesso que melhoraram muito depois que você foi embora, não
tem ideia da quantidade de mulher que eu tive que consolar.
Soltei uma gargalhada, meu irmão era uma figura.
— Brincadeiras à parte, liguei para agradecer pelos conselhos,
consegui fechar aquele negócio com os alemães, foram semanas de
negociação, mas, no final, deu certo.
Dom sempre me ligava para conversar acerca de negócios ou pedir
sugestões relativas a como lidar com certos clientes das Indústrias Stone e eu
ficava muito feliz em ajudar e mais feliz ainda quando meus conselhos davam
frutos.
— Que bom, fico feliz em saber que ajudei de alguma forma. Quando
virá nos visitar?
— Sabe que sinto sua falta, mas odeio Washington — ele confessou.
— Você está soando tão sentimental — brinquei.
— Não espalha, tenho que manter a fama de durão.
Ambos rimos, então Dom falou mais algumas besteiras e nos
despedimos.
Eu ficava triste por nos falarmos tão pouco, mas nós dois éramos muito
ocupados e, infelizmente, não dava para perder tempo apenas batendo papo.
Algumas horas depois, deixei o salão oval para me dirigir ao evento
marcado para aquela tarde: a inauguração de um hospital localizado em um
condado proeminente de Nova Jersey. Naquele estado havia uma grande
quantidade de democratas, mas eu não me importava, queria que essas
pessoas vissem que estávamos governando para todos, não somente para os
aliados.
Como nosso destino ficava a algumas horas de Washington, o Serviço
Secreto achou que ir de helicóptero seria a opção mais rápida e segura.
Ainda não sabia como seria recebido, mas esperava que meus eleitores
se juntassem aos que apareceriam lá para protestar. Eu me preocupava com
os anseios da população e tinha aberto várias concessões, mas esse pessoal
nunca estava satisfeito. Eles queriam tudo, sem se preocupar com a vontade
das outras pessoas.
Isso era extremamente cansativo.
A viagem foi rápida e quando o helicóptero pousou no campo de
basebol de uma escola próxima ao hospital, fiquei surpreendido ao ver a
quantidade de gente que estava ali para comemorar e agradecer.
— Acho que o hospital andou amolecendo corações — Lexy comentou
baixinho enquanto caminhávamos em direção à multidão.
Qualquer evento fora da Casa branca era cheio de protocolos e
planejamentos, pois nada poderia sair errado quando se tratava da segurança
do presidente dos Estados Unidos. Devido a isso, o Serviço Secreto estava de
prontidão, certificando-se de me proteger e manter tudo em ordem.
Tudo aquilo era bem chato, na verdade, e estava entre as coisas que
ainda não engolia muito bem.
Conforme nos aproximávamos, sentia o quanto as pessoas estavam
ansiosas para falar comigo ou me tocar por breves momentos e eu amava
sentir a adrenalina que antecedia esses eventos.
Esse era um dos motivos de porquê, mesmo com todas as partes
negativas, eu estava pensando seriamente na reeleição. Mas a verdadeira
razão era porque ainda não tinha conseguido fazer tudo o que me propus.
Além disso, sem a presidência das Indústrias Stone, eu não teria nada
significativo para fazer, de forma que foi muito fácil me convencerem a
entrar nesta empreitada novamente.
Após cumprimentar um bom número de gente, segui até o palco
improvisado na frente do hospital e comecei o meu discurso.
Por estar vários centímetros acima do nível do chão, eu conseguia ter
uma boa visão de quem me encarava com atenção.
Havia muitas pessoas perto de mim segurando placas e cartazes
favoráveis, mas também havia os do contra, alguns parados a uma boa
distância, de braços cruzados ou encostados em carros, demonstrando em
suas feições a aversão que sentiam por mim e, claro, aqueles mais raivosos,
gritando enlouquecidamente para tentarem ser ouvidos, carregando cartazes
que expressavam toda a sua desaprovação.
Nem por um momento isso me abateu, já havia me acostumado e sabia
que a democracia era feita de pros e contras; contanto que não houvesse
violência, todos mereciam falar o que tivessem vontade. Por isso, fiz como de
costume e dei o meu melhor, tentando colocar em meu tom de voz a sincera
alegria que estava sentindo por proporcionar aquilo, a fim de fazê-los
entender que meu governo sempre seria para todos, inclusive para aqueles
que preferiam me ver morto.
Durante os aplausos e risos que surgiram após uma de minhas piadas,
passei os olhos pela multidão e, em meio àquele mar de rostos, relanceei um
que me pareceu bastante familiar.
Pisquei rapidamente, achando que estava vendo coisas e quando olhei
para o local novamente, tudo o que vi foi um cabelo em tom de chocolate se
misturando entre as pessoas eufóricas ali presentes. Porém, tão rápido quanto
surgiu em meu campo de visão, ela sumiu.
Continuei vasculhando o local, mas em certo momento cheguei à
conclusão de que havia sucumbido a um hábito ao qual achava estar liberto.
Fazia tanto tempo que eu me esforçava para não cair nas armadilhas de
minha mente e ali estava eu, sem palavras, diante do que só poderia ser
descrito como uma alucinação.
— Harry, está tudo bem? — Lexy perguntou quando percebeu que meu
silêncio se estendeu por tempo demais.
Assenti, voltei a encarar o público e dei continuidade à minha fala, mas
a todo momento meus olhos me traíam e procuravam por ela novamente.
Quando encerrei meu discurso, cumprimentei algumas pessoas,
recebendo efusivos agradecimentos de todas elas e comecei a me preparar
para voltar à Washington. Meu desejo, entretanto, era continuar ali por mais
algum tempo e tentar descobrir se o que vira fora real, se era mesmo ela.
Inferno!
— Se quiser podemos ficar mais um pouco — disse Lexy verificando
as horas no relógio.
Olhei para ela sentindo que talvez ela tivesse visto o mesmo que eu,
mas logo a razão me atingiu em cheio e acabei ficando irritado comigo
mesmo.
— Não tenho mais nada para fazer aqui, vamos embora.
Lexy assentiu e no instante seguinte estávamos sendo escoltados de
volta ao helicóptero pelos agentes do Serviço Secreto.
E embora eu tivesse sido enfático quando disse que queria ir embora,
uma parte de mim continuava relutante e curiosa para saber se o que eu vi foi
realmente verdadeiro ou apenas mais uma brincadeira de mal gosto da minha
cabeça.
Bom, seja o que for, irá ficar sem resposta, pensei quando a aeronave
ganhou altitude e começou a me levar para longe dali.
Naquela manhã eu acordei cedo, precisava resolver umas coisas na
galeria e depois queria dar uma olhada nas escolinhas perto de nossa casa.
Em alguns meses Colin completaria quatro anos e eu já queria conhecer
minhas opções.
Após visitarmos três escolas, a próxima parada foi a Target[5]. Achei
estranho quando Consuelo pediu que o marido fosse especificamente àquela
loja, que ficava a quase uma hora de onde morávamos, mas, segundo ela, era
a mais bem abastecida no que dizia respeito a roupas.
Eu resolvi não discutir, eles adoravam fazer compras para Colin e
certamente sabiam do que estavam falando.
Enquanto Benito foi pegar tudo o que havia na lista feita por sua
esposa, eu fui ao setor de roupas infantis munida de minha própria lista. Meu
filho vinha crescendo demais e em questão de semanas muitas de suas roupas
e calçados já não serviam mais. E ainda tinha os brinquedos, que viviam
quebrados.
Como Consuelo dissera, a loja era ótima e eu achei tudo o que estava
precisando.
— A cidade está agitada hoje — comentei com uma funcionária que
tinha se aproximado para dobrar as roupas que estavam espalhadas.
Era a terceira vez que eu via pessoas reunidas em grupo e fiquei
curiosa.
A garota olhou para as quatro moças animadas que se dirigiam ao caixa
e sorriu.
— Ah, é porque parece que o nosso presidente bonitão vai inaugurar
um hospital comunitário aqui perto.
Às suas palavras, um famoso calafrio atravessou minha espinha e se
alojou em meu estômago.
— Harry Stone?
— Sim. Quando estava vindo trabalhar, vi que estavam até montando
um palanque na entrada do pronto-socorro.
Só de imaginar que ele estaria na mesma cidade que eu, um nó se
instalou em minha garganta.
— Você sabe a que horas ele estará aqui? — perguntei num fio de voz.
Ela checou seu relógio antes de responder.
— Imagino que deve estar chegando, pois o evento está marcado para
15h.
— E esse hospital é muito longe?
— Não, deve ficar a duas quadras daqui — disse ela, apontando a
direção correta.
Agradeci e comecei a me afastar.
Por um instante pensei em deixar tudo o que tinha pego e me dirigir
para lá.
Não, eu não falaria nada com ele no meio de um evento, mas a
curiosidade era enorme.
Olhei o relógio e vi que ainda faltavam dez minutos para ele chegar e
resolvi me acalmar, não podia agir como uma louca, por mais vontade que
tivesse de vê-lo pessoalmente após todos esses anos.
Por isso, fui até o caixa, passei minhas compras e saí da loja, sem nem
me preocupar em verificar se Benito estava por perto.
Enquanto caminhava em direção ao hospital, ouvi o som característico
de um helicóptero. Na mesma hora, meu coração, que já batia
apressadamente, começou a pular.
Seguindo o ritmo que retumbava em meu peito, meus pés aceleraram os
passos e comecei a desviar dos transeuntes do jeito que podia.
Logo me vi ante um aglomerado de pessoas. Muitas estavam à parte,
visivelmente descontentes. Imaginei que estas faziam parte da oposição. A
grande maioria, entretanto, estava eufórica, gritando o nome de Harry como
se fossem tietes de algum artista teen.
Infiltrei-me entre elas a fim de me aproximar e me senti perdida,
nervosa, enjoada, sem acreditar que ele estaria mesmo ali.
Ainda duvidando, continuei avançando, queria olhar para ele e ver se
continuava tão bonito quanto me lembrava.
Guiada por esse pensamento e pela paixão que eu ainda sentia, segui o
fluxo que ia para a frente do hospital onde ele deveria discursar.
Parei a uma boa distância e o observei se aproximando, lindo como um
Deus, oferecendo a todos aquele sorriso genuíno que o elegeu.
Sua imponência, o sorriso aberto e o olhar enigmático continuavam
hipnotizando as pessoas. As mulheres, em especial, não tinham vez, já que
sua beleza impactante misturada ao poder que sua posição lhe dava, faziam
dele o sonho de qualquer uma.
Lembrando de sua trajetória, convenci-me, mais uma vez, de que Harry
Stone realmente tinha nascido para aquilo, ele e o poder foram feitos para
andarem de mãos dadas, era única explicação para o quanto aquele homem
combinava com o cargo de presidente.
A forma como se comunicava com o povo deixava nítido que ele
amava estar naquela posição, e o melhor eram os inúmeros feitos concluídos
nesses três anos e todos os que estavam em andamento.
Voltei a prestar atenção em meu alvo e, como de costume, ele estava
rodeado pelos homens do Serviço Secreto. Agucei o olhar e pude distinguir
Zed entre eles; já deveria ter adivinhado que ele estaria ao lado do amigo,
assim como Lexy, que continuava sendo sua assistente, mas agora fazendo
parte de seu gabinete.
Olhei ao redor e estranhei a ausência de Catherine, mas imaginei que o
casal devia se dividir na maioria dos eventos públicos, que eram numerosos.
Além disso, os compromissos dos dois eram bem distintos. Os de Harry
estavam mais ligados a política em si e o de sua esposa à filantropia.
Harry se posicionou atrás do microfone, com Lexy e Zed logo atrás, e
quando ele começou a falar, uma onda de nostalgia tomou conta de mim. Eu
amava a forma como discursava, gesticulava, amava a voz clara e segura,
mas que sempre foi tão carinhosa comigo...
Logo, uma enorme tristeza se juntou à saudade que nunca havia me
abandonado e meu coração se apertou. Eu sentia tanto a sua falta, que era
como uma dor física. Mas mesmo sofrendo, permaneci lá, parada,
absorvendo tudo o que falava, admirando a aura de dominação que exalava
dele e consumia a todos os presentes.
Hipnotizada pelo timbre de sua voz, fui me embrenhando em direção a
ele, como um pescador indo de encontro ao canto da sereia.
Era incrível que depois de anos, aquele homem tivesse tanto poder
sobre minhas vontades de tal forma, que quando dei por mim, estava a
poucos metros dele.
Parecia que mesmo conhecendo o perigo, havia um lado meu que
queria ser visto, ouvido, cuidado... Era aquele lado que estava se arriscando
naquele momento.
Parei bem no centro da multidão, mais perto do que deveria. Tinha
certeza de que, ainda que Harry estivesse magoado, bastaria acenar quando as
pessoas se aquietassem e ele me veria. Essa percepção me baqueou e aquela
vontade de chorar, que foi minha companheira por um longo tempo, voltou
com força.
Ele começou a falar a respeito do hospital, sua vontade de construir
unidades como aquela em todo o país, depois fez uma piada que arrancou
gargalhadas das pessoas — inclusive de mim — e continuou tratando do que
o levara ali.
Então, alguém da multidão perguntou se ele iria se reeleger. Isso
causou outra comoção dentro de mim devido à expectativa. Harry olhou para
Lexy, que assentiu levemente com a cabeça, e ele se voltou para a frente:
— Eu tenho vontade de me candidatar novamente, sim, mas vai
depender de vários fatores, por isso, não posso confirmar nada ainda.
Ouvir aquilo da boca dele fez todo o meu encanto cair por terra.
E por mais que ele dissesse que não poderia confirmar, era a sua
vontade que valia, e Harry queria ser presidente novamente, o que significava
que não se importava de ficar mais quatro anos com Catherine.
Fiquei desolada só de pensar nisso, porque Consuelo estava certa; bem
lá no fundo eu sonhei que, após quatro anos de mandato, ele teria saciado a
vontade de ser presidente. Mais no fundo ainda, esperava que quando lhe
falasse a verdade, ele largaria tudo e voltaria para mim, afinal, durante todo
esse tempo eu fiquei calada para não atrapalhá-lo, para não manchar o que ele
tinha realizado de bom para as pessoas.
Mas a sede de poder dele era maior que o amor que um dia disse sentir
por mim e eu não poderia competir com isso. Não havia mais ao que me
apegar, Harry não voltaria a ser apenas um empresário comum gerindo a
empresa da família.
Além do mais, eu precisava admitir algo que nunca consegui verbalizar
nem a mim mesma: ele talvez fosse feliz com a Catherine, até mesmo
apaixonado por ela! E se isso fosse verdade, nada faria diferença, nem uma
aparição repentina minha e nem mesmo o fato de ele ter um filho comigo.
Tomada por mágoa e certa revolta, virei-me de costas e voltei a avançar
por entre as pessoas, mas, dessa vez, na direção contrária a dele. E enquanto
toda aquela gente ria de mais uma piada contada por seu amado presidente,
eu chorava, sentindo uma mistura de amor e o ódio por aquele homem.
Na medida em que me afastava, mais a verdade se tornava clara em
minha mente e o único fio de esperança ao qual eu me agarrava, arrebentou
diante dos meus olhos: ele jamais me procuraria, e se por algum acaso do
destino nós voltássemos a nos encontrar, ele nunca me perdoaria por ter
escondido seu filho. Isso significava que não existia mais Harry e Liz e
quanto antes eu aceitasse isso, melhor.
Quando finalmente voltei ao supermercado e cheguei ao carro, notei
que Benito estava visivelmente preocupado e na hora eu soube.
— Por que você não me falou? — perguntei, limpando o rosto.
— Consuelo...
— Tudo bem, não precisa explicar... — interrompi, dispensando suas
palavras. — Foi bom vê-lo, muitas coisas ficaram claras agora.
— Lizzie...
— Vamos embora, Benito, não tenho nada para fazer aqui.
Ele assentiu e saiu com o carro.
Para ir embora, tivemos que passar por uma rua que ficava em frente ao
hospital e de lá eu tive a última visão dele finalizando seu discurso.
Foi impossível não ficar com o coração apertado, mas eu tinha que
colocar na cabeça que precisava seguir em frente, com ou sem ele, e era isso
que eu iria fazer.

Falar era fácil, mas na prática, as coisas eram muito diferentes. Eu fui o
mais forte possível por todos esses anos, mas vê-lo me deixou fragilizada e
em vez de fazer o que prometera, tranquei-me em meu quarto, saindo apenas
para satisfazer as vontades do meu filho que não precisava sofrer porque a
mãe dele estava triste.
Nesse período, Consuelo tentou falar comigo e explicar seus motivos,
mas eu disse que estava tudo bem, pois jamais brigaria com ela.
Stella também fez seu papel de melhor amiga, tentando me colocar pra
cima, no entanto, eu sabia que aqueles dias serviriam como mais uma das
metamorfoses pelas quais passei desde que saí de Washington.
Parecia que desde aquele dia, o universo resolveu testar todas as
minhas forças e capacidade para saber até onde eu conseguiria ir.
E era assim que eu me sentia, testada.
Primeiro com a dolorosa separação, depois com a culpa por tê-lo
deixado, junto com a covardia de não ter aberto o jogo...
Após uma boa quantidade de auto repreensão, vinha o porquê de ter
agido daquela forma: a agressão de Stella, o incêndio no orfanato e todas as
ameaças que ouvi. Isso acabava me convencendo de que tinha feito a coisa
certa.
A gravidez foi outro grande baque que me atingiu em minha fase mais
triste e, mesmo assim, eu aguentei firme os longos nove meses, vendo um
pedacinho do homem que eu amava crescer a cada dia dentro de mim.
Foi dele que veio toda a minha força, e ainda que em muitas ocasiões
eu me sentisse prestes a desmoronar, saber que Colin existia mudava tudo. Às
vezes sentia como se o universo tivesse entendido que eu precisava de uma
trégua, por isso me concedeu aquela preciosidade que, embora fosse um elo
eterno com Harry, também era o motivo da minha alegria.
Esse elo inquebrável me dava a certeza de que, mesmo que ele não me
amasse mais, ainda nos daria a chance de conviver novamente.
Foi basicamente nisso que eu pensei nesses dias de semi confinamento,
tentando adivinhar como seria quando eu contasse a respeito de Colin para
Harry. Eu sabia que seria alvo de sua ira, mas e quanto a nosso filho, será que
o aceitaria? E se isso acontecesse, será que eu teria forças para vê-lo com
Catherine?
Eram tantas dúvidas e receios, que em certos momentos eu tinha
vontade de fugir de mim mesma.
Mas como não seria possível, resolvi seguir meu próprio conselho e, no
terceiro dia de reclusão, decidi que estava na hora de parar de pensar em
Harry, no discurso que ele fez, em sua beleza e masculinidade incontestáveis
ou no que poderia acontecer no futuro, e encarar a vida de frente.
Quando saí do quarto, maquiada e penteada, até meu filho pareceu
estranhar, pois tinha o mesmo ar surpreso de Consuelo, que tomavam o café
da manhã juntas.
— Bom ter você de volta, amiga — disse Stella sem se abalar e eu sorri
levemente.
Fui até Colin, que estava em sua cadeirinha, e o beijei várias vezes.
— Bom dia, meu amor.
— Bo dia, mamã — respondeu ele com seu vocabulário infantil.
Voltei a encher seu rostinho de beijos apenas para ouvi-lo rir. Eu
adorava o som gostoso da sua risada.
— Promete que não vai crescer, que vai ficar pequeninho pra sempre?
— brinquei, fazendo cócegas em sua axila e ele gargalhou de novo.
— Pometo — falou quando a risada cessou e eu fiquei vários segundos
olhando para o rosto inocente do meu filho.
Depois de colocar mais um biscoito em sua mão, sentei-me ao lado de
Consuelo e servi uma xícara de café.
— Vou até a cidade, preciso falar com John — comuniquei antes de
tomar um gole.
— Vai pegar mais alguma encomenda de quadros? — perguntou
Consuelo receosa, ainda achando que eu estava brava com ela.
— Não, vou até lá para conversar sobre a exposição de quadros em
Nova York, decidi aceitar.
Talvez a decepção de que Harry nem se lembrava mais da minha
existência tenha sido crucial para que eu tomasse a decisão que protelei por
tanto tempo.
As duas arregalaram os olhos, mas logo se recuperaram e começaram a
comemorar.
Eu não sabia se estava fazendo a coisa certa, mas sabia que não
aguentava mais continuar daquele jeito, eu precisava aproveitar a vida em seu
estado máximo e isso incluía poder viajar e expandir meus negócios sem
receio do que pudesse acontecer.
Os dias de reflexão me fizeram enxergar que, pior do que morrer pelas
mãos daqueles bandidos, era continuar vivendo de forma pacata, sem
emoção, numa espera sem fim por algo que talvez nunca fosse acontecer.
Eu precisava de uma injeção de ânimo e talvez essa exposição fosse o
pontapé inicial para uma nova vida, cheia de possibilidades.
— Nossa, você está com uma cara péssima — comentou Lexy ao entrar
na Sala da Crise.
Eu tinha acabado de finalizar uma reunião e decisões importantes
haviam sido tomadas.
Toda vez que eu tinha que lidar com algo que poderia causar a morte de
soldados americanos ou de civis inocentes, meu coração se apertava. Nunca
iria me acostumar com a ideia de que precisava decidir quem vivia ou morria
em determinadas partes do mundo.
— Autorizei um bombardeio à base aliada de um dos terroristas mais
procurados.
— Fez a coisa certa — rebateu, sem um pingo de emoção, como se já
estivesse acostumada com nossa nova realidade.
Ela continuava tão competente quanto na época das Indústrias Stone,
mas tinha que admitir que a dimensão dos problemas da Casa Branca a
tornaram ainda mais dura do que já era. Lexy não media esforços para
resolver e abafar todos os problemas que aconteciam nos bastidores. De certa
forma, minha amiga havia se especializado em apagar incêndios.
— Eu sei, mas o problema é que pode haver civis nessas áreas também.
— Infelizmente é verdade, só que você deve pensar que estamos
fazendo isso por um bem maior — comentou.
— Sim, você tem razão.
— Mudando de assunto. Sua ida a Nova Jersey teve uma ótima
repercussão na imprensa, acho que deveria fazer isso mais a partir de agora.
Passaram-se alguns dias desde a minha visita a Watchung, no condado
de Somerset, e quase o mesmo tempo para que meu humor voltasse ao
normal. Todavia, eu já estava acostumado, sempre que a lembrança dela
surgia, meus pensamentos saíam dos trilhos.
— É uma boa ideia, mas estou cheio de compromissos para as
próximas semanas e ainda prometi aos meus pais que faria uma visita a eles
no fim do mês.
— É, e dessa vez você tem que ir ou sua mãe terá um ataque histérico.
Não tenho ideia das vezes que tia Julie já me ligou para confirmar se você iria
mesmo ao evento que ela está promovendo.
— Posso imaginar — falei com um sorriso. Mamãe era terrível.
Quando eu era CEO das Indústrias Stone, meu contato com meus pais
já era bem distante, agora, com a presidência e vivendo em outra cidade, as
coisas ficaram muito piores.
Mesmo falando com eles toda semana, eu sentia que deveria me
aproximar mais de minha família, no entanto, eles conheciam as
circunstâncias do meu casamento com Cathy e isso não agradava nada a
minha mãe, que sempre sonhou que eu tivesse um relacionamento como o
dela.
Não que eu vivesse me lamuriando pela decisão que tomei, afinal,
minha esposa cumpria seu papel com perfeição, mas os mais íntimos viam
que éramos dois estranhos, eu não sentia um pingo de atração por ela e se ela
um dia já sentiu qualquer coisa por mim, hoje em dia já não existia mais.
— Pode confirmar com ela.
— Já confirmei, mas se ela ligar novamente eu aviso que você mesmo
disse que iria.
Assenti. Iria aproveitar o fim de semana em Nova York para fazer
alguma coisa com Dominic. Também queria ver Eva, que havia chegado de
viagem e, se tivesse sorte, encontraria Alexander também.
Pensar em meus primos me deixou um pouco triste. Nós sempre fomos
muito ligados, mas a vida adulta se encarregou de nos afastar, colocando cada
um em seu próprio caminho.
— Sua próxima reunião será com o senador Levy Reynolds, depois
disso estará liberado.
Arregalei um pouco os olhos. Eram poucos os dias em que eu tinha
uma agenda com a noite liberada. Comecei a traçar planos e na mesma hora
Lexy soube o que se passava em minha cabeça.
— Não acredito que você vai se encontrar com ela, se soubesse, teria
incluído mais um compromisso na sua noite.
Quase dei risada, mas me contive.
— Vou fazer isso, sim, mas será para terminar nosso caso, quero focar
na minha reeleição.
— Até que enfim um pouco de juízo nessa cabeça.
Saí da sala de comando e fui para o salão oval esperar o próximo
compromisso do dia. O senador Reynolds queria falar sobre um projeto que
beneficiaria muitas pessoas necessitadas da Carolina do Norte, seu Estado.
Eu gostei bastante do que ele me apresentou e achava que, além de ajudar
muita gente, conseguiria muitos votos para mim, por isso, pedi que Lexy
marcasse um horário para que o senador pudesse se encontrar com o restante
do pessoal, seriam eles que tornariam sua ideia possível.
Eu estava me preparando para sair, quando o diretor da ASN apareceu
para contar as novidades referentes aos dois terroristas que estávamos
vigiando. Eles eram responsáveis por ataques a escolas e pontos turísticos, de
forma que sua captura mostraria aos americanos que estávamos atentos a tudo
e dispostos a acabar com qualquer um que aparecesse para nos atingir.
Assim que ele se foi, dirigi-me à sala que separei exclusivamente para
mim. Era para lá que eu ia sempre que queria um pouco de paz, mas ela
também servia para fins bem menos inocentes.
Eu sabia que ter um caso com uma funcionária da Casa Branca era uma
atitude bastante irresponsável, no entanto, Justine Hanson era exatamente o
que eu precisava, fogosa na cama e discreta fora dela.
Oriunda de uma família super tradicional, a última coisa que ela queria
era ser conhecida como a amante do presidente. Exatamente por causa disso,
eu não teria qualquer problema em continuar com Justine por mais um tempo,
mas a pressão de Lexy e Allen em torno desse assunto estava me deixando
louco.
Obviamente eles não estavam completamente errados, se eu queria
tentar a reeleição, não poderia me dar o luxo de continuar vendo minha
amante.
— Mandou me chamar, senhor? — perguntou ela ao entrar.
Eu estava no bar, servindo uma dose de uísque e sorri quando a vi.
— Bebe alguma coisa?
— O mesmo que você — falou, aproximando-se.
Servi outra dose, coloquei duas pedras de gelo, como sabia que ela
gostava, e lhe ofereci o copo.
Enquanto bebíamos, fiquei admirando seus traços delicados e seu corpo
tentador.
Naquele fim de tarde ela estava usando um vestido preto acinturado e
seus cabelos, loiros e lisos, estavam soltos. Linda e sedutora.
— Vamos nos acomodar — pedi após um profundo suspiro.
Justine se sentou no sofá e eu escolhi a poltrona que ficava de frente
para ele.
— Eu a chamei aqui para falar de nós.
— Estou ouvindo — disse ela, ansiosa, e logo depois mordeu o lábio,
como fazia quando estava com tesão.
Antes que fizesse uma besteira, entrei no assunto.
— Decidi que vou concorrer à reeleição, isso significa que a imprensa e
a oposição irão revirar minha vida de ponta cabeça mais uma vez.
— Sim, eu sei — respondeu um tanto contrariada.
— Por causa disso não podemos continuar nos encontrando. Além de
precisar de tempo para focar na campanha que se aproxima, ainda há o risco
de sermos descobertos, e isso não pode acontecer.
— Mas, Harry, eu... — ela começou a discutir, mas logo se calou.
Justine costumava ser muito obediente e participativa, nossos encontros
eram sempre cheios de sexo e pouca conversa, então, estranhei sua réplica.
— O que foi?
Ela se levantou do sofá e parou a minha frente.
— Eu entendo que você precise se afastar, nem nos meus melhores
sonhos imaginei que um dia teria qualquer coisa com você, mas...
— Mas?
— Tenho vontade de chorar só de saber que não vamos mais nos
encontrar. Acho que nenhum homem me tratou da forma como fui tratada por
você...
Mesmo tendo apenas sexo casual com ela, sempre fiz questão de tratá-
la com respeito, assim como fiz com todas as mulheres com quem já saí, a
única que não teve muita sorte comigo foi Catherine, mas isso porque ela
forçou demais a barra.
Mesmo ciente de que nossa união visava apenas um interesse comum,
ela agiu como se tivéssemos nos casado por amor e que todos aqueles votos
de honra e fidelidade proferidos no dia da cerimônia valessem para nós.
Eu ainda não sabia se agira assim porque sentia algo por mim ou se era
seu orgulho falando mais alto, mas apostaria na segunda opção, Catherine era
extremamente ambiciosa, de modo que não conseguia acreditar que sua
implicância tenha sido motivada por ciúme.
— Não precisa ficar assim, a gente nunca sabe o que o futuro nos
reserva.
Eu sabia, por experiencia própria, que seria burrice tirar todas as
esperanças de uma mulher apaixonada. Justine precisava entender que meus
motivos não tinham nada a ver com ela, somente assim não ficaria contra
mim. Se ela acreditasse que algum dia poderíamos voltar a ter alguma coisa,
conseguiria uma aliada.
— Não me iluda, homens como você não assumem mulheres como eu
— falou segurando as lágrimas.
Ali estava uma versão dela que eu jamais tive acesso. Minha amante
sempre se mostrou dona de si e muito independente em relação a
sentimentos.
— Você não é qualquer mulher e desejo que encontre alguém que a
mereça.
— Obrigada, Harry.
— Não precisa agradecer, é sincero — garanti. — Mas não vamos mais
pensar nisso, quero saber se posso contar com sua discrição — perguntei,
lançando-lhe um olhar cheio de carinho e cumplicidade.
— Óbvio que sim, jamais faria qualquer coisa para prejudicá-lo, sem
contar que não tenho de onde tirar os milhões daquele Contrato de
Confidencialidade. Além do mais, eu sei muito bem o que acontece quando
esse tipo de coisa vaza, não quero ser a próxima Monica, então, sim, conte
com a minha inteira discrição.
Assenti e ficamos nos olhando por alguns segundos.
— Posso te dar um abraço?
Eu sabia que deveria negar, mas sentia que devia isso a ela.
Levantei-me e Justine se aproximou, abraçando-me apertado.
— Eu amei cada segundo que passei com você — falou com a cabeça
encostada em meu peito.
— Sim, foram ótimos momentos.
Para mim, tinha sido apenas sexo, mas um sexo de ótima qualidade, por
isso, poderia concordar com ela sem fingimento.
— Até mais — disse ela ao se afastar.
— Adeus, Justine.
Quando ela saiu, servi outra dose de uísque e caminhei até as janelas
para contemplar o jardim da Casa Branca.
Há poucos minutos eu estava com uma mulher linda e inteligente que
conseguia prender minha atenção na cama, mesmo assim, não passava disso.
Meu corpo estava lá, mas meu coração sempre se negava a participar.
Eu sabia que deveria estar feliz por isso, se eu me apaixonasse, acabaria
colocando tudo a perder. Por outro lado, tinha um enorme receio de nunca
mais conseguir gostar de ninguém de verdade. A dor que sentira quando fui
abandonado estava escondida, mas não esquecida, e de vez em quando
aparecia para me lembrar que ainda possuía um coração.
Só que eu aprendi da forma mais dolorosa que seguir a razão era o
caminho mais seguro. Um homem como eu nunca se lembrava dos ‘sins’ que
recebeu na vida, mas com certeza jamais esqueceria das que lhe deram um
‘não’.
Divaguei por esses pensamentos e cheguei à conclusão de que, mesmo
quando me negava a tocar naquele nome, de uma maneira ou de outra, de
forma consciente ou não, meus pensamentos estavam nela.
Maldita seja!
Independentemente de ainda me lembrar de tudo o que tivemos, resolvi
que era mais fácil viver sem muita emoção, ao menos no que se referia a
relacionamentos. Não queria mais pensar numa pessoa 24h por dia, muito
menos sentir frio na barriga sempre que a visse. Isso me enfraquecera e
depois matara um pouquinho de mim.
Era por isso que, quando os sentimentos que eu mantinha guardados há
tanto tempo começavam a espreitar, eu juntava todas as minhas forças para
mantê-los no lugar; negava-me a deixar que meu coração tomasse as rédeas
da minha vida mais uma vez.
Exatamente para não me ver naquela situação novamente, meus casos
eram passageiros, as mulheres, escolhidas a dedo, com perfis que, eu sabia,
não me causariam qualquer perigo.
Eu não me atreveria a mentir dizendo que era um homem
verdadeiramente feliz. Realizado profissionalmente, sim, feliz, de forma
alguma, mas foi assim que escolhi viver.
Tomei o restante do meu uísque de uma só vez e resolvi ligar para
Duncan Allen, talvez um pouco mais de trabalho fosse o suficiente para que
minha mente parasse de ansiar por alguém que não fazia mais parte da minha
vida.
Depois de muitos dias pensando e me organizando, eu finalmente
estava desembarcando em Nova York.
A sensação de estar naquela cidade mais uma vez causou uma mistura
de sentimentos que me tirou completamente do eixo.
Eu havia passado horas intermináveis pesando cada situação que minha
viagem poderia desencadear, e sempre que eu levantava uma dúvida, aparecia
alguém para me fazer enxergar que já tinha passado da hora de eu parar de
sentir medo.
Joseph foi um dos meus maiores apoiadores. Tanto ele quanto Stella
achavam que, desde que eu me mantivesse longe de Harry Stone, nada de mal
poderia me acontecer.
Só que, mesmo sabendo disso tudo e consciente de que seria um baque
voltar àquela cidade, ainda me assustei um pouco e precisei segurar a
emoção, John Kent estava comigo e eu não queria que ele desconfiasse de
nada.
Olhei para a rua através das janelas para me distrair e constatei que
continuavam tão lindas e luminosas quanto eu lembrava.
— Já esteve em Nova York antes, Lizzie? — meu acompanhante
perguntou.
— Uma vez, mas faz bastante tempo.
Embora Joseph tivesse insistido para que eu ficasse em um hotel de
luxo na ilha de Manhattan, John Kent não era rico como ele e, de forma
alguma, eu me hospedaria no centro de Nova York, com todo o conforto que
o dinheiro poderia me proporcionar, e o deixaria sozinho no Brooklyn, por
isso, fui com ele.
— Então vamos visitar alguns pontos turísticos antes de voltarmos —
falou enquanto ajudava o taxista a tirar nossas malas do carro.
— Eu vou adorar — afirmei, animada.
O hotel no qual nos hospedaríamos era simples, mas fomos muito bem
recebidos e acomodados em quartos vizinhos.
Coloquei minha mala sobre a cama e fui à janela. De lá, eu tinha uma
boa visão da ponte do Brooklyn, mas foi impossível não pensar que mais à
frente estava a nobreza de Nova York e a cobertura de Harry Stone, onde eu
tinha sido tão feliz e amada.
Engoli a vontade de chorar e liguei para Stella, queria avisar que já
estava instalada e perguntar de Colin; mal tinha chegado e já estava morta de
saudades do meu filho.
Infelizmente ele estava dormindo, então, conversei brevemente com
minha amiga e depois tomei um banho demorado para tentar tirar o cansaço
causado pela viagem. Quando finalmente me deitei, uma enxurrada de
pensamentos foi surgindo em minha mente.
Eu estava tão cansada de me culpar, criticar e fazer questionamentos
sobre como teriam sido nossas vidas se eu não tivesse sido tão covarde.
Alguém cumpriria aquelas ameaças?
Se sim, Harry poderia ter me protegido?
Eu realmente não sabia.
Tinha a impressão de que essa dúvida aumentava ainda mais a culpa
que eu sentia por ter escondido Colin de Harry, por ter fugido e por ter me
apaixonado por um homem que, definitivamente, era impossível para alguém
como eu.
“Pare de se lamentar”, uma voz me repreendeu.
Eu já tinha decidido seguir em frente, sem alimentar esperanças com
relação a Harry, então, não podia deixar que as lembranças me envenenassem
e enfraquecessem. Essa viagem era o primeiro passo para que eu pudesse
expandir meus negócios, além de espalhar minha arte, e eu precisava focar
nisso.
Uma batida na porta chamou minha atenção.
Imaginei que fosse John, mas achei estranho quando o vi todo
arrumado e perfumado.
— Vim fazer um convite e não aceito não como resposta.
Eu estava de roupão e com uma toalha na cabeça, mas fiquei curiosa
para saber o que ele tinha em mente.
— Estou ouvindo.
— Tenho um conhecido que é amigo do dono de um bar-restaurante
que está em alta. Quando lhe falei que estava em Nova York, ele me
convidou para ir até lá e achei que você gostaria de me acompanhar.
O bairro em que eu morava era pacato demais, lá só havia mansões
com dezenas de hectares, de modo a deixá-las bem distantes uma da outra. E
embora fosse exatamente disso que eu precisava quando lá cheguei, tinha que
confessar que às vezes sentia falta de um pouco de animação.
Por isso gostei do convite e decidi aceitar, uma boa comida e alguns
drinks me ajudariam a relaxar e me distrairiam um pouco.
— Fico pronta em vinte minutos — falei.
— Ótimo, avise quando terminar.
Assenti e fechei a porta, subitamente animada para fazer alguma coisa
legal, ainda mais em Nova York.
Sequei meu cabelo rapidamente, depois me maquiei com as poucas
coisas que havia levado, ainda não era fã de muita maquiagem.
Na mala, havia apenas um vestido preto que poderia ser usado em um
restaurante requintado, os outros eram sérios ou despojados demais.
As sandálias e a bolsa eram da mesma cor do vestido e quando terminei
minha produção, senti-me linda, como há muito tempo não me sentia.
Antes de sair do quarto, borrifei meu perfume de sempre e fui ao
encontro do meu sócio.
— Você está linda, Lizzie — elogiou.
— Obrigada, John. Vamos?
O taxi nos levou até um dos arranha céus localizados no centro de
Manhattan, o restaurante ficava na cobertura. Olhei ao redor, realmente
impactada. Todas aquelas pessoas bonitas, a decoração mirabolante, a
música, fizeram com que eu entrasse em outro universo.
— Gostou? — John perguntou assim que voltou do bar com um drink
para mim.
— Muito — afirmei, tomando um gole da bebida e me deliciando com
o sabor.
Nos jantares que Consuelo fazia, nós geralmente tomávamos vinho,
mas aquele drink feito à base de champagne suscitava tantas lembranças, que
rapidamente tentei mudar o rumo dos meus pensamentos.
— Nunca tinha visto nada assim — falei e ele começou a citar alguns
dos lugares que eu deveria conhecer.
Enquanto conversávamos, vi alguns rapazes lançando olhares para
mim.
Era tão estranho receber aquele tipo de atenção, mas logo percebi que
isso se dava ao estilo de vida ao qual me acostumei tão rapidamente. Parecia
que desde que meu filho nasceu, eu tinha encarnado o papel de mãe e parado
de me ver como mulher.
Agora, as preocupações que me afligiram por tantos anos, e que eram
referentes apenas à intransigência de Eleanor e minha vontade de me livrar
dela, pareciam um monte de bobagem.
Ser mãe solteira, mesmo tendo a ajuda de pessoas maravilhosas, era um
peso para mim, especialmente por saber o que meu filho estava perdendo. Por
causa disso era estranho estar me sentindo tão leve. Não sabia se a culpa era
da bebida ou do ambiente, só o que sabia era que estava gostando de poder
fugir da minha rotina.
— Vou ao banheiro — avisou John em certo momento.
Nós havíamos nos acomodado nas banquetas altas que ficavam em
volta do bar, enquanto esperávamos por uma mesa.
Assim que ele sumiu entre as pessoas, peguei meu celular para
responder algumas mensagens de Stella.
— Liz?
Virei-me ao escutar aquela voz conhecida e quase caí da banqueta
quando dei de cara com a última pessoa que sonhei em encontrar.
— Dominic?
Ele parecia estar de frente para um fantasma e eu tinha a impressão de
que estava da mesma forma.
Como pude me esquecer de que a vida de meu ex-cunhado era regada a
festas e libertinagem?
Talvez por ele ter se tornado o CEO das Indústrias Stone?, quis saber
meu lado racional.
Mas desde quando um CEO não podia se divertir? E mais importante,
quem disse que ele está de libertinagem?, meu lado mais temperamental
questionou.
E estava certo. Eu também estava ali e nem por isso alguém poderia me
acusar de nada.
— Achei que não caminhasse mais por essa terra — ele falou, voltando
minha atenção para si.
O tom que usou era irreverente, mas seu rosto continuava sério.
— Ah, hum, então... — Eu não sabia o que falar e ficava cada vez mais
nervosa com a forma que ele me olhava.
— Ele quase enlouqueceu quando você foi embora.
Tinha a impressão de que um soco no estômago não teria doído tanto.
Mas, masoquista como era, aquela parte de mim que ainda amava
Harry desesperadamente, se alimentou daquela informação feito um campo
árido que precisava de chuva.
— Bom, é complicado.
Ele pareceu cético, mas antes que pudesse perguntar mais, soltei:
— O importante é que ele parece feliz com a Catherine.
— Nem tudo é o que parece, meu irmão nunca mais foi o mesmo.
Um nó se instalou em minha garganta, mas antes que eu desabasse,
coloquei meu melhor sorriso no rosto e tentei não transparecer o quanto suas
palavras tinham mexido comigo.
Suspirei fundo.
— Eu nunca quis magoar seu irmão, Dom, só achei que comigo ao seu
lado não haveria chances de ele ganhar as eleições, então resolvi ir embora...
foi melhor para todos.
Ele soltou o ar com força, parecendo impaciente.
— Quem foi que a fez acreditar nessas bobagens? Catherine? Lexy? Ou
isso é apenas uma desculpa porque simplesmente não o amava o suficiente?
— perguntou, a voz alterada, demonstrando toda a sua amargura.
Não o condenei. Ele e Harry tinham uma ligação muito próxima, então,
era normal que estivesse tomando as dores do irmão.
— Aconteceu muita coisa. Coisas que você não sabe e que eu não
posso revelar... Olha, já foi, então não adianta falar desse assunto, mas saiba
que eu também sofri, mais do que ele, talvez, mas ambos estamos seguindo
em frente, isso é o importante.
Dom estava prestes a replicar, mas se interrompeu quando seu celular
acendeu.
Ele leu o que havia na tela, fez uma careta e depois tirou algo de dentro
do bolso do paletó.
— Eu preciso ir, tem uma pessoa me esperando lá embaixo, mas
gostaria de continuar nossa conversa. Você pode me ligar em qualquer um
desses números — garantiu, estendendo-me um cartão preto com letras
prateadas.
Quando hesitei, ele pegou minha mão e a fechou sobre o cartão.
— Pense nisso — pediu.
— Ah, tudo bem, vou pensar — menti, já sabia que não iria ligar.
Dominic sorriu de leve e se foi tão rápido quanto apareceu, deixando-
me ali, ao lado daquele bar, tentando decifrar como as engrenagens do
destino funcionavam.
Afinal, qual a probabilidade de eu sair de Nova Jersey, ir para Nova
York e dar de cara justamente com Dominic Stone em minha primeira noite?
Balancei a cabeça e tomei um grande gole do meu drink.
E agora, o que vai acontecer se Dom contar a Harry que nos
encontramos?
Esse questionamento nublou minha mente pelo resto da noite.
— Mal posso acreditar que você está aqui com a gente — disse mamãe
ao me entregar uma xicara de café.
Tínhamos acabado de almoçar e agora estávamos acomodados na sala
de estar.
Eu havia me programado para chegar pouco antes do evento, mas como
Lexy tinha limpado minha agenda, preferi ir para Nova York mais cedo.
Fazia alguns meses que não encontrava minha família e sabia que conseguiria
relaxar quando estivesse na presença deles, afinal, ali eu era apenas Harry e
era muito bom poder me desligar do cargo que ocupava por algumas horas.
— Sei que tenho andado distante de vocês, mas as coisas em
Washington são frenéticas, alguns dias eu mal tenho tempo para respirar —
comentei.
— Quem diria que o garotinho que vivia correndo atrás da amiguinha
do colégio, feito um bobo apaixonado, iria se tornar nosso presidente um dia
— Eva comentou.
Décadas se passaram e minha prima ainda não gostava muito de Lexy e
jamais perderia a chance de me infernizar por causa disso.
— E como estão as coisas aqui em Nova York?
— Sofríveis — disse ela fazendo uma expressão dramática.
Mesmo tendo herdado os olhos verdes do pai, era impossível não
perceber de imediato que Eva era uma Stone. Na verdade, se não fosse pela
cor de suas íris, ela seria a cópia exata da tia Lou, com a pele dourada e os
cabelos castanhos, mesmo estes sendo um pouco mais rebeldes que o da mãe,
característica que combinava muito com sua personalidade extrovertida.
— Seja mais clara — pedi e ela lançou um olhar gelado para o meu
irmão.
— Dominic pega e despreza tanta mulher nessa cidade, que está difícil
ser um membro do clã Stone. Se ele se limitasse apenas a estranhas, tudo
bem, mas o safado já pegou todas as minhas amigas e as amigas delas... —
Ela balançou a cabeça. — Está até difícil andar pela rua; as menos íntimas me
bajulam, achando que conseguirão alguma coisa com ele se nos tornarmos
BFF[6], e as que um dia já foram minhas amigas, hoje me olham com o ódio
que deveriam dedicar a ele.
Todos gargalhamos.
— Bom, se elas preferem trocar uma mulher inteligente e bem
humorada feito você por esse libertino aqui, garanto que está melhor sem elas
— garanti e ela se agarrou a mim.
Puxei-a para perto, como fazia quando éramos pequenos.
Tendo se tornado uma mulher muito bem resolvida, Eva estava longe
de ser aquela garotinha espevitada que nos provocava o tempo todo, mas nós
ainda a tratávamos como tal. Para mim, Dominic e Alexander, ela sempre
seria nossa garotinha e, mesmo sendo totalmente independente, Eva adorava
isso.
Tia Lou às vezes reclamava de nossa super proteção, mas era da boca
para fora, uma vez que ela e Tony agiam da mesma forma.
Lembrar deles me fez perceber que estava com muita saudade dos dois,
só que, infelizmente, não seria dessa vez que os veria. Esse evento de mamãe
foi resolvido quase de uma hora para outra e era para toda a família lhe dar
suporte, mas eles já estavam com uma viagem programada para a Europa,
com mais dois casais de amigos e foi impossível desmarcar.
Esse foi um dos motivos que me fez aceitar seu convite, mamãe já se
sentiria triste por não ter a presença da melhor amiga, mas ficaria arrasada se
eu também não aparecesse.
E eu estava feliz, o projeto era bom e se tivesse meu endosso seria
muito mais aceito pelos patrocinadores em potencial, pois sua meta era
promovê-lo todos os anos e em várias cidades.
O outro motivo era bem mais egoísta. Cathy havia iniciado um projeto
de construção de uma creche cuja inauguração seria naquela tarde, seguida de
um jantar com os empresários que fizeram parte da idealização e construção
do lugar.
Obviamente que, diferente de mim, que estava aliviado por poder ficar
longe de tudo aquilo por algum tempo, ela não ficou nada feliz por estarmos
separados em dois eventos tão importantes, e quando lhe disse que Lexy a
acompanharia, sua irritação foi às alturas.
Claro que nada disso faria diferença na hora em que fôssemos fazer
nossos discursos. Cada um sabia desempenhar muito bem seu papel e não
deixaria transparecer qualquer problema.
Enquanto eu pensava nessas complicações, Dom e Eva continuaram
discutindo como se ainda tivessem doze anos.
Para piorar, mamãe começou a falar de coisas embaraçosas de nossa
infância, o que arrancou muitas gargalhadas dos que não estavam envolvidos.
Dei graças a Deus por Alexander, nosso General, não estar lá. Com seu
mau humor, não demoraria muito para ele estar apelando, o que faria todos
rirem ainda mais, deixando-o irritado de verdade, a ponto de sair batendo a
porta.
O bom era que sua raiva não durava, Alex podia ser chato, mas tinha
um coração enorme e vivia de olho em todos nós, tanto que, mesmo sabendo
de toda a zoação, não deixava de comparecer aos eventos de família, exceto
quando tinha outro compromisso, como naquele dia.
Olhei para a minha bela família e percebi que não lembrava da última
vez em que tinha rido tanto.
— O problema é que eles só queriam te levar pra cama, mais nada —
disse Dom, se referindo aos namoradinhos que Eva teve no passado.
— Mas era isso mesmo que eu queria.
— Eva! — mamãe repreendeu tentando não gargalhar.
Sorte que papai estava no escritório, pois essa conversa seria
embaraçosa para ele.
Eu, em contrapartida, me senti muito mais leve ao ouvir toda aquela
troca de farpas.
— Catherine tinha outro compromisso mesmo ou não quis comparecer?
— mamãe perguntou quando Eva foi embora. Minha prima tinha um horário
marcado no salão de beleza e já estava quase atrasada.
Aproveitando a saída dela, Dom também pediu licença e foi fazer uma
ligação.
— Ela realmente tinha um compromisso agendado há meses. Como
estou cogitando uma possível reeleição, é importante que a Casa Branca seja
representada tanto por mim quanto por ela.
— Você sabe o que eu penso em relação a essa reeleição, não é, filho?
Mamãe morria de orgulho por eu ter conseguido realizar meu sonho,
mas achava que eu deveria encerrar minha carreira política e aproveitar um
pouco a vida.
Toda vez que essa ideia de aproveitar a vida surgia em minha mente,
tudo em que conseguia pensar era na época em que realmente fui feliz, nos
dias em que deixei minhas responsabilidades de lado. Mas com isso, vinham
todas as coisas que passei em consequência desses atos e então eu voltava a
pensar com a cabeça e não com o coração.
— Eu gosto do que eu faço, estou satisfeito com os rumos da minha
vida.
— Estar satisfeito não é o mesmo que estar feliz, sou sua mãe, não
tente me enganar.
Eu realmente não era a criatura mais feliz da terra, no entanto, as coisas
estavam em ordem e, para o momento, era o que eu precisava.
— Mamãe, eu estou bem, por favor, não se preocupe comigo.
— Eu sei, mas o que eu mais desejo é vê-lo feliz novamente, como na
época em que...
— Melhor não entrarmos nesse assunto.
— Tudo bem, você tem razão — falou, dando o assunto por encerrado.
— Mandei fazer aquela sobremesa que você adora, vou pegar um pouco para
nós e depois você pode descansar.
Assenti, aliviado.
Algum tempo depois de ela sair, Dom voltou para sala. Desde que nos
encontramos aquele dia, senti-o estranho. Ser seu irmão mais velho me dava
essa vantagem, eu tinha um feeling aguçado quando se tratava dele.
— Algum problema?
Ele me encarou por longos segundos, como se estivesse decidindo se
abria o jogo ou inventava alguma desculpa para me enrolar, o que era
estranho. Dom sempre me contava tudo, mesmo depois de eu ter me tornado
presidente, ele nunca deixou de ligar para falar como estava sua vida ou para
se gabar da modelo ou socialite com quem estava saindo.
— Na verdade, tem uma coisa — disse ele, coçando a nuca.
Era típico de nossa família coçar a cabeça quando estávamos nervosos.
— Fala logo, Dom.
— Talvez você não goste do que vou dizer, mas eu seria um filho da
puta se não te contasse.
Na mesma hora meu corpo se retesou.
— Se for a respeito dela, prefiro não saber.
Dominic suspirou, fazendo uma careta, e depois me encarou.
— Eu a vi ontem, em um restaurante aqui de Nova York... Falei com
ela.
Fiquei paralisado por algum tempo, absorvendo o impacto que aquela
notícia teve sobre mim.
Escutar o nome dela me fez viajar no tempo, àqueles dias em que
fomos felizes, quando acreditei que aquela garota ingênua poderia ser minha
para sempre e, de repente, sem que eu pudesse evitar, as lembranças que
estavam guardadas a sete chaves começaram a sair dos confins da minha
alma e se fazer presentes, como um filme que rodava exclusivamente para
mim.
Quantas vezes desejei que alguém me desse alguma notícia dela, que
me falasse o seu paradeiro. Agora, todavia, saber que ela andava livremente
por Nova York fez meu sangue ferver, mas não de amor ou desejo, e sim por
constatar que se ela estava por aí, era porque tudo o que escreveu naquela
carta era mesmo verdade.
— Li... Elizabeth pertence ao meu passado — falei e desviei o olhar.
— Ah, não me venha com essa, você não está falando com a mamãe.
Suspirei, segurando-me para não me irritar com ele.
— Dom, eu sou um homem casado agora, não quero falar de nenhuma
namorada do passado.
— Liz não foi qualquer namorada e você sabe disso.
Minha família ainda endeusava Elizabeth Reagan como se ela fosse
uma santa, todos acreditavam que aquela semana em Nova York a tinha
assustado de alguma maneira e a feito fugir.
Já eu, preferia acreditar que Eleanor tinha razão em tudo que falou.
Estava certo de que se Liz realmente me amasse, teria confiado que eu
colocaria Lexy e Cathy em seus devidos lugares e ficado ao meu lado.
Mas ela preferiu o mundo e a liberdade que uma vida sem mim poderia
lhe proporcionar.
— Todos vocês sabem o que aconteceu, e também sabem que esse não
é o meu assunto preferido, então, por favor, vamos parar por aqui.
— Ficar desconfortável assim só por ouvir o nome dela, é o primeiro
indício de que ainda a ama.
Que Deus me desse paciência, porque o Dominic conseguia me tirar do
sério com sua inconveniência.
— E o que você sugere que eu faça? — perguntei com os dentes
cerrados.
— O óbvio: que vá atrás dela, pergunte o que aconteceu, que pare de se
esconder atrás do cargo de presidente e volte a viver um pouco.
Soltei uma risada desgostosa.
Mamãe tinha conseguido convencer toda a nossa família de que eu
realmente não era feliz sendo presidente dos Estados Unidos e que minha
reeleição era apenas uma forma de continuar fugindo do que Elizabeth havia
feito.
— Se a encontrou em um restaurante, viva e bem, não há o que
perguntar, ela está aproveitando a liberdade que tanto queria.
— Não sei, Harry, ainda acho tudo isso muito estranho e penso que
deveria ir atrás.
Fechei os olhos e suspirei.
— Se está tão curioso, por que não perguntou?
— Se eu achasse que ela me contaria, teria perguntado. De qualquer
forma, deixei um cartão contendo todos os meus telefones com ela.
— Espero que não ligue — falei, convicto.
— Eu não sou bom em ler as pessoas como você, mas quando toquei no
seu nome, os olhos dela se encheram de lágrimas. Tem alguma coisa aí,
Harry.
Aquela conversa estava indo longe demais.
— Não tenho nada para falar com ela — adverti, tentando encerrar o
assunto.
Ele deu de ombros.
— Bom, eu fiz minha parte, mas não acho que ela vai ligar, então, se
mudar de ideia, terá que mexer os seus pauzinhos.
— Não vou mudar de ideia e nem perder meu tempo com ela.
Dom balançou a cabeça e mais uma vez deu de ombros antes de sair,
deixando-me sozinho com a bagunça que ele mesmo criou.
Meu encontro com Dominic acabou me deixando completamente
abalada e depois que ele saiu do restaurante, tive que me esforçar para não
deixar transparecer a enxurrada de emoções que vibrava em meu corpo.
De todas as coincidências que o destino poderia preparar nessa viagem,
essa, certamente, era a mais improvável. Quais as chances de encontrar meu
ex-cunhado em uma cidade daquele tamanho?
Mas eu deveria ter imaginado. Agora que era o CEO das Indústrias
Stone, seria natural que aproveitasse desse prestígio frequentando os lugares
mais badalados do mundo. Sem contar que ele estava em seu habitat natural,
a intrusa ali, com certeza, era eu.
Naquela noite eu não consegui dormir, fiquei rolando de um lado para
outro, imaginando se Dominic contaria a Harry que me viu ou se ele iria
poupar o irmão, com o intuito de evitar problemas...
Havia tantas dúvidas, mas o que mais me angustiava era o que ouvi
sobre Harry.
“Ele quase enlouqueceu quando você foi embora.”
Escutar isso foi doloroso. Eu já imaginava que não tinha sido fácil, mas
era diferente escutar a comprovação de alguém que viu como ele ficou. Mais
do que nunca senti que precisava explicar tudo o que aconteceu comigo.
Quem sabe, quando isso acontecesse, meu coração conseguisse se curar
e, em contrapartida, Harry me odiasse um pouco menos. Queria que aquela
máscara fria que assumiu amenizasse para que ambos pudéssemos ter um
pouco de paz e eu conseguisse tocar minha vida adiante de verdade.
Foi com esse desejo que, finalmente, consegui dormir, faltando poucas
horas para o amanhecer.

No dia seguinte eu estava um caco, mas acabei indo com John a duas galerias
de arte que ele queria me mostrar e aproveitamos o sábado ensolarado para ir
a alguns pontos turísticos.
Assim como na noite anterior, eu tentei ao máximo não deixar
transparecer o emaranhado de coisas que se formavam em minha cabeça, meu
amigo estava animado com o evento, então fiz o meu melhor para parecer tão
feliz quanto ele.
Por volta das 17h, retornamos ao hotel e cada um foi para seu quarto.
Depois de um banho demorado, comecei a me arrumar. A primeira
coisa que fiz foi pegar o vestido azul marinho que havia escolhido para usar
no evento. O modelo justo, com saia até abaixo dos joelhos, desenhava meu
corpo e evidenciava as curvas adquiridas após a gravidez e potencializadas
pela yoga e os exercícios que eu me acostumara a fazer todos os dias.
Dentro daquela roupa chique, com cabelos soltos e maquiada, eu me
achei bonita e sexy, mas por dentro, era como se tivesse uma pedra de gelo
no estômago.
Ter visto Dominic me deixou com uma enorme sensação de
expectativa. Sentia como se o destino tivesse todas as peças da minha vida
nas mãos e que, dali em diante, eu estaria fazendo apenas o que já estava
traçado.
Como se estivesse confirmando meus pensamentos, um forte arrepio
atravessou meu corpo.
Respirei fundo, peguei minha bolsa e deixei a suíte.
Encontrei-me com John no hall do hotel e, assim como na noite
anterior, me olhou com admiração, mas não fez qualquer insinuação. Ele
entendia que não havia qualquer interesse de minha parte. Na verdade, não
sentia um interesse maior de sua parte, a expectativa de um possível romance
entre nós estava apenas na cabeça de Consuelo e eu não a alimentaria.
Oferecendo-me o braço, como um verdadeiro cavalheiro, guiou-me até
o taxi que nos levou à ilha de Manhattan, onde seria o evento.
Quando taxista estacionou em uma rua lateral, eu mal pude acreditar
que estávamos no Museu de Arte Moderna de Nova York.
— Meu Deus, John, por que você não me falou?
— Eu queria fazer uma surpresa. Gostou?
— É surreal!
— Quando os patrocinadores têm mais dinheiro do que podem gastar, é
assim que as coisas funcionam.
— Nem em meus sonhos mais delirantes eu imaginei ver um quadro
meu no MoMA. Não agora, pelo menos.
— Então, que esta seja a primeira de muitas vezes — desejou ele
quando nos aproximávamos da entrada.
— Nossa, isso aqui é sempre assim ou o Bono[7] vai estar presente e
ninguém nos avisou? — brinquei com John quando vi a enorme quantidade
de seguranças, policiais e até mesmo ambulâncias presentes no local.
— Não sei, mas é provável que haja algumas celebridades aqui esta
noite.
Como não éramos ricos e muito menos famosos, passamos direto pelos
fotógrafos e jornalistas que cobriam o evento e entramos de forma discreta.
Ainda assim, estar naquele lugar, vestida daquele jeito, fez uma emoção
bem egocêntrica tomar conta de mim e eu ergui a cabeça, orgulhosa do que
havia conquistado.
Continuamos avançando e imediatamente percebi que os convidados
refletiam a elite da cidade. Todos eles lembravam bastante algumas pessoas
com quem convivi no passado, a diferença era que os ricos de Nova York
pareciam um pouco mais afetados que os de Washington.
Aquilo me agradava e assustava ao mesmo tempo, seria hipocrisia dizer
que não me sentia deslumbrada com todo aquele glamour, mas isso não
interessava, eu estava ali para mostrar meu trabalho e, com um pouco de
sorte, ganhar notoriedade.
Segui John pelo enorme corredor e chegamos ao andar onde as obras
estavam sendo exibidas. Os organizadores haviam montado diversos espaços,
cada um com três trabalhos do expositor em questão.
Enquanto me dirigia à minha estação, fui apresentada a algumas
pessoas, a maioria delas artistas. Eu já usava o pseudônimo Lizzie Nichols há
muitos anos, mas ainda era estranho ser chamada assim por tantos
desconhecidos.
Uma hora se passou e muita gente apareceu. Minhas obras já tinham
sido apreciadas em nossa galeria, uma vez que existia uma seção separada
para elas, mas ali era totalmente diferente. A maioria daquelas pessoas
entendia de arte e saber disso me fez sentir como se estivesse desnuda,
especialmente porque muitos críticos foram convidados e John já havia me
falado que eles, certamente, escreveriam matérias ou colunas a respeito do
que tinham visto naquela noite e isso me fez voltar ao início, quando era
completamente insegura com meu trabalho.
Em certo momento pedi licença ao meu sócio, que conversava
animadamente com um conhecido e saí a procura do toalete. O lugar era
enorme e com aquela quantidade de pessoas, foi demorado chegar ao
corredor que me indicaram.
Enquanto caminhava, fiquei pensando em como a vida era engraçada.
Ali estava eu, inserida naquele universo do qual sempre fugi, mas disposta a
não deixar meus preconceitos suplantarem a razão novamente. Estar em Nova
York era o primeiro passo para seguir meus planos de construir uma vida
nova e cheia de possibilidades e eu teria que me acostumar.
Assim que dobrei a esquina no fim do corredor, acabei esbarrando com
quase uma dezena de seguranças. Fiquei tentando entender o que estaria
acontecendo, mas somente quando reconheci Zed entre eles foi que me dei
conta e na mesma hora senti a bile subir até minha garganta.
Se eu havia achado que meu encontro com Dom tinha sido o máximo
da coincidência, o que dizer do que estava prestes a acontecer?
Porque ainda que aquele evento estivesse lotado de estrelas de vários
segmentos, eu jamais poderia conceber aquilo.
Sem que eu percebesse, dois daqueles seguranças entraram na minha
frente e mandaram que eu me afastasse.
Imediatamente fiz como pediram e logo me vi encostada à parede, mas
eles continuaram onde estavam, fazendo uma espécie de escudo.
Meu coração, que já saltava descontrolado dentro do peito, quase saiu
pela boca quando Harry surgiu, imponente como nunca, em um terno escuro,
os cabelos bem alinhados e um olhar determinado.
Ao vê-lo, meu estômago se apertou, minhas mãos começaram a suar e
quando nossos olhares se cruzaram, minhas pernas ficaram bambas e tive que
respirar fundo, pois senti que poderia desmaiar ali mesmo.
Harry também arregalou um pouco os olhos, mas na hora em que sua
surpresa se desfez, continuou andando e fez questão de me ignorar quando
sua comitiva passou por mim.
Aquilo doeu tanto, que foi difícil respirar.
Após todo aquele tempo escondida, criando nosso filho sozinha para
que ele pudesse reinar como sempre sonhou, não podia acreditar que estava
sendo ignorada daquela forma.
Sua atitude me fez sentir humilhada, pequena, invisível...
Sim, muitos anos tinham se passado, ele agora era o presidente dos
Estados Unidos, um homem casado e totalmente diferente daquele que
conheci, mas eu jamais imaginei que ele agiria como se me considerasse
menos que nada.
Permaneci encostada naquela parede, ainda sentindo seu olhar gélido
sobre mim, como se ele tivesse me congelado. Isso me deu tempo de colocar
as ideias no lugar.
Eu já sabia que não seria bem recebida. Estranho seria se ele me
tratasse de forma cordial, depois de tudo o que aconteceu, mas nunca pensei
que me trataria daquela forma.
De repente senti a garganta queimar de mágoa, mas também de
ressentimento e uma boa dose de determinação.
Eu vivi, ano após ano, esperando por aquele reencontro, fantasiando
como seria, que palavras eu usaria para abrandar o ódio que ele devia sentir
por mim e fazê-lo entender as escolhas que fiz e nada disso valeria se Harry
não soubesse o que tive que renunciar por ele.
Decidi erguer a cabeça e, mesmo ferida, lembrei-me do meu filho e
senti uma força desconhecida tomar conta de mim.
Não estava preparada para ter aquela conversa naquela noite, no
entanto, não fugiria. Por isso, engoli o choro, sequei as lágrimas e fiz o
caminho de volta.
Prestes a entrar no salão, escutei uma voz suave anunciando a presença
do Presidente dos Estados Unidos.
Caminhei por entre as pessoas tentando chegar o mais perto possível do
palco, pensando que, no final, aquele encontro acabou se tornando
providencial. Falar com o presidente era mais difícil que ganhar na loteria e
depois de ter sido ignorada daquela forma, senti necessidade de antecipar
meus planos e ver sua cara quando soubesse de Colin.
Se Harry queria lutar pela reeleição, que o fizesse ciente de que tinha
um filho, pois eu não iria mais carregar toda aquela responsabilidade sozinha.
Parei a poucos metros do palco e não pude deixar de me impressionar
com a magnitude do que ele havia se tornado, no quanto parecia à vontade
ali, com a atenção de todos sobre si.
Logo nos primeiros minutos de discurso, nossos olhares se cruzaram de
novo, mas Harry não vacilou, falou cada palavra olhando dentro dos meus
olhos e eu fiz o mesmo, queria que enxergasse em meu olhar o quanto estava
decidida a falar com ele.
Mas, então, como se não me conhecesse, desviou o olhar.
Voltei a ficar paralisada diante da frieza daquele homem que em nada
lembrava aquele que me destinava olhares cheios de amor e devoção.
Mais uma vez tive vontade de chorar, mas continuei encarando, cheia
de saudade, sentindo-me sozinha em meio a todas aquelas pessoas. Enquanto
eu só sabia amá-lo cada dia mais, Harry me mostrou do jeito mais cruel que
não estava nem aí para mim.
Pela milésima vez tive vontade de ser menos apaixonada, de poder
expulsá-lo do meu coração, mas era inútil tentar, aquele homem sempre seria
o amor da minha vida, mas isso não queria dizer que eu voltaria a poupá-lo.
Eu talvez não significasse mais nada para ele, mas um filho não poderia
ser ignorado, e se antes já queria falar a verdade, agora não pensava em outra
coisa.
Assim que finalizou o discurso, sua mãe tomou a palavra e apenas
naquele momento eu percebi que ela estava entre os convidados, junto com
seu marido, admirando o discurso do filho.
Enquanto Julie Stone falava do quanto eventos como aqueles eram
importantes para ela, Harry se juntou a Romeo e ambos se encaminharam a
uma mesa ocupada por alguns senhores.
Patrocinadores ou apoiadores, imaginei.
Olhei ao redor e notei que ninguém ousou se aproximar. As pessoas da
alta sociedade podiam até ficar eufóricas com a presença ilustre, mas estavam
acostumadas a participarem de eventos cheios de políticos e celebridades,
então, era normal que mantivessem a cara de paisagem diante do presidente.
Mesmo um lindo como este.
Além disso, ninguém ali gostaria de se indispor com os homens do
Serviço Secreto. A única que parecia ansiosa para confrontá-los, era eu.
A fim de disfarçar, peguei uma taça de champanhe e me misturei às
pessoas que estavam próximas ao palco, enquanto Harry continuava
concentrado na conversa, parecia que ele não tinha acabado de voltar a ver a
mulher com quem pensou em se casar poucos anos atrás.
Todas as suas atitudes me feriam de forma inexplicável e me faziam
pensar que não se tratava apenas de mágoa, mas tão somente do fato de que
ele estava feliz com a Catherine e simplesmente não queria arrumar confusão.
Virei a taça de champanhe para abrandar o fogo que subiu por minha
garganta e marchei em direção a Harry, sem calcular o perigo que estava
correndo em me expor tanto, tudo o que queria era tirar aquele ar de
presunção do rosto dele.
Quando estava quase chegando, Zed entrou na minha frente e tive que
me segurar para não trombar nele.
— Desculpe, Srta. Reagan, mas ele proibiu que a senhorita se
aproximasse.
— Eu não quero criar problema, Zed, só preciso falar com ele, é muito
importante — falei, encarando Harry que me olhou de relance e voltou a
conversar com seu pai, como se eu fosse um inseto.
— Sinto muito, estou apenas seguindo ordens.
Assenti e engoli a vontade de berrar para todas aquelas pessoas que eu
era mãe do filho daquele homem e tinha o direito de falar com ele. Só que
não era o momento de perder a cabeça, então respirei fundo e me afastei,
sentindo-me tola e morrendo de vontade de sumir dali.
Saí caminhando meio sem rumo e acabei esbarrando em uma mulher.
— Ah! — ela arquejou, baixinho, mas antes que eu pudesse me
desculpar, seus olhos se arregalaram em surpresa ao me reconhecer. — Meu
Deus, Liz, é mesmo você! — disse Zara Sullivan e no instante seguinte
estava me abraçando.
Eu também fiquei surpresa, mas não consegui demonstrar a mesma
emoção. Sentia-me destruída pela forma como Harry tinha me tratado e não
estava nem um pouco a fim de interação, entretanto, não podia ser mal
educada.
— Oi, como vai? — perguntei, sem graça.
— Não sabe o quanto procurei por você. Ainda estou sem acreditar que
estamos frente a frente — falou, dando-me mais um abraço.
Ao se afastar, pegou minha mão e me levou até um canto mais
tranquilo.
— Eu sei que devo muitas explicações, mas quero que saiba que não
fui embora sem mais nem menos, simplesmente não dava para ficar com
Harry — resolvi falar em minha defesa.
— Liz, antes de me casar com Blake, tive um trabalho, digamos, não
muito ortodoxo, e sei bem como funciona o tabuleiro de xadrez de
Washington, por isso, tenho certeza que sua fuga não aconteceu por vontade
própria — falou, cheia de convicção, deixando-me atordoada. — Mas seja o
que for, Harry pode te proteger, só que você precisa se abrir, dizer o que
aconteceu.
Se ela soubesse como fui tratada por ele...
— Não acho que vai ser fácil assim, além disso, ele está casado agora,
tem outras prioridades — falei para encerrar o assunto e poder ir embora.
— Não me diga que você acredita nessa farsa de casamento? —
perguntou ela, me fazendo enrubescer. — Se Catherine já era uma intragável
antes, depois que conseguiu o que queria se tornou insuportável. Ela ainda
tenta disfarçar quando Harry está junto, mas quem convive com a megera
sabe que é tudo um teatro. Não sei se há algo de verdadeiro naquela mulher.
— Achei que vocês se dessem bem — rebati, lembrando-me de como
se trataram no almoço de inauguração do comitê.
— Naquela época estávamos todos no mesmo barco, todos em busca da
vitória. Depois que você sumiu, nós ficamos sem chão por alguns dias, sem
saber o que iria acontecer e o jeito foi nos unirmos a fim de lutar pelo bem
maior e, infelizmente, ela era a melhor opção. Mas quando Harry ganhou,
muitas máscaras caíram e a dela foi a primeira.
A mim ela nunca tinha enganado e alguma parte do meu ser se
orgulhava de ter percebido que Cathy não era aquele doce de pessoa que
demonstrava ser.
— Eu fico triste por Harry ter precisado se casar apenas para conseguir
ganhar as eleições, mas não há mais nada que eu possa fazer.
— Por que não fala com ele? Vocês devem essa conversa um ao outro.
— Eu tentei, Zara, ele já sabe que estou aqui e me ignorou
completamente.
Ela segurou minha mão, que estava gelada, e depois sorriu.
— Se tiver um motivo plausível, e eu sei que tem, Harry irá te perdoar,
não hoje, talvez, mas ele precisa saber por que você foi embora.
— Foi exatamente para dizer isso que tentei me aproximar, mas fui
impedida por Zed, que foi bem claro ao dizer que me barrou por ordens de
seu chefe
— Esse é mais um sinal de que ele ainda não a superou ou jamais faria
isso. Harry é conhecido por sua simpatia, independentemente de quem tenta
se aproximar.
— Bom, eu não vou insistir, não agora, pelo menos, será melhor para
todos que eu vá embora — falei, ansiosa para sair dali, sem nenhuma vontade
de continuar me humilhando.
— Nem pensar, vou dar um jeito de você falar com ele, não saia daqui.
E antes que eu pudesse impedir, Zara se afastou.
Peguei mais uma taça de champanhe e alguns minutos depois ela voltou
com ar desanimado.
— Infelizmente Harry já foi embora e isso apenas mostrou o quanto
você mexe com ele, pois em todos esses anos nunca o vi ficar tão pouco em
um evento, ainda mais um que fora organizado e patrocinado por sua família.
— Deixa pra lá, tudo isso me desgastou muito e eu preciso ir embora.
Mas não vou desistir de falar com ele, uma hora eu consigo.
Zara me encarou com olhar de pena e depois pediu meu aparelho
celular.
— Estou gravando meu número — disse enquanto digitava —, e o dele
também. Ligue amanhã e tente marcar um encontro.
Arregalei os olhos em surpresa. Não podia acreditar que Zara facilitaria
tanto as coisas para mim.
— Obrigada por isso — falei, emocionada por ter alguém ao meu lado.
— Não precisa agradecer. Foi muito bom te ver e espero que dê certo
— disse, dando um beijo em meu rosto e, antes de se afastar, pediu que eu
ligasse para ela depois.
Apenas naquele momento eu percebi uma protuberância em sua barriga
e notei que ela estava grávida. Isso mostrava o grau de perturbação que
tomava conta da minha cabeça.
Caminhei o mais rápido que pude em direção a saída, aquele lugar
estava me sufocando e eu precisava respirar.
Do lado de fora, parei na calçada e fechei os olhos para sentir o vento
gelado da noite em meu rosto.
Abri-os novamente, bem na hora em que os batedores e o carro
presidencial passavam na rua em frente ao museu.
Ver aquilo fez a vontade de chorar voltar com tudo. Doía saber que
minha presença o incomodava a ponto de fazê-lo ir embora daquela forma.
Ergui meu celular, fui até os contatos e procurei pelo nome dele.
Quando o vi, senti meu coração acelerar novamente, numa mistura de
amor, ansiedade e esperança. Agora que tinha seu número, não iria sossegar
até que Harry Stone soubesse de toda a verdade.
Eu sabia que no dia em que reencontrasse Elizabeth, todo sentimento
que estava represado dentro de mim daria um jeito de se soltar, mas nunca
imaginei que fosse ser tão intenso.
A primeira imagem que tive dela naquele corredor, colada à parede,
com olhar assustado, mas atento, à procura do meu, me deixou atordoado e
foi impossível não vacilar. Após todo aquele tempo, ali estava ela, tão linda
quanto eu me lembrava e bem ao alcance dos meus olhos, das minhas mãos...
Todavia, junto com aquela emoção veio a raiva, a mágoa por ter sido
abandonado, além de todos os problemas que isso me causou na época e que
repercutiam em minha vida até hoje.
Por esta razão, toda a nostalgia que tomava meu coração se foi e eu
desviei o olhar ao passar por ela.
Queria que Liz sentisse o mesmo desprezo que eu senti quando ela me
abandonou.
Com o coração aos pulos, deixei-me ser guiado até o palco onde fiz
meu discurso de modo automático, já que a maldita fez questão de ficar bem
à minha frente, olhando diretamente para mim, como se quisesse ser vista a
qualquer custo.
Tive que fazer o meu melhor para tentar controlar a miríade de
emoções que me assolou por saber que ela estava no mesmo espaço que eu.
De repente, algo me ocorreu e comecei a desconfiar que sua aparição
em um restaurante que meu irmão frequentava não havia sido aleatória, o que
significava que sua presença no evento de minha mãe também não era
coincidência.
Perceber isso fez minha raiva voltar, mas ao mesmo tempo me deixou
curioso para saber o porquê de ter aparecido naquele momento. Será que
tinha a ver com minha reeleição?
Apesar de todos esses questionamentos, consegui me manter focado
enquanto fazia meu discurso. Ao terminar, juntei-me ao meu pai e ambos
fomos conversar com alguns empresários.
Embora não olhasse diretamente para Elizabeth, mantive-me atento aos
seus movimentos, por isso percebi quando tentou se aproximar.
Mesmo tendo dado ordens de a manterem longe de mim, fiquei ansioso
e excitado com sua injunção. Ela parecia diferente, mais determinada, mais
séria, sem aquela jovialidade que lhe era tão peculiar, e isso não tinha nada a
ver com o fato de já estar com 27 anos, estava mais para o tipo de maturidade
que a pessoa era obrigada a adquirir, querendo ou não.
Fiquei imensamente curioso para saber o que havia acontecido para
deixá-la assim, mas não podia permitir que se aproximasse. Eu estava prestes
a concorrer à reeleição e de forma alguma deixaria que uma ex-namorada
atrapalhasse meus planos, mesmo que se tratasse de Elizabeth Reagan.
Sem conseguir me conter, olhei para ela e a expressão destemida
impressa em seu rosto enquanto falava com Zed, me fez questionar o que
haveria de tão importante para falar comigo.
No mesmo instante desviei o olhar para não fraquejar. Aquela mulher
me perturbava e não seria justo deixar que ela se aproximasse depois de todo
trabalho que tive para reconstruir minha vida.
Continuei minha conversa, mas logo Zed se aproximou para informar
que Liz tinha desistido e essa foi minha deixa. Após uma mentira bem
elaborada, consegui ir embora sem que meus pais ficassem chateados; ambos
sabiam da responsabilidade que carregava nas costas e tinham certeza de que
eu não os deixaria se não fosse algo urgente.
Em questão de minutos eu estava no carro, sentindo alívio enorme por
estar me afastando daquele lugar. Dela.
Antes de terminar meu pensamento, visualizei-a parada em frente ao
MoMA, observando minha comitiva passar.
Os vidros escuros impediam que ela me visse, mas eu consegui
capturar cada detalhe da mulher parada no tapete vermelho que dava acesso
ao interior do Museu.
Mesmo após todo o sofrimento que me infringiu, Liz ainda tinha um
efeito devastador sobre minha mente e meu corpo. Foi por isso que, como o
maior dos covardes, eu fugi, se continuasse olhando para ela, as coisas
poderiam sair dos trilhos e eu estaria mais perdido do que nunca.
Quando cheguei ao hangar, o Força Aérea Um já estava pronto para
partir, mas apenas quando pisei na Casa Branca foi que senti um pouco de
alívio.
Fui à minha sala particular para tomar um drink, mas mesmo depois de
me desfazer do paletó, da gravata e dos sapatos, e após ter bebido duas doses
do meu uísque preferido, eu não tinha conseguido relaxar.
Preparei uma terceira dose e dei graças a Deus pelo fato de o dia
seguinte ser domingo, eu não teria cabeça para trabalhar.
Sentei-me no sofá e tentei não pensar nela. Foi difícil, mas no fim do
meu drink, a adrenalina que tomou conta do meu corpo desde que a vi
diminuiu e logo estava sendo vencido pelo sono.

Para meu espanto, acabei dormindo como nunca mais havia acontecido
desde... Bom, há pelo menos quatro anos e isso me surpreendeu e preocupou
na mesma medida.
Para não ficar criando conjecturas, resolvi trabalhar, mesmo sabendo
que não conseguiria me concentrar o bastante.
Foi difícil, mas acabei terminando de ler algumas propostas
parlamentares e à noite, quando me deitei, mais uma vez consegui dormi feito
um bebê.
Na segunda-feira, sentindo-me mais descansado que o normal, saí da
área privativa meia hora mais cedo, precisava ocupar a minha mente e nada
melhor que cuidar dos problemas de um país para isso.
— Já estou sabendo da boa nova — disse Lexy quando entrou no Salão
Oval, no final da tarde. Ela estivera fora o dia todo, resolvendo alguns
assuntos, por isso ainda não havia me abordado sobre aquilo.
— Imaginei que Zed fosse lhe contar.
— E como se sente?
Mesmo estando casado e após milhares de discussões, Lexy e Zed
ainda eram as pessoas com que eu mais me sentia confortável para falar de
minha vida pessoal. Naquele momento, entretanto, eu precisava de alguém
que me desse razão, por isso fui sincero.
— Com raiva, mas não vou deixar que esse sentimento me domine
outra vez.
— Na verdade, ele nunca te deixou, você só aprendeu a controlá-lo.
Ela estava completamente certa, foi a raiva por Elizabeth que me levou
tão longe, foi de mãos dadas com o ódio que sentia por essa mulher que
consegui a Casa Branca. E por mais que tenha discordado na época, se ela
estivesse ao meu lado, talvez eu não tivesse vencido.
— Mas eu estou em Washington e ela em Nova York; as coisas estão
voltando ao normal.
— Por que será que eu sinto que agora é que as coisas vão sair dos
trilhos?
— Não fale besteira! — rebati e fui me servir de uma dose de uísque.
— Não vai demorar para você pedir ao seu pessoal que faça um
relatório completo acerca da vida dela, isso se já não o fez.
— Isso não vai acontecer — garanti.
— Eu te conheço, Harry, todas as dúvidas que o afligiram quando ela
foi embora ainda estão em sua cabeça e você só vai se aquietar quando ouvir
da boca dela o real motivo de ter feito aquilo.
Lexy realmente me conhecia como a palma da mão, mas dessa vez ela
estava enganada quanto a minha conduta.
— Eu vou entrar em outra corrida presidencial, a última coisa que
quero é ir atrás de Elizabeth Reagan.
— Você foi feliz com ela. Sinto falta de você naquela época.
— Que porra você está fazendo? Se for para agir como o Zed, é melhor
ir embora.
— Eu só me preocupo com você.
— Mas não precisa. Eu estou feliz e ficarei muito mais quando
conseguir me reeleger — afirmei, peremptório, tomando um grande gole da
minha bebida.
Lexy assentiu, havia percebido que não conseguiria mais nada de mim.
— Vou subir para tomar um banho e me arrumar para sair — falei para
encerrar o assunto e caminhei até a porta.
Nesse momento meu celular tocou em cima da mesa. Estava prestes a
voltar quando Lexy se adiantou:
— Deixa que eu atendo — falou, pegando o aparelho e eu aguardei.
Ela disse alô algumas vezes, mas ao não obter resposta, desligou.
— Número desconhecido. Vou pedir para investigarem.
— Ok, enquanto isso estarei com o reserva.
Lexy concordou e ambos saímos da sala, cada um para um lado.
Assim que passei pelo corredor, Snyder, o chefe de segurança da minha
equipe, explicou a rota que faríamos naquela noite.
Depois de combinarmos o horário da minha saída, fui para a área
privativa, que se tornara meu lar nos últimos três anos, mas onde eu só ia para
tomar banho e dormir.
— Harry, que surpresa você por aqui tão cedo — Cathy falou quando
me viu entrar.
— Tenho um jantar importante para ir esta noite — falei.
Ela assentiu, como sempre fazia, e voltou sua atenção para os vestidos
em seu closet.
Permaneci parado, olhando para ela, e as palavras de Lexy a respeito de
sentir falta do antigo Harry voltaram à minha mente.
Eu podia não ser completamente feliz, mas apenas o fato de ter
conseguido realizar meu sonho, de certa forma, me completava.
Agora me perguntava se aquela era a vida que minha esposa sonhou
para si também.
— Você é feliz? — perguntei, sem estar consciente de que o fazia.
Ela se voltou, a testa franzida em confusão, mas respondeu.
— Óbvio que sim, nós conquistamos a Casa Branca e tudo indica que
ficaremos aqui por mais quatro anos, não tem como as coisas ficarem melhor.
Mas por que está me perguntando isso?
Catherine era uma mulher estudada e muito inteligente, mas a ambição
que demonstrava pela Casa Branca a fazia parecer meio fútil. Eu entendia de
ambição, achava válido e necessário a qualquer pessoa, mas quando sua vida
se pautava unicamente naquilo, tornava-se vazia, era como se a pessoa tivesse
apenas um objetivo e não visse nada além daquilo. Eu achava esse tipo de
comportamento meio doentio e foi por isso que, mesmo tornando tudo mais
pesado, só deixei de trabalhar nas empresas de minha família depois que
ganhei. Eu queria ter algo a mais em que focar para não transformar meu
sonho em uma obsessão.
— Curiosidade — respondi, pois sabia que não adiantaria argumentar.
— Vou me arrumar, nos vemos mais tarde.
Ela assentiu e voltou às suas roupas.
Ainda a olhei por alguns segundos e depois me dirigi ao banheiro.
Já embaixo do chuveiro, deixei a água morna escorrer sobre meu corpo
por vários minutos, em uma tentativa de relaxar meus músculos que àquela
hora já estavam fatigados.
Esperava que aquele tempo ali também me ajudasse a desanuviar a
cabeça.
Infelizmente, ainda que eu tentasse empurrar as lembranças de volta
para o fundo do armário, havia uma parte minha que gostava de relembrar o
quanto eu me transformara por causa daquela mulher.
Liz me fazia bem e isso acabou deixando minha vida mais leve. Com
ela eu não sentia necessidade de me esconder e somente quando estive com
ela novamente, foi que eu percebi o quanto as máscaras que usamos todos os
dias podiam se tornar um peso após algum tempo.
Enquanto estivemos juntos, esse peso foi aliviado e uma parte de mim
sentia vontade de ter aquilo de volta. Talvez por isso eu mantivesse todas
essas lembranças guardadas tão vivamente em minha memória. Elas me
feriam, mas ao mesmo tempo me transmitiam paz.
Fechei os olhos e dei um soco no mármore gelado.
Elizabeth tinha acabado de voltar e já estava dominando meus
pensamentos, era como uma erva daninha preenchendo os espaços vazios
deixados por sua partida.
Eu podia mentir para Zed e Lexy, mas nunca fui bom em mentir para
mim mesmo, e meu coração, melhor que ninguém, sabia o efeito que ela
tinha sobre mim.
No entanto, eu não estava disposto a lhe dar essa abertura, não havia
qualquer chance de ela fazer tudo de novo, pois além das lembranças boas, eu
também guardava tudo de ruim que senti quando a perdi tão repentinamente e
isso deixava um gosto amargo que sobrepujava qualquer momento doce.
Algumas feridas levavam uma vida inteira para cicatrizar, era o caso
das minhas. Elas não sangravam há um bom tempo, mas não estavam
saradas, bastava um movimento errado para que se abrissem novamente.
Era por isso que eu precisava manter minhas barreiras erguidas, se
Elizabeth voltasse à rondar minha vida, eu jamais me recuperaria.
O evento daquela noite aconteceria em um renomado clube, exclusivo
para cavalheiros, e estava repleto de empresários e aliados que dariam a vida
por mim.
Assim que cheguei, fui muito aplaudido e o mesmo aconteceu após
meu breve discurso.
Blake, meu vice-presidente e amigo, estava entre os convidados,
fazendo o que melhor sabia: fechar boas alianças. Eu tinha muita fé de que
ele seria meu sucessor após meu segundo mandato, pois não conseguia
pensar em ninguém melhor para me substituir e cuidar do país.
Juntei-me a Blake que estava em uma mesa próxima com alguns
senadores.
— Zara comentou comigo sobre Elizabeth Reagan — falou quando
fomos deixados a sós.
Blake precisara ficar em Washington por causa de um importante jantar
que já estava marcado, por isso Zara havia ido sozinha.
— Sim, ela está de volta — admiti antes de beber um gole do meu
uísque —, teve o descaramento de ir até lá atrás de mim.
— Tem certeza de que ela sabia que a exposição estava sendo
patrocinada pelas Indústrias Stone?
— Por que outro motivo ela estaria no museu, para uma simples visita?
Não. Especialmente porque no dia anterior já havia, “coincidentemente”,
esbarrado com Dom em seu restaurante favorito.
Blake franziu o cenho.
— O que Zara me disse foi que enquanto conversavam, Liz não lhe
contou porque estava ali. Ela só ficou sabendo a razão depois que um tal de
John viu as duas conversando e foi perguntar para onde Liz tinha ido. Após
responder o que ele perguntou, aproveitou para investigar, você sabe o quanto
ela é boa para conseguir o que quer — falou, a voz demonstrando todo o
amor e admiração que nutria pela esposa.
— E? — perguntei, curioso para saber quem era esse John e que
desculpa foi dada a Zara.
— Liz era uma das artistas, com três de seus quadros expostos.
Na mesma hora a lembrança da tela que ela me presenteou me veio à
cabeça.
— E quem é esse John?
— Ele é marchand e sócio de Liz em uma galeria.
Quer dizer que, além de continuar pintando, ela tinha uma galeria,
pensei, mas sem estar completamente convencido do que ouvia.
— Bom, Zara pode ter acreditado nessa ladainha, mas eu, não. Ela
estava determinada demais a falar comigo para alguém que apareceu ali sem
segundas intenções.
— Acho que se ela tivesse segundas intenções, ali era o melhor lugar
para te expor ou algo assim.
Dei de ombros, não sabia o que pensar.
Vendo meu silêncio, Blake falou:
— Eu sei que talvez nunca consiga perdoá-la, mas agora que ela voltou,
acho que deveria procurá-la para poder tirar essa história a limpo. Para ser
sincero, depois de tudo que passei com Zara, não acredito em meias palavras.
— O que quer dizer com isso?
— Washington DC não foi apelidado de covil à toa. Nós estamos
cercados por pessoas altamente gananciosas que seriam capazes de tudo para
conseguirem o que desejam.
Eu sabia que Blake estava certo, mas o que ele me falava não fazia
sentido.
— Se tinha algo além do que contou naquela carta, por que ela não
falou comigo? Antes de ser presidente eu era o CEO de uma das maiores
corporações do mundo e poderia ter ajudado, só que o que foi que ela fez?
Sinto muito, mas não vou cair nessa.
— Harry, eu não quero entrar em conflito com você, muito menos por
uma mulher do passado, ainda mais agora que estamos prestes a enfrentar
outra campanha, mas não se deixe cegar pelo ódio. Os homens,
especialmente em nosso meio, tendem a ser práticos e analíticos, mas muitas
vezes o que precisamos é escutar o coração.
Após derramar essas palavras, ele se afastou, deixando-me sentado
onde estava, sentindo um estranho desconforto que me fez lembrar alguns
detalhes do meu encontro com Elizabeth.
Apesar da brevidade do nosso contato, não pude deixar de ignorar o
quanto seu olhar era triste e ao mesmo tempo ansioso. Vários anos
transcorreram, mas eu ainda conseguia decifrar o que se passava em sua
cabeça apenas observando seus olhos. Foi dessa forma que descobri que seus
sentimentos por mim eram tão verdadeiros quanto os meus e por causa disso
foi tão difícil aceitar o que aconteceu.
Ainda assim não podia ignorar o que vira. Elizabeth parecia infeliz,
todavia, assim como eu, demonstrava estar conformada com o que a vida lhe
dera.
Mas essa era a interpretação do homem que ainda acreditava naquela
menina doce e cheia de vida e não a do homem que me tornei.
Virei a dose de uísque e acenei para meus seguranças, era hora de ir
embora. Com alguma sorte, conseguiria dormir tão bem quanto nos últimos
dois dias e as palavras de Blake, que ainda martelavam em minha cabeça,
perderiam sua força.
Arrependida, era assim que eu me sentia por ter sucumbido e ligado
para Harry. Já fazia cinco dias, mas eu ainda me repreendia. Estava tão
ansiosa para falar com ele, que não pensei direito, apenas liguei, as mãos
trêmulas a ponto de quase não conseguirem segurar o celular.
Eu estava nervosa, mas ao mesmo tempo decidida a lhe explicar tudo, a
respeito das ameaças, de Colin... Nunca me senti tão perto de revelar a
verdade, mas quem atendeu foi Lexy, e isso foi um grande balde de água fria,
por isso desliguei.
Os dias seguintes foram cheios de frustração e dúvida, sem saber se
ligava novamente ou não. Mas foi apenas no terceiro dia que algo surgiu em
minha mente. Eram poucas as pessoas que possuíam o telefone do presidente
e nenhuma delas desligaria quando fossem atendidas, de modo que, o fato de
eu ter feito exatamente isso, poderia soar suspeito, mesmo que ninguém
tivesse retornado a ligação.
Desde então estou no meu limite, a frustração sendo substituída pelo
medo de não saber o que poderia acontecer.
Ainda assim consegui disfarçar para que ninguém desconfiasse. A
única que sabia era Stella, mas logo me arrependi de ter contado, já que ela
não parou de tocar no assunto desde então.
— Eu ainda não acredito que você o viu — disse ela baixinho enquanto
eu aproveitava o sono de Colin para cortar suas unhas, ele odiava o
barulhinho do cortador e se não fosse assim, seria impossível.
— Nem eu, mas a forma fria como me tratou foi prova suficiente de
que aquilo que tivemos um dia não existe mais.
— Bom, não dava para esperar outra coisa depois da forma como você
foi embora.
Sim, mas era difícil de acreditar que não existia mais nada entre nós, a
ponto de nos olharmos como dois estranhos.
Isso me machucava. Bem lá no fundo, eu ainda desejava viver aquele
conto de fadas.
— Eu sei que ele tem motivos para agir com indiferença, mas não é
fácil aceitar.
— E o John, nada? — Ela mudou de assunto tão subitamente que até
parei o que estava fazendo.
— Se antes de reencontrar Harry eu não sentia qualquer atração por ele,
imagine agora.
Apesar de extremamente bonito e charmoso, eu só via John como um
bom amigo.
Isso não queria dizer que eu havia tido uma vida de freira por todo esse
tempo. Após os dois primeiros anos, quando me dediquei exclusivamente à
gravidez e a aprender a ser mãe, eu comecei a sair e pensar em outras coisas
que não estavam ligadas ao meu filho.
Nessa época eu tomei meu primeiro grande porre e acabei beijando um
rapaz. Eu sequer me lembrava seu nome, mas nunca me esqueci do quanto
aquela experiência foi horrível. Mesmo pouco consciente do meu ato, senti-
me péssima por ficar comparando o pobre coitado com Harry.
Depois desse dia nunca mais beijei alguém influenciada pelo torpor do
álcool.
Mas minhas decepções não pararam por aí. Quando Colin fez dois
anos, saí com Stella e acabei ficando com um rapaz supergato e com uma boa
conversa.
Houve comparações também, é claro, achava que esse tipo de coisa era
normal, mas não foi tão ruim quanto da primeira vez, tanto que após três
encontros deixei o clima esquentar e transei com ele.
Foi estranho, eu me senti esquisita ao fazer aquilo com outra pessoa e
aprendi que não era o tipo de garota que conseguia separar as coisas. Foi
então que jurei a mim mesma que nunca mais faria sexo por sexo, que
enquanto não encontrasse alguém que chegasse ao menos um pouquinho
perto do meu coração, me contentaria com o vibrador que ganhei de Stella no
meu aniversário de vinte e cinco anos.
— Imagino que seja difícil esquecer um homem como nosso
presidente. — Stella suspirou de forma dramática, me fazendo rir e concordar
ao mesmo tempo.
— É, tenho que admitir que ele parece mais lindo do que nunca.
Foi minha vez de suspirar. Coisa que vinha fazendo muito nos últimos
sete dias.
Ter estado tão próxima a Harry, fez várias caixinhas que estavam bem
guardadas em minha memória se abrirem. Era como entrar num looping de
nostalgia que levava meus pensamentos ao passado.
Nosso primeiro encontro foi tão improvável, com Lion se tornando
nosso elo de ligação, Eleanor sendo Eleanor... Analisando friamente, eu me
apaixonei um pouco por ele naquela noite, por sua simplicidade, pela beleza
arrebatadora, mas, principalmente, pelo modo como ele pareceu me
compreender, enxergar que eu precisava de ajuda. Começou por aquela
mentira com relação a Lion, mas naqueles dois meses de convivência, ele me
ajudou de várias outras maneiras que nem eu mesma sabia precisar.
Harry era muito sensível e eu pedia a Deus que Colin herdasse essas e
outras qualidades dele, como o foco, a responsabilidade e o respeito com que
tratava as pessoas.
Nós podíamos estar separados, mas a minha admiração por ele não
havia mudado.
Terminei de cortar as unhas de Colin e cerquei a cama com mais
travesseiros, pois o danadinho amava dormir ali, mas rolava muito de um
lado para o outro e vivia enroscando as pernas em qualquer coisa.
Stella e eu descemos e fomos até a varanda, o lugar preferido de nossa
família.
— E como vão as coisas com Dan? — perguntei enquanto esticava as
pernas sobre o assento de uma cadeira.
— Bem, mas ele já viajou outra vez, disse que precisava comprar umas
peças para loja — respondeu sem olhar para mim.
— E qual é a desconfiança? — perguntei, sabendo que tinha algo mais.
Stella me olhou de rabo de olho e depois mordeu o lábio.
— A cidade não é tão grande assim, mas praticamente toda semana ele
se ausenta por uns dois dias com a desculpa de ir comprar peças ou outras
coisas para a loja, isso não faz sentido.
Realmente a loja de computadores de Dan era um ovo, mas eu também
conhecia minha amiga como a palma da mão.
— Você tem que parar de ser tão ciumenta, os homens odeiam isso —
falei e ela revirou os olhos.
— Ele não tem ideia do quanto essas coisas me incomodam, eu só falo
para você e sempre me arrependo depois.
Stella reclamava que eu sempre ficava do lado do Dan, mas ela era
muito insegura e eu não achava saudável alimentar isso.
— Amiga, se eu enxergar qualquer coisa estranha nas atitudes do seu
namorado, serei a primeira a falar, tudo bem?
Ela sorriu e encostou seu ombro no meu, mostrando que estávamos
bem.
Voltamos a conversar amenidades, mas alguns minutos depois três
carros pretos apontaram no início da alameda que levava à frente da mansão.
Eram duas SUV e entre eles estava um sedã preto, muito parecido com o que
tinha visto na comitiva de Harry.
Fiquei completamente gelada, muda, sem saber o que fazer ou pensar.
— Ah, meu Deus! — disse Stella quando viu os carros estacionando
em frente a casa.
Benito, que estava no jardim, mostrava-se nitidamente apreensivo. No
mínimo, tinha chegado a mesma conclusão que eu.
— Eu acho que é ele — admiti com um fio de voz.
— Será que tem alguma coisa a ver com aquela ligação? — perguntou
minha amiga, enquanto víamos dois homens, que imaginei serem do Serviço
Secreto, saírem do carro da frente, sendo imitados pelos que se encontravam
no carro de trás.
Dois dos agentes se separaram do grupo, indo cada um para uma das
laterais da casa para, muito possivelmente, verificarem a propriedade.
Enquanto isso, fiquei em expectativa esperando a porta do sedã preto
ser aberta para revelar Harry Stone.
Minutos depois vi os dois agentes que ficaram falarem algo em suas
escutas e, em seguida, abrirem a porta de trás do sedã.
Para minha surpresa, não foram pernas masculinas em calças feitas sob
medida e sapatos italianos que saíram de lá e sim um par de pernas longas,
cobertas por meias de seda e apoiadas em Louboutins pretos.
— Uau, mas essa não é a...
— Lexy — completei, ainda incrédula.
Ela ficou parada ao lado carro, olhando ao redor. Estava muito elegante
em um tailleur preto que se moldava perfeitamente ao seu corpo curvilíneo.
Parecendo satisfeita em olhar tudo que a cercava, voltou-se para a
varanda e nos fitou de forma incisiva.
— Será que ele está dentro do carro? — Stella perguntou baixinho e eu
dei de ombros, não sabia de nada.
Após falar com seus seguranças, Lexy seguiu Benito, que havia se
aproximado. De repente, o sorriso do homem se expandiu e imaginei que ela
havia elogiado alguma coisa.
Enquanto a bela mulher subia os degraus que levavam à varanda, Stella
permaneceu ao meu lado e dava para sentir que estava tão tensa quanto eu,
provavelmente se lembrando das inúmeras vezes que cogitamos a
possibilidade de Lexy estar por trás das ameaças.
Agora, trabalhando na Casa Branca, ela teria muito mais poder para me
destruir, se é que fosse mesmo a culpada.
O interessante era que, apesar da tensão, eu não estava com medo.
Tudo o que queria era saber se ela estava ali por si mesma ou a mando de
Harry.
Assim que parou à minha frente, Lexy me olhou de cima a baixo e
sorriu com afetação.
— Elizabeth Reagan — disse, pausadamente, como se tivesse ansiosa
por aquele momento.
— Lexy. Como vai?
— Não tão bem quanto você — revidou olhando além das portas
duplas para o lindo hall de entrada da casa de Joseph.
— Obrigada — falei, sem me deixar abalar. — Vamos entrar? — pedi
em seguida, educadamente, e ela nos seguiu até a sala íntima que eu
costumava usar como sala de leitura no inverno, já que possuía uma porta que
me isolava do restante da casa.
— É realmente uma bela propriedade — elogiou observando a
decoração de bom gosto.
— Não acredito que tenha vindo aqui para elogiar o lugar onde moro.
— Pelo visto continua tão esperta quanto antes.
E você, tão insuportável quanto sempre, pensei comigo mesma,
começando a me irritar com seus joguinhos.
— Na verdade, estou mais esperta e menos paciente, então, se não for
falar logo o motivo da sua visita, é melhor ir embora.
Ela deu um leve sorriso, mas assentiu.
Olhou para Stella, Benito e dois dos seguranças que a tinham seguido
para dentro e ordenou:
— Deixem-nos a sós.
No instante seguinte os homens se foram. Benito e Stella, por outro
lado, permaneceram no mesmo lugar, eles só sairiam dali se eu os
dispensasse.
— Está tudo bem, podem ir — garanti.
— Lizzie — Stella começou, mas eu a interrompi.
— É sério, Stella, eu vou ficar bem. Por que você não sobe? — sugeri,
lançando um olhar significativo para ela que na mesma hora entendeu e saiu
de lá, levando o pai junto e fechando a porta atrás de si.
Lexy caminhou pelo ambiente aconchegante, olhando todos os detalhes
e eu dei graças a Deus por não termos colocado fotos nossa nas áreas
comuns, não queria que ela tomasse conhecimento de Colin antes de Harry.
Fiquei observando seu desfile. Como sempre, parecia totalmente
confiante e aquela presunção que exalava dela me enervava.
— Como me encontrou aqui? — perguntei, queria acabar logo com
aquilo.
Ela parou próximo às portas que davam para a varanda lateral e depois
me fitou.
— Devia saber que ligar para o Presidente dos Estados Unidos e
desligar sem falar nada, além de não ser educado, é bastante suspeito.
Bom, eu não devia nem ter me surpreendido com sua visita depois do
que fiz. Como não pretendia mentir, dei de ombros e disse:
— Eu precisava falar com ele, aliás, preciso.
— Pode falar comigo, tudo passa por mim antes de chegar a ele.
Foi a vez de ela dar de ombros, demonstrando normalidade, como se
casos como aquele apenas fizessem parte do seu trabalho.
Fiquei com raiva de ela me tratar como uma questão qualquer.
— É um assunto pessoal que só diz respeito a nós dois — falei,
erguendo um pouco o queixo e a encarando.
Lexy suspirou.
— Ele não vai te receber, se quiser mesmo que a ouça, é melhor abrir o
jogo comigo. Dependendo do que me contar, eu a coloco no salão oval.
Soltei uma risada debochada.
— Eu fiquei bem quietinha por todo esse tempo, escondida para não o
atrapalhar, mas três anos se passaram, não dá mais para esperar. E lhe garanto
que, de um jeito ou de outro, Harry irá falar comigo.
Ela me avaliou com seus olhos astutos e ambas permanecemos em
silêncio por alguns segundos.
— Olha, Liz, eu sei que vocês estavam apaixonados, mas ele agora está
casado e prestes a tentar uma reeleição... Não acha injusto de sua parte sumir
por todos esses anos e agora, num momento decisivo, reaparecer? Eu,
sinceramente, acharia muito mais digno se o deixasse em paz, pelo menos
pelos próximos quatro anos.
Então era isso? Lexy tinha ido me procurar para se certificar de que eu
não iria atrapalhar a reeleição de Harry?
— Lexy, Lexy, não tente me enganar. Uma fonte segura me garantiu
que ele não é feliz no casamento. Só que isso realmente não me interessa,
meu assunto com ele não diz respeito a sua vida pessoal.
— Se não é para reconquistá-lo, não consigo imaginar que outro
motivo você teria para querer esse encontro; a não ser... — Ela parou, a
expressão indignada. — Não me diga que está pensando em extorqui-lo?! —
perguntou e havia um tom de decepção em sua voz que eu não entendi.
— Já disse que não é da sua conta, mas é do interesse dele.
Lexy me avaliou em silêncio, pesando cada uma de minhas palavras.
— Se fosse tão urgente assim, você me falaria. Se não o faz é porque o
assunto não é tão importante. Só que ao contrário de você, nós temos dezenas
de problemas com que nos preocupar todos os dias... Harry não pode perder
tempo com coisas inúteis.
Sorri de forma irônica.
— Pois é, você é tão ocupada que se deslocou de Washington até aqui
na primeira oportunidade. Acho que isso quer dizer alguma coisa, não acha
isso também?
Lexy estreitou os olhos e me olhou de cima a baixo novamente.
— Meu Deus, o que aconteceu com aquela Elizabeth doce que eu
conheci?
— Aquela garota simplesmente acordou e descobriu que não haveria
nenhum conto de fadas para ela e decidiu ser menos princesa e mais bruxa.
Lexy ficou muito séria, então, virou-se de costas e caminhou,
calmamente, até a porta. Antes de abri-la, voltou-se novamente para mim e
falou:
— Eu só espero que essa bruxa que há em você não volte a magoar
aquele homem de novo. Harry demorou muitos meses para se recuperar do
que você fez e, mesmo assim, nunca mais foi o mesmo. Não é justo de sua
parte voltar para infernizar a vida dele novamente.
Eu queria contestá-la, mas o que poderia falar? Ela, assim como
Dominic, viu como Harry ficou e falava com propriedade.
Só que ouvir mais uma vez sobre o quanto ele sofreu, abriu aquela
ferida latente que existia no meu coração e eu tive vontade de esquecer
aquele assunto e fingir que um dia tínhamos nos conhecido.
Mas isso era impossível quando em meio a toda essa confusão, havia
uma criança. Por isso, juntei-me o máximo que consegui e falei da maneira
mais indiferente que pude:
— Adeus, Lexy. Ah, e se ele decidir me ouvir, por favor, passe meu
endereço.
Àquela resposta, a assistente de Harry perdeu o rebolado por alguns
segundos, mas logo se empertigou, colocou os óculos escuros no rosto e saiu
sem falar uma palavra.
Quando a vi atravessar o hall e sair pelas portas principais, dei meia
volta e me sentei no sofá que tantas vezes me acolheu ali.
Eu sabia que estava brincando com fogo, mas não podia recuar. Em vez
disso, decidi que ligaria para Joseph a fim de deixá-lo a par de tudo o que
ocorreu nos últimos dias. Ele sempre sabia o que dizer e seus conselhos
seriam mais que bem vindos antes do confronto minente.
Fechei a porta de entrada da magnífica mansão e tirei meus óculos para
voltar a admirar o lugar onde me encontrava.
Quando eu poderia imaginar que aquele número desconhecido me
traria aqui?, pensei, realmente admirada, não pelo o local em si, mas por
quem morava nele.
No dia em que o celular de Harry tocou, eu achei que fosse engano,
afinal, discagem errada não era algo incomum. Entretanto, como era de
praxe, pedi à ANS que pesquisasse.
Essa primeira pesquisa nos levou a Joseph Holmes, um bilionário
aposentado de Washington.
Até aí tudo bem, um senhor de idade poderia facilmente ligar por
engano. Só que a agência não trabalhava com suposições e não deixava
pesquisas pela metade, por isso continuaram investigando até descobrirem
que a pessoa que usava aquele número se chamava Elizabeth Nichols e, isso,
sim, foi intrigante.
Não podia ser coincidência que Elizabeth Reagan tivesse reaparecido
em um dia e, dois dias depois, outra Elizabeth tivesse ligado no celular
particular de Harry.
Pedi então que eles tentassem encontrar outros dados dessa mulher,
mas não foi fácil, ela não tinha cartões de crédito, nem conta em banco e isso
só podia significar que não queria ser encontrada.
Esse fato me deixou ainda mais curiosa e bastante cautelosa também.
Havia uma razão para aquilo e não seria eu a denunciá-la. Por isso, pedi
discrição e não falei das minhas suspeitas; ninguém da ANS ou Serviço
Secreto tinha conhecimento do namoro de Harry com Liz, e preferi que
continuasse assim.
Enquanto eles procuravam pelo endereço, eu fui atrás do arquivo
pessoal da Srta. Reagan, juntado na época da campanha, que continha
absolutamente tudo relativo a ela. E, lá estava o Nichols como nome de
solteira de sua avó paterna.
Para mim, não havia mais dúvidas e após pensar por dois dias, decidi ir
atrás dela; queria saber como tinha conseguido aquele número e, o mais
importante, quais eram suas intenções. Precisava me certificar de que essa
volta repentina não causaria problemas a Harry.
E eu nem me referia ao lado político e sim ao pessoal.
Há muito tempo ele tinha decidido tirar Elizabeth de sua vida, nos
proibindo inclusive de tocar em seu nome, e se agarrou ao trabalho para não
pensar nela e não era justo que ela voltasse do nada, apenas para fazê-lo
sofrer novamente.
Harry sempre fora muito assediado, não apenas por ser quem era, mas
porque possuía o charme típico dos homens da família Stone que deixava as
mulheres aos seus pés, o que lhe rendeu vários casos, lindas mulheres do
mundo inteiro se renderam aos seus encantos, mas foi Elizabeth, com seu
jeito peculiar, quem conseguiu as chaves de seu coração.
Mas isso também teve um alto custo. Por causa de sua fuga, meu amigo
se tornou outra pessoa. O homem afetuoso dera lugar a um protótipo de robô,
que não se afeiçoava a ninguém. Harry agora vivia para trabalhar, bebia
muito e tinha casos extraconjugais, coisa que jamais imaginei que ele pudesse
fazer.
Claro que isso só acontecia porque sua esposa era Catherine. Ela podia
se vangloriar por ter casado com Harry, mas não por ter conquistado seu
coração.
Eu ainda me repreendia por ter permitido tal loucura, mas na época ele
estava com raiva de mim, me culpando pela fuga de Elizabeth e pouco pude
opinar.
Óbvio que eu não podia negar que Cathy era a melhor opção para o
cargo de primeira-dama, mas todo aquele teatro que eles faziam em frente às
câmeras me incomodava e eu sabia que o mesmo acontecia com Harry.
Ele não era feliz, só que após aquela desilusão, focou em seu sonho e
sua sede por poder o fazia se contentar com um casamento frio e mecânico.
Eu me culpava por isso.
Não tinha certeza se as atitudes de Elizabeth se deram por causa da
pressão que eu e Cathy fizemos em cima dela, mas era bem possível.
Contudo, eu não estava muito convencida disso. A Liz que nos recebeu
aquele dia na cobertura não parecia o tipo que usava de subterfúgios. Mas
toda vez que eu tentava levantar alguma hipótese, Harry me cortava. Ele
quase foi à loucura tentando encontrar outra razão para aquela fuga
intempestiva, mas, por fim, acabou se apegando aos motivos descritos na
carta e acreditando neles.
Eu, por outro lado, me negava a crer que uma mulher que tinha Harry
Stone nas mãos, o deixaria por um motivo tão banal.
Foi por isso que resolvi ficar cara a cara com ela, para tentar descobrir
o que queria e, quem sabe, poupar meu amigo de mais sofrimento.
Porque Harry poderia enganar a todos, menos a mim, que o conhecia
desde criança. Esse reencontro balançou suas estruturas, ele andava arredio e
quando não sabia que estava sendo observado, deixava alguns muros caírem
e nessas horas era possível ver que por trás da raiva que usou como escudo
por todos esses anos, havia muita fragilidade.
Ele estava dividido entre mantê-la longe e a confrontar, e isso estava
sendo exaustivo. Eu queria ajudá-lo, mas também, de certa forma, me
redimir. Queria escutar que Elizabeth não tinha ido embora por causa de
mim, queria saber que não fui eu quem causou todo aquele sofrimento em
Harry e, quem sabe, ajudá-lo.
Então, ali estava eu.
Não poderia dizer que havia sido malsucedida, mas o encontro também
não foi uma maravilha e nem esperava que fosse. Já sabia que não seria bem
recebida, mas aquela Liz não se parecia em nada com a que conheci quatro
anos atrás.
Deu para ver que ela estava tensa, mas eu era esperta o bastante para
notar que ali não havia apenas ansiedade, mas uma boa quantidade de temor
também.
Ainda assim, ela não abaixou a cabeça, pelo contrário, me desafiou,
demonstrando que realmente não era mais a mesma.
A mulher que me recebeu era bem mais decidida, cínica, com respostas
afiadas e sarcásticas, muito parecida com o novo Harry.
Isso me fez questionar: por que uma garota que largou tudo para viver a
vida que sempre sonhou, se tornou tão dura?
Nessa hora eu percebi que estava certa. Havia mais nessa história e eu
sentia muito por saber que ela não confiaria em mim.
Mas não a culpava, se estivesse em seu lugar, eu sequer me receberia.
Por isso insisti até certo limite, especialmente quando percebi em seu
tom que ela estava determinada a se encontrar com Harry e algo me dizia que
ela realmente não queria desenterrar assuntos passados — embora isso tenha
acontecido a partir do momento em que reapareceu. Também não parecia
estar blefando quanto a importância da conversa, havia muita seriedade em
sua atitude.
Isso me deixou preocupada e para que ela não notasse, resolvi dar
aquele encontro por encerrado.
Voltei a colocar os óculos de sol e me encaminhei ao carro, mas
estaquei quando ouvi um latido seguido de uma risada infantil.
Minha curiosidade foi às alturas.
Acenei para os homens do Serviço Secreto pedindo que esperassem e
dei a volta na casa a fim de investigar. Era uma atitude bem típica de gente
enxerida, mas quem se importava? Elizabeth me deixara com uma pulga atrás
da orelha e se eu não conseguiria informações dela, teria que ir atrás por mim
mesma.
Caminhei calmamente, passando por incontáveis janelas, até chegar à
parte de trás da propriedade. De onde estava, vi uma senhora brincando com
um cachorro caramelo enorme e um menino que devia ter entre três e quatro
anos, com cabelos escuros e vestindo jardineira jeans com camiseta branca.
Como estava de costas, não pude ver seu rosto, mas imaginei que fosse
filho da amiga de Elizabeth e isso era algo que não me interessava.
Estava prestes a me virar para ir embora quando a senhora arremessou
a bolinha na direção de onde eu estava e tanto o menino quanto o cachorro
foram atrás dela.
Assim que vi seu rosto, meus olhos se arregalaram, minhas pernas
ficaram moles e foi com muito custo que segurei o arquejo que me subiu pela
garganta.
Continuei olhando para o garoto, para a forma como os cabelos
castanhos destacavam a pele clara, as bochechas rosadas e os olhos azuis que
encaravam a bolinha de forma decidida.
Foi impossível não me lembrar do garotinho que corria atrás de mim
aos quatro anos de idade e naquela hora ou soube: Harry tinha um filho!
Então era esse o assunto que Elizabeth tinha para tratar com ele.
— Meu Deus! — sussurrei, quando outra ideia surgiu.
Será que foi por isso que ela desapareceu? Porque estava grávida?
Mais uma vez a culpa começou a tomar conta de mim. Eu não queria
acreditar que tinha fugido por causa das coisas que falei, mas se tivesse sido
por causa disso, Harry iria querer me matar novamente.
Eu estou muito ferrada.
Só que não podia pensar apenas em mim. Se essa criança fosse mesmo
filho de Harry, e eu apostava todas as minhas fichas nisso, como seria o
impacto dessa notícia na vida dele? De todos eles.
Cathy tinha um problema hormonal e não havia conseguido dar filhos a
Harry. Por causa disso, vinha insistindo na ideia de eles adotarem uma
criança.
Já Harry, deixou mais do que claro que não queria filhos.
Mas com essa novidade, as coisas mudavam completamente.
Qual seria a reação de ambos ao saber que Harry teve um filho com
Elizabeth, a única mulher a quem amou?
Foi impossível não imaginar a dor que ele sentiria pelos anos de
convivência que foram roubados dele e também da criança.
Elizabeth teria muito a explicar e do jeito que se mostrava agora, eu
tinha certeza de que seria uma briga digna de ingressos, porque Harry não
deixaria por menos e ela não se intimidaria.
Antes que fosse pega espionando, voltei para o carro e ordenei que
fôssemos embora. Mas minha cabeça continuou lá, e quanto mais eu pensava,
mais coisas deixavam de fazer sentido.
Eu sabia bem o que tinha feito, em contrapartida, mesmo sendo nova e
em muitas coisas, ingênua, Elizabeth jamais fugiria sem ter uma grande
motivação.
Na época em que eles namoraram, a garota estava visivelmente
apaixonada e determinada a enfrentar quem quer que fosse para poder ficar
com Harry e eu não conseguia ver essa mulher indo embora porque estava
grávida.
Não, tinha mais coisas nisso aí e estar no escuro me deixava irritada.
Cheguei ali com o intuito de descobrir o porquê de Elizabeth ter ligado
para Harry, achando que estava interessada em se reaproximar por motivos
românticos. Mas era muito pior.
A reeleição dependia dela e do que ela faria com essa informação.
Por outro lado, se seu desejo fosse prejudicá-lo, não precisaria ter
esperado todo esse tempo e muito menos ter entrado em contato com ele. E,
pela forma como estava vivendo, não achava que tinha a ver com dinheiro.
Então, que diabos Elizabeth Reagan almejava ganhar com isso?!
A única coisa que eu sabia era que se ela jogasse essa notícia na
imprensa, seria o fim da vida política de Harry Stone.
Meu dia tinha começado intenso, com várias especulações a respeito da
minha reeleição. Tudo isso devido a uma nota que saiu no Washington Post,
citando que uma fonte anônima, porém, confiável, havia garantido que ainda
naquela semana eu anunciaria minha candidatura.
E por mais que eu quisesse desmentir essa fonte, a verdade era que,
faltando apenas dez meses para as eleições, isso precisava ser corrigido,
afinal, todos queriam saber minha posição.
A sala de imprensa estava lotada, nosso porta-voz, a postos,
aguardando instruções e eu sentia que havia chegado a hora.
Por isso, comuniquei a todos que eu mesmo faria o pronunciamento.
Allen não ficou muito feliz, estava segurando a notícia por todo esse
tempo como parte de uma estratégia, mas eu não aguentava mais dizer meias
verdades.
Procurei por Lexy, mas minha secretária informou que ela ficaria fora o
dia todo, o que foi estranho, ela normalmente me informava esse tipo de
coisa.
Bom, com ou sem ela, eu resolveria aquele assunto.
Encontrei-me com Blake e ambos nos dirigimos à sala de imprensa,
que ficou em polvorosa.
Meu pronunciamento foi breve. Apenas confirmei os rumores e afirmei
que como tinha muito trabalho a fazer, deixaria que Blake respondesse às
perguntas.
Voltei ao Salão Oval e fui ler alguns pontos do documento que tratava
de uma parceria entre Estados Unidos e Brasil, cujo embaixador estava
prestes a chegar.
Assim que consegui me concentrar, Cathy entrou em minha sala. Era a
única que podia fazer isso sem ser anunciada — um pedido dela para,
obviamente, fazer as coisas parecerem mais reais.
Respirei fundo, odiava ser interrompido daquela forma.
— Quer dizer que estamos, oficialmente, em campanha — disse ela, já
a par do pronunciamento.
— Sim, estamos em campanha — confirmei, levantando-me de minha
cadeira e me acomodando no sofá.
— Ótimo, porque eu queria tratar de um assunto — disse ela, sentando-
se elegantemente a minha frente.
— Pode falar, mas seja breve, tenho uma reunião importante em alguns
minutos.
Ela assentiu e se ajeitou no assento, parecendo nervosa.
— Eu sei que Duncan já conversou sobre isso com você, mas agora que
sua candidatura está confirmada, resolvi falar eu mesma do assunto.
Levantei uma sobrancelha, encorajando-a a continuar.
— Harry, nós precisamos de um filho.
Suspirei, sabia que em algum momento ela tomaria coragem e iria tocar
nesse assunto.
— Não — falei, impassível.
Ela crispou os lábios, mas logo voltou a argumentar.
— Seu maior oponente tem uma família de comercial de margarina.
Não consegue perceber o quanto pode ser problemático?
— Cathy, contra todas as probabilidades, eu ganhei uma eleição aos 35
anos, sem ter uma vida política pregressa e muito menos filhos e, ainda
assim, tenho feito um ótimo governo, acredito que podemos repetir a dose.
Minha esposa me encarou com dureza e até um pouco de raiva e eu não
soube se aquilo estava dirigido a mim ou a si mesma.
Não poder gerar os próprios filhos era algo que a incomodava muito,
mas ela nunca falava do assunto. Apenas uma vez, no início do nosso
casamento, perguntou se eu cogitaria adotar uma criança e quando eu disse
não, ela não tocou mais no assunto.
Por isso, o fato de ela insistir nesse assunto me chateava. Catherine não
fazia o tipo maternal e, quando estávamos sozinhos, reclamava das crianças
que sujavam seus vestidos de grife.
Então, por mais que eu simpatizasse com a ideia da adoção por parte de
casais que não podiam ter filhos, não achava que isso deveria ser feito por
pessoas inaptas como nós no que se referia a crianças, que não se amavam, e,
pior, que só se casaram para conseguir um propósito.
— Então você não quer mesmo? — perguntou, encarando meus olhos.
— Não, eu não quero. E gostaria que não tocasse mais nesse assunto.
Ela engoliu a vontade de replicar e se levantou, saindo em seguida, tão
silenciosamente quanto entrou.
Balancei a cabeça.
Cathy às vezes parecia uma criança mimada e enfezada por não ter
conseguido um brinquedo novo.
Ela se preocupava tanto com sua imagem que seria mesmo capaz de
adotar uma criança apenas para ficar bem como nosso eleitorado. Ela sabia
que algo assim poderia angariar muitos votos. Todavia, eu jamais permitiria
que uma criança inocente fosse usada para esse fim.
Deixei meus problemas com Cathy de lado e fui terminar de ler o
documento, antes que o embaixador chegasse.
Por volta das 16h30, quando voltava da última reunião do dia, minha
secretária informou que Lexy estava me esperando.
Ao entrar no Salão Oval, vi-a em frente a uma das janelas, observando
o imenso jardim.
— Espero que tenha um bom motivo para ter me deixado na mão em
um dia tão atribulado — falei sem qualquer cerimônia.
Lexy se virou lentamente e ficou me observando, mas não como de
costume.
Ela sempre estreitava os olhos antes de me dar uma boa resposta ou se
empertigava dentro de suas roupas elegantes, mas naquele momento sua
postura era completamente diferente. Meio apática, triste.
— Eu tinha um assunto pessoal para resolver, não dava para cancelar.
Mesmo antes de irmos para a Casa Branca, não me lembrava de Lexy
já ter se ausentado para ir resolver assuntos pessoais. Ela era muito
responsável, especialmente com o cargo de confiança que lhe dei. Por causa
disso, imaginei que deveria ser algo muito importante.
— Posso ajudar em alguma coisa? — perguntei, intrigado com seu
jeito.
— Não — respondeu apenas.
Vendo que ela não me daria pistas, falei:
— Espero que tenha resolvido tudo.
— Ainda não, mas vai dar tudo certo — disse vagamente.
— Ótimo. — Se ela não queria me contar, eu não insistiria. — Imagino
que já esteja sabendo da novidade — falei para mudar de assunto.
Ela franziu o cenho antes de balançar a cabeça.
— Eu ouvi no rádio. Allen me disse que isso aqui está uma loucura
hoje.
— Sim. Parece que o dia não vai acabar mais.
— Há algo que eu possa fazer para amenizar as coisas?
— Eu dou conta — garanti e fui me sentar em minha poltrona.
Lexy assentiu e caminhou em direção à porta, mas então parou e se
voltou para mim de novo.
— Você realmente não tem mais curiosidade de saber o que levou
Elizabeth a fazer o que fez?
A pergunta repentina me deixou sem palavras por alguns segundos,
mas logo me recuperei e tive que me segurar para não explodir.
— De novo esse assunto? Achei que tivesse deixado as coisas bem
claras na última vez que conversamos.
— Eu sei, mas desde que ela reapareceu estou curiosa para saber o que
houve de verdade. Você não quer mesmo tirar essa história a limpo?
— Eu coloquei o mundo aos pés daquela mulher e mesmo assim ela foi
embora, acho que isso responde sua pergunta.
Eu não sabia por que estava me dando ao trabalho de responder, só
poderia supor que havia uma parte masoquista em mim que precisava
relembrar aquela dor de vez em quando.
Ainda bem que eu era guiado pela razão e não havia qualquer outra
parte que se sobressaía a isso.
— Pois eu acho que é aí que está sua pergunta — ela retrucou,
deixando-me confuso.
— Como assim?
— Que mulher tem o mundo aos seus pés e o coração de Harry Stone
nas mãos e, mesmo assim, vai embora?
Desviei o olhar e mexi em alguns papeis que estavam sobre a mesa,
tentando me acalmar para não ser grosseiro.
— Uma mulher que preferia sua liberdade a qualquer outra coisa.
Lexy abriu a boca para continuar o assunto, mas meu olhar a calou.
— Tudo bem, Harry, vou te dizer só mais uma coisa e te deixo em paz.
Eu acho que antes de embarcar em mais uma corrida presidencial, deveria ir
atrás dela e ter uma conversa sincera. Você já realizou seu maior sonho e,
mesmo assim, não foi o suficiente. Ainda que ganhe as eleições outra vez,
sempre vai ficar faltando algo. O poder do seu cargo não vai alimentar sua
alma para sempre, você precisa de muito mais do que isso, sempre precisou e
eu queria muito ter enxergado antes.
— O que é, Lexy, está querendo aliviar a culpa que carrega?
— Também. Só que o mais importante é que, embora não queira
admitir, você sabe que pode ter conquistado muita coisa, mas não conseguiu
ser feliz — afirmou com propriedade e eu não pude contestar. — Não deixe a
raiva continuar te cegando, você tem a oportunidade de mudar as coisas ou,
pelo menos, tirar as dúvidas que ainda estão em seu coração. Talvez assim
consiga seguir em frente de verdade.
Após despejar todas essas palavras, ela saiu, me deixando sem saber o
que pensar.
Mesmo que Lexy tivesse alguma razão no que estava falando, meu
orgulho ainda estava ali, mais forte do que nunca, sempre me lembrando do
que aconteceu e não me deixando fraquejar.
Além disso, tinha meu coração, ainda magoado, que sabia exatamente o
que poderia acontecer caso ela voltasse para a minha vida.
Estar à frente dos Estados Unidos e casado com Cathy era, de certa
forma, um escudo, uma barreira que impus a mim mesmo para ficar longe de
algo que poderia me machucar outra vez.
Elizabeth foi a única mulher que me teve por inteiro e, mesmo assim,
me descartou sem dó nem piedade. E por mais vontade que tivesse de
confrontá-la, não lhe daria a oportunidade de me quebrar novamente.
Uma semana se passou e nada de Harry entrar em contato.
Eu só podia supor que, ou Lexy não lhe dera meu recado, ou ele
preferiu ignorar, e ambas as opções me deixaram chateada.
Claro que também havia a possibilidade de Lexy estar achando que
tinha conseguido me intimidar com sua visita, mas não estaria mais longe da
verdade, eu continuava decidida a seguir em frente.
Terminei o esboço de uma tela e resolvi ligar para Zara, pelo visto, ela
seria minha única aliada naquela história toda.
— Zara Sullivan — ela atendeu, altiva.
— Oi, Zara, é a Liz.
— Olá, querida.
— Desculpe o incômodo, mas queria conversar com você, se não
estiver ocupada.
— Não estou e não há incômodo algum. Agora me diz, como estão as
coisas?
Respirei fundo, pronta para contar tudo o que aconteceu.
— Eu liguei para ele na segunda-feira, mas quem atendeu foi a Lexy.
Zara suspirou.
— Ela continua sendo a sombra dele, é quase impossível ver Harry
sozinho. Mas você falou com ela?
— Não, fiquei nervosa e desliguei.
— Entendo. Bom, devo te alertar que é bem provável que estejam atrás
de você, todos os números que ligam para nós, especialmente os
desconhecidos, são rastreados. O Serviço Secreto faz isso por questões de
segurança, estão sempre em busca de possíveis ameaças, essas coisas.
— Foi exatamente isso que aconteceu — confessei. — Ela apareceu em
minha casa alguns dias depois.
— Hum e o que ela queria?
— Bisbilhotar e se certificar de que eu não iria melar a campanha de
Harry.
— Bem típico de Lexy bancar o cão de guarda.
— Mas eu não baixei a bola para ela. Falei que precisava conversar
com Harry e por mais insistente que tenha sido, deixei claro que o assunto era
entre mim e ele.
— Ela não deve ter gostado nada disso.
— Certamente que não. Mas já tem uma semana e nada, ele não
telefonou ou apareceu. É por isso que estou te ligando, Zara, preciso de sua
ajuda.
— Eu estou aqui, Liz, sempre estive.
Era tão bom saber que eu ainda podia contar com ela. Zara foi uma das
poucas pessoas em quem confiei logo de cara e mesmo após minha fuga, ela
continuava me apoiando.
— Por enquanto eu não posso te contar tudo o que aconteceu, mas
quero que saiba que você tinha razão quando disse que houve um motivo para
eu ir embora. Foi algo muito sério e agora, quatro anos depois, decidi contar
tudo a Harry.
— Não sabe como fico aliviada em saber que não te defendi em vão —
ela brincou e nós duas rimos.
— Obrigada, Zara, acho que você foi a única que não me julgou...
— Há muito tempo eu aprendi a olhar os dois lados de uma situação
antes de fazer julgamentos. Mas estou curiosa com relação a uma coisa. Por
que agora?
— Na época, eu quis falar para ele, mas aconteceram tantas coisas, que
perdi a coragem e fugi. Desde então eu sofri muito, devido a culpa por tê-lo
deixado daquele jeito e à saudade, que acabou me levando a uma depressão,
enfim, tudo isso me fez amadurecer e apesar de ainda ter medo, sinto-me
forte o suficiente para expor as razões que me levaram a largar tudo e esperar
que ele resolva a situação. E isso só será possível com a sua ajuda.
— Entendi. Isso quer dizer que você não espera que tudo volte ao que
era antes?
Fiquei calada, sem saber o que responder.
Eu ainda o amava? Com certeza. Nada do que ocorreu mudou meus
sentimentos. Mas esperar que ele largasse tudo por causa de mim, de nós,
seria pedir demais, mesmo que esse fosse o meu desejo.
— Eu não vou mentir e dizer que o esqueci, Zara, porque acho que isso
nunca vai acontecer. Mas não quero me iludir pensando que Harry vai relevar
o que eu o fiz passar e recomeçar de onde paramos. Há coisas demais em
jogo e seria ingenuidade minha acreditar nisso.
— Eu te entendo, de verdade, mas preciso que saiba de uma coisa.
Harry pode até estar realizando o sonho de sua vida, mas feliz ele não está.
Quem é de fora não percebe, porque em Washington você é obrigado a atuar
de acordo com a cartilha, ou faz isso ou é engolido pela oposição. Mas quem
está por perto sabe que muito daquilo é fingimento e, infelizmente, estamos
todos no mesmo teatro.
— Eu realmente sinto muito por tudo isso, mas não vou me impor. Ele
teve tempo e recursos para me encontrar e não o fez. Mesmo agora, quando
eu quis conversar, agiu como se não me conhecesse. Então,
independentemente de quais sejam nossos sentimentos, vou me limitar a
contar o que sei e Harry vai decidir o que fazer — falei com sinceridade.
— Você está certa. E, fique tranquila, vou pensar em um jeito de fazer
esse encontro acontecer.
Só de ouvi-la falar isso, já senti um enorme frio na barriga.
— Assim que conseguir esquematizar alguma coisa, eu ligo para avisar
— garantiu.
Agradeci novamente e finalizei a chamada. Fui até a parede de vidro
que dava para o jardim e respirei fundo tentando me acalmar. Sentia que as
coisas estavam prestes a mudar; com a ajuda de Zara esse encontro iria
acontecer e o jogo viraria de direção.
Restava saber o que Harry faria quando estivesse com o tabuleiro nas
mãos.
— Com quem estava falando todo esse tempo? — perguntou Stella,
entrando no ateliê.
— Com a Zara, ela vai tentar me conseguir um encontro com Harry.
— Ah, que notícia boa, acho que finalmente as coisas vão se ajeitar —
disse, otimista.
— Eu não consigo ter toda essa certeza, amiga. Tenho medo desse
novo Harry.
— O que você acha, que ele vai te dispensar?
— Isso eu tenho quase certeza de que vai acontecer e já estou
preparada. Meu medo é que despreze Colin. Se ele fizer isso, não sei o que
serei capaz de fazer.
— Se ele fizer isso, você vai continuar a sua vida, com todos nós ao seu
lado, mas sem a culpa de ter escondido Colin por todos esses anos.
— Mas isso é tão injusto...
— Olha, Liz, eu sei que resolveu fazer isso agora mais por causa do seu
filho do que por Harry e concordo com você, Colin merece conhecer o pai,
merece a chance de conviver com ele, de tê-lo como modelo, mas isso só será
bom se Harry o aceitar incondicionalmente, sem meios termos.
— Verdade, mas é tudo tão incerto, não sei o que esperar dele.
— Você deve esperar que ele assuma Colin e lide com as
consequências disso. Não sei se isso significa que vai desistir da reeleição ou
pagar para ver o que acontece, só sei que você vai fazer a sua parte. Caso
Harry resolva ignorar a existência do filho, você vai tocar sua vida pra frente
sem precisar se preocupar com quem nos ameaçou.
— E se ele o assumir, vamos ter que andar cercados de guarda-costas
— concluí.
— Sim, pelo menos até eles descobrirem o culpado.
Assenti e depois que ela se foi, voltei para o meu quadro, mas
permaneci atenta ao meu celular, esperando pelo telefonema de Zara.
Entre uma pincelada e outra, fiquei tentando adivinhar o que iria
acontecer dali para frente. Uma coisa era certa: o mundo de Harry Stone
viraria de cabeça para baixo com o que eu iria revelar. E embora tivesse
receio de sua reação, a decisão já estava mais que tomada, tudo o que me
restava era rezar para que não fosse tão ruim quanto eu supunha.
Mas não me animaria demais. Tinha certeza de que ele estava tão ferido
quanto eu e minha esperança era de que quando soubesse da existência do
filho, ao menos um pouco de sua raiva aplacasse e Harry me desse o
benefício da dúvida quanto às atitudes que tomei. Esperava que conseguisse
enxergar o quanto sofri, o quanto tive que renunciar e tudo pelo que passei
nos últimos anos para que pudesse estar no poder.
Ainda assim, tinha consciência de que seria doloroso e, no mínimo,
embaraçoso para todos nós, especialmente depois da forma como ele me
tratou.
Harry tinha uma nova vida, uma esposa, entre outras coisas, mas
preferia acreditar que sua essência não tinha mudado, que aquele homem
carinhoso ainda existia.
Pensar nisso me fez lembrar das vezes em que fizemos amor; foram
poucas, mas tão intensas, que se fechasse os olhos podia sentir seu corpo
sobre o meu. Eu tinha a impressão de que foi a lembrança dos seus beijos, ora
ternos, ora ardentes, que me ajudou a seguir em frente...
Ao mesmo tempo, doía demais relembrar uma época em que fui tão
amada, mas eu tive que me acostumar, afinal, era só olhar para Colin que a
imagem de seu pai surgia, sem pedir licença.
Será que Harry também destinara alguns de seus pensamentos a mim,
ou sua raiva sobrepujou qualquer lembrança boa? Isso era algo que me
questionava sempre que a saudade aumentava.
Também não foram poucas as vezes que imaginei como teria sido se eu
não tivesse fugido. A verdade era que mesmo depois de todos esses anos,
aquela vontade de ser primeira-dama não floresceu em meu coração. Eu
queria Harry e aceitaria o que tivesse no pacote, mas se pudesse escolher,
preferiria uma vida comum.
Quer dizer, o mais comum que a esposa de um dos homens da família
Stone poderia ter.
O dia acabou sem ter notícias de Zara, mas não me preocupei. Sabia
que ela não me deixaria na mão.
Quando fui me deitar, acabei deixando Colin dormir comigo, esperava
que seu cheirinho ajudasse a dissipar um pouco daqueles pensamentos.
Na manhã seguinte, fiz o de sempre: tomei o café da manhã com minha
família e fui pintar, entretanto, preferi ir para a beira do lago, algo que não
fazia há um bom tempo. Peguei uma maleta com todo o material que iria
precisar, assim como uma tela em branco e Benito levou o cavalete.
— Precisa de mais de algo mais? — perguntou ele.
— Não, mas qualquer coisa eu ligo — falei, mostrando meu celular.
— Tudo bem, quando terminar eu venho pegar as coisas.
— Obrigada.
Quando ele se afastou, caminhei até o deck e olhei para todos os lados,
procurando um ângulo que me inspirasse.
Assim que encontrei um, peguei o cavalete, montei no local apropriado
e após escolher as cores, comecei a pintar, sem esboço algum, apenas me
deixando levar.
Não percebi o tempo passar, mas sabia que a manhã já estava quase
acabando porque o sol ficava mais quente a cada minuto.
Não me importei, quando pintava eu não sentia fome ou sede, era como
se a criatividade me alimentasse. Além disso, sabia que em breve Consuelo
mandaria Benito levar algo para eu comer e beber, então, apenas continuei.
Estava tão envolvida em minha tarefa que levei um susto quando o
telefone começou a vibrar em meu bolso e senti um enorme frio na barriga
quando vi o nome de Zara piscando na tela.
Respirei fundo e atendi:
— Bom dia, Zara.
— Bom dia, Liz, desculpe por não ter ligado antes, mas só consegui
falar com Harry hoje e não tenho boas notícias.
— O que foi.
— Ele está irredutível, nem mesmo Blake conseguiu convencê-lo.
Ao ouvir isso, aquele frio na barriga se transformou em uma pedra de
gelo que pesou e esfriou tanto meu estômago, que chegou a queimar.
Eu sabia que seria difícil falar com ele, mas não imaginei que o teimoso
fosse me ignorar de forma tão dura.
— Você disse que eu quero explicar o motivo de ter ido embora
daquele jeito?
— Sim. Aproveitei que Blake tinha umas coisas para resolver com ele e
fui junto. Mas quando soube o teor do assunto, se alterou na hora, disse que
não tinha nada para falar com você e, no final, pediu a Blake que não tocasse
mais no seu nome.
Engoli o nó que se formou em minha garganta e continuei firme. Não
iria me desmanchar em lágrimas só porque Harry estava se fazendo de durão.
— Acho que seria esperar muito que ele aceitasse esse encontro com
tanta facilidade.
— Eu posso tentar fazer um jantar lá em casa. O problema é que
Catherine irá acompanhá-lo, então, não sei se seria uma boa opção.
— Não, com certeza não seria. Eu preciso conversar com ele a sós.
— Então temos que pensar em outra coisa.
— Obrigada, Zara, mas eu sei de uma forma que o fará vir até mim.
— Então por que não fez isso antes?
— Porque é algo que vai contra a minha índole, mas como ele quer dar
uma de ofendido mesmo após todos os meus esforços, acho que vou ter que
descer um pouco o nível.
— Está me assustando, Liz.
— O que tenho para falar pode destruir as chances de uma reeleição,
por isso, se ele não quiser conversar comigo, eu vou aos jornais, eles, decerto,
vão querer escutar minha história.
O silêncio que se estendeu me deixou preocupada, não queria que ela
pensasse que eu era uma vigarista qualquer, só estava fazendo aquilo porque
não havia outro jeito de chamar a atenção daquele homem.
— Uau, você deve ter uma bela carta na manga — comentou,
parecendo impressionada.
— Sim, eu tenho. Então, por favor, diga a ele que se não aceitar se
encontrar comigo, em poucos dias verá uma bela história na primeira página
do Washington Post — falei, irritada, e Zara deu uma gargalhada.
— Vou adorar dar essa notícia a ele, ligo quando tiver novidades.
— Meu Deus! — murmurei assim que desliguei o celular.
Apertei o aparelho contra o peito e estremeci ao me dar conta da
gravidade do meu ato.
Eu tinha acabado de fazer uma ameaça direta ao Presidente dos Estados
Unidos.
Fechei os olhos e respirei fundo.
Sorte a minha que eu era mãe do filho dele, ou as coisas poderiam se
complicar muito para o meu lado.
— A Sra. Sullivan está aqui para falar com o senhor — disse minha
secretária e não pude acreditar que um dia depois de lhe dizer que não queria
nem ouvir falar sobre aquele assunto, Zara estava ali novamente.
E eu a conhecia bem demais para me enganar achando que ela queria
tratar de outra coisa, então, não iria me iludir.
O problema era que eu ainda estava bem irritado pelo fato de ela e
Blake terem marcado um horário para tentar me convencer de encontrar
Elizabeth. Era um absurdo que meu vice-presidente estivesse compactuando
com aquilo, mesmo sabendo que estávamos prestes a brigar pela reeleição.
Por quase 20 minutos eles me falaram o quanto ela precisava falar
comigo e que eu deveria lhe dar uma chance para explicar os motivos pelos
quais foi embora.
Só que, mesmo não tendo um relacionamento dos sonhos com minha
esposa, eu não poderia dar brecha para que Elizabeth me enredasse outra vez.
Há alguns anos eu estaria ansioso para ouvi-la e ajudá-la no que fosse
preciso, mas agora, após tanto tempo, após tê-la visto, eu já sabia como meu
coração se comportaria em sua presença e seria burrice dar sorte ao azar.
Por isso, deixei claro para os dois que Elizabeth fazia parte do meu
passado e que era lá que ela deveria ficar, não havia nada que pudesse
justificar todo o sofrimento que me fez passar quando foi embora deixando-
me apenas uma carta como explicação.
Zara foi mais insistente e eu só não perdi a paciência porque ela era
uma pessoa da minha extrema confiança, sem contar que era mulher do meu
grande amigo. Contudo, sabia que não conseguiria ser tão polido como no dia
anterior. Essa história estava tirando a minha paciência.
Assim que ela passou pela porta e me encarou, percebi uma confiança
que não estava ali no dia anterior.
— Seja breve, Zara, tenho um compromisso em 10 minutos.
— Não se preocupe, antes de dez minutos eu termino o que vim falar.
Assenti e continuei sentado, fazendo o possível para me manter
impassível.
— Quando minha governanta me falou de Elizabeth pela primeira vez,
eu logo fiquei curiosa para saber quem era aquela garota especial que tinha
uma megera como mãe. E desde que a conheci, no baile providenciado por
mim, eu soube que ela era a mulher certa para você, então, por mais que
esteja com o coração cheio de ódio e mágoa, lembre-se de como Liz era, de
sua personalidade e valores, ela jamais iria embora sem ter um bom motivo, e
agora que está disposta a contar o que aconteceu, você deveria ouvir.
Mesmo não querendo, as palavras de Zara me fizeram voltar ao
passado, visitar lembranças, sorrisos e momentos que vivi com Liz, e se fosse
honesto comigo mesmo, teria que admitir que ela nunca me pareceu
hipócrita, pelo contrário, chegava a ser sincera e transparente demais, ao
menos até deixar uma carta que, pelo que Zara estava falando, não dizia a
verdade com relação aos motivos de sua fuga.
— Eu sei que você se deu bem com Elizabeth desde o início, mas
mesmo que ela tenha um motivo legítimo para ter feito o que fez, não
interessa mais. Eu sou um homem casado agora e as razões dela não vão
mudar os rumos da minha vida. Por favor, vamos deixar as coisas como
estão.
Zara levantou uma sobrancelha, bem na hora em que falei sobre ser
casado, pois, seguramente, estava a par das minhas puladas de cerca.
— Harry, querido, ninguém está pedindo para se separar de Catherine,
é apenas uma conversa.
— Sinto muito, mas não vai acontecer, se era esse o assunto, você já
tem minha resposta final.
Ela me encarou sério e balançou a cabeça, falsamente condoída.
— Bom, eu tentei do jeito fácil, mas você não colaborou.
— Do que está falando?
— Eu tentei te convencer com conversa e motivação, mas você prefere
ir pelo caminho mais difícil. — Quanto permaneci calado, Zara continuou: —
Harry, ela não está de brincadeira quando diz que precisa falar com você.
— Como assim, seja mais clara.
— Liz está determinada e me disse, com todas as letras, que se você
não aceitar se encontrar com ela, terá que jogar sujo.
— E isso significa? — questionei.
— Que seja lá o que tenha para falar, é importante, pois Liz está certa
de que a imprensa vai se interessar. E, Harry, ela disse que isso pode custar
sua reeleição.
Arregalei os olhos, sem acreditar no que estava ouvindo.
— Ela está me ameaçando?
— Acredito que a palavra certa seja desespero.
Nunca, em toda minha vida, imaginei que seria chantageado por
Elizabeth Reagan. Será que ela tinha noção do que estava fazendo? Com o
poder que eu tinha, seria fácil demais acusá-la de qualquer coisa que a fizesse
pagar por sua insolência.
— Eu sei o que está se passando por sua cabeça, mas antes que faça
alguma besteira, pense que ninguém ameaça o presidente dos Estados Unidos
sem ter uma boa história para contar.
Fiquei paralisado, sentindo ódio por imaginar que aquela mulher talvez
soubesse de algo que poderia me prejudicar.
Zara se aproximou de minha mesa e deixou um pedaço de papel sobre
ela.
— Aqui estão o telefone e o endereço de Liz. Quanto antes fizer isso,
mais cedo vai saber o que ela tem para falar e, assim, se livrar dela, como
tanto deseja.
E após me mandar um beijo, ela se foi deixando-me cheio de dúvidas e
com uma raiva que estava difícil de disfarçar.
Quem aquela garota achava que era para me ameaçar desse jeito?
Após pensar um pouco, pedi a presença de Lexy, precisava que ela
resolvesse isso para mim.
— Que bicho te mordeu? — perguntou ela ao entrar no Salão Oval e
ouvir a forma seca como falei com minha secretária, que saiu na mesma hora.
— Preciso falar com você — disse enquanto me servia de uma dose de
uísque.
— Então, fale — respondeu e se sentou em um dos sofás, esperando
que eu tomasse alguns goles.
— Zara esteve aqui pela segunda vez tentando me convencer a entrar
em contato com Elizabeth. Elas se encontraram no MoMA e após alguns
minutos de conversa, ela resolveu tomar partido de uma garota que mal
conhece.
— E o que você quer que eu faça?
— Elizabeth a convenceu de que sabe algo que pode acabar com a
minha reeleição, disse que se eu não a escutasse, ela iria à imprensa.
Só pensar nisso fazia minha raiva voltar. Era incrível que, mesmo
depois de tanto tempo, aquela mulher ainda conseguisse me afetar.
Minha assistente, por sua vez, tinha os olhos arregalados em descrédito.
— Quero que procure Elizabeth, descubra o que ela tem contra mim,
ofereça dinheiro e a mantenha de boca fechada.
Lexy ficou em silêncio por um longo momento antes de soltar:
— Eu já fiz isso.
— Como é que é? — perguntei sem ter certeza de que tinha escutado
direito.
— Aquele dia em que sumi dizendo que estava resolvendo um assunto
pessoal, na verdade fui atrás de Elizabeth. Foi ela quem ligou no seu celular e
eu precisava tentar descobrir o qual era o assunto.
— E? — perguntei, mais calmo do que me sentia.
— Bom, eu fiz de tudo para que ela falasse, e me refiro a tudo mesmo,
mas não consegui nada, ela quer falar diretamente com você.
Tomei o restante da bebida em um só gole e senti a garganta queimar.
O que foi bom, me deu tempo para questionar que diabos estava acontecendo
com as pessoas a minha volta? De uma hora para outra todos resolveram
fazer as coisas pelas minhas costas.
— Deveria ter me falado sobre isso.
— Eu tentei, Harry, mas você não escuta ninguém e veja onde
chegamos. Sinceramente, acho que será mais inteligente falar com ela do que
ler a merda toda em algum jornal.
— Não consigo imaginar o que essa mulher tem de tão importante que
possa prejudicar minha reeleição. Nós ficamos juntos por dois meses, essa
história não está me convencendo. Quer dizer, porque agora? — Servi outra
dose de uísque e tomei mais um gole antes de continuar. — Eu estou
percebendo que não a conheço mais. Se a mãe dela tiver falado a verdade, a
garota que conheci era uma interesseira que só queria alguém que a bancasse.
E se ela estiver armando alguma coisa?
Após chegar ao topo mais alto do poder, eu tinha bastante ciência do
que meus desafetos eram capazes. Só eu sabia quantos incêndios foram
apagados para que alguns escândalos não chegassem à imprensa, apenas para
alguém em que eu confiava fazer uma ameaça dessas.
— Você sabe muito bem o que eu sempre achei desse relacionamento e
entendo que não queira mais vê-la, mas eu também vi como ficou depois que
ela foi embora e por mais que negue, sei que sempre haverá um vazio em
você por não saber o que é verdade ou não. Por isso, acho que deveria ouvir o
que ela tem para falar, aproveitar para tirar suas dúvidas e seguir em frente.
Muitas vezes, cuidar de uma nação parecia mais fácil que enfrentar e
resolver os problemas que rondavam minha vida.
— Eu não sei. Há muito mais em jogo agora e eu não posso arriscar.
— Tenho certeza de que vai tomar a melhor decisão — Lexy falou e
desviou a atenção para o celular. — Até lá, já fique sabendo que Cathy vai
aproveitar o feriado para ir visitar os pais dela e só deverá voltar no domingo.
Quanto a você, até onde sei, iria aproveitar o dia de folga para ler algumas
emendas e assinar alguns documentos. Isso quer dizer que é só pedir que o
Serviço Secreto cuidará da sua ida. Caso resolva ir, é claro.
Estreitei os olhos, sem entender aquela conversa.
— Estou sonhando ou a mesma Lexy que briga comigo por causa dos
meus casos extraconjungais está me incentivando a ir atrás de uma ex-
namorada?
— Nós dois sabemos que ela não é qualquer ex-namorada, se fosse,
você não estaria se empenhando tanto em não a encontrar.
— Não acredito que estamos tendo essa conversa.
— Harry, eu posso ter sido um pé no saco com relação a você e a Liz,
mas nunca desejei sua infelicidade, porém, é isso que vem sendo nos últimos
quatro anos, infeliz.
— Você fala como se eu estivesse prestes a largar tudo e reatar com ela
e isso não vai acontecer.
— Eu sei que não, e sei também que será difícil ficar diante dela
novamente, mas é pior ainda ter Elizabeth nos rondando, além disso...
— Além disso?
— Nada, só acho que você deve ir.
Alguma coisa me dizia que minha amiga estava escondendo alguma
coisa.
— O que você está sabendo, Lexy?
Ela se levantou, juntou suas coisas e me olhou, séria.
— O suficiente para garantir que se você não for, cometerá o pior erro
da sua vida e vai perder muito mais que a sua adorada presidência, caso ela
decida mesmo ir aos jornais — falou deixando-me ainda mais intrigado.
Mas que diabos de tão importante essa mulher tinha para falar?
— Harry — chamou Lexy da porta. — Quero falar uma coisa com você
e te peço que não me interrompa.
Eu já sabia que não ia gostar, mas ainda assim assenti, queria terminar
aquilo.
— Se o desejo do seu coração for realmente tentar a reeleição, eu
estarei ao seu lado, como sempre estive. Contudo, se quando vir Elizabeth
frente a frente outra vez, sentir o desejo de reconquistá-la, serei a amiga que
sempre quis e farei de tudo para te ajudar. Mas se depois de vê-la, quiser
apenas uma desforra, te aconselho a ir em frente. Quem sabe uma transa bem
sacana com ela não o ajude a exorcizar seus demônios e fechar esse ciclo —
disse, imperturbável, e soltou uma gargalhada ao ver minha cara.
Com isso, ela saiu e me deixou com a cabeça mais cheia do que já
estava.
Não que estivesse pretendendo ter mais do que uma conversa com
Elizabeth. Não me deixaria ser enganado novamente.
No entanto, por mais que não quisesse dar o braço a torcer e ir procurá-
la depois do que ela fez, tinha que admitir que Lexy estava com a razão
quando disse que eu precisava exorcizar esses demônios, mas não seria com
sexo, isso eu poderia garantir.
Após uma noite péssima, onde mal dormi pensando em tudo que
escutei, decidi que a única coisa que me restava fazer era tirar essa história a
limpo o quanto antes.
Se Elizabeth queria ser ouvida, teria essa chance. E eu esperava que ela
tivesse um bom motivo para tudo isso, pois, caso contrário, eu a destruiria
sem dó nem piedade.
Graças a Deus Cathy tinha resolvido ir para a casa dos pais na noite
anterior e isso realmente veio a calhar, não queria mentir para ela e muito
menos ter que dar satisfação a respeito do que iria fazer.
Assim que cheguei ao Salão Oval para fazer o que havia me proposto,
liguei para Zed.
— Peça para prepararem o TangoStone3, nós iremos para Nova Jersey
logo após o almoço. E, Zed, envolva o mínimo de gente possível — ordenei e
sabia que ele tinha entendido que o que faríamos era algo pessoal. Ainda
assim, quando eu chegasse lá, já haveria dois carros oficiais esperando, cada
um com dois agentes, além da ambulância, as únicas coisas que meu pessoal
nunca abria mão.
Por volta das 12h30, eu e minha escolta nos dirigimos ao hangar
particular que minha família providenciou quando me tornei presidente.
Se nós já éramos visados, desde que fui eleito a atenção sobre todos nós
triplicou, por isso, meu pai teve a ideia de comprar um terreno e fazer uma
pista de pouso para que todos, inclusive eu, pudéssemos nos locomover com
discrição. Lá, sempre tinha um jato e um helicóptero a minha disposição, e
era ele que eu pretendia usar.
O condado de Monmouth ficava a menos de duas horas de Washington,
isso significava que durante todo esse tempo Elizabeth se escondeu bem
embaixo do meu nariz. Parecia até piada.
Quando estávamos nos aproximando do endereço que Zara me deu,
notei que se tratava de uma área nobre, com casas enormes e terrenos maiores
ainda; era um lugar muito bonito, com muito verde ao redor, bem condizente
com o estilo campestre.
Isso me intrigou, especialmente quando o motorista parou o carro em
frente a uma belíssima mansão.
Não quis conjecturar a respeito de onde ela arranjou dinheiro para viver
ali, mas foi impossível que as acusações de Eleanor não voltassem com tudo.
— Aguarde aqui, senhor, para que possamos verificar — disse Snyder
antes de sair do carro.
Assenti e permaneci no lugar, enquanto o Serviço Secreto fazer seu
trabalho.
Assim que fui autorizado a sair, parei para olhar ao redor e fiquei
impressionado com a beleza do lugar. O terreno era enorme, mas as árvores
que o cercavam e o belíssimo jardim, proporcionavam aconchego à
propriedade.
Subi os degraus que davam acesso à varanda e um dos meus homens
tocou a campainha. Vários segundos se passaram, mas ninguém foi atender, o
que já me deixou impaciente. Quando ele a tocou pela segunda vez, comecei
a me arrepender por ter aparecido sem avisar com o intuito de pegá-la
desprevenida.
Mas então a porta se abriu, e lá estava ela, de olhos arregalados, os
cabelos presos no alto da cabeça, vestindo uma regata branca toda manchada
de tinta, short jeans e descalça.
Foi impossível não me lembrar do dia em que a vi no orfanato dando
aula de pintura às crianças ou quando cheguei à sua casa na hora em que dava
faxina.
— Harry? — murmurou, ainda chocada.
— Precisamos fazer uma varredura na casa, senhora — disse meu chefe
de segurança de maneira categórica.
— Ah, tudo bem, podem entrar — ela abriu um pouco mais a porta e
mordeu o lábio em um gesto nervoso.
Dois deles entraram e enquanto eu a fitava em silêncio, ela prestava
atenção ao que aqueles desconhecidos faziam, franzindo o cenho ao ver um
deles verificando cada canto e objeto à procura de escutas.
— Tudo certo, senhor, agora precisamos revistá-la.
Aquela ideia me incomodou mais do que eu esperava ou desejava e isso
me aborreceu.
— Eles precisam revistá-la, Elizabeth? — perguntei e ela negou com a
cabeça, meio atônita.
— Desculpe, senhor, mas eu insisto.
Respirei fundo. Cinco minutos na presença daquela mulher e eu já
estava quebrando a porra do protocolo. Ainda assim, não a obrigaria a aceitar
que um estranho a tocasse.
— Deixem que Wolf faça isso — falei, citando a única agente feminina
que integrava minha equipe.
Após uma breve revista, Elizabeth foi liberada.
— Guardem a propriedade, quero conversar com a Srta. Reagan a sós
— falei e fui atendido prontamente.
Entrei na casa, que era tão impressionante por dentro quanto por fora e
fiquei curioso para saber a quem pertencia. Todavia, logo me lembrei de que
isso não me interessava, eu estava ali para tratar da ameaça dela, não para
saber com quem ela estava transando.
— Vou ser claro, Elizabeth, você pode ter enganado Zara, Blake e até
mesmo Lexy dizendo que tinha algo importante para falar, mas a mim você
não engana.
— Como é? — inquiriu ela.
— Pelo contrário — continuei como se ela não tivesse falado nada —,
o fato de ter sido obrigado a deixar de lado assuntos importantíssimos, apenas
piorou a irritação que eu estava sentindo desde que você foi até o MoMA
atrás de mim.
— Mas eu não...
— Só que também me deixou curioso para saber o que a fez pensar que
poderia ameaçar o presidente do país sem achar que haveria alguma punição?
— questionei em tom ríspido, mais exaltado do que pretendia.
Na mesma hora sua postura mudou. Aquele ar acanhado deu lugar a
uma atitude desafiadora. O olhar deslumbrado sumiu e ela ergueu a cabeça,
lançando-me um sorriso desprovido de humor.
— Se este mesmo presidente achava que eu merecia alguma punição,
por que veio aqui ao invés de mandar seus cães de guarda me pegarem e
levarem para alguma cela. Se é que prisão seria punição suficiente para a
minha impertinência — disse ela, deliberadamente sarcástica.
— Estou vendo que você não mudou nada, continua com o filtro entre a
cabeça e a boca completamente entupido.
— É aí que se engana, Sr. Presidente, eu mudei muito, não sou mais
aquela garota ingênua. Tanto que criei coragem suficiente para ir atrás de
você e fazer o que era certo.
— E é certo fazer ameaças?
— Se eu não estivesse tratando com uma mula empacada, não teria
precisado chegar a isso.
— Mula empacada? — falei entredentes. — Meu Deus, mas você não
tem nenhum respeito! — acusei.
Quando dei por mim, estávamos frente a frente, a irritação nos
envolvendo, as respirações erráticas e as emoções completamente instáveis.
De repente, o cheiro de seu perfume me invadiu e foi como voltar no
tempo. Porém, do mesmo jeito que fui levado ao passado, eu voltei ao
presente e dei um passo atrás.
Parecendo perceber o mesmo que eu, Elizabeth também andou para
longe, permanecendo de costas por vários minutos antes de se voltar para
mim novamente.
— Achei que tivesse vindo aqui para me escutar e não acusar, não sou
sua inimiga, Harry, muito pelo contrário...
— Não posso tratar como amiga uma pessoa que ameaça a minha
reeleição.
Ela fechou a cara e me encarou com desprezo.
— É só nisso que pensa, não é? No poder e naquela maldita Casa
Branca — cuspiu as palavras com tanto ódio que eu até me assustei.
— Era o meu sonho, e minha vontade apenas aumentou depois que
você foi embora, deixando apenas aquela carta sem pé nem cabeça. — Passei
os olhos pela sala luxuosamente decorada e completei: — Pelo visto, sua sede
por “aventura” deu certo, está muito bem instalada.
Quando entendeu minha afronta, Elizabeth arquejou e rapidamente
pegou a primeira coisa que viu na frente e atirou em mim.
Por sorte, eu me exercitava bastante e tinha bons reflexos, ou ela teria
me acertado.
Espantado com seu rompante, eu a encarei. Elizabeth bufava feito um
touro raivoso e seus olhos pareciam arder.
No instante seguinte os homens do Serviço Secreto invadiram a casa,
movidos pelo baque do objeto na parede, e a expressão raivosa se
transformou em surpresa.
— Oh, meu Deus, eu... — murmurou ela, dando-se conta do que tinha
feito.
— Algum problema, senhor? — Zed perguntou.
Diferente dos outros que olhavam para Elizabeth esperando que a
qualquer minuto ela sacasse uma arma, ele parecia calmo demais, afinal, era
o único que conhecia nossa história e já devia imaginar que aquela conversa
não seria muito amigável.
— Tudo certo, a Srta. Reagan só está um pouco desastrada.
Mais uma vez ela reagiu às minhas palavras e se empertigou.
— É verdade, Zed, por isso, não se assuste quando ouvir outras coisas
se quebrando, são apenas minhas mãos atrapalhadas — avisou com um
sorriso angelical e eu percebi que tanto ele quanto Wolf se seguraram para
não rir, enquanto os outros não sabiam o que pensar.
— Tudo bem — disse ele e saiu, seguido pelos outros.
— Vamos conversar ou você ainda pretende jogar algo em mim.
— Vontade não falta, mas vou me segurar, enquanto mantiver suas
suposições para si.
— Quer dizer então que estou errado? — perguntei com sarcasmo, mas
em meu íntimo eu queria saber se ela estava com alguém.
— É muita presunção de sua parte insinuar que fui embora por causa de
outro homem. Bem que eu queria ter tido a chance de conhecer uma pessoa
menos complicada que você.
Sua sinceridade me incomodou, mas não recuei, não permitiria que ela
percebesse o quanto me afetava.
— Isso não vai nos levar a nada, Elizabeth. Vamos acabar logo com
isso, diga o que você quer, fale seu preço, eu não tenho o dia todo.
Ela me olhou com ódio e fechou as mãos.
Eu sabia que estava sendo frio e mordaz, mas o que ela queria depois
de tudo o que me fez?
Após respirar fundo algumas vezes, numa tentativa de amainar seus
instintos, ela cedeu:
— Você está certo. Essa discussão é inútil e quanto antes eu falar o que
me propus, antes você vai poder ir embora. Vamos nos sentar.
Dizendo isso, começou a caminhar em direção à grande sala de estar e
fui obrigado a segui-la.
Ela indicou uma poltrona, sentou-se no sofá, e só então começou a
falar:
— Você se lembra de que logo depois que voltei de Nova York, eu te
disse que Stella estava doente?
Balancei a cabeça em concordância. Infelizmente, as memórias daquela
época ainda estavam bem vívidas.
— Bom, no sábado ela me convidou para sair, mas eu ainda estava
muito cansada da viagem e preferi ficar em casa. Algumas horas depois, um
amigo em comum a encontrou caída em um beco, ela tinha sido espancada.
Assenti, achando aquela história estranha, mas completamente
irrelevante para mim.
— Naquela noite, antes de dormir eu recebi a primeira ligação.
— Não estou entendendo. Que ligação?
— Até hoje eu não sei quem era, mas a voz do outro lado ligou para
avisar que havia pessoas poderosas apostando na sua eleição e que eu seria
um empecilho para você chegar à Casa Branca, por isso, queriam que eu
terminasse o nosso namoro.
— Desculpe, Elizabeth, mas ainda não estou entendendo. Você está
querendo dizer que foi embora porque alguém te pediu para fazer isso?
— Não, Harry. Eles não pediram apenas, foram eles que mandaram
espancar Stella. Ele mesmo confessou e depois ela confirmou, pois enquanto
a chutavam, falavam que aquilo estava acontecendo porque eu tinha me
metido com quem não devia.
Sem conseguir permanecer sentado, levantei-me e por vários minutos
circulei pela sala, sem saber o que pensar.
— Se é mesmo verdade, por que não falou comigo?
— Eu pretendia. Pedi ajuda a um amigo e ia dar um jeito de tirar Stella
e sua família da cidade para mantê-los a salvo, mas de alguma forma esse
homem descobriu o que eu estava fazendo e foi além.
“Não sei se você soube que houve um pequeno incêndio no orfanato do
padre Norton.
— Sim, Zara comentou comigo um tempo depois.
— Foram eles. E me disseram que se eu não terminasse com você de
maneira convincente e fosse embora de Washington, o próximo incêndio
seria nos dormitórios das crianças.
— Você devia ter me contado! — falei, mais alto do que queria, sem
poder acreditar que algo assim havia acontecido debaixo do meu nariz.
— Sério isso, Harry? Você podia até ficar em dúvida num primeiro
momento, mas logo um daqueles seus assessores o convenceria de que eu
estava inventando aquilo para fazê-lo desistir de tudo e como você sabia que
eu não estava lá muito animada com a possibilidade de ser sua primeira-
dama, seria bem fácil me desacreditar.
Ela não estava de tudo errada, ao menos no que se referia aos meus
assessores. Eles certamente tentariam desacreditá-la.
— Posso ter sido muito ingênua ao confiar piamente e feito o que ele
mandou, mas depois de pesar tudo, achei que não valeria a pena arriscar a
vida de tantos inocentes. Além disso, jamais me perdoaria se você perdesse
as eleições por minha causa. Eu já tinha ouvido isso de tanta gente, que só
pude acreditar.
— Eu não teria duvidado de você — falei categórico, pois me conhecia
o bastante para saber que esse tipo de coisa era possível. — Mas agora estou
morto de raiva por não ter confiado em mim. Ao invés disso, resolveu me
abandonar como se o que vivemos não significasse nada.
— Eu nunca teria te abandonado se não tivesse sido forçada — falou
com tanta sinceridade que senti meu coração falhar.
Mas não me deixaria abalar, não dava para esquecer o que sofri com
sua partida. E agora, sabendo que ela não confiou em mim, eu me sentia
duplamente traído.
— Por que agora, Elizabeth, quatro anos depois?
— Naquela época, embora não fosse uma adolescente, não conhecia
praticamente nada do mundo. Além disso, estava apaixonada por um cara que
era o completo oposto de mim e que, ainda por cima, concorreria à
presidência, um cara que estava rodeado por pessoas que claramente não me
achavam boa o suficiente para ele e, especialmente, para o cargo que eu teria
que assumir, caso nosso relacionamento progredisse. Tudo isso associado ao
medo do que a pessoa que me ameaçou poderia fazer comigo ou com pessoas
inocentes, não me deixou muitas opções, por isso fugi. Foi a forma mais fácil,
assumo, e muitas vezes me cobrei por ter sido tão covarde. Mas, como eu te
disse, nesses anos eu amadureci e percebi que não poderia mais ficar calada.
— Seu timing foi realmente perfeito — falei com ironia.
— Se está falando de sua recandidatura, devo dizer que quando vi que
você iria concorrer novamente, minha determinação apenas aumentou. Não
achei justo que essas pessoas continuassem usufruindo do seu poder,
enquanto eu tive que me esconder por todos esses anos.
— Do que está falando? Em sua carta você foi muito clara ao dizer que
queria liberdade — afirmei, querendo saber o quanto de veracidade havia
naquelas palavras.
— Meu Deus, Harry, praticamente nada do que escrevi naquela carta
foi verdadeiro. Naquela noite eu vim para Nova Jersey e nunca mais saí,
exceto quando fui à Nova York expor meus quadros. Acredito que se
soubesse que o evento era patrocinado por sua família, não teria aceitado,
porque meu maior medo era chegar perto de você e aquelas pessoas voltarem
a me ver como uma ameaça. Eu não quero mais viver assim — falou com
certo desespero. — Se pudesse voltar atrás, nunca teria ido àquele baile,
desde aquele dia minha vida nunca mais foi a mesma.
Ouvir aquilo foi um baque. Era a segunda vez que ela deixava claro que
se pudesse escolher, não teria me conhecido e isso machucou mais do que
imaginei ser possível.
— O que exatamente você quer de mim, Elizabeth?
— Quero ter uma vida completa, Harry, quero poder ter o direito de ir e
vir para onde e quando eu quiser. Só que mais do que isso, quero que use de
sua influência para descobrir quem são essas pessoas. Me revolta saber que
eles estão impunes, fazendo as coisas por debaixo do pano e às vezes na sua
cara, porque você simplesmente não sabe quem eles são. E com isso eu não
quero insinuar que você seja algum idiota que simplesmente não enxerga o
que está embaixo do seu nariz, pois sei que não é. O que estou dizendo é que
eu tenho certeza de que há pessoas de sua inteira confiança metidas nisso e
não acho justo que elas continuem tendo esse poder.
Eu sabia muito bem do que ela estava falando. Nesses três anos, tive
que brigar com muita gente por não seguir a velha política onde só se
consegue alguma coisa se tiver algo para oferecer. Conheci deputados e
senadores dos quais senti vergonha, ao ver que estavam interessados apenas
em si mesmos e fiz questão de me distanciar.
Desde o início, meu interesse estava em trabalhar para fazer o melhor e
por mais ingênuo e improvável que isso pudesse parecer, eu tinha conseguido
governar sem abrir mão dos meus princípios.
E estava feliz por isso.
Só que agora teria que lidar com mais essa complicação, afinal, várias
pessoas a minha volta poderiam ser consideradas suspeitas, já que muitos dos
que estavam comigo na Casa Branca, trabalharam na minha campanha e
praticamente todos eram contra meu relacionamento com ela.
Até então eu achava que se tratava apenas de ambição política, o que
era normal, mas saber que poderia ter pessoas do meu staff covardes o
suficiente para fazerem as atrocidades citadas por Elizabeth, me deixava
doente.
Passei as mãos pelo cabelo, sentindo-me perdido.
— Não sei o que pensar — confessei com amargura.
— Eu sei que é difícil descobrir todas essas coisas assim, de uma vez,
mas eu precisava falar, abrir seus olhos e...
— O que, não me diga que em sua cabeça, assim que me contasse, eu a
perdoaria por ter ido embora daquele jeito e nós voltaríamos às boas?
— Não, seu arrogante, desde o dia em que vi na TV que estava se
relacionando com Catherine, aquela cobra travestida de cordeiro, eu coloquei
nosso relacionamento no passado — disse, ríspida, mas havia um tom de
tristeza em sua voz.
— Eu fiquei arrasado quando você me deixou, foi Cathy quem me
ajudou a levantar outra vez.
— Ah, claro, tenho certeza de que ela estava mais que pronta para te
ajudar a levantar — acusou, o sarcasmo voltando com tudo.
— Não foi assim — vociferei —, e mesmo que fosse, ninguém poderia
me culpar, porra, afinal, você sumiu, sem mais nem menos — continuei no
mesmo tom.
— Não jogue toda a culpa em mim, você nunca me procurou, droga! —
ela explodiu.
— Eu procurei, no início, mas depois desisti, achei que não queria ser
encontrada.
— Não querer é diferente de não poder! — respondeu nervosa e
caminhou pela sala. — Se você tivesse vindo atrás de mim, tanta coisa teria
sido diferente... — ela arfou e começou a chorar. — Quando isso não
aconteceu, eu me convenci de que estava fazendo minha parte para que você
pudesse realizar seu sonho de ser Presidente dos Estados Unidos.
Ela parecia tão desolada, que me compadeci, e, num ato impensado,
aproximei-me dela e a abracei.
— Ei, acalme-se, já acabou.
Ela se permitiu ficar em meus braços enquanto chorava e eu me permiti
lembrar da época em que fomos felizes, época esta que não iria voltar,
simplesmente porque alguém se achou no direito de decidir a minha vida.
Isso era tão surreal que eu não sabia como me sentir a respeito.
Percebendo o quão próximos nós estávamos, Liz se afastou, sem graça,
e pigarreou antes de voltar a falar:
— Há mais uma coisa que eu preciso te contar. Talvez você queira se
sentar.
— Depois do que me contou, não consigo pensar em nada que vá me
abalar a ponto de ter que me sentar.
Liz me encarou por longos segundos, as mãos se contorcendo em sinal
de nervosismo. Ela respirou fundo e então soltou as palavras que mudariam
minha vida para sempre.
— Nós tivemos um filho.
A expressão de Harry ao ouvir aquilo tinha um misto de espanto e
incredulidade e eu o entendia, não dava para ouvir uma notícia dessas e ficar
impassível.
— Como é?
— Quando eu fui embora, não tinha ideia de que estava grávida, só
fiquei sabendo dois meses depois — expliquei antes que me acusasse de fugir
mesmo sabendo do meu estado.
Ele passou as mãos nos cabelos outra vez, bagunçando-os ainda mais, e
me encarou.
— Então é isso, você some, reaparece anos depois me contando uma
história louca, mas que na minha experiência faz sentido, para então me dizer
que teve um filho e que a criança em questão é minha.
Eu respirei fundo e tive que me segurar para não o atacar novamente,
afinal, já estava preparada, sabia que não seria fácil, que expor a verdade iria
demandar uma quantidade absurda de energia e paciência de minha parte.
— Sim, apesar de querer revelar tudo o que me motivou a ir embora, a
maior razão para te procurar foi essa, contar que você era pai — confessei e
vi o rosto de Harry ficar levemente sem cor.
Ele voltou a andar de um lado para outro, como se aquilo o ajudasse a
digerir tudo que ouvira.
— Você não percebe como isso é sem sentido? Nenhuma mulher que
estivesse grávida de um filho meu iria manter esse segredo por tanto tempo.
Se o que você quer é dinheiro, não precisa inventar uma mentira como esta.
Nós ficamos juntos por pouco tempo, mas eu nunca iria negar se estivesse
precisando de ajuda.
Senti uma fisgada no peito ao escutar essas palavras. Então ele ainda
achava que eu estava ali por interesse?
— Para seu governo, nunca faltou nada a nenhum de nós. Eu só resolvi
abrir o jogo agora, por três razões: primeiro porque tinha medo de que
aquelas pessoas o ferissem — admiti e estremeci só de pensar. — Segundo,
porque queria manter sua reputação intacta e terceiro porque em alguns
meses Colin fará quatro anos e logo começará a fazer perguntas. Além disso,
após tudo que vivemos, achei que você tinha o direito de saber que gerou
uma criança.
Harry ficou em silêncio me olhando como se tentasse avaliar se o que
eu dizia era verdade ou não. Isso me magoou, achei que ele tivesse me
conhecido o bastante para saber que eu não mentiria a respeito de algo tão
grave.
— Quero um teste de DNA — falou ríspido, mas havia um certo tremor
em sua voz.
— Não esperava menos do senhor.
— Você joga uma bomba dessas no meu colo e acha que vou aceitar
assim, sem mais nem menos?
— Harry, ser questionada sobre a veracidade de algo tão importante, é
uma grande ofensa para mim. Mas já esperava por isso. Faça quantos exames
quiser, o resultado será sempre o mesmo — garanti, sem emoção, não o
deixaria perceber o quanto fiquei sentida.
Ele continuou me olhando por um bom tempo, depois balançou a
cabeça.
— Santo Deus, um filho... — disse para si mesmo e voltou a andar. —
Colin, você disse? — perguntou baixinho virando-se para mim.
— Sim, Colin, a criança mais linda e esperta que já vi em toda a minha
vida.
Mal terminei e o celular dele tocou e eu agradeci, aquela interrupção foi
muito bem-vinda. Deixei-o falando com quem quer que fosse, corri até o
banheiro de Colin e peguei a escova que usávamos para pentear o cabelo
dele.
De lá, fui à cozinha e a coloquei dentro de um saquinho plástico.
Eu poderia colocar apenas os fios, mas queria que ele olhasse para
aquele objeto, tão caracteristicamente infantil, e o associasse a Colin.
— Ok, Cathy, assim que fizer isso eu te aviso — ouvi Harry falar,
quando voltei para a sala, e logo depois ele desligou.
— Pode usar isso aqui para fazer o exame de DNA — falei, oferecendo
o saquinho.
Ele o pegou e ficou observando a escova por vários segundos e eu quis
muito saber o que se passava por sua cabeça.
— Hum... Ele... Quer dizer, onde ele está?
— Foi à praia com os avós, está aprendendo a surfar.
— Avós? — questionou, parecendo confuso, e me perguntei se ele
achou que eu estava me referindo a Eleanor.
— Sim, Consuelo e Benito, eles são os únicos avós que Colin conhece.
Vi seu rosto se crispar e percebi que não deveria ter falado isso.
— Por culpa de quem? — acusou.
— Harry...
— Não, Elizabeth, vamos deixar isso para depois que o resultado sair.
Se esse menino for realmente meu filho...
— Ele é — falei convicta.
— Se ele for realmente meu, você cometeu um grande erro ao não me
contar.
O tom que usou, tão frio e pausado nos momentos certos, fez um
arrepio atravessar minha espinha.
— Eu fiz o que achei melhor para todos.
— Vou pedir esse teste com o máximo de urgência e somente após o
resultado é que vamos conversar. Até lá, peço que não comente isso com
ninguém.
Soltei uma risada debochada.
— Nosso filho tem três anos e eu nunca abri a boca para qualquer
pessoa, não faria isso agora.
Ele fez mais um de seus silêncios incômodos, depois virou as costas e
andou em direção a saída.
— Alguém entrará em contato quando o exame ficar pronto.
Com essas palavras impessoais ele abriu a porta e saiu.
Assim que me vi sozinha, joguei-me no sofá onde ele estivera sentado,
para dar um pouco de alívio às minhas pernas que estavam moles feito
gelatina.
Harry não ficou nem uma hora ali e, ainda assim, conseguiu me
desestruturar.
Graças a Deus tinha acabado. Relatar tudo a ele foi tão difícil quanto
achei que seria, mas não poderia censurá-lo por duvidar ou achar que estava
atrás dele por interesse, afinal, eu sumi deixando apenas uma carta como
explicação e, mais de três anos depois, apareço falando que ele era pai do
filho que tive nesse período.
Agora Harry teria muito em que pensar, já eu, nunca senti um alívio tão
grande. Embora soubesse que aquela era apenas a primeira etapa, o pior já
tinha sido feito e só me restava ficar na expectativa do que iria acontecer.
Isso, com certeza, faria minha ansiedade ir às alturas.
Minhas divagações foram interrompidas pelo toque do celular.
Era Stella.
— E aí, como está o passeio? — quis saber assim que atendi.
— Liz — disse ela aos prantos e meu coração gelou no peito.
Colin.
— O que aconteceu?
— Nós sofremos um acidente na Garden State[8] quando estávamos
voltando.
— E o meu filho?
— Colin e Dan bateram a cabeça... Eles estão inconscientes, Liz —
confessou e voltou a chorar.
Na mesma hora fechei os olhos sentindo náusea e tontura, as lágrimas
descendo como torrentes.
Mesmo tendo deixado o celular cair no assento ao lado, conseguia
ouvir a voz de Stella ao longe e me forcei a reagir.
Segurando o grito de desespero que estava represado em minha
garganta, peguei o aparelho e o recoloquei na orelha. Não tinha tempo para
surtar.
— Onde vocês estão? — perguntei.
— Eu e mamãe estamos com Colin no Hospital Infantil Unterberg e
papai foi com Dan para o Centro Médico de Monmouth, que fica do lado.
— Tudo bem. Eu vou me vestir e sair. Fica com o telefone na mão pra
eu poder te encontrar — pedi, já correndo para o quarto.
— Vou ficar te esperando.
— Tudo bem, já estou indo.
Assim que ela desligou, abri o aplicativo e pedi um carro. Como ele iria
demorar cinco minutos para chegar, resolvi tomar um banho. Vesti-me em
tempo recorde, com tênis, jeans e camiseta, então peguei um casaco e depois
minha bolsa, verifiquei o dinheiro, e saí; iria esperar no portão.
No caminho, falei com Stella novamente, e fiquei sabendo que elas
estavam na sala de espera da cirurgia. Quase desmaiei quando ouvi aquilo e
me dei o direito de me desesperar, preocupando o coitado do motorista.
Graças a Deus o hospital era razoavelmente perto da minha casa e com
as ruas vazias devido ao feriado, em menos de quinze minutos eu estava
atravessando a porta.
Assim que pisei no andar da cirurgia, avistei Consuelo e Stella. Elas
estavam bem juntas, com os olhos fechados.
Percebendo minha aproximação, elas olharam para cima:
— Ah, minha filha que bom que você chegou — disse Consuelo, me
abraçando e mais uma vez eu desabei.
— Como ele está? — perguntei quando me recompus um pouco.
— Não sabemos — foi Stella quem respondeu —, a única coisa que o
médico falou foi que ele precisava ser operado, mas não disseram porquê —
explicou limpando novas lágrimas que deslizavam por seu rosto.
— Esperem aqui — pedi e fui até o posto de enfermagem, contudo,
ninguém sabia de nada. Quando viu que eu não aceitaria ficar ali sem ter
notícias do meu filho, uma das enfermeiras se disponibilizou a ir ao centro
cirúrgico para tentar obter informações para mim.
— Ela foi ver se conseguia saber alguma coisa — expliquei. — Agora,
me digam o que aconteceu — exigi, olhando para Stella.
— Nós estávamos a caminho de casa, o Dan na frente com papai,
conversando sobre futebol, enquanto eu e mamãe fomos atrás com o Colin.
Então, esse carro surgiu do nada pelo acostamento, querendo entrar de
qualquer jeito na pista... — ela parou e balançou a cabeça. — Eu não sei o
que aconteceu, mas, de repente, estávamos indo de encontro a uma
caminhonete que vinha na pista contrária. Papai ainda tentou desviar, mas o
carro rodou e não teve jeito, todo lado direito bateu na pick-up e como a
cadeirinha do Colin fica atrás do banco do carona, ele e o Dan foram os mais
atingidos.
— Mas se ele estava na cadeirinha, não pode ter machucado tanto, não
é? — argumentei.
— Você conhece o Colin. Um pouco antes do acidente eu tinha
encaixado o cinto pela terceira vez desde que saímos da praia. Depois que o
carro bateu, o cinto ainda estava no lugar, mas ele já tinha soltado os braços.
Nos perdoe, filha — pediu Consuelo.
— Não foi culpa de vocês — falei para tranquilizá-las. — O importante
é que ele fique bem.
— Vai ficar. Nós estávamos muito perto daqui e chegamos bem rápido,
gracias a Dios — disse ela.
— E o outro motorista? — perguntei.
— O que nos tirou da pista deve ter fugido, porque depois de tudo não
havia nem sinal dele, mas o que colidiu com a gente, está bem, o carro era
enorme e ficou amassado, mas o rapaz não teve nem um arranhão —
explicou Stella. — Foi uma sorte ele estar dirigindo devagar ou o estrago
teria sido maior — completou, na mesma hora em que as portas se abriram e
a enfermeira voltou com outra mulher.
— A senhora é a mãe de Colin Nichols? — quis saber e eu me apressei
para encontrá-la.
— Sim.
— Eu sou a Dra. Abbott, pediatra.
— O que aconteceu com meu filho, doutora? Por que ele está na sala de
cirurgia?
— Seu filho chegou apresentando um pouco de letargia[9] e náusea,
também havia um corte próximo à têmpora direita e uma equimose[10] no
quadrante superior direito do abdômen, compatível com laceração esplênica,
o que foi confirmado após a tomografia, ou seja, o baço de Colin se rompeu
durante a batida, o que causou uma hemorragia.
— Meu Deus! — nós três arfamos.
— É muito grave? — questionei.
— A esplenectomia é uma das cirurgias mais comuns após um trauma,
pois o baço é muito sensível e pode se romper até mesmo depois de uma
queda da própria altura. No caso do seu filho, apenas o polo inferior do órgão
foi lesionado, por isso optamos por uma abordagem mais conservadora e
decidimos fazer uma esplenectomia[11] parcial, retirando apenas a parte
afetada. Por ele ainda ser uma criança, essa é a melhor opção.
— Quanto tempo vai demorar?
— Isso vai depender de como o órgão vai reagir. Se após a excisão, a
sutura e a cauterização não houver sangramento, nós iremos selar o local e
levá-lo para a sala de observação até o efeito da anestesia passar. Porém, se
após fazermos isso, ainda houver hemorragia, o jeito será retirar o órgão
completamente e nós teremos que começar tudo de novo. Mas não se
preocupe, retirar o baço inteiro é mais fácil do que a primeira opção.
— E o corte da cabeça?
— Como eu disse, Colin chegou bastante sonolento e nauseado. Isso
podia ser tanto pelo trauma na cabeça quanto em virtude da hemorragia,
contudo, a Tomografia do crânio não indicou nenhum problema, mas só
poderemos fazer uma avaliação completa quando ele acordar.
Eu só percebi que estava chorando novamente quando a enfermeira me
entregou alguns lenços de papel.
— É a senhora quem vai operar o meu pequeno?
— Não, é o Dr. Tennant, um excelente cirurgião pediátrico, mas eu
estarei lá o tempo todo, não se preocupe — garantiu com um sorriso
carinhoso.
— Muito obrigada, doutora — falei, abraçando a médica que deu uns
tapinhas tranquilizadores em minhas costas.
— Vai ficar tudo bem — afirmou e eu me obriguei a acreditar.
— Vamos nos sentar, não vai adiantar nada ficarmos em pé aqui —
aconselhou Consuelo quando a médica se foi.
— Não posso, mamá — disse Stella —, tenho que ir ver como o Dan
está.
— Então vai, filha.
— Sim, amiga, é bom que atualiza Benito a respeito de Colin.
— É verdade, ele deve estar aflito — concluiu, já indo em direção ao
elevador.
— E nos mantenha informadas — falei um pouco mais alto para que
ela pudesse ouvir.
Stella assentiu e se foi quando as portas se abriram.
Três horas e vários copos de café depois, um homem alto e de
aparência cansada saiu pelas portas duplas do centro cirúrgico.
Imediatamente eu e Consuelo nos levantamos e corremos em sua
direção.
— Foi o senhor quem operou meu filho? Como ele está?
— A cirurgia de Colin correu bem. Nós conseguimos fazer a excisão[12]
parcial do baço, o que é bom, pois vai ajudar quando ele tiver alguma
infecção futuramente.
— E ele já acordou?
— Ainda não, mas não se preocupe, primeiro porque a sensibilidade ao
anestésico é muito variável e cada pessoa acorda a seu tempo. Segundo
porque ele passou por um grande estresse, é possível que seu corpo esteja
precisando de descanso.
— Só que ele bateu a cabeça — lembrei.
— Mas sua Tomografia estava limpa e ele, apesar de sonolento, estava
lúcido e respondeu a todas as perguntas que o neurologista fez, então, não
acredito que esse sono esteja associado ao trauma.
— E quando eu poderei vê-lo?
— Agora. Colin vai estar nervoso e confuso ao despertar, por isso, o
ideal é que ele a veja, assim, se ficar agitado, a senhora poderá acalmá-lo.
— Tudo bem — falei e me virei para Consuelo. — Talvez seja melhor
você se juntar aos outros, não dá para saber a que horas ele vai acordar.
— Tem certeza, filha? Eu posso esperar.
— Não, Stella deve estar precisando de você.
— Está certo — concordou e me abraçou. — Qualquer coisa, me liga.
— Pode deixar — garanti e me voltei para o médico.
O Dr. Tennant me levou até um vestiário e pediu que eu colocasse uma
roupa privativa, como ele nomeou, além de máscara, gorro e uma sapatilha.
Confesso que tremi dos pés à cabeça quando entrei naquela sala e me
deparei com seis camas dispostas lado a lado. Olhei para todas elas,
percebendo que três estavam ocupadas, mas na mesma hora soube onde
estava Colin e praticamente corri até lá.
Assim que o vi, tão pequenininho, no meio daquela cama, com um
curativo na cabeça, eu desabei. Com medo de que ele acordasse e me visse
aos prantos, virei-me de costas e fiquei ali por vários segundos. Quando me
acalmei, aproximei-me novamente e peguei sua mão, que estava gelada, e
morri de dó por ele estar passando por isso.
— Oi, filho, é a mamãe. Quando você quiser acordar, eu estarei aqui,
viu? — falei e comecei a acariciar seus cabelos.
Alguns minutos depois, uma enfermeira me ofereceu uma cadeira, ao
que eu agradeci muito, estava me sentindo um pouco mole após toda aquela
adrenalina.
Não sei quanto tempo se passou até eu sentir sua mão se mexer dentro
da minha.
— Colin? Acorda, bebê — pedi, tentando segurar as lágrimas.
Obedecendo, ele se mexeu e balbuciou algumas coisas. Seus olhos se
abriram e fecharam diversas vezes até que, por fim, se fixaram em mim, mas,
como o médico falou, parecia bastante confuso.
— Mamã.
— Oi, filho, sou eu.
— Dói — ele reclamou, colocando a mãozinha sobre a barriga.
— A mamãe já vai chamar o médico.
Virando-me para trás, acenei para a enfermeira que se encontrava
sentada atrás de uma bancada.
— Ele acordou — murmurei e a moça assentiu.
Um minuto depois a Dra. Abbott e o Dr. Tennant apareceram. Eu me
afastei enquanto eles o examinavam.
Quando disse que ele havia reclamado de dor, o médico chamou a
enfermeira que aplicou algo no cateter que estava em sua mão e quando o
exame terminou, Colin já dormia novamente.
— Ele está bem. Vai continuar sonolento por um bom tempo, mas
levando-se em conta a hora, isso é bom — disse o Dr. Tennant e começou a
anotar alguma coisa em um tablet.
Quando ele falou isso tive a curiosidade de olhar meu telefone e vi que
o médico tinha razão, já eram quase 19h.
— E agora? — perguntei.
— Vamos transferi-lo para um apartamento — foi a Dra. Abbott quem
respondeu.
— Eu vou poder ficar com ele, certo?
— Claro — garantiu.
Eu assenti e dez minutos depois estávamos instalados em um quarto.
Como Colin continuava dormindo, peguei meu celular e saí para o corredor a
fim de atualizar os outros.
Infelizmente, Dan ainda não havia acordado, mas o bom era que, a
princípio, ele não precisaria de nenhuma cirurgia e isso era um alívio.
Retornei ao quarto, sentei-me em uma cadeira e voltei a pegar sua mão.
Só soube que tinha cochilado porque acordei assustada com o
pensamento que me ocorreu.
Foram eles! Eu não sabia por que tinha tanta certeza disso, exceto pelo
fato de que não havia outra explicação. Bastou Harry vir atrás de mim para
esse acidente acontecer. Era coincidência demais.
Na hora comecei a tremer.
Soltei a mão de Colin, com medo de acordá-lo, e me levantei. Em
pânico, andei de um lado para outro, procurando uma solução.
Pensei em ligar para Joseph, tinha certeza de que ele me ajudaria, mas
logo desisti. Meu filho tinha um pai e, com ou sem teste de DNA, estava na
hora de ele assumir esse papel.
Peguei o celular em cima da mesinha lateral e liguei para Harry, mas a
chamada caiu na caixa postal. Tentei mais duas vezes e nada.
Estava quase voltando à minha ideia original quando me lembrei de
outra pessoa e fui procurar seu nome nos meus contatos. Quando achei o
número que tinha gravado, fiz a ligação e no segundo toque ele atendeu.
— Dominic, é Elizabeth... Reagan.
Eu estava em choque.
Tanto que não consegui pronunciar uma palavra sequer desde que
entrei no carro.
Os seguranças estavam acostumados com meu silêncio, mas Zed me
conhecia há anos e percebeu o quanto estava abalado quando saí daquela
casa.
Abalado, sufocado, perdido, completamente sem rumo e ainda
incrédulo...
Um filho.
Pela primeira vez em anos, Elizabeth realmente conseguiu me tirar dos
trilhos, por que de todas as coisas que me preparei para ouvir de sua boca,
essa nunca chegou a ser cogitada.
Mas não deveria estar tão surpreso. Eu realmente fui imprudente na
época em que namoramos.
Depois da primeira vez, ela tomou gosto pelo sexo e me provocava o
tempo todo com aquele jeito doce, inocente e ao mesmo tempo sedutor, que
me fazia desejá-la a qualquer hora e em qualquer lugar.
Mesmo assim, nunca me passou pela cabeça que isso resultaria em um
filho.
Que grande idiota, como se eu não soubesse como as crianças eram
feitas.
Parecia um castigo de Deus por ter jogado na cara de Catherine que não
desejava ter filhos...
Minha nossa, um filho. Um garoto de quase quatro anos!
Eu estava muito confuso. Ao mesmo tempo em que preferia achar que
tudo isso era uma grande armação, sentia que no fundo ela não seria louca a
ponto de inventar uma história absurda dessas e depois ainda me dar uma
escova de cabelo infantil com alguns fios pertencentes ao menino.
Fios escuros como os meus.
Minha mente girava lembrando de tudo o que havia escutado naquele
dia e tentando encaixar as peças daquele quebra-cabeça.
Quem teria coragem de armar um plano tão nefasto para afastar
Elizabeth de mim?
Inferno!
Balancei a cabeça, olhei para fora e vi que já estávamos entrando no
hangar.
Sentindo-me estranhamente sufocado, afrouxei o nó da gravata e
respirei profundamente, mas ainda assim não parecia entrar ar suficiente.
De repente, uma angústia inexplicável tomou conta de mim e pedi que
parassem o carro.
Mesmo achando estranho, o motorista obedeceu e imediatamente eu
desci.
Sem dizer uma palavra, caminhei para longe dos meus seguranças
precisando me distanciar, esperando que o ar puro me ajudasse a conseguir
um pouco de clareza. Mas a única coisa que consegui foi que a voz de
Elizabeth soasse com mais nitidez, suas palavras dançando em minha cabeça,
como um castigo por eu ter cedido e ido atrás dela.
Ligações, atentados, ameaças... Um filho.
Eu sabia que devia estar preocupado com tudo que ela me contou, mas
naquele momento só conseguia focar na ideia de que eu poderia ter um filho.
Um filho de três anos a quem eu nunca vi e que, provavelmente nunca me
viu.
O que será que ele pensava sobre mim? Que eu não o queria ou que
tinha coisas mais importantes a fazer do que vê-lo nascer, crescer...?
Meu peito apertou e o ar voltou a ficar escasso.
Eu, sinceramente, sentia que estava vivendo em um mundo paralelo.
Elizabeth tinha voltado e trazido consigo o apocalipse.
Eu já podia até ver as notícias nos jornais. De um lado, meus eleitores,
implorando para que eu e Catherine aumentássemos a família, e do outro, a
imprensa sensacionalista, se esbaldando com a notícia de que eu tinha um
filho fora do casamento.
Que merda estava acontecendo em minha vida?
Bastou ela aparecer para as coisas saírem de controle.
— Senhor? — ouvi Zed chamar, mas deu para perceber que não estava
muito próximo. — Está precisando de alguma coisa?
Para ele fazer essa pergunta, eu podia imaginar que minha aparência
devia estar tão ruim quanto me sentia.
— Apenas de mais um tempo sozinho antes de partirmos — respondi e
voltei a caminhar.
Enquanto me distanciava, comecei a pensar em como seria minha vida
dali para frente. Porque era certo que essa confusão não acabaria bem.
Antes de ela aparecer, tudo estava muito certo em minha cabeça. Eu
governaria por mais quatro anos, concluiria os projetos ainda pendentes e
somente depois pensaria nos rumos que minha vida iria tomar.
Uma coisa era certa: eu me separaria de Catherine e torceria para que
ela encontrasse alguém que quisesse formar uma família com ela. Depois
disso eu aproveitaria um pouco a vida, talvez até namorasse uma socialite ou
outra.
Mas havia três coisas que não entrariam nos meus planos: uma era
casar, a outra, ir atrás de Elizabeth, e a última, ter um filho.
Não que eu não gostasse de crianças, a questão era que eu tive uma
infância perfeita, com pais amorosos e me recusava a dar menos do que isso
para qualquer criança.
Todavia, agora, depois de tudo que fiquei sabendo, já não conseguia
enxergar um futuro muito brilhante para este ex-presidente dos Estados
Unidos.
Tudo que eu havia construído iria se desmanchar na lama que
envolveria o meu nome, nem hospitais e escolas novas teriam tanto impacto
quanto o fato de, repentinamente, eu ter um filho com uma mulher que não
era minha esposa.
Puxei o ar com força para me acalmar, decidido a regressar ao meu
habitat natural ou, ao menos, àquele ao qual me acostumei nos últimos três
anos.
Fiz o caminho de volta, indo direto para o helicóptero e seguimos para
a Casa Branca.
Quando entrei na ala privativa, notei que Catherine ainda não havia
chegado e dei graças a Deus. Apesar de não termos muita intimidade, ela
tinha aprendido a me conhecer e assim que me visse, começaria a fazer
perguntas às quais eu não responderia, nem se quisesse, uma vez que não
poderia confiar em ninguém.
Fui para minha sala particular, peguei uma garrafa de uísque no bar e
segui para o escritório que mantinha ali.
Precisava relaxar para conseguir pensar direito e um pouco de álcool
me ajudaria.
Caminhei até o aparador, peguei um copo e o enchi. Bebi esta primeira
dose em três goles, sentindo o líquido queimar a garganta ao ponto de fazer
meus olhos marejarem, devido a intensidade da bebida.
Isso me fez lembrar do choro desesperado de Elizabeth.
Se tudo o que me falou era mesmo verdade, ela também sofrera com a
separação. Talvez mais do que eu, e isso estava me deixando doente.
Até aquele momento tinha vivido com a falsa ilusão de que ela era uma
interesseira que havia achado um partido menos complicado e ido embora.
Mas pelo que estava vendo, a realidade era diferente e muito cruel,
pensei enquanto servia uma segunda dose.
Apertei o copo entre as mãos e caminhei até o cofre, abri-o rapidamente
e de lá tirei a tela que ela havia me presenteado no dia em que me deixou.
Coloquei-a sobre a mesa e a inclinei com a ajuda de alguns livros,
depois me sentei e fiquei admirando a peça enquanto avaliava os sentimentos
que me provocava.
Vários anos haviam se passado e ainda era doloroso olhar para aquela
pintura. Mas, como um maldito masoquista, eu não tinha conseguido me
desfazer dela. Todavia, sequer me lembrava da última vez em que a vi. Se o
nome Elizabeth era um assunto proibido, imagina algo físico e tão particular.
Mas de que adiantou me proteger? Agora tudo tinha voltado, com força
total, como uma avalanche que esperou tempo demais para rolar a montanha
e quando finalmente cedeu, foi levando tudo o que tinha pela frente.
Todas as barreiras que construí para que minhas lembranças ficassem
guardadas no fundo da alma, já não valiam de nada. Os inúmeros pecados
que imputei a ela, estavam caindo por terra, porque Elizabeth tinha sido tão
manipulada quanto eu.
E tudo isso para quê?!
Lexy tinha razão quando disse que o poder adquirido com meu cargo
não iria me satisfazer para sempre. Pior era mensurar o que perdi para estar
naquela posição. Saber de tudo isso me irritava e deprimia na mesma medida.
Levantei-me e andei pelo escritório, sorvendo o conteúdo do copo e
sentindo um ódio descomunal tomar conta de mim.
Voltei para junto da mesa e, num rompante, varri tudo o que estava em
cima dela. Livros, papeis, canetas, a tela de Liz; tudo voou longe, mas não me
importei, eu precisava exorcizar a dor que essa nova realidade me trouxe.
Liz era uma vítima, eu tinha um filho e estava cercado por cobras.
Como pude ser tão burro? Tão cego?
Tomei o restante da bebida e procurei pelo uísque, encontrando-o sobre
o aparador. Em vez de encher o copo novamente, peguei a garrafa e bebi
direto dela. Se bebesse o suficiente, talvez conseguisse amortecer aquela
revolta, talvez conseguisse esquecer, pelo menos por aquele dia, o tormento e
a sensação de culpa que estava sentindo por não ter continuado procurando,
por ter deixado meu orgulho me dominar.
Não sei em que momento perdi a consciência, só sei que quando
acordei, algumas horas depois, estava deitado no sofá, com a pintura de
Elizabeth no colo e um gosto horrível na boca. Além disso, sentia que minha
cabeça poderia explodir a qualquer momento.
Tinha acabado de escovar os dentes e tomar um remédio para dor,
quando ouvi o toque do meu celular. Achei-o em cima do aparador e vi que
havia quatro chamadas perdidas de Dom.
Na mesma hora senti meu coração parar, apenas para voltar a bater
descompassadamente. Se meu irmão estava ligando com tanta insistência, era
porque havia acontecido algo grave com alguém da família e isso me
apavorou.
Respirando fundo, liguei de volta e na mesma hora ele atendeu:
— Harry!
— O que aconteceu, Dom? — perguntei e levei um susto quando olhei
ao redor e vi o tamanho do estrago que tinha feito no escritório.
— Por favor, me diz que você não sabia que tinha um filho.
— Como é?
— É sério, eu não quero estar na sua pele quando o pai e a mãe
souberem que você escondeu um neto deles.
— Dom, dá pra falar coisa com coisa, porra? Eu não estou entendendo
nada.
— Ah, meu Deus, então você não sabia?
Respirei fundo, às vezes era preciso ter muita paciência com meu
irmãozinho.
— Como foi que você descobriu isso?
— Ah, merda, você já sabia. Os velhos vão arrancar seu couro,
irmão...
— Dominic! — gritei e me arrependi na hora em que uma pontada
lancinante atravessou minha têmpora.
— Ok, calma. A Liz me ligou e contou.
Eu não podia acreditar que ela tinha feito isso quando, poucas horas
atrás, prometeu que manteria essa história em segredo.
— Por que ela fez isso? — murmurei para mim mesmo, mas Dom
respondeu.
— Ela falou que o filho de vocês sofreu um acidente.
Congelei ao ouvir aquilo e o celular quase caiu da minha mão.
Eu tinha acabado de ganhar um filho e Deus já o estava tirando de mim.
Só podia ser castigo.
— Ela disse como o garoto está? — perguntei um tanto desconsertado.
— Parece que está bem, mas acho melhor você retornar. Ela parecia
preocupada com alguma coisa. Disse que te ligou várias vezes, mas só caía
na caixa postal, por isso telefonou para mim.
Caixa postal?
Nessa hora me lembrei de Lexy ter me falado que o número
desconhecido que havia ligado no meu celular pertencia a Elizabeth. Desde
aquele dia eu estava usando o aparelho reserva.
— Ela ligou no outro número — expliquei —, mas eu vou retornar.
— Então é verdade mesmo? Vocês tiveram um filho?
Eu não poderia confirmar aquilo, uma vez que ainda não tinha o
resultado do DNA, então desconversei:
— Depois a gente fala disso, Dom, preciso ligar para ela e descobrir o
que aconteceu.
— Tudo bem, mas me mantenha informado.
— Ok. Obrigado.
Assim que ele desligou, fui atrás do meu paletó para pegar o papel que
Zara me dera com os dados de Elizabeth e fiz a ligação.
— Alô — disse ela, baixinho e imaginei que devia estar no hospital.
— Elizabeth.
— Ah, Harry, graças a Deus você ligou!
— Dom acabou de falar comigo. O que houve?
— O carro onde Colin estava bateu e ele precisou ser operado.
Na mesma hora vi a imagem de um menininho entre as ferragens de um
carro e senti um embrulho no estômago. Se bem que isso também podia ser
por causa de todo o uísque que tomei.
— E ele... — pigarreei. — Ele está bem?
— Sim, graças a Deus correu tudo bem na cirurgia e ele já foi
transferido para o quarto.
Senti um alívio tão grande ao ouvir isso que até me recostei no sofá.
— Que bom. Mas então o que posso fazer para te ajudar?
— Talvez você considere loucura, mas pela forma como as coisas
aconteceram, eu desconfio que não tenha sido um acidente.
— Do que você está falando?
— Stella me disse que um carro apareceu do nada pelo acostamento e
praticamente os jogou para fora da pista. Eu acho que aquelas pessoas já
sabem sobre a existência do meu filho, não pode ter sido coincidência que
isso tivesse acontecido logo depois de eu voltar para a sua vida. Quer dizer,
não que eu esteja voltando... — ela parou e suspirou. — Você entendeu o que
eu quis dizer.
Quando não falei nada, ela respirou fundo e continuou:
— Eu sei que não acredita que ele é seu filho e não vou culpá-lo. Você
quer uma prova e acho que merece isso, mas, por favor, cuide da segurança
dele. Colin é só um bebê, não é justo que seja afetado por algo que eu e você
provocamos no passado.
A forma desesperada como me pediu aquilo fez meu peito se apertar.
Mesmo ainda não tendo certeza de que o menino era mesmo meu, eu não
teria coragem de lhe virar as costas.
— Eu vou providenciar tudo, não se preocupe.
— Obrigada, Harry, muito obrigada — falou, e percebi que estava
chorando.
— Onde vocês estão?
Elizabeth me passou todos os dados, mas em nenhum momento me
pediu que fosse ao hospital. Sua preocupação era com o filho e embora
achasse que ela pudesse estar vendo coisas onde não havia, preferi acreditar.
Não me perdoaria se algo acontecesse com ele por minha causa.
Verifiquei as horas quando ela desligou e constatei que faltava pouco
para as 21h.
Estava tarde, mas isso era urgente. Se Elizabeth estivesse certa, nós
estávamos lidando com verdadeiros psicopatas que não se importavam de
matar uma criança apenas para alcançar seus objetivos.
Imediatamente comecei a agir. Como só podia confiar cegamente em
duas pessoas, eram eles que iriam me ajudar.
Começando por Lexy, pensei e liguei para ela.
— Oi, Harry, aconteceu alguma coisa?
— O filho de Elizabeth sofreu um acidente e está internado... —
comecei, mas falar o que havia acontecido me fez perceber a grandiosidade
daquilo e uma queimação estranha se instalou em minha garganta, por isso,
tive que fazer uma pausa.
— Harry?
Tossi um pouco para liberar o nó e voltei a falar:
— Preciso de uma equipe de segurança completa no hospital onde ele
está internado. Com a maior urgência e discrição possível — pedi e repeti os
dados que Elizabeth me fornecera.
— Irei providenciar agora, não se preocupe
— Obrigado.
— Fico feliz que tenha dado certo, achei que não fosse aceitar muito
bem.
Passei as mãos nos cabelos e depois pelo rosto.
— Eu só estou fazendo isso porque ela está preocupada, não porque
acredite que ele é meu.
— Então você não o viu. — Foi uma constatação, não uma pergunta.
— Não, ele estava na praia. Mas por que diz isso?
— Porque eu vi, e ele é uma cópia sua andando pela terra. Há vários
traços de Elizabeth nele, mas é inegável que seja um Stone.
Aquelas palavras foram como lanças entrando em meu peito e na
mesma hora me arrependi de não ter pedido para ver uma foto dele.
Quando senti aquela queimação na garganta novamente, permaneci
calado e Lexy, provavelmente entendendo o que se passava, continuou:
— Eu sei que é coisa demais para assimilar, mas acho que você
deveria ir ao hospital. Se não fizer isso, irá se arrepender.
Voltei a passar a mão pelo cabelo e comecei a andar pelo escritório,
desviando das coisas que estavam no chão, tentando decifrar a agonia que
estava sentindo.
Desde o nosso encontro, tive um pressentimento de que Elizabeth não
estava mentindo quanto a paternidade daquela criança, ainda assim, preferi
não acreditar, apenas porque era mais fácil duvidar do que descobrir que um
filho meu estava sendo criado longe de mim.
Se ao menos Lexy tivesse me contado...
— Por que não me falou isso antes, porra? — Eu odiava quando
pessoas próximas a mim, pessoas em quem eu confiava, agiam pelas minhas
costas.
— Levando em consideração tudo que está acontecendo, você tem todo
o direito de me odiar, mas vamos deixar esse embate para depois. Elizabeth
está precisando de apoio agora, então, pare de pensar no passado e assuma
seu papel de pai.
Pai. Engoli em seco ao ouvir aquilo.
— Tudo bem. Vou ligar para Zed, quero que ele escolha homens de sua
inteira confiança para fazerem parte da equipe.
— Hum... Se quiser, eu falo com ele.
Franzi o cenho, sem ter certeza de que ouvira direito.
— Você vai falar com Zed sem eu precisar obrigar? — perguntei,
desacreditado.
— Você já tem coisa demais na cabeça. Vá tomar um banho enquanto
eu cuido de tudo.
Ainda confuso, desliguei o telefone e fiz o que ela sugeriu.
Embaixo do chuveiro, enquanto a água quente queimava a pele das
minhas costas, senti o peito apertar, como acontecia sempre que eu estava
prestes a fazer algo importante.
E, pelo visto, o que faria naquela noite, seria a coisa mais importante
que já tinha feito na vida.
Mas para isso eu precisava varrer todas essas emoções para debaixo do
tapete e assumir o controle da situação. Segundo Lexy, Colin era meu filho, e
eu não poderia deixar que nada de mal lhe acontecesse.
— E, contra todas as minhas expectativas, ele disse que iria ajudar —
expliquei a Stella, que abriu um amplo sorriso.
Como não tinha podido ficar com Dan, que fora transferido para a UTI,
ela e seus pais já estavam em nossa casa.
Claro que sua vontade era ficar ali, conosco, mas o hospital não
permitiria que ninguém recebesse visitas às 10h30 da noite, por causa disso,
minha amiga teve que se contentar com uma chamada de vídeo.
E já estávamos nisso há quarenta minutos, eu na poltrona do quarto,
ela, em sua cama, querendo saber absolutamente tudo o que eu e Harry
conversamos, desde o nosso encontro naquela tarde, até o telefonema que eu
recebera dele duas horas atrás.
Devo confessar que ainda estava um pouco comovida com isso.
Quando liguei para Dominic, tinha esperanças de que ele conseguisse
falar com o irmão, mas minha fé acabava aí.
Pelo fato de o teste de DNA ainda não estar pronto, achei que Harry
ficaria relutante. Mas não, apenas aceitou o que eu disse e ofereceu ajuda. E,
para mim, ele não poderia ter feito nada melhor, pois somente quem era mãe
conseguia entender a dor que eu estava sentindo por saber que tudo o que
meu filho sofreu, pode ter sido por causa da ambição de pessoas
inescrupulosas e que ainda havia o risco de esses desalmados tentarem de
novo. Tudo isso me deixava desesperada.
— Tá, mas e aí? — Stella perguntou, interrompendo minhas
divagações.
— E aí, nada. Ele vai garantir a segurança de Colin, mas não acho que
irá se aproximar até que esteja com a comprovação da paternidade na mão —
respondi e a ouvir reclamar do outro lado.
— Bastaria olhar para Colin que ele veria as semelhanças. Mas só de
estar disposto a proteger nosso menino, já basta. Por enquanto —
acrescentou ela, após bocejar pela terceira vez, o que me fez obrigá-la a
encerrar a chamada.
Todos estávamos passando por um grande estresse, então, seria bom se
conseguíssemos descansar um pouco.
Deixando o celular de lado, voltei minha atenção ao meu filho e senti
uma vontade enorme de chorar, colocar para fora a dor que afligia sempre
que olhava para ele.
Ele estava pálido, com olheiras e mesmo por baixo do curativo, dava
para ver um hematoma se formando em sua testa.
Não consegui segurar as lágrimas ao pensar que ele poderia ter
morrido, por isso, apesar de estar penalizada, eu agradeci a Deus por não ter
me tirado a única coisa de valor que eu tinha naquela vida.
Com medo que Colin acordasse de repente e me visse daquele jeito,
obriguei-me a me recompor, não deixaria aquela energia melancólica tomar
conta de mim. Aquele garotinho inocente tinha que sentir que a mãe dele era
forte, que ela sempre estaria ali por ele.
Fui até o banheiro para lavar o rosto e quando estava saindo, vi a porta
se abrir.
— Srta. Nichols, nós recebemos ordem de liberar os corredores do
andar e preciso que permaneça dentro do quarto pela próxima meia hora, tudo
bem? — pediu Diane, a enfermeira da noite, uma moça muito simpática e
prestativa.
— Não pretendo sair — afirmei.
Ela assentiu com um sorriso e fechou a porta.
Voltei a me sentar perto de Colin e peguei o celular, apenas para ver
que havia duas chamadas não atendidas de Dominic.
Embora parecesse chocado e curioso quando lhe fiz um resumo do que
aconteceu, ele não fez perguntas, apenas disse que daria um jeito de falar com
o irmão. Mas eu devia ter adivinhado que não se contentaria apenas com as
parcas informações que lhe dei.
O problema é que eu não sabia o que falar. Preferia que Harry tratasse,
ele mesmo, de informar sua família. Decidida, resolvi mandar uma
mensagem de texto avisando que já tinha falado com o irmão dele e que
estava tudo bem.
Peguei a mão de Colin e fiquei velando seu sono até que um burburinho
do lado de fora chamou minha atenção e a recomendação de Diane me voltou
à mente.
Curiosa, levantei-me da poltrona e fui até a janela que dava para o
corredor. Afastei um pouco as persianas e levei um susto ao avistar uma
quantidade considerável de homens de preto se espalhando pelo andar.
Sabendo o que aquilo significava, meu coração começou a acelerar
dentro do peito para logo em seguida galopar feito um cavalo selvagem.
Ali estava ele, Harry Stone, o presidente dos Estados Unidos,
avançando pelo corredor com toda a imponência e elegância que lhe era
inerente.
E mesmo tendo estado com ele por vários minutos ainda naquela tarde,
não consegui tirar os olhos de sua figura magnética.
Conforme ele passava, os seguranças iam se posicionando e dando
ordens aos poucos funcionários do andar.
Próximo ao posto de enfermagem, Harry parou e cumprimentou um
homem engravatado. Os dois trocaram algumas palavras e começaram a
caminhar em minha direção.
Eu não sabia explicar o que estava sentindo por vê-lo ali, mesmo sem
ter certeza de que Colin era seu filho. Só sabia que precisava refrear as
esperanças que começaram a brotar em meu ser por essa atitude tão
significativa.
Mas deixaria para fazer isso depois que ele fosse embora, porque nem
se quisesse eu conseguiria minar a alegria que sentia naquele momento.
Soltei a persiana, aproximei-me da cama e respirei fundo para aguardar
sua chegada. Quando a porta se abriu, ergui a cabeça para encará-lo, afinal,
não sabia qual seria sua reação quando visse o filho pela primeira vez.
Ele acenou rapidamente para mim, mas logo sua atenção se voltou para
a cama e a única coisa que vi em seus olhos foi preocupação.
E por alguns segundos tive um vislumbre do homem terno e
compassivo que conheci anos atrás.
Estava tão ligada nele, que pude perceber a hora em que Harry se deu
conta de que Colin era mesmo seu filho, pois a compaixão se transformou em
amor.
Isso tocou tão forte em mim, que fez uma emoção diferente me invadir.
Era como se eu soubesse que não precisava mais carregar aquela carga
sozinha e, pela primeira vez em anos, eu me dei o direito de ser fraca.
De repente, minhas pernas amoleceram, minhas vistas escureceram e a
última coisa que vi foi o olhar alarmado de Harry sobre mim.

— Está acordando — ouvi uma voz doce informar.


— Liz? — dessa vez foi Harry quem falou.
Eu tentei abrir os olhos, mas eles ainda estavam pesados e eu sentia que
estava regressando de um lugar muito distante.
Mas à medida que minha consciência voltava, eu conseguia perceber
meu redor e a primeira coisa que senti foi seu cheiro inigualável ao qual eu
nunca esqueci.
Mesmo sentindo minha cabeça rodando, tentei abrir os olhos e quando
o fiz, encontrei duas lindas íris azuis, intensas e preocupadas.
— Você está bem?
— O que aconteceu? — perguntei e vi que ainda estava no quarto de
Colin com Harry agachado ao meu lado e Diane em pé à minha frente.
— Acreditamos que tenha sido uma queda no seu nível de açúcar — foi
ela quem respondeu.
— Quando foi a última vez que você comeu, Elizabeth? — Harry
inquiriu.
— Eu... Hum... — comecei, mas na mesma hora parei, não queria levar
uma bronca.
Harry viu minha hesitação e levantou uma sobrancelha questionadora.
— No café da manhã — confessei e na mesma hora seu rosto foi
tomado por exasperação.
— Por que fez isso? — perguntou irritado o que acabou me deixando
irritada também.
— Porque quando eu ia almoçar, recebi uma visita inesperada — falei e
olhei significativamente para ele que crispou os lábios —, e logo depois
recebi um telefonema dizendo que meu filho estava sendo operado. Você
acha que eu me lembrei de comer?
Harry respirou fundo e olhou para trás. Apenas nessa hora vi que Zed
também estava ali, com o olhar refletindo a preocupação que estava sentindo.
— Compre alguma coisa para ela comer, Zed.
— Não precisa. Deve ter sido só o nervosismo de toda essa situação...
— tentei argumentar, mas Harry cortou.
— Zed.
— Imediatamente, senhor.
Eu ia protestar, dizer que meu estômago estava embrulhado e que a
última coisa que desejava era comer, mas achei melhor não discutir. Harry
sempre fazia o que queria e eu não serviria de plateia para Diane, que tinha o
semblante deslumbrado por estar ao lado do presidente.
Em vez disso, respirei fundo e me sentei, mas permaneci com a cabeça
baixa e os olhos fechados por causa da tontura que senti.
— Eu agradeço pela ajuda, Srta. Sands, mas se puder nos dar licença...
— Ouvi-o pedir a Diane, educado até quando estava dispensando alguém.
— Claro que sim, senhor. Se precisarem de algo, basta apertar o botão.
— Obrigado.
— Obrigada, Diana — falei e lhe lancei um meio sorriso.
Quando ela saiu, coloquei-me de pé e fui até Colin, que continuava
dormindo devido a medicação.
— Queria que tivessem se conhecido em outras circunstâncias.
Harry deu a volta na cama e parou do outro lado, o olhar fixo no
pequeno.
Enquanto ele observava Colin dormindo, virei-me para a mesinha de
cabeceira e peguei meu celular. Entrei no aplicativo de fotos, abri a mais
recente entre as centenas que tinha no rolo da câmara e lhe ofereci o aparelho.
— Esse é Colin, nosso filho.
Harry pegou o celular da minha mão e ficou encarando a foto por um
bom tempo.
Sem pedir minha autorização, foi passando o dedo a o lado para olhar
as outras e quanto mais fotos ele olhava, mais suas feições mudavam.
Eu sabia que na maioria, Colin estava sorrindo ou fazendo birra. Havia
muitas dele com Lion também e me perguntei se Harry o reconheceria.
— É impressionante o quanto ele se parece comigo.
— Sim e tem um gênio bem difícil, às vezes — confessei olhando para
o rostinho dele.
Harry me entregou o celular e depois de alguma hesitação, pegou a
mãozinha de Colin.
Aquela cena me comoveu tanto, que achei que fosse desmaiar de novo,
mas segurei firme.
Ambos ficamos em silêncio por vários minutos, ele acariciando os
dedinhos de uma mão e eu segurando a outra.
— Você tem ideia da situação em que me colocou, Elizabeth?
Fiz que sim com a cabeça e engoli a saliva que parecia presa junto com
o nó que se formou em minha garganta.
— Eu tive receio, Harry. Você estava casado, tinha acabado de ganhar
as eleições e meu medo do que aquelas pessoas poderiam fazer com nosso
filho foi maior.
— Eu tinha o direito de saber, porra! — falou baixo, mas nem por isso
foi menos grosseiro. Resolvi relevar, era muita coisa para assimilar.
— Tudo que eu fiz foi pensando na segurança dele, além do mais,
imagina que escândalo seria para o seu governo se as pessoas descobrissem
que você tinha um filho fora do casamento?
Harry fechou os olhos, irritado, como se eu tivesse falado a maior
asneira do mundo.
— Zed já mandou nosso material para o laboratório e o teste de DNA
deve ficar pronto amanhã. Não que eu precise comprovar alguma coisa, só de
olhar para esta criança eu vi que ele era meu. Mas quando souberem dele, vai
haver especulações e será melhor que tudo esteja no lugar.
— Concordo — falei.
— Quanto às decisões que tomou, não é hora nem lugar para
discutirmos, mas nós ainda conversaremos a respeito disso.
Dei de ombros, pois sabia que seria inevitável.
Quando Zed retornou com uma salada e um milk-shake, eu me obriguei
a comer, mas quando vi, tinha devorado a ambos com voracidade. Ao
levantar o olhar, vi o sorrisinho sabedor de Harry e apenas dei de ombros
novamente.
— Estou achando a pele dele tão quente. Será que é normal — disse
Harry e eu me apressei para perto.
Ao tocar a pele de seu rosto e pescoço, percebi que ele tinha razão,
estava muito mais quente do que quando chegou ali. Colin estava com febre.
Na mesma hora apertei o alarme e quando Diana apareceu, falei minha
suspeita.
Ela passou o termômetro que carregava no bolso sobre a têmpora ilesa
e disse:
— Ele está com 38°, mas isso é completamente normal nas primeiras
48h após uma cirurgia.
— Tem certeza? — perguntei, apreensiva.
— Sim, mas se quiserem, posso chamar o Dr. Michaels para conversar
com vocês.
— Nós queremos — disse Harry e eu apenas assenti em concordância.
Ela saiu e cerca de cinco minutos depois voltou com o médico que,
com muito profissionalismo, se apresentou como pediatra e foi fazer o exame
em Colin. Ao final, explicou toda a situação, passando pelo procedimento
que foi realizado até o que se podia esperar após uma cirurgia.
— No pós-operatório imediato isso é completamente normal, tanto por
causa do trauma em si quanto pela elevação do metabolismo corporal. A
febre só será preocupante se persistir e aumentar muito.
— Entendo. E seria possível transferi-lo para Washington? — Harry
perguntou, me pegando totalmente desprevenida.
— Contanto que o transporte seja feito em um helicóptero equipado,
não vejo problema nisso. Mas apenas amanhã, essas primeiras horas são
muito importantes para a recuperação dele.
— Que seja amanhã, então. Minha assistente deve ligar nas próximas
horas informando o nome do hospital.
— Assim que ela fizer isso, eu cuido da transferência, senhor —
afirmou e após um aceno, saiu.
Só então Harry se voltou para mim.
— O que você pensa que está fazendo? — inquiri, entredentes, para
não gritar.
— Eu não estou querendo tirar sua autoridade, mas agora que conheci
Colin, quero tê-lo por perto, só que não poderei fazer isso se ele estiver aqui e
eu, lá. Além disso, que diferença vai fazer? Em Washington ele terá o melhor
tratamento possível, e ficaria muito mais fácil cuidar da segurança dele.
— Mas tem a galeria, meus quadros...
— Elizabeth, você não vai querer me convencer de que irá trabalhar
enquanto nosso filho estiver se recuperando, não é?
Suspirei. Ele estava certo, eu não conseguiria me concentrar o bastante
para produzir algo que prestasse. Além disso, já havia me ganhado quando
falou “nosso filho”, e juntando isso a todos os outros argumentos, não pude
negar. Tinha apenas mais uma coisa.
— Eu não posso sair daqui e deixar o Dan.
— Quem é Dan?
— O namorado de Stella. Ele também estava no carro e ficou muito
ferido, mais até do que o Colin, já que até agora não acordou.
Harry franziu o cenho e falou:
— Me passe os dados dele, vou pedir que Lexy providencie a
transferência dele para o mesmo hospital de Colin.
— Obrigada — falei, mas tive que me segurar, pois minha vontade era
me agarrar ao pescoço dele e encher seu rosto de beijos.
Ele assentiu e depois saiu do quarto para resolver essas burocracias.
Aproveitei para mandar uma mensagem a Stella contando da
transferência de Dan, isso lhes daria tempo para se organizarem.
Exausta, deitei-me no sofá para descansar um pouco antes de Harry
voltar, mas foi só encostar a cabeça no travesseiro que o sono veio forte e eu
não consegui mais manter os olhos fechados.

— Está tudo pronto. — Ouvi alguém dizer ao longe, mas não reconheci a
voz.
— Ótimo. Assim que Elizabeth acordar, nós iremos.
Já essa voz eu conhecia.
Percebendo o que havia acontecido, sentei-me em um pulo que fez
Harry tirar os olhos do celular e olhar para mim.
— Bom dia. Conseguiu descansar? — perguntou.
— Você não deveria ter me deixado dormir tanto — reclamei.
— Por quê? Você estava exausta.
— Mas eu tinha que ficar com Colin.
— Eu fiquei com ele, não se preocupe.
— A noite toda?
Ele concordou com a cabeça como se não fosse nada de mais e falou:
— Se estiver tudo bem para você, nós já podemos ir.
— Assim que eu usar o banheiro nós podemos ir
Depois de fazer a higiene com os itens que comprei na drogaria que
encontrei no térreo, dei um jeito no cabelo e saí.
— Não era para ele já ter acordado? — perguntei quando me aproximei
da cama e vi que Colin ainda dormia.
— Ele acordou por volta das 6h da manhã, um pouco agitado por causa
da dor, e o Dr. Michaels resolveu dar logo um sedativo para que durma
durante a viagem.
— E o que é aquilo? — Apontei para uma bolsa que não estava
conectada ao seu braço na noite anterior.
— O Dr. Michaels chamou de Nutrição Parenteral[13]. Como Colin está
sem comer desde ontem e vai dormir bastante por causa do novo sedativo, ele
achou por bem prescrever, para que seu corpo fosse alimentado durante o
sono.
— Mas ele estava bem?
— Sim. Um pouco assustado, mas bem.
Eu ia perguntar se eles tinham se visto, mas alguém bateu à porta e
Harry foi abrir para receber o médico que assistiria Colin no helicóptero.
Depois de examiná-lo e anotar seus sinais vitais, ele autorizou que dois
homens entrassem e transferissem meu filho para uma maca.
Quando eles saíram, eu e Harry fomos atrás, lado a lado, e embora
tenha preferido manter a cabeça baixa, estava ciente dos olhares curiosos que
recebíamos.
As pessoas deveriam estar se perguntando que diabos o presidente do
país estava fazendo naquele hospital em pleno sábado com aquela plebeia ao
lado.
— Colin viu você? — perguntei assim que saímos do elevador no
heliponto do hospital.
— Não, na hora em que ele acordou eu tinha saído para autorizar o
translado e quem estava aqui era o Zed.
— Entendi. Bom, não vão faltar oportunidades — falei e comecei a ir
em direção ao helicóptero onde Colin seria transportado.
— Você não poderá acompanhá-lo, a equipe médica não precisa de
uma mãe enquanto estiverem cuidando de uma criança.
— Eu não vou deixar meu filho sozinho — falei, um pouco mais
alterada do que pretendia.
— Liz, ali só tem médicos e enfermeiros.
— Você pode achar que eu estou paranoica por não confiar em
ninguém, mas isso não vai mudar o que eu penso. Meu filho não vai naquele
helicóptero sozinho.
Ele suspirou e imaginei que já estivesse arrependido, mas eu não iria
ceder.
— Você confia em Zed? — perguntou e na mesma hora olhei para o
gigante sério, mas que sempre me tratou com muita cortesia. Ele foi o único,
além de Zara, que não me considerou inferior.
— Sim, confio.
— Ótimo. Zed — chamou e o segurança se aproximou. — Quero que
você vá no helicóptero com Colin.
Sem fazer perguntas, ele assentiu e correu para a aeronave.
Cinco minutos depois que eles se foram, outro helicóptero pousou.
— É a nossa carona.
Respirando fundo, eu o segui.
— Como foi o acidente? — perguntei quando o jato já estava no ar.
Eu ia voltar de helicóptero também, mas acabei desistindo quando vi o
quanto Elizabeth estava cansada, por isso, fomos até uma pista particular
onde embarcamos em meu jato e seguimos para a capital.
— Quer falar sobre isso agora?
— Por que não? Temos uma hora de voo até Washington e seria uma
ótima forma de aproveitar nosso tempo.
— Tudo bem.
Tirei o paletó, afrouxei a gravata, depois dobrei as mangas da camisa,
sob seu olhar atento, e me preparei para escutá-la.
Pelos minutos seguintes Elizabeth contou todos os detalhes que
conhecia.
— Chame de intuição ou de instinto materno, mas eu tenho certeza de
que não foi um acidente, Harry.
— Eu acredito em você.
Depois de tudo o que ela me falou, seria ingenuidade minha pensar que
era coisa da sua cabeça. E foi por isso que eu entrei em contato com Rurick
Czar e contei o que aconteceu. Se ele e sua agência não descobrissem quem
estava por trás disso, ninguém descobriria.
— Por isso fechei a área VIP do hospital, ela ficará à nossa disposição.
Ninguém entrará lá sem ser autorizado — garanti.
Imediatamente seu semblante se tranquilizou e vi seus olhos
marejarem.
Desviei o olhar, mas não pude deixar de pensar no que ela passou para
estar tão fragilizada assim.
— Como foi? — perguntei de repente.
— Como foi o quê?
— Tudo, eu quero saber tudo o que aconteceu desde que recebeu
aquele telefonema — enfatizei, olhando para ela.
Liz mordeu o lábio e após um pesado suspiro, começou a falar
basicamente o que havia me contado na tarde anterior, mas, dessa vez, com
mais detalhes.
— Eu não consigo entender porque não confiou em mim — falei ao fim
do relato, inconformado.
— Harry, você não viu como Stella ficou, não viu o orfanato cheio de
policiais e bombeiros, as freiras retirando as crianças... Testemunhar aquilo
foi desesperador, me fez perceber que eu não estava lidando com amadores e
isso me deixou muito vulnerável. Tudo o que tinha dado por certo desde que
te conheci parecia errado, eu me senti errada e comecei a acreditar no que
Lexy e Cathy me falaram... Aquele era seu sonho e se perdesse as eleições
por causa de mim, você me culparia e eu não aguentaria. Por favor, não me
julgue, naquela época era isso que eu pensava.
Todos os seus argumentos eram válidos, ainda assim, era frustrante
saber que ela me achava tão volúvel a ponto de mudar meus sentimentos
assim.
— Você deveria ter me dado a chance de escolher.
— Eu sei que deveria, mas não quis arriscar que me odiasse. — Liz
suspirou pesadamente e parecia tão frustrada quanto eu: — Não adianta
discutirmos. Eu fiz o que achei que era certo para manter as pessoas que
amava em segurança e para que você realizasse seu sonho. Não pense que foi
fácil, todas as decisões que tomei foram dolorosas e deixaram cicatrizes que
guardo até hoje.
Bom, éramos dois.
— Só para você ter ideia, eu fiquei em depressão por meses e acho que
não teria conseguido me reerguer se não tivesse descoberto que estava
grávida. Colin foi minha salvação.
Engoli em seco ao ouvi-la falar daquela forma a respeito do nosso filho.
Ele foi uma benção para ela e eu sentia que seria a mesma coisa para mim.
— Por que escolheu Nova Jersey? — perguntei, mudando um pouco o
foco.
— Por causa de um amigo.
— Amigo?
— Sim. Na época em que Eleanor vivia tentando me arrumar um
casamento milionário, ela me apresentou a um senhor bem idoso. Em um
primeiro momento eu achei que ele também compactuasse com aquela
loucura, mas depois descobri que só queria dar uma lição no sobrinho que
estava interessado em sua herança.
— Acho que me lembro dessa história, se não me engano, até pedi que
se afastasse dele.
— Eu sei, mas ele era um homem muito gentil e solitário, que me dava
bons conselhos. Além disso, ambos tínhamos dois interesseiros sob o teto e
acabamos nos tornando amigos.
— E onde ele entra nessa história?
— Quando eu percebi que estava lidando com pessoas perigosas, minha
primeira ideia foi tirar Stella e sua família da cidade. Em minha ingenuidade,
achei que quando eles estivessem longe, eu poderia lhe contar o que estava
havendo e aguentar as consequências, mas, como eu disse, foi ingenuidade
minha.
— Ainda não entendi o que ele tem a ver com tudo isso.
— Depois que Stella foi atacada, eu quis tirá-los dali, mas como eram
ilegais, não conseguiriam ir muito longe, sem contar que sempre haveria a
possibilidade de Eleanor denunciá-los. Então, eu fui à casa dele, contei tudo o
que havia acontecido e, para minha surpresa, ele acreditou. Com isso,
perguntei se seria possível conseguir o Green Card para eles e na mesma
hora ele concordou. Por dois dias eu fiquei aliviada, até que o homem me
ligou outra vez dizendo saber o que eu pretendia e para provar que não estava
brincando, contou sobre o que havia feito no orfanato. Depois disso eu perdi
qualquer esperança e fui pedir ajuda a Joseph mais uma vez. Ele planejou
nossa fuga, conseguiu documentos novos e ofereceu sua propriedade. É nela
que vivemos nos últimos anos.
— Quantos anos esse homem tem? — perguntei curioso, mais curioso
do que deveria.
— Deve estar com uns 85, eu acho. Por quê?
A idade era bem avançada, mesmo assim eu não entendi por que razão
ele ajudaria Elizabeth e mais três pessoas a quem mal conhecia sem mais nem
menos.
— Curiosidade — respondi dando de ombros.
Mas ela não engoliu e estreitou os olhos, claramente irritada.
— Ah, pelo amor de Deus, Harry, não acredito que está pensando que
tive alguma coisa com esse senhor, que fiz algum tipo de troca de favores.
— Não coloque palavras em minha boca — falei, sério.
Embora fosse uma coisa natural de se pensar, eu não achava que Liz
fosse esse tipo de pessoa. Já ele, eu não poderia afirmar.
— Acho bom mesmo — bufou, ainda indignada. — Se eu fosse essa
interesseira aí, teria continuado com você sem pensar no que aconteceria com
os outros. Pior, poderia ter chantageado você ou sua família quando descobri
que estava grávida. Mas, não, a única coisa que fiz foi me sacrificar para que
você pudesse reinar, então, por favor, não insinue esse tipo de coisa, para que
eu não me arrependa do que fiz.
A forma majestosa como retorquiu me deixou um tanto quanto
orgulhoso. Esta Elizabeth em nada lembrava aquela garota que aceitava os
desmandos da mãe. Pelo visto, tudo o que passou fez aflorar uma força que
eu desconhecia.
— Desculpe se o que eu falei a ofendeu, não foi minha intenção.
— Tudo bem. Mas não quero que pense mal dele também. Joseph, com
sua ajuda e bons conselhos, foi primordial para que eu desse a volta por cima;
jamais poderei pagar por tudo que ele fez por nós.
Ainda estava curioso, mas resolvi que ele estaria entre as pessoas a
quem Rurick pesquisaria.
— Se for possível gostaria de conhecê-lo um dia, quero agradecer
pessoalmente pelo que fez por você e, consequentemente, pelo meu filho.
Elizabeth assentiu e eu pedi que falasse de Nova Jersey.
Ela foi contando, etapa por etapa, indo da depressão à descoberta da
gravidez e chegando ao parto. Em cada um desses momentos foi possível
sentir um pouco do que ela havia passado, pois mesmo após esses anos, suas
emoções ainda estavam patentes em cada sorriso que dava ao narrar ocasiões
alegres ou nos momentos de introspecção, muitos deles regados a lágrimas...
Eu conseguia sentir verdade em tudo que falava, e fiquei
particularmente emocionado quando descreveu os primeiros anos de Colin;
seus primeiros passos, o primeiro dente, a primeira palavra que disse e várias
outras coisas que somente uma mãe dedicada se lembraria.
— Você falou algo a respeito de uma galeria lá no hospital — perguntei
quando ela terminou seu relato, como se Blake já não tivesse comentado
comigo.
— Ah, claro. Eu me empolguei com Colin e acabei me esquecendo.
Mas não tem nada de mais. Stella começou a trabalhar lá como secretária e
falou ao dono, John Kent, sobre minhas pinturas. Ele ficou curioso e foi lá em
casa a fim de vê-las. Para minha alegria John gostou e no mesmo dia levou
três telas, duas semanas depois, encomendou mais duas, e três meses depois,
me perguntou se eu não queria ser sua sócia. Após verificar que estava tudo
bem, eu aceitei e estamos juntos até hoje.
— Mas continua pintando — falei entredentes pela forma como ela se
referiu ao sócio. Mesmo com tudo o que aconteceu, ainda me sentia um tanto
possessivo quando o assunto era ela.
— Claro que sim. Era por causa delas que estava no evento da sua mãe.
Havia três dos meus quadros expostos.
Acenei, para ela saber que havia escutado, mas minha cabeça estava
longe.
Pelo visto, a lista de nomes que entregaria ao pai de Zara seria maior do
que imaginava, mas precisava saber o grau de importância que esse cara tinha
na vida dela.
Prestes a pousar em Washington, enviei uma mensagem a Rurick Czar
pedindo que ele investigasse todas as pessoas com quem Elizabeth se
relacionou.

Como o jato pousara em minha pista particular, não foi possível encontrar
Colin imediatamente.
Eu sabia que, assim como eu, Elizabeth só se tranquilizara porque Zed
o estava acompanhando. Da noite para o dia, aquele garotinho se tornou
minha prioridade e saber que podia contar com meu melhor amigo para
cuidar dele, estava sendo primordial.
Foi por isso que resolvi que ele comandaria a equipe de segurança
responsável por Colin, sabia que Zed o protegeria com sua vida.
Voltei a me lembrar do momento em que eu apreendi que ele era meu.
Foi só colocar os olhos naquele garotinho e eu soube. Simples assim.
Eu sabia que parecia precipitado afirmar uma coisa tão séria sem as
devidas provas, mas eu me reconheci em cada traço do rosto daquele
garotinho e depois que Liz me mostrou suas fotos, as coisas ficaram ainda
mais óbvias em minha cabeça.
Ele era assustadoramente parecido comigo e ao constatar esse fato,
diversos sentimentos contraditórios tomaram conta de mim, tanto que achei
que meu peito fosse explodir.
E por mais que quisesse continuar furioso com Elizabeth por ter
mentido e escondido meu filho por tanto tempo, era só me lembrar dos
motivos que a fizeram ir embora, e tudo se dissipava. Eu não podia exigir que
uma garota de 23 anos, que vivera sua vida praticamente dentro de casa,
tivesse coragem para enfrentar o desconhecido.
Mesmo eu, com a idade que tinha, sentia-me temeroso por saber que
havia uma grande possibilidade de que as suspeitas dela se concretizassem e
só de pensar que eles poderiam voltar a atentar contra a vida do meu filho
novamente, sentia vontade de entregar meu cargo e fugir com ele.
Mas isso era algo que não poderia fazer. Eu precisava encontrar essas
pessoas e fazê-las pagar por todo mal que fizeram e tudo seria mais fácil de
dentro do Salão Oval.
Quando chegamos no andar privativo, os seguranças que contratei já se
encontravam por todos os lugares.
Atravessei o amplo corredor com Elizabeth ao meu lado e fomos
interceptados pelo diretor do hospital que estava acompanhado pelos médicos
que cuidariam de Colin.
Durante meia hora, os especialistas nos explicaram as fases de sua
recuperação e tudo o que era esperado nos próximos dias.
Fiquei bem satisfeito com as respostas que recebi e percebi que
Elizabeth se sentiu da mesma forma.
Quando saímos da pequena sala de reuniões existente ali, Lexy
esperava por nós.
Fiquei um pouco apreensivo quanto aquele encontro, mas as duas se
cumprimentaram cordialmente e logo depois Elizabeth pediu licença para ir
ver o filho.
Eu queria ir junto, mas a expressão nos rostos de Lexy e Zed não
deixavam dúvidas de que algo importante havia acontecido.
— O que houve? — perguntei a Zed.
— As imagens que o senhor pediu da rodovia foram analisadas e nós
concluímos que a Srta. Reagan estava certa, foi mesmo um atentado.
Fechei as mãos em punho, sentindo uma revolta enorme tomar conta de
mim.
— O que você viu?
— A SUV saiu de um determinado ponto e claramente tentou empurrar
o utilitário deles para a pista oposta. A sorte é que ambas as pistas estavam
vazias, ou teria sido muito pior.
— Conseguiram a identificação do veículo?
— Sim, mas é uma placa fria, não dá para rastrearmos.
— O que você sugere?
— Eu tenho um amigo no FBI. Pensei em passar todas as informações
a ele e pedir o máximo de sigilo, uma vez que não sabemos em quem confiar.
— Tudo bem, faça isso. Eu também vou falar com Rurick, tenho
certeza de que ele vai descobrir alguma coisa.
Ambos assentiram e eu continuei:
— Enquanto isso, mantenha o andar sob vigilância 24h por dia, com
funcionários devidamente cadastrados, ninguém entra na ala sem autorização.
Além disso, quero você e mais um agente da sua inteira confiança cuidando
diretamente de Colin.
— Sim, senhor.
Zed se afastou e eu permaneci com Lexy.
— Bem que dizem que toda mãe é meio bruxa — comentou ela,
fazendo alusão às suspeitas de Liz.
— Resta saber se são as mesmas pessoas que a ameaçaram quatro anos
atrás, para garantir que eu seja reeleito, ou se é a oposição tentando me fazer
desistir.
— Nesses três anos dentro da Casa Branca, já vi muitos aliados que
seriam capazes de tudo para se manterem no poder, assim como conheci
pessoas que estavam com os Democratas e mudaram de lado por não
concordar com alguns dos métodos utilizados por parte dos caciques do
partido. Então, meu amigo, ambas as suposições são igualmente plausíveis.
Quando se envolve poder, dinheiro e pessoas ambiciosas, não há ética que se
sustente, independentemente do lado em que você está.
— Eu não sei o que fazer — falei e comecei a rir, sem qualquer humor.
— Eu já tive que tomar decisões que afetavam as vidas de milhares de
pessoas e agora, quando meu filho está envolvido, eu não sei o que fazer.
— Ei, não fique assim. Mantenha sua rotina para que ninguém perceba
e deixe que Rurick cuide disso. Se existir mesmo uma conspiração eles vão
descobrir.
Assenti, mas não conseguia ficar tão confiante.
— Como estão as coisas entre vocês? — Lexy perguntou mudando de
assunto.
— Confusas. Descobrir que sou pai de um menino de quase 4 anos foi
um baque, mas saber, horas depois, que esse menino estava em um hospital e
que, provavelmente, seu acidente não havia sido um acidente, foi quase
insuportável.
Lexy tocou meu ombro em um gesto de consolo e disse:
— Então curta seu filho. Enquanto isso, vou voltar para a Casa Branca
e ver o que consigo fazer para amenizar sua agenda.
— Fique de olho na imprensa — pedi.
— Já distribuí contratos de confidencialidade por esse hospital inteiro.
Todos aqui estão mais que acostumados com pessoas “famosas”, então,
acredito que não vai haver vazamento de informações. Mas caso aconteça, já
bolei uma nota para soltar aos urubus.
— Obrigado, Lex.
Ela se afastou e no instante seguinte Elizabeth saiu do quarto de Colin,
falando com alguém ao celular.
Analisei seu corpo esbelto, o cabelo, a forma como gesticulava... O
tempo não tinha passado para ela.
Quando desligou, Liz me encarou e franziu o cenho, provavelmente
percebendo que algo havia acontecido.
Fui até ela, estava na hora de lhe contar que suas suspeitas estavam
corretas.

— E agora? — ela perguntou quando terminei o relato.


— Não há nada que possamos fazer. Essas pessoas sabem o que estão
fazendo e não deixarão pistas assim. O melhor que temos a fazer é nos
manter seguros até que sejam pegos.
Ela suspirou e assentiu, afinal, não havia muito a se fazer.
— Vamos entrar — perguntou ela voltando ao quarto.
Quando entramos, Colin estava com os olhos abertos. Parecia
sonolento, mas estava acordado.
Quando constatei isso, meu coração disparou. Eu ia conhecer o meu
filho.
— Mamãe — chamou.
Imediatamente Liz se colocou ao seu lado e o menino se acalmou. Mas
então seus olhos pararam em mim e ele ficou me observando.
Liz colocou a mão para trás e eu me aproximei para a segurar. Eu sabia
que ela queria apenas me chamar, mas não consegui soltá-la, tamanho o
nervoso que estava sentindo.
— Sabe quem é este aqui, filho?
O menino meneou a cabeça, a testa franzida em confusão.
— Este é seu pai.
O pequeno continuou me olhando com toda desconfiança de uma
criança de 3 anos e meio. Já eu, parecia uma estátua, completamente
hipnotizado por ele.
Liz deu um passo para o lado num convite silencioso para eu me
aproximar da cama e eu o fiz, nervoso como nunca na vida.
— Você é meu pai?
Ele perguntou arrancando um leve sorriso de nós dois.
— Isso mesmo, Colin, meu nome é Harry.
O menino de lindos olhos azuis, ficou me olhando por um bom tempo,
deixando-me curioso para saber o que se passava em sua cabecinha.
Em meio àquele silêncio, senti uma emoção desconhecida e percebi que
isso tinha a ver com o fato de aquele pedacinho de gente ter o mesmo sangue
que eu.
— Quelo vê desenho, mamãe.
Sorrimos com seu comentário, pois estava totalmente fora do contexto
da nossa conversa, mas uma criança daquela idade não tinha muito o que
falar sobre um pai que nunca viu ou conviveu.
— E o que você gosta de assistir? — eu perguntei para puxar assunto.
— Disney Junior — ele disse com olhinhos brilhantes, mas logo
bocejou e deu para ver que o sono ainda não tinha acabado.
— Eu não conheço. Você me mostra um dia? — perguntei.
Ele balançou a cabeça positivamente.
— Promete?
— Pometo? — ele repetiu em sua língua.
Eu assenti e sorri com sua doçura e ingenuidade.
Naquele momento os dois médicos entraram e depois que o
examinaram, Colin voltou a assistir seu desenho.
Enquanto Elizabeth conversava com a enfermeira responsável pelo
andar, eu fiquei olhando para ele, hipnotizado com nossa semelhança, e o
coração transbordando de amor.
Não havia outra descrição para o que estava sentindo naquele momento
a não ser o puro e verdadeiro amor de um pai por um filho, que tinha chegado
de repente e já dominava todo meu coração.
Dois dias haviam se passado desde que chegamos a Washington e
Colin permanecia internado. A febre que surgiu naquela noite aumentou um
pouco e por isso foram prescritos outros antibióticos, mas ele estava
evoluindo bem e a temperatura diminuía gradativamente.
Para minha surpresa, eu não estava tão desesperada quanto achei que
ficaria. Saber que Harry estava ali comigo tirava um pouco do peso que eu
carregava há tantos anos.
Na verdade, desde a longa conversa que tive com ele, ainda no avião, já
me sentia mais leve, mas não menos angustiada. Especialmente depois de
comprovarmos que o perigo estava realmente nos rondando. Isso me deixava
inquieta e apreensiva e percebi que ele se sentia da mesma forma.
A única hora em que o vi relaxar foi quando Colin acordou e eles
puderam, se conhecer. Infelizmente nosso filho estava muito sonolento e eu
não acreditava que tivesse entendido muita coisa.
Mas para Harry não interessava. Parecia que ele tinha resolvido assumir
o papel de pai por inteiro, mesmo que seu garotinho estivesse bastante
rabugento.
Infelizmente ele não pode interagir muito com Colin porque a Casa
Branca não parava e esses dias que ele passou fora estavam cobrando seu
preço e juntando a isso a investigação, seu tempo estava escasso.
Por isso, levei um susto quando ele apareceu naquela manhã.
Colin já havia acordado há um bom tempo, tomado seu desjejum e
pedido meu celular para ver desenho.
— Ele parece melhor — Harry comentou depois de saudar o filho
timidamente.
Eu sabia que seria difícil para ambos nesse início, principalmente para
Colin. Por isso estava feliz por Harry entender e não forçar a barra.
— Sim. Ele ainda teve febre, mas está mais baixa a cada dia.
— Olha — disse Colin nos interrompendo e apontando o celular.
Eu achei que ele estivesse falando comigo, mas quando o olhei, percebi
que sua atenção estava em Harry que olhou para mim notavelmente nervoso.
Eu o incentivei.
— Aquele é seu desenho favorito. Vá lá e assista ao menos um episódio
com ele.
Ainda surpreso, Harry se aproximou e sem que ninguém pedisse, Colin
se afastou para que o pai se sentasse ao seu lado.
Assim que se acomodou, Harry olhou para mim e deu para ver que
estava emocionado, exatamente como eu.
Um episódio se transformou em três e foi lindo ver a interação entre
eles.
Quando a enfermeira anunciou que levaria o almoço de Colin,
encontrei a desculpa perfeita para que Harry conseguisse sair dali. Apesar de
não parecer nem um pouco entediado, eu sabia que ele precisava trabalhar.
— Eu tenho que ir, mas volto mais tarde para que você possa descansar
— disse depois que a enfermeira deixou a bandeja sobre o aparador.
— Mas não precisa, eu posso descansar aqui mesmo — comecei a
argumentar, mas ele balançou a cabeça.
— A partir de agora, a responsabilidade de cuidar de Colin não é só
sua.
Tive vontade de abraçá-lo apertado e agradecer por ele ser daquele
jeito, por ter aquela índole.
Sempre considerei Harry um homem no melhor sentido da palavra e
suas atitudes apenas demonstravam que eu estava certa.
Mesmo que nunca mais ficássemos juntos, se ele tratasse nosso filho
com amor, e a mim, com consideração, já seria muito mais do que eu sonhei.
Depois que ele foi embora, dei o almoço de Colin e assim que ele
dormiu, fui almoçar.
Ao terminar, liguei para Stella. Queria perguntar acerca de Dan e
também saber a que horas aconteceria sua transferência, já que o hospital só a
liberara naquela manhã.
Para minha alegria, ela informou que todos os trâmites estavam
acertados e nos próximos minutos eles estariam a caminho. Quanto ao seu
estado, Stella disse que continuava na mesma, mas minha amiga tinha
confiança de que na hora certa ele acordaria.
Antes de desligar, combinamos de nos encontrar no quarto de Colin,
assim que Dan estivesse instalado.
Duas horas depois, minha amiga apareceu. Zed já estava sabendo de
sua chegada, então a liberou.
— Não sabe como fiquei feliz em saber que nosso pequeno está bem —
disse ela dando um beijo em sua bochecha gorducha.
— Sim, agora é só esperar o tempo de recuperação — garanti e a puxei
para nos sentarmos no sofá do quarto.
Pelos minutos seguintes, contei a respeito da comprovação de que
realmente não havia sido um acidente e ela ficou horrorizada.
— Papai precisa saber. Acredita que ele está se culpando? — confessou
e eu fiquei mortificada por saber que Benito devia estar se remoendo,
achando que tinha feito algo errado.
— Foi por isso que ele nem sequer me ligou? — Eu tinha falado com
Consuelo, mas nada de Benito.
— Acho que sim, você conhece o papai. Mas me conta, como foi
quando ele viu o Colin.
— Acho que percebeu que Colin era uma cópia dele na hora, existem
coisas que são incontestáveis, e eles serem pai e filho, é uma delas.
— Mas e vocês dois?
Naquele momento vulnerável, seria fácil demais me apegar a ideia de
que Harry ainda alimentava algum sentimento por mim. Ele jamais
desampararia qualquer pessoa, principalmente se houvesse a possibilidade de
essa pessoa ser seu filho.
— Por mais que meu coração quisesse muito continuar de onde
paramos, existem obstáculos demais. Harry é casado, é o presidente do país e,
o mais importante de tudo, não demonstrou nada além de preocupação
conosco. Então, para o bem da minha saúde mental, eu não posso misturar e
confundir as coisas.
— Eu sei, Lizzie e concordo. A prioridade agora é seu filho. Eles dois
têm que se conhecer para poderem formar um vínculo, Colin precisa disso. Já
estou até imaginando quando aquele pequeno chantagista começar a falar:
“Quelo donuts, papai”.
Nós duas rimos, mas logo meus olhos se encheram de lágrimas.
— Quando todo esse pesadelo acabar, ele vai poder comer quantos
donuts quiser.
— Sim — ela devolveu, mas seu semblante continuava preocupado.
— Ei, amiga, o Daniel também vai sair dessa — falei numa tentativa de
confortá-la.
— Eu estou confiante que vai ficar tudo bem, esse hospital tem os
melhores médicos do país e a influência de Harry vai fazer toda a diferença.
Mas não é isso que está me preocupando.
— Então, o que é?
— Quando fiquei sabendo que ele ia ser transferido, eu fui até seu
apartamento para pegar roupas e itens pessoais. Estava procurando um lugar
para guardar, mas a única coisa que achei foi aquela bolsa horrível que ele
nunca larga e nem deixa ninguém mexer.
— Sério que você está implicando com a bolsa do homem?
— Não é isso, Lizzie, o problema foi o que eu encontrei lá dentro.
— Deixa eu pensar, camisinhas, revista de mulher pelada... — Tentei
brincar para aliviar a tenção daquele momento, Stella vivia cismando com
Dan.
— Quem dera se fosse isso, acho que eu estaria menos paranoica.
— Agora fiquei curiosa?
— Havia ao menos 3 daqueles telefones celulares descartáveis e dois
passaportes.
— Celular descartável é meio suspeito, mas passaporte é um
documento como outro qualquer.
— Sim, só que no passaporte havia carimbos de vários lugares do
mundo. Dan me disse que o único lugar para onde ele já havia viajado era
Paris, mas lá, além da França, tinha carimbo da Alemanha, da Rússia e da
China! Porque ele mentiria sobre algo assim?
Isso era realmente estranho. A maioria das pessoas que viajava pelo
mundo adorava contar histórias a respeito dos lugares que visitou. Esconder
isso era, no mínimo, suspeito.
— Ah, e tem mais. Você sabia que seu primeiro nome é Caleb? Caleb
Daniel Dyson. Como que alguém pode namorar outra pessoa por mais de um
ano e nunca contar uma coisa dessas!
Não achava que isso fosse algo tão grave assim, mas se juntarmos aos
celulares descartáveis e aos passaportes, a história mudava de patamar.
Isso me fez lembrar de outra coisa.
Ela vivia implicando com o fato de ele viajar todos os meses para ir
comprar peças de computador. e essa história da mochila me dava motivos
para pensar que minha amiga não estava tão louca assim.
— O que você acha de tudo isso?
Tentei relembrar o início do namoro deles, como as coisas
aconteceram, e não vi nada de mais. Até onde me lembrava, foi a própria
Stella quem o chamou para dar uma olhada em algo que havia estragado na
central da galeria e depois também foi ela quem o chamou para sair, disso eu
me lembrava bem.
Desde então eles não se desgrudaram mais. Ainda assim, Dan nunca foi
intrusivo, nunca apareceu do nada, sem Stella estar lá e nunca fez nada
repreensível.
Era o homem mais inofensivo que eu já tinha conhecido. Muito
educado, e apesar do jeito um pouco aéreo, mas que combinava bastante com
seu estilo nerd de ser, ele era bonito e bastante charmoso.
Minha breve análise não fez aparecer nenhuma pulga atrás da minha
orelha, então, não havia o que achar, mas tive que pontuar uma coisa que
senti no meu coração.
— Eu não sei por que Dan tinha todas essas coisas na mochila e nem
porque mentiu sobre as viagens ou omitiu o nome, mas não acho que uma
pessoa que quisesse o nosso mal iria fingir por tanto tempo.
— Sinceramente é nisso que estou me apegando. Não vejo a hora de ele
acordar e se recuperar para que eu possa fazer um belo de um interrogatório.
— Você precisa avisar a família dele.
— Esse é outro ponto obscuro de Daniel. Ele nunca falou muito da
família. A única coisa que sei é que a mãe morreu e ele é filho único, então,
não sei para quem ligar, acho que ele só tinha a nós mesmo.
— Então vamos esperar ele acordar, tenho certeza de que vai haver
alguma explicação, seja para o bem, seja para o mal.
Stella se conformou e eu mudei de assunto.
— Você falou com Joseph esses dias? — perguntei.
— Não. Pra ser sincera, com tudo o que aconteceu, eu nem me lembrei.
— Estou preocupada, ele nunca ficou incomunicável por tanto tempo.
— Assim que a gente se acomodar direitinho aqui, vou lhe fazer uma
visita e ver o que está acontecendo — prometeu ela.
Nós ainda conversamos muito, pois Stella só foi embora por volta das
18h, quando Colin foi medicado e caiu no sono novamente.
Meia hora depois, Harry chegou.
— Um de meus homens irá levá-la a um endereço seguro para que
possa tomar banho e descansar.
Eu não tinha nenhuma vontade de deixar meu filho, mas estava me
sentindo exausta demais e tinha medo de acabar ficando exaurida e
completamente inútil.
Além disso, achava que Harry merecia ter um tempo a sós com o filho,
eles precisavam se conhecer e talvez aquele momento de fragilidade de Colin
fosse o ideal para isso.
— Ok, eu vou, mas qualquer coisa, me ligue.
— Pode deixar.
— Ah, a Consuelo viria para ficar comigo, acho que...
— Deixe-a vir, não tem problema — respondeu.
— Ok. — Abaixei-me para dar um beijo em meu bebê, depois me
voltei para Harry novamente. — Obrigada — falei à guisa de despedida e saí.
Esse agradecimento não era apenas pelo que ele estava fazendo por
Colin, mas também por ter mantido a calma em uma situação em que teria
todo o direito de se enfurecer.
Eram essas atitudes que me faziam amá-lo cada dia mais.
Mas não era hora para pensar em meu coração. Tudo o que queria era
que Colin saísse daquele hospital completamente sadio e que minha vida
voltasse ao normal.
No momento em que Harry disse que tinha conseguido um lugar onde
eu poderia descansar, achei que estivesse se referindo a algum hotel próximo
ao hospital, mas meus olhos quase caíram do rosto quando o segurança me
levou à Blair House[14]. Segundo o rapaz, ali era mais seguro do que um
hotel, onde qualquer pessoa poderia ter acesso.
E ele não estava errado, por isso apenas aceitei.
Quando finalmente me instalei no quarto que me foi designado, segui
direto para o banho e perdi a conta de quantos minutos permaneci embaixo
daquele jato de água quente.
Meus nervos estavam tensos e eu não conseguia me desligar de tudo
que estava acontecendo minha volta.
Saí do banho enrolada em uma toalha e só quando voltei ao quarto foi
que me dei conta de que não tinha levado nada para vestir. A verdade era que
fui pega completamente desprevenida com o acidente e a viagem repentina e,
além das roupas com que fui para o hospital, eu tinha mais uma calcinha e
uma blusa, ambas as peças compradas na loja de conveniência do hospital.
O problema era que eu acabei me esquecendo de pegar a blusa e a
calcinha que eu havia lavado e deixado dobradas no armário do quarto de
Colin.
Lembrando-me do roupão que havia visto no banheiro, voltei lá e o
coloquei, antes de me jogar na cama.
Estava tão cansada que acabei cochilando por mais de uma hora,
acordando apenas quando escutei alguém batendo à porta.
Apertando o roupão, fui atender e levei um susto ao ver Harry ali, com
um celular nas mãos, digitando alguma coisa.
— Achei que fosse ficar no hospital — falei, um tanto irritada por ele
estar descumprindo o nosso combinado.
— Eu iria, mas Dominic deu com a língua nos dentes e acabou
contando para os meus pais. Os três chegaram há pouco e foram direto para o
hospital a fim de conhecer Colin.
— Oh, meu Deus! Não quero nem pensar no que deve estar passando
por suas cabeças.
— Minha mãe fez o maior escândalo do mundo quando soube que tinha
um neto e meu pai não ficou atrás. Então, depois que relatei tudo que tinha
acontecido, eles pediram para ficar lá e eu concordei.
Eu podia imaginar a euforia de Julie ao descobrir sobre a existência do
neto e o quanto devia estar curiosa para conhecê-lo, mas, e a meu respeito, o
que ela estaria pensando?
— Entendo.
— Mas então foi a vez da Consuelo chegar e como ela disse que
passaria a noite com ele, eu aproveitei para vir conversar com você.
— Ah, tudo bem, pode entrar.
Harry passou por mim e eu fechei a porta, mas na mesma hora me
arrependi, pois o cheiro dele tomou todo o ambiente.
Sem graça, falei a primeira coisa que me passou pela cabeça:
— Desculpe por estar vestida assim, mas eu não tenho roupas, amanhã
vou dar um jeito.
— Já mandei providenciar, eles devem entregar amanhã de manhã.
Pare de ser tão lindo e prestativo. Assim eu não aguento!
— Muito obrigada — agradeci, sentindo que havia ficado corada.
Atravessei o quarto e me sentei na parte da frente da cama, já ele,
permaneceu em pé.
— Estou ouvindo — falei.
— Primeiro eu queria te dizer que já há pessoas trabalhando para tentar
encontrar quem está por trás disso. E enquanto essa investigação estiver
acontecendo, você, Colin e a família de Stella ficarão sob a proteção da
agência de vigilância que contratei.
— Claro, será melhor para todos — falei, sentindo um alívio enorme.
— Ótimo. A próxima questão é de âmbito mais pessoal. Você deve
entender que mesmo sabendo da existência de Colin, eu ainda sou o
presidente e, mais do que isso, continuo sendo um homem casado.
— Não poderia me esquecer de nenhuma dessas coisas — falei
secamente.
— Bom, estou dizendo isso porque gostaria de continuar contando com
sua discrição, não apenas por causa de mim, mas por você e Colin. Imagine o
que aconteceria se a imprensa descobrisse isso, a vida de todos nós se
transformaria em um grande circo de horrores, com muito sensacionalismo e
meias verdades.
— Um dos motivos para me manter escondida foi esse, nos proteger
desses abutres. Pode ficar tranquilo, depois que essa quadrilha for
desmantelada e pudermos tocar nossas vidas, você decidirá como vai
proceder com relação a Colin. Eu... Apesar de ter ameaçado, não iria adiante,
de forma alguma prejudicaria meu filho para atingir um objetivo.
— Eu sei, no fundo, eu sempre soube.
Senti uma fisgada no estômago ao ouvir isso e um fiozinho de
esperança se insinuou em meu coração.
Mesmo após tantos anos separados e depois de tudo o que aconteceu,
eu ainda sentia aquele encantamento que nos envolveu desde o primeiro dia.
Harry parecia ter sentido a mesma coisa, pois me encarou de volta o
tempo todo com muita intensidade. Então, parecendo se dar conta do que
acontecia, desviou o olhar, ao mesmo tempo em que eu perguntava:
— Ela já sabe?
— Catherine? — Quando assenti, ele continuou: — Não, mas já posso
imaginar como será. Ela sempre quis ter um filho e saber sobre Colin será um
golpe duro para ela — confessou e eu tive que me segurar para não revirar os
olhos.
O fato de querer ser mãe e não poder, devia ser um tormento para uma
mulher, mas nós estávamos falando de Catherine e eu não iria deixar de
considerá-la uma cobra só por causa disso. Na verdade, tinha bastante receio
do que ela poderia fazer conosco quando ficasse sabendo.
Um arrepio atravessou meu corpo à esse pensamento e acabei falando
um pouco mais ríspida do que pretendia:
— Não vou me desculpar por isso, as coisas aconteceram antes do
casamento de vocês.
— Você não deve se desculpar por nada — afirmou ele, com um olhar
enigmático direcionado a mim que me fez corar outra vez.
— Ótimo — falei e vi o esboço de um sorriso se formar em seus lábios
pela minha impertinência.
Quando o silêncio se tornou opressor, levantei-me e fechei mais o robe,
numa tentativa de me proteger dos meus próprios pensamentos.
— Hum... Você tem mais alguma coisa para falar?
Ele fez que não com a cabeça, mas seus olhos não saíram dos meus e
eu quase derreti; amava o jeito como me olhava, e isso não tinha mudado.
Harry sempre me fez sentir linda, mesmo estando de robe e com o cabelo
todo bagunçado.
— Ah, então tá — falei, sem graça e caminhei em direção à porta.
Não iria ficar ali babando só porque ele estava sendo gentil comigo, por
mais atraente que fosse.
— Você e John Kent têm alguma coisa, além da sociedade?
A pergunta me surpreendeu tanto, que eu estaquei no lugar e me virei
bruscamente.
— Sério que já foi bisbilhotar minha vida? — questionei, cruzando os
braços em frente ao peito.
— Você sabia que isso precisaria ser feito.
Sim, eu sabia, mas fiquei irritada do mesmo jeito; custava acreditar em
mim?
— Minha relação com John não é da sua conta — falei para provocá-lo.
— Quer dizer então que existe alguma coisa.
— E se existir? Que me eu lembre, você se casou com uma de minhas
arqui-inimigas.
— Você foi embora, porra! — ele explodiu e vi suas narinas inflarem, o
que me sugeriu que ele estava bem perto de perder o controle.
Ótimo, porque eu também precisava falar umas verdades.
— Sabe o que eu acho, Harry, que no fundo você nunca me amou, se
amasse de verdade, teria ido atrás de mim, nem que fosse para saber se eu
estava viva.
— Não fale besteira... — ele rosnou, mas suas palavras se perderam e
ele passou as mãos pelo rosto.
— Se eu tivesse o seu poder, seu dinheiro e a sua influência, eu nunca
teria desistido de você, mas, enfim, cada um sabe o que faz — continuei
provocando e vi que ele estava ficando ainda mais irritado, tanto que, em
duas passadas, ele já estava me pressionando contra a parede.
Seu corpo grande e forte encostado ao meu e sua testa colada na minha.
O perfume familiar envolvendo meus sentidos.
Ah, Deus, há quanto tempo eu não sentia aquelas mãos em mim, aquele
toque, a antecipação de ter nossas bocas a poucos centímetros de distância.
— Eu fui atrás de você. Mesmo quando demonstrei a todos que havia te
superado, eu tentei te encontrar... Mesmo às vésperas do meu casamento, eu
fiz uma última tentativa, mas nem a maior agência de espiões dos Estados
Unidos a encontrou. Então, não fale o que não sabe, você não tem ideia do
que passei, da dor que senti...
Sua voz sussurrada saiu pausadamente, como se quisesse que eu
sentisse o efeito de cada palavra; mas tudo o que fiz foi manter os olhos fixos
nos dele, sentindo como era delicioso estar tão perto do amor da minha vida
novamente.
— Eu sou mesmo um tolo quando se trata de você — admitiu em um
lamento antes de tomar minha boca.
Não houve gentileza, foi um beijo duro, ardente, impetuoso e me varreu
inteira, deixando-me tão entregue, que o beijei de volta com a mesma fome.
Eu queria devorá-lo. Não havia um jeito melhor de descrever o desejo
que me possuía e a vontade de fundir meu corpo ao dele.
Aquele emaranhado de mãos e bocas só mostrava o quanto estávamos
famintos por viver momentos que nos foram roubados, dar vazão à paixão
que ainda sentíamos.
Harry abriu meu roupão e deslizou uma mão para o meu centro já
completamente pronto, enquanto a outra sustentava meus pulsos contra a
parede de maneira segura, mantendo-me cativa por aquele corpo alto e forte.
Na medida em que nossas bocas se devoravam e seus dedos me
provocavam, eu percebi o quanto aquilo parecia trivial, era como se não
tivéssemos ficado separados por tanto tempo.
Sua boca largou a minha e seus lábios deslizaram por meu pescoço,
deixando um rastro de arrepio por toda a minha pele. Os lábios macios
continuaram seu caminho até chegar do outro lado do pescoço e começou a
subir, até encontrar minha boca e começar a devorá-la novamente.
Harry Stone era delicioso e sempre me enlouquecia com seus beijos
demorados, cheios de luxúria, e isso também não tinha mudado. Havia muito
desejo envolvido em nossos beijos, ele também parecia querer me devorar e
isso me deixava louca.
Quando dois dedos afundaram em mim, eu me contorci e gemi em sua
boca.
Santo Deus! Como eu amava estar nos braços de Harry. Só ele
conseguia deixar meu corpo naquele estado.
— Isso. É. Loucura — falei de maneira intercortada, sem ter muita
noção se estava reclamando ou apenas constatando um fato.
— Sim, mas eu preciso disso, nós precisamos — ele falou com
ferocidade e voltou a me beijar, mas apenas nossos lábios se tocavam, uma
vez que ele precisou das mãos para descer a calça e colocar um preservativo.
Em seguida ele ergueu minhas pernas e as encaixou em sua cintura.
Tudo isso foi feito em uma velocidade absurda, bem de acordo com o
desejo que nos tomava. E quando senti seu membro me empalando contra
aquela parede fria, um gemido de puro êxtase saiu dos meus lábios.
Harry mordeu meu ombro quando me preencheu por completo e soltou
um palavrão abafado, antes de começar a arremeter com força e precisão.
Aquele sexo selvagem, regado a mordidas, imprecações e pegada forte,
era muito diferente do que costumávamos ter no passado. A forma como ele
prensava meu corpo contra a parede, parecia deliberada demais, como se
estivesse me punindo por toda dor que lhe infringi quando fui embora.
E eu percebi que era exatamente disso que eu precisava. Um sexo duro
e arrebatador, que me fizesse lembrar da loucura que sentia quando estava
com ele e, ao mesmo tempo, me ajudasse a esquecer os problemas que me
cercavam.
Voltei a procurar sua boca, desejando seus beijos enquanto ele me
invadia profundamente a cada arremetida, me deixando mais e mais próxima
ao orgasmo.
Por isso eu deixei que me possuísse, que atacasse minha boca e
desfrutasse do meu corpo como desejasse, sem me importar que meus seios
sacudissem, que gotas de suor rolassem das minhas têmporas ou que
provavelmente estaria dolorida no dia seguinte... Nada importava naquele
momento, somente o prazer que aquele homem me fazia sentir.
E quando um intenso orgasmo dominou meu corpo, mordi seu lábio e
me agarrei a ele bem a tempo de escutá-lo gozando junto comigo, na medida
em que entrava e saía de mim cada vez mais rápido.
E quando aquela explosão de prazer se dissipou, permaneci abraçada a
ele, minha respiração completamente fora de compasso.
Olhando ao redor, notei que Harry continuava quase que
completamente vestido, já eu, estava nua e meu roupão jazia no chão
formando uma poça sobre os pés masculinos.
Quando seus espasmos cessaram, ele deslizou, ainda enterrado em
mim, e assim que se sentou, voltou a me beijar com ardor e eu correspondi da
mesma forma; era muita saudade envolvida e Harry parecia sentir a mesma
vontade louca de nos conectar.
Alguns segundos se passaram antes que eu caísse na real e no mesmo
instante desgrudei nossos lábios e tentei me afastar, mas ele não deixou.
— Acho que preciso de mais uns minutos dentro de você — sussurrou
em meu ouvido e voltou a me beijar.
Sem conseguir resistir, permaneci naquilo por longos minutos até que
Harry se pôs em pé novamente e só me largou quando estávamos no
banheiro.
Eu corri para o chuveiro, sentindo-me mortificada por ter permitido que
aquilo acontecesse, mas ao mesmo tempo, completamente satisfeita pelo que
ele me proporcionou.
Quando Harry terminou de tirar suas roupas e entrou no box, eu já tinha
saído, mas ainda dei uma boa olhada em seu corpo nu, para me certificar de
que ele continuava tão irresistível quanto eu me lembrava. Talvez mais, pois
seus ombros pareciam mais largos do que antes e o abdome mais definido.
Pelo visto, alguém andava malhando.
Balançando a cabeça, vesti meu roupão e esperei pacientemente por
ele.
Com uma tolha enrolada na cintura, Harry parou à minha frente e, sem
se intimidar, puxou-me para os seus braços.
— Já que me fez cair em tentação, deixe-me passar a noite aqui —
falou bem perto do meu ouvido, fazendo todo o meu corpo se arrepiar.
Fechei os olhos e suspirei.
— É errado, Harry e não vou aceitar que coloque a culpa em mim.
— Nenhum de nós tem culpa do desejo que sentimos, e me mandar
embora agora não vai apagar o que acabamos de fazer.
Nisso ele certamente tinha razão.
Vendo minha hesitação, Harry simplesmente voltou a me beijar, mas,
dessa vez, foi me levando para a cama, onde me deitou e voltou a abrir meu
robe.
Agora que a loucura tinha passado, senti-me um pouco envergonhada
por estar completamente nua na frente dele.
Depois que Colin nasceu, meu corpo tinha ganhado outros contornos, e
mesmo fazendo exercícios, yoga e até algumas dietas malucas, ele nunca
mais foi o mesmo, o que me dava um pouco de insegurança.
Em meu íntimo eu sabia que isso era besteira, que os homens não viam
as mulheres sob a mesma perspectiva, mas não conseguia evitar.
Enquanto estávamos no banheiro, em meio ao vapor, foi fácil esquecer
que já não era tão perfeita quanto antes, mas naquele momento não havia
como me esconder.
— Não me olhe assim — pedi quando ele se demorou em sua
apreciação.
— Por quê? — perguntou suavemente e abocanhou um de meus
mamilos.
— Porque os anos foram mais gentis com você do que comigo —
brinquei, entre arquejos de prazer.
Harry parou o que estava fazendo e me olhou com seriedade.
— Você continua sendo a mulher mais linda que meus olhos já viram.
Satisfeita com aquele elogio sincero, puxei sua cabeça e o beijei.
Dessa vez, as coisas foram mais calmas. Harry parecia ter saciado um
pouco do desejo misturado com raiva, que deu o tom à nossa primeira transa,
e fez tudo com muito mais cuidado, sem pressa, exatamente como fizera logo
após retirar minha virgindade.
Sua boca pecaminosa passeou por todos os cantos do meu corpo,
fazendo eu me contorcer sobre os lençóis e esquecer do resto do mundo,
completamente entregue à paixão.
Harry só se aquietou quando viu que eu estava exausta, ainda assim,
não saiu de perto, apenas me envolveu nos braços e dormiu comigo.
Já quase beirando o inconsciente, foi que voltei a me lembrar de quem
era Harry Stone, o presidente do país e, um homem casado.
Que. Merda. Eu. fiz!
Despertei um pouco desorientado, mas na hora em que senti um corpo
quente e feminino junto ao meu, dei-me conta de que estava na Blair House,
mais precisamente na cama de Liz.
Fiquei instantaneamente irritado por ter cedido. Mas logo percebi que
esta irritação não se comparava à sensação de plenitude que eu sentia.
Ter passado aquela noite com ela, despertou algo forte em mim,
ardente, vivo, parecia que aquele gelo que envolvia meu coração tinha
começado a derreter e ele estava eufórico com sua presença em minha vida.
Nós nos entregamos à paixão sem nenhuma reserva, mortos de tesão,
inebriados de desejo, mas, de minha parte, foi inevitável que um pouco da
raiva, da revolta e da mágoa que me acompanhavam por tantos anos
aflorassem. Eu queria lhe dar prazer, mas também queria lhe punir por toda
dor que me fez passar.
Só de relembrar já comecei a ficar duro de novo.
Calmamente, para não acordá-la, eu me afastei de seu corpo nu e saí da
cama.
Embora minha vontade fosse ficar o resto do dia ali, havia muitas
coisas para serem resolvidas e teríamos tempo para conversar a respeito do
que aconteceu quando nos encontrássemos novamente.
Saí da Blair House e vi que já estava amanhecendo, por isso me
apressei. Apesar de Catherine tomar remédio para dormir, seu sono
funcionava como um relógio e às 7h30 da manhã ela estava acordada.
Ao chegar à Casa Branca, tomei um banho e desci assim que fiquei
pronto, pediria que Zed levasse alguma coisa para eu comer mais tarde.
Estava quase entrando no Salão Oval quando ele me estendeu um
envelope.
— Senhor, aqui está o resultado do exame que o senhor pediu.
— Ok, obrigado.
Mesmo sendo apenas um envelope simples com o timbre da Casa
Branca, eu sabia muito bem do que se tratava.
Deixei-o em cima da mesa e retardei aquele momento o quanto pude,
enquanto era atualizado sobre minha agenda, mas depois que assinei alguns
documentos entregues por minha secretária e ela saiu, percebi que não
adiantava mais fugir daquela realidade, então o abri.
Meus batimentos foram ao limite e a ansiedade parecia apertar meu
pescoço com duas mãos, mas quando finalmente li o resultado do exame de
DNA que constatava minha paternidade, foi a sensação mais indescritível da
minha vida.
Não sei quanto tempo permaneci com os olhos naquelas linhas até que
o papel deslizou de minha mão feito pluma e alcançou o carpete.
Eu tinha um filho.
Por mais que meu coração sentisse que Colin tinha meu sangue, aquele
exame era a comprovação de que minha vida nunca mais seria a mesma,
assim como meu coração.
Para alguém que semanas atrás afirmara que não queria ter filhos,
aquilo era algo grande.
Como seria minha experiência como pai?
Como seria pegar aquele trem andando e tentar dar o mínimo do que eu
tive naquela mesma fase?
Sabendo que não conseguiria trabalhar, mandei uma mensagem para
Lexy e decidi que iria ao hospital.
— Como você está, filho? — meu pai perguntou quando cheguei à sala
de descanso do andar.
— Exausto.
— Eu imagino. Descobriram mais alguma coisa em relação ao
acidente? — quis saber, preocupado.
Quando eles chegaram na noite anterior, eu expliquei o que havia
acontecido, sem entrar em detalhes, pois mamãe surtaria, mas achei que ele
tinha o direito de saber.
— Foi um atentado, mas não temos ideia de quem fez isso. Já há gente
muito competente trabalhando nisso e tenho esperança de que, em breve,
teremos os nomes dos culpados.
Ele assentiu e fez algumas perguntas, mas eu sabia onde ele realmente
queria chegar.
— Eu sei que não é um bom momento, mas gostaria de saber como vai
ficar a sua reeleição em meio a tudo isso.
Eu não queria pensar em como iria administrar todos aqueles
problemas, mas sabia que uma grande decisão precisava ser tomada.
— Primeiro preciso que meu filho saia deste hospital e vá para um
lugar seguro, depois disso eu cuidarei do resto.
Mais uma vez Romeo Stone assentiu, concordando.
— Seu irmão está eufórico com a ideia de ser tio.
Dominic adorava crianças, sempre foi muito melhor com elas do que
eu, e podia imaginar o quanto havia ficado feliz com a novidade.
— Quando tudo isso acabar, vamos passar um fim de semana com
Colin em algum lugar afastado dessa loucura.
— Ótima ideia — concordou.
— Harry, que bom que chegou! — disse mamãe e me abraçou
apertado.
— Como ele está?
— Acordou bem melhor, já quase sem febre — informou, mas senti
que queria falar alguma coisa.
— Desembucha, Julieta.
Ela sorriu e me puxou para o sofá mais próximo. Papai nos
acompanhou.
— Eu gosto muito de Elizabeth, mas confesso que estou bastante
chateada por ela ter escondido algo assim. Um neto, Harry, isso é sério.
— Eu também não gostei, mas ela teve bons motivos para fazer isso, eu
garanto.
Não dava para falar à minha mãe que havia uma conspiração por trás
do sumiço de Elizabeth, e que por esse motivo ela não me procurou para
dizer que estava grávida.
— Eu imagino que deve ser um motivo plausível, mas não é sobre isso
que quero conversar com você e sim sobre como serão as coisas de agora em
diante.
Eu já devia imaginar que ela iria querer se apossar do direito de avó o
quanto antes, mas para isso eu precisava tomar algumas decisões.
— Por enquanto teremos que ser discretos, há muitas coisas para
resolver. E mesmo que Colin seja meu filho, eu ainda sou o presidente e devo
satisfação a toda uma nação.
— Nós sabemos disso, querido, por isso pensei que ele e Elizabeth
poderiam ficar conosco em Nova York. Lá eles terão toda segurança
necessária e um pouco mais de privacidade.
De fato, não era uma má ideia. Mantê-los em Washington, às portas da
Casa Branca, apenas levantaria suspeitas.
— Falarei com Elizabeth, se ela concordar, eu não vou me opor.
Mamãe assentiu, animada com a possibilidade de levar o neto para
casa.
— E quando pretende revelar a verdade a Catherine?
Estava demorando para essa pergunta ser feita.
— Ainda não sei, e não estou ansioso, ela ficará bem abalada.
— Ela sabia que você não a amava quando se casaram. Uma hora
chega a conta de nossas atitudes impensadas, especialmente quando são feitas
por interesses egoístas.
Mamãe nunca engoliu o fato de Catherine ter se casado comigo
sabendo que eu ainda amava Elizabeth. Para ela, minha atual esposa se
aproveitou de um momento em que eu estava vulnerável para dar o bote.
A verdade não era bem essa, Catherine pode ter se aproveitado de um
momento de fragilidade, mas eu fiz o mesmo quando aceitei me casar com a
primeira-dama perfeita, só que não queria falar sobre aquilo.
Após aquele breve interrogatório, eu mostrei o exame de DNA a eles
que, mesmo não tendo dúvidas a respeito a paternidade de Colin,
comemoraram.
Mamãe confessou que conversou por horas com Consuelo, que
confidenciou todas as travessuras e manias de seu neto e agora, de posse
dessas informações, ela faria de tudo para conquistar o garoto.
Ainda era cedo quando Elizabeth despontou no corredor.
Estava linda em um vestido de verão em tom lilás, com um blazer
esportivo branco por cima, peças que faziam parte das roupas que
encomendei. Os lindos cabelos estavam soltos e, como sempre, não usava
quase nada de maquiagem.
Seu olhar, entretanto, exibia certo receio. Isso poderia se dever ao fato
de já estar arrependida do que fizemos na noite anterior, mas também podia
ser pela presença dos meus pais, que se levantaram do sofá assim que a
viram.
— Bom dia — disse ela parando à nossa frente.
Mamãe foi ao seu encontro e lhe deu um abraço apertado.
— Bom dia, e obrigada pelo melhor presente que ganhei na vida.
Liz sorriu e seus olhos ficaram marejados.
— Espero que um dia possa me perdoar pelo atraso desse presente —
ela brincou e uma lágrima escorreu por sua face.
— Não vamos falar disso agora, o importante é que ele está bem —
mamãe garantiu, segurando as mãos dela.
Em quase quatro anos de casamento, eu nunca presenciei qualquer cena
parecida entre minha mãe e Catherine, no entanto, a simpatia de Julie por
Elizabeth foi instantânea desde que se viram pela primeira vez.
Liz cumprimentou meu pai e apenas acenou para mim, parecendo
desconfortável. Mas logo deixou isso de lado quando os médicos chegaram
para nos informar sobre a recuperação de Colin. Enquanto todos escutavam
com atenção, mamãe os interrompia, fazendo perguntas aleatórias o tempo
todo.
A certo momento, Liz e eu trocamos olhares cúmplices, ela entendia
que mamãe seria uma avó leoa, daquelas que faziam de tudo pelos netos.
Após essa conversa, fomos todos para o quarto, onde Colin ainda
dormia.
Consuelo, que havia permanecido ao lado dele, se levantou para nos
cumprimentar.
Ela e Liz se abraçaram e logo depois a senhora pediu licença para ir
tomar um café, mas desconfiei que queria apenas nos dar alguma privacidade
com o menino.
— Ele é a coisa mais linda desse mundo — disse mamãe, emocionada.
Eu podia imaginar como meus pais estavam se sentindo. O primeiro
contato que tive com meu filho foi a coisa mais emocionante que senti na
vida. Foi indescritível ver seus olhos, tão parecidos com os meus, tocar sua
mãozinha.
Mas tudo se intensificou quando ele acordou e pude interagir com
aquele pequenino. Mal podia esperar que ele sarasse, seria incrível.
— Concordo — disse Liz.
Enquanto Colin não acordava, Liz perguntou se mamãe não queria ver
as fotos que tinha em seu celular.
A cada foto seu rosto se iluminava, ela ria, chorava, levava as mãos a
boca e fazia todas as expressões de amor e felicidade que lhes foram tiradas
por não ter tido a chance de conviver com o neto.
Com certeza essa seria a parte mais difícil de superar, pois nem nosso
dinheiro ou influência conseguiria comprar o tempo perdido, os sorrisos, as
primeiras vezes e todo o amor que Colin não teve de nossa parte.
Era triste pensar que tudo isso aconteceu porque eu decidi lutar pela
presidência dos Estados Unidos. Jamais imaginei que a realização de um
sonho anularia a chance de viver com meu filho.
Se eu tivesse continuado apenas como CEO das indústrias Stone, não
haveria conspiração, Elizabeth não teria ido embora, e nada dessa merda
estaria acontecendo.
Sempre que constatava esses fatos, sentia-me colérico, com sede de
vingança. Por outro lado, ficava ainda mais empenhado em descobrir quem
estava por trás de tudo isso.
Após minha noite com Harry, eu fiquei completamente confusa e
envergonhada, mas as coisas ficaram muito piores quando acordei e não o
encontrei ao meu lado.
Aquela não era uma atitude do Harry Stone que eu conhecia e seria
hipocrisia dizer que não me importei.
Então, quando cheguei ao hospital e vi seus pais, senti certo alívio, não
queria ficar sozinha com ele, pelo menos por enquanto.
E ele parecia se sentir da mesma forma, pois estava muito silencioso.
Enquanto o médico nos explicava todos os detalhes relativos ao quadro
do nosso filho, nós trocamos muitos olhares, mas não passou disso, era como
se houvesse um grande urso polar hibernando no meio da sala e ninguém
quisesse tocar no assunto para não o acordar.
Era uma tortura vê-lo tão lindo, tão perto, e fazer de conta que não me
afetava.
Depois da atualização, fomos todos para o quarto de Colin. O médico
havia falado que a partir de agora ele ficaria mais tempo acordado, pois já
tinham começado a diminuir a dose da medicação que o deixava sonolento.
Consuelo, que estava sentada ao lado da cama, se levantou para me
abraçar assim que entrei. Ela ficou um pouco sem graça com Harry, mas
parecia bem familiarizada com Julie. Eu até podia imaginar o quanto foi
bombardeada de perguntas durante a noite.
Quando ela saiu para tomar café, perguntei se Julie queria ver fotos do
neto e ficamos analisando cada uma delas.
Vários minutos se passaram até Colin acordar.
— Mamãe — chamou ele choroso.
— Oi, meu amor. — Aproximei-me, segurei em sua mãozinha e
depositei um beijo em sua cabeça.
Colin bocejou e parecia um pouco sonolento, mas àquela altura eu já
sabia que era normal.
— Quem é? — ele perguntou baixinho olhando para além dos meus
ombros.
— Venham, deixe-me apresentá-los.
Romeo e Julie tinham passado a noite no hospital, mas ainda não
tinham tido a chance de falar com o neto e dava para ver o misto de euforia e
nervosismo que emanava deles.
Quando se aproximaram Colin os observou de cara fechada.
— Estes são a vovó Julie e o vovô Romeo, eles são os pais de Harry,
seu pai, lembra? — perguntei, pois sabia que o efeito da medicação o deixara
bem desligado nos últimos dias.
Colin o encarou e não disse nada, então Julie se aproximou
— Como vai, mocinho, eu ouvi falar muito de você essa noite e fiquei
sabendo que você tem um cachorro lindo.
Ele arregalou os olhinhos e sorriu para ela.
— Lion — ele respondeu baixinho ao comentário dela que ficou
radiante por ter conseguido aquela primeira interação.
Aproveitando a deixa, Romeo perguntou quando eles poderiam
conhecer o cachorro e Colin começou a falar, mas depois de alguns minutos
acabou bocejando e interrompendo a conversa. Ele ainda estava um pouco
aéreo e agradeci mentalmente por isso estar chegando ao fim, não queria mais
que meu bebê ficasse naquele estado.
— Mamãe, quelo um donut.
Soltei uma risada daquelas ao pedido dele. Parecia que alguém estava
mesmo melhorando.
— Donut? — Harry perguntou.
— Sim, seu filho é um viciado em donuts, bolos, doces, enfim, tudo
que tem açúcar.
Harry voltou a encarar Colin.
— Eu conheço um lugar que tem os melhores donuts do mundo.
Colin arregalou os olhinhos e olhou para mim.
— Podemos agola? Tô com fome.
Mais uma vez sorrimos do jeitinho infantil com que ele falou.
— Você não pode comer doce agora, que tal tomar um pouco de água?
— ofereci.
— Num quelo água, quelo donuts — ele resmungou.
— Meu amor, já, já você vai comer tudo que quiser, mas precisa se
recuperar primeiro.
Harry observava nossa interação, encantado com o pequeno e genioso
comedor de donuts que eu tinha em casa.
— O que você mais gosta de fazer, Colin? — ele perguntou e o filho
ficou pensativo.
— Vê desenho e comê donuts.
Harry gargalhou, como se aquilo fosse uma coisa de outro planeta. No
entanto, era isso que a maioria das crianças daquela idade gostava de fazer.
Comer e assistir desenho.
— Quando você sair do hospital nós iremos até lá. Quer ir comigo? —
Harry perguntou e mais uma vez Colin abriu um sorriso.
— Quelo.
— Então está combinado.
— Cobinado — confirmou.
Colin sorriu para Harry e a troca de olhares deles quase me matou de
amor.
Ele ainda não entendia o que significava ter um pai, pois o mais perto
disso que teve foi Benito, mas eu acreditava que os dois se dariam muito
bem, pois a carência de filho seria suprida pelo excesso de amor e cuidado
que Harry não pôde dar nos seus primeiros anos.
Olhei para trás e vi Julie babando no neto.
— Ele é tão parecido com Harry, chega a ser assustador — ela
comentou enquanto pai e avô falavam com Colin.
— Sim, eles são muito parecidos em várias coisas.
— Liz, Colin deve receber alta nos próximos dias e gostaríamos muito
que vocês ficassem conosco em Nova York depois que o médico liberasse.
Seria uma ótima oportunidade de recuperarmos o tempo perdido e um prazer
para mim poder te ajudar nos cuidados com ele.
Mesmo com tudo o que fiz, Julie Stone estava sendo mais gentil
comigo do que minha mãe foi a vida toda.
Ela não me constrangeu, muito menos julgou e eu estava imensamente
agradecida por ser esta pessoa tão maravilhosa.
No entanto, esse convite me deixaria ainda mais próxima da família de
Harry, e não sei o quanto isso seria bom, quer dizer, eu era a mãe do filho
dele, mas ele era casado com outra pessoa. Sendo o casamento dele autêntico
ou não, eu era a intrusa ali.
— Seria maravilhoso e Colin iria gostar muito, mas eu preciso pensar a
respeito.
— Claro, e não se sinta obrigada a aceitar. Foi só uma ideia mesmo.
— Vou pensar com carinho — prometi.
Julie e Romeo ainda almoçaram conosco, mas logo depois que Colin
dormiu, eles se despediram com a promessa de voltar cedo no dia seguinte.
No momento em que eu e Harry ficamos sozinhos, imaginei que fosse
tocar no assunto da noite anterior, então me sentei e fiquei folheando uma
revista enquanto ele falava com Lexy ao celular. Porém, para minha surpresa,
não foi o que aconteceu.
— Tenho que voltar à Casa Branca, mas qualquer coisa pode me ligar
— avisou.
— OK, mas acho que vai ficar tudo bem.
Ele assentiu e ainda hesitou por alguns segundos, mas depois se foi.
Eu sabia que era um homem ocupado e que sua vida tinha se
transformado em uma loucura nos últimos dias, mas, poxa! A gente tinha
transado, muito, passado a noite juntos e ele não falou nada!
Era como se aqueles momentos não tivessem feito a menor diferença
para ele e isso me deixou péssima.
Por volta de 14h, Zara chegou.
Nós havíamos nos falado no dia anterior e ela ficou consternada pelo
que aconteceu, mas muito animada por saber que estávamos na cidade e
garantiu que iria nos visitar. Eu fiquei imediatamente feliz, seria ótimo ter
alguém em quem eu confiava para conversar, uma vez que Stella passaria o
dia fora.
Ela ia aproveitar que estava na cidade e iria visitar Freddy e Luna. E
embora também estivesse com muita saudade deles, pedi que não falasse
nada a respeito de mim ou de Colin. Eu sabia que eles não tinham nada a ver
com o que aconteceu e não trairiam nossa confiança, mas quanto menos gente
soubesse sobre nós, melhor
— Então, essa era a carta que tinha na manga! Você estava com o jogo
na mão o tempo todo, hein — ela brincou enquanto olhava para Colin.
— Deve estar pensando que sou uma bruxa por tê-lo escondido por
tanto tempo.
Ela fez que não com a cabeça.
— Muito pelo contrário, Liz, fui criada em um orfanato, sem o amor
dos meus pais e sei valorizar uma mãe, ou pai, que arrisca tudo para proteger
um filho. Eu nunca te falei isso, e nem vou entrar em detalhes agora, mas eu
conheci meu pai há alguns anos, e mesmo me explicando o porquê de ter me
colocado em um orfanato, eu não o perdoei. Apenas quando me tornei mãe
foi que consegui entender as atitudes que tomou e pude fazer as pazes com
ele, então, jamais irei julgá-la, ninguém tem esse direito.
No dia em que fui jantar em sua casa, Zara havia me contado que tinha
crescido em um orfanato, mas eu não imaginava que havia conhecido o pai e
nem que não se davam bem, mas estava feliz por saber que eles tinham se
acertado.
— Obrigada por isso — afirmei com olhar de gratidão.
— Pra mim é fácil, eu faria a mesma coisa pelos meus — afirmou,
passando a mão na barriga proeminente.
Zara havia me falado que estava esperando uma princesa e que o
garotinho que ela e Blake haviam adotado, estava mais ansioso para conhecer
a irmã do que eles próprios e não falava de outra coisa.
— E quanto a você e Harry, como estão? — ela finalmente perguntou e
eu corei antes de desviar o olhar.
— Ah, meu Deus! Não acredito que já caiu na lábia dele.
Afastei-me da cama e fui me sentar no sofá, não queria que Colin
acordasse no meio daquela conversa.
— Pode começar a contar — exigiu, sentando-se ao meu lado.
— Foi só uma noite, Zara, não irá se repetir.
Ela revirou os olhos e suspirou.
— Olha só, Liz, eu torço por vocês dois, acho que deviam estar juntos
desde o início, mas as coisas têm que acontecer no tempo certo. Se você
baixar a guarda agora, Harry poderá entender que vai poder ter tudo que
sempre quis, sem precisar prescindir nada.
Óbvio que Zara está certa. Você é que é burra, Liz. Burra, burra,
burra.
— Tem razão, foi um momento de fraqueza.
— Acho que eu já te falei isso, mas antes de ser esposa de Blake, eu fui
amante dele, é uma longa história, mas o que interessa agora é que houve
uma época em que Blake teve que decidir entre mim e a política, o que o
obrigaria a continuar com a esposa; eu sabia que ele me amava, mesmo assim
ele me deixou. Foi a fase mais triste e difícil da minha vida, eu achei que
fosse morrer. E ainda que no caso de vocês exista um filho, nós não sabemos
como funciona a cabeça desses homens que são movidos pelo poder, então,
seja cautelosa.
Em poucas palavras Zara disse tudo que eu precisava ouvir.
— Na hora eu me senti especial, sabe, mas quando eu acordei, estava
sozinha e mesmo quando nos encontramos, ele sequer tocou no assunto.
Ela torceu a boca de um lado para o outro e me encarou.
— Liz, eu poderia ser a amiga que vai te iludir dizendo que as atitudes
de Harry não refletem seu caráter, mas você precisa saber que ele não é o
mesmo cara que conheceu anos atrás, o que vou te falar agora pode magoá-la,
mas a fará forte.
— Como assim?
— Harry está acostumado a ter casos. Nos últimos anos ele teve várias
amantes.
— O quê? Mas e a Catherine?
— Faz vista grossa, é claro. — Ao ver minha incredulidade, Zara
explicou: — Quando eu te disse que o casamento deles era uma farsa, quis
dizer literalmente. Eles tentaram fazer dar certo no início, mas são
incompatíveis como casal. E para ambos está tudo bem. O desejo de Harry
era ser presidente e de Catherine, primeira-dama. Quando os dois
conseguiram o que queriam, eles focaram em desempenhar seus papeis com
perfeição. Harry irá para os livros de história como um dos melhores
presidentes americanos e Catherine, como uma das mais amadas primeiras-
damas. E contanto que ninguém tente usurpar seu lugar, ela não vai se
importar. Então, tome cuidado para ele não a transformar em algo de que
você possa se arrepender depois.
Engoli a saliva que parecia entalada em minha garganta e tentei não
transparecer toda a surpresa que sentia.
Jamais imaginei que ele traísse Catherine, aliás, achei que ele tivesse
tantos valores que seria incapaz de trair qualquer mulher e saber que havia se
transformado naquilo, me enojava e entristecia.
— Fique tranquila, vou levantar os muros novamente e Harry não vai
mais me usar.
— Ei, as coisas não são assim. Em primeiro lugar, eu não acho que ele
a tenha usado. Harry ainda a ama e é natural que quisesse matar a saudade
que estava sentindo, mas isso não quer dizer que você tenha que deixar as
coisas irem para esse lado. Em segundo lugar, não o julgue tão duramente.
Sei que foi escolha dele se casar com Catherine mesmo sem gostar dela, mas
não acredito que o fez pensando que a parte romântica e sexual seria tão
frustrante. Infelizmente, para os homens, abstinência é algo quase impossível
e chegou uma hora que ele não aguentou mais. Além disso, não acredito que
Cathy seja uma santa. Eu nunca ouvi nada a respeito, mas não coloco minha
mão no fogo.
Eu assenti, mas quando fiquei sozinha, uma tristeza enorme me invadiu
por saber que aquela noite tinha sido especial apenas para mim, já que Harry
estava bem acostumado a ter sexo fora de casa.
Mesmo ouvindo o que Zara falou, senti-me usada, enganada e estava
terrivelmente arrependida.
Eu passei por cima de vários princípios quando permiti que Harry me
seduzisse, apenas para descobrir que, para ele, dormir com outra mulher não
era nenhuma novidade.
Agora fazia sentido o jeito frio como me tratou.
Mas eu não me deixaria abalar. Ainda que tivesse caído em tentação e
amado cada segundo, não era nenhuma bobinha que iria morrer de amores
por um homem que já não era mais o príncipe encantado que eu tanto
idealizei.
DIAS DEPOIS...

Colin finalmente havia recebido alta hospitalar e eu não poderia estar


mais aliviado e... feliz. No dia em que os médicos confirmaram que ele
poderia ir para casa, foi uma grande alegria para todos nós.
Embora tenha sentido que para meus pais, essa sensação tenha sido
agridoce. Assim que os conheceu, Colin ficou desconfiado, afinal, era tudo
muito novo para ele, mas bastou mamãe aparecer com um iPad cheio de
distrações no dia seguinte para que ganhassem de vez sua confiança.
Mas não apenas isso, o entretenimento o manteve na cama, como
recomendado, e mamãe adorava passar horas ao seu lado, procurando
desenhos e instalando jogos educativos.
O problema era que ali, apesar de ser um hospital, Julie Stone tinha
livre acesso, agora, mesmo que todos ficassem na Blair House, a liberdade
não era a mesma. E como Elizabeth ainda não tinha decidido se iria, ou não,
passar uns dias em Nova York, os dois teriam que se contentar com visitas
esporádicas.
A transferência dele foi feita à noite e com toda a discrição possível.
Isso me incomodava; Colin era meu filho e nem por um momento eu o
esconderia se as circunstâncias não nos obrigassem.
Eu esperava que esse tormento acabasse logo, para que pudesse curti-lo
como ele merecia.
Pensar nisso me fez lembrar de Catherine. As coisas entre nós estavam
bem instáveis naquele momento. Eu me sentia um pouco sem paciência e ela
parecia desconfiada por causa da minha ausência diária.
O assunto adoção voltou a ser pauta, mas, dessa vez, sem muita
diplomacia, ela parecia meio desesperada e aquilo me preocupou um pouco,
seria um baque descobrir que eu já tinha um filho com outra mulher.
Em vez de me desgastar com algo que não poderia ser remediado,
resolvi concentrar minha atenção no trabalho. Havia muita coisa atrasada
uma vez que só consegui focar melhor nos compromissos agendados depois
da alta de Colin, todavia, dei graças a Deus por Lexy ter conseguido
desmarcar qualquer reunião ou evento fora da Casa Branca, queria aproveitar
cada momento disponível para ficar com meu filho.
Meu filho... Meu herdeiro.
Apenas naquele momento me dei conta da grandiosidade daquilo, de
que agora eu tinha alguém a quem passar meu legado.
Mas será que ele iria querer cuidar dos negócios da família ou teria
mais aptidão ao que se referia à arte, como Elizabeth?
Lembrar dela me deixava inquieto. Desde o dia seguinte à noite em que
dormimos juntos, ela vinha me tratando com frieza. Não chegava a ser
indiferente, talvez porque sempre nos tratávamos bem na frente de Colin, mas
não havia mais o calor do início.
Eu não sabia se ela estava arrependida de ter cedido ou se sentindo
culpada por ter dormido com um homem casado. Por várias vezes tentei
perguntar, mas ela sempre dava um jeito de fugir ou permanecer ao lado de
outras pessoas, o que me impossibilitava de tocar no assunto.
Só que agora ela estaria na Blair House e uma hora ou outra teria que
falar comigo, já que daria um jeito de visitar meu garoto todos os dias.
Lexy entrou no Salão Oval interrompendo meus pensamentos e ficou
me observando com os olhos brilhando de contentamento.
— Você mal consegue disfarçar a cara de pai bobo.
— Ele é um garotinho incrível, Liz fez um ótimo trabalho.
— Imagino que sim. E quando vai contar à Catherine?
Essa foi a pergunta que eu mais escutei das pessoas ao meu redor.
A única que não se pronunciou foi Elizabeth, exceto por aquela vez, na
noite em que ficamos juntos.
— Preciso conversar com ela ainda essa semana — sentenciei.
Se eu não contasse logo, ela acabaria descobrindo por meio de alguma
das pessoas que trabalhavam para nós e isso seria um desastre.
— Vai ser uma confusão dos infernos — prenunciou Lexy. — Quero só
ver de quantos extintores vou precisar para apagar os incêndios que vão
surgir.
Era verdade. Eu tinha certeza de que as coisas não se resolveriam muito
facilmente, mas era só pensar no rostinho de Colin sorrindo que uma coisa
apertava dentro de mim.
— Eu sei, mas somos especialistas em apagar incêndios.
Lexy levantou as mãos para o alto e depois voltou a me encarar.
— E por falar nisso, como estão as coisas com Elizabeth?
— Passamos uma noite juntos, mas depois disso ela levantou todas as
barreiras.
— Então seguiu meu conselho — falou, toda cheia de si.
— Não foi de caso pensado. Eu só... não sei o que acontece comigo
quando estou perto daquela mulher.
Lexy revirou os olhos.
— Você ainda é mortalmente apaixonado por ela. Juntando isso às
circunstâncias em que foi embora e a descoberta daquele lindo garotinho de
olhos azuis, posso concluir que ela voltou para o pedestal de onde a tinha
tirado.
— Você pode ter razão, mas Elizabeth mudou, está mais confiante,
mais forte, decidida, gosto disso, da forma como olha para mim agora.
— Eu percebi isso. Mas imagine tudo pelo que ela passou nos últimos
anos, criando um filho sozinha, mesmo sabendo que o pai estava a alguns
quilômetros de distância. Depois disso ela, com toda certeza, ganhou minha
admiração.
— Sim, ela foi muito forte, é preciso ter muita coragem para renunciar
a tudo como fez.
Antes de descobrir sobre o acidente de Colin, havia uma grande revolta
em mim com relação às decisões tomadas por Elizabeth, só que agora eu
conseguia entender cada uma delas e também a admirava por ter feito o que
fez sem a presença do pai de seu filho ao lado.
— Lexy, nos dê licença, por favor, preciso falar com meu marido —
disse Catherine ao entrar repentinamente no Salão Oval.
Imaginei que deveria ser importante, pois ela jamais faria esse tipo de
coisa se soubesse que eu estava com alguém.
— Claro, depois terminamos esse assunto — Lexy falou e passou por
Catherine que tinha os olhos fixos nos meus.
— Quanto tempo iria demorar para me dizer que sua nova amante é
nada mais nada menos que Elizabeth Reagan e que você ainda teve o
disparate de hospedá-la na Blair House, junto com uma criança?
Droga, ela já sabe.
Isso não deveria ter me espantado, Catherine sempre dava um jeito de
ficar por dentro de tudo que estava acontecendo pelos corredores da Casa
Branca e isso se estendia a nossa casa de hóspedes.
— Em primeiro lugar, ela não é minha amante, eu iria conversar com
você essa semana, mas os fofoqueiros de plantão me pouparam desse
trabalho.
— Pelo amor de Deus, Harry, você está prestes a oficializar sua
reeleição, tire-a de lá antes que essa informação vaze à imprensa.
Imaginei que esse seria o principal motivo de seu nervosismo.
Catherine não suportaria a ideia de perder o cargo de primeira-dama.
— Eu não posso tirá-los de lá, não por enquanto.
— Como assim, não pode? Você é casado, vai manter uma ex-
namorada na Blair House até quando?
— Até quando eu achar necessário.
Ela grunhiu e cerrou as mãos em punho.
— Você tem ideia do risco que estamos correndo? Depois do tanto que
lutamos para chegar até aqui, você vai jogar tudo para o alto por causa de
uma ex-namorada?
— A criança que está hospedada com Elizabeth é meu filho — assumi,
pois se Catherine descobrisse por outra pessoa seria pior.
Ela estreitou os olhos e ficou me encarando com menos surpresa do que
imaginei.
— Não acredito que você caiu no velho golpe da barriga, pelo amor de
Deus, não seja tão bobo.
A negação era o primeiro sentimento que atingia alguém que se
recusava a aceitar a realidade e era exatamente isso que estava acontecendo
com Catherine.
— Eu não tenho nada de bobo, Catherine, a primeira coisa que fiz foi
pedir um teste de DNA, ele é mesmo meu filho e eu não vou deixar que nada
de mau lhe aconteça. Por isso, você está proibida de perturbá-los, eles
passaram por uma experiência traumática e tudo o que precisam é de um
pouco de paz.
Por não saber quem estava envolvido no atentado de Colin, preferi não
entrar em detalhes com Cathy, mas era bom ela saber que ele estaria
protegido de todo tipo de coisa, inclusive de seus comentários maldosos.
— Você joga essa bagagem no meu colo e age como se não fosse nada?
Nós somos casados, Harry, as pessoas clamam para que aumentemos a
família e agora você me diz que teve um filho fora do casamento. É demais
para mim.
— Primeiramente, quando eu e Elizabeth namoramos, eu sequer
cogitava ter qualquer coisa com você, mesmo que por conveniência. Em
segundo lugar, eu não sabia da existência dessa criança até poucas semanas
atrás, então, não me venha com este discurso. Quando nós nos casamos, eu
não lhe prometi filhos. E em terceiro lugar, não precisa ficar tão nervosa, eu
ainda pretendo me reeleger, então, ninguém irá tirar seu cargo tão amado.
Catherine me encarou com olhos serrados para então sair da sala
bufando de raiva.
Suspirei. Imaginava que não deveria ser fácil ver seu sonho sendo
realizado por outra pessoa, ainda mais alguém por quem ela tinha profunda
aversão, mas não era culpa de ninguém. Também não era culpa de ninguém
que em certo momento ela tenha resolvido mudar o jogo, então, ou ela se
conformava ou desistia do cargo que sempre quis e ia atrás de alguém que
bancasse seu sonho, porque esse alguém não era eu.
Antes de voltar ao trabalho pedi a Lexy que reservasse um horário com
Elizabeth para que eu pudesse visitar Colin no fim do dia. Aproveitaria para
conversar e decidir onde eles ficariam, já que a Blair House não poderia ser
seu endereço para sempre. Ainda mais agora, com Catherine sabendo de
tudo.
Assim que chegamos à Blair House, Colin estranhou o ambiente e
reclamou um pouco, mas depois de dois dias já estava bem mais tranquilo, e
tudo melhorou ainda mais quando Stella chegou. Assim que a viu, seu rosto
se iluminou e ele ficou grudado em sua Estelita.
Eu e ela também matamos a saudade e tiramos alguns atrasos, apesar de
não haver muito o que conversar, uma coisa era certa: nenhuma de nós via a
hora de poder retomar nossa rotina.
Contudo, para que isso acontecesse, era necessário que Daniel
acordasse e Harry descobrisse quem estava por trás do acidente de Colin.
— Como estão as coisas entre vocês? — Stella perguntou, se referindo
a Harry, enquanto Colin pintava gravuras no tablet que ganhou da avó.
Após minha conversa com Zara, não mostrei mais os dentes para o pai
do meu filho. Sentia-me agradecida por todo suporte que ele estava nos
dando, mas isso não mudava minha decepção em saber que ele havia se
transformado naquele tipo de homem.
— Tranquilas. Ele está fazendo a parte dele e eu, a minha.
Eu não havia falado para ela sobre a nossa noite, tinha tanta coisa para
pensar naquele momento que não queria minha melhor amiga me
incentivando a correr atrás de um homem casado.
— Com licença, senhorita, há alguém que deseja vê-la — um segurança
que eu não conhecia me avisou após bater à porta.
— Só um momento — pedi me virei para Stella: — Você toma conta
dele pra mim?
— Claro.
O segurança me guiou até o fim do corredor e abriu a porta de um
escritório para que eu entrasse.
Catherine estava minha espera.
Então ela já sabe que estou aqui, pensei, contrariada.
Como de costume usava uma de suas roupas elegantes com um
penteado de acordo.
— Antes que fale qualquer coisa, quero que saiba que não estou aqui
atrás do seu marido — me antecipei.
— Você pode enganar Harry com essa sua carinha de sonsa e esse
bastardo, mas a mim você não engana.
Imaginei que ela ficaria furiosa quando soubesse da verdade, mas
chamar meu filho de bastardo foi um pouco demais.
— Ao invés de me atacar, deveria agradecer, se eu não tivesse mantido
esse “bastardo” escondido, seu mundinho perfeito de primeira-dama já teria
desmoronado.
Catherine estreitou os olhos e me encarou com todo ódio que sentia,
mas depois seu olhar abrandou como se soubesse que não adiantava ficar me
atacando.
— Então porque voltou? O que você quer?
— Nada no sentido que você está insinuando. A única coisa que eu
quero é que meu filho tenha um pai.
Ela quase deu um sorriso debochado, como se eu estivesse falando uma
grande asneira e continuou:
— Harry não vai desistir da reeleição, se fosse, já o teria feito assim
que descobriu a existência dessa criança, e eu também não vou abrir mão
dele, nem da vida que construí, então, ou você volta para o buraco de onde
saiu, ou começa a se acostumar com a ideia de se tornar amante de um
homem casado... O filho bastardo você já tem.
A ideia de que Harry poderia me propor esse tipo de coisa fez meu
estômago revirar e me tirou do sério.
— Prefiro continuar criando meu filho sozinha a me sujeitar a esse
papel.
Ela deu um sorriso cínico.
— Então vá embora, você não pertence a esse mundo e nunca
pertencerá. Eu, por outro lado, sou amada pelo povo americano, há milhões
de pessoas aí fora que tomariam minhas dores de esposa traída; todos
rechaçariam você e seu filho, já que para todos os efeitos ele será visto como
fruto de uma traição, por isso, desista do que quer que esteja passando por
essa cabecinha e suma daqui!
Catherine nunca me enganou, mas a crueldade em suas palavras me
deixou paralisada. Que mulher venenosa! O ódio que escorria a cada palavra
deixava nítido o quanto ela amava aquele universo cheio de poder.
— Eu não preciso ficar aqui escutando esse monte de besteira, com
licença.
Eu poderia entrar no jogo e falar umas boas verdades em sua cara, mas,
sinceramente, não tinha energia para travar uma batalha com a mulher de
Harry, eles que se entendessem. Então virei as costas e fui saindo.
— Pense muito bem no que vai fazer, Elizabeth, aqui em Washington
tudo gira em torno de poder, e entre nós duas, quem tem o poder nas mãos
sou eu. Não me desafie ou haverá consequências.
Parei no lugar ao escutar aquela ameaça.
Catherine sempre figurou em meus pensamentos como uma possível
mandante de tudo que tinha acontecido comigo, mas, pela primeira vez, ela
me deu motivos reais para acreditar que estivesse envolvida.
Sem olhar para trás, voltei a caminhar e peguei o corredor que me
levaria de volta à suíte. Não queria que ela enxergasse em meus olhos o
quanto aquela conversa me deixou desconfiada, temerosa e magoada.
Quando cheguei ao quarto, Colin já estava tirando seu cochilo da tarde.
Stella apenas esperava meu retorno para poder voltar ao hospital e saber
notícias de Dan.
Achei ótimo, não queria relatar aquela conversa ainda.
Mas enquanto meu pequeno dormia, fiquei remoendo as palavras de
Catherine. Ela falava como se não se importasse com Harry, mas tão somente
com seu cargo de primeira-dama que, em sua cabeça, estava ameaçado.
A ideia de que Zara estava certa quando disse que eles haviam se
casado apenas por interesse me incomodava. Era triste saber que o casamento
se resumia a uma encenação.
Mas essa teoria ganhava força sempre que me lembrava da noite que
tivemos. Harry estava entregue demais. Sedento demais, não se parecia em
nada com um homem satisfeito sexualmente.
Toda aquela conversa me deixou tensa e minha vontade era entrar
embaixo do chuveiro para que a água quente relaxasse um pouco meus
músculos. Mas eu estava tão desconfiada, que não conseguia deixar Colin
sozinho nem para ir ao banheiro tomar um simples banho.
Por sorte Harry não demorou a chegar.
Eu o recebi com a mesma cordialidade de sempre e tentando não
demonstrar o nervosismo que me assolava toda vez que o via passar por
aquela porta.
Ele se sentou na poltrona ao lado da cama e ficou observando Colin
dormir.
— Você fica com dele para que eu possa tomar um banho? Ele às vezes
rola da cama.
— Claro, vai lá.
Assenti e peguei minhas coisas na mala para depois me trancar no
banheiro.
Enquanto a água escorria por meu corpo, foi impossível não me
lembrar que ele estava do outro lado da parede, com isso, veio a noite que
tivemos juntos, a forma como me tomou, a virilidade que emanava dele, as
investidas vigorosas...
Senti meu coração acelerar e no mesmo instante espantei aqueles
pensamentos, não faria bem à minha sanidade ficar remoendo aqueles
momentos.
Após o banho, coloquei um jeans e um suéter confortável.
Quando saí, Colin continuava dormindo e Harry mexia no celular.
— Tem um minuto? — perguntou, olhando para mim.
— Pode falar.
Ele se levantou, guardou o celular no bolso e se aproximou.
Tive vontade de suspirar em apreciação, Harry era lindo demais.
— Nós tínhamos várias teorias sobre as motivações do atentado a
Colin, mas chegamos à conclusão de que a probabilidade é de que tenham
sido as mesmas pessoas que te ameaçaram no passado. Agora, os
responsáveis pela investigação estão trabalhando com a hipótese de que pode
haver alguém infiltrado na segurança.
Aquilo me assustou e na mesma hora olhei para a porta, como se a
qualquer momento um dos homens de preto que a guardavam fosse entrar
para nos matar.
— Calma, os homens que estão fazendo a segurança de vocês foram
escolhidos a dedo por Zed e estão limpos. A suspeita é de que haja um traidor
entre os que fazem a minha segurança e a de Lexy, já que apenas nós dois
tivemos acesso à sua casa.
— Mas o que você vai fazer? E se eles...
— Não se preocupe. Eu valho muito mais vivo do que morto, então,
estou a salvo. Os únicos que sabem a respeito da investigação são Zed,
Snyder e Lexy, ninguém mais. Se continuarmos sendo discretos, vai ficar
tudo bem.
Assenti, mas minha preocupação não diminuiu. Não obstante, ele
estava certo. Tudo o que fizeram foi para que chegasse ao cargo mais alto,
não teria por que lhe fazerem mal se o objetivo era que Harry se reelegesse.
— Além disso, nesse exato momento, uma equipe do FBI está prestes a
invadir a casa de um suspeito. Se o pegarmos, o restante dos nomes vai
aparecer.
Fiquei imaginando que tipos de meio essas pessoas usavam para extrair
informação.
— Não vejo a hora de todo esse pesadelo acabar.
— Eu também — concordou.
Quando o silêncio se estendeu, pensei em pedir para ele ir embora; sua
presença me deixava agitada, mas aí me lembrei da visita de Catherine e de
como foi humilhante e resolvi lhe contar.
— Sua esposa esteve aqui pouco antes de você chegar. Não sei se isso é
possível, mas não gostaria mais de receber as visitas dela.
Harry puxou o ar com bastante força, não havia ficado muito feliz com
aquilo.
— O que ela queria?
— O de sempre: destilar seu veneno. Após dizer que eu só serviria para
ser sua amante, chamou meu filho de bastardo.
A boca dele se crispou em desgosto e seu rosto ficou vermelho,
indicando que estava com raiva. Era isso mesmo que eu queria, que ele
ficasse tão colérico quanto eu.
— Peço desculpas por ter escutado esses absurdos, vou cuidar
pessoalmente para que ela não coloque mais os pés aqui.
— Não acabou. Catherine fez questão de deixar claro o quanto era
amada pelo povo americano e que meu filho seria hostilizado por ser fruto de
uma traição. Eu não sei que tipo de coisa acontece com as pessoas aqui em
Washington, mas ela precisa se tratar, está completamente louca.
Harry demorou um tempo para digerir tudo aquilo. Era nítido em seus
olhos que estava enojado pelas palavras de Catherine.
— Pelo visto, essa conversa foi bem ácida — falou entredentes.
— Ah, sim, bastante. — E já que começamos o assunto, decidi me
posicionar sobre sua reeleição. — Ela também comentou que você jamais
desistirá da campanha por causa do seu filho, então vamos esclarecer
algumas coisas. Eu, sinceramente, não me importo se você vai ou não se
reeleger, mas quero que saiba que não manterei Colin escondido. Já foi
comprovado que ele tem seu sangue, que ele é um Stone, então, se quiser
continuar com sua reeleição, é um direito seu, mas eu não vou mais me
esconder; assim que essas pessoas forem presas, vou parar de me importar
com o que seus eleitores ou a imprensa falarão.
Harry me lançou um olhar demorado, e juro que quase vi o esboço de
um sorriso quando finalizei meu pequeno discurso.
— Estou cuidando de uma coisa de cada vez, mas pode ter certeza de
que vou fazer o melhor pelo Colin. Só peço que não se precipite. Quando lhe
falei que tínhamos algumas teorias com relação ao culpado, estava me
referindo à suspeita de que a oposição poderia estar por trás do atentado.
— A oposição, mas... Eu não entendo o que eles ganhariam.
— Se algo acontecesse a Colin às vésperas das eleições, isso talvez me
fizesse angariar votos de pessoas improváveis, mas tantos meses antes, seria
visto mais como um aviso, ou seja, desista ou vamos continuar e aí, qualquer
homem sensato deixaria a campanha para cuidar dos seus. O que quero dizer
com isso é que eu não tenho apenas estes inimigos, Elizabeth. Há pessoas na
oposição que seriam capazes de tudo para estar no poder, além disso, há
donos de empresas que não conseguiram lucrar muito depois que fui eleito,
há países cujas relações conosco não são muito boas e há pessoas que
simplesmente não gostam de mim, e essas são as que mais me causam medo,
então, não foque apenas no que você conhece, há muita gente louca e
vingativa nesse mundo.
Assim que ele terminou, eu estava um pouco atônita, mas ciente de que
tinha razão. Foi ingenuidade de minha parte achar que quando
encontrássemos essas pessoas, nossos problemas estariam acabados.
— Você está certo, eu ainda não tinha pensado de maneira tão ampla.
— Não se preocupe. Quero que se sinta à vontade para falar o que
pensa. Sempre.
Senti que meu rosto corava um pouco com sua resposta. Então, vi sua
mão se erguendo em minha direção até pousar em minha bochecha e começar
a me acariciar de maneira incerta.
— Eu estou com tanta saudade — disse num sussurro, me fazendo
fechar os olhos.
Mas quando senti a mão se movendo para a minha nuca, voltei à
realidade e dei um passo atrás.
— Não! — falei baixo, mas de maneira dura. — Você não vai me
transformar em uma de suas amantes.
Vi seus olhos se arregalarem e sua pele empalidecer um pouco.
— Quem te falou sobre isso? — perguntou depois de se recuperar da
surpresa, com um misto de raiva e frustração na voz.
— Não interessa. O que importa é que eu não sou como essas mulheres.
— Eu nunca a compararia com nenhuma outra mulher.
— Mas transou comigo mesmo estando casado — afirmei,
demonstrando todo o meu arrependimento.
— Eu e você transamos porque quisemos, porque sentimos
necessidade, porque estávamos sedentos um do outro, porque a saudade foi
maior que qualquer moralidade... Em nenhum momento daquela noite eu a
confundi como uma amante, nem ao menos cogitei te pedir isso. O que eu
sinto por você jamais me permitiria tratá-la assim. E ainda que tenha sido
perfeito e que eu a deseje com cada fibra do meu ser, nunca deixaria que
fizesse esse papel.
Mais uma vez senti o rosto esquentar. Era difícil ficar impassível ao
ouvir tudo aquilo. Principalmente porque ele estava certo. Ambos quisemos,
mas se dependesse de mim, não aconteceria mais; não enquanto ele estivesse
comprometido.
— Fala alguma coisa — pediu.
— Fico contente por não ter pensado que eu aceitaria algo assim, mas
isso não significa que a decepção que senti ao ficar sabendo desse lado da sua
vida, vai desaparecer assim. Eu nunca imaginei que você... — calei a boca e
balancei a cabeça. Não queria pensar naquilo e muito menos lhe apontar o
dedo.
— E você acha que eu estou feliz comigo mesmo? Eu cresci vendo
meus pais e avós se amando incondicionalmente e sonhando em ter o que eles
tiveram. Só que acabei perdendo tudo isso por causa de outro sonho e quando
esse sonho, pelo qual lutei tanto, não se mostrou completamente satisfatório,
eu tentei preencher o vazio que ficou com o que encontrei: mulheres e álcool.
É ridículo admitir isso, mas é a verdade.
E, mesmo assim, você ainda quer concorrer à reeleição, pensei, mas
não lhe externaria. Ele teria que tomar essa decisão sozinho. Em vez disso,
falei:
— Eu sinto muito, queria que seu sonho tivesse te trazido mais
felicidade.
— Eu também.
Nós ficamos nos olhando, e quando ele viu que eu não falaria mais
nada, suspirou profundamente e disse:
— Eu queria poder esperar Colin acordar, mas preciso ir, tenho que
resolver algumas coisinhas com a Catherine.
Assenti, ainda aturdida, mas aliviada por termos conversado, aquilo
estava me sufocando.
Harry deu um beijo em Colin, depois me desejou boa-noite e em
seguida saiu do quarto pisando duro.
Eu me sentia frustrado e envergonhado por saber que Liz estava a par
da parte mais medíocre da minha vida. Mas isso não era nada comparado a
raiva que estava sentindo de Catherine.
Mesmo após nossa conversa, ela insistira em desobedecer às minhas
ordens e isso me deixou possesso.
Fui direto para o segundo andar e depois de procurá-la por vários
cômodos, encontrei-a em seu escritório conversando com Duncan Allen.
Ambos ficaram visivelmente surpresos com minha aparição repentina.
— Deixe-nos a sós, Allen — pedi sem me preocupar com gentileza.
— Claro, senhor presidente — concordou e saiu fechando a porta.
Catherine, que me observava de um jeito sereno, se adiantou:
— Quer dizer então que ela foi correndo contar a você? Bom, me poupe
do seu discurso de pai amoroso e protetor.
— Não ouse colocar meu filho no meio de suas loucuras.
— Você deve achar que sou uma pessoa péssima, não é, Harry? Só que
às vezes se esquece de que se eu não estivesse ao seu lado durante todos esses
anos, certamente não teria o mesmo sucesso e reconhecimento. Mas de que
forma me agradece? Jogando tudo que construímos fora por causa de uma ex-
namoradinha do passado.
Eu sabia que seria difícil lidar com Catherine e seu ego desenfreado.
Ser primeira-dama era a coisa que mais amava no mundo e ela se achava
imprescindível.
— Eu sei o quanto ama o prestígio que sua posição lhe dá, o quanto
tudo isso é importante para você, mas nada lhe dá o direito de ofender
Elizabeth daquela forma.
— É, pelo visto não sobrou nada daquela mosca morta do passado.
Quanto mais coisas saíam da boca de Catherine, mais irritado eu ficava.
— Você sabe muito bem os termos do nosso casamento, então, é
melhor engolir essa sua arrogância e ser um pouco mais cordial com as
pessoas, especialmente com a mãe do meu filho.
— Olha o absurdo que está falando! Você me aparece com um filho e
uma ex-namorada, coloca os dois na Blair House e ainda quer que eu seja
cordial?... Nós somos casados, Harry!
— Isso não significa que temos um relacionamento! — fui enfático.
Cathy não era boba e sabia exatamente qual era nosso acordo, então,
que não bancasse a esposa traída.
— Você acha que não sei das suas “puladas de cerca”, das mulheres
com quem dormiu nos últimos anos? Enquanto foi discreto, eu não falei nada,
porque não me interessava com quem dormia, mas não me peça para ficar de
braços cruzados enquanto deixa sua amante a vista de todos os empregados.
Não vou permitir que você faça isso comigo!
Ela estava visivelmente descontrolada. Em sua cabeça, Liz era uma
ameaça ao seu mundo perfeito e isso a estava deixando fora dos trilhos.
— Elizabeth seria incapaz de fazer esse tipo de coisa, diferente de
muitas mulheres, ela tem caráter. Se não tivesse, a história sobre o nosso filho
já estaria na primeira página de todos os principais jornais do país — afirmei
e realmente achava aquilo.
Aquela noite de paixão só aconteceu porque ela estava com a guarda
baixa, tanto que no outro dia todas as suas barreiras estavam levantadas
novamente.
Mas minha querida esposa não podia saber desses detalhes, ou ninguém
mais ficaria em paz.
— Essa mulher já está mexendo com sua cabeça, só falta você me dizer
que vai desistir da reeleição por causa deles — alfinetou com sarcasmo e em
seguida enfiou as mãos nos cabelos, numa atitude meio desvairada.
Definitivamente esse não era um assunto que eu queria discutir, muito
menos com Catherine, que parecia bem instável no momento.
— Eu ainda não decidi o que vou fazer, mas saiba que suas atitudes vão
pesar bastante a partir de agora, por isso, aconselho que fique longe deles.
Ela me encarou com o olhar cheio de raiva, mas não fiquei para escutar
suas lamúrias.
Ao invés de ir para nossa suíte, decidi ir para meu escritório. Dormiria
lá naquela noite para não correr o risco de ter que participar de outro embate.
Depois de tomar uma boa dose de uísque, trabalhei por mais de uma
hora e fui tomar uma ducha no banheiro do escritório mesmo.
Não era inédito, para mim, dormir ali. Precavido, desde a primeira vez
deixei tudo o que precisaria à mão, de itens pessoais ao travesseiro, indo até o
terno completo, que eu pretendia usar quando acordasse.
Apesar de a cabeça estar cheia, acabei dormindo relativamente rápido.
Deus sabia que eu estava precisando.
Embora tenha dormido no sofá, não acordei tão moído quanto imaginei e
após tomar café, desci para o Salão Oval, queria falar com Rurick Czar para
saber se já tinha conseguido alguma coisa.
Após minha secretária passar a agenda do dia, liguei para ele.
— Já usamos todos os métodos possíveis para fazer o cara falar e ele
confessou que, de fato, foi contratado, mas apenas para vigiar a casa e
informar se visse qualquer coisa suspeita. Também disse que foi ele quem
avisou que a criança havia saído e, depois, que você havia chegado lá. Porém,
afirma que foi contratado de maneira anônima, que eles só se comunicaram
por intermédio de telefones descartáveis e não tem ideia de quem seja o
mandante — concluiu.
Estremeci de ódio com sua resposta desanimadora.
— E o que você acha?
Eu tinha uma boa ideia dos métodos que essas agências de espionagem
usavam para extrair informações e não gostava nada deles. Contudo, era da
segurança do meu filho e da mãe dele que estávamos falando, então, não
interferi. A verdade era que se eu pudesse, esfolaria esse filho da mãe com as
próprias mãos.
— Não dá para saber. Ele tanto pode estar dizendo a verdade, como
pode ser um agente muito bem treinado que não revelará nada, mesmo à beira
da morte.
Nenhuma das hipóteses me servia. Suspirei, contrariado com o
desenrolar dessa história, parecia que eles estavam sempre um passo à frente.
— Tudo bem, Czar, mas não matem ninguém. Se tiver alguma
novidade, ligue-me imediatamente.
Frustrado, resolvi trabalhar. O dia estava cheio, o que era bom, talvez
assim, eu conseguisse dissipar um pouco da minha frustração.
Mesmo com reuniões e um almoço com alguns senadores, liguei para
saber de Colin duas vezes. Em ambas Elizabeth garantiu que ele estava bem,
mas prometi que passaria lá mais tarde para vê-lo.
Depois de avançar até o início da noite analisando emendas e assinando
documentos que estavam pendentes em minha mesa, decidi dar o dia por
encerrado.
Catherine ainda não estaria dormindo, mas se ela começasse uma
discussão, eu simplesmente iria para o escritório novamente, ao menos lá, eu
poderia ter um pouco de paz.
Coloquei meu paletó, tomei o restante do uísque que havia me servido e
fui para meu quarto.
Graças a Deus, minha querida esposa não estava lá, isso me causou um
alívio enorme, poderia tomar meu banho e ir ver meu filho sem que ela me
perturbasse.
Saí da área privativa em direção à saída. Minha vontade era ir andando
até lá, mas sabia que isso era impossível, não poderia arriscar que alguém me
fotografasse entrando em minha casa de hóspedes.
Estava atravessando um dos corredores, quando Zed apareceu, o pulso
em frente à boca, mostrando que se comunicava com alguém. Seu semblante
era tenso e mesmo antes de falar comigo, eu já sabia que havia alguma coisa
errada.
— O que houve, Zed?
— Um homem tentou invadir a Blair House.
Estremeci e praguejei só de imaginar Elizabeth e Colin em perigo.
Isso só pode ser um pesadelo.
— Diga-me que conseguiram pegar o infeliz.
— Por sorte, sim, senhor. Ele se vestira como garçom, mas um dos
agentes percebeu que não estava entre os empregados autorizados. O homem
ainda tentou fugir quando viu que havia sido descoberto, só que foi
capturado.
— Estão todos bem?
— Ele está ferido.
— Ferido?
— Sim. Sem ter para onde ir, o idiota ia tentar atravessar uma janela, e
o agente o alvejou na perna.
Nessa hora meu telefone tocou e eu pedi que Zed esperasse.
— Alô.
— Você já soube do que aconteceu? — Liz perguntou.
— Vocês estão bem? O Colin...
— Está assustado, deu para ouvir a movimentação do lado de fora. Ele
quase chegou até nós, Harry — falou aos prantos e meu coração se apertou.
— Eu sinto muito por isso, mas não tenha medo, meus homens estão
por todos os lados, nada vai acontecer a vocês. Eu juro.
— Eu quero sair daqui, nos tire daqui — implorou.
— Eu estou a caminho.
Desliguei e comecei a caminhar em direção ao carro.
Obviamente meu chefe de segurança achou uma péssima ideia eu me
deslocar até lá, tanto ele quanto Zed desconfiavam que poderia haver outras
pessoas infiltradas no prédio.
Eu sabia de tudo aquilo, mas não dava para deixar Elizabeth sozinha
naquele estado. Além disso, continuava convicto com a ideia de que morto eu
não lhes serviria, então, insisti.
Depois de muita discussão, eles pediram para que eu esperasse até que
os agentes fizessem uma busca minuciosa por todos os cômodos e
verificassem cada um dos funcionários, para só então autorizar minha ida,
escoltado por uma quantidade absurda de seguranças.
Ao me receber, Elizabeth tinha os olhos vermelhos e assustados.
Sem conseguir me segurar, fechei a porta e a puxei para os meus
braços, permitindo que chorasse com o rosto apoiado em meu peito.
— Foi horrível, Harry. O tiro soou tão perto que Colin acordou
assustado. Eu achei que, dessa vez, eles conseguiriam chegar até nós —
confessou e voltou a chorar.
Depois de um tempo, Liz se afastou, parecendo um pouco constrangida,
limpou o rosto e seguiu para o quarto onde, graças a Deus, Colin já dormia.
Ele parecia tão pequeno no meio daquela cama enorme e dava para ver
que também tinha chorado.
Isso apertou meu coração. Meu filho era tão novo e já havia passado
por tanta coisa...
— Eu quero ir embora. Essa cidade tem uma energia sombria, parece
que coisas ruins acontecem comigo quando estou aqui — disse ela,
quebrando o silêncio.
— Eu sei que tem suportado muita coisa e não existem palavras no
mundo que possam amenizar a agonia que está sentindo, mas prometo que
vou descobrir quem está por trás disso. O homem que tentou entrar aqui está
sob custódia do Serviço Secreto e, mais cedo ou mais tarde, conseguiremos
algum nome.
— Estou tão exausta. Não suporto mais viver com medo, sinto que
estou voltando a ficar paranoica como no início, quando tinha medo de minha
própria sombra... Não consigo dormir, nem comer direito... Esse pesadelo
tem que acabar, Harry, ou eu não vou aguentar.
Liz realmente estava abatida. Eu tinha notado as olheiras, também
percebi que ela havia emagrecido, mas achei que tivesse a ver com a
preocupação que estava sentindo pelo filho, porém, começava a perceber que
era muito pior. Liz devia estar vivendo em estado de pânico constante,
sempre na expectativa de que uma hora alguém teria sucesso em pegá-los.
— Venha aqui, Liz. — Estiquei o braço em sua direção e ela demorou
para aceitar, mas acabou cedendo e se aninhou a mim.
Sem que ela esperasse, peguei-a no colo e a levei até a cama. Antes de
deitá-la, afastei as cobertas e a depositei ao lado de Colin. Depois de cobri-la,
dei a volta, tirei os sapatos e me deitei, guardando o outro lado do nosso
filho.
— Você precisa dormir, mas dormir de verdade — falei. — Eu ainda
estarei aqui depois que acordar — garanti quando ela continuou me
encarando.
Seus olhos marejaram novamente, mas ela assentiu.
Retirei um lenço do bolso interno do meu paletó, apoiei-me no cotovelo
e enxuguei as lágrimas que escorriam por sua face. Não pedi que ela se
acalmasse. Liz estava precisando extravasar e o mínimo que eu podia fazer
era me colocar à disposição para o que precisasse.
Eu lhe devia isso.
Quando ela se acalmou, voltei a me deitar de lado, mas vi uma de suas
mãos pousar protetoramente sobre as costas de Colin e a cobri com a minha.
Ela estava gelada, mas aos poucos foi esquentando, na mesma medida em
que as feições de seu rosto foram relaxando.
Inconscientemente, ela cruzou os dedos aos meus e eu sentia que, de
tempos em tempos, os apertava, como que para garanti que eu ainda estava
ali.
Suspirei pesadamente. Elizabeth tinha passado por muita coisa nesses
últimos anos e era meu dever cuidar para que incidentes como aquele não
voltassem a acontecer.
Fiquei ali, velando o sono do meu filho e da mãe dele, era incrível que,
em meio a todo aquele caos, eu sentisse um pouco de paz apenas por vê-los
dormindo.
Pelo menos até eu ficar cara a cara com o homem que iria revelar quem
eram os seus mandantes.
Despertei sentindo meu corpo muito mais descansado, mas, aos poucos,
as lembranças da noite tomaram minha mente. Nesse momento, abri os olhos
e dei um pulo.
Colin, pensei, apavorada quando não o vi na cama.
Corri para o cômodo adjunto e estaquei quando vi Harry brincando com
ele no tapete.
Meu coração estava acelerado pelo susto, mas ao ver aquela cena,
começou a se acalmar.
Fechei o robe e esperei que notassem a minha presença, não queria
atrapalhar aquele momento tão lindo entre eles.
Colin foi o primeiro a me ver, uns cinco minutos depois.
— Mamãe! — gritou e no instante seguinte estava indo em minha
direção.
— Oi, meu amor — saudei e o peguei no colo.
Harry se levantou e vestiu o paletó.
— Ele acordou cedo, mas eu queria que você dormisse mais um pouco,
por isso o trouxe para cá.
Flashes da noite anterior pipocaram em minha mente, o barulho de
tiros, o pavor que senti, mas, principalmente, a forma como Harry cuidou de
mim.
Ele percebeu o quanto eu estava exausta e paranoica e foi um alívio
saber que ficaria conosco, pois mesmo com os homens do Serviço Secreto no
corredor, eu normalmente não conseguia dar mais que algumas cochiladas.
— Tudo bem, já dormi o suficiente. Obrigada.
— Gostaria que você e Colin fossem para a Casa Branca comigo, lá é o
lugar mais seguro que conheço.
Eu entendia que Harry também estava preocupado, uma coisa era eu
despejar toda a minha história sobre ele e outra era ele ver com os próprios
olhos todo terror que aquelas pessoas ainda causavam a mim. Mas a ideia de
encontrar Catherine não me agradava nem um pouco.
— Não se preocupe com Catherine — falou, adivinhando o rumo dos
meus pensamentos —, ela não irá importuná-la. Nem ela nem qualquer outra
pessoa.
— Eu não sei, Harry. Estou apavorada após o que aconteceu, mas não
quero invadir o espaço de vocês, e por mais que você fale que não irei
encontrar sua esposa...
— Colin é meu filho, jamais deixarei que algo aconteça a ele, por isso,
quero que fiquem lá, pelo menos até eu pensar em outro lugar tão seguro
quanto e com pessoas confiáveis.
Enquanto eu ponderava suas palavras, Colin quis sair do meu colo e
voltou ao tapete para brincar com a fileira de carrinhos que fizera com a ajuda
de Harry.
— Tudo bem, se você acha mais seguro, nós vamos, mas espero que
tudo isso se resolva logo e que sua esposa não vá nos perturbar.
Harry assentiu e naquele momento percebi o quanto parecia cansado.
Será que tinha conseguido dormir?, indaguei a mim mesma enquanto o
deixava com Colin para poder tomar um banho.
Ao terminar, fui arrumar nossas coisas, o que não tomou tanto tempo,
uma vez que Stella não tinha levado muita coisa para nenhum de nós. Claro
que havia as peças que Harry comprara, mas não eram tantas assim.
Depois de dar banho e arrumar Colin, dei o café da manhã dele, que foi
agraciado com o único donut na bandeja.
Voltei a olhar para Harry. Mesmo em meio a todos aqueles problemas,
ele parecia se divertir com tudo o que nosso filho fazia.
Logo que ele terminou, seguimos para a Casa Branca, que ficava a
poucos metros de onde nos encontrávamos.
O protocolo de segurança do Serviço Secreto era bem rigoroso e fiquei
imaginando como seria viver sempre daquele jeito.
Harry deveria gostar mesmo de ser presidente para aguentar aquela
vigilância constante.
Quando chegamos à casa mais famosa do mundo, alguma coisa se
apertou dentro de mim. Eu já havia estado naquele lugar na companhia de
meus pais quando criança e, até onde me lembrava, bem pouca coisa havia
mudado.
Olhando ao redor, não senti qualquer emoção por estar ali, muito pelo
contrário, senti um arrepio quando passamos pelas primeiras portas, parecia
um pressentimento, um aviso de que eu devia ficar vigilante.
Instintivamente, apertei Colin um pouco mais em meus braços
enquanto seguia Harry por aquele labirinto.
— É aqui que vocês irão permanecer. Podem ficar à vontade, pois não é
frequentado por ninguém, a não ser o pessoal que faz a manutenção. Além
dos quartos, há uma sala de jogos, outra de música e muita coisa para você
distrair esse garotão — falou enquanto abria um conjunto de portas. — Zed
vai continuar cuidando pessoalmente da segurança desse andar. Ele está
resolvendo algumas coisas para mim, mas deve voltar ao posto em breve.
Harry tinha assumido o modo presidente, mas era nítida a preocupação
que sentia por estar responsável pela segurança do filho.
— Obrigada — falei soltando Colin que já observava o que via pela
frente.
— Pode? — ele perguntou antes de tocar um barco a velas que estava
em cima da mesa. Cheguei perto e vi que o tecido branco tradicional das
velas fora substituído por outro com a estampa da bandeira dos Estados
Unidos.
As cores vibrantes chamaram a atenção daquele pequeno arteiro.
Olhei para Colin e sorri.
— Pergunte ao seu pai — falei sem me importar com a presença dos
seguranças que ficaram no corredor.
Colin piscou seus olhinhos e encarou Harry um tanto ressabiado.
— Pode, papai?
Ficamos paralisados com suas palavras, já que, mesmo depois daqueles
dias de convivência, Colin ainda não tinha se sentido à vontade para chamá-
lo de pai.
Harry permaneceu no lugar por alguns segundos, no mínimo
absorvendo a delícia de escutar aquela simples palavra. Em seguida,
caminhou até Colin e se abaixou para que ficassem quase na mesma altura.
— Pode, sim, filho. Pode brincar com o que quiser.
Colin arregalou os olhos e girou o pescoço para analisar toda aquela
sala e ver a quantidade de coisas em que poderia mexer e, possivelmente,
quebrar.
— Bigado, papai — ele falou e, com toda sua espontaneidade, se atirou
nos braços de Harry que, mais uma vez, precisou de um tempo para absorver
o que acontecia, antes de devolver o abraço.
Parecendo entender a importância daquele gesto, Colin permaneceu
agarrado ao pai por mais tempo do que seria normal para aquele garotinho
hiperativo.
A cena mexeu profundamente comigo e eu precisei engolir a vontade
de chorar. Sempre imaginei que eles dois iriam se dar bem, mas constatar
essa realidade era quase demais para mim.
Colin foi o primeiro a se afastar e logo saiu pela sala, xeretando tudo,
enquanto Harry ainda parecia mexido pelo momento proporcionado por
aquele garotinho travesso.
— Ele é incrível — disse, emocionado, e eu apenas sorri.
Sim, nosso filho é incrível.
Ele ficou olhando o que o pequeno fazia por vários minutos e depois se
voltou para mim.
— Meus pais estão vindo de Nova York, acho que será bom para você
que estejam aqui para ajudá-la a ficar de olho nele.
— Será maravilhoso, Colin gostou muito deles.
— Eles também ficarão hospedados aqui no terceiro andar, se você não
se importar. — Quando meneei a cabeça, ele continuou: — Ótimo. Tenho
que resolver algumas coisas agora, mas assim que puder, volto para ver como
ele está.
— Tudo bem.
Harry assentiu e passou por mim em silêncio, mas foi só sair no
corredor para que eu o escutasse dando ordens para os homens que nos
guardariam.
Depois daquela boa noite de sono, eu estava bem descansada para dar
conta de Colin, que não parava um minuto, nem parecia ainda estar se
recuperando de uma cirurgia.
Cabia a mim colocar um freio nele. Na semana seguinte teríamos que
retornar ao médico, e eu tinha que cuidar para que seu corpinho se
regenerasse o máximo possível até lá.
Depois de quase duas horas arrumando nossas coisas e apreciando
todos aqueles cômodos enormes e ricamente decorados, voltei para sala
principal e dei de cara com os pais de Harry passando pelas portas duplas,
acompanhados de Zed, que apenas assentiu e se posicionou do lado de fora.
Julie e Romeo estavam carregados com sacolas de brinquedos, o que
chamou a atenção de Colin na mesma hora, fazendo-o se soltar do meu colo e
sair correndo em direção a eles.
— Oi, meu amor, a vovó trouxe muitos presentes para você — Julie
disse e deixou as sacolas no chão.
Ela o abraçou e depois foi a vez de Romeo. Meu filho foi simpático
com os avós, mas estava interessado mesmo no que eles haviam levado.
Depois de nos cumprimentarmos, fomos para sala principal e
começamos a abrir os presentes.
— Ele me parece ótimo, a recuperação está sendo um sucesso — Julie
comentou enquanto Colin e o avô tentavam encaixar as peças de um
brinquedo de montar.
— Ele não para um minuto, mas estou cuidando para que não se
machuque.
Conversamos por mais de uma hora e então foi a vez de Dominic
aparecer. Ele segurava uma caixa enorme. Pelo visto, a família Stone seria
bem presente na vida do meu filho.
Ao ver o tio, Colin abriu a boca e encarou a caixa, parecendo admirado.
— É pá mim? — perguntou e todos rimos.
Ele nunca tinha visto Dominic na vida, mas já que havia ganhado tantos
presentes, era normal que pensasse que aquele também fosse dele.
— Sim, é para você.
— Eba... — comemorou batendo palminhas.
Os dois começaram a rasgar o papel e em poucos segundos dezenas de
peças se espalharam pelo chão.
Colin não entendeu muito bem do que se tratava o brinquedo, pois
estava todo desmontado.
— Eu sei, garotão, parece complicado agora, mas você vai gostar —
Dominic explicou, porém, Colin continuou desconfiado.
Depois de tirarmos todas as peças, Dom apresentou a parte da caixa que
mostrava o brinquedo montado. Tratava-se de uma pista de trem que,
segundo ele, funcionava de verdade e tinha até mesmo uma estação de Lego.
Aquilo daria o maior trabalho, mas quando Colin viu o trem montado
na caixa, ficou doidinho.
Dominic e Romeo espalharam as peças em um canto da sala onde não
iria atrapalhar a passagem e começaram a montar aquela coisa que, com toda
certeza, ficaria enorme.
Harry só apareceu à noite. Ele havia trocado o terno por uma roupa
mais despojada composta por calça social e suéter, seus cabelos estavam
molhados e penteados para trás.
Mesmo recém saído do banho, sua aparência era a de alguém cansado,
pior que isso, alguém que estava lidando com inúmeros problemas, mas
precisava manter uma fachada.
Especialmente com os pais ali, uma vez que Julie não sabia o que
estava acontecendo.
— Papai! — Colin exclamou assim que o viu e correu para se agarrar
às pernas de Harry que rapidamente o pegou no colo.
Julie, Romeo e Dominic ficaram surpresos ao ver a interação dos dois.
Talvez, assim como eu, também tivessem achado que demoraria mais para
que construíssem essa cumplicidade.
— Olha o que tio Dom compô pá mim — ele falou, todo feliz, e
apontou para a estação de trem que já estava quase concluída.
— Que incrível! Você me mostra como funciona?
Colin imediatamente repetiu o que Dominic e Romeo haviam lhe
falado, depois mostrou qual percurso o trenzinho faria quando tudo estivesse
montado.
— Obrigada por isso — disse Julie, emocionada, ao ver os três homens
da sua vida em volta daquele pedaço de gente que falava sem parar.
— Não precisa agradecer — falei e ela apertou a minha mão.
Harry pegou essa cena e permaneceu longos segundos admirando
nossas mãos unidas.
Fiquei imaginando o que se passava em sua cabeça e me fez lembrar de
Catherine, que deveria estar no andar inferior, muito provavelmente
espumando de ódio por eu estar ali.
Mesmo não me sentindo confortável na casa branca, fiz o máximo para
não ficar reclamando nos dois dias que se seguiram. Harry estava se
esforçando, Zed estava cuidando na nossa segurança, e com a família Stone
no quarto ao lado, eu ficava mais tranquila.
Naquele dia, acordei bem cedo, como de costume, e liguei para
Consuelo.
Ela disse que Dan continuava em coma, mas que os médicos estavam
otimistas. Também falou que não aguentavam mais de saudade de Colin e
que Benito lhe revelou que os homens contratados por Harry guardavam a
casa dia e noite, mas nenhum dos dois achava que eles estavam em perigo,
sabiam que os alvos principais éramos nós.
Quando perguntou como estavam as coisas, eu lhe disse por cima,
deixando de fora os acontecimentos daquela noite, pois não queria deixá-la
preocupada.
Quando finalizei a ligação, estava me sentindo mais tranquila, falar
com Consuelo era a mesma coisa que conversar com uma mãe carinhosa,
sensação que só tive com ela.
Minutos depois, Zed abriu a porta e disse que faria a troca de turno,
avisando que em seu lugar ficariam agentes de sua confiança. Juntando com
os dois que chegaram com Julie e Romeo, havia uma boa quantidade de
homens lá fora.
Agradeci a ele e cerca de meia hora depois alguns empregados da Casa
Branca entraram para montar a mesa do café da manhã.
Enquanto eles organizavam tudo, fui para a sala, aguardando até que
saíssem, estava faminta, pois não estava conseguido comer muito na presença
de todos.
— Com licença, senhorita — uma das moças que cuidava do andar
falou baixinho parando perto de mim.
— Sim.
— A primeira-dama deseja vê-la. Ela pediu sua autorização para subir,
disse que é importante — completou e imaginei que Catherine só poderia ir
até ali se tivesse minha autorização.
A última coisa que eu queria era ter mais uma conversa com Catherine,
mas naquele momento eu estava sob o mesmo teto que ela, e achei que seria
muito descortês de minha parte não recebê-la.
Além disso, tinha esperança de que ela entendesse que o motivo de eu
estar ali era meu filho.
— Tudo bem, peça para ela me encontrar na sala de música.
Acompanhei a moça até a porta, avisei aos seguranças que receberia a
primeira-dama na sala de música e eles apenas assentiram
Antes de ir, passei no quarto de Colin e me certifiquei de que ele
dormia, só então me dirigi ao nosso ponto de encontro, onde ela já me
aguardava, toda produzida.
A mulher realmente tinha porte de primeira-dama.
— Bom dia, Elizabeth, e obrigada por me receber.
— Bom dia, Catherine e, por favor, seja breve, nós não somos amigas,
então, não precisamos dessas amenidades. — Falar com ela não significava
baixar a guarda.
Ela não gostou do meu tom, mas concordou.
— Certo, vamos ao que interessa.
Anuí e ela me ofereceu aquele mesmo sorriso ensaiado que usava em
frente às câmeras. Por um segundo me perguntei como seria viver o tempo
todo nesse teatro que era o mundo político e a ideia não me agradou nem um
pouco.
— Estou ouvindo — falei para apressá-la.
— Minha proposta pode parecer descabida para você, mas aqui em
Washington é completamente natural — ela começou.
— Que proposta?
— Por mais que diga que está aqui por seu filho, eu sei muito bem que
você não esqueceu o pai dele, Elizabeth.
— Acho que isso não é da sua conta — rebati, irritada.
— Harry é meu marido, então, é da minha conta, sim.
— Acho melhor encerrarmos essa conversa, você nunca vai entender o
que uma mãe faria por um filho, de forma que não adianta conversarmos.
Catherine continuou me olhando com todo o poder que emanava de
uma primeira-dama, ela realmente desempenhava aquele papel com
perfeição.
— Minha proposta é bem simples. Eu não me importo que seja amante
de Harry, afinal, ele já teve várias, dispensou a última delas há poucas
semanas, então, se você o quer, pode tê-lo, contanto que seja nos bastidores.
A campanha para reeleição deve seguir sem surpresas e por surpresa eu me
refiro ao seu filho. Ele deve permanecer escondido. Se todos fizermos nossa
parte, Harry terá tudo o que sempre sonhou e ainda será grato a nós duas.
Daqui a quatro anos, nós nos separamos e vocês podem continuar de onde
pararam, assim, todo mundo sairá feliz dessa história.
Fiquei paralisada por um bom tempo, tentando entender a ordem do
que me deixou mais chocada. Se foi ela me oferecendo o cargo de amante ou
o fato de pedir que eu continuasse mantendo segredo sobre o nosso filho.
Não, espera, ainda ouvi que Harry tivera amantes sob sua anuência, mas isso
me deixou mais nauseada que chocada.
— Meu Deus, olhe o que está me propondo! Será que não escutou nada
do que eu disse em nosso último encontro? Eu jamais aceitaria ser amante de
Harry e estou cansada de esconder meu filho, então, minha resposta é não
para todos esses absurdos. Nossa conversa acaba aqui, não vou tentar
convencer uma pessoa que está, visivelmente, perturbada.
— É uma pena, eu realmente achei que você pensaria melhor, mas
estou vendo que é mais burra do que pensei — falou, dando de ombros, e
deixou a sala enquanto eu ainda tentava assimilar suas palavras.
Deus, Catherine estava tão desesperada para manter seu cargo que
possivelmente nem se deu conta dos absurdos que me propôs.
Voltei à sala principal sentindo as mãos trêmulas de ódio, mas nem
pude me indignar, pois Dominic já estava sentado à mesa, tomando o café da
manhã.
— Bom dia — falei após respirar fundo.
— Bom dia, Liz.
Era tão bom escutar alguém me chamando assim de novo.
Sentei-me ao seu lado e me obriguei a comer alguma coisa, já que a
fome que eu estava sentindo tinha ido embora.
Iniciamos uma conversa sobre Colin, mas não demorou para ele falar o
que realmente queria.
— Você e Harry vão continuar nessa tensão até quando? — perguntou,
direto como sempre, e colocou metade de um bagel com cream cheese na
boca.
Homens.
— Não existe isso, seu irmão é casado.
— É só você estalar os dedos que ele se separa e larga tudo isso aqui —
brincou.
— Há muita coisa entre nós, Dom, eu já estou feliz que ele tenha
aceitado bem o Colin, isso é o que importa.
— Não seja boba, essa eleição já era, esse moleque acabou com todas
as estruturas do senhor durão.
Sorrimos em cumplicidade, mas não revelei minha opinião sobre a
reeleição de Harry.
— E como estão as coisas em Nova York? — perguntei para mudar o
teor da conversa e Dominic relatou sua rotina na empresa e como as
responsabilidades o deixavam louco.
Deu para perceber que ele se esforçava para ser um CEO tão bom
quanto o irmão, mas que se pudesse escolher, teria menos responsabilidades.
Harry apareceu quando estávamos gargalhando de alguma besteira que
Dominic falou, e tinha a testa franzida quando se aproximou da mesa.
Podia ser impressão minha, mas ele não pareceu gostar de toda aquela
intimidade entre nós dois, contudo, se sentou e tomou um suco de laranja.
— Alguma novidade? — Dominic quis saber.
— Os dois suspeitos estão sendo interrogados.
— Espero que descubram tudo logo, não vejo a hora de sair com meu
sobrinho por aí.
— Nem pense em usar meu filho para pegar mulher — Harry falou em
tom duro, mas quando olhei para seu rosto, percebi que tinha um ar sarcástico
e me segurei para não rir.
— Que absurdo pensar isso de mim — disse, Dominic fingindo-se
ofendido e foi se levantando da mesa. — Estou voltando para Nova York, o
dever me chama e as socialites também — brincou e dessa vez nós três
acabamos rindo.
Aquele rapaz tinha um espírito tão leve e despreocupado, que acabava
afetando a todos nós.
Depois de se despedir, ele caminhou até a porta, mas parou e voltou a
nos encarar.
— Acho que vocês deveriam transar, vai ajudar bastante a aliviar essa
tensão.
Abri a boca em surpresa enquanto Harry balançava a cabeça de um
lado para o outro.
Mal sabia ele que um sexo quente já tinha rolado, mas que as coisas
congelaram depois que descobri o quanto a cama de seu irmão havia sido
frequentada.
Que ódio!
— Existe alguma novidade que você não tenha querido compartilhar
com Dominic? — perguntei com urgência, para mudar de assunto.
— Assim que eu tiver alguma coisa concreta, você será a primeira
pessoa a saber. Por enquanto, estamos seguindo pistas e montando um quebra
cabeça que parece não ter fim.
— Não vejo a hora desse pesadelo acabar — falei, desanimada.
— Estou trabalhando nisso, confie em mim — pediu me lançando um
olhar brando, mostrando que compreendia muito bem tudo o que eu estava
sentindo.
— Eu confio — afirmei, e era verdade.
Nossa troca de olhares foi diferente dessa vez, cúmplice.
Nessa hora me lembrei da proposta absurda que Catherine me fez.
Estava prestes a lhe contar, quando Colin acordou e me chamou.
A voz abafada e meio chorosa do meu filho me fez levantar rápido e
correr até o quarto. Harry chegou logo atrás de mim e encontramos um Colin
sonolento, que esticou os bracinhos em direção ao pai assim que o avistou.
Ele o pegou no colo e eu suspirei, sentindo o coração aquecido. Não
sabia quando me acostumaria com aquele tipo de cena.
— Quelo donuts — disse, a voz mais manhosa do que nunca.
Esse meu filho é mesmo um chantagista, pensei olhando para seu
rostinho meio escondido entre o ombro e o pescoço do pai.
— Que tal uma fruta e depois a metade de um donut? — sugeri e ele
me encarou com o cenho franzido.
— Não — resmungou.
Todo dia era assim. E se antes era difícil convencê-lo a comer outra
coisa, após a cirurgia estava sendo quase impossível. Colin tinha entendido
que estivera doente, via que o pai se mostrava disposto a fazer suas vontades
e o espertinho estava se aproveitando disso.
Harry acabou levando o filho para a sala, sob protestos, pois eu queria
dar um banho nele e escovar seus dentes antes de dar o café da manhã, no
entanto, fui totalmente negligenciada.
— Ele ainda está em fase de recuperação, não pode enchê-lo de doces
— reclamei quando ele se sentou à mesa.
— Não seja exagerada, é só um pedacinho, não é mesmo, Colin?
O espertinho assentiu, todo sorridente, e se agarrou ainda mais ao pai.
Era bonitinho saber que os dois estavam se dando tão bem, mas se
Harry não quisesse ter um filho diabético ou obeso, teria que aprender a dizer
não para ele, pois se dependesse de Colin, a única coisa que entraria em sua
boca seriam besteiras, de preferência, cheias de açúcar.
Após comer, o garotinho desceu de seu colo e foi para a sala brincar
com seu trem que já estava montado.
Logo depois Harry atendeu a uma ligação e sua expressão séria me
deixou ansiosa.
— Eu preciso ir — disse ele guardando o celular no bolso.
— É sobre o acidente? — perguntei, aflita.
— Sim, um dos suspeitos decidiu falar.
Após dar um beijo em Colin, foi embora, deixando-me cheia de
esperanças de que, finalmente, iríamos descobrir quem estava por trás
daquele pesadelo.
A presença de Elizabeth e Colin estava amenizando a situação caótica
em que eu vivia nos últimos dias.
Porque precisava confessar que não estava sendo fácil continuar com o
trabalho de presidente, enquanto tentava desbaratar uma organização
criminosa.
Parecia que eu tinha ligado o modo automático e feito um combinado
comigo mesmo de que só iria descansar quando tudo estivesse se resolvido e,
em meio a isso, tentava gerir um país.
Mas mesmo com as poucas horas de sono, eu não me sentia tão exausto
quanto deveria estar, basicamente porque a vida do meu filho estava em jogo,
assim como a da mãe dele. Depois que isso estivesse resolvido, eu teria
tempo para descansar.
Só que, para isso, eles precisavam permanecer a salvo e levá-los para a
Casa Branca foi a única opção que encontrei; acreditava que ninguém se
atreveria a fazer qualquer coisa contra meu filho sabendo que ele estava
embaixo do mesmo teto que eu.
Todavia, se eles tentassem, não sabia o que seria capaz de fazer, porque
a verdade era que eu já amava aquele garotinho, com tudo de mim.
Ouvi-lo me chamando de pai de forma tão natural, foi uma surpresa,
daquelas que arrebata o coração, e ser abraçado por ele espontaneamente, me
deixou sem ar. Colin mal tinha chegado e já havia conquistado toda a família
e se não estivéssemos vivendo aquele pesadelo, eu poderia dizer que a minha
vida estava quase perfeita.
Mas o pesadelo irá acabar, pensei comigo mesmo enquanto descia as
escadas que davam acesso à uma área restrita existente no complexo da Casa
Branca, onde apenas pessoas autorizadas por mim tinham acesso. Um lugar
do qual a maioria das pessoas sequer tinha conhecimento.
Quando as portas de aço se abriram, vi um rapaz estirado no chão e, ao
lado dele, uma poça de vômito.
Suspirei quando percebi a merda que havia acontecido.
— Vocês o mataram? — perguntei para os agentes que estavam dentro
daquela sala que mais parecia um cofre.
— Não, senhor. Ele resolveu falar, mas disse que estava com sede e
pediu água. Só que um minuto depois de beber começou a passar mal e
morreu.
Aquilo só podia ser uma grande piada de mau gosto.
— Limpem essa bagunça. — Eles assentiram e eu me virei para sair
daquele lugar. — Zed, venha comigo.
Voltei para o Oval com a cabeça quente.
Justo quando estamos prestes a conseguir alguma coisa o cara morre,
assim, do nada? Não, tinha alguma coisa errada.
— Quero uma autópsia dele. Preciso saber o que o matou — falei,
servindo-me uma pequena dose de uísque.
— Cuidarei disso imediatamente, senhor — garantiu Zed e saiu, na
mesma hora em que Lexy entrava.
Bastou me olhar para perceber que meu humor estava péssimo.
— Devo colocar lugares extra para seus pais no evento de hoje à noite?
— Quê? — Eu escutei, mas não consegui assimilar suas palavras.
— Hoje haverá mais um jantar com os líderes do partido e aliados, será
aqui, na Casa Branca mesmo, já esqueceu?
Com toda essa loucura, meus compromissos oficiais eram a última
coisa em que eu estava pensando ultimamente.
— Esqueci completamente desse evento e não sei se meus pais vão
participar, mas deixe o lugar deles reservado.
— Tudo bem. Agora vai me falar por que está com essa cara?
— Essa droga de investigação que não anda, Catherine que quase não
me deixou dormir ontem por causa de Elizabeth... Sinto-me como se
estivesse em um camicase.
— Harry, eu sei que é um tanto óbvio o que eu vou falar agora, mas
tudo isso só está acontecendo por causa da sua reeleição, não temos ideia de
quem sejam essas pessoas, mas sabemos o que as motiva.
— Sim. O problema é: que decisão tomar? Se eu reafirmar minha
candidatura, Liz e Colin ainda podem ser perseguidos para que não
atrapalhem a campanha ou até mesmo para serem usados como moeda de
troca, e se eu disser que desisti, os aliados mais radicais podem fazer o
mesmo, apenas por retaliação.
Ela assentiu.
— Infelizmente, esta é uma decisão que você vai precisar tomar
sozinho.
Assenti, ela estava certa mais uma vez. Ninguém poderia tomar esta
decisão por mim, porque, independentemente do que acontecesse, era eu
quem precisaria aguentar as consequências das minhas escolhas, mais
ninguém.
Notando meu embate interno, Lexy se aproximou e me abraçou.
— Eu sei que você fará a coisa certa — falou baixinho —, sempre faz.
Descansei a cabeça em seu ombro querendo ter essa certeza.
— Bom, agora vou cuidar dos detalhes do evento, nos encontramos
mais tarde — disse ao me soltar e se foi.
Após a saída de Lexy, dei continuidade ao meu dia.
Participei de duas reuniões importantes e decisivas, mas nem por um
momento consegui me desligar do meu filho e de Elizabeth.
Antes da presença deles em minha vida, tudo tinha o seu lugar, eu
acordava e sabia exatamente o que precisava ser feito.
Cumpria meus compromissos, arrumava alguma amante quando estava
entediado, e as coisas seguiam seu curso.
Era uma vida cheia de responsabilidades e prazer, mas vazia.
Conviver com meu filho me fez ver o mundo de um jeito diferente, e
após aquela noite com Elizabeth, uma coisa não parava de martelar em minha
cabeça, eu não conseguia mais me ver como o homem de antes.
Como era bom tê-los por perto e como desejava que fosse sempre
assim.
Mesmo que Liz estivesse me tratando com toda aquela distância, eu
não acreditava que o que existia entre nós havia mudado e dificilmente me
enganava quando estava com uma mulher nos braços. Ela poderia tentar
bancar a durona e tinha todo o direito de estar decepcionada comigo, após o
que soube, mas seus olhos espelhavam os mesmos sentimentos que ardiam
em meu coração e em meu corpo.
Era uma tortura tê-la tão perto e não poder fazer exatamente o que eu
sentia vontade.
Mas ela não era como qualquer uma e deixou isso bem claro quando
ergueu muros gigantescos entre nós. Sua postura vinha sendo tão fria, que se
eu não estivesse guardando cada coisa que senti naquela noite a sete chaves,
poderia dizer que nem havia acontecido.
Sua atitude me dizia que ela tinha perdido qualquer fé em mim e na
minha vontade de retomar o que tivemos anos atrás.
Não poderia estar mais longe da verdade.
Mas como ela saberia disso se não tivemos uma conversa decente
depois daquele dia?
Sim, era disso que precisávamos, sentar e conversar, colocar as cartas
na mesa para eu poder lhe contar meus planos e esclarecer qualquer incerteza
que ela tivesse a nosso respeito.

Já era fim da tarde quando Blake e Zara foram anunciados.


Eles já estavam produzidos para o evento, mas apareceram mais cedo
porque Blake ainda precisava resolver algumas coisas em seu gabinete e Zara
aproveitaria para visitar Liz.
Achava incrível que, mesmo após todos aqueles anos, as pessoas que a
conheceram ainda tivessem tanto carinho por ela. Mesmo vendo como fiquei
quando ela foi embora, minha família a adorava, assim como a esposa do
meu vice-presidente.
Catherine por outro lado não possuía amigos, ela tinha colegas,
contatos e empregados, mas não amigos. Sua única ambição era a o cargo de
primeira-dama e, para isso, ela só precisava de mim, tanto que aceitou todas
as minhas exigências para entrar naquele casamento.
Estava prestes a sair quando Allen entrou em meu escritório. Animado,
deixou-me a par de quem estaria presente no evento daquela noite e,
principalmente, a quem deveríamos dar mais atenção, citando muitos
empresários que estavam loucos para fazer generosas doações para minha
reeleição.
Mais do que isso, vangloriou-se de todos os contatos que fizera nos
últimos meses, das alianças que fechou e da fortuna que iríamos alavancar
para conseguir bancar mais uma campanha milionária, já que meu principal
adversário também tinha bons patrocinadores e chances de chegar ao poder.
Suspirei enquanto o ouvia falar.
Se Elizabeth não tivesse aparecido em minha vida, era bem provável
que eu estivesse tão animado quanto ele, mas, estranhamente, nenhuma das
coisas que falava despertou o tesão que sempre senti pela política, muito pelo
contrário, só de imaginar como seria a vida do meu filho em meio a tudo
aquilo, tinha vontade de fugir.
— Porque ainda não veio conversar comigo a respeito meu filho ou
Elizabeth? — perguntei de súbito quando ele parou de falar.
Duncan estivera viajando nos últimos dias, mas eu sabia que ele
continuava por dentro de tudo o que estava acontecendo.
— É um problema pessoal do senhor, não achei conveniente me meter.
Mesmo sendo casado com a tia de Catherine, Duncan não costumava
falar de nossa vida pessoal, ao menos comigo, já que com a sobrinha ele tinha
mais intimidade. Sempre que havia eleitores comentando acerca de nosso
casamento, ele tratava com ela. Foram poucas as vezes em que chegou
diretamente a mim. Uma delas foi quando veio me falar sobre a adoção. Mas
eu sabia que só havia feito aquilo porque minha esposa mandou, ela achou
que se meu Chefe de Gabinete me desse a notícia, eu aceitaria com mais
facilidade.
Mas não adiantou, eu não queria adotar uma criança com Catherine, e
depois de conhecer meu filho, fiquei ainda mais aliviado por minha recusa.
Todavia, no que se resumia ao meu governo ele era bastante
intrometido e já havíamos travado várias discussões por ele querer me
convencer a tomar decisões que beneficiavam mais aos empresários do país
do que ao povo.
Devido a isso seu silêncio me intrigou.
— Então você não vê problema em meu filho aparecer agora, no meio
da campanha?
— Já que o senhor perguntou, sim, eu acho que será um grande
problema. Não o aconselho a apresentar o menino, ao menos durante a
campanha.
— Está certo, Allen. Foi bom termos conversado.
— Eu estou aqui para isso — disse ele com um sorriso, mas deu para
perceber que estava um pouco desconfiado.
— Bom, vou subir para tomar um banho; nos vemos no evento.
Duncan assentiu e saímos juntos do Salão Oval, mas logo nos
dividimos.
Enquanto me encaminhava aos meus aposentos, cheguei à conclusão de
que o evento daquela noite seria um divisor de águas em minha vida, e para
que tudo saísse como eu queria, precisaria de algum tempo para me preparar.
— Me conta como estão as coisas entre você e o nosso presidente —
Zara exigiu, os olhos brilhando de curiosidade.
Ela havia aparecido no final da tarde, de surpresa e toda produzida em
um longo rosado de modelo grego que valorizava sua silhueta e acomodava a
barriga de 21 semanas.
Quando a viram chegar, Julie e Romeo conversaram amenidades por
alguns minutos, mas logo pediram licença e foram brincar com Colin na sala
de jogos.
— Péssimas. Você tinha razão, foi um erro ter cedido. Mas depois
daquela noite eu me mantive firme e não fizemos mais nada, além, de trocar
olhares; isso é meio que inevitável.
Zara sorriu.
— Ele deve estar ficando louco. Continue assim, você está fazendo a
coisa certa, Harry tem que tomar decisões e esse gelo que você está dando
pode ser um empurrãozinho.
— Para ser bem sincera, não estou pensando muito nisso, tudo o que
quero é que esse pesadelo acabe.
Ela assentiu e então ficou um pouco pensativa.
— O que foi? — perguntei e ela me encarou.
— Nada de mais, é só que a RC-2, a agência secreta que cuida de certos
assuntos para a Casa Branca, é extremamente qualificada e se eles não
descobriram toda essa intriga antes, quer dizer que as pessoas por trás disso
são muito profissionais, o que significa que também são bastante perigosas. É
uma pena que o tio de Blake tenha morrido. Ele também possuía um serviço
de inteligência extremamente competente, tanto, que descobriram minha
identidade, mas...
— O quê? Não estou entendendo. Como assim, sua identidade?
— Essa é a história da minha vida[15], mas nós iríamos precisar de
muito mais tempo para que eu pudesse te contar.
— Está me deixando mais curiosa a cada minuto — admiti.
— Vamos marcar um dia para eu te contar. O que interessa agora é que
se Blake não tivesse se desfeito de tudo, teríamos mais um aliado. Mas não se
preocupe, tenho certeza de que antes do que imaginamos, eles vão desvendar
esse mistério. Há muitos agentes trabalhando para elucidar e prender os
culpados.
— Eu espero que esteja certa, Zara. Como você falou, essas pessoas
são, sim, muito perigosas, eu pude comprovar, e fico apavorada apenas com a
possibilidade de eles chegarem perto do meu filho.
Zara pegou minha mão, provavelmente para me consolar, mas não teve
tempo, pois Blake e Harry apareceram, ambos lindíssimos em seus smokings.
Foi difícil segurar o suspiro.
Após os cumprimentos, Harry foi pegar Colin para apresentá-lo ao
casal, sendo seguido por Julie.
Enquanto os visitantes prestavam atenção em Colin, Harry perguntou
se os pais não iriam descer para a festa, mas ela foi enfática quando disse que
preferia ficar com o neto.
— E já que vamos ficar, por que não leva Elizabeth? Desde que Colin
recebeu alta que ela não sai, garanto que irá se divertir vendo essa gente
metida fingindo que é feliz.
Senti vontade de dar risada com a alfinetada que Julie deu no próprio
filho.
— Eu agradeço a sugestão, mas prefiro ficar por aqui.
— Nada disso! É óbvio que você tem que descer, quem sabe não
conheça um bom partido, afinal, o salão estará cheio de políticos e
empresários — Zara provocou.
Tive vontade de gargalhar com o olhar que Harry lhe lançou. Ele nem
disfarçou o quanto ficou mordido com a possibilidade de eu conhecer
alguém.
— Também acho que deveria ir, Liz, nós cuidaremos de Colin, e se ele
chamar por você, algum agente pode te avisar — Romeo Stone completou.
— Eu sei que as intenções de vocês são as melhores, mas eu nem tenho
o que usar em um evento como esses — falei a verdade, pois não haveria
qualquer possibilidade de eu usar um jeans e camiseta em um jantar de gala
na Casa Branca.
Contra aquele argumento, ninguém pôde falar nada.
Harry, que caminhava pela sala, parou bem perto de onde eu estava.
— Se quiser ir, eu tenho uma dúzia de vestidos em casa, é só mandar
meu motorista buscar — Zara sugeriu e eu apenas sorri.
— Obrigada mesmo, mas prefiro ficar aqui.
Ela revirou os olhos, mas concordou.
Após se despedirem, os três desceram para receberem seus convidados.
Fui para o meu quarto e me deitei na cama, sentindo-me um pouco
triste. No fundo, eu queria ir, ver como Harry era em meio àquelas pessoas,
se seria muito diferente de como agira no baile em que o conheci.
Mas ao mesmo tempo, estava incomodada com o fato de todos terem
insistido para que eu fosse, menos ele, que era o anfitrião.
Em vez de ficar me lamentando, e aproveitando que Colin tinha
companhia, resolvi tomar um banho demorado.
Como não poderia ficar enfurnada no quarto, juntei-me a eles na sala.
Meu filho já estava tão apegado aos avós, que mal me deu bola. Queria
só ver como seria quando Consuelo soubesse disso. Morreria de ciúmes.
— Chegou enquanto você estava no banho — Julie avisou com um
sorrisinho travesso, apontando para três caixas da Chanel dispostas sobre a
mesa.
— Espero que não seja uma bomba — brinquei e ela gargalhou.
— Acredito que o Serviço Secreto tenha verificado antes de entregar.
Assenti e abri a tampa da primeira caixa com cuidado.
Lá dentro havia o que eu adivinhei ser um vestido e por cima do tecido
delicado, havia um cartão.
Sorri para as palavras e tirei o vestido da caixa. Ele era absolutamente
deslumbrante. Eu nunca tinha usado nada assim.
Abri as outras caixas e achei uma sandália toda cheia de cristais na
segunda e uma bolsa de mão na terceira.
— Uau — exclamei, isso sim era um convite.
— E antes que pense que isso é coisa de última hora, saiba que essa
roupa já estava comprada antes de Harry entrar aqui com Blake, acho que ele
ficou irritado porque estragamos sua surpresa.
Balancei a cabeça e sorri.
— Vocês foram terríveis, achei que ele teria um ataque.
— Os homens Stone gostam disso, não é meu bem — ela perguntou,
mas quando olhamos para o sofá, Romeo e Colin estavam dormindo.
— Ah, que fofos — falei e Julie correu para bater uma foto com o
celular.
— Pronto, agora que já registrei esse momento, vou te ajudar a se
arrumar.
Olhei o relógio e faltava meia hora para o discurso de Harry.
— Será que eu devo ir?
— Com certeza, você já se escondeu por tempo demais — ela afirmou
e foi pegando uma das caixas em cima da mesa e me arrastando para o
quarto.
Faltando dez minutos para o discurso de Harry, eu me olhei no espelho
e me senti uma verdadeira dama da alta sociedade.
O vestido era de um vermelho escuro, com um corte elegante e uma
saia que dançava em volta dos pés. Tudo naquele modelo remetia à elegância
e luxo, além de ser muito sexy.
— Nossa, você está linda, Catherine vai espumar — Julie falou,
venenosa.
— Nem me lembre que terei de me encontrar com ela.
— Falando nisso, como está a relação de vocês? — perguntou enquanto
me ajudava com as sandálias.
— Ela me procurou duas vezes, e não disse coisa com coisa em
nenhuma delas. Acho que está tão neurótica com a ideia de perder seu
precioso cargo, que está ficando doida. Ela...
— Ela o quê? Pode me falar, Liz, daquela ali eu não duvido nada.
Olhei para Julie e dei de ombros, não via problema algum em lhe
contar.
— Ela pediu que eu mantivesse Colin em segredo, ao menos pelos
próximos quatro anos e sugeriu que eu me tornasse amante de Harry nesse
período. Aí, quando o mandato acabasse, eu poderia ficar com ele, pois ela
não se importava.
Julie piscou algumas vezes e demorou para se pronunciar.
— Eu sempre soube que ela era completamente dominada pelo poder
que o status de primeira-dama lhe dava, mas isso já é demais. Você precisa
falar com Harry sobre isso, essa mulher não pode falar esse tipo de coisa.
— Eu sei e ia falar hoje de manhã, mas não deu e depois não tivemos
outra oportunidade de conversar a sós, mas pretendo contar a ele.
Ela balançou a cabeça e falou:
— Liz, eu sei que Harry é quem deveria te falar isso, mas já que
confiou seu segredo a mim, acho que posso lhe confiar o meu.
Senti um frio na barriga só de imaginar o que ela poderia me falar.
— Seu segredo estará seguro comigo.
— Apesar da pompa da cerimônia, eles se casaram apenas no papel.
Mas antes disso, ela precisou assinar um contrato, cheio de cláusulas malucas
que me deixam nauseada só de lembrar. Nunca houve amor, acho que nem
mesmo atração, ele nunca a tratou como trata você. Então, quando chegar no
salão, não se sinta uma intrusa, nem se envergonhe; Catherine não é uma
esposa traída e ameaçada e sim uma interesseira que aceitou essa maluquice
de contrato que Harry inventou, apenas para se tornar primeira-dama.
Eu imaginei que o casamento deles não fosse verdadeiro por falta de
química ou afinidade, mas nunca imaginei que eles tivessem assinado um
contrato desse tipo.
Era muito bizarro e explicava as atitudes dela. Catherine realmente não
ligava para o que Harry fazia, contanto que ela continuasse reinando.
— Acho que esse tipo de coisa só acontece em Washington, eu jamais
me casaria sem amor, deve ser horrível — concluí.
— É horrível, sim, mas só para pessoas que têm caráter e um coração
batendo no peito, não é o caso de Catherine, então, desça lá e faça sucesso.
Soltei uma risada alta e depois tapei a boca.
Olhei no celular e faltavam apenas três minutos para o discurso de
Harry começar.
Dei um abraço em Julie e desci acompanhada por um dos seguranças
que guardava minha porta.
Enquanto ele me guiava por aqueles corredores, meu coração pulava
feito um louco no peito e quando finalmente eu adentrei o salão de festas,
Harry já estava posicionado em frente ao microfone e olhava diretamente
para entrada, como se estivesse esperando por mim.
Parei ao lado de algumas pessoas que estavam em pé e peguei uma taça
de champanhe oferecida por um garçom que passava naquele momento.
Depois de me lançar um sorriso daqueles, Harry deu boa-noite a todos e
começou o seu discurso agradecendo a presença de cada pessoa e
principalmente as contribuições que o partido estava recebendo para a
reeleição.
Nessa parte do discurso eu murchei, tinha até me esquecido que a mídia
só falava no possível segundo mandato dele.
Ele continuou, e minha atenção se voltou completamente para a figura
solene em cima daquele palco.
— Nos tempos antigos, conhecimento era o termo usado para a busca
dos fatos... O certo e o errado, o bem e o mal, enfim, o desejo de conhecer a
pura e simples verdade. Durante o meu mandato, eu aprendi muito a respeito
do mundo, das pessoas, mas, principalmente, de mim mesma.
Olhei ao redor, e os convidados estavam vidrados em Harry, todas em
absoluto silêncio, apenas esperando que ele continuasse.
— Nesses quatro anos como presidente, eu aprendi muito, mas também
me doei muito, sempre com o intuito de proporcionar o melhor. E embora
tenha falado algumas semanas atrás que concorreria à reeleição, percebi que,
após ter realizado meu sonho e conquistado tantas coisas, eu tinha chegado
onde queria como político.
“Após descobrir algumas coisas, eu ponderei muito a minha vida e vi
que o poder proporcionado pelo meu cargo, o maior dos cargos, já não faz
sentido para mim. Sei que muitos podem me tachar de louco, outros de
traidor, mas sempre achei que cada ser humano devia fazer aquilo que lhe
dava imenso prazer. Eu ainda sinto prazer em ser seu presidente, mas não
tenho desejo de perpetuar isso.
“E antes que digam que eu estou me precipitando, afirmo que refleti
muito, por dias, e cheguei à conclusão de que era hora de passar o bastão para
o meu vice-presidente, Blake Sullivan. Sullivan trabalhou lado a lado comigo
em cada projeto. Ele sabe tanto do que foi discutido e decidido quanto eu,
porque sempre esteve comigo nas decisões mais importantes. E se essa for a
vontade dele, eu ficarei honrado em lhe dar todo o meu apoio.
“Agradeço a presença de todos e amanhã o porta voz da Casa Branca
fará um pronunciamento oficial. Boa noite”
No fim do discurso, todas aquelas pessoas que foram ali para mostrar
seu apoio, estavam de boca aberta, completamente atônitas. Parecia que
ninguém estava acreditando que seu presidente havia acabado de desistir de
concorrer à reeleição. Aquilo, certamente, era uma bomba para elas, mas,
para mim, era a melhor notícia de todas, pois eu não conseguia nem disfarçar
o quanto aquilo tinha me deixado feliz.
Aquela noite estava sendo cheia de revelações, primeiro descubro que
Harry e Catherine têm um casamento por contrato e logo depois ele desiste da
reeleição.
Essa noite não poderia ficar melhor.
Olhei para a frente e o vi conversando com a esposa que parecia irada.
Terminei meu champanhe e quando estava entregando a taça vazia ao
garçom, um dos homens do Serviço Secreto se aproximou.
— Com licença, Srta. Reagan, o presidente deseja vê-la. Pode me
acompanhar?
Senti um frio na barriga quando ouvi essas palavras.
Sim, ele havia me decepcionado e eu ainda não tinha engolido direito
aquela história de traição, mas ao desistir da candidatura, ele estava nos
colocando como prioridade e era por essa atitude que eu estava esperando.
Voltei a olhar para o palco, mas não encontrei nem Cathy e nem Harry.
Já deve estar me esperando, pensei e segui o homem, ansiosíssima para
saber o que ele queria falar comigo.
O segurança me guiou por uma parte da Casa Branca que era nova
para mim e disse que Harry estaria me esperando no cômodo que ficava no
fim do corredor.
Entrei cautelosamente e encontrei uma sala muito bem decorada, mas
vazia. Senti um arrepio estranho e resolvi voltar para o salão, mas antes que
eu pudesse fazer isso, Catherine surgiu de dentro de uma das paredes.
Imaginei que fosse uma parede falsa e aquilo me assustou ainda mais.
— Você é mesmo uma vadia, foi só falar que Harry a estava
esperando que veio correndo feito uma cadela — despejou, cheia de ódio.
— Catherine eu sei que você está com raiva porque ele desistiu da
reeleição, mas eu juro que não tenho nada a ver com isso.
— Eu sei que não, só que era óbvio que quando vocês se
reencontrassem ele voltaria a ser o mesmo tolo de sempre, mas depois eu
cuido disso, agora a conversa é com você.
— Eu não tenho nada para falar com você — falei e lhe dei as costas.
Mas quando cheguei à porta, ela estava trancada.
— Que diabos está acontecendo aqui? Porque esta porta está trancada?
Catherine me encarou com um ar calmo e cínico e caminhou pela sala.
— Sabe, Liz, eu pensei muito antes de entrar aqui, porque existem
coisas que não têm mais volta, então eu pensei, pensei e pensei...
O tom que ela usava me dava arrepios.
— O que você quer? — perguntei para ver se me livrava daquilo logo.
— De você, sinceramente, nada. Harry acabou de falar para todos os
seus apoiadores e patrocinadores que não vai mais concorrer à reeleição, que
não quer mais ser presidente. Pode haver absurdo maior, ainda mais vindo do
candidato com mais chances?
— Já falei que a culpa não é minha.
— Você deve estar radiante, em poucas semanas conseguiu destruir
tudo pelo que batalhei durante anos.
— Eu não pedi para ele desistir! — falei um pouco mais alto, aquela
conversa já estava me enchendo.
Ela soltou uma risada.
— Nem precisou, Harry sempre foi um tolo quando se tratava de você,
imagine quando apareceu com um filho nos braços.
— Catherine, eu sei que gosta desse mundo, mas talvez Harry queira
aproveitar o filho agora. A carreira política dele talvez tenha acabado, mas o
casamento de vocês, não — tentei amenizar a situação, para acalmá-la, mas
ela gargalhou novamente.
— Não seja idiota, Harry Stone, sem o título de presidente, não serve
de nada para mim.
Suas palavras eram rancorosas, cheias de ódio, amargura, como se,
mesmo tendo conseguido o que queria, aquele casamento fosse um fardo.
— Se não o ama, por que está tão revoltada? — Me fiz de
desentendida, querendo entender como ela pensava.
Cathy balançou a cabeça de um lado para o outro e depois olhou no
fundo dos meus olhos.
— Você nunca vai entender o prestígio de ser a primeira-dama do país
mais poderoso e cobiçado do mundo, então, não adianta tentar explicar.
Catherine não estava triste por perder Harry ou o casamento, mas sim
pelo fato de não ser mais primeira-dama, isso aliviou absurdamente a culpa
que eu sentia por ter transado com ele aquela noite.
Ficamos em silêncio por um bom tempo, uma avaliando a outra. Cathy
foi a primeira a desviar o olhar. Ela caminhou até um armário e tirou uma
sacola de lá.
— Sabe, Liz, eu tinha pensado em me livrar de você de uma forma bem
drástica, mas conversando com um amigo, acabei descobrindo que existem
maneiras bem rápidas e eficientes de se matar uma pessoa.
A determinação com que falou aquilo, deixou evidente que eu não
sairia viva dali.
Em um segundo, tudo começou a fazer sentido, e uma das suspeitas que
tive quatro anos atrás voltou com tudo. A pessoa que mais se beneficiaria
com minha partida seria Cathy. Eu já sabia naquela época, mas não
imaginava que ela fosse tão monstruosa quanto estava se revelando.
Mas era verdade. Catherine era a pessoa por trás de todo o sofrimento
que senti nos últimos anos.
— Então, era você esse tempo todo? — falei em um fio de voz. — Mas
quem falou comigo foi um homem — argumentei.
— Você não acha mesmo que eu fiz tudo isso sozinha, não é?
Claro que não, o esquema era grande, onde muitas pessoas seriam
beneficiadas.
Em pânico, voltei à porta e comecei a bater e gritar por socorro.
Onde estavam os malditos agentes do Serviço Secreto?
— Pode gritar, Liz, mas já aviso que do outro lado da porta só existem
pessoas que querem o mesmo que eu.
Eu me negava a acreditar que depois de ter fugido tanto dessa vida, eu
morreria na maldita Casa Branca.
— Eu faço o que quiser, só me deixe sair daqui — tentei.
Ela não me deu ouvidos enquanto tirava uma garrafa de vinho de
dentro daquela sacola, depois foi até uma cristaleira e pegou uma taça.
— Catherine, você está abalada por causa da decisão de Harry e não
parou para pensar direito. Isso é uma loucura. Ele vai te odiar quando ficar
sabendo.
Uma gargalhada debochada foi minha resposta.
— Ficar sabendo o quê? Do mal súbito que você teve? — perguntou
cinicamente e então sorriu quando viu minha expressão incrédula. — Eu
disse que éramos profissionais. Poucos minutos depois que beber alguns
goles deste vinho, o veneno tomará sua corrente sanguínea e você terá uma
morte rápida, limpa e acima de qualquer suspeita.
Meu Deus, ela era maquiavélica e totalmente desajuizada.
— Você só pode estar ficando louca, olha o absurdo que está falando!
Está disposta a matar uma pessoa mesmo sabendo que Harry não quer mais
essa vida?
Após despejar uma boa quantidade daquele líquido em uma taça, ela
me encarou e disse:
— Ele ficará abalado por algum tempo, mas eu estarei ao seu lado
como sempre estive. Além disso, serei uma ótima madrasta, cuidarei de Colin
como se fosse meu filho. Quando vir o quanto eu sou dedicada, Harry vai
voltar atrás dessa decisão. Ele não terá mais sua Elizabeth, então precisará da
política, do poder, para seguir em frente.
— Não, meu filho, não — roguei, sem conseguir segurar as lágrimas.
— Deixe meu filho em paz. Mesmo solteira você pode adotar uma criança,
basta querer.
— Você é mesmo bobinha, não é? Eu queria adotar uma criança com
Harry porque quando nós nos separássemos, ele teria que pagar uma boa
pensão, afinal, isso não constava naquele maldito contrato que ele me obrigou
a assinar, mas o teimoso nunca quis. Agora, entretanto, a criança já existe, e
eu só tenho a ganhar se o tratar bem. Só para você saber, a ideia de matar o
menino não foi minha, aquilo foi coisa de um de meus associados, então, não
se preocupe porque ele será bem tratado.
Naquele momento eu percebi que não estava lidando com uma mulher
louca pelo poder e, sim, com uma psicopata; era a única explicação para
todas as sandices que ela estava me falando.
— Deixe-me ir embora, prometo que nunca mais terá notícias minhas
ou do meu filho — pedi em desespero.
— Tarde demais, Elizabeth, você teve a chance de ficar presa em sua
toca, mas preferiu desafiar os leões, e agora terá o que merece.
— Eu não vou beber isso aí — falei, decidida, e voltei a bater na porta.
Vendo que não adiantaria, comecei a andar por aquela sala em busca de outra
saída.
— Se não beber esta deliciosa taça de vinho — ela falou, sem se abalar,
depois tirou uma arma da bolsa e a apontou para mim —, serei obrigada a
atirar em você.
Meu Deus, onde diabos Harry e os homens dele estavam. Será que ele
não procurou por mim?
O celular de Catherine tocou e imaginei que tivesse acontecido algo
sério, pois ela arregalou os olhos enquanto escutava atentamente a pessoa do
outro lado da linha.
— Então, mande trazer o carro que preparamos imediatamente, ela não
pode permanecer aqui por mais tempo — exigiu, irritada.
Um carro? Será que a louca iria me tirar da Casa Branca?
— Não! Nós não temos tempo, traga-o aqui, agora! — ordenou, quase
gritando.
Pelo visto, ela era mesmo uma das cabeças daquela conspiração.
Sempre imaginei que deveriam ser pessoas próximas, mas Harry
estava, literalmente, dormindo com o inimigo.
— Salva pelo gongo, Elizabeth — falou assim que desligou. — Pelo
jeito, seu príncipe já sentiu sua falta e todos os cômodos estão sendo
revistados, então teremos que continuar nossa festinha em outro lugar.
— Eu não vou a lugar nenhum com você! — blefei, morrendo de ódio.
— Claro que vai — afirmou e nessa hora o agente que me deu o
suposto recado de Harry saiu da mesma parede falsa e apontou para que eu
entrasse.
— É melhor me acompanhar ou Luc vai fazer do jeito dele, e ele, com
certeza, não será tão gentil quanto eu — disse ela apontando a arma pra
minha cabeça.
Sem outra opção, ergui um pouco as mãos e a segui.
Aquela parede dava numa espécie de corredor que saiu em um enorme
lance de escadas.
Enquanto eu caminhava com aquele agente à minha frente, Catherine ia
atrás.
— As câmeras estão desligadas? — ela perguntou e o agente assentiu.
— Sim, fizemos tudo como a senhora mandou — ele respondeu.
Quer dizer que a mulher ia me tirar dali escondido e não haveria
nenhuma prova que a incriminasse?
Ela era muito esperta, por isso ficou tanto tempo sem ser descoberta.
Isso significava que eu estava muito enrolada.
O segurança de Catherine abriu uma porta e saímos em uma grande
garagem. Olhei ao redor e, com alguma dificuldade, enxerguei alguns carros
que pareciam bem luxuosos, mas não tive certeza, pois as luzes estavam
intermitentes, como se a fiação estivesse em curto.
— Está mesmo louca se acha que vou deixá-los me tirarem daqui —
falei quando escutei a porta da garagem se abrindo e vi um carro oficial
entrando.
Enquanto Catherine voltava a atender seu telefone, avaliei rapidamente
aquela situação e cheguei à conclusão de que, se eu corresse, ela me atiraria
nas costas, se avançasse contra ela, imediatamente o brutamontes me
impediria ou ela mesma me acertaria com a coronha da arma, e se eu entrasse
naquele carro, eu nunca mais veria meu filho de novo, ou seja, não tinha para
onde fugir.
Harry, cadê você?
Após meu discurso, um clima meio fúnebre tomou conta do salão de
festas. Nenhuma daquelas pessoas imaginava que eu desistiria de concorrer à
reeleição pouco tempo depois de ter falado que lutaria para permanecer na
Casa Branca.
Mas aquela era a minha decisão e a primeira jogada para começar a
desestruturar quem quer que estivesse por de trás de toda aquela merda. A
partir daquele dia, podia começar a pensar em outro candidato para
atormentar, porque eu jamais arriscaria a vida do meu filho por causa de um
cargo político.
A convivência com ele me fez perceber que havia coisas que o dinheiro
jamais poderia comprar. Por causa dele eu reavaliei minha vida, sobretudo, os
valores familiares que recebi de meus pais e avós, mas que estavam
enterrados dentro de mim.
Por isso fiz questão de que Elizabeth comparecesse, queria que ela
ouvisse em primeira mão o que eu iria dizer, que estivesse olhando para mim
no momento em que dissesse que estava desistindo da política. Que visse em
meus olhos que eu estava fazendo aquilo por ela e, principalmente, por Colin.
Que entendesse que eles agora eram a minha prioridade e mereciam uma vida
tranquila e sem ameaças.
Olhei para Liz e, mesmo à distância, percebi o quanto parecia feliz em
ouvir minhas palavras. Feliz e absolutamente linda no vestido que escolhi.
E ainda que não estivéssemos juntos, os poucos dias que passei com ela
ali, foram mais agradáveis do que qualquer um que eu tenha passado com
Catherine naqueles pouco mais de três anos. Ver a forma como mamãe e Liz
se tratavam, a cumplicidade que havia entre as duas, me fez avaliar várias
coisas e perceber que eu não gostava daquele Harry. Que eu merecia mais.
Porém, o mais importante foi decidir que, se fosse preciso, eu
imploraria, mas conseguiria minha Liz de volta.
Na verdade, minha vontade era sair daquele púlpito e ir atrás dela para
traduzir o que ela viu em meus olhos a cada palavra proferida, mas fui
interceptado por Cathy, que me parou antes mesmo de eu descer do palco.
Sem se preocupar com quem estava ao redor, ela tentou me fazer mudar
de ideia. Todavia, deixei claro que a decisão estava tomada e que o melhor
que ela tinha fazer, era começar a se despedir do seu cargo de primeira-dama.
Pela primeira vez em todos esses anos, eu a vi surtar. Era como se não
enxergasse ninguém além de mim. Ela só parou quando Allen tomou seu
braço e falou algo em seu ouvido. Aquilo pareceu despertá-la e a deixou
ciente dos olhares curiosos.
Após um olhar fulminante para mim, Cathy se afastou e sumiu por
entre os convidados.
Ao me ver livre, saí do palco e procurei por Liz, mas não a encontrei e
imaginei que estivesse conversando com alguém. Ainda assim, comecei a ir
em direção à porta, onde ela estivera, mas a todo instante alguém me parava
para lamentar minha decisão.
— Zed, localize Elizabeth, por favor, preciso falar com ela — pedi
quando ele se aproximou de mim, muitos minutos depois.
Ele assentiu e pegou o celular.
Eu queria que Liz participasse do evento e escutasse meu discurso, mas
para isso eu tinha que ter certeza de que ela estaria em segurança, então,
mandei Snyder colocar um rastreador praticamente invisível, tanto em seu
vestido quanto nas sandálias que estava usando.
Mesmo sabendo que a Casa Branca era um lugar seguro, eu não iria
facilitar para o outro lado. Não depois da invasão à Blair House. Eu tinha que
me garantir de todos os lados.
Por isso, fiz o mesmo com o chinelo de dedo de Colin, uma vez que era
o calçado que ele mais usava, e no sapatinho que eu comprei. Também estava
preparando uma joia para ele usar, mas com relação a isso, iria checar
primeiro com Elizabeth.
— Acho que temos um problema, senhor — disse Zed encarando a tela
do celular e me fazendo gelar.
— O que houve?
— Aqui diz que ela está na garagem, mas acabei de acessar as câmeras
e elas estão desligadas.
— Merda! — falei e saí correndo feito um louco pelos corredores, com
meus seguranças atrás. — Mandem uma equipe para lá, imediatamente e peça
para verificarem as câmeras — berrei para ninguém especificamente.
Elizabeth não tinha motivos para estar na garagem, no entanto, foram
as câmeras desligadas que me deixaram completamente fora de mim. Esse
tipo de coisa não acontecia na Casa Branca.
Enquanto percorria os corredores, com Zed logo atrás de mim, pensei
que aquela casa nunca pareceu tão grande, pois, quanto mais eu corria, mais
longe aquela garagem parecia estar.
— Avise para não deixarem nenhum carro sair — berrei e o ouvi
repassar as ordens através da escuta.
Quando finalmente cheguei na garagem, praticamente não enxerguei
nada, pois apenas algumas luzes estavam funcionando, mas mesmo estas
ficavam acendendo e apagando de tempos em tempos.
Mas assim que me aproximei um pouco mais, vi um de nossos agentes
ao lado de um carro com uma arma apontada para a cabeça de Elizabeth. Já
Catherine, andava de um lado a outro, discutindo com alguém ao telefone.
— Que merda estava acontecendo ali?
— Nós assumimos daqui, senhor — Zed advertiu, mas antes que eu
pudesse responder, o carro que se encontrava próximo a elas, explodiu e eu
só tive tempo de piscar, desacreditado, antes que vários agentes formarem
uma parede humana ao meu redor.
Enquanto eles tentavam me arrastar para longe dali, eu ouvi gritos,
barulho de vidro estilhaçando e coisas caindo, vi a garagem ser tomada pela
fumaça e senti minha mente se encher de incertezas.
Mas de uma coisa eu sabia: Elizabeth estava no meio daquilo tudo. Isso
me fez acordar.
— Me soltem! — vociferei, mas ninguém se mexeu. — Me soltem
agora, isso é uma ordem! — berrei, desvencilhando-me deles.
— Estamos seguindo o protocolo, senhor.
— Esqueçam a porra do protocolo e apenas chamem uma ambulância
— gritei e corri em direção à garagem.
Lá, enquanto alguns agentes tentavam apagar o fogo com extintores,
outros corriam a minha volta, tentando me proteger, para o caso de haver
outra bomba.
Quando finalmente consegui atravessar aquela cortina de fumaça,
encontrei dois corpos caídos no chão, mas nenhum deles era Elizabeth.
Andei de um lado para o outro, sentindo uma angústia enorme tomar
meu peito.
— Aqui, senhor — Zed avisou, indo em direção à porta de acesso a
garagem.
Liz estava lá, desmaiada, mas respirando.
— Abram todas as portas para que essa fumaça evanesça ou ela vai
sufocar.
Minha vontade era abraçá-la, mas não podia mover seu corpo, tinha
medo de que tivesse quebrado alguma coisa, então, tirei o paletó e comecei a
sacudir para que a fumaça se dissipasse.
— O que fizeram com você? — perguntei, agachando-me e tocando
seu rosto desacordado.
Eu tinha planejado uma noite inteira para nós, queria explicar o quanto
Colin havia mudado minha vida e agora, ali estava ela, toda machucada, e
tudo por culpa de pessoas tão ambiciosas quanto eu fui, ao desejar aquele
posto.
Não demorou muito e o barulho de diversas sirenes tomou conta de
tudo, esquadrão antibomba, ambulâncias, entre outros, invadiram o jardim e
aquilo virou um inferno de bombeiros, médicos, socorristas e dezenas de
outras pessoas tentando entender o que havia acontecido.
Quando os paramédicos chegaram, tudo se tornou um grande borrão.
Eu berrava ordens tentando ser o presidente dos Estados Unidos, forte e
decidido, mas a verdade era que, naquele momento, eu era apenas um homem
que se negava a perder a mulher que amava.
Acompanhei os trabalhos completamente em choque, mas me afastei
para que conseguissem tirar Elizabeth de dentro daquele acesso que era usado
para casos de emergência, mas no qual Catherine encontrou outros fins.
Mulher maldita!, pensei, com o coração cheio de ódio e revolta.
O agente traidor que estava com elas, morreu na minha frente enquanto
era atendido. Uma peça do carro perfurou seu peito, o que deve ter causado
muitos danos.
Já Catherine, estava em estado grave, com muitas queimaduras pelo
corpo e estilhaços no abdômen.
Aquilo parecia um show de horrores.
Eu não sabia o que fazer, o que pensar, estava completamente perdido.
Não suportaria perdê-la de novo, especialmente de uma maneira tão
trágica, e por culpa da mulher que dormia comigo todos os dias.
Como nunca desconfiei dela e de sua ambição descabida?
Logo eu, que era tão bom em ler as pessoas, me deixei levar por sua
conversa cheia de planos mirabolantes para chegar à Casa Branca...
Nós havíamos nos unido pelo mesmo desejo de poder e agora descubro
que ela era uma das causadoras de todo o sofrimento que passei nos últimos
anos. Porque não havia outra explicação, Catherine estava no meio disso. Por
causa dela, Liz foi embora.
Percebi um pequeno alvoroço e quando me virei, vi uma cena que
realmente me fez questionar se eu estava lúcido ou se meus sentidos estavam
embaçados.
A alguns metros, vi Lexy pendurada no pescoço de Zed, que a abraçava
pela cintura. Para piorar as coisas, ela largou seu pescoço e o beijou. Não um
beijinho no rosto, como os amigos faziam, mas um super beijo na boca.
Balancei a cabeça. Eu realmente devia estar entorpecido pelo dióxido
de enxofre da fumaça.
Voltei a observar o médico que cuidava de Elizabeth. Mas no instante
seguinte, Lexy apareceu ao meu lado.
— Meu Deus, Harry, Zed me falou o que aconteceu. Eu sinto muito —
disse, os olhos marejados ao ver a maca de Elizabeth passando por nós.
Tentei me aproximar, mas os médicos não permitiram, então, deixei
que fizessem seu trabalho.
— Você não teve culpa, ninguém poderia imaginar que Catherine
chegaria a esse ponto. Agora nós precisamos acalmar os jornalistas. Chame o
Chad, ele precisa se preparar para responder perguntas na Sala de Imprensa.
— Tudo bem. Mais alguma coisa? — quis saber.
— Apenas avise meus pais, eles já devem estar loucos se estiverem
com a TV ligada lá em cima.
Ela assentiu e já começou a trabalhar, mandando mensagens de texto.
— Senhor, nós não sabemos o que aconteceu aqui, mas pode ter sido
um atentado terrorista; precisamos levá-lo para um lugar seguro — o chefe
do serviço secreto falou, mas naquele momento eu não estava a fim de ser
paciente.
— Como vocês deixaram isso acontecer, seus irresponsáveis? Uma
bomba em um dos carros da Casa Branca? Como podem não ter visto? —
estourei, fora de mim, louco para descontar minha raiva em alguém.
— Harry, agora não é o momento, venha, você precisa ir para o
hospital, para todos os casos, Catherine ainda é a primeira-dama e está
gravemente ferida.
— Desculpe, Lexy, mas ele não pode sair daqui assim, nós precisamos
verificar todos os carros e o perímetro para termos certeza de que não haverá
outro ataque.
— Uma ova que eu não posso! — falei e saí em direção aos carros. —
Ou vocês me levam ou estão todos no olho da rua — ameacei e antes que ele
falasse qualquer coisa, Zed conversou com eles que, rapidamente, checaram
os três carros que nos levariam ao hospital.
Naquele momento eu não estava nem aí para o cargo de presidente, já
que nada teria sentido se acontecesse alguma coisa com Elizabeth.
Durante o percurso, a cena da explosão foi se repetindo em minha
cabeça, só parei de pensar naquela tragédia quando entramos pelo
estacionamento subterrâneo, uma vez que um mar de jornalistas já tomava
toda a entrada principal. Em poucos minutos todos os jornais do mundo
noticiavam que um carro tinha explodido na Casa Branca e que a primeira-
dama estava gravemente ferida.
A meu pedido, o nome de Liz não seria citado, queria poupá-la de toda
aquela exposição, ela já tinha passado por coisas demais.
— Colin e seus pais estão bem. Eles vão cuidar do menino até que tudo
se resolva — Lexy avisou quando entramos no elevador.
— OK. Zed, reforce a segurança deles e me mantenha informado.
— Sim, senhor.
Eu não fazia ideia de para onde estávamos indo, exatamente, mas o
corredor do andar já estava tomado por agentes do Serviço Secreto e FBI.
Quando cheguei à recepção, o diretor do hospital e os médicos que
tinham feito o primeiro atendimento a Catherine, já me aguardavam.
— Seu estado é crítico e ela foi levada ao centro cirúrgico para ser
submetida a uma laparotomia para procurar pelo sangramento e qualquer
outro dano que possa haver nos órgãos internos, mas estamos otimistas.
— Ótimo, e a outra paciente? — perguntei para a surpresa dos médicos
que, com certeza, esperavam um pouco mais de sentimentalismo da minha
parte.
— A Srta. Nichols?
— Exato — falei ansioso.
— A tomografia que acabou de fazer mostrou que duas de suas costelas
foram fraturadas, e apesar de estar desmaiada, o exame não mostrou qualquer
problema em seu cérebro, por isso, acreditamos que ela deve acordar a
qualquer momento.
Senti um alívio enorme e pedi que me levassem até seu quarto.
No mesmo instante Lexy inventou que eu queria perguntar o que havia
acontecido, pois ela era a única testemunha.
Compreendendo, eles me guiaram até lá.
Mesmo não sendo um cristão fervoroso, rezei no curto trajeto até onde
ela estava, agradecendo a Deus; porque apenas um milagre explicaria o fato
de Liz sair quase que ilesa de uma explosão daquele tamanho.
Entrei no quarto e me postei ao lado da cama.
Liz tinha alguns arranhões no rosto e nos braços, mas, fora isso, parecia
bem.
Toquei sua mão, que estava gelada, e entrelacei nossos dedos.
Eu tinha tanta coisa para falar, tanto tempo para recuperar, que vê-la ali
fez um nó se instalar em minha garganta.
Fiquei parado, velando seu sono, mas meu celular não parou de vibrar
um minuto.
O mundo inteiro queria falar comigo, mas o meu mundo estava inerte
naquela cama, então, não havia motivos para que eu atendesse.
Desliguei o aparelho e deixei que Lexy se virasse com os jornalistas.
Após um bom tempo, as pálpebras de Elizabeth começaram a se abrir
lentamente e ela deu um leve sorriso quando me viu.
— Acho que eu te devo um vestido — brincou.
— Você terá todos os vestidos que quiser — falei acariciando seu rosto.
— Sente alguma dor? Quer que eu chame um médico?
Ela fez que não com a cabeça.
— Eu estou bem, só preciso saber do Colin.
— Ele está com meus pais, estão todos em segurança, não se preocupe.
Ela assentiu, sonolenta, e fez uma careta de dor quando tentou se
mexer.
— Está com algumas costelas quebradas, mas ficará bem, eu vou cuidar
de você — garanti, sentindo o nó na garganta voltar.
Meu Deus, eu quase a perdi.
— E a Catherine?
— Está em cirurgia, mas seu estado é grave.
— Foi ela, Harry, ela sempre esteve por trás de tudo.
— Eu imaginei, cheguei a tempo de te ver sob a mira da arma dela. É
um milagre que tenha tão poucos ferimentos.
Liz se ajeitou na cama e começou a me contar o que aconteceu.
— Ela me atraiu a uma sala e me ameaçou de todas as formas; estava
possessa porque você desistiu da candidatura. Quando soube que estava a
minha procura, me fez seguir por um caminho que deu na garagem. Durante
uma ligação, Cathy pediu aquele carro específico. Pelo que entendi de tudo o
que ela falou, eu e os comparsas dela sairíamos da Casa Branca nele, já ela,
voltaria à festa para não levantar suspeitas.
“Enquanto ela falava ao telefone, aproveitei uma das ocasiões em que a
luz apagou, e saí correndo, foi nesse momento que houve a explosão. Não sei
ao certo o que aconteceu, só senti meu corpo sendo arremessado contra uma
das paredes e apaguei. Se eu tivesse permanecido no lugar, estaria tão ferida
quanto eles.
— Meu Deus, Liz — falei ao ouvir sua ideia imprudente —, ela poderia
ter atirado em você.
— Eu sei, Harry, mas eu tinha que tentar. Catherine sabia que havia
uma bomba naquele carro, ou não teria pedido de forma tão específica. Se
tivesse entrado nele, não estaria aqui para contar a história.
Nossa conversa foi interrompida quando Zed anunciou que um dos
médicos queria falar sobre o estado de saúde de Catherine. Embora não me
importasse com aquela assassina, precisava manter as aparências, pois para o
resto do mundo, ela era minha esposa.
Contrariado, pedi licença a Liz e fui escutar o que os cirurgiões tinham
a dizer.
Eles deixaram claro que mesmo com todos os esforços, não puderam
fazer muita coisa, pois os ferimentos eram muitos e bem graves. Para piorar,
havia as queimaduras que atingiram toda a parte posterior do corpo dela.
Em suma, seu estado era grave e agora não dependia mais da medicina.
Quando terminaram, agradeci a todos por terem cuidado dela e após
uma breve visita à UTI, voltei para o quarto de Elizabeth. Mas antes, pedi a
Zed que não autorizasse a entrada de ninguém sem que eu permitisse.
— Ainda acordada? — perguntei quando nossos olhares se cruzaram.
— Achei que um certo presidente bonitão poderia querer me visitar.
Mesmo tendo passado por aquilo, Liz parecia tranquila. Talvez saber
que a pessoa responsável por todos os seus problemas fora descoberta, tenha
ajudado nisso.
— Não saio deste hospital hoje.
— Quando foi que ficou tão atencioso? — zombou enquanto eu
dobrava as mangas da camisa.
— Você não foi muito receptiva depois daquela noite, sequer me
deixou chegar perto nos últimos dias — falei em minha defesa.
O mundo estava se acabando do lado de fora e eu flertando com a
minha ex-namorada e mãe do meu filho, mas não conseguia pensar em nada
melhor para fazer naquele momento.
— Não acredito que vamos lavar a roupa suja no hospital — ela
brincou.
— Temos o resto da noite para fazer isso, só voltarei a ser presidente
quando amanhecer, então, é melhor me dar um espaço nessa cama.
— Está falando sério?
— Claro.
Com um pouco de dificuldade, Liz se ajeitou, abrindo espaço e eu me
deitei ao seu lado. Cautelosamente, para não a machucar, puxei-a para mim.
A paz que aquilo nos proporcionou foi tão grande, que ficamos longos
segundos em silêncio, apenas aproveitando o prazer de poder estarmos
juntos, sem medo ou culpa.
Naquele momento eu só queria ficar com ela, o resto poderia esperar.
Acordei sentindo uma forte dor nas costelas e um pouco de dificuldade
para respirar, mas sorri quando vi Harry dormindo, tranquilamente, ao meu
lado.
Em meio a toda aquela confusão, sentia certo alívio, pois agora já
sabíamos quem estava por trás daquelas ameaças e do atentado a Colin,
bastava achar seus cúmplices agora.
Uma leve batida na porta fez com que Harry despertasse e,
calmamente, saísse da cama.
— Bom dia — ele disse e me deu um beijo na testa para depois
verificar quem estava batendo.
— Desculpe, senhor, mas os pais da Sra. Stone estão aqui. Lexy
mandou entregar isso e avisou que está aguardando aqui do lado de fora —
Zed informou, entregando uma pequena mala de mão e um cabide envolto em
um tecido chique, onde deveria conter um terno.
— Avise aos pais de Catherine que os encontro em alguns minutos.
Diga o mesmo a Lexy — pediu a Zed e depois se virou para mim: — Já volto
— disse e foi em direção ao banheiro.
Harry tomou um banho rápido e em quinze minutos estava pronto,
dentro de um terno elegante e com os cabelos penteados.
— Eu amo esse perfume — falei, baixinho, quando ele se aproximou.
— Eu sei, por isso nunca deixei de usar.
— Boa sorte, quando passar por aquela porta.
— Obrigado, vou precisar.
Alguns minutos depois que Harry saiu, Lexy pediu autorização para me
ver. Pensei em negar, mas depois aceitei, curiosa em saber o que ela queria.
— Como você está? — perguntou quando se aproximou.
— Bem, na medida do possível — respondi.
Ela permaneceu calada por um tempo e pude ver que lutava um pouco
com as palavras que queria me dizer.
— Eu sei que nunca tivemos uma boa relação, mas gostaria que
soubesse que estou feliz que esteja viva e bem.
— Se continuar falando comigo sem ar de deboche, vou acabar
acreditando — brinquei e ela sorriu.
— Não sabe como me senti culpada durante esses últimos anos, mas
fico feliz que Harry tenha desistido da reeleição, eu, sinceramente, já não
aguentava mais essa pressão de Washington.
Lexy estava completamente despida do característico humor sarcástico,
parecia até outra pessoa falando comigo.
— Não se sinta culpada, agora sabemos que o inimigo estava tão perto,
que vocês jamais poderiam desconfiar.
— Pois é, eu e Harry sempre achamos que Cathy só era deslumbrada
com o cargo de primeira-dama, ninguém imaginou que ela pudesse ir tão
longe.
— E como ela está? — perguntei.
— Ao que tudo indica, não vai sobreviver, os médicos estão sendo
otimistas por ela ser a primeira-dama, estão temendo a reação de Harry, mas
não tem jeito, ela teve vários órgãos perfurados, ninguém sobrevive a isso.
Em toda a minha vida eu nunca desejei a morte de ninguém e nem
desejava que Catherine morresse, mas não conseguia sentir tristeza por ela
estar naquela situação, e que Deus me perdoasse por isso.
Eu rezava para que o criador decidisse o destino dela, mas nunca iria
esquecer de todo o mal que me fez.
— O pior de tudo é que vai morrer como uma mártir, uma mulher boa
que fez de tudo para ajudar o povo americano, as pessoas nunca vão saber o
monstro que ela foi e do que foi capaz de fazer para chegar ao poder — falei,
desgostosa.
Lexy abriu a bolsa e pegou um jornal.
— Fico feliz em dizer que está errada. Pelo visto, há mais alguém
sabendo que ela não vale muita coisa e vazou essas fotos para a imprensa.
Peguei o jornal nas mãos e na capa do Washington Post havia uma foto
de Catherine aos beijos com Duncan Allen, o Chefe de Gabinete da Casa
Branca.
Fiquei com a boca aberta e os olhos arregalados por um bom tempo
enquanto digeria aquilo.
— Que mulher tem Harry Stone como marido e o trai com um tipo
como Duncan Allen? — perguntei embasbacada.
— Eu já fiz essa pergunta milhares de vezes, mas suponho que os
iguais se atraiam. — Ela balançou a cabeça. — Imagine como está a
imprensa do mundo inteiro, a explosão e as fotos vão render por muito
tempo. É o maior escândalo da casa Branca nos últimos anos.
— Imagino. E como Harry lidou com isso? Ele já viu, certo?
— Viu, sim, ficou surpreso, pois nunca sonhou que Allen e a
“sobrinha” tivessem alguma coisa, mas foi só isso. A verdade é que para ele
será bom, ele vai conseguir se livrar desse casamento de merda sem ser
julgado pelos eleitores, afinal de contas, ele é o marido traído.
Harry também tinha amantes, só que agora que eu conhecia o contexto
do casamento deles e do acordo que fizeram, não conseguia sentir pena dela.
Catherine se colocou naquela posição porque quis, conspirou contra todos por
interesse e agora estava entre a vida e a morte.
E ainda existiam pessoas que não acreditavam na lei do retorno.
— Você tem razão — falei e ficamos em silêncio, enquanto eu lia a
matéria super sensacionalista que levantava várias suposições sobre a noite
de horror na Casa Branca. — Lexy, tem como você ver quando irei receber
alta, estou louca para ver o meu filho — comentei lhe estendendo o jornal.
— Nós já cuidamos de tudo. Hoje de manhã Julie e Romeo o levaram
para Nova York, pois Washington está uma loucura, então achamos melhor
ele ficar com os avós.
— Foi uma boa ideia.
— Essa criança mudou a vida de todos eles, foi, decididamente, um
presente — ela disse, toda feliz e me deixando impressionada com essa
personalidade. Agora eu estava vendo a amiga de quem Harry tanto gostava.
— Vou perguntar a respeito de sua alta, acredito que deve ser ainda hoje ou,
no máximo, amanhã. Harry não quer que você fique aqui.
Assenti e esperei que ela fosse falar com os médicos.
Alguns minutos depois fui examinada e lhes informei que, fora as dores
nas costelas, não havia mais nada me incomodando, mesmo assim, só me
dariam alta no dia seguinte pela manhã.
Enquanto esperava, liguei a TV, apenas para ver que a principal notícia
em todos os noticiários e canais de fofoca era Catherine Stone: Por que ela
traía? Como teve coragem de trair um homem como Harry?
As pessoas pareciam ter se esquecido de que ela estava na UTI, apenas
esperando a morte, e se apegaram a sua falta de moralidade.
Os americanos tinham seu presidente em alta conta, então as suposições
iam desde o simples fato de ela não o amar, até ela ser tão louca para ter um
filho, que estava tentando com outro homem.
Eram coisas tão bizarras que me faziam arregalar os olhos em surpresa
a cada pessoa que era entrevistada.
No fim, eu gostei, me ajudou a passar o tempo.
Naquela tarde também recebi uma ligação de Julie e pude falar um
pouquinho com Colin que alegou estar com saudades. Mas logo disse que na
casa do vovô Romeo tinha um quarto de brinquedos só para ele, e isso o
animou na mesma hora.
Julie havia comentado que estava montando um espaço kids em sua
cobertura para quando fôssemos visitá-la, então imaginei que meu filho
deveria estar enlouquecido com todo amor e atenção que estava recebendo.
No fim do dia foi a vez de Joseph me ligar, o que me deixou muito feliz
e surpresa. Seu mordomo havia me dito que ele estivera doente nos últimos
dias, ficando, inclusive, internado
Eu havia ficado muito preocupada, então, sentia-me extremamente
satisfeita por poder escutá-lo.
— Lembrou que eu existo? — brinquei, ultimamente estava difícil
fazer contato com ele.
— Desculpe minha ausência. Como você está se sentindo? Estou
preocupado, Stella me falou apenas vagamente o que aconteceu.
— Está tudo bem agora, Harry está cuidando de tudo.
— Que ótimo.
— Agora me diga, porque sumiu? Senti sua falta.
— Obrigado, querida, mas foi necessário.
— Como assim?
— Você sabe que eu nunca lhe negaria ajuda, ainda mais com os
últimos acontecimentos, mas já estava na hora de Harry assumir a
responsabilidade no que se referia a vocês e estou muito feliz que ele esteja
fazendo isso.
Ah, meu Deus. Como não pensei nisso antes?
Joseph jamais deixaria de me atender, então, deveria ter desconfiado
que o espertinho estava armando alguma coisa.
— Parecia que eu precisava de um empurrãozinho mesmo.
— Ele está cuidando de vocês, imagino.
— Sim, desde o início tomou as rédeas da situação.
— Ótimo. Por mais que eu tenha dinheiro e influência, nada se
compara ao poder e alcance de Harry Stone, além do mais, já passava da
hora de vocês resolverem essa situação.
— É verdade. E quando todo esse pesadelo acabar, vamos marcar um
almoço lá em casa, quer dizer, na sua casa. — Eu às vezes me esquecia que
aquela casa ainda era dele.
— Algo me diz que aquela casa agora é só de Consuelo, Benito e da
Stella.
— Do que está falando?
— Harry não vai querer ficar longe do filho, então, imagino que seu
novo endereço seja Washington e depois, Nova York.
Senti um friozinho na barriga, Joseph sempre acertava em seus palpites.
— Prefiro não criar expectativas.
— Você está certa. Agora vou deixá-la descansar.
— Tudo bem, obrigada por ligar.
Após aquela ligação, recebi a notícia de que minha alta tinha sido
antecipada, então, com a ajuda de uma enfermeira, eu tomei um banho e
coloquei uma roupa que Lexy havia providenciado.
Estranhei a ausência de Harry, mas não questionei, com todos os
acontecimentos, a vida dele deveria estar uma loucura.
Saímos do hospital usando o estacionamento no subsolo e fomos direto
para o hangar da família Stone, no caminho, Lexy explicou que Harry
geralmente usava o jato ou o helicóptero da família para se locomover sem
ser notado pela imprensa.
Quando desci do carro, achei que ela fosse me acompanhar, mas não.
— Eu tenho que voltar para a Casa Branca, aquilo está uma loucura.
— Tudo bem, obrigada por tudo.
Lexy se despediu e eu fui, calmamente, caminhando em direção ao
enorme jato que tinha o nome Indústrias Stone escrito na lateral.
Cumprimentei a tripulação que me esperava no pé da escada e subi com
calma, sentindo minhas costelas reclamarem.
Quando entrei na aeronave, vi Harry na primeira poltrona com um copo
de uísque na mão e um papel na outra, mas olhando diretamente para mim.
— Não sei se fico feliz ou te interno, seu maluco — brinquei e
caminhei até ele.
Com cuidado, Harry me sentou em seu colo.
— Por que maluco?
— A Casa Branca está pegando fogo, os jornais só falam da traição de
Catherine e você aqui, como se nada tivesse acontecido.
Harry tirou uma mexa de cabelo do meu rosto e depois me encarou.
— Eu me importei por tempo demais com a opinião pública e as
manchetes sensacionalistas dos jornais, mas isso não guia mais a minha vida,
então, deixe a Casa Branca queimar e os jornais ganharem dinheiro com a
traição de Catherine. Eu só me importo com duas coisas agora: uma delas
está em Nova York, provavelmente comendo donuts de todos os sabores e a
outra, sentada em meu colo.
Sorri e aproximei minha boca da dele, em meio a toda aquela confusão,
ele tinha voltado a ser o meu Harry e meu coração não cabia dentro do peito
de tanta felicidade.
Do hangar em Nova York um helicóptero nos levou para outro lugar, o
qual Harry manteve segredo até que eu mesma reconhecesse.
A cobertura.
Fiquei mais que animada quando vi que ele ainda a tinha.
— Eu jurava que você havia se livrado dela — falei, sentindo-me
nostálgica quando saímos do elevador e entramos no luxuoso hall de entrada
que, incrivelmente, continuava do mesmo jeito.
— Por mais doloroso que fosse vir aqui — disse ele me virando de
frente para si —,eu nunca tive coragem de me desfazer desse lugar, era a
única prova de que o que vivemos não foi um sonho.
Tentei levantar os braços para agarrar seu pescoço, mas o fiz rápido
demais e minhas costelas reclamaram.
— Calma, deixe que eu faça isso — pediu, quando viu minha careta e
me envolveu gentilmente em um abraço.
— Podemos ver o Colin agora?
Ele fez que não com a cabeça.
— Há alguém chegando para nos explicar como desarticulou a
conspiração, quem estava por traz e etc. Mas amanhã de manhã nós iremos
até lá.
Nossa conversa foi interrompida quando Zed abriu a porta permitindo a
entrada de um senhor acompanhado de outra pessoa que fez meus olhos se
arregalarem.
— Daniel?
Que diabos o namorado de Stella estava fazendo ali?
— Oi, Lizzie.
Zed e mais alguns seguranças também se espalharam pela sala.
— Vocês se conhecem? — Harry perguntou.
— Por que não ficamos mais à vontade para ter esta conversa? — o tal
senhor perguntou e Harry apontou a sala principal.
— Liz, este é Rurick Czar, pai de Zara — falou quando eu já estava
acomodada.
— Prazer, mas o que o Dan está fazendo com o senhor? — quis saber,
minha curiosidade nas alturas.
— Este é Caleb Dyson, um ex-agente da CIA que aceitou se juntar a
um de meus associados para cuidar da segurança de Elizabeth e seu filho.
Daniel? Um agente?
— Do que vocês estão falando? — perguntei, completamente confusa.
— Espera um pouco. Seu agente? Há quanto tempo você está conhece
o paradeiro de Elizabeth? — Harry questionou e eu percebi que estava se
segurando.
— Desde que me pediu para procurá-la. Achei tudo muito estranho e
resolvi ficar de olho — Rurick respondeu sem se abalar. — Mas Caleb só se
juntou a Jake, que já estava em Marlboro cuidando dela, quando Colin
nasceu.
Agora toda a desconfiança de Stella fazia sentido.
Harry fechou os olhos e respirou profundamente.
— Eu não estou acreditando que pedi para encontrá-la e em vez de me
falar, você simplesmente escondeu a informação. Por que diabos fez isso?
— Acho que os últimos acontecimentos respondem à sua pergunta.
Mas, como eu disse, achei a fuga de Elizabeth muito suspeita, e quando
descobri que eles tinham mudado de nomes, soube que algo grave havia
acontecido. Então, cerca de dois anos depois, Caleb ouviu uma conversa
entre Consuelo e Benito, eles não falaram com todas as letras, mas meus
agentes são treinados para entenderem as entrelinhas e foi a partir daí que eu
comecei a investigar.
— Eu entendo seu ponto de vista, mas, porra, eu tinha o direito de saber
— Harry explodiu e todos na sala estremeceram, exceto o pai de Zara.
Caleb também não parecia muito preocupado, pelo contrário, olhava
para Harry com indiferença e segurança, totalmente diferente do rapaz tímido
que conviveu por tanto tempo com nossa família.
Além de agente, era um ator, pensei.
— Eu entendo sua revolta e sabia que seria assim, mas lido com esse
tipo de gente a vida inteira e fiz o que era melhor para todos. Entretanto, se
quiser que eu vá embora, seus agentes podem explicar, já lhes passei todos os
detalhes.
O tom de Czar deixou os ânimos mais agitados, mas Harry, embora
furioso, disse:
— Estou ouvindo.
— Eu não descobri nada no início. Allen e Catherine eram
extremamente cautelosos. Não se encontravam com ninguém, só usavam
telefones descartáveis e, mesmo entre eles, era tudo muito normal, ou seja,
verdadeiros profissionais, talvez porque sabiam que eu estaria de olho em
qualquer coisa suspeita. Essa normalidade só foi quebrada nos últimos dias, a
presença de Elizabeth e seu filho os deixaram frenéticos, o que levou à
imprudência e a partir daí houve uma sucessão de erros que nos permitiu
descobrir algumas coisas. Com isso, eu soube onde colocar escutas e câmeras
e só então comecei a desvendar o esquema, encontrar cúmplices e desbaratar
uma conspiração que era muito maior do que havíamos imaginado.
— Quem mais está envolvido nisso? — Harry perguntou secamente.
— Alguns políticos do alto escalão, incluindo George McNolan, que
chegou em sua campanha como um lobo solitário, mas que já estava no
esquema com Allen há muito tempo. Além dele, alguns empresários que
financiavam a coisa toda, entre outros nomes. O esquema deles era quase
perfeito, só não contavam que a primeira-dama fosse colocar tudo a perder, o
desespero de Catherine em se livrar de Elizabeth pôs fim a tudo que estava
planejado.
O silêncio naquela sala era assustador, mas nada se comparava a
expressão de raiva que Harry exibia em seu rosto.
— Continue — ele disse e foi ao bar pegar uma bebida.
— Quando eles descobriram que Elizabeth estava de volta, as peças
começaram a se movimentar, mas as jogadas não foram as mais acertadas.
— Sem enigmas, Rurick — Harry falou irritado.
— Eles tinham dois agentes infiltrados, um com Catherine e outro com
Lexy. O de Catherine a ajudava a encobrir qualquer coisa que ela fosse fazer
fora do esquema da Casa Branca, já o que estava com Lexy, tinha o dever de
descobrir o que pudesse e repassar para Allen. O problema é que o agente
infiltrado com Lexy, estava trabalhando no dia em que ela foi visitar
Elizabeth. Quando acordou, Caleb o reconheceu como o motorista do
acidente envolvendo seu filho. O suspeito que pegamos tentando invadir a
Blair House, foi apenas um bode expiatório que eles mandaram para que
perdêssemos tempo. Era tão dispensável que foi envenenado na primeira
oportunidade. Já aquele primeiro, realmente não sabia de nada, mas também
foi preso e será indiciado por espionagem.
Olhei para Daniel, estranhando aquela informação.
— Você estava lá no dia da visita de Lexy?
Ele negou com a cabeça.
— Eu instalei câmeras do lado de fora e nas áreas comuns da casa e vi
quando eles chegaram.
— Mas meus homens olharam tudo no dia em que eu estive lá e não
encontraram nada.
Dan deu um sorrisinho e disse:
— Eu sou especialista nisso, se quiser monitorar alguém, a pessoa
nunca saberá.
Balancei a cabeça e perguntei o que estava entalado em minha garganta
desde que o vi ali.
— Então foi tudo mentira? O namoro, tudo?
Dan ficou calado por alguns segundos, mas depois respondeu:
— Se você quer saber se entre minhas ordens estava seduzir Stella, a
resposta é não. Tudo o que eu precisava era ficar de olho para que nada
acontecesse a vocês. O namoro veio bem depois e porque eu gostei dela, não
tinha nada a ver com a missão.
— Mas foi muito conveniente, não é? — cuspi, morrendo de raiva dele.
— Não posso negar, mas eu cuidaria de vocês estando ou não com ela.
— Sinceramente não sei o que pensar — concluí, achando tudo aquilo
uma grande loucura e pensando que Stella ficaria arrasada quando
descobrisse a verdade.
Olhei para Harry que analisava tudo friamente, o ódio crepitando em
seus olhos.
— Quero todos eles interrogados, acusados de traição e presos —
Harry ordenou.
— Já estou em contato com o Departamento de Defesa. Vamos
trabalhar juntos para que isso aconteça nas próximas horas. Só há um
problema. Allen já está preso, mas se ele não aparecer, a imprensa pode
especular que, por vingança, você mandou matá-lo ou algo do tipo. Afinal,
ninguém sabe a respeito da conspiração; para todo mundo, o único erro dele
foi dormir com a mulher do presidente, o que não é nenhum crime.
— Estou me lixando para o caso que ele teve com Catherine! — Harry
falou em tom grosseiro.
Rurick assentiu.
— Eu sei, mas o resto do mundo, não. Você tem que fazer um
pronunciamento à nação, as pessoas estão assustadas, algumas choram pela
primeira-dama e outras a odeiam por tê-lo traído. Precisa decidir se ela vai ser
lembrada somente como a mulher que traiu o presidente mais amado dos
últimos tempos ou como a mulher que, desde o início, conspirava contra ele.
Eu jamais pediria a Harry que fizesse um pronunciamento expondo
toda a verdade, isso não traria os anos perdidos de volta. Também sabia que,
independentemente de qualquer coisa, Catherine sempre seria lembrada, mas
concordava com Rurick quando ele dizia que Harry teria que escolher de que
modo isso aconteceria. E confesso que me incomodava saber que, no final,
ela poderia sair como heroína.
— Você fala como se ela tivesse morrido — Harry comentou.
— Ainda não, mas irá, o estado dela é gravíssimo, as próximas horas
serão decisivas, então, pense bem no que fará.
Rurick deu mais alguns detalhes sobre como conseguiu chegar a
Catherine e seu amante, e a cada palavra eu ficava mais assustada com os
meios que utilizavam para descobrir a verdade.
Quase duas horas depois eles foram embora e eu me sentia chocada e
exausta.
Antes de deixar a cobertura, Dan se aproximou e pediu para que eu o
ajudasse, pois acabou se apaixonando por Stella, mas decidi que não iria
interferir. Achava que ela precisava decidir se o queria de volta sozinha.
Mas pelo que conhecia da minha amiga, ela não acreditaria mais nele.
E eu não tirava sua razão. Era difícil confiar em alguém que mentira
por tanto tempo.
— Uau — falei quando me deitei na cama, com a ajuda de Harry.
Ele estava bem silencioso desde que Rurick foi embora.
— O que foi, Harry? — perguntei enquanto ele ajeitava as cobertas
sobre mim.
— Ainda não acredito que eles já sabiam de você, do meu filho, e não
me falaram nada, isso é inadmissível — vociferou.
— Eu sei, Harry, mas não acho que ele estava completamente errado.
Se os envolvidos não fossem pessoas do meio político, eles talvez tivessem
descoberto tudo isso muito antes, mas Allen e Cathy, certamente, já sabiam
que Rurick estaria de olho e não vacilaram um segundo sequer. Se não fosse
a loucura de Cathy, era capaz de ainda estarmos no escuro.
— Eu sei, mas vamos deixar para pensar nisso amanhã, você precisa
descansar — falou e se juntou a mim na cama.
Encostei a cabeça em seu peito sem acreditar que estávamos vivendo
aquele momento, ainda não tínhamos conversado a respeito de nada relativo
ao futuro ou em como ficariam as coisas, mas o que estávamos vivendo
parecia algo tão certo, que eu sequer me preocupei com isso.
Ergui o rosto e alcancei sua boca. O gosto de Harry era como um
calmante para minha alma e um afrodisíaco para o meu corpo.
Enquanto o beijava deslizei a mão por seu abdômen e massageei seu
pau por cima da boxer, morta de desejo. Ele suspirou entre meus lábios.
— Não me provoque, Liz, senão vou esquecer que você está com as
costelas quebradas.
— Não se deve negar sexo a uma mulher sedenta — brinquei.
— No estado em que me deixou, é bem possível que a desmonte inteira
se te pegar do jeito que quero — ele falou, todo sedutor.
— Promessas... — zombei e ele sorriu de um jeito que me deixou
encantada, mas não cedeu e eu agradeci por ele não ser tão imprudente
quanto eu.
Harry Stone havia voltado a ser o homem por quem eu tinha me
apaixonado; em meio a toda aquela confusão, ele estava me mostrando, todos
os dias, que tinha escolhido ficar comigo.
Conversamos e trocamos carinhos até pegar no sono, foi diferente
dormir sem sexo, mas nem por isso menos prazeroso, pois, só a presença de
Harry me deixava entorpecida de paixão.
Acordei algumas horas depois, mas ainda era madrugada e ao longe
escutei sua voz ao telefone.
Mesmo antes de ele falar qualquer coisa, eu sabia que Catherine não
tinha resistido.
Aquela mulher tinha feito tanto mal, mas, mesmo assim, eu preferia
que ela pagasse em vida, contudo, não foi isso que Deus decidiu.
— Catherine faleceu, eu tenho que ir, mesmo em meio a esses boatos
de traição, preciso ter uma postura diplomática, depois penso em como
resolver o resto — ele falou guardando o celular no bolso e me dando um
beijo.
Após sua saída, voltei a me deitar e fiz uma oração pela alma de
Catherine, ela tinha sido um monstro em vida, mas eu desejava que
encontrasse a paz onde quer que estivesse. Também pedi que o tempo
passasse logo, que tudo aquilo se resolvesse, porque eu queria viver o meu
conto de fadas com o homem que eu amava.

TRÊS DIAS DEPOIS...

Eu já estava em frente à televisão há quase vinte minutos segurando


uma xícara de chá e esperando o pronunciamento onde Harry iria falar sobre
todos os acontecimentos dos últimos dias.
Ele esperou o funeral de Catherine acontecer e agiu de forma bem
diplomática, no entanto, não havia dado nenhuma entrevista à imprensa e as
especulações estavam nas alturas.
Quando a imagem da Sala de Imprensa surgiu na tela, ele já estava no
modo presidente que eu amava tanto.
Era impossível olhar para aquele homem e não ficar impressionada, ele
tinha uma mistura de masculinidade, sofisticação e elegância que o tornavam
irresistível.
Mudei o foco dos meus pensamentos quando ele começou a falar:
— Boa tarde a todos! Muito tem se falado a respeito da forma fria
como me portei com relação à morte de minha esposa. Alguns pensam que eu
sou apenas frio, outros que eu estou ressentido pela traição e é para que não
haja mais especulações que eu estou aqui.
Ele respirou fundo e então começou a narrar:
— Antes de me tornar presidente, eu era um homem comum, mas por
influência de minha família, tinha desejos bem ambiciosos. Minha maior
ambição, entretanto, era ser presidente dos Estados Unidos. O desejo que
começou na infância me acompanhou até a vida adulta e, graças aos meus
eleitores, eu consegui realizar esse sonho.
“Não me lembro de alguma vez ter me questionado sobre minhas
intenções políticas, até conhecer a mulher que me mostrou o que era o amor.
“Como qualquer ser humano, eu estava suscetível a me apaixonar e
isso aconteceu bem às vésperas de eu anunciar minha candidatura à corrida
presidencial.”
Ouvi-lo dizer em rede nacional que havia se apaixonado por mim, fez
um calorzinho tomar conta do meu coração.
— Naquela época, Elizabeth tinha apenas vinte e três anos,
escolaridade mediana e nenhuma experiência no mundo político. Ela era
uma garota comum, com sonhos e desejos como muitos dos que estão me
vendo agora, mas nem por um momento isso me incomodou, eu a amava,
estava decidido a torná-la minha esposa e, com sorte, minha primeira-dama.
“Mas as coisas não saíram como o planejado. Um dia, do nada, ela
terminou nosso relacionamento e desapareceu deixando apenas uma carta
com explicações vagas. Aquilo me deixou mortalmente ferido, ainda assim,
eu a procurei, por vários meses, afinal, eu a amava, estava disposto a ceder,
pensei até mesmo em desistir do meu sonho, se essa fosse sua vontade, pois
não me imaginava mais sem ela.
“Sei que os homens não gostam muito de expor suas “fraquezas”, mas
eu não me importo em dizer que essa foi a pior fase da minha vida. Eu sofri
feito um condenado e se tivesse aptidão para música, teria escrito ao menos
três álbuns de música country de tremendo sucesso.”
Todos riram, inclusive eu, mesmo em meio a enxurrada de lágrimas
que descia de meus olhos.
— Enfim, as duas coisas que eu mais desejei na vida foram Elizabeth e
a presidência, e já que não poderia ter a mulher que amava, decidi esquecê-
la e focar no que era possível e comecei minha campanha.
“Nessa época, Catherine já trabalhava comigo e foi meio automático
que começássemos a nos relacionar. Nós nos dávamos bem, ela amava a
vida política, era muito engajada na filantropia, assim como eu e minha
família e... Bom, uma coisa levou à outra e nós nos casamos.
“Sempre tive em minha mente que nós conquistamos a Casa Branca
juntos e depois que eu venci, Catherine desempenhou seu papel de primeira-
dama com maestria. Era querida pelo povo e até mesmo pela imprensa e
nosso relacionamento sempre foi elogiado pela mídia.
“Estava tudo perfeito, até Elizabeth reaparecer em minha vida
alegando que havia ido embora porque fora obrigada. Eu não vou entrar em
detalhes sobre os métodos usados para persuadi-la, mas posso afirmar que
qualquer pessoa em seu lugar teria feito o mesmo.”
Ele falou de maneira enfática e eu soube que fez isso para que ninguém
me julgasse.
— E se eu já estava em choque por saber disso tudo, imaginem como
fiquei quando ela me disse que, enquanto esteve longe, havia dado à luz um
filho meu.”
Nessa hora os jornalistas não sabiam se o deixavam falar ou faziam
perguntas, mas ele resolveu qualquer dúvida quando pediu silêncio para que
pudesse continuar.
— Isso foi um grande baque e eu fiquei completamente sem chão.
“A partir desse momento, coisas aleatórias começaram a acontecer.
Meu filho de apenas três anos e meio, a quem eu tinha acabado de conhecer,
foi vítima de um atentado perpetrado pelas mesmas pessoas que haviam
ameaçado Elizabeth anos atrás.”
Eu podia imaginar o que se passava na cabeça de quem estava ouvindo
aquilo.
— Com a ajuda de agentes especializados, nós conseguimos descobrir
quem eram os responsáveis por todos esses eventos e a motivação para tudo
que fizeram.
“E imaginem a minha surpresa ao saber que minha esposa e meu
Chefe de Gabinete, Duncan Allen, além de serem amantes, ainda eram os
responsáveis por conspirarem contra mim.
“Obviamente que eles não estavam sozinhos, esse conluio contava com
políticos do alto escalão e empresários que financiaram a coisa toda com o
intuito de conseguirem concessões, licitações, além de outras regalias, e é
com muito prazer que lhes informo que todos estão presos e serão julgados
por traição.”
Minha vontade era que eles tivessem a pena máxima, mas eu não
confiava tanto assim na justiça. Havia pessoas corruptas em todo lugar e tudo
o que podia fazer era torcer pelo melhor.
— Bom, alguns podem estar se perguntando por que estou dividindo
tudo isso, de forma aberta, sendo que eu poderia simplesmente abafar o caso
e inventar uma estória triste. Estou fazendo isso porque transparência
sempre foi o lema do meu governo e era imprescindível, para mim, que cada
americano entendesse a situação em que me encontro agora e não me
julgasse pela forma como agi em relação à Catherine.
“Qualquer pessoa com sangue nas veias verá que não tinha como ser
diferente diante de tudo o que ela fez. Minha história com Elizabeth foi
interrompida apenas por ganância. Eles me tiraram a chance de ficar com a
mulher que eu amava e com meu filho, um garotinho lindo que, por três anos,
não soube o que era ter um pai.
“Mas isso vai mudar.
“Eu sou imensamente grato pela chance de ter sido seu presidente, foi
uma honra e um privilégio ter servido ao meu país, todavia, após o término
do meu mandato, decidi que vou me dedicar inteiramente à minha família.
“Desde que me descobri pai, tudo o que anseio é recuperar o tempo
que perdi com as duas pessoas mais importantes da minha vida e dar a eles
tudo que lhes fora negado nos últimos anos.
“Obrigado por tudo e que Deus abençoe a todos nós.”
Nessa hora, a Sala de Imprensa pegou fogo, mas Harry simplesmente se
despediu e seu porta-voz assumiu.
Quanto a mim, estava trêmula, nervosa e muito orgulhosa.
Aquele homem tinha mostrado ao mundo todo mal que aquelas pessoas
tinham me feito e ainda declarou todo seu amor por mim.
Saí da sala e fui até a suíte de Harry onde Colin dormia profundamente.
Sentei-me na cama e passei as mãos por seus cabelos.
— O mundo já sabe que nós existimos, meu amor. Agora, seja o que
Deus quiser.
Fazia dez dias que não saíamos da cobertura de Harry. Quando ele
deixou Blake como presidente interino, com o intuito de nos afastar de
Washington por alguns dias, pensamos em viajar para um lugar tranquilo,
onde pudéssemos ficar em paz, mas logo essa vontade passou, tudo o que
queríamos era ficar juntos e reclusos, até que o burburinho causado por seu
último discurso arrefecesse.
Todo aquele escândalo era um prato cheio para a imprensa, mas Harry
não parecia muito preocupado, estava tão feliz em cuidar de Colin, que mal
ligava a TV ou lia jornais. Ele realmente estava desconectado do mundo,
focado apenas em recuperar o tempo perdido.
Eu, por outro lado, não conseguia ficar tão tranquila. A curiosidade
relacionada a mim estava nas alturas, jornais, revistas e programas de TV
queriam saber quem era a mulher que arrebatou o coração do presidente e não
paravam de solicitar uma entrevista.
Claro que também houve muita especulação a respeito da conspiração
que envolvia Catherine e Duncan Allen. O caso deles gerou revolta entre os
eleitores de Harry, mas o que agravou a situação foi o fato de terem atentado
contra a vida de Colin.
Os jornais não falavam de outra coisa e faziam questão de focar no
sangue frio da ex-primeira-dama e no fato de que foi sua ambição desmedida
a principal causadora de sua morte.
Ainda bem que logo após tudo isso, recebemos visita de Consuelo,
Benito e Stella. Eles passaram três dias conosco, o que deixou Colin
imensamente feliz por ter todas as pessoas que amava a sua volta.
Harry também aproveitou para agradecer à família de Stella por terem
ajudado a criar Colin e por toda ajuda e suporte que me ofereceram durante
os anos.
Consuelo, como sempre, não conseguia esconder sua admiração pelo
nosso presidente e deixou claro o quanto torceu por nós.
Durante sua estada, Stella me confidenciou que resolveu terminar tudo
com Daniel. Saber que ele mentira acabou esfriando um pouco dos
sentimentos que nutria por ele e após se dar conta de que jamais conseguiria
confiar nele de novo, preferiu não insistir.
Em um primeiro momento, eu achei que ela estava sendo radical, mas
depois de escutar seus argumentos, percebi que tinha razão. O trabalho de
Dan era perigoso. Gostando dela ou não, ele era um agente que, volta e meia,
seria chamado para alguma missão e ela não saberia viver com o medo de
que ele não retornasse. Por isso decidiu que seria melhor dar outros rumos
para sua vida.
De minha parte, deixei claro que a apoiaria na decisão que tomasse.
No último dia deles em Nova York, Julie fez questão de que todos
almoçassem juntos. Romeo, Julie e Dominic apareceram acompanhados de
Louise Stone e seu marido, Tony Osborne, que haviam chegado de viagem e
estavam ansiosos para conhecer Colin.
Foi um dia agradável, onde ninguém tocou no nome de Catherine ou
em assuntos que pudessem me deixar desconfortável.
Havia uma elegância natural em todos eles que os impedia de serem
indelicados, instintivamente, sabiam que eu e Harry só queríamos continuar
de onde paramos, sem ficar remoendo todo mal que nos fizeram.
— Estou curiosa, mas adoro quando você faz esse tipo de surpresa,
lembra a época que namorávamos — falei para Harry enquanto ele guiava
com olhos vendados pela cobertura.
Em meio a toda aquela confusão, eu não estava animada para
comemorar meu aniversário, mas Harry disse que não deixaria aquela data
passar em branco, então pediu que Julie e Romeo ficassem com Colin e
armou uma pequena surpresa para mim.
Quando ele tirou a venda dos meus olhos, fiquei de boca aberta ao ver o
tapete de rosas vermelhas na área externa da cobertura.
O lugar estava todo decorado com rosas vermelhas e velas decorativas.
Deliciei-me com aquela cena, meu coração transbordando de amor.
— Eu adorei — garanti, agarrando-me a ele e aspirando o perfume que
tanto amava.
— Quando toda essa loucura passar, poderemos comemorar com algo
mais especial como uma viagem ou qualquer coisa que você queira.
Eu sorri e o beijei apaixonadamente.
Antes que as coisas esquentassem, Harry me guiou para a mesa com
dois lugares e nos serviu um delicioso vinho branco.
Havia uma música gostosa tocando do lado de dentro e a temperatura
estava perfeita, o que deixava aquela atmosfera de romance ainda melhor.
Pela primeira vez em muitos dias, nós conseguimos relaxar sem nos
preocupar em ficar de olho em Colin; era bom ter um momento só nosso.
Apesar do clima leve, acabamos conversando sobre tudo que
aconteceu. Harry avaliou toda a situação e depois lhe falou como seriam os
próximos meses. Então lhe deu duas opções: ou Colin e eu continuaríamos na
cobertura em Nova York e ele, em Washington, ou iríamos todos para a Casa
Branca.
E nenhuma das opções me agradava de verdade.
Só de pensar em vê-lo unicamente nos finais de semana, já ficava com
o coração apertado. Eu iria morrer de saudade. Em contrapartida, embora as
pessoas tivessem sido solidárias com a minha história, a ideia de ser vista
como primeira-dama me aterrorizava. Aquele universo era muito diferente do
que sonhei para mim, então, pedi um tempo para refletir com calma.
Após o jantar, nós voltamos para dentro da cobertura, ambos com
nossas taças de vinho, e nos sentamos no confortável sofá da sala de estar.
Harry estava tão leve, tão relaxado, bem diferente daquele que
encontrei semanas atrás.
— Tantos anos de distanciamento e parece que nada mudou. Você
continua o mesmo homem por quem eu me apaixonei — confessei com a
cabeça encostada em seu peito.
— O amor que sinto por você me faz um homem melhor, esse é o
segredo.
Suas respostas bem elaboradas deixavam meu coração extasiado.
— Vamos morar aqui depois que você entregar a Casa Branca? —
perguntei, pois, mesmo morando juntos, as coisas estavam em suspenso.
Nós cuidávamos da cria de dia e transávamos enlouquecidamente à
noite. Ok, muitas vezes nós transávamos mais de uma vez ao dia e essa foi
uma ótima adição à nossa vida de casal em férias.
Harry esperava ansiosamente pelos cochilos de Colin, e eu adorava
tudo que fazíamos por todos os cantos daquela cobertura.
— Pensei em passarmos alguns meses viajando. Poderíamos usar o jato
das Indústrias Stone para não ficarmos muito expostos e fazer um tour pela
Europa. Também quero levar Colin para a Disney, proporcionar essas coisas
que as crianças gostam.
Sorri, amando a ideia de passarmos um tempo viajando em família.
— Seria incrível — afirmei, pegando nossas taças e as deixando em
cima do aparador.
Depois me estiquei e apaguei a luz do abajur, de modo que a sala ficou
iluminada apenas pelas luzes das velas que permaneceram acesas do lado de
fora.
Harry continuou sentado de forma relaxada no sofá, mas seu olhar
estava em mim enquanto eu me levantava e deslizava o zíper lateral do meu
vestido que rapidamente deslizou e caiu aos meus pés. Por baixo eu estava
completamente nua, e a essa altura, muito mais confiante.
Dei um passo à frente e meus joelhos se encostaram nos dele.
— Nossa... — murmurou, deslizando as mãos por trás das minhas
coxas e me puxando para montar em seu colo.
Enquanto eu usava apenas uma sandália preta com laço de cetim, Harry
continuava completamente vestido.
— Eu amo seu corpo, seus gemidos... — confessou passando a boca
quente pelos meus seios. Qualquer toque daquele homem fazia meu corpo
acender.
Suas mãos passearam pelas minhas coxas e me apertaram junto a ele.
Logo, sua boca estava na minha, me beijando lascivamente.
Desde que eu melhorei tínhamos feito uma quantidade absurda de sexo,
mas eu sempre queria mais, não me cansava de ser possuída por ele, era uma
química tão inexplicável que, às vezes, eu me pegava pensando na sorte que
tinha de ter, ao meu lado, um homem tão compatível, que me desejava na
mesma intensidade e fazia loucuras comigo na cama.
Harry andava mostrando seu lado mais dominador, ensinando-me
formas diferentes de ter prazer e eu estava completamente entregue a ele.
Enquanto me beijava, fui abrindo sua calça, depois desabotoei a camisa
e ele só tirou as mãos de mim para que pudesse ficar nu.
Quando a última peça de roupa saiu, senti seu membro dançando entre
minhas coxas, duro, quente e pulsante, louco para entrar em mim.
Tomei o rosto de Harry entre as mãos e o beijei com vontade, enquanto
ele guiava seu mastro para o meio centro.
— Hum... — gemi quando ele começou a entrar.
— Eu nunca vou me cansar de estar dentro de você — falou e, na hora
em que me penetrou até o fundo, mordeu meu lábio, fazendo-me arfar.
Apoiei as mãos em seus ombros e comecei a cavalgar, lentamente a
princípio, mas conforme fui ganhando confiança, mais esfomeada eu ficava.
Rebolei enquanto Harry me beijava e me espremia contra o seu corpo.
— Eu te amo — falei inebriada de paixão.
— Eu também, Liz, nunca amei nem vou amar outra mulher —
confessou e voltou a me beijar, sua língua tomando minha boca, enquanto seu
pau preenchia minha boceta.
Precisando sentir mais, Harry começou a erguer os quadris para
encontrar minha pélvis no meio do caminho e aumentar o atrito, fazendo
meus seios balançarem e meus cabelos caírem sobre seu peito.
Ele sabia exatamente que movimentos fazer para levar meu corpo ao
limite e, quando gozei, agarrada a ele e gemendo em sua boca, declarei mais
uma vez o quanto o amava, mas a resposta que recebi me deixou
completamente desnorteada.
— Casa comigo, Liz? — perguntou, ofegante, logo após sua liberação.
Fiquei olhando para ele e pisquei algumas vezes. Durante aqueles dias,
nós não tocamos nesse tipo de assunto, parecia que ambos tínhamos receio de
estragar a lua de mel em que vivíamos.
— Uau, você sabe como deixar uma mulher sem palavras — brinquei,
mas Harry parecia ansioso por minha resposta.
Suspirei e falei:
— Eu aceito, mas tenho condições.
Ele sorriu, aliviado, me puxando para perto.
— Que condições?
— Quero mais um filho e sexo todos os dias.
Ele gargalhou e me apertou nos braços.
— Eu tinha pensado em mais dois filhos e sexo duas vezes ao dia, mas
se é isso que você quer — deu de ombros, de maneira falsamente
condescendente.
Torci a boca de um lado a outro, fingindo pensar.
— Como sou bem diplomática, sugiro o seguinte: mais um filho e sexo
duas ou até mesmo três vezes ao dia. O que acha?
— Muito magnânima — falou em meio a uma risada. Então ficou me
olhando por longos segundos e declarou: — Eu te amo demais, Liz, você é a
mulher da minha vida.
Senti um arrepio atravessar todo o meu corpo.
Aquele homem sempre foi o motivo dos meus suspiros, então, não
havia como explicar a sensação de ser sua escolhida.
— Eu também, meu amor, mais do que posso exprimir.
Harry me pegou no colo e fomos para o quarto tomar banho de
banheira. Lá, começamos a fazer os primeiros planos para o enlace e fiquei
feliz quando ambos concordamos com algo simples e íntimo, muito diferente
de seu primeiro casamento.
Após nosso banho, fiquei por mais tempo no banheiro secando os
cabelos e passando meus cremes. Quando cheguei ao quarto, havia uma
caixinha de veludo vermelha sobre meu travesseiro com uma rosa do lado.
Procurei por Harry e o encontrei encostado no batente da porta, me
observando.
— Acho que você precisa abrir aquela caixinha para coisa se tornar
oficial.
Sorri, animada e emocionada, e caminhei até a cama.
Abri a caixinha e fiquei maravilhada com o solitário de diamante, lindo
e singelo que tinha tudo a ver comigo.
— É absolutamente perfeito, obrigada, Harry.
Aproximando-se, colocou a joia em meu dedo e me deu um beijo
demorado.
— Eu mandei fazer naquela semana que você veio à Nova York
comigo. Ele ficou pronto duas semanas depois, quando você já tinha ido
embora, mas nunca consegui me desfazer. De alguma forma eu sabia que um
dia estaria onde pertencia — falou e deu um beijo em meu dedo anelar.
Engoli a vontade de chorar e o abracei.
— Me desculpe por todo sofrimento que o fiz passar.
Harry deslizou os dedos pelo meu rosto e sorriu.
— Não há razão para se desculpar, você não teve culpa — garantiu,
carinhoso, e voltou a me beijar, sem pressa, como se estivesse me provando.
— Eu estou muito feliz — falei, olhando meu anel.
— Que bom. Eu pensei em esperar e fazer o pedido em algum lugar
chique, paradisíaco ou apenas um pouco mais romântico, mas depois de tudo
o que passamos, não podia esperar mais nenhum minuto para torná-la minha
noiva.
Sorri e concordei.
— Foi impecável. Eu amo essa cobertura, onde passamos momentos tão
especiais, e agora tenho mais um motivo para comemorar meu aniversário.
Naquela noite, aninhada nos braços do homem que eu amava, não
consegui parar de admirar meu anel de noivado.
Tudo estava maravilhoso, faltava apenas decidir se eu iria, ou não,
viver com Harry na Casa Branca pelos próximos meses.
— Pronta? — perguntei ao chegar à porta do banheiro onde Liz se
maquiava.
— Quase — afirmou olhando-me através do espelho.
— Você já tá linda, meu amor — foi Colin quem disse, parando ao
meu lado e nos fazendo cair na risada.
Ele já tinha me ouvido falar aquilo dezenas de vezes e achava natural
falar com a mãe da mesma forma.
Peguei meu pequeno e o levei para a sala de jogos da área privativa.
Elizabeth demorou para decidir se iria viver comigo na Casa Branca.
Ela tinha receio de como seria recebida se tomasse o lugar de primeira-dama
sem estarmos casados.
Foi por isso que a incentivei a conceder uma entrevista à Oprah
Winfrey. Eu estava certo de que ela a trataria com toda consideração e não
usaria de sensacionalismo.
A apresentadora inclusive se disponibilizou a ir até minha cobertura,
ela sabia que estávamos presos ali porque a imprensa não saíra da frente do
prédio onde eu morava desde que fiz meu último pronunciamento, loucos
para saber um pouco mais a respeito da Cinderela do presidente, como Liz
havia ficado conhecida.
Não apenas nós estávamos sendo brutalmente assediados, mas também
minha família. Graças a Deus eu sempre podia contar com eles para colocá-
los no lugar.
Após relutar um pouco, devido a vergonha de estar em rede nacional,
ela acabou aceitando. Em seu íntimo, queria que as pessoas ouvissem seu
lado da história sem distorções.
A entrevista durou quase duas horas, e Elizabeth relatou tudo que
fizeram para afastá-la de mim, também falou abertamente como foi sua vida
cuidando do bebê mais famoso da américa.
Disse o quanto foi difícil para ela, mesmo tendo ajuda, criar um filho
sem a figura de um pai.
E mesmo já sabendo de tudo aquilo, não pude deixar de me emocionar
enquanto a ouvia falar. E quando Oprah pediu que eu me juntasse a Liz no
final da entrevista, fiz questão de lhe declarar meu amor e garantir que ela
nunca mais estaria sozinha.
Para finalizar com chave de ouro, eu a beijei em frente às câmeras e
quando a entrevista foi ao ar, o assédio que já era grande apenas triplicou.
Liz emocionou um país inteiro ao descrever seus sentimentos que iam
de medo, a orgulho por saber que eu estava realizando meu sonho, passando
pela revolta por não poder lutar contra o desconhecido.
Muitas mães se identificaram com seu relato e se tornaram defensoras
fervorosas.
A tese de que o destino havia nos juntado e de que vivíamos um
verdadeiro conto de fadas, apenas aumentou após a repercussão da entrevista.
Para melhorar, Liz contou que, antes mesmo de me conhecer, dava
aulas em um orfanato e até mesmo o padre Norton apareceu na TV para falar
sobre Liz e as crianças. Isso fez com que os orfanatos cuidados por ele
tivessem uma atenção maior o que se converteu em doações, que era o que
queríamos quando decidimos dar esta informação.
Como Liz continuou usando o sobrenome Nichols, ninguém da
imprensa conseguiu associá-la a Eleanor, mas estávamos aguardando, ambos
sabíamos que seria questão de tempo até ela aparecer querendo se dar bem
com nossa história. Mas lidaríamos com isso quando acontecesse.
O importante era que após toda esta exposição, meus eleitores pediram
que ela fosse morar comigo na Casa Branca e assumisse o posto de legítima
primeira-dama, pois todos entendiam que se não fosse pelas armações de
Catherine, com toda certeza, Liz teria sido minha esposa.
A ideia que de início lhe parecera absurda, acabou se tornando bem
natural. E mesmo com medo ela decidiu enfrentar o que viria pela frente e
trabalhar da melhor forma possível para que tudo o que fiz não ficasse
manchado pelo que aconteceu.
— Eu vou ser forte por você. Por nós — foram suas palavras quando
decidiu se mudar para Casa Branca.
Desde então minha vida estava muito próxima da perfeição, a única
coisa que estragava a maldita investigação. Quanto mais coisas eram
reveladas, mais possesso eu ficava. A gota d’água foi descobrir que a ideia da
bomba no carro tinha sido da própria Catherine, ela só não imaginava que
esse mesmo plano a mataria.
Liz estivera certa quanto a ciência de Catherine, ainda assim, resolvi
que não entraria em muitos detalhes com ela, minha garota estava feliz ali e
me recusava a estragar tudo contando detalhes que não fariam a menor
diferença em sua vida.
Apesar de não ser tão ligada à moda e decoração como Catherine, Liz,
aos poucos, conseguiu deixar a ala privativa com a sua cara.
Todos os dias ela mudava alguma coisa, e depois de algumas semanas
aquele espaço estava todo transformado, refletindo seu bom gosto e repleto
de sua arte.
Eu amava ver seus quadros pendurados por todos os lados e me
regozijava com os risos de Colin. Sua alegria havia mudado a atmosfera
daquele lugar, antes tão silencioso e mórbido.
Os dois transformaram aqueles últimos meses nos mais felizes que eu
tive na Casa Branca. A presença deles ao meu lado transformou
completamente minha rotina, eu já não ficava no Salão Oval depois do
horário, ansioso para subir e ficar com eles.
Os funcionários também aprenderam a amá-la e respeitá-la,
simplesmente porque viam a forma carinhosa e educada com que se dirigia a
todos. Eles percebiam como aquilo era sincero, muito diferente da arrogância
que Catherine dispensava qualquer um que estivesse ali para servir.
Mas não eram apenas os funcionários que a adoravam, em cada lugar
que íamos, ela era aclamada e, para ser sincero, até eu me assustei com
aquela histeria coletiva que ocorria em todos os lugares aos quais ela
comparecia comigo.
Liz tinha se transformado na bandeira de muitas mulheres que
enxergavam em sua história uma inspiração para nunca desistir da vida e
muito menos do amor.
Eu sabia que nossa história era um caso isolado, mas as pessoas
gostavam de comprar a ideia de um conto de fadas.
— Estou pronta — disse ao entrar na sala de jogos interrompendo a
partida de xadrez que eu e Colin disputávamos. Ele ainda estava aprendendo,
mas era muito esperto e logo estaria fazendo estragos.
Ergui a cabeça e, como sempre acontecia, perdi o fôlego ao avistar
minha mulher.
Ela usava um vestido elegante que eu mesmo tinha ajudado a escolher.
Os lindos cabelos estavam soltos e a pouca maquiagem apenas acentuava a
beleza de seu rosto.
Ofereci a mão a Colin, que permanecia perfeito em seu terno feito sob
medida, que era uma cópia do meu. Já podia imaginar o quanto a imprensa
iria adorar aquilo.
— Então, vamos — falei e dei um beijo em Elizabeth antes de
seguimos pelos corredores de mãos dadas. Havia chegado a hora de fazer
meu discurso de despedida e ela e Colin estariam ao meu lado.
Tradicionalmente, os presidentes faziam esse discurso do Salão Oval,
mas devido à multidão que se aglomerou em frente aos portões desde as
primeiras horas da manhã, decidimos que seria melhor fazer o meu no jardim,
para que todos tivessem a chance de nos ver.
Conforme percorria os corredores da Casa Branca, ia me despedindo de
funcionários, apertando mãos e agradecendo por tudo que fizeram durante
todos aqueles anos.
Os diversos olhares marejados que recebi, eram prova de que eu tinha
sido um bom líder e de que meu trabalho por ali tinha feito a diferença.
Quando finalmente chegamos ao lado de fora, um púlpito já estava
montado e havia centenas de jornalistas e, além dos portões, um mar de
pessoas gritando nossos nomes quando nos viram saindo da Casa Branca.
Liz acenou e eu fiz o mesmo.
Coloquei-me no meu lugar e precisei de alguns minutos até que
fizessem silêncio.
— Bom dia, a todos — falei, já segurando a emoção. — Eu não me
demorarei aqui, apenas gostaria de agradecer.
“Agradecer, sinceramente, a todos que, com seu voto, me ajudaram a
realizar meu sonho. Também gostaria de agradecer àqueles que começaram a
me apoiar mais tarde, depois de ver e gostar do que eu estava fazendo, e
também àqueles que nunca apoiaram: com seus gritos, às vezes não muito
educados, vocês me deram energia para trabalhar ainda mais pelo que era
certo. Eu sei que nunca iremos concordar em muitas coisas, mas é aí que está
a beleza da liberdade e da democracia. Ser livre para se expressar, ir aonde
quiser e votar em quem deseja, são direitos de todos e, contanto que haja
respeito, é absolutamente maravilhoso.
“Estendo meus agradecimentos a todos que, mesmo após o grande
escândalo que assolou o governo, ainda continuou ao meu lado. A verdade
sempre foi o meu norte e talvez, por isso, uma ligação de confiança que se
estabeleceu entre nós. Aprendi muito nesses últimos anos e levo comigo toda
a experiência e amor que recebi de cada um de vocês.”
Virei-me para Liz que permanecera logo atrás de mim com nosso filho
no colo.
— Não posso deixar de agradecer à minha futura esposa e ao meu filho,
que me deram forças para completar o meu mandato. Se não fossem vocês
dois, eu não teria estrutura para continuar — falei, emocionado, e recebi um
olhar amoroso de Liz. — Agradeço também à minha família que esteve
comigo a cada passo e a todos que trabalharam comigo nesta administração,
especialmente por terem permanecido fiéis aos seus princípios e valores.
“Sempre tive comigo que, independentemente da ideologia, os políticos
tinham o dever de oferecer a todos os cidadãos aqueles direitos fundamentais,
por isso, desejo que nossos representantes sempre levem em consideração
essas necessidades e tenham sensibilidade para enxergar que todos temos
direitos e esses direitos devem ser respeitados.
“Isso também vale à população. Respeitem os direitos das outras
pessoas de pensarem diferente de você. Discussões saudáveis sempre abrem
nossas mentes, mesmo que não concordemos com o outro, mas o desrespeito
tira qualquer razão, então, que tentemos sempre nos colocar no lugar do
outro. Por isso, sejamos tolerantes e também empáticos, sejamos justos e
honestos, mesmo que ao nosso redor existam pessoas de índole duvidosa, não
nos deixemos contaminar. Eu ainda acredito que se cada um fizer a sua parte
e der o exemplo, conseguirá influenciar e até mesmo mudar muitas pessoas.
“Finalmente, desejo boa sorte ao meu sucessor, Blake Sullivan. Sei que
ele continuará de onde eu parei, pois esteve comigo a cada passo e, mesmo
quando divergíamos, no final, prevalecia o que era melhor para o bem
comum, de forma que vocês estarão sendo governados por um homem justo
que nunca colocará suas necessidades acima das necessidades do povo
americano.
“Saibam que foi um imenso prazer ser seu presidente por esses quatro
anos, mas a partir de hoje, eu me reservo o direito de ser apenas pai e marido.
“Obrigado a todos e que Deus abençoe a América.”
Após ser aplaudido por aquele mar de pessoas, nós nos dirigimos ao
carro que, pela última vez, me tiraria da Casa Branca.
— Ansiosa? — perguntei assim que nos acomodamos no banco de trás.
— Muito — respondeu com um sorriso enorme no rosto que devia
espelhar o meu.
Nós estávamos indo para a pista particular onde o jato das Indústrias
Stone estava preparado para nos levar até Nova Jersey, pois, no dia seguinte,
eu e minha garota, finalmente, nos casaríamos numa cerimônia simples e
secreta que quase matou minha mãe de desgosto.
Mas era isso que queríamos. Nenhum de nós precisava ostentar e muito
menos reafirmar nada a ninguém, a única coisa que interessava era que Liz se
tornasse, oficialmente, minha e eu, dela.
Então, quando estivéssemos devidamente casados, começaríamos nossa
viagem em família que só tinha data de início.
Enquanto atravessávamos os portões da Casa Branca, Colin acenava
para as pessoas que gritavam nossos nomes. Meu pequeno parecia animado
com a multidão ao redor.
— Quelo sê pesidente também — soltou, sério quando perdemos as
pessoas de vista.
Liz arregalou os olhos, espantada, e eu comecei a gargalhar.
— Nem pensar! — disse ela em tom autoritário.
— Eu quelo! — ele insistiu, o que me fez rir mais e Liz se desesperar.
— Bom, para ser presidente você precisa ter determinação, precisa
conseguir se colocar no lugar dos outros e, acima de tudo, deve ser honesto e
incorruptível.
— Inco o quê?
— Incorruptível é uma pessoa que não deixa seus valores de lado, nem
por fama e nem por dinheiro.
Colin tombou a cabeça para o lado, as sobrancelhas franzidas.
— O senhor é incoptível?
— Sim — respondi segurando um sorriso —, aprendi isso com meu
avô e meu pai.
— Então eu também sou — afirmou ele, convicto, deixando-me
orgulhoso e encantado.
— Se é assim, caso queira mesmo ser presidente, o papai irá ajudar —
prometi.
— Eba! — festejou Colin com um sorriso enorme no rosto.
— Harry! — repreendeu Liz ao mesmo tempo, mas se acalmou logo
que selei nossos lábios num beijo rápido, mas apaixonado.
Voltei a encarar meu filho.
Tinha sido apenas uma brincadeira, mas então vi Colin observando sua
gravatinha estampada com a bandeira dos Estados Unidos.
Na mesma hora reconheci o olhar enlevado que ele dispensava à peça e
tive a impressão de que aquele encanto e patriotismo o perseguiriam através
dos anos.
Fazia parte do DNA dos Stone almejar coisas grandiosas, fosse um
amor impossível ou o cargo de homem mais poderoso do mundo, nós só
parávamos após conseguirmos.
Isso significava que, em alguns anos, começaríamos tudo de novo.
Um vento suave balançava as copas das arvoes e, além delas, o céu
começava num azul bem claro e ia se misturando aos tons róseos e
alaranjados, tornando aquele fim de tarde a própria perfeição.
Eu sentia que o dia do meu casamento com Harry seria especial, mas
enquanto andava em direção ao homem que eu amava, agradeci
silenciosamente por aquele dia estar tão lindo. Era um presente.
Diminuí ainda mais meus passos para poder acompanhar o ritmo lento
de Joseph que estava à minha direita e Benito fazia o mesmo do meu lado
esquerdo, ambos emocionados por me acompanharem ao altar.
Meu sorriso era sincero, mas, tinha uma pitada de nervosismo por estar
prestes a realizar meu sonho.
Sorri para os nossos poucos convidados e lancei um olhar apaixonado
para Harry e Colin que me esperavam sob um arco de flores do campo, junto
ao padre Norton, que fora à Nova Jersey especialmente para celebrar nossa
união.
Próximos a eles estavam Blake e Zara, assim como John e Stella, que
tinham sido escolhidos como padrinhos. Eu não conhecia muitas pessoas,
mas sabia que podia sempre contar com as poucas que conhecia,
principalmente naquele momento especial e íntimo.
Quando finalmente chegamos ao altar, ganhei um beijo na testa, tanto
de Benito quanto de Joseph, que me entregaram a Harry e ainda fizeram
recomendações.
No momento em que minhas mãos geladas tocaram as dele, que eram
sempre muito quentes, eu sorri e sussurrei um ‘eu te amo’ e recebi em
resposta um sorriso acompanhado de um olhar apaixonado.
Dei um beijo em Colin e no instante seguinte ele já estava no colo de
Romeo. Eles estavam muito grudados.
Quando o padre Norton começou a falar, tanto Harry quanto eu ficamos
emocionados, pois ele sabia o que tínhamos passado para chegar até ali,
então, realizou a cerimônia focando no quanto era importante valorizar as
pessoas que amávamos.
Também falou muito sobre o amor e o perdão, coisas que sempre
valorizaríamos, pois o perdão foi a dinamite que derrubou os muros que nos
separavam e o amor nos ajudou a reconstruir os laços de confiança que se
tornariam a base do nosso casamento.
Quando Harry começou a declarar seus votos, eu simplesmente
desabei, e tinha certeza de que aquelas palavras jamais sairiam da minha
cabeça.
“Seu sorriso me perseguiu durante os anos, acompanhado de
lembranças e olhares que me mantinham irremediavelmente apaixonado.
Havia um lugar especial dentro de mim onde só você tinha acesso. Um
reinado que nunca foi ameaçado, não havia qualquer chance de alguém
chegar tão longe ou de arrancar das profundezas da minha alma todo o
amor e devoção que, mesmo no auge da minha raiva, eu sentia por você.
O laço que nos uniu, se tornou raiz, um amor profundo que sobreviveu
ao tempo, à cobiça, à mágoa e às tempestades que nos abateram.
Obrigado por existir, por me esperar e, principalmente, por me amar
por todo esse tempo.”
— O que foi? — Harry perguntou após recebermos os cumprimentos
dos nossos poucos convidados.
— Estava relembrando seus votos, foram as palavras mais lindas que já
ouvi, nunca vou esquecer.
— Foram de coração — ele falou e tirou uma pétala de flor dos meus
cabelos.
— Sim, mas não posso esquecer que você é político e que sua oratória
beira a perfeição.
Harry gargalhou e me puxou pela cintura, no instante seguinte senti o
flash do fotógrafo. Aquele pôr do sol de fundo e nossos sorrisos de felicidade,
certamente renderiam uma bela foto.
— Você sabe que quando se trata de você, o político sai de cena.
— Acho bom mesmo — falei e no instante seguinte estávamos nos
beijando apaixonados.
Quando descolamos nossas bocas, Colin já estava ali, agoniado.
Nós o levamos à mesa de Blake e Zara, pois o pequeno queria ver o
bebê deles.
Nosso presidente recém eleito e sua esposa estavam transbordando de
felicidade com os dois filhos. Gabe era um garoto extremamente inteligente,
simpático e um sedutor nato — muito provavelmente por conta de suas raízes
espanholas —, por quem Zara se apaixonou à primeira vista quando cuidou
da reforma do orfanato onde ele morava. Eles o adotaram quando o garotinho
tinha dois anos e agora, aos cinco, era motivo de orgulho e alegria deles.
Já Alexia, era filha biológica deles e com seus seis meses recém
completados, era o xodó da família, especialmente de Gabe, que estava o
tempo todo cuidando da irmã.
Era nítido para qualquer pessoa que os visse, o amor que os unia e eu
ficava imensamente feliz por saber que essas pessoas maravilhosas eram
nossas amigas.
— Podemos ter um bebê em casa? — perguntou Colin, completamente
encantado enquanto Zara mostrava Alexia para ele.
Todos rimos, pois ele parecia um adulto falando.
— Por enquanto, você é nosso bebê, mas logo teremos um bebezinho
em casa, sim — Harry explicou e me lançou um olhar carinhoso.
— Tá bem — falou, dando de ombros, e foi se juntar a Gabe e Romeo.
Ficamos com Blake e Zara por algum tempo e depois circulamos entre
os outros convidados.
Dominic estava acompanhado de uma socialite que, pelo visto, não
ganhou a aprovação de Julie, pois as duas mal tinham se falado.
— Tive sorte de sua mãe gostar de mim — brinquei, enquanto
caminhávamos em direção ao altar.
O fotógrafo queria uma foto com os padrinhos, então todos nos
dirigimos para lá.
— Mamãe sente cheiro de gente interesseira há quilômetros de
distância — ele comentou de ótimo humor.
Eu não sabia como funcionava o teste para entrar na família Stone, mas
imaginava que o que havia passado na vida servira de passe para a aprovação
de Julie.
Zara e Stella se aproximaram para as fotos, ambas lindas com vestidos
em tom de salmão bem clarinho e delicado. Logo seus pares se juntaram a
nós, e após algumas fotos sérias, vieram as engraçadinhas, que nos faria rir
futuramente.
Depois disso, Harry me pegou pela mão e fomos para o deck que ficava
a alguns metros de onde estava acontecendo a festa.
— Este lugar é belíssimo — falou enquanto admirávamos o dia indo
embora.
O lago estava brilhante, como se o reflexo do sol o fizesse ter vida
própria.
— Não tem ideia de quantos quadros eu pintei nesse exato lugar,
inspirada pela paisagem, mas com o pensamento em você — admiti.
— Eu não estava em um lugar tão bonito, mas uma parte do meu ser
sempre arrumava um motivo para pensar em você — declarou e me tirou um
sorriso.
— Chega de distância agora — decretei, ainda admirada com sua
elegância dentro daquele terno em tom creme que combinava perfeitamente
com meu vestido de renda, simples e elegante.
— Concordo plenamente, Sra. Stone.
Um arrepio atravessou o meu corpo ao ouvi-lo me chamar assim.
Aproximei minha boca da dele e o beijei sentindo paixão, gratidão e
muita ansiedade para começarmos nosso conto de fadas, mas, dessa vez, sem
vilões ou bruxas más.
Eu tirei um tempinho naquela manhã para organizar nossas fotos de
viagem, separando os melhores momentos de Colin, e isso me deixou um
pouco nostálgica.
O mundo já era todo digital há bastante tempo, mas eu gostava de
imprimir nossas fotos e passar horas olhando as imagens de quando meu
pequeno comedor de donuts vivia aprontando pela casa.
Sorri ao ver uma fotografia de Harry com ele dentro da casa do
Mickey. Na época, Colin ficou encantado com a magia da Disney e eu tinha
certeza de que ele nunca se divertira tanto.
Separei algumas dessas fotos e logo cheguei às do meu casamento.
Como sempre acontecia, meu sorriso se alargou ao me lembrar daquele dia.
A cerimônia foi simples, mas, nem por isso, menos emocionante.
Aquele foi, de longe, um dos dias mais especiais da minha vida, tanto
que eu tinha fotos daqueles momentos espalhadas pela cobertura inteira e até
fiz um quadro inspirado nessas imagens que ficava pendurado em nossa suíte.
— Liz, como estamos? Não quero deixar tudo para a última hora —
Stella falou, entrando em meu ateliê, e fui obrigada a deixar aquelas
lembranças de lado.
— Está quase pronto — garanti me referindo ao último quadro que
levaria à exposição que aconteceria na semana seguinte.
Stella se tornara uma espécie de braço direito e esquerdo meu, uma vez
que me ajudava em tudo em que eu precisava. Minha amiga continuava
trabalhando na galeria em Nova Jersey e morando com os pais, mas sempre
que eu tinha alguma exposição, largava tudo para me assessorar e só eu sabia
o quanto ela era essencial.
Agora conseguia entender a dependência de Harry por sua melhor
amiga e assistente. Ele até dizia que Stella era a minha Lexy, mas eu preferia
dizer que era meu Zed, uma vez que parecia um cão de guarda algumas
vezes.
John Kent ainda era meu sócio e, graças a Deus, Harry não implicou
mais com ele, principalmente depois que minha amiga me contou que eles
dois estavam se conhecendo melhor.
Confesso que, lá no fundo, eu sempre achei que John tinha uma
quedinha por ela, mas Stella era muito nova quando foi trabalhar na galeria e
depois começou a namorar Dan, então, ele não teve chance.
Porém, depois de sua decepção amorosa, eles acabaram se
aproximando e após algum tempo John, finalmente, se declarou.
Stella se assustou a princípio, mas logo sentiu que aquilo era certo e
aceitou tentar.
De minha parte, achava a combinação perfeita. Eles moravam na
mesma cidade, trabalhavam juntos e tinham gosto por arte, além de inúmeras
outras coisas que foram percebendo. Minha amiga estava feliz novamente e
era isso que importava
— Ótimo, então vou vamos providenciar as embalagens para segunda-
feira e o transporte para a quarta.
Assenti e voltei a pintar.
— A que horas o Colin chega? Queria dar um beijo nele, mas acho que
não vai dar tempo.
— Harry vai sair mais cedo para ir pegá-lo na escola. De lá, irão ao
clube e só devem voltar no fim do dia.
Toda sexta-feira Harry trabalhava apenas na parte da manhã, pois Colin
não tinha aula à tarde e nós sempre íamos passar o fim de semana na casa de
Aspen ou até mesmo com a família de Stella em Jersey.
Mas por causa do meu trabalho, não viajaríamos e ele disse que levaria
Colin para ter aula de tênis. Ele sempre aproveitava as horas disponíveis para
ficar com o filho, já que durante a semana o trabalho o ocupava o dia todo.
Harry voltara a assumir o posto de CEO das Indústrias Stone, porém,
isso só aconteceu um ano depois de deixar a Casa Branca. Ele queria
aproveitar o máximo de tempo que pudesse comigo e com Colin, mas, por
fim, acabou voltando.
Dominic estava fazendo um ótimo trabalho como CEO, mas sempre
que nos encontrávamos, em eventos e jantares, ele implorava para que Harry
reassumisse a empresa.
Confesso que gostei da ideia, porque temia que ele fosse seduzido pela
política novamente, afinal, mesmo com toda fortuna dos Stone, Harry sempre
foi muito trabalhador e não conseguiria ficar ocioso por muito tempo.
Mesmo quando estava longe, ele se preocupava com os negócios,
queria que eles prosperassem e Dominic viu nisso uma forma de tirar toda
aquela responsabilidade das costas.
— Olha isso aqui, Liz — Stella falou dando gargalhadas e me entregou
seu iPad.
A notícia era de um jornal mexicano e a nota exaltava a beleza da
esposa de um político de carreira lá do México.
Lembrava-me de quando soube a respeito de seu casamento, cerca de
dois anos atrás. Foi Stella, também, quem me mostrou a pequena matéria e eu
arregalei os olhos ao perceber que ao lado do homem estava minha
digníssima mãe.
Ela parecia mais magra, mas, como sempre, estava muito elegante. O
senhor ao seu lado, entretanto, parecia ter uns cem anos e uma aparência
bastante debilitada.
— Então, ela finalmente conseguiu o que queria. — Foi o que
comentei na época, antes de analisar o olhar dela para seu marido.
Para quem não a conhecia, era uma expressão normal, mas nós, que
convivemos com Eleanor por tantos anos, conseguíamos notar a repulsa que
ela sentia.
— Sim, conseguiu dinheiro, mas não felicidade. — Foi a resposta de
Stella e eu tive que concordar, já que Eleanor apreciava muito a beleza
masculina. Deveria ter sido um sacrifício, para ela, casar-se com aquele
senhor.
A ironia era que havia sido presenteada com o destino que arquitetou
para mim.
Quando ela me ligou de Cancún, logo após meu casamento, pedindo
dinheiro, fiquei um pouco balançada. Mas então me lembrei com detalhes do
terror que ela fazia na vida da família de Stella, de como gostava de me
humilhar e de como não se sentiu nem um pouco constrangida quando tentou
me vender.
Foi a partir dessas lembranças que decidi que, se ela estava precisando
de dinheiro a ponto de me ligar de outro país, que fizesse por merecê-lo; um
pouco de trabalho honesto não lhe faria mal.
— Como você mesma falou uma vez, Stella, ela conseguiu o tal marido
rico, mas duvido que seja feliz. Essa mulher é tão ambiciosa que só enxerga
cifrões, nunca vai valorizar ninguém por suas qualidades. Isso só nos mostra
que fizemos a coisa certa ao manter distância.
Eu, apesar de seu pedido de ajuda, não perdi meu sono. O fato de ela
ter me colocado no mundo não fazia dela um ser humano decente e de forma
alguma passaria por cima de tudo o que aquela mulher fez, somente para que
encenássemos uma família feliz.
Eleanor nunca foi uma pessoa agradável e não faria nenhuma falta para
nenhum de nós.
— Vamos deixar Eleanor com seu Matusalém e cuidar dos detalhes
dessa exposição — falei e voltei a trabalhar.
Perto do meio dia fui surpreendida quando Harry e Colin apareceram
para almoçar. Eu já havia finalizado o quadro e estava dobrando umas roupas
da minha pequena no sofá da sala.
— Como estão as mulheres da minha vida?
Enquanto nosso filho deixava sua mochila em um canto, sorri feito
boba para meu marido. Não tinha jeito, os anos se passavam, mas os homens
da família Stone apenas melhoravam.
Harry sabia o que se passava em minha cabeça, por isso deu um beijo
casto em meus lábios e depois se ajoelhou para beijar minha barriga de 28
semanas que havia começado aparecer nos últimos vinte dias.
Ele sempre quis mais um filho e sua reação não poderia ser mais
emocionante quando, na minha última ultrassonografia, descobriu que seria
pai de uma garotinha. E se já era cuidadoso comigo antes, após saber que eu
estava grávida Harry se tornara superprotetor. Além de ligar o dia todo, ele
me acompanhava a todas as consultas e me ajudava a escolher tudo que dizia
respeito à nossa filha.
— Com fome e com saudade de vocês — falei, manhosa, e dei um
beijo de verdade nele quando se pôs de pé.
Depois puxei meu pequeno para um abraço.
— Stella te deixou um beijo — avisei, bagunçando seu cabelo e
ganhando um olhar reprovador.
Com sete anos, Colin estava passando por aquela primeira fase de
afirmação e só queria saber do pai. Ele chamava sua atenção, tentando se
espelhar ao máximo, de forma que eu havia me tornado bem menos atraente
aos seus olhos.
A figura de Harry sempre o fascinou, ele morria de orgulho de saber
que o pai tinha sido presidente dos Estados Unidos e quando seus amigos o
visitavam, ele fazia questão de falar como era a Casa Branca e mostrava fotos
da época em que moramos lá. Acho que era o único garoto que não tinha
vergonha de suas fotos antigas.
Mesmo me sentindo um pouco excluída, não deixava que ele se
afastasse de mim. Sempre que podia, eu o enchia de beijos e afirmava meu
amor obrigando-o a fazer o mesmo. Não queria que meu filho se tornasse um
adolescente frio, que tinha vergonha de demonstrar afeição à mãe.
Após lavar as mãos, nós três nos sentamos à mesa e almoçamos
enquanto Harry falava a como tinha sido sua manhã nas Indústrias Stone.
Mesmo com aquela pouca idade, Colin o escutava com a tenção e fazia
perguntas muito inteligentes. Eu tinha certo receio de toda aquela admiração,
principalmente quando os pegava conversando sobre política, isso me dava
arrepios.
Tudo bem que não havia mais aquela conspiração e todo aquele horror
que vivemos tinha sido um fato isolado, no entanto, o jogo em Washington
era sempre o mesmo, somente as peças eram substituídas ao longo dos anos.
— Quero levá-la para jantar hoje à noite — Harry comentou quando
deixamos a mesa.
— Que ótima ideia, vou amar desfilar com você por aí — falei, vendo
Colin ligar o vídeo game na TV da sala de jogos.
Harry e ele faziam campeonatos ferrenhos enquanto eu cuidava da
minha arte.
Nunca vi um pai tão presente, eles faziam tudo juntos e às vezes ficava
pensando como seria a reação de Colin quando sua irmãzinha chegasse. Ele
estava muito acostumado a ter a atenção e carinho incondicional de todos e
talvez estranhasse ter que dividir seu reinado.
Deixei que meus homens jogassem seu vídeo game e aproveitei para ir
ao SPA, queria estar perfeita para sair com Harry à noite.
Quando cheguei à cobertura, já havia anoitecido e era Dominic quem
jogava com Colin. Ele adorava o sobrinho e sempre que podia, aparecia para
curtir o garoto.
— Estamos ansiosos pela chegada de Olivia — Dom comentou ao me
dar um beijo —, e você está linda — completou antes de voltar a se sentar.
— Eu também não vejo a hora de isso acontecer, quero voltar a ser o
mundo de alguém e ser olhada com adoração novamente, porque esse garoto
só quer saber do pai dele — falei, indignada.
Dominic gargalhou e Colin me mandou um beijo no ar.
Meu cunhado deu pausa no jogo e pediu uns minutinhos para ir à
cozinha pegar um copo de suco.
— Julie falou de seu novo romance. Quero saber tudo sobre essa
mulher misteriosa por quem você está apaixonado — brinquei.
— Não é ninguém importante — ele rebateu rapidamente, mostrando
indiferença.
— Tio Dom só está falando isso porque ela não atende nenhuma
ligação dele — Colin entregou e caímos na gargalhada.
— Bom, acho que ela está no caminho certo, os Stones adoram um
desafio — comentei, deixando meu cunhado com um vinco entre as
sobrancelhas.
Ouvindo a algazarra, Harry apareceu, já arrumado, todo vestido de
preto.
Eu amava quando ele usava aquele tipo de roupa, pois realçava seus
olhos azuis e os cabelos escuros.
Ele e Dom trocaram algumas palavras e depois de dar um beijo em
nosso filho, seguimos para nosso restaurante favorito.
Todas as vezes que chegávamos a um lugar público, era a mesma coisa,
nos víamos bombardeados por uma chuva de olhares.
Mesmo sendo em um restaurante sofisticado como aquele, sempre
havia alguém que rasgava a etiqueta e ia até nossa mesa para cumprimentar e,
até mesmo, pedir uma foto.
Mas eu entendia. Harry ficara eternizado como um dos melhores
presidentes dos Estados Unidos e, por estar com ele, acabei recebendo esse
carinho também.
— Venha, reservei uma mesa especial para nós — meu marido avisou e
me guiou para o segundo andar do restaurante, onde a quantidade de mesas
era muito menor e a vista, deslumbrante.
Ele gostava de fazer essas pequenas surpresas, gentilezas que me
mantinham cada dia mais apaixonada.
Como um perfeito cavalheiro, ele puxou a cadeira para eu me sentar e
antes de ir para seu lugar, deu um beijo em meu pescoço.
Sabendo o que eu pediria, ele já havia dado um jeito de avisar que
estávamos chegando e, em dois minutos, estávamos sendo servidos.
O jantar, como sempre, foi super agradável e enquanto fazíamos planos
para nossa próxima viagem, eu o admirava. Essa era a palavra perfeita para
definir o que eu sentia por aquele homem. Uma imensa admiração.
Era comum que os casamentos dos Stone durassem. Desde Harvey,
ninguém havia se separado e nenhum dos maridos havia traído suas esposas,
então, eu me sentia uma sortuda.
Minha sogra acreditava que isso se devia ao fato de, tanto Romeo
quanto Harry, terem crescido vendo a felicidade dos pais no casamento e,
inconscientemente, replicavam isso em suas vidas. Eu acreditava bastante
nessa teoria, ainda assim, não deixava as coisas esfriarem entre nós.
Harry era um homem cobiçado no mundo inteiro, não que isso me
causasse insegurança, mas eu valorizava e cuidava do que tinha em casa,
exatamente como ele fazia comigo.
— Uma foto para a coluna do Times, Sra. Stone?
Um fotógrafo pediu quando saímos do restaurante. Zed, embora
estivesse casado com Lexy há mais de três anos, ainda fazia o possível para
estar com Harry o máximo de tempo possível e, eficiente como sempre, já
estava com a porta do carro aberta.
Contudo, antes de entrar, olhei para Harry e ambos sorrimos para o
fotógrafo, não custava nada atender a um pedido, sempre que ele fosse feito
de maneira educada.
Quando chegamos à cobertura, fomos direto para nossa suíte. Mal
fechamos a porta e já estávamos despindo um ao outro.
O passar dos anos nos fez parceiros ainda melhores na cama e fora
dela. A química entre nós continuava a mesma, mas o olhar de encanto que
ele me lançava após fazermos amor, era o que me fazia derreter.
— Às vezes custo acreditar que você é minha. Eu sonhei tanto com isso
— disse ele, colado às minhas costas, acariciando minha barriga.
Harry sempre foi atencioso, mas a gravidez o estava deixando ainda
mais romântico e apaixonado. Nós passávamos horas conversando sobre
Olivia, sobre coisas que faríamos em determinadas épocas de sua vida...
Planejar um filho era uma coisa deliciosa e fazer isso com quem amávamos
tinha um gosto diferente.
Virei-me de frente para me aninhar ao seu peito e aspirei o cheiro que
sempre me inebriava.
— Eu te amo, Harry — declarei esticando um pouco o pescoço para
beijá-lo apaixonadamente, como fazia todos os dias, várias vezes por dia.
— E eu a você — devolveu e continuou acariciando minhas costas.
Naquela noite dormi com um sentimento de gratidão enchendo o peito
por ter conseguido construir uma linda família com o homem que eu amava.
O tempo em que ficamos afastados nos ensinou que não deveríamos
esperar uma data especial para declarar o nosso amor. Então, todos os nossos
dias eram recheados de olhares e sorrisos apaixonados, pois a vida era curta e
incerta demais para ser feliz apenas em dias especiais.
Sentada na recepção de um renomado escritório de advocacia no centro
da cidade, eu esperava ansiosa pela leitura do testamento de Hernandes
Muñoz.
Após dois anos dormindo com aquele velho decrépito, minha hora
finalmente havia chegado. Eu sabia que não tinha passado por tudo o que
passei para acabar na miséria.
Só de pensar no que já tive e na forma como perdi, sentia palpitações.
A pequena fortuna que ganhei de Duncan Allen tinha servido para me
dar uma vida de rainha por mais de dois anos.
Naquela época, eu não vi outra alternativa senão ajudá-lo a separar
Harry de Elizabeth, afinal, ele e seus comparsas fariam isso com ou sem a
minha ajuda, então, resolvi aceitar antes que ficasse sem nada.
Pouco antes desse acordo, Gilbert também havia conseguido uma
quantidade absurda de dinheiro com uma viúva rica e, com isso, pudemos
viajar por lugares incríveis, frequentando os hotéis mais luxuosos do mundo e
aproveitando a vida como merecíamos.
Nenhum dos dois se preocupou muito com o que estava gastando, pois
tínhamos esperança de que Joseph morresse logo, deixando sua herança para
o único parente. Mas nosso dinheiro começou a acabar e o velhote não
morreu.
Então, Gilbert tentou falar com ele, mas ficou sabendo que o tio não
queria vê-lo nem pintado de ouro.
O problema era que nós estávamos em Cancún e Gilbert havia usado o
último dinheiro que possuíamos para pagar o hotel em que havíamos nos
hospedado, por isso, não tínhamos como voltar à Washington.
Eu tentei me desfazer de algumas joias e bolsas, mas o valor que
ofereceram por elas era tão ínfimo, que não daria para pagar nem uma
passagem, quanto mais duas.
Ainda assim, chegou o dia em que tive que vender, afinal, eu não
aguentava mais comer no restaurante do hotel.
Algum tempo depois, Gilbert me falou que em uma de suas andanças
pela cidade, havia conhecido uma viúva que havia se interessado por ele.
Nesse dia ele chegou com um bom dinheiro, o bastante para nos sustentar por
uma semana e resolveu que faria o de sempre, seduziria a mulher e, assim
que conseguisse dinheiro suficiente com ela, voltaria para podermos ir
embora. E com isso ele se foi, já que ela estava hospedada em outro resort.
Mas alguns dias e passaram e nada de ele aparecer.
Em um belo dia, estava voltando da praia, quando fui abordada por um
funcionário. Ele disse que o gerente estava solicitando a minha presença
imediatamente e, mesmo a contragosto, eu o segui.
O homem, claramente americano, quase me matou do coração quando
disse que eu estava devendo uma verdadeira fortuna ao hotel, tanto pela
hospedagem, quanto pelas inúmeras garrafas de champanhe que tomávamos
todo fim de tarde, além da comida que estava sendo debitada na conta do
quarto.
Eu achei aquilo estranho porque quando nos hospedamos, combinamos
de pagar nossos gastos toda semana, em dinheiro. Eles não queriam aceitar,
mas quando usamos o nome de Joseph, acabaram concordando.
Por isso eu tentei argumentar, dizendo que meu namorado voltaria em
breve para acertar tudo e aí veio a segunda bomba.
De acordo com o gerente, Gilbert havia pago a conta do hotel com
dinheiro falsificado e estava sendo procurado. Eles já haviam inclusive falado
com Joseph que afirmou que o sobrinho era um picareta, isentando-se de
qualquer coisa.
Nessa hora eu entrei em pânico, pois o homem queria mandar me
prender por cumplicidade.
Graças a Deus ele percebeu que eu não estava mentindo quando disse
que não sabia de nada e falou que se eu pagasse a conta, encerraria o assunto.
Mas como, se eu não tinha dinheiro?
Quando lhe disse isso, o gerente ameaçou chamar a polícia novamente,
mas ao ver meu desespero, fez uma proposta.
Eles estavam precisando de gente para trabalhar e lhe ocorreu que eu
poderia servir os hóspedes, em troca daquela conta astronômica.
— É isso ou sair daqui acompanhada pela polícia. Provavelmente será
deportada e sairá em todos os jornais americanos. Eu farei questão de cuidar
disso pessoalmente.
Foram essas as palavras do gerente quando gargalhei para sugestão que
ele deu.
Essa ameaça me fez repensar que a única coisa que eu ainda tinha nessa
vida era o meu nome. Minhas amigas sabiam que eu estava viajando pelo
mundo com todo luxo e se eu estampasse os tabloides de fofocas, nunca mais
poderia voltar para Washington.
Então, decidi que era melhor passar aquela vergonha em um país
desconhecido, do que ver meu nome arrastado para a lama.
A primeira semana como arrumadeira foi a coisa mais difícil que fiz na
vida, as pessoas deixavam tudo jogado, exatamente como eu fazia. Mas eu
sentia um enjoo especial quando achava cabelo no box ou no ralo da
banheira, sem contar as coisas nojentas que encontrava em gavetas ou
embaixo da cama.
Na segunda semana fui transferida para área do bar da piscina, após
uma reclamação dos hóspedes dizendo que eu não limpava bem o banheiro.
Eleanor Reagan limpando banheiros. Que piada!
No bar eu me dei um pouco melhor, afinal, quem é que não sabia servir
alguns copos de bebida?
O problema é que eu não tinha muito jeito com as bandejas e acabei
derrubando alguns copos sobre os hóspedes.
Após mais uma bronca, fui transferida para cozinha como auxiliar, ou
seja, uma faz tudo e isso, sim, foi um martírio.
Eu, que mal sabia fritar um ovo, tive que aprender a descascar batata,
picar cebola e fatiar legumes.
Quando não estava fazendo isso, tinha que tirar o lixo e lavar uma
quantidade enorme de louças. Minhas unhas, antes sempre bem-feitas,
estavam curtas e sem esmalte, meu cabelo, vivia oleoso por causa daquela
cozinha e eu me sentia péssima.
Várias vezes tive vontade de fugir, mas nem isso eu podia. O gerente,
com a anuência do delegado, havia confiscado meu passaporte e só o
devolveria quando minha dívida estivesse paga.
Além disso, eu era constantemente assediada por aquele maldito. Ele
havia percebido o quanto eu me importava com minha imagem e resolveu
colocar um funcionário especialmente sádico para me vigiar. O cretino já
tinha tirado fotos minhas limpando banheiro, tirando lixo e esfregando o
chão.
Todas elas estavam com o gerente que, praticamente todos os dias,
ameaçava dizendo que se eu não fizesse meu trabalho direito, vazaria as
imagens para sites de fofoca dos Estados Unidos.
Nunca vivi uma situação tão humilhante. Eu dormia em um quartinho
cedido pelo gerente, comia o que sobrava da cozinha e, no final da semana,
recebia apenas o bastante para comprar coisas realmente indispensáveis, o
resto, era descontado do valor que devia.
Tudo piorava quando eu pensava que era muito provável que aquele
vagabundo do Gilbert estivesse vivendo como um príncipe com a tal viúva,
enquanto eu tinha que pagar pelos gastos de nós dois.
No fim do dia, eu chegava naquele muquifo que o gerente chamava de
quarto e só tinha ânimo para tomar banho e cair na cama.
Parecia até castigo. Eu só não entendia por que estava passando por
tudo aquilo.
Quase um ano depois, eu não tinha conseguido quitar nem metade do
que devia. A dívida era muito alta, os salários baixíssimos e ainda estava em
lugares onde não recebia gorjeta.
Eu estava vivendo o inferno na terra.
Foi nessa época que decidi ligar e ameaçar Duncan Allen. Eu jamais
me meteria com um homem como ele, só que àquela altura eu sentia que
estava prestes a enlouquecer e não vi outra alternativa.
Mas quando, enfim, consegui o número da secretária dele, vi o filho da
mãe nas manchetes no mundo inteiro por estar dormindo com a primeira-
dama americana.
Praguejei quando vi minha última chance de ganhar dinheiro escapando
por entre meus dedos.
Eu não costumava ver TV, mas foi impossível não acompanhar as
manchetes, Washington estava pegando fogo e não se falava em outra coisa
que não fosse a traição da primeira-dama e sua morte após a explosão de um
carro na Casa Branca.
Mas imagine a minha surpresa quando, meses depois, soube que a
sonsa da minha filha fora mais esperta do que eu julgava e havia tido um
filho com o presidente.
No dia em que vi aquela matéria, fui ao gerente do hotel, falei que
Elizabeth era minha filha e que se falasse com ela, conseguiria o dinheiro
para pagar minha dívida.
Eu vi que ele duvidou de mim, mas ficou com medo de que, se fosse
verdade e minha Elizabeth ficasse sabendo, isso acabasse repercutindo
negativamente no hotel. Então, acabou entrando em contato com eles.
Para minha desolação, recebi a notícia de que ela afirmou não conhecer
nenhuma Eleanor Reagan e ainda pediu para que não ligassem mais.
Eu não podia acreditar que aquela maldita havia me renegado. Mesmo
após o que fiz, eu contava que aquela ingrata iria se compadecer da minha
situação, mas ela simplesmente fingiu que eu não existia.
Com isso, tive que voltar à minha rotina, e meses depois, estava
conformada de que morreria ali.
— O quarto 307 fez um pedido, apressem-se — a chef avisou.
Naquela semana eu estava substituindo uma das funcionárias que havia
saído, por isso, ficara responsável por levar os pedidos nos quartos.
Enquanto eles preparavam os pratos, eu fui ver o que passava na
pequena TV que ficava no canto da cozinha.
Estava assistindo a um canal de fofoca quando anunciaram uma matéria
sobre casamento entre Harry Stone com Elizabeth Nichols.
Aproximei-me para escutar melhor, mas alguém pediu para aumentar o
volume, todos ali estavam encantados com o conto de fadas protagonizado
por aquela ingrata e o ex-presidente.
Segundo a reportagem, eles haviam se casado logo depois de ele
entregar o cargo, mas mantiveram segredo por todos aqueles meses
— Minha filha está casada com o presidente — falei, orgulhosa, mas
eles deram risada.
— E eu sou a Salma Hayek — a chef zombou e fechei a cara.
Após o gerente espalhar que Elizabeth negara me conhecer, virei
chacota entre os funcionários.
— Nós estamos passando por problemas familiares, mas um dia ela
virá aqui me buscar e meu genro virá junto, vocês vão ver — afirmei, mesmo
sabendo que Elizabeth jamais colocaria os pés ali. Ela me odiava.
— Está bem, enquanto isso não acontece, vá fazer a entrega, tenho
certeza de que os hóspedes ficarão felizes por serem servidos pela sogra do
presidente mais gato da história — ela continuou zombando ao me entregar a
bandeja.
Engoli meu ódio e subi pelo elevador de serviço até o 3º andar.
Bati à porta, que logo foi aberta por um velho decrépito.
Ele me deu passagem e mostrou a mesa onde eu deveria deixar a
bandeja.
Em questão de segundos, notei que suas malas eram de grife, assim
como o terno que estava sobre a cama e concluí que o homem tinha dinheiro.
Após deixar a bandeja, percebi que ele me deu uma bela olhada e
depois me entregou uma gorjeta de cem dólares. Aquilo, sim, chamou a
minha atenção e quase me fez chorar, mas em vez disso, abri um sorriso
calculadamente tímido. Esses homens gostavam de achar que estavam
conquistando.
— ¿Como se llama, mi amor? — ele perguntou em espanhol.
Odiei ser chamada de meu amor, mas pela gorjeta, relevei.
— Eleanor — respondi, simpática.
Ele sorriu e eu acenei antes de me despedir.
No decorrer da semana, eu o encontrei constantemente pelo hotel e
todas as vezes que o servia, ganhava uma bela gorjeta.
Foi aí que tive a ideia de pesquisar sobre sua vida e descobri que ele era
um político aposentado, aparentemente muito rico, então, comecei a tratá-lo
com mais atenção.
O velhote deveria ter uns 85 anos, mas sempre me olhava com cara de
safado, isso me incomodava, no entanto, eu sabia que um homem poderia
fazer tudo que uma mulher quisesse, caso estivesse interessado por ela.
Então, comecei a trabalhar com essa linha de raciocínio.
Em vez de guardar as gorjetas, como havia pensado em fazer, resolvi
investir na minha imagem. Devido a precariedade em que vivia, acabei
conhecendo pessoas de todas as profissões entre elas, uma cabeleireira. Foi
ela que, com metade do dinheiro que eu tinha, deixou meu cabelo e unhas
impecáveis, como eram antes, e atualizou minha depilação, que estava mais
do que vencida.
Com minha nova imagem e a dose certa de interesse por minha parte,
não demorou mais que algumas semanas para aquele senhor cair de amores
por mim e pedir para que eu largasse o emprego no hotel.
Quando lhe expliquei que tinha um débito com a administração e que
precisaria trabalhar até quitar, ele na mesma hora se ofereceu para fazer.
Após dois anos, o valor não era tão grande, ao menos para ele, que saldou a
dívida, pediu minha mão em casamento e falou que dali para frente iria cuidar
de tudo.
A ideia de me casar com uma múmia daquelas não me agradava, mas
eu me negava a continuar trabalhando de faz tudo naquele hotel e foi com um
sentimento de alívio que recuperei meu passaporte e dei aquela etapa por
encerrada.
A cerimônia de casamento, oferecida para poucos amigos, foi realizada
uma semana depois, e mesmo não querendo que a notícia se espalhasse, ele
fez questão de que nossa foto fosse enviada para alguns jornais.
Rezei para que ninguém nos Estados Unidos visse aquilo ou seria uma
vergonha sem fim.
Após o casamento, eu achei que nos mudaríamos para uma das
propriedades de que Hernandes tanto falou, mas para minha surpresa, nós
continuamos no hotel. Ele alegou que estava reformando todas as
propriedades com arquitetos renomados, pois queria que tudo estivesse
perfeito para a minha chegada.
Eu estava tão animada com a ideia de voltar a ter tudo do bom e do
melhor, que não liguei de ficar ali, afinal, havia voltado a ser hóspede.
Enquanto isso, ele me agradava do jeito que podia, sempre me dando
presentes, como bolsas ou joias, e era um alento saber que estava
recuperando meus bens.
O problema é que o velhote sempre queria sexo em troca de algo e só
de me lembrar das vezes em que tive que beijar aquela boca enrugada, sentia
náusea.
O sexo, então, era horrível, mas o homem queria a toda hora, e, apesar
de não ter visto, tinha certeza de que ele tomava algum estimulante. Não
foram poucas as vezes em que tive que fingir uma enxaqueca para me livrar
dele.
O que importava era que tudo isso tinha ficado no passado, e agora,
após aquela tortura, ele havia sofrido um enfarto fulminante e ido para o
outro lado do véu.
— Sra. Muñoz, por aqui, por favor — a secretária do advogado
orientou e me levantei, animada como há muto tempo não me sentia.
Finalmente tinha chegado a minha hora.
O advogado de Hernandes me recebeu muito bem. Mas em vez de ler
um testamento, me entregou uma carta, a qual não abri. Depois leria o que
aquele velho tarado ainda tinha para me falar.
— Sem rodeios, doutor, leia o testamento, pretendo voltar ainda hoje
para os Estados Unidos — pedi.
— Mas não há testamento.
— Como assim, pensei que tivesse vindo aqui para isso.
— Eu a chamei aqui para lhe entregar a carta. — Quando permaneci
encarando seu rosto, ele pigarreou e falou: — O Sr. Muñoz já possuiu muitas
propriedades, mas após se aposentar como político, foi obrigado a vender
uma por uma a fim de pagar suas dívidas, e agora, no final da vida, já não
tinha nada além das roupas e uma mesada que um dos filhos lhe dava.
— Impossível, como um homem sem dinheiro poderia me dar a vida
que ele deu durante mais de dois anos — inquiri, indignada.
— Sinceramente, não sei, mas garanto que ele não tinha nada para lhe
deixar; além desta carta, é claro.
Olhei para o envelope e rapidamente o rasguei à procura de uma
explicação para aquela merda toda.

Mi amor.
Desde que cheguei àquele hotel, estive a procura de uma bela
mulher com quem pudesse passar meus últimos anos de vida, alguém
que gostasse tanto de sexo quanto eu. Confesso que tentei com muitas
camareiras, mas a única interesseira o bastante foi você.
Sinto muito por enganá-la com relação às propriedades e
dinheiro, mas não havia outro jeito para fazê-la se casar comigo.
Todavia, acredito que, no fim, foi um negócio bom para nós dois, não é?
Eu paguei sua dívida e você me proporcionou bons momentos.
Então, obrigado pelos melhores meses que já tive na vida.

Ah, não tente vender as bolsas ou as joias, querida, são todas


falsificadas.
Com amor, Hernandes Muñoz.

Fiquei paralisada por alguns segundos, sem acreditar que aquele velho
filho da mãe tinha me passado a perna.
O que eu vou fazer agora?
Saí daquele escritório sentindo o sangue ferver de ódio.
Foi impossível não me lembrar de quantas vezes beijei e transei com
aquele cretino, pensando em sua herança, apenas para descobrir que ele não
tinha nada além de uma pensão que ganhava do filho.
Bem que eu estranhei a ausência da família na leitura do testamento,
obviamente, todos já sabiam que o velho estava falido, menos eu.
Infernoooooo!
AVISO 1:

Como conheço minhas leitoras, resolvi avisar para aquelas que já estão ansiosas pelo livro
do Dominic, que, sim, ele virá, mas apenas quando eu finalizar os livros que já estavam na
fila, de forma que não tenho nem previsão.

AVISO 2:

Eu sei que sentiram falta de Harvey, mas não o coloquei “fisicamente” na estória porque,
pela cronologia, ele está bastante idoso e preferi preservar a memória que vocês têm dele.
Harvey foi o meu primeiro Stone e, talvez, o mais importante, por isso, resolvi que era
melhor fazer dessa forma.

AVISO 3:

Ainda pode haver alguns erros no texto, que já estão sendo corrigidos. Então, peço que
deixem a opção de Atualização Automática — existente na sua página Dispositivos e
Conteúdo, no site da Amazon —, LIGADA, ou deem uma olhada lá de vez em quando para
terem sempre a versão atualizada do livro.

OBRIGADA POR TEREM EMBARCADO EM MAIS UMA ESTÓRIA COMIGO E, POR FAVOR, NÃO SE
ESQUEÇAM DE AVALIAR COMO FIZERAM COM O VOLUME 1, É SUPER IMPORTANTE PARA MIM .
BEIJOS, CLEO.
CONHEÇA A ESTÓRI A DE ZARA E BLAKE

GAROTA VIP
(Lançamento 2019)

ELE ERA SUA MISSÃO E SE TORNOU SUA PERDIÇÃO

Zara Maxwell é uma agente secreta treinada para se infiltrar entre os figurões de Washington e
descobrir tudo o que puder sobre eles. Esta esperta espiã usa de sua beleza, habilidade e inteligência
fora do normal, para conseguir cumprir todas as suas missões e segue apenas uma regra: jamais se
envolver emocionalmente.

Blake Sullivan vem de uma família de políticos influentes. Sua expertise e magnetismo tornaram-no
mundialmente conhecido e o fizeram ganhar as últimas eleições para deputado, com uma vantagem
assustadora, despertando a fúria de seus inimigos e a inveja de seus concorrentes.

Blake será a próxima missão de Zara, uma das mais importantes de que já participou, e talvez, a
última.

DISPONÍVEL NA AMAZON
TRECHO DE GAROTA VI P

CAPÍTULO UM

Zara Maxwell

Paris, França

Olhei-me no amplo espelho que ficava no hall de entrada do salão e


deslizei as mãos pelo lindo modelo Dior, de costas nuas, que havia escolhido
para usar naquela noite. Sentia-me incrivelmente sexy, tudo devido a beleza
de um tecido de bom caimento associado a um corte perfeito.
Tinha certeza de que qualquer homem naquele evento ficaria louco pela
forma como o vestido desenhava o meu corpo, no entanto, ele fora
selecionado a dedo para despertar o interesse de uma pessoa em especial.
Como era de se esperar, assim que entrei, vários olhares se voltaram
para mim, tanto de homens quanto de mulheres.
Sem hesitar, comecei a circular pelo ambiente e, para fazer charme e
parecer indiferente, segurei uma mecha do meu cabelo, cujo tom eu ainda
estava me acostumando. Fazia uma semana que eu havia voltado a ser loira, o
que foi ótimo, já que não aguentava mais aquele ruivo gritante. Nada contra
as redheads[16], mas sempre amei a cor natural do meu cabelo. Minha
profissão, entretanto, exigia que eu fosse um tipo de camaleoa, sempre
variando a cor dos cabelos, o estilo e até o biotipo… Graças a Deus eu
conseguia emagrecer e engordar com certa facilidade e não tinha nenhuma
aversão a mudança, afinal, vivia em função do disfarce perfeito.
Continuei olhando ao redor, para todas aquelas pessoas influentes.
Qualquer um se sentiria seduzido pelo glamour do mundo político. Como
resistir a todos os eventos repletos de homens ricos e importantes? Seria fácil
para uma mulher se envolver com algum deles e ter a vida dos sonhos, mas
aquele não era o meu caso, pelo contrário, tinha aversão a tudo que aquele
mundo elitista representava e só estava ali em virtude do meu trabalho.
— Avistei o nosso alvo — sussurrei para a escuta instalada em meu
colar e comecei a me encaminhar para o outro lado do salão, onde ele se
encontrava, conversando com vários senhores, alguns deles políticos, outros
empresários.
Taylor Fulls era um homem alto, de cabelos aloirados e belos olhos
verdes, tinha trinta e quatro anos e estava em seu primeiro mandato.
Aproximei-me do bar, tomando o cuidado de não ficar perto demais do
grupo, e pedi um drink, permanecendo meio de costas. Ainda assim,
conseguia calcular cada gesto que ele fazia e sentia seu olhar sobre mim.
Enquanto o deputado praticamente me comia com os olhos, Desiree,
sua bela esposa, estava acomodada em uma das mesas, conversando com
outras senhoras, também esposas de políticos.
Aquele era o padrão que se seguia em todos os eventos: elas sentadas,
falando a respeito de filhos, moda e decoração, e eles soltos pelo salão,
fechando alianças e cobiçando outras mulheres.
Assim que o garçom me entregou a bebida, passei bem em frente ao
grupo e levantei a cabeça. Taylor me encarou e desceu o olhar pelo meu
corpo sem qualquer pudor. Ao ver aquilo, abri um sorriso tímido e depois
desviei o olhar. Ele pareceu agradavelmente surpreso e deu um leve aceno de
cabeça, que passaria como um gesto involuntário à maioria das pessoas, mas
que meus olhos experientes detectaram no mesmo instante.
A isca estava lançada, bastava saber se ele iria atrás.
Subi por uma escada e cheguei a uma grande sacada. Notei que
algumas pessoas fumavam e conversavam em um dos cantos e me encostei
na proteção do lado oposto, admirando o jardim iluminado.
— O assessor dele está indo até você — a voz de Caleb soou na escuta.
Hum, então ele tinha mordido a isca, mas não iria se arriscar, por
isso mandou alguém de confiança atrás de mim.
Eu sabia quem era o assessor de Taylor Fulls e logo percebi sua
presença bem ao meu lado. Jordy Bales tinha a estatura mediana, usava
óculos de lentes grossas e estava sempre com o semblante fechado. Sua
péssima aparência piorava ainda mais por causa das sobrancelhas espessas,
que por muito pouco não se emendavam e que chamavam ainda mais atenção
pelo fato de ele já estar quase careca.
— Tem fogo? — inquiriu, olhando para frente; certamente não queria
dar indícios de que estaria havendo qualquer contato suspeito entre nós.
— Tenho, sim.
Eu não era fumante, mas sempre andava com cigarro, era um jeito
simples de conseguir uma abordagem. Peguei o isqueiro na minha pequena
bolsa e o entreguei a ele, que tirou dois cigarros de uma carteira me
oferecendo um, que eu aceitei prontamente. Depois, educadamente o
acendeu, antes de fazer o mesmo com o seu.
Assim que puxei a fumaça, senti meu estômago revirar, mesmo sem
tragar. Eu odiava o gosto e o cheiro de cigarro, mas Moe praticamente me
obrigou a aprender a fumar para poder participar de certas missões. No
entanto, fiz questão de não me viciar.
Jordy também puxou sua primeira tragada e me encarou por alguns
segundos antes de falar:
— O deputado ficará hospedado no Plaza Athenee, se tiver interesse…
— fez o convite informal e eu voltei a olhar para o jardim.
— E a esposa?
— Participará de um evento em Milão amanhã e viajará para lá ainda
hoje — respondeu sem olhar para mim e, por sobre o parapeito, deslizou um
cartão com o emblema do hotel e o número de um quarto. — Aguarde nessa
suíte.
Assenti e, no instante seguinte, Jordy havia evaporado. Guardei o
cartão na bolsa, joguei o cigarro fora e entrei no primeiro banheiro que
encontrei.
Vamos, Zara, você consegue!, pensei comigo mesma enquanto me
olhava no espelho. Apesar de já ter feito algumas vezes, aquele era o tipo de
missão que menos me agradava. Mas eu tinha que me lembrar que sempre
havia um preço a pagar por algo que se queria muito.
— O motorista está te esperando na rua lateral. Você tem cinco
minutos — Caleb anunciou através da escuta e eu me apressei.
Meu trabalho ali era atrair o deputado e foi tão fácil quanto tirar
doce de criança, mas ao mesmo tempo, foi uma sorte, afinal, ele era muito
seletivo. Todas as suas últimas amantes tinham praticamente a mesma altura,
manequim e cor de cabelo, então já sabíamos do que ele gostava.
Sempre preparada, a agência também sabia que há dois meses o
deputado estava atrás de uma amante fixa, que pudesse encontrá-lo depois de
eventos como aquele e aliviasse o estresse que as viagens repetitivas
causavam. Foi por causa do seu gosto para mulheres que eu havia voltado a
ser loira e, naquele momento, estava muito feliz pela primeira parte do plano
ter dado certo.
Deixei aqueles pensamentos de lado e tentei sair do evento sem chamar
muita atenção, pois as esposas dos políticos não eram tapadas como a maioria
das pessoas pensava.
Segui até a rua lateral ao prédio do evento, onde o motorista da agência
estava à postos, ao lado do sedã, à minha espera.
— A caminho — falei para o colar.
— OK, estamos com você, Zara. — Caleb sempre me falava aquela
frase no meio de alguma missão. Era como se soubesse que suas palavras me
davam forças.
Enquanto o motorista guiava o carro pelas ruas de Paris, eu trocava de
roupa no banco de trás. Coloquei um vestido preto que ia até os joelhos e um
blazer da mesma cor por cima — não dava para chegar em um hotel de luxo
usando aquele vestido revelador, a não ser que quisesse ser confundida com
uma acompanhante. Prendi o cabelo em um coque e coloquei óculos de grau.
Tirei o batom vermelho e passei um gloss cor de boca.
Perfeito!
Em menos de dez minutos, estava passando pela recepção do hotel,
segurando uma pequena mala de mão. Os funcionários me receberam com
toda a simpatia e gentileza com que foram treinados e em poucos minutos me
encontrava no quarto indicado por Bales.
Eu sabia que não seria ali que o deputado dormiria; homens como ele
jamais dariam um furo desses, já que tinham uma reputação a zelar, então,
toda a movimentação era feita por seus assessores, que os avisavam quando a
barra estava limpa. Ainda assim, a suíte era maravilhosa e possuía uma vista
extraordinária de Paris.
Depois de inspecionar cada canto, fui até o banheiro e voltei a trocar de
roupa, afinal, o deputado esperava me encontrar naquele Dior maravilhoso e
não vestida como uma secretária executiva.
Enquanto me aprontava, repassei todo o meu discurso; nada poderia
sair errado. Deixei minha bolsa de mão no closet e voltei para o quarto, bem a
tempo de escutar uma leve batida na porta, logo antes de ela ser aberta. Na
mesma hora imaginei que fosse Taylor Fulls, porém, não fiquei surpresa
quando Jordy Bales entrou no quarto.
— Nosso serviço de segurança conseguiu seus dados e algumas
informações a seu respeito. — Ele me entregou um envelope. — É um
contrato de confidencialidade, leia e assine — falou, confirmando o que eu já
sabia.
Tirei o papel de dentro do envelope e não estranhei ao ler o nome de
Alexia Carter no tal contrato, afinal, a agência já implantava no sistema o
codinome que eu usaria em cada missão, antes de ela começar.
— OK.
— Eu esperarei aqui, Srta. Carter; se não se importar, claro.
— Me chame de Alexia — pedi e ele concordou em silêncio.
Passei os olhos pelas cláusulas e assinei meu nome falso de qualquer
jeito.
— Ele deve chegar em aproximadamente dez minutos — Jordy
anunciou assim que pegou o envelope das minhas mãos, e saiu.
Caminhei pela suíte durante algum tempo, tentando me acostumar ao
ambiente e ao que teria de fazer para seduzi-lo. Um pouco nervosa, parei
junto à janela, esperava que a vista me acalmasse. Pouco mais de cinco
minutos depois, escutei o barulho da maçaneta sendo girada e me virei.
Daquela vez, era o deputado Taylor Fulls, que passou pela porta, trancando-a
em seguida.
Mais uma vez, ele me olhou de cima a baixo com ar de arrogância,
agindo como se eu estivesse no mundo apenas para servi-lo. Aquele era um
dos problemas em lidar com homens do governo americano, a maioria deles
se achava uma espécie de deus e, bom, alguns realmente eram quase isso.
— Olá — falei em tom descontraído e aproveitei para olhá-lo com mais
atenção.
Apesar de atraente, Taylor Fulls não fazia muito o meu tipo, já que eu
preferia homens de cabelos escuros, entretanto, aquele era o menor dos meus
problemas e, com certeza, não me preocuparia com detalhes insignificantes.
— Como vai, Alexia? — perguntou, sério, afrouxando o nó da gravata.
— Ótima — respondi e ele começou a se aproximar, calmamente,
trazendo consigo notas de um delicioso perfume masculino.
Eu sabia de antemão que ele não cairia matando e aquilo me aliviava
um pouco. Segundo a nossa investigação, o deputado gostava de um jogo de
sedução antes do ato em si, e se era daquilo que ele gostava, era o que eu lhe
daria.
Assim que chegou perto de mim, suas mãos deslizaram pelos meus
ombros; em seguida, ele abaixou a cabeça e inspirou o cheiro dos meus
cabelos.
— Gostar da aparência e do cheiro de uma mulher é meio caminho
andado… — ele comentou, mordiscando minha orelha e fazendo meus pelos
arrepiarem.
— Meio caminho andado para quê? — perguntei, de forma inocente,
enquanto entrelaçava as mãos em sua nuca.
— Para ela chegar até a minha cama — completou e sua boca engoliu a
minha.
Correspondi ao beijo, sentindo um gosto levemente mentolado.
Logo percebi o quanto ele havia apreciado e fiquei satisfeita por saber que a
segunda parte daquela missão estava sendo concluída com sucesso. Contudo,
tinha consciência de que havia muito a fazer até alcançar o meu alvo final.

As ruas de Paris ainda estavam silenciosas quando saí do Plaza


Athenee. Meu tempo com o deputado fora bem produtivo, pois ele ficara
extremamente atraído e satisfeito com a noite e aquilo ia bem de encontro ao
que nós queríamos.
Avistei uma van preta em uma rua lateral e segui até ela. Caleb já me
esperava com a porta traseira aberta.
— E aí, Barbie, podemos adicionar o deputado Fulls ao seu fã clube?
— zombou, enquanto eu entrava.
Caleb Dyson era um agente de apoio e o melhor hacker que eu já
conheci na vida. Ele fazia coisas extraordinárias com seu computador e
tornava a vida de todos mais leve e divertida.
— Pode, sim e lhe dê o cargo de presidente.
Gargalhamos à medida que o motorista avançava em meio aos poucos
carros que circulavam àquela hora da noite. Eu ainda precisava passar na
agência; devido a importância da missão, Moe devia estar à minha espera e
louca por um relatório.
Continuei comentando sobre como havia sido fácil chamar a atenção do
deputado e sobre minhas expectativas com relação ao caso, afinal, o êxito da
missão dependeria de como ele reagiria a mim.
— E você, está bem? — Caleb perguntou assim que adentramos a
garagem. Ele me conhecia o bastante para saber que muitas missões eram
mais complicadas que outras para mim.
— Estou, sim — falei, com um sorriso, a fim de tranquilizá-lo.
— Ótimo, porque o Jack disse que ela está uma fera hoje — comentou.
— Não comigo — zombei e o empurrei com o ombro.
Nós já nos encontrávamos no elevador privativo que levava à sala de
Moe Sakura, nossa chefe, e Caleb se olhava no espelho, tentando arrumar os
cabelos naturalmente bagunçados. Nossos olhares se encontraram e ele sorriu
mostrando suas covinhas perfeitas.
— Ainda acho que vocês se pegam — brincou.
Eu e Moe sempre nos demos muito bem e dificilmente nos
desentendíamos, mas com o resto dos agentes, era na base do ferro e fogo.
Aquilo fez surgir alguns rumores de que ela fosse apaixonada por mim. Eu,
obviamente, não acreditava naquela hipótese e sempre levava na brincadeira
ou apenas ignorava.
— Uhum — balbuciei, bocejando.
As portas do elevador se abriram e saímos dentro de uma espaçosa sala
de piso reluzente. Moe estava de costas para nós e a sua frente se
descortinava uma deslumbrante vista da Torre Eiffel.
Embora a RC-2 tivesse filiais em pontos estratégicos espalhados pelo
mundo, ela gostava bastante dos ares de Paris e passava boa parte do seu
tempo ali, tratando com seus agentes por meio de videoconferência. Porém,
eu não entendia muito bem aquele fato, uma vez que Moe não era o tipo de
pessoa que circulava por lugares públicos. A discrição sempre foi sua marca
registrada, para atender com perfeição seus clientes mais exigentes, de forma
que, ir para a Cidade Luz e apreciar todo aquele cenário apenas pela janela,
me soava um pouco incoerente.
Assim que se virou, seu olhar arguto colidiu com o meu.
Moe Sakura, era uma japonesa linha dura, que estava sempre composta,
com suas roupas bem cortadas e seu cabelo que nunca apresentava um fio
fora do lugar, mesmo quando solto. Ela poderia ser facilmente confundida
com uma executiva, mas por trás de toda aquela fachada, existia uma mulher
implacável e insaciável quando o assunto era dinheiro e poder.
— Como foi com o deputado? — perguntou de forma direta.
— Ele ficou muito interessado e me convidou para acompanhá-lo na
próxima viagem.
Moe exibiu um meio sorriso o que, para ela, era uma grande coisa.
— E a movimentação no hotel, Dyson?
— O de sempre, não procuraram nada de mais, apenas informações
básicas a respeito de Zara — Caleb respondeu.
— Ótimo.
Moe se preocupava bastante com os nossos disfarces. Se algum de nós
fosse descoberto, ela perderia uma grana preta. Sem contar todo o transtorno
que algo do tipo causaria. Entretanto, aquilo raramente acontecia. Por
questões legais, o lado de lá era limitado, enquanto a agência, além de não ter
nenhum escrúpulo, ainda contava com os melhores hackers e especialistas do
mundo a seu dispor. A maioria já tinha sido presa por algum crime virtual, ou
estava fugindo para não ser pego, e todos eles tinham uma devoção
inabalável para com Moe.
Em um mundo como o nosso, tão dominado pelos homens, sentia-me
deliciada em ver uma mulher tão poderosa e também prestigiada por trabalhar
para ela.
— Fique com ele por apenas algumas semanas, acredito que será o
suficiente para que Sullivan descubra sobre vocês.
Assenti. Taylor Fulls era apenas um trampolim para que chegássemos
até o nosso alvo principal: o deputado Blake Sullivan, futuro candidato ao
senado dos Estados Unidos.
Desde o início, concordamos que teríamos que agir de forma indireta,
com muita calma e prudência para que meu aparecimento não gerasse
desconfiança. A segurança de Blake Sullivan não era amadora, ele vinha de
uma família de políticos influentes e experientes e uma abordagem direta
daria muito na cara e, certamente, levantaria suspeita. Por isso, o
investigamos por seis meses, até descobrirmos a brecha perfeita.
Blake e Taylor viviam uma disputa de egos, que ia desde o número de
votos nas eleições, até às mulheres com quem traíam suas esposas. Taylor
havia roubado a última amante de Blake e esperávamos que ele tentasse
roubar a nova amante de Taylor, ou seja, eu!
Se ele mordesse a isca, o jogo real começaria.
CAPÍTULO DOIS

Ida Adams

Washington DC

Trabalhar como governanta da família Sullivan por tantos anos me


permitiu conhecer, de certa forma, todas as pessoas que frequentavam a
mansão. Alguns mais que outros, claro, como era o caso da Srta. Moore,
amiga da Sra. Sullivan; eu tinha certeza de que ela estava louca para
transar com o Sr. Sullivan.
Percebi aquilo na forma como ela sorria e se insinuava, sempre que
achava que ninguém estava olhando. O casamento do deputado já ia mal das
pernas há muito tempo, entretanto, imaginava que ele só visse aquele tipo de
comportamento como uma boa distração, afinal, a mulher não fazia o tipo
dele.
Blake Sullivan preferia mulheres misteriosas e difíceis. Além disso, um
homem como ele, conseguiria qualquer mulher que desejasse e dificilmente
se arriscaria com a melhor amiga de sua esposa.
Após o jantar, ele se levantou da mesa e todos foram para a sala. Era a
minha deixa para preparar o café. Enquanto pegava as xícaras, notei que os
seguranças do deputado se movimentavam em frente à mansão, me dando a
certeza de que ele sairia e, mais uma vez, a Sra. Sullivan ficaria sozinha.
OK, aquilo não era exatamente verdade, mas, também não era da minha
conta.
Terminei de arrumar a bandeja e segui até à sala de estar. Enquanto
servia o café, fiquei admirando a minha patroa. Lauren Sullivan era uma
mulher inteligente, bem-nascida e muito bonita. Alta, magra, com brilhantes
cabelos castanhos e olhos amendoados em um lindo tom de mel, ela poderia
ser confundida com qualquer modelo de passarela. Porém, seus atributos
físicos, intelectuais e financeiros, não foram suficientes para garantir o amor
de seu marido.
Como futuro candidato a senador, Blake Sullivan precisava da esposa
perfeita e Lauren tinha todos os requisitos para ser a companheira ideal.
Portanto, eles tinham o típico casamento por conveniência, arranjado entre as
famílias de ambos. Nos primeiros meses, achei que os dois pudessem
realmente dar certo, porém, o tempo foi passando, e com ele, as chances de
que pudessem formar uma família feliz, ficaram pelo caminho.
O fato de não terem filhos, apenas os afastava ainda mais, pois, além
das festas que frequentavam, não tinham nada em comum. O patrão passava a
maior parte do tempo viajando — o que era uma boa desculpa para não ter
que cumprir seu papel de marido. Aquela mesma desculpa, porém, não era
usada quando eles estavam em público. Nessas horas, eu tinha que admitir,
eles se tratavam bem, mas qualquer pessoa mais atenta, conseguiria ver que
não havia paixão nos olhos de nenhum dos dois, parecia mais um acordo
silencioso, que estava agradando a ambas as partes.
Pelo menos por enquanto.
De uns tempos para cá, vinha sentindo que o clima estava mudando.
Não achava que fosse intencional, tudo o que notava era que uma energia
nova pairava sobre eles. Torcia para que a corrida por uma cadeira no senado
ocorresse logo, pois tinha minhas dúvidas de que aquela camaradagem
duraria muito mais tempo.
Zara Maxwell

Duas semanas após meu primeiro encontro com Taylor Fulls, eu estava
em Paris novamente.
Desde aquela noite, ele me ligava praticamente todos os dias. Era um
saco, mas eu não podia reclamar, pois significava que aquela etapa do plano
estava dando certo. Também fui praticamente convocada a ir encontrá-lo por
duas vezes. A diferença entre as últimas vezes e a primeira, foi que ele fez
questão de que jantássemos juntos. Por causa disso, consegui conhecer um
pouco mais de sua personalidade.
Taylor, era um homem atraente, inteligente e carismático, entretanto,
apesar de se mostrar aberto e interessado, havia algo de misterioso em seus
olhos. Claro que aquilo podia ser apenas uma das facetas inerentes aos
políticos. Nenhum deles mostrava sua real personalidade a ninguém, sempre
havia os sorrisos ensaiados, as palavras agradáveis que todos queriam ouvir,
o tom enérgico ao defender ou criticar um projeto que interessava aos
eleitores alvos e o deputado Taylor Fulls não era diferente.
Ainda assim, devido ao tipo de trabalho que fazia, conseguia identificar
certas nuances que passariam despercebidas à maioria das pessoas, e alguma
coisa me dizia que eu deveria estar sempre alerta perto dele, mesmo que fosse
nítido em seu olhar, o quanto ele me desejava.
— Era ele de novo? — Caleb perguntou quando fiz uma careta para o
celular. Tínhamos encerrado a aula de tiro e estávamos a caminho do flat que
dividíamos durante a estada em Paris.
Assenti antes de perguntar, curiosa:
— Você também fica bobo desse jeito quando está interessado em uma
mulher?
Ele gargalhou e me lançou um olhar sedutor.
— Não, Zara, contudo, posso entendê-lo perfeitamente — confessou,
mas, quando levantei uma sobrancelha de forma interrogativa, ele explicou:
— Olhe para você, qualquer cara ficaria louco.
Minha vez de sorrir, porque sabia que não era bem assim.
— E será que o peixe grande também ficará? — questionei, curiosa
para saber a opinião do meu amigo.
Eu estava receosa. Blake Sullivan tinha o sangue de seus ancestrais
políticos correndo nas veias e era um articulador de primeira. Moe já havia
me alertado sobre o perigo de me envolver com um homem como ele. O
deputado não era do tipo que mantinha uma amante por muito tempo; ele
mudava de mulher com muita facilidade e aquilo mostrava que o cara era
bom, pois, apesar daquela rotatividade, nunca soube de nenhum escândalo ou
fofoca que envolvesse seu nome.
— Vamos descobrir em poucos dias.
Concordei e permanecemos em silêncio enquanto Caleb guiava o carro
pelas ruas de Paris. Aproveitei a quietude para repassar mais uma parte do
plano em minha cabeça.
Naquela noite, vários políticos americanos se reuniriam com o primeiro
ministro da França e graças ao meu envolvimento com Taylor Fulls, eu
estaria presente, não no encontro, mas no hotel onde aconteceria o evento.
Ele havia pedido que eu o aguardasse em um dos quartos e é óbvio que eu
obedeceria, mas antes, daria um jeito de ser vista por Blake Sullivan, que
daquela vez, estaria presente.
Depois de duas horas de um sono relaxante, levantei-me e comecei a
me preparar para a longa noite que teria pela frente.
— Ei, Barbie, seu cabeleireiro chegou — Caleb anunciou quando saí do
banho.
Coloquei um roupão e segui para a sala. Não demorou para Billy passar
pela porta principal. Era o único em quem Moe confiava, então a agência o
carregava para todos os lados.
— Zara, que cabelo é esse? — perguntou, exagerado.
Billy sempre cuidava das minhas transformações, entretanto, não fora
ele o responsável pela minha última coloração. Estava tão desesperada para
voltar a ser loira, que acabei indo a um salão de Berlim.
— Arrasei, não acha?
— E como! — Ele sorriu e me abraçou, depois começou a trabalhar e
tagarelar.
— Estou de cara com a vítima da vez! — ele começou, mesmo sabendo
que era proibido comentar sobre as missões.
— Billy… — tentei pestanejar, mas ele revirou os olhos.
— Eu sei, eu sei, mas o babado é grande demais para não falar nada.
Balancei a cabeça. Billy era um artista e há vários anos trabalhava
unicamente para a agência, fazendo verdadeiras transformações, então, apesar
de não estar diretamente ligado a nenhuma missão, ele geralmente sabia
quem era a “vítima” da vez.
— Tudo bem, você tem razão — confirmei e ele sorriu, agradado.
— Daria a minha vida para passar uma noite com Blake Sullivan.
Seu suspiro dramático me fez revirar os olhos.
— Menos, Billy.
— Zara, aquilo sim é um homão. Imagine cavalgar um cavalão
daquele! Você é muito sortuda.
Ao ouvir aquilo, meus pensamentos me traíram e quando dei por mim,
estava em uma cama com Blake, seus olhos me fitando com luxúria,
enquanto meu corpo tomava vida própria. Achei aquilo bastante estranho,
afinal nunca o tinha visto pessoalmente.
— Zaaraaaa?
Encarei Billy pelo espelho e nós dois gargalhamos, ele sabia
exatamente o que eu estava pensando.
— Pode ser que você tenha razão — concluí depois que meu ataque de
riso cessou. Aquele homem realmente era um pedaço de mal caminho, no
entanto, era só mais uma de minhas missões, e se Deus quisesse, a última.
Billy escovou meu cabelo e fez uma maquiagem bem natural
destacando meus olhos.
— Uau. — Caleb disse, soltando um assobio, quando me viu
completamente pronta. Eu usava um vestido clássico, preto, que ia quase até
os joelhos. O decote canoa não revelava muito, mas o tecido era tão colado
ao corpo que não deixava muita coisa para imaginação. Era comportado e
sexy ao mesmo tempo e fora escolhido a dedo para agradar a Blake.
— Não começa — brinquei, pois sabia que ele ia começar com suas
cantadas baratas.
Caleb era louco por sua ex noiva e eu temia que jamais amaria outra
mulher, mas aquilo não o impedia de fazer gracinhas o tempo todo.
— Vamos logo, não vejo a hora dessa noite terminar — comentei,
desanimada.
Saímos do flat e fomos direto para o estacionamento subterrâneo onde
um motorista nos aguardava.
Em menos de dez minutos, nosso carro já estava estacionando a poucos
metros do hotel. Mal paramos e Jack informou pela escuta que Blake estava
chegando. Na mesma hora olhei para frente.
De onde estávamos, foi fácil visualizar a movimentação que tomou
conta da frente do hotel, com a chegada do deputado. Dois carros
estacionaram rente ao meio fio e alguns seguranças desceram. Blake saiu
logo depois usando um terno preto, com os cabelos escuros muito bem
penteados para trás e exalando todo o charme de um político no auge de sua
carreira. Estava acompanhado de seu assistente, Ryan Barnes e, sem
hesitação, os dois seguiram para dentro.
Conferi a escuta e dei uma última olhada no visual, antes de descer do
carro e seguir para o bar do restaurante do hotel. Moe havia marcado uma
entrevista com o olheiro de uma agência de modelos, pois eu precisava da
desculpa perfeita para estar ali. Tudo aquilo demandou meses de
programação, por isso, quando esbarrasse “casualmente” com Blake Sullivan,
teria que sair perfeito.
Passei pelo saguão principal sob muitos olhares, mas não desviei meu
foco, apenas segui em frente.
— Por aqui, senhorita — a simpática hostess falou quando informei o
nome de quem estava me esperando.
Assim que coloquei meus pés no restaurante, fiquei surpresa com a
quantidade de homens engravatados que havia no local. Enquanto seguia a
moça, localizei a mesa de Blake, mas não olhei diretamente para ele. Eu
precisava ser vista, mas não deveria haver nenhuma troca de olhares naquele
primeiro momento.
Para chegar à mesa, que fora estrategicamente escolhida para a
entrevista, tive que passar ao lado da que Blake Sullivan ocupava. Como era
de esperar, tanto ele quanto seus amigos políticos, ficaram olhando
descaradamente para mim.
Assim que me viu, Ronald Neville, da Papillon Models, se levantou
para me cumprimentar. Logo depois eu me acomodei.
Blake estava bem na minha frente e se eu desviasse o olhar do rosto de
Ronald, daria de cara com ele, mas ainda não estava na hora, então, continuei
mostrando o meu portfólio de fotos e falando sobre os trabalhos que já fizera.
Quando vi Moe pela primeira vez, eu tinha dezoito anos, havia saído do
orfanato há poucos meses e ainda parecia uma criança assustada olhando tudo
ao meu redor. Apesar de ter me preparado intelectualmente, a minha idade e
falta de experiência, me impossibilitaram de conseguir o bom emprego que
eu imaginei que arrumaria. Por causa disso, alguns dias depois, estava
trabalhando como garçonete, precisava de dinheiro e aceitaria qualquer
trabalho que me ajudasse a pagar o aluguel.
Numa tarde, estava saindo do restaurante onde trabalhava, quando fui
abordada por Moe e mais dois homens. Na hora, fiquei morrendo de medo,
mas logo aquela japonesa séria e circunspecta conseguiu me acalmar e disse
que queria me oferecer um emprego.
Claro que achei estranho, mas como ela se dispôs a falar comigo em
uma praça bastante movimentada próxima de onde estávamos, eu aceitei.
Moe me dissera que havia conseguido informações minhas em uma das
agências de emprego onde eu havia deixado currículo e que meu perfil se
encaixava perfeitamente com o trabalho que queria me oferecer.
Ao ouvir aquilo, fiquei interessadíssima, e sem nem mesmo saber do
que se tratava, falei que topava. Foi então que ela me explicou o que esperava
de mim e na mesma hora pensei em voltar atrás, não porque tivesse ficado
com medo, já tinha lido tantos livros de espionagem, que aquela ideia me
excitou, no entanto, não achei que seria capaz de desempenhar aquele tipo de
trabalho.
Vendo minha hesitação, Moe explicou que eu seria treinada e, se ainda
assim não quisesse, poderia ir embora, então aceitei. Desde esse dia, tive
aulas de direção, defesa pessoal, computação, além de inúmeras outras
coisas. Como já tinha feito algumas aulas de artes marciais no orfanato,
aprendia as coisas com facilidade, o que deixou meus treinadores
impressionados e satisfeitos. Enquanto isso, Moe deu um jeito para que eu
fosse contratada por uma agência de modelos, disse que aquilo me ajudaria
futuramente, em vários disfarces.
Por isso, enquanto aprendia tudo o que era necessário para ser uma
agente secreta, também trabalhava fazendo fotos com inúmeras marcas. Eu
poderia ter desistido daquela história de ser agente, afinal, estava em um
emprego que me rendia uma boa grana. Mas já tinha sido conquistada por
aquele universo, a adrenalina que senti nas primeiras missões, já tinha me
viciado, então, cerca de dois anos depois, larguei a vida de modelo e me
dediquei totalmente à RC-2.
Infelizmente, aquilo me fez quebrar a promessa que havia feito a Marie,
de que daríamos um jeito de nos encontrarmos quando ela saísse do orfanato,
seis meses após a minha saída. Eu não poderia lhe contar o que fazia, por isso
preferi me afastar, a ter que mentir.
— Estou impressionado; seu portfólio é incrível, tenho certeza de que
nosso cliente vai adorar — Ronald elogiou, com seu tom afeminado, me
tirando do meu devaneio. Eu abri um belo sorriso, ciente de que os olhos
azuis de Blake continuavam em mim. Sabia que ele queria ser notado, queria
uma troca de olhares, mas não daria aquilo a ele, não naquele momento.
Conversei com Ronald por uns quarenta minutos, o tempo todo em
francês, e assim que pagamos a conta, meu acompanhante se levantou, mas
permaneci sentada.
— Vou falar com nosso cliente e retorno. — Seu tom era amigável e
ele me estendeu a mão apertando-a suavemente.
Quando o homem se afastou, comecei a vasculhar minha bolsa,
esperando que se distanciasse, para só então me levantar. Conforme o
combinado, assim que pendurei a alça no ombro, meu celular começou a
tocar.
— Oi, Anne — respondi, desta vez em inglês.
— O cara não para de olhar pra você — ouvi Caleb dizer do outro
lado da linha. Ele devia ter hackeado alguma câmera dentro do restaurante.
— Sim, deu tudo certo. — Fingi que escutava alguma coisa e continuei:
— Não, vou passar a noite aqui no hotel, te ligo mais tarde — falei em tom
normal, mas tendo a certeza de que Blake escutaria.
Guardei o celular na bolsa, caminhei calmamente para fora do
restaurante e segui até os elevadores com o coração a mil. Aquele homem era
realmente intenso.
Tinha chegado à minha suíte há poucos minutos, quando recebi uma
ligação de Jordy Bales, informando que logo após o encontro, haveria um
coquetel em um dos salões do hotel e que eu estava convidada a comparecer.
Achei estranho. Taylor sabia que não poderia ficar de papo comigo, então
não entendi muito bem o motivo de me querer ali. Entretanto, não iria
reclamar, aquilo ia bem de acordo com o que queríamos, afinal, seria mais
uma oportunidade para Blake me ver.
Falei rapidamente com a minha equipe e cerca de quarenta minutos
depois, um vestido muito parecido com o que eu havia usado naquele
primeiro baile, foi entregue. Como já estava pronta, apenas troquei o batom
nude por um vermelho e coloquei o vestido longo, dez minutos antes do
horário de sair.
Assim que me posicionei em frente aos elevadores, uma leve ansiedade
cresceu dentro de mim. Eu teria que ser perfeita para conseguir chamar a
atenção de Blake Sullivan, sem causar desconfiança, nem a ele e nem a
Taylor.
Quando cheguei em frente ao salão onde estava acontecendo o
coquetel, só tive o trabalho de passar meu nome falso e uma moça liberou
minha entrada.
Caminhei entre os convidados reconhecendo os rostos de muitos
figurões importantes. Parei no bar e, prontamente, um garçom me serviu uma
taça de champanhe. Assim que dei o primeiro gole, avistei Taylor Fulls a uma
boa distância de mim. Para minha sorte, ou azar, ele estava ao lado de Blake e
os dois conversavam como se fossem velhos amigos.
Blake estava alheio a minha presença e só olhou na direção de onde eu
me encontrava quando percebeu que o foco de Taylor havia mudado. Por
alguns segundos tive a inteira atenção dos dois homens mais bonitos do salão.
Taylor, provavelmente se dando conta de que estava dando bandeira,
desviou o olhar, mas ao perceber o interesse de Blake sobre mim, uma
expressão de descontentamento tomou conta de suas feições.
Logo os dois voltaram a conversar normalmente e eu quis muito ser
uma mosquinha para descobrir o teor do assunto.
Se Blake havia sacado que ali estava a nova aposta de Taylor Fulls, eu
não sabia, mas que a atitude de seu concorrente o tinha deixado intrigado,
isso eu tinha certeza.
Depois de mais alguns minutos de conversa, Blake se misturou aos
demais convidados e Taylor fez um gesto sutil para que o seguisse e se
dirigiu a um conjunto de portas localizado no fundo do salão.
Esperei alguns segundos, para não levantar suspeitas e, de forma
indolente, comecei a me dirigir às portas que, eu já sabia de antemão, davam
em uma área externa.
Vi quando Taylor parou no limite entre o salão de festas e o amplo e
bem cuidado jardim que cercava o hotel. Apesar das lindas flores, plantas
ornamentais e até mesmo uma bela fonte, o lugar estava vazio, pois a grande
maioria dos convidados se concentrava no coquetel, afinal, era lá que eles
fariam contatos e fechariam negócios.
Taylor colocou as duas mãos nos bolsos e ficou encarando a fonte
iluminada, a poucos metros de onde estava. Parei dois passos atrás dele e
fiquei olhando para o outro lado.
— Sullivan percebeu nossa troca de olhares — disse ele, ainda sem se
virar.
— Pois é.
O deputado fez silêncio, mas logo depois virou o rosto levemente para
o lado, e nossos olhares se encontraram.
— Nem pense em se envolver com ele. — Seu tom era ameaçador e
quando não respondi, ele segurou meu braço. — Você me entendeu?
Naquele momento, enxerguei um Taylor Fulls que até então me era
desconhecido. Na névoa escura que envolvia seu olhar, consegui perceber
que era aquele homem que deixava meu sexto sentido em alerta.
Todo aquele charme que ele costumava exalar, deixou de existir com a
possibilidade de que pudesse me perder para seu adversário. Aquilo me fez
perceber que a briga deles era muito mais ferrenha do que os relatórios da
agência mostravam.
— Entendi — limitei-me a dizer, já que não poderia cumprir sua
demanda, mesmo assim, senti seus dedos aliviando o aperto.
— Espere por mim no quarto, devo subir em alguns minutos.
Anuí e me afastei dele sentindo uma repulsa enorme.
Quando estava chegando perto das portas que davam para o salão, vi
Blake Sullivan. Ele tinha um cigarro entre os dedos e sua expressão era
impassível, não dava para saber se ele tinha visto a cena patética de seu
adversário, mas esperava que sim, seria mais um ponto a nosso favor.
Não me dei ao trabalho de olhar para trás, a fim de conferir se Taylor
estava nos observando; pela primeira vez, estava sentindo um certo receio de
ter que entrar no meio daquela guerra cruzada.
CAPÍTULO TRÊS

Blake Sullivan

O encontro em Paris estava sendo bastante proveitoso. Conversei com


vários colegas de faculdade, empresários, além de políticos que conviviam
comigo no covil de Washington e acabei conseguindo alguns apoiadores.
Tudo seguia em sua óbvia normalidade, até eu perceber a interação
entre Taylor Fulls e a loira deslumbrante que eu vira mais cedo, no bar.
Estava desconfiado de que ela fosse sua nova amante. Ao encontrá-los
do lado de fora durante o coquetel, achei suspeito, apesar de ambos agirem de
forma natural, como se estivessem ali aleatoriamente. Mas quando vi a forma
como ele a segurou pelo braço, minha suspeita ficou ainda mais forte. Dava
para ver que Fulls parecia mais envolvido do que deveria e aquilo poderia me
ajudar futuramente.
Por isso pedi ao meu assessor que levantasse algumas informações
sobre a mulher, precisava me certificar de que aquela beldade, era mesmo
amante dele.
— E então? — perguntei, assim que Ryan desligou o telefone,
parecendo um tanto ansioso.
— Ela se chama Alexia Carter, senhor.
— Alexia — testei o nome e sorri.
— Sim, mas temos um problema. Nosso contato no hotel também
informou que a suíte dela está no nome de Jordy Bales. Isso significa que
essa moça é amante de Taylor Fulls e certamente está no hotel por causa dele.
Barnes apenas confirmou o que eu já sabia, e assim que ouvi aquilo,
explodi em uma gargalhada daquelas, o que causou estranheza ao meu
assessor, já que ele raramente me via sorrir, mas não pude evitar. Taylor e eu
nos conhecíamos há anos e nossa rivalidade ia muito além do número de
votos que cada um conseguiria; nós adorávamos nos provocar mutuamente.
Muito do que acontecia nos bastidores da política, e até mesmo na vida
pessoal, era motivo de disputa entre nós.
— Não vejo problema nisso.
Na verdade, estava adorando. Ele havia roubado a minha última
conquista, deixando as coisas entre nós meio estremecidas. Era como se
ambos sentissem prazer em mostrar quem tinha mais poder ou dormia com o
maior número de mulheres. Uma vergonha, na verdade, para dois homens
adultos, que aos olhos da sociedade, eram muito bem casados.
— Agora que já tem o nome, descubra tudo sobre ela.
Ele assentiu e fui para o escritório da minha suíte, queria ler alguns
documentos antes do jantar.
Cerca de uma hora depois, Barnes voltou.
— Senhor, o nosso serviço de inteligência já enviou as informações que
conseguiu até o momento.
Assenti e ele continuou:
— A Srta. Carter veio a Paris para fazer fotos da campanha de uma
grife de sapatos.
— O que mais?
— Pelo que apuraram, ela está tentando conseguir um contrato com a
Papillon Models, muito provavelmente para poder participar de uma
campanha em Washington. Se me permite, acredito que está fazendo isso
para poder ficar perto do amante.
O cara só podia ser louco. Estávamos prestes a começar uma disputa
ferrenha pelo senado e ele me dava uma daquelas. Claro que a mulher era um
espetáculo, mas não achava que valia o risco de cair na boca de algum abutre
da imprensa.
Resolvi que ficaria de olho na nova amante de Fulls, quem sabe ela
pudesse me ajudar a ganhar a corrida ao senado, com menos esforço do que
eu imaginava.

Zara Maxwell

Quando Taylor chegou ao quarto, após o coquetel, agiu normalmente,


como se não tivesse praticamente me ameaçado uma hora antes, mas eu não
consegui tirar aquilo da cabeça; odiava ser intimidada por qualquer pessoa.
Enquanto estava comigo, ele recebera duas ligações que o fizeram sair
de perto de mim e atender ao telefone na sacada. Se eu já desconfiava por
causa de todo aquele secretismo, quando olhei para a mesinha de cabeceira, e
meus olhos caíram sobre o celular que ele normalmente usava, então tive
certeza de que ele estava aprontando alguma coisa. Aquele segundo telefone,
muito provavelmente, era desconhecido da agência, o que significava que não
estava grampeado. Percebi naquele instante, que ele era bem mais esperto do
que imaginávamos e agradeci por meu caso com ele não ter que durar muito
tempo.
Naquela noite ele acabou ficando mais tempo que o normal, pois
viajaria no outro dia e não poderia me encontrar na semana seguinte. Mas
pelas informações da agência, Blake ficaria mais um dia na cidade, antes de
retornar a Washington, por isso decidimos estender minha estadia, na
esperança de ter outro contato com nosso alvo principal. Entretanto, se
pegasse outro quarto, seria suspeito, então perguntei a Taylor se poderia
permanecer lá até o dia seguinte para aproveitar a piscina e após me avaliar
por alguns minutos, ele concordou.
Assim que fiquei sozinha, comuniquei a Jack o que havia falado para
Fulls, e ele providenciou mais algumas roupas, que foram entregues no dia
seguinte, próximo ao meio dia. Entre elas, havia um biquíni, afinal, se Taylor
tivesse algum espião por ali, teria que ser informado de que eu estava fazendo
exatamente o que havia lhe falado.
Por essa razão, por volta das três da tarde, desci para a piscina do hotel,
com um livro na mão para me distrair. Ao chegar lá, deitei-me em uma
espreguiçadeira e, por algumas horas, quase me esqueci de que estava em
uma missão.
No fim do dia, Caleb avisou que Blake tinha finalizado seu
compromisso e estava se encaminhando para o hotel, então subi para o quarto
e fui me arrumar. O deputado costumava tomar um ou dois drinks no fim do
dia e eu precisava estar no bar do restaurante quando ele chegasse.
Só espero que ele não quebre sua rotina, pensei, enquanto me
acomodava à uma mesa no fundo do salão, mais precisamente, na última, de
modo que quando saísse, teria que passar por todas as outras mesas e seria
impossível não ser notada.
Fiz meu pedido, esperando que chegasse logo, porque a tarde na piscina
tinha me deixado faminta e, graças a Deus, foi o que aconteceu. Estava no
meio da minha refeição, quando vi Blake e mais alguns homens adentrando o
restaurante. Mais uma vez, não fiz contato visual, para que ele não
desconfiasse de nada.
Infelizmente, como estava sozinha, não daria para ficar muito tempo
por ali ou levantaria suspeitas, mas enrolei o máximo que pude. Quando
terminei meu suco, levantei-me e atravessei o salão.
De soslaio, percebi quando Blake notou minha presença e me
acompanhou com o olhar. Continuei meu caminho, sem pressa, entrando no
saguão do hotel, e indo em direção ao hall dos elevadores.
— Ele está indo atrás de você — Caleb falou na escuta.
Uau, o deputado devia ter bebido, no máximo, um drink com seus
colegas, antes de dar a noite por encerrada.
Continuei de costas e logo senti as presenças de Blake e de seu assessor
atrás de mim. Na mesma hora o elevador chegou ao térreo e eu entrei,
posicionando-me no canto.
Quando entrou, ele se colocou ao meu lado, já Barnes, ficou na nossa
frente.
Com um pequeno gesto, Blake pediu que seus seguranças esperassem
o próximo elevador e os dois brutamontes concordaram, ainda que
contrariados.
Quando as portas se fecharam, o perfume do deputado dominou todo o
ambiente e senti seu braço roçando o meu, mas continuei demonstrando um
comportamento indiferente e até mesmo hostil à sua presença.
— Qual o andar, senhorita? — o assessor dele perguntou e só então me
dei conta de que tinha me esquecido de apertar o número do andar.
— Décimo — falei, prontamente. — Obrigada.
— O mesmo que o nosso — Ryan Barnes informou.
Aquilo não era totalmente verdade, uma vez que Blake estava
hospedado na suíte presidencial, que ficava na cobertura. Entretanto, seu
assessor estava mesmo no décimo andar, e aquela era uma ótima justificativa
para puxar conversa e descobrir o número do meu quarto, o que foi muito
favorável a mim também.
— Está na cidade a trabalho? — Blake se dirigiu a mim e, finalmente,
nossos olhares se encontraram.
Fiz algum esforço para não ofegar, o homem era ainda mais atraente de
perto, e eu não falava apenas de sua beleza física, mas de sua presença
dominadora. Era, com certeza, a mais intensa que já experimentara na vida.
Senti como se sua energia me envolvesse, me deixando sem reação.
— Sim, a trabalho — afirmei, sem lhe dar muita trela. Blake não
apreciava mulheres que se jogavam aos seus pés, então mantive meu ar
impassível, mas foi difícil, tinha que confessar. — Com licença — pedi,
assim que as portas se abriram, e saí um pouco apressada; sentia que
precisava me afastar dele para finalmente poder respirar.
Alguns passos depois, cheguei em frente à minha porta e parei.
Enquanto procurava o cartão de acesso na bolsa, percebi Blake e Ryan se
aproximarem. No instante seguinte, os seguranças dele saíram do outro
elevador e caminharam na mesma direção. Eles passaram por mim, no exato
momento em que inseri o cartão e destravei a porta. Sem hesitação, entrei em
meu quarto, sem lhes dirigir um segundo olhar.
É só mais uma missão, Zara, e ele é só mais um cara bonito, disse a
mim mesma quando fechei a porta, me encostando nela. Logo depois
caminhei até a cama e me joguei de costas, precisava me acalmar.
De todos os homens que já tive que enganar, Blake era o único que eu
não conseguia vislumbrar de quatro por mim em um futuro próximo; ele era
esperto demais e aquilo ficava nítido até na forma como olhava para alguém.
O homem parecia enxergar além do que estava na superfície e por esse
motivo, absolutamente tudo o que planejamos teria que ser muito bem
executado.

Blake Sullivan

Alexia Carter, com certeza, ficara afetada pela minha presença. Seu
nervosismo era patente e eu sabia que, se estivesse com ânimo para provocar
Fulls e pagar na mesma moeda o que ele fizera meses atrás, ao roubar minha
amante, não teria muito trabalho.
Minutos depois que ela entrou em seu quarto, eu fui para a minha suíte,
tinha que me preparar para voltar a Washington.
Durante o banho, lembrei-me das incontáveis histórias contadas por
meus ex colegas de universidade. A grande maioria já estava casada e exibia,
com orgulho, fotos da família na tela do celular. Eu não sabia até que ponto
aquela felicidade era autêntica, mas ver aquilo, me fez perceber que minha
vida andava bastante monótona.
Mais uma vez Alexia voltou à minha mente. Tentar conquistá-la e,
principalmente, ter algumas noites com ela, melhoraria e muito a minha
rotina. Mas se fizesse aquilo, minha disputa tácita com Fulls poderia se tornar
mais inflamada. Eu percebi a forma como ele a olhava e tinha certeza de que
meu rival não aceitaria minha atitude muito bem.
Quando saí do banho, Barnes estava à minha espera com uma cara
péssima.
— O que foi agora? — perguntei e ele estendeu um celular para mim.
— Ele quer falar com você.
Soltei uma lufada de ar e peguei o telefone, já sabendo que receberia
péssimas notícias.

Zara Maxwell

O breve encontro com Blake no elevador me deixou esperançosa de


que as coisas, finalmente, começassem a acontecer.
Ele já tinha me visto por três vezes e contava que fosse o suficiente
para chamar sua atenção. Depois de falar com Jack e Caleb, decidimos que eu
ficaria aquela noite no hotel, pois se o senador quisesse falar comigo, saberia
onde me encontrar.
Já ia me preparar para deitar, quando ouvi Caleb dizer:
— Zara, tem um funcionário do hotel na sua porta. Vai tocar em 3, 2,
1…
Mal terminou de falar, a campainha tocou. Deixei minhas coisas sobre
a cama e fui atender.
— Boa noite, senhorita.
— Olá, boa noite.
O rapaz me encarou com um olhar astuto e cheio de gentileza.
— O Sr. Barnes está convidando a senhorita para tomar um drink com
ele. Posso confirmar sua presença?
— Desculpe, mas quem é Barnes? — perguntei, me fazendo de
desentendida.
— Ryan Barnes, assessor parlamentar. Ele está hospedado no hotel por
causa do encontro que ocorreu ontem, com o Primeiro Ministro.
— E o que… — iniciei uma nova pergunta, mas meu telefone começou
a tocar dentro do quarto e já imaginei que deveria ser alguém da agência, com
alguma instrução.
— Só um momento — pedi e fui atender ao celular. — Alô.
— Aceite — a voz imponente de Moe Sakura soou em meus ouvidos.
— Certo. Mas será que não seria um pouco precipitado...
— Está questionando minhas ordens?
— Não, me desculpe, farei como pediu.
Ela desligou e voltei para a porta, onde o rapaz permanecia à minha
espera.
— Olha, eu não sei… Não conheço esse senhor. Na verdade, não
conheço quase ninguém aqui, então…
— Não se preocupe, ele pediu que arrumássemos uma mesa em um
local reservado, aqui mesmo no hotel. A senhorita não estará sozinha com
ele, a não ser que queiram, é claro.
Estreitei os olhos para ele. Aquele rapaz devia estar mais do que
acostumado àquele tipo de negociação e já devia ter visto muita coisa. Dei de
ombros.
— Tudo bem, então, pode confirmar minha presença — falei.
— Ele estará à sua espera às 23h. Siga para o salão que fica na ala leste.
Assenti e fechei a porta.
Eu não sabia o que pensar. Blake Sullivan agiu muito mais rápido do
que eu esperava. Aquilo me deixou admirada e, sobretudo, curiosa para saber
como seria quando estivesse a sós com o deputado mais cobiçado de
Washington DC.
Chequei meu relógio e vi que tinha quarenta minutos para me preparar
para aquele encontro. Esperava estar mais calma quando a hora chegasse.
CAPÍTULO QUATRO

Zara Maxwell

Sempre fui muito confiante em todas as missões de que participei, no


entanto, meu sexto sentido entrou em alerta assim que deixei meu quarto.
— Preciso que a senhorita tire qualquer joia ou objeto de metal que
esteja usando — um dos seguranças de Blake, que mais parecia um armário,
falou assim que cheguei no local onde havíamos combinado de nos encontrar.
Droga! Já era a escuta que havia no meu colar, reclamei comigo
mesma, mas àquela altura, não dava para discutir, então fiz como ele pediu e
tirei o colar, os brincos e o relógio. Após guardar tudo em um saquinho, o
homem passou um detector de metal por mim e só então liberou minha
entrada.
O espaço era lindo, amplo e muito bem decorado, com um luxuoso
lustre de cristal pendendo do centro do teto todo trabalhado. Imaginava que
ali eram realizadas recepções mais intimistas, com poucas pessoas.
Também havia uma única mesa de jantar, posta para duas pessoas, com
taças e uma garrafa de vinho. Caminhei até ela e finalmente o vi. Blake
estava em um canto, a cerca de dois metros de mim, ao lado de outro
segurança, e me olhava de forma avaliadora.
— Deixe-nos a sós — ordenou e o segurança saiu, fechando a porta
atrás de si.
O deputado deu três passos à frente, encostou-se indolentemente em
uma pilastra e continuou me encarando com uma expressão indefinível.
— Obrigado por ter aceitado meu convite. — Ele me lançou um sorriso
que não chegou aos olhos. — Meu nome é Blake Sullivan, mas imagino que
a senhorita já saiba disso.
Suas palavras me pegaram completamente desprevenida e fiquei, pela
segunda vez no mesmo dia, sem reação.
— Eu… Sou Alexia Carter — falei depois de alguns segundos e quase
repeti o que ele havia falado, mas preferi não provocar, estava sentindo que
havia algo errado ali. — Estou curiosa para saber o que o senhor poderia
querer comigo — professei, a voz calma, enquanto me sentava em uma das
cadeiras.
— Se estivesse no seu lugar, estaria preocupado, não curioso — Blake
falou, ainda me observando; seus olhos claros fixos nos meus.
— Achei que fosse uma convidada e que não havia motivo para
preocupação — argumentei, enquanto Blake se movia, vagarosamente, em
minha direção. — Estou errada? — perguntei.
Ele não respondeu, apenas continuou se aproximando, os movimentos
de seu corpo esguio e elegante pareciam calculados, chamando a minha
atenção. Ele era muito atraente e poderia ser facilmente confundido com
algum rico empresário de Wall Street.
Assim que parou na minha frente, disse, sem inflexão na voz:
— Espionagem é crime, senhorita. Espionar um deputado americano é
ainda pior — expôs, calmamente, torturando-me com cada palavra.
Droga, Zara, e agora!
— Não sei do que está falando. — Tentei soar firme, mas por dentro
estava uma pilha.
Blake começou a caminhar em volta da mesa; parecia um leão
encurralando sua presa.
— Achou mesmo que um par de peitos poderia me distrair? Não
cheguei até aqui sendo manipulado por ninguém, especialmente por mulheres
bonitas, Srta. Zara Maxwell.
Engoli em seco. Como aquilo havia acontecido? Nunca tinha sido
descoberta antes. Como Blake conseguira aquela proeza? Eu, sinceramente,
não sabia o que pensar.
Olhei para ele em silêncio por alguns segundos antes de finalmente
ceder.
— O que você quer? — questionei, afinal, não havia o que fazer. Além
disso, se ele me quisesse presa, a polícia já estaria no hotel.
— Garota esperta, agora estamos falando a mesma língua.
Blake serviu vinho em uma taça e me entregou. Tive vontade de bebê-
la inteira, mas achei melhor me manter sóbria. As coisas já estavam péssimas,
imagina se eu estivesse alta… Não, eu precisava saber o que estava
acontecendo ali, como ele havia descoberto e, principalmente, o que queria de
mim, por essa razão, deixei a taça sobre a mesa e o encarei.
— Como descobriu? — perguntei com firmeza, mas estava preocupada.
Blake bebeu um gole de seu vinho com calma, divertindo-se com o
meu desespero.
— Deveria saber que não sou um amador, senhorita. Demorou um
pouco, mas meu serviço de inteligência conseguiu descobrir tudo sobre você
e sua agência. Aliás, Moe Sakura devia tomar mais cuidado ao colocar
agentes infiltrados. Além de perigoso, é tão ultrapassado, tenho certeza de
que ela poderia conseguir as mesmas informações com um bom hacker. A
não ser que sejam informações de foro íntimo, claro.
Arregalei os olhos. Ele já sabia até sobre a agência?
Que. Grande. Merda!
Vendo a surpresa estampada em meu rosto, Blake apontou para a
minha taça, ainda intocada, e fiz que não com a cabeça.
— Gostaria que fosse direto, como acredito que seja de sua
personalidade, e me dissesse o que pretende, Sr. Sullivan.
Mais uma vez ele sorveu o vinho calmamente, antes de responder:
— Quero saber quem a contratou para me espionar e o que essa pessoa
quer.
— Moe não revela esse tipo de informação — e de fato não revelava.
— Sou apenas um peão nesse tabuleiro. Faço o que me mandam.
— Então prepare-se, porque a partir de hoje, você será o meu peão.
— O quê? — indaguei, levantando-me de supetão.
— Isso mesmo que ouviu. Vou explicar como serão as coisas de agora
em diante, portanto, sente-se novamente e acalme-se.
Ele fez uma pausa, esperando eu me sentar, então pegou a outra
cadeira, a colocou ao meu lado e também se acomodou.
— Você irá romper com Taylor Fulls, imediatamente e não contará a
ninguém de sua agência, sobre a nossa conversa.
— Mas isso é impossível, a comunicação foi cortada e eles devem estar
loucos atrás de mim.
Aquilo não era verdade, afinal, a própria Moe havia me mandado ali e
devia saber que um homem como Blake não brincava em serviço. Ela só
começaria a se preocupar se eu não desse sinal de vida nas próximas três
horas, que era o tempo limite para ficarmos incomunicáveis. Se aquilo
acontecesse, poderia esperar ver Caleb e outros agentes invadindo o hotel
para me resgatar.
Blake sorriu e tocou meu queixo com a ponta dos dedos.
— Isso não é problema meu, a única coisa que precisa entender, é que o
jogo virou e agora você trabalha para mim.
— Eu não vou trabalhar pra você — cuspi as palavras, com raiva.
Nenhum dos agentes que fez aquele tipo de coisa, teve uma vida longa.
Moe Sakura cuidava muito bem de seu pessoal em campo, mas se descobrisse
que havia me tornado uma agente dupla, não hesitaria em me matar.
Tentei me levantar novamente, mas ele segurou meu pulso.
— Prefere que eu chame o FBI, ou a CIA, talvez? Eles iriam adorar
tirar de você informações sigilosas sobre os casos em que trabalhou.
Droga! Pela primeira vez na vida eu não sabia o que fazer. Nunca a
escuta com a voz de Moe me dizendo o que fazer, foi tão desejada.
— Além de terminar com Fulls, o que mais eu preciso fazer? — quis
saber. Encarar órgãos do governo não era uma opção, além de me torturar,
ferrariam com a agência toda e eu não podia pensar somente em mim.
— Moe Sakura precisa acreditar que o plano de vocês está dando certo,
porque só assim eu vou descobrir quem os contratou e o que exatamente
querem que você faça.
— Você pode conseguir isso com um bom hacker — falei, desdenhosa.
— Não brinque comigo, garota. Qualquer outro daria um fim na sua
vida e jogaria seu corpo em uma vala qualquer. Pessoas como você, sem
família e com amigos que estão metidos no mesmo tipo de negócio, não têm
ninguém para reivindicar o corpo.
Estremeci de leve ao ouvir suas palavras frias, mas logo me recompus,
ele estava certo, eu não tinha ninguém. Além disso, era exatamente assim que
o submundo funcionava; havia queimas de arquivo acontecendo todos os dias
e, normalmente, ninguém sentia falta.
— Muito bem, Sr. Sullivan, vamos esclarecer as coisas. Se eu terminar
com Taylor Fulls, te falar o que eu sei sobre o plano e descobrir quem está
por trás dessa missão — fiz aspas —, eu estarei livre?
— Teoricamente, sim, já que se ousar passar informações não
autorizadas para sua chefe, considere-se um cadáver no dia seguinte. Eu
tenho ouvidos em todos os lugares.
Não havia resquício de humor em suas palavras, Blake Sullivan não
tinha chegado tão longe fazendo amigos pelo caminho.
— Se eu entrar neste jogo duplo e Moe Sakura descobrir, também serei
uma mulher morta — falei mais para mim mesma do que para ele.
Eu estava, literalmente, entre a cruz e a espada. Blake Sullivan me
colocou na situação mais difícil em que já estive nessa vida. Se dissesse não a
ele, as coisas ficariam feias para o meu lado, mas se Moe descobrisse, eu
estaria ferrada do mesmo jeito.
— Quero garantias de que ficarei segura — falei, com firmeza.
— Sua segurança estará garantida enquanto estiver ao meu lado.
— Como assim?
— O plano era que você se tornasse minha amante, certo? — Sem
esperar resposta, continuou: — Então, faremos isso acontecer até eu obter as
informações que preciso.
— E depois disso você me joga aos leões? — Levantei-me
rapidamente, sem lhe dar chance de me impedir de novo, e comecei a
caminhar de um lado para o outro.
— Por que eu faria isso? Se no final não quiser voltar para a RC-2,
consiga documentos falsos e desapareça. Acredito que não terá problema
algum com isso, Sakura não contrata pessoas desqualificadas.
— Depois que eu descobrir quem contratou os nossos serviços, você
me deixaria ir sem que Moe descubra sobre minha traição? — perguntei,
esperançosa.
Blake balançou a cabeça devagar.
— Sim. Mas passaremos algum tempo juntos, para que ela acredite que
o plano está dando certo.
— Apenas encenação, certo?
— Certamente que sim — garantiu e bebeu o resto do vinho, então me
encarou. — Nada pessoal, claro, só não gosto de dormir com o inimigo. —
Ele sorriu.
— Claro — falei e sorri tão cinicamente quanto meu acompanhante.
Ele apoiou a taça sobre a mesa e se levantou.
— Pegue suas coisas na saída e invente a desculpa que quiser para sua
chefe. Acho que só nos encontraremos agora em Washington. Alguém
entrará em contato.
Falando aquilo, ele se dirigiu para a porta e saiu.
Recostei-me na cadeira, fechei os olhos e soltei o ar com força. Tinha
acabado de me enfiar na pior enrascada da minha vida.

Os olhos astutos de Moe Sakura ficaram vibrantes enquanto eu


explicava, com detalhes, a conversa sedutora que tive com Blake Sullivan.
Claro que depois de ter ficado cerca de uma hora incomunicável, ela iria
querer falar comigo. Por isso eu estava em sua sala, à uma da manhã,
inventando uma das maiores mentiras da minha vida. Tentei falar da forma
mais natural possível, pois Moe era esperta demais, e se eu vacilasse, ela
ficaria desconfiada. Para que aquilo não acontecesse, falei o máximo de
verdade que pude.
— O filho da mãe é mais esperto do que pensávamos. Mas se mesmo
lhe mandando tirar todas as suas joias, com receio de que tivesse uma escuta,
ele ainda a convidou para ir à capital, é porque mordeu a isca.
— Eu acho que ele só quer provocar Fulls — falei, despreocupada,
como se não tivesse me tornado uma maldita traidora. Minhas entranhas se
reviravam de culpa por causa disso. Nunca imaginei que pudesse fazer jogo
duplo, mas se eu não o fizesse, o FBI acabaria com a agência que Moe levou
anos para construir e todos seriam prejudicados.
— Ele gostou de você, Zara. Dyson conseguiu rastrear as últimas
ligações de Ryan Barnes e descobriu que eles já estão mexendo os pauzinhos,
para que a Papillon Models te escolha para a campanha daquele cliente de
Washington.
Eu apenas assenti e fiquei os 10 minutos seguintes ouvindo suas
instruções, antes de ser dispensada.
O caminho para o flat foi feito em silêncio. Caleb percebeu que havia
algo diferente e fez o que sempre fazia quando via alguém desanimado,
começou a falar besteiras, mas não tive ânimo para rebater nenhuma de suas
gracinhas.
Desde o dia em que aceitei ser treinada pela agência, nunca parei
exatamente para pensar no perigo que estaria correndo.
Foi o estilo de vida, além do dinheiro “fácil”, que me seduziram. Ser
boa no que fazia, garantiu que aos vinte e oito anos, eu já pudesse me
aposentar. O irônico era que eu havia jurado que aquela seria minha última
missão, e foi justamente ela que me colocou na pior enrascada da minha vida.
— Esse cara mexeu com você — Caleb disse quando entramos no flat.
— Não diga besteira — falei em tom divertido e fiquei encarando meu
amigo. Ele era a pessoa mais sorridente e descontraída que já conheci e agora
só conseguia enxergar imagens de seu corpo esquartejado e jogado em uma
valeta qualquer.
Maldito Blake Sullivan.
— Só estou cansada. Você sabe que já queria parar há muito tempo.
— Sei, sim, também estou de saco cheio dessa vida.
Caleb também pararia depois daquela missão e Moe perderia dois de
seus melhores agentes. Entretanto, ela já estava ciente e não pareceu se
abalar.
Meu amigo e sua ex noiva nunca deram certo por causa de suas intensas viagens.
Relacionamento algum resiste a tanta distância, então ela terminou. Caleb poderia não se
abrir sobre o assunto, mas eu sabia que sua próxima missão seria ela.

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OUTRAS OBRAS DA AUTORA
DI SPONÍ VEI S NA AMAZON

WARD
(Lançamento 2020)

Lacey Smith conheceu seu príncipe encantado, iniciou o curso dos seus sonhos e estava passando
pela melhor fase de sua vida.
Aqueles momentos de dor e desequilíbrio haviam ficado para trás e tudo o que lhe restava era viver
como qualquer outra garota de sua idade.

No entanto, as coisas começam a se complicar quando ela percebe que o mundo cheio de glamour
no qual Thomas Ward está inserido, não é tão excitante assim. E é aí que começam suas dúvidas:
será que ela conseguirá lidar com o peso de namorar um homem tão poderoso?

Além disso, logo cedo ela descobre que a universidade não é para os fracos, que nem todas as
famílias querem o bem de seus pares, que o universo corporativo não é tão excitante assim e que
basta vacilar um pouco, para que problemas do passado voltem para te atormentar.

No segundo volume de WARD, Lacey e Tom terão que aprender a conviver com o ciúme,
armações e inimigos que farão de tudo para destruir seu conto de fadas.

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DICAS PARA ESCREVER ROMANCE
(Lançamento 2020)

Como você começou a escrever?


Como escrever?
Como lançar na Amazon?
Como viver de escrita?

Estas foram algumas das perguntas que recebi ao longo dos anos, tanto de minhas leitoras como de aspirantes a
escritoras.

Como não dava para responder todas que chegavam a mim forma individual, resolvi desenvolver este e-book,
especialmente para quem quer escrever romances e publicá-los na Amazon, mas acredito que as noções básicas
contidas aqui poderão ajudar na criação de qualquer gênero literário.

Espero muito que gostem, desejo que minha experiência sirva de incentivo para futuras escritoras e que minhas
dicas sejam de real ajuda na hora de compor suas estórias.

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LOUISE STONE – A DEUSA DO AMOR
(CLÃ STONE 03 – Lançamento 2019)

Após uma desilusão amorosa, Louise Stone se fechou para o amor e decidiu estudar com afinco para entender o
universo masculino e, assim, não cometer os mesmos erros do passado.
Todos esses anos de pesquisa foram úteis para sua estabilidade emocional e contribuíram para a ascensão de sua
carreira, tornando-a uma psicóloga renomada e constantemente presente nos talk shows mais famosos dos
Estados Unidos.
Aquela estava sendo a melhor fase de sua vida, pois havia, finalmente, conseguido o equilíbrio entre vida pessoal
e profissional, devido a isso, envolvimentos sentimentais não estavam em seus planos.

Considerado por todos como um prodígio dos negócios, Tony Osborne era extremamente atraente e quando não
estava comandando o Grupo Osborne, os interesses desse CEO giravam em torno de festas, mulheres e tudo de
melhor que o dinheiro poderia pagar.
Na vida desse belíssimo libertino não havia lugar para relacionamentos sérios, a não ser que a candidata fosse a
aparentemente inacessível Srta. Stone, a mulher que vinha tirando seu sono nos últimos tempos.

Ela odeia tipos como ele...


Ele admira mulheres como ela...

A Deusa do Amor é um delicioso romance que vai te ajudar a refletir sobre o universo que envolve as
relações amorosas de um jeito apaixonante e divertido.

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LOUCO POR ELA
(Lançamento 2019 – Livro completo)

UM AMOR PARA A VIDA TODA

Ainda adolescente, Julia Albernaz se apaixonou por Leonel Brandão, que além de sócio, também era o melhor
amigo de seu pai. Desde então, ela nunca poupou esforços para chamar a atenção de seu amor platônico.

Leonel, por sua vez, achava graça dessa paixonite de Julia, para ele, suas declarações não passavam de brincadeiras
de criança, sem qualquer fundamento.

Depois de muita desilusão, Julia decidiu estudar fora do Brasil, com a esperança de esquecê-lo. Infelizmente,
quando retorna para casa, após cinco anos, descobre que seus sentimentos por Leo não mudaram.

Entretanto, ela não é mais aquela adolescente boba, que vivia implorando por atenção. Julia se tornara uma mulher
madura e confiante, e agora sabia muito bem como lidar com o único homem, que virava seu mundo de ponta
cabeça.

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GAROTA VIP
(Lançamento 2019)

ELE ERA SUA MISSÃO E SE TORNOU SUA PERDIÇÃO

Zara Maxwell é uma agente secreta treinada para se infiltrar entre os figurões de Washington e descobrir tudo o
que puder sobre eles. Esta esperta espiã usa de sua beleza, habilidade e inteligência fora do normal, para conseguir
cumprir todas as suas missões e segue apenas uma regra: jamais se envolver emocionalmente.

Blake Sullivan, vem de uma família de políticos influentes. Sua expertise e magnetismo tornaram-no
mundialmente conhecido e o fizeram ganhar as últimas eleições para deputado, com uma vantagem assustadora,
despertando a fúria de seus inimigos e a inveja de seus concorrentes.

Blake será a próxima missão de Zara, uma das mais importantes de que já participou, e talvez, a última.

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O DIABO VESTE ARMANI

O DIABO VESTE ARMANI TEVE MAIS DE 3 MILHÕES DE LEITURAS NA INTERNET E CHEGA À AMAZON COM
NOVA VERSÃO, REVISÃO E CENAS EXTRAS.

ELE TAMBÉM ESTÁ DISPONÍVEL EM FÍSICO NA EDITORA RICO.


Mia Banks sempre foi uma exímia jogadora de xadrez e embora sentisse simpatia pelo rei, era a rainha que a
deixava fascinada. Pelo menos até conhecer Rico Salvatore. Lindo, bem-sucedido e arrogante, aquele homem
sempre seria um rei, enquanto ela nunca passaria de um peão bobo e sem graça.

Mesmo achando difícil jogar de igual para igual, com um oponente que fazia seu mundo balançar com apenas um
olhar, ela passa a acreditar que sua inteligência é a principal arma para vencer aquele intenso jogo de sedução.

Ele quer sexo, ela, amor.


Quem vencerá esse delicioso e sensual embate?

Disponível no Google Play, Kobo e iTunes


ROMEO STONE – O HERDEIRO
(CLÃ STONE 02)

Julie Collins sempre foi muito racional e nunca se rendeu diante de um rosto bonito e um corpo musculoso,
até conhecer Romeo Stone, um playboy lindo e charmoso que está disposto a quebrar sua mais importante
regra só para tê-la em sua cama.

“Mudar para Nova York não era apenas uma promessa de vida independente, eu sentia uma grande necessidade de
descobrir outros mundos e sabores; sair da redoma de vidro onde passei os últimos anos e sentir o verdadeiro gosto
da liberdade.

Eu estava certa dos meus propósitos e bastante animada com a promessa de uma vida nova, mas o destino adora
zombar das pessoas e eis que surge Romeo Stone, a personificação de tudo que eu mais odiava em um homem.

Claro que eu não era imune à beleza dele, porém, um rostinho bonito nunca foi o suficiente para me manter
interessada. Sempre fui muito crítica e racional em relação aos homens e jamais ficaria com um tipo como ele. Pelo
menos até ser rejeitada.

Romeo fez meu ego inflamar, se tornou uma espécie de desafio e eu usaria todos os recursos que tivesse à mão, para
conquistar o homem mais cobiçado de Nova York.”

O segundo do Clã Stone, é um delicioso romance que você devorará em pequenas doses para que não acabe tão
cedo.

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HARVEY STONE - O CEO DOS MEUS SONHOS
(CLÃ STONE 01)

MAIS DE 1 MILHÃO DE LEITURAS ONLINES

Alyssa Finger sempre teve como meta, estudar em Harvard e tornar-se uma executiva de sucesso. Por isso ela
nunca se importou com as zombarias que recebia devido às suas roupas largas e coloridas e aos enormes óculos
que adotou como uma espécie de escudo.

Mas um dia, literalmente, esbarra com o homem mais lindo que seus olhos já viram e se apaixona
instantaneamente. Sabendo que nunca será notada, ela se conforma em observá-lo de longe.

Agora, anos depois, ela trabalhará com o homem dos seus sonhos e após uma mudança radical, feita com a ajuda
de seu melhor amigo, Alyssa está pronta para tentar conquistar o coração do bilionário mais cobiçado de Nova
York.

Harvey Stone é o CEO das Indústrias Stone, um dos maiores conglomerados do mundo. Ele é implacável nos
negócios e desde que assumiu a liderança do grupo, praticamente triplicou seu faturamento.

Rodeado por belas mulheres e frequentando os melhores lugares que o dinheiro pode pagar, este sedutor
encontrará em sua nova assistente um grande desafio.

Totalmente seduzido, ele está a ponto de quebrar sua regra número um: jamais se envolver com uma de suas
funcionárias.

Esse é um romance sensual que te fará amar nossos protagonistas, mas também os odiar em vários momentos.
Descubra o porquê após ler o primeiro livro do Clã Stone.

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O REI DOS DIAMANTES
(SÉRIE MILIONÁRIOS DE CHICAGO 01)

Andrew Petrov é um russo de temperamento difícil. Lindo, sério, irascível e inegavelmente misterioso, ele vive
para cuidar de seu império construído através da exploração e venda de pedras preciosas. No mundo corporativo é
temido e conhecido como O Rei dos Diamantes, mas intimamente, é um homem atormentado em busca de algo
que imagina nunca poder ter.

Leticia Garcia é uma jovem doce e inocente que foi entregue, contra a própria vontade, a um homem rude e
violento. Durante o dia, sem que ele saiba, Leticia aceita encomendas e cria os mais variados e deliciosos bolos de
Chicago. No entanto, se sente muito infeliz e mesmo não admitindo a si mesma, sonha com o dia em que aquele
homem cruel a libertará e ela finalmente poderá encontrar o amor.

E o que O Rei dos Diamantes tem a ver com uma jovem e sofrida dona de casa?
Venha descobrir nesse delicioso e moderno conto de fadas.

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A GRANDE VIRADA
(SÉRIE MILIONÁRIOS DE CHICAGO 02)
– em processo de revisão –

Durante muitos anos, Milena Soares achou que sua jornada na terra, era apenas uma forma de ser castigada por
erros cometidos em alguma vida passada. Ilegal nos Estados Unidos, ela trabalha em uma empresa que presta
serviços de limpeza para grandes corporações e condomínios de luxo.

É através desse trabalho que ela conhece Ross Mayaf, um homem rico e solitário, que tem como único parente, um
neto que não se preocupa nem em saber se o avô está vivo ou morto. Quando Ross fica doente e contrata Milena
como sua dama de companhia, ela vê a oportunidade de realizar o sonho de seu amigo idoso e trazer o neto de volta
para casa.

E a partir daí as coisas começam a mudar drasticamente. Zen Mayaf é o pecado em forma de homem e deixa uma
legião de mulheres apaixonadas por onde passa. É um libertino incorrigível e herdeiro de uma das maiores fortunas
dos Estados Unidos.

Mas nem tudo é um mar de rosas na vida desse garanhão indomável, seu tempo está se esgotando e para assumir o
império dos Mayaf, ele terá que subir ao altar. Milena está mais do que disposta a aceitar esse delicioso desafio, até
se ver frente a frente com uma ex que não medirá esforços para se tornar a nova senhora Mayaf.

Afinal, quem será a escolhida do herdeiro mais cobiçado de Chicago?


A OUTRA

Das fantásticas galerias ladeadas pelas melhores grifes do mundo, aos cafés do centro do
Golden Triagle, Beverly Hills faz jus a sua brilhante fama e será palco desse delicioso romance.

Ava Shoe é a típica caipira bonita e malvestida, e só precisou de alguns minutos em Berverly Hills
para sentir-se fascinada e patética na mesma medida. Chegou ali movida pelo sonho de ser famosa,
mas como, se só havia em sua mala meia dúzia de vestidos floridos e algumas sapatilhas bastante
usadas?

Brandon Languerfeld é o poderoso CEO de uma das maiores emissoras de TV da Califórnia.


Playboy cobiçado por sua beleza e fortuna, é dono da boate mais badalada de Beverly Hills e será
objeto de desejo da nossa mocinha recém-chegada dos confins do Texas.

Uma garota de língua afiada, um bonitão endinheirado e uma amiga “fada madrinha”. Esta é a
receita perfeita para um romance inesquecível.

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CONTATOS DA AUTORA

[1]
Ponte de ferro fundido, com linhas românticas, projetada em meados do século XIX, que
cruza o The Lake, lago existente no Central Park.
[2]
É uma reserva natural, composta por uma grande quantidade de árvores. É muito
frequentada por apreciadores de pássaros, uma vez que há uma enorme diversidade de
espécies.
[3]
Programa da Fox News.
[4]
Agência Nacional de Segurança (NSA, em inglês).
[5]
Loja onde se encontra praticamente tudo, de comida a roupas e artigos para casa e
escritório.
[6]
Sigla para Best Friends Forever, que em tradução livre significa melhores amigas para
sempre.
[7]
Vocalista da banda de rock irlandesa U2.
[8]
Rodovia que corta Nova Jersey
[9]
Sonolência, moleza.
[10]
Mancha roxa, também conhecida como hematoma.
[11]
Retirada do baço que pode ser total ou parcial.
[12]
Retirada
[13]
Nutrição Parenteral é a administração de nutrientes por via endovenosa, com a
finalidade de proporcionar ao organismo as calorias e os aminoácidos necessários para sua
manutenção quando a pessoa não pode se alimentar. É composta por glicose, proteínas,
eletrólitos, vitaminas, sais minerais e água.
[14]
A Blair House é a casa de hóspedes do presidente dos Estados Unidos. É lá que ele
recebe chefes de estado e visitantes importantes. O complexo é formado por 4 casas,
somando mais de 120 cômodos, além de contar com toda uma equipe para servir quem
estiver hospedado.
[15]
Para saber, leia a estória de Zara e Blake em Garota VIP, disponível pelo Kindle
Unlimited.
[16]
Forma como as ruivas são chamadas nos EUA.

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