o NOVO CHIP

Edição 424 • fevereiro 2021

DA APPLE
Testamos os novos
MacBooks, com 18 horas
de bateria e processador
de smartphone. p. 34

r$ 18,00

AS PRÓXIMAS
As novas variantes
do Sars-Cov-2
podem oferecer
mais resistência
contra as vacinas.

MUTAÇÕES
Certas mutações,
porém, são capazes
de deixar o vírus
mais vulnerável.
Entenda como a
genética começa a
desenhar o futuro
da pandemia. p. 22
por bruno garattoni
e eduardo szklarz

p. 48 p. 42 p. 64 p. 08
fischer, spassky, as luzes e se as vacinas brasil: o
mequinho: a era invisíveis não tivessem terror das
pop do xadrez. do espaço. sido inventadas? montadoras.

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 carta ao leitor
A ilusão
persistente
do tempo
Einstein escreveu certa vez:
“A diferença entre passado, presente
e futuro é uma ilusão, ainda que
persistente”. A ideia do físico ali não
era lacrar uma discussão. O italiano
Michele Besso, seu melhor amigo
dos tempos de faculdade, tinha aca-
bado de morrer. A frase foi escrita
numa carta à esposa de Besso. Era
uma forma de consolar a ela, e a ele
próprio, pela perda.
Ninguém jamais teve tanta pro-
priedade para falar sobre o tempo
do que Einstein. O alemão desco-
briu que o tempo passa em ritmos
diferentes para coisas diferentes.
Do ponto de vista de um buraco ne-
gro, caso ele tivesse ponto de vista,
o Universo não existe mais. Tri-
lhões e trilhões de anos já se passa-
ram. Todas as estrelas já se apaga-
ram, os prótons decaíram.
A massa virtualmente infinita do
centro do buraco negro “estica” o
tecido do espaço-tempo também de
forma infinita. O resultado de tal
estiramento é uma aceleração igual-
mente sem fim no ritmo da passa-
gem do tempo, até o ponto em que
o próprio tempo, como entidade,
chega à última gota. Esse processo
de deformação do tecido espaço-
tempo por lá começou na própria
formação do centro do buraco, pro-
vavelmente há bilhões de anos.
Ou seja: do ponto de vista dele,
fatos como o nascimento do seu
terceiro neto, as eleições presiden-
ciais do ano de 2158 e os resultados
de todas as Copas do Mundo, daqui
até a última edição do evento na
história da humanidade, estão re-
solvidos há bilhões de anos.
Agora dê uma olhada no céu, no
lugar onde fica a constelação de Sa-
gitário. É lá que está o buraco negro
supermassivo do centro da Via
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editorial
Láctea, em torno do qual todas as
centenas de bilhões de estrelas da
nossa galáxia giram. Não dá para ver,
claro, mas ele está ali. Agora mesmo.
De alguma forma, ele “sabe” como se-
rá cada momento do nosso futuro.
Tudo o que para nós ainda segue em
aberto para ele é parte do passado. Já
está resolvido. Não vai mudar. Pre-
sente, passado e futuro, portanto, são
uma ilusão. Ainda que persistente.
A maleabilidade do tempo na física
inspira olhar com mais carinho para
as agruras do tempo em outra área da
ciência: a psicologia. A forma como a
mente entende o tempo também varia.
Você sabe: uma hora na sala de espera
do médico demora bem mais para
passar do que uma hora de conversa
com amigos que não se veem há mui-
to tempo. Por outro lado, a memória
dessa hora na sala de espera deixa de
existir assim que você é chamado pa-
ra a consulta. E a da conversa com os
amigos fica para sempre, como se ti-
vesse durado 20 horas.
Há uma armadilha nessa lógica, po-
rém. As horas e horas que você passa
maratonando séries, jogando videoga-
me ou rolando o Insta também passam
rapidinho. Mas não deixam memórias.
O que enriquece a vida é a interação
com outras pessoas. O resto não rende
juros para a biografia.
Estamos há praticamente um ano
sob algum grau de restrição na nossa
vida social. Pouca gente, a essa altura,
está completamente isolada desde lá.
Mas a maior parte de nós não voltou à
vida como ela era (o que é ótimo do
ponto de vista epidemiológico, claro).
Então sempre vale lembrar: dê uma
chance extra para aquelas conversas
de Zoom que já enjoaram, telefone pa-
ra os seus pais e avós, não suma dos
grupos de Whats, mande DM quando
gostar da foto de um amigo; puxe
conversa. Senão, quando você olhar
para trás, não haverá nada. Cuide bem
da formação de suas novas memórias.
Porque, sem elas, a vida se converte
numa ilusão, ainda que persistente.
Alexandre Versignassi
D i r etor d e Re dação
Alexandre.Versignassi@abril.com.br
Fundada em 1950
VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA
(1907-1990) (1936-2013)
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09/02/21 13:10
 cardápio fevereiro de 2021

22 Capa

As próximas
mutações
O Sars-CoV-2 pode se tornar mais
resistente às vacinas. Mas também
será mais simples criar novos imunizantes.
Entenda como a genética tenta prever os
próximos passos da pandemia.

34 O futuro dos notebooks

O novo processador da Apple, o M1, tem
arquitetura de chip de smartphone e faz
a bateria durar quase 20 horas. Entenda
como ele funciona – e como vai influen-
ciar o mercado de computadores.

42 Por trás dos cliques da Nasa

Os truques dos astrônomos que traduzem
imagens sem cor e ondas eletromagnéticas
invisíveis para o olho humano em fotos
deslumbrantes do cosmos.

Os bastidores 48 Beth Harmon da vida real

da fotografia Como o americano Bobby Fischer peitou
astronômica.
a hegemonia soviética no xadrez, tornou
P. 42
o jogo um fenômeno mundial e inspirou
a série O Gambito da Rainha.

11 80% cacau
O paladar dos asiáticos é
essencial mais sensível que o dos
europeus às nuances de
Número
incrível oráculo E se...
6 uma imagem... sabores amargos. 58 Mate-me se for capaz 64 R.I.P. Zé Gotinha
O cultivo de arroz Por que é tão difícil acertar E se as vacinas nunca
em Bangladesh. um tapa em uma mosca? tivessem sido inventadas?

16 Haja pipoca
Em 2021, a Netflix vai lan-
çar 70 filmes – mais do que
qualquer outro estúdio de
cinema. Veja os destaques. 59 sexto sentido
8 ... uma opinião Existem plantas capazes
Brasil: o terror 18 Que nem Star Wars de detectar sons?
das montadoras O porta-retrato que grava
e exibe hologramas –
sem exigir óculos. 1,3 63 manual
Como decorar a casa
milhão de
sem um arquiteto.
supernovas 12 Enquanto isso... observações

10 Pasquale vs. vírus 14 3 notícias sobre

foram feitas
pelo telescópio 59 pá pum última página
hubble
Uma IA especialista em 16 Pérolas do streaming desde 1990. 62 pensando bem... 66 Vida de universitário
gramática analisa o código Os cursos que mais
genético do Sars-CoV-2. 19 VOcê decide p.44 62 lost in translation recebem alunos no Brasil.

Capa | Ilustração Marcelo Vaz

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1248427-VEJA NACIONAL-1_1-1.indd 5 09/02/2021 12:17:59
 essencial uma imagem...

Foto NurPhoto / Getty Images fevereiro 2021 super 6

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1248427-VEJA NACIONAL-1_1-2.indd 7 09/02/2021 12:19:42
 essencial ...uma opinião

na página anterior: Os cones ali são pequenas estufas para a secagem de arroz, e
ficam em Munshiganj, no centro de Bangladesh. O grão é o principal alimento do país,
que tem 160 milhões de habitantes e perdeu parte da safra devido a inundações em 2020
– o que elevou o preço do arroz em 70%. O governo anunciou que vai importar 100 mil
toneladas de arroz de Mianmar. Os dois países vivem em tensão desde 2017, quando
1 milhão de muçulmanos fugiram de Mianmar para campos de refugiados em Bangladesh.

Por que o
Brasil virou
Nossa indústria
automotiva vive
uma tempestade
perfeita: novos e
velhos problemas

o terror das
afugentam marcas
como Ford e Mer-
cedes. Veja o que
temos de consertar.

montadoras
por zeca chaves*

V
Você vai abrir uma loja de roupas e está em dúvida entre
dois shoppings. No primeiro, os produtos pagam taxas maiores,
as regras de uso variam de um ano para o outro, os acordos nem
sempre são respeitados e o público consome um tipo de roupa que
oferece pouca margem de lucro e tem um mercado em queda. No
outro shopping, não tem nada disso. Qual você escolheria?
Hoje o Brasil é esse primeiro shopping. Pelo menos quando se
fala em indústria automotiva. O setor vive por aqui uma tempes-
tade perfeita, na qual tudo que podia dar errado de fato está dando
errado. Além de décadas de problemas estruturais, as montadoras
presenciam hoje a maior mudança na mobilidade humana desde a
época em que trocamos os cavalos pelos automóveis.

8 super fevereiro 2021

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O resultado é que alguns lojistas
resolveram tentar a sorte em outro
shopping, como fizeram Ford e Mer-
cedes-Benz, que fecharam suas fábricas
no Brasil no espaço de um mês. A Audi
é outra que pode seguir o mesmo ca-
minho – sua produção está parada sem
prazo para voltar.
Para elas, pintar o Brasil como o gran-
de vilão da história ajuda a camuflar um
histórico de decisões erradas. Afinal,
outros fabricantes prosperaram nas
mesmas condições de mercado. Mas
as que se foram e as que ficaram con-
cordam em uma coisa: o Brasil é uma
coleção de desafios.
Começa pelo custo Brasil. Ele é es-
pecialmente cruel num segmento que
vende um produto que exige quatro
anos da ideia à loja, e que é a segunda
aquisição mais cara da vida do consu-
midor médio. Engana-se quem acha
que custo Brasil é conversa fiada de
empresários incompetentes. O pró-
prio governo brasileiro fez o cálculo
em 2019: ele custa às empresas R$ 1,5
trilhão por ano (22% do PIB).
O custo Brasil é tudo aquilo o que tor-
na mais caro produzir aqui em relação a
outros países. E no topo desse ranking
estão os impostos: são caros, excessivos
e complicados de calcular. Estima-se
que 50% das empresas exportadoras
poderiam pagar menos tributos se
conhecessem todos os meandros da
burocracia tributária. Os impostos
diretos representam até 36% do preço
de um carro feito no Brasil. Nos vizi-
nhos Chile e Argentina, a média é de
20%. Na Europa, varia de 16% a 18%.
Nos Estados Unidos, 6,8%.
A complexidade tributária é de en-
louquecer qualquer empresa. Há tantas
alíquotas, regulações e exceções que
algumas montadoras têm uma equipe
contábil maior do que o time de enge-
nharia. Segundo um estudo do Banco
Mundial, o Brasil é o país onde se gas-
ta mais tempo para calcular impostos,
1.501 horas por ano – a Argentina
precisa de 312 horas; o Chile, de 296.
Evidentemente, tudo isso vai se refletir
no preço final do veículo.
O imposto influencia até na enge-
nharia dos carros. Como o ICMS é
*Zeca Chaves é jornalista especializado no setor automotivo, colunista de diversas
publicações do segmento e coordenador do Observatório Nacional de Segurança Viária.
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Já houve deputado querendo regular
estepe e obrigar que cada modelo de
carro ficasse dez anos à venda.
calculado pela cilindrada, um automóvel
com motor de 1.000 cm³ (alíquota de
7%) custa bem menos em impostos do
que um de 2.100 cm³ (até 25%), apesar
de a construção dos dois motores ser
muito similar. Portanto, a montadora
pode ser levada a optar pela versão
menos potente, apesar de inadequada
à proposta do modelo.
Outras vezes, a decisão da engenharia
é fruto de mero capricho pessoal. Foi as-
sim em 1993, quando o então presidente
Itamar Franco pressionou a Volkswagen
para ressuscitar seu querido Fusca. Já
que era uma esculhambação, o governo
deu sua mãozinha: ao criar o IPI de 0,1%
para motores 1.0, deixou uma exceção
para o 1.6 refrigerado a ar. Adivinha
qual era o único automóvel que se en-
caixava na regra? Mas o mercado é sem-
pre soberano: o Fusca era tão defasado
para a época que não durou três anos.
No fim de 2011, o custo Brasil me-
teu a mão de novo nas regras do jogo.
Dessa vez, o propósito parecia nobre:
evitar que a indústria fosse dizimada
pelos automóveis chineses que estavam
chegando. Bem, o discurso do governo
brasileiro era esse. Na prática, os mo-
delos da China representavam só 2%
das vendas. Mas já era tarde. Todos os
importados receberam um super-IPI
de 30% adicionais. Resultado: os veí-
culos chineses (e de outros países de
fora do Mercosul) ficaram de fora da
brincadeira, a concorrência foi reduzida
e até importadores estabelecidos havia
anos saíram feridos no fogo cruzado.
E governantes parecem não apren-
der. Neste ano, o Estado de São Paulo
aumentou o ICMS dos veículos usados
em 207%, mesmo em plena crise.
As surpresas da burocracia pipocam
o tempo todo e as montadoras nunca
sabem quando uma dessas jabuticabas
arruinarão o bom senso mercadológico.
É só dar uma espiada em projetos de lei
que nasceram no Congresso. Já houve
Edição alexandre versignassi
deputado querendo regular o tipo de
estepe dos carros, acabar com as auto-
escolas e até obrigar que cada modelo
ficasse à venda no mínimo por dez anos.
Consegue imaginar alguma proposta
dessas para a indústria de celulares?
Quando vingam, essas leis excêntri-
cas distorcem a lógica dos negócios.
Poucos sabem, por exemplo, que não
podemos ter postos de combustível com
autoatendimento, como no restante do
mundo, só porque nossa legislação obri-
ga a contratação de frentistas.
O custo Brasil vai além de impostos
e insegurança jurídica. Os encargos dos
salários são altos (é o dobro de média da
OCDE, que reúne os países mais ricos),
a qualificação da mão de obra é baixa
(estamos em 80º no ranking mundial)
e nossa logística é cara e dependente
de rodovias malconservadas.
Não bastassem tantas adversidades,
existe outra tão ou mais devastadora. E
nesta o Brasil não tem culpa nenhuma.
O tsunâmi mundial que está tirando o
sono da indústria automotiva é a mu-
dança de paradigma do mercado.
Em 2018, a Ford já havia decidido sua
estratégia: sair dos automóveis comuns
(demanda em queda, lucros menores) e
investir nas picapes e SUVs (demanda
em alta, lucros maiores) e nos elétricos
(mercado do futuro). Foi aí que o Brasil
dançou: as fábricas nacionais da Ford
só produziam veículos pequenos, que
dão uma margem de lucro baixa.
Quer dizer que o país está destinado
a ver outras marcas seguirem os passos
de Ford e Mercedes? Se abrir mão de
desenvolver uma política racional para
o setor, certamente. Foi o que aconteceu
com a Austrália. Nos anos 1970, ela fa-
bricava meio milhão de veículos por ano
(exportando até para cá). E hoje o país é
um simples importador de automóveis.
O futuro das montadoras por aqui, em
suma, só depende de um fator: o Brasil
decidir que tipo de shopping quer ser. S
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 supernovas
E d i ç ã o : G U I L H ER M E E L ER d e s i g n : c a r l o s E d u a r d o H a r a
IA tenta prever mutações do Sars-CoV-2
Cientistas testaram uma ferramenta
incomum para mapear mutações do coro-
navírus: um algoritmo do MIT criado para
analisar a gramática humana. A ideia dele é
pensar na sequência genética dos vírus como
um tipo de linguagem escrita. As informa-
ções genéticas que servem como receita de
bolo para criar uma nova variante, afinal, po-
dem ser traduzidas como um amontoado de
letras. Quando aparecem letras estranhas no
10 super fevereiro 2021
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vocabulário viral, é porque algo está errado.
A tentativa do algoritmo é exatamente
essa – procurar por “erros” na sequência
genética que indiquem potenciais mutações
nocivas. Em testes feitos no MIT, o modelo
acusou corretamente a maioria das sequên-
cias mutantes – mas também indicou vários
falsos positivos. A expectativa é que, após
refinada, a ferramenta possa ser uma técnica
acessória para mapear mutações virais.
1
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 sn. fatos

2
trilhões de
pascals é a
pressão que um
diamante pode
suportar sem per-
der sua estrutura
química, segundo
um estudo de
cientistas dos EUA
e Reino Unido. Tal
pressão é mais
de cinco vezes
maior que a do
núcleo terrestre.

Mineral mar-
ciano também
2

existe na Terra
Catnip pode servir como repelente de mosquito para gatos
A jarosita é um Pesquisa descobriu propriedade em um composto da erva, conhecida por acalmar bichanos.
tipo de sulfato
amplamente encon- O catnip, ou erva de gato, é um grande porque o catnip tem um composto chamado
trado em Marte. Na aliado dos donos de felinos. A planta faz com nepetalactol, que, quando aplicado em gatos,
Terra, porém, ela que os animais comecem a se esfregar e rolar é capaz de afastar mosquitos.
só costuma dar as no chão, levando-os a um estado de euforia A hipótese é que gatos ancestrais se es-
caras em rejeitos de que dura cerca de dez minutos. Depois, eles fregavam em plantas com nepetalactol sem
mineração expostos se acalmam e relaxam por algumas horinhas. grandes pretensões, até que perceberam que,
à ação de chuva e Mas não estava claro por que os bichanos com isso, garantiam relaxamento e proteção.
vento ou em áreas eram tão atraídos pela erva. Pensando nis- Dessa forma, rolar na erva seria mais um com-
próximas a vulcões. so, cientistas da Universidade de Iwate, no portamento funcional do que recreativo. Afi-
Agora, cientistas Japão, resolveram investigá-la do ponto de nal, na natureza, ter uma arma contra insetos
encontraram outra vista químico. O que eles não esperavam era incômodos é uma baita vantagem. Ainda são
potencial fonte ter- descobrir que a planta não só ativa o sistema necessários mais estudos para comprovar a
restre de jarosita: as opioide – o conjunto de neurônios que intera- tese. Por isso, se seu gato estiver sofrendo com
profundezas do solo gem com substâncias psicoativas – dos gatos, picadas, vale consultar um veterinário antes
antártico. Partículas como também pode agir como repelente. Tudo de deixá-lo relaxadão. Carolina Fioratti
do minério estavam
a 1.620 metros
do solo gelado. A
descoberta pode “Pode ser uma tentativa de imitar a elite”
ajudar cientistas a É o que argumenta um estudo de arqueólogos da Austrália que descreve uma descoberta curiosa: uma
entender a formação múmia egípcia envolvida, dos pés à cabeça, por uma carapaça de barro. A tal múmia guarda uma mulher
da jarosita em solo entre 20 e 30 anos, que morreu em 1.200 a.C, e representa a primeira evidência de uma preparação fúnebre
marciano, que é do tipo no Egito Antigo. Segundo o grupo, é provável que o barro tenha sido usado para corrigir algum
árido por natureza. problema de embalsamamento. A escolha pode ser uma tentativa de copiar a elite egípcia: era comum que
cadáveres de faraós e outros membros do império ganhassem uma camada à base de resina de plantas.

Ilustrações (1) Estúdio Trema (2) Papoulas Douradas

fevereiro 2021 super 11

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 sn. fatos

Ajudado por Rati-

nho, o cantor Ovelha
abriu uma “franga-
ria” em São Paulo.

enquanto
isso...
Por Guilherme Eler e
Carlos Eduardo Hara

#@&

Cientistas descobriram que a

poluição sonora causada por
humanos pode atrapalhar o
sexo de grilos. (1)

Um estudo estimou que a

Terra perde, em média, 1,2
trilhão de toneladas de gelo
por ano. (2)
Dados da Nasa indicaram que
o maior lago de metano em
Titã, lua de Saturno, tem mais
de 300 m de profundidade. (3)
Foi publicado o primeiro estudo
a analisar propriedades do
einstênio, elemento químico
descoberto em 1952 e batizado
em homenagem a Einstein. (4)
Fontes  (1) Behavioral Ecology (2) Cryosphere
(3) JGR Planets (4) Nature
Ainda faltam dados sociais sobre Covid-19 no brasil
Informações podem orientar planos de imunização e evitar fraudes na campanha.
na cidade de são Paulo, homens ne-
gros têm quase três vezes mais chances de
morrer de Covid-19 que mulheres bran-
cas*. No Rio, para cada morte em Botafo-
go há 13 em Bangu, na periferia**. Dados
sociais e étnicos sobre a doença, porém,
nem sempre são disponibilizados pelos
Estados e pela União. Fernanda Campag-
nucci, diretora executiva da Open Know-
ledge Brasil, falou à Super sobre o tema. A
ONG criou o Índice de Transparência da
Covid-19, que avalia a qualidade de dados
públicos sobre a pandemia. Capitais como
São Luís e Rio Branco, por exemplo, têm
a menor transparência.
Quais dados devem ser coletados?
Gênero, idade, raça/cor e localização –
que também é indicador de condição
socioeconômica. Nosso sistema público
de saúde tem uma tradição de coleta de
dados. O que a gente observou na pande-
mia, porém, é que esse regramento não
foi seguido. Então, tínhamos um buraco
muito grande nessa base de informa-
ções. Com a pressão de várias organiza-
ções, como ONGs ligadas à causa racial
e indígena, houve melhoria. Dados bem
detalhados, para análise epidemiológica
e estatística, no entanto, ainda faltam.
Por que fazer esse levantamento é
importante? É preciso entender quem
está sendo vacinado, por exemplo, para
saber se os grupos prioritários vêm sen-
do efetivamente atendidos e se diferentes
segmentos da população estão recebendo
a vacina, independente de residência ou
situação econômica. Até agora, foi apre-
sentado um plano nacional [de vacinação]
genérico. Ao que parece, essa coleta não
foi feita ou, se foi, não foi utilizada para a
versão final do documento. A transparên-
cia tem uma função tripla: contribui para
a pesquisa científica, ajuda a monitorar
as políticas públicas e também a prevenir
a corrupção, coibindo eventuais desvios
de finalidade dessas vacinas. C.F

12 super fevereiro 2021 Fonte *ONG Instituto Polis **Para pessoas entre 20 e 29 anos. Projeto Colabora Ilustração Papoulas Douradas

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 As mortes pelo clima nos últimos 20 anos
Além de tirarem 475 mil vidas, os 11 mil desastres climáticos registrados pelo mundo entre 2000 e 2019
tiveram grande impacto na economia dos países, causando um déficit na casa dos US$ 2,56 trilhões.

Como ler o gráfico Maior

Países do sul da Ásia têm
destaque no top 10 dos
risco que mais sofreram com
ambiental desastres ambientais.
Mianmar, por exemplo, foi
fortemente atingido pelo
ciclone Nargis em 2008, que
Proporção causou a perda de 140 mil
do número vidas. O número de mortes
de mortes
nos últimos 20 anos, porém,
não conta a história inteira.
O espaçamento das barras
Menor que formam o círculo indica
país o “risco ambiental”. Ou seja,
risco
Mortes no período ambiental o impacto que desastres
ambientais – como torna-
dos, tempestades tropicais,
enchentes, deslizamentos,
queimadas ou secas – tive-
ram no país. Quanto maior
a distância entre as barras,
maiores as perdas. Além
do número de mortes, o
índice considera impactos
econômicos, como a queda
do PIB e do poder de compra
da população. Nesse índice,
Porto Rico foi o mais afetado
nas últimas duas décadas –
seguido de Mianmar.

Filipinas Bangladesh Paquistão

859 572 502

MiaNmar Haiti Nepal Porto Rico

7.056 274 217 150

Tailândia Moçambique Bahamas

138 125 5

Fonte Relatório Global Climate Risk Index 2021

70%
da população global de arraias e tubarões sumiu do mapa desde o ano de 1970. O
número é uma estimativa calculada por um grupo internacional de pesquisadores – que
contou, inclusive, com participação brasileira. No levantamento, cientistas combinaram 900
bases de dados sobre 18 das 31 espécies de arraias e tubarões, coletadas ao longo das últimas
cinco décadas. O principal motivo por trás da queda está na pesca desenfreada. Não à toa, 24
das 31 espécies desses peixes estão ameaçadas de extinção. O Oceano Índico foi considerado
o principal epicentro do problema. Em nível global, porém, o cenário não melhora muito:
tubarões têm, hoje, chance 18 vezes maior de serem capturados do que em 1970.

fevereiro 2021 super 13

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 sn. fatos

Transplan-
3 notícias sobre te fecal
ajuda
Espermatozoides pacientes
Genes egoístas, pausas durante o sexo e checagem pré-fecundação. Rafael Battaglia com câncer
O transplante
fecal, que trans-
fere bactérias
“boas” das fezes
de um paciente a
outro, pode servir
ao tratamento
de tumores.
Um estudo da
Universidade de
Pittsburgh indi-
cou que a técnica
ajuda pessoas
com melanoma, o
tipo mais grave de
câncer de pele, a
responder à imu-
noterapia – tra-
tamento em que
as células imunes

Cada um na sua
1.
Espermatozoides podem não
partir das mesmas condições para
fecundar um óvulo. Para cada
gene, eles carregam um alelo (for-
mas alternativas de um mesmo
gene), que se encontrará com os
alelos da mãe para formar o DNA
do bebê. Mas um estudo notou
que diferenças nos alelos não
importam só após a fecundação.
Certos alelos alteram a perfor-
mance dos gametas, aprimorando
sua capacidade de fecundar. (1)
Segundo round
2. 3.
Controle de qualidade
do corpo são en-
sinadas a atacar
tumores. Só 40%
dos pacientes
com esse câncer
Acreditava-se que a queda nos Como saber quais serão costumam reagir
níveis de prolactina explicava a os espermatozoides que à imunoterapia.
pausa que homens dão entre a conseguirão alcançar a linha No estudo, de 15
ejaculação e a volta da capacida- de chegada? Uma pesquisa
de sexual. Mas uma nova pesqui- mostrou que, para fecundar, transplantados
sa não encontrou relação nisso. soldadinhos precisam manter que fizeram imu-
Analisando o comportamento intacta uma proteína chamada noterapia, seis
sexual de camundongos, cientis- CatSper1. Ela é fundamental tiveram redução
tas aumentaram artificialmente para a movimentação e sobre- nos tumores ou
os níveis do hormônio antes vivência dos gametas sexuais
do rala e rola dos bichinhos. O – caso seja destruída na corrida estabilização da
desempenho deles, porém, não até o óvulo, o espermatozoide doença em até
se alterou. (2) não chega. (3) um ano.

A Covid após Fadiga

muscular
Dificuldades
para dormir
Perda de
cabelo
Dificuldade em
sentir cheiros
Palpitações
Dores nas
juntas
Falta de
apetite

seis meses 63%

26% 22%
Um est u do chinês desco - 11% 11% 9%
br iu qu e 76% dos pacien- 8%
tes gr av es de cov id -19
a pr esen ta m ao menos um
sin t om a seis meses a pós a
doença. ao l a do estão os
m a is com uns.

14 super fevereiro 2021 Fonte 6-month consequences of COVID-19 in patients discharged from hospital: a cohort study

SI_424_novas.indd 14 09/02/21 16:55

 Não é bem
assim...
Notícias que
bombaram por
aí - mas não
são verdade

A notícia

Calendário
“perfeito” de
fevereiro de 2021
só se repete a
cada 823 anos
O que ela dizia
2
Um post que viralizou
nas redes sociais diz
que o atual mês de
fevereiro possui uma

Chineses e europeus sentem gostos de forma diferente fórmula incomum: to-

dos os dias da semana
Anatomia da língua faz asiáticos perceberem mais nuances em sabores amargos. se repetem exatamente
quatro vezes. Não para
aí. Além de começar
Chineses possuem mais papilas fungi- artificial para encontrar diferenças anatô- no dia 1, uma segunda,
formes – estruturas da língua com formato micas nas línguas de 152 voluntários. o mês vai terminar no
de cogumelo que são centrais na degusta- Para além da genética, experiências de domingo, 28. O evento,
segundo o boato, acon-
ção – do que dinamarqueses. E isso altera sabor têm a ver também com gostos pesso- tece a cada 823 anos
sua experiência com a comida. Asiáticos ais e culturais. O mesmo estudo descobriu – e, de tão raro, tem
sentem melhor nuances de sabores amar- que, enquanto 77% dos chineses preferem até nome: fenômeno
gos, encontrados em alimentos como alimentos que não requerem muita mas- de MiracleIn.
brócolis, couve-de-bruxelas ou chocola- tigação, 73% dos dinamarqueses preferem
a verdade
te com alto teor de cacau, por exemplo. comidas de consistência mais rígida, que
Meses de fevereiro com
É o que afirma um estudo da Universi- precisam ser mordidas e mastigadas várias dias que se repetem
dade de Copenhague, feito em parceria com vezes – como pão de centeio ou cenoura, quatro vezes cada não
cientistas da China, que usou inteligência por exemplo. Bruno Carbinatto são nada raros: acon-
tecem em todo ano
não bissexto. O início
numa segunda-feira e
término num domingo
Saída para acabar com o fungo do café pode ser usar outro fungo são menos comuns, é
verdade. Ainda assim,
A ferrugem do café, doença causada pelo fungo Hemileia vastatrix, é uma pedra no sapato de não demoram centenas
de anos para se repetir.
agricultores. Ela desgasta as folhas e as faz ganhar uma cor marrom, como se estivessem corroídas.
Uma configuração
Para livrar a planta do parasita, um estudo da Universidade de Estocolmo, na Suécia, sugeriu uma de mês como a atual
solução natural. A técnica consiste em plantar árvores para fazer sombra nos pés de café. Ao aconteceu nos anos de
contrário do fungo da ferrugem, que prefere ambientes mais secos, o fungo Lecanicillium lecanii, seu 2010, 1999 e 1993, por
inimigo natural, é fã de locais úmidos. Fazer o predador crescer num ritmo mais acelerado – algo exemplo. Será possível
observá-la novamente
que não prejudica cafezais – pode desacelerar a queda de folhas causada pela ferrugem.
no ano de 2027.

Ilustrações Papoulas Douradas Fontes (1) Widespread haploid-biased gene expression enables sperm-level natural selectione (2) No evidence for prolactin’s involve-
ment in the post-ejaculatory refractory period (3) 3D in situ imaging of the female reproductive tract reveals molecular signatures of fertilizing spermatozoa in mice. fevereiro 2021 super 15

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 sn. playlist

Na liderança. Em 2021, a Netflix promete lançar 70 filmes – é mais

do que Disney, Warner e Universal somadas. Veja alguns

E com folga dos destaques que sairão ao longo do ano.

Texto Rafael Battaglia Design Natalia Sayuri Lara

Número de filmes com lançamento previsto para 2021

netflix 70
disney 22
warner bros. 21
universal 16
amazon 15
paramount 14
sony 13

Fontes: Hollywood Reporter, IMDb, Quartz e Netflix.

Red Notice
Dwayne Johnson, Gal
Gadot e Ryan Rey-
nolds estrelam este
blockbuster de US$ 200
milhões – o mais caro
já lançado pela Netflix.
Na trama, a Interpol
emite um alerta ver-
melho (red notice) para
achar o maior ladrão de
arte do mundo.
Blonde
Baseado em um
romance vencedor
do Prêmio Pulitzer,
abordará a vida de
Marilyn Monroe entre
as décadas de 1950 e
1960. Ela será inter-
pretada pela cubana
Ana de Armas (Entre
Facas e Segredos).
Don't Look Up
Dois astrônomos ten-
tam alertar a humani-
dade sobre um cometa
que destruirá a Terra.
A comédia de Adam
McKay (A Grande
Aposta) impressiona
pelo elenco: Leonardo
DiCaprio, Jennifer
Lawrence, Meryl Stre-
ep, Cate Blanchett,
entre outros.
tick, tick… BOOM!
Lin-Manuel Miranda é
o criador de Hamilton,
o maior sucesso recen-
te da Broadway. Aqui,
ele estreará na direção
com um musical sobre
Jon (Andrew Garfield),
um garçom da Nova
York dos anos 1990
que sonha virar com-
positor de teatro.
A Mulher na Janela*
Suspense baseado no
best-seller homônimo
de A.J. Flinn. Amy
Adams vive uma mu-
lher com transtorno de
ansiedade que presen-
cia um crime da janela
do seu apartamento
em Nova York.

*O filme seria lançado em 2019 pela Fox, mas foi adiado devido à compra do estúdio pela Disney e, depois, pela pandemia. Em 2020, a Netflix adquiriu os direitos de distribuição.

CANAL minissérie
Olá, Ciência! Immigration Nation
YouTube (2020)
Netflix
Por que ainda não existe uma
Pérolas do vacina contra a dengue? Você
precisa lavar o cabelo, para se
Documentário em seis partes
sobre a ICE, a polícia de imigra-
streaming proteger do coronavírus, ao
voltar para casa? E as com-
ção dos Estados Unidos que foi
criada após os atentados do 11
pras de supermercado, têm de Setembro e se tornou mais
de ser higienizadas? Quais as brutal no governo Trump. A
diferenças entre os testes de ICE permitiu que jornalistas
Covid? Respostas para essas e acompanhassem sua rotina
outras perguntas neste canal, por dois anos – e depois tentou
do biomédico Lucas Zanandrez. impedir o lançamento da série.

16 super fevereiro 2021 Fotos Reprodução/Divulgação

SI_424_Playlist.indd 16 09/02/21 13:41

 Edição Bruno Garattoni

O Street Fighter
A saída está na nuvem de Brasília “Eu
Você escolhe um personagem – Lula,
No jogo Control, você investiga tecnologias se- Bolsonaro, Ciro, Dilma, Temer ou Enéas – provoco
cretas criadas pelos EUA e os eventos paranormais
que elas desencadeiam. Um game incrível, que ganhou
e enfrenta os demais em lutas divertidas
e engraçadas, com pitadas de inteligência raiva.
dezenas de prêmios internacionais, mas é pesado de-
mais para o console da Nintendo. Então a empresa
política (quando você aciona o golpe espe-
cial de Bolsonaro, por exemplo, o ministro
Sempre
achou uma solução: rodar o game pela internet, na
“nuvem". Funciona bem, inclusive no Brasil.
Paulo Guedes entra na arena). Dá para jogar
sozinho ou online, contra outras pessoas.
fiz isso.
Control Cloud Version. Políticos Memes Kombat. Para Android.
Não sei
Para Nintendo Switch. US$ 40. Grátis (R$ 5 por Dilma e Enéas). se é uma
vanta-
Como o Brasil gem ou
dominou a Fórmula 1 desvan-
Num espaço de duas décadas, os pilotos brasi- tagem,
leiros foram oito vezes campeões – e cinco vezes vi-
ce-campeões – mundiais de F1. Escrita e dirigida por mas é o
Ernesto Rodrigues (autor da ótima biografia Ayrton:
o herói revelado), esta série em oito episódios conta
que faço",
como chegamos lá: tem depoimentos fortes e histórias
inéditas sobre as vitórias, os acidentes, os bastidores e Diz Donald Trump
os traumas dos 32 brasileiros que estiveram no Olimpo. em entrevista para
este livro. Seu autor, o
Brasil na Pista. Globoplay. jornalista Bob Woo-
dward (um dos dois
descobridores do caso
Watergate), o acompa-
nhou ao longo de 2020
filme filme
e revela detalhes inédi-
O Som do Silêncio Caixa Preta (2020)
(2019) Amazon Prime tos sobre sua presi-
Amazon Prime dência: no ponto mais
Nolan sofreu um acidente
O baterista Ruben acorda e crítico das tensões
de carro e perdeu a memória.
percebe que perdeu a audição. com a Coreia do Norte,
Resolve se submeter a um
Sua vida muda radicalmente
tratamento experimental para a Casa Branca redigiu
e ele vai morar numa co-
tentar se curar e começa a lem- um plano para disparar
munidade de surdos, onde
brar do passado – mas aquelas 80 armas nucleares
reaprende várias coisas e é
recordações contêm elementos
feliz. Até que faz um trata- contra o inimigo.
estranhos, que Nolan não sabe
mento para tentar voltar a
de onde vieram. Destaque para
ouvir – e descobre questões
a espetacular atuação do pro-
existenciais mais profundas. Raiva. R$ 95.
tagonista Mamoudou Athie.

fevereiro 2021 super 17

SI_424_Playlist.indd 17 09/02/21 13:41

 sn. tech
O porta-retrato
holográfico
O produto foi criado pela empresa americana
Looking Glass Factory, que promete vendê-lo nos EUA
a partir de maio. Sua tela, de 7,9 polegadas, é capaz
de exibir até 100 imagens diferentes ao mesmo tem-
po – cada uma delas mostra um ângulo ligeiramente
diferente do mesmo objeto, e é isso o que cria a ilusão
de estar vendo um holograma. O gadget vem com
uma câmera Azure Kinect, que foi desenvolvida pela
Microsoft (é uma evolução do sensor Kinect, criado
para o console de videogame Xbox One), e captura
imagens em 3D usando um laser infravermelho – que é
18 super fevereiro 2021
SI_424_Tech.indd 18
Looking Glass Portrait une câmera
laser e nova tecnologia de tela para
capturar e exibir hologramas – que têm
relevo e profundidade e são visíveis a
olho nu, sem óculos especiais. Texto
Bruno Garattoni Design Natalia Sayuri Lara
Ângulos
visualizados
Imagens 6 e 7 Imagens 72 e 73
Imagens 42 e 43
tela superestereoscópica
Exibe até 100 imagens ao mesmo
tempo. Seu elemento-chave é uma
camada refrativa, que fica dentro da
tela (e é um segredo industrial). Essa
peça guia as ondas de luz e faz com
que, dependendo do ângulo de visão,
você enxergue imagens ligeiramente
diferentes – gerando a sensação de
estar vendo um holograma.
invisível e inofensivo para os olhos. Também dá para
tirar fotos e gravar vídeos de até dez segundos usando
um iPhone (8 ou mais recente) ou Samsung Galaxy
(S9+ e acima), cujas câmeras têm sensor de profun-
didade, e exibir em versão holográfica no Looking
Glass Portrait. Você pode compartilhar vídeos e fotos
com outras pessoas que tenham o produto, mas ele
só funciona com gravações, não em tempo real (não
dá para usar numa videochamada, por exemplo). O
porta-retrato custará US$ 350 – mas o kit completo,
com a câmera e alguns acessórios, US$ 1.100.
Fotos Reprodução/Divulgação
09/02/21 13:52
 Edição bruno garattoni

Os novos (e você decide

menores) LEDs Os projetos mais
interessantes
(e surpreendentes)
As TVs microLED, em que a imagem é forma-
da diretamente por LEDs (sem a tradicional
do mundo do
camada de cristal líquido), ainda são grandes crowdfunding
e caras demais. Mas vêm aí as miniLED, que
são mais acessíveis e prometem contraste e
cores quase tão bons quanto as microLED.
Os primeiros fabricantes são a TCL e a Sam-
sung – cujo modelo QN90A (foto), com tama-
nhos a partir de 55 polegadas, será lançado
nos próximos meses.

Uma arma
contra drones
A Paladyne E1000MP dispara pulsos eletro-
magnéticos de 2,4 e 5 GHz que sobrecarregam Câmera sem fio
os circuitos do drone, fazendo com que ele trave kickstarter.com
e caia. Também é possível enviar um comando Projeto Scenes One
para que ele retorne ao lugar de onde decolou,
revelando a localização do operador. Ela tem
alcance de 1 km e será vendida para exércitos e
Pulseira O que é Uma câmera de
vigilância que só precisa
ser recarregada uma vez
forças policiais (o preço não foi divulgado).
antiassédio por ano. Ela é a primeira
a operar no novo padrão
Wi-Fi 802.11ah – que,
Ela se chama Flare (US$ 129) e parece uma além de gastar bem pou-
bijuteria comum. Mas tem um botão escondido ca energia, tem alcance
que, se for pressionado por três segundos, envia de 300 metros. Dá para
uma mensagem pedindo socorro e informando a instalar em qualquer
sua localização para até cinco contatos (que você ponto da casa ou
define previamente num app). Também permite do quintal.
simular uma chamada telefônica: faz o celular Meta US$ 10 mil
tocar, dando uma brecha para que a mulher se Chance de rolar bbb
desvencilhe de um assediador.
Uma esponja
melhor

A caixa feita
kickstarter.com
Projeto Kali Sponge
O que é Uma esponja de

de metamaterial lavar louça que é 100%

biodegradável e não fica
fedida com o uso. Ela é
“Metamaterial” é um material cujas propriedades feita de fibra de konjac,
não existem na natureza, mas podem ser alcançadas uma planta asiática – e
combinando outras substâncias. Dentro da caixa de isso, além de inibir o
som LS50 Meta (US$ 1.500 o par), criada pela empresa crescimento de bactérias,
inglesa KEF, há um disco de metamaterial: ele se cha- faz com que a esponja
ma MAT e é capaz de destruir sons (absorve 99% das dure quatro vezes mais
ondas sonoras, contra 60% dos materiais comuns). do que uma comum.
Isso elimina a turbulência dentro da caixa, reduzindo Meta US$ 4 mil
drasticamente as distorções do som. Chance bbbb

fevereiro 2021 super 19

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1248587-SUPERINTERESSANTE-2_1-1.indd 21 09/02/2021 12:22:40
 capa

SI_424_mutacoes.indd 22 09/02/21 18:35

 As próximas
mutações Em laboratório, o coronavírus já demonstrou o chamado
escape imunológico: resistência às vacinas. Mas as mu-
tações também podem deixá-lo mais vulnerável. Veja
como a genética começa a desenhar o futuro da pan-
demia – e o que pode acontecer daqui para a frente.

Texto Bruno Garattoni e Eduardo Szklarz

Escultura e fotografia Carlo Giovani
Design Carlos Eduardo Hara

fevereiro 2021 super 23

SI_424_mutacoes.indd 23 09/02/21 18:35

 E
Em 23 de abril de 1984, o mundo pa-
rou para ver uma entrevista na TV. A
então secretária de Saúde dos Estados
Unidos, Margaret Heckler, anunciava a
descoberta do HIV, o vírus causador da
aids. “Esperamos ter uma vacina pronta
para testes em dois anos”, declarou. 37
anos depois, ainda não chegamos lá.
Quase US$ 20 bilhões foram inves-
tidos, mais de 30 vacinas chegaram à
fase de testes, mas nenhuma funcionou
(em 2006, Heckler reconheceu que sua
previsão inicial foi um tremendo erro).
O HIV acabou sendo controlado por
outros meios, com remédios antivirais.
Mas agora, com a corrida por vacinas
contra o Sars-CoV-2, e o aparecimen-
to de mutações no vírus, essa questão
volta ao centro das atenções. Será que
o novo coronavírus pode acabar se tor-
nando imune às vacinas? Boa parte dos
cientistas acredita que isso pode acon-
tecer; a dúvida é quando. E uma das
alterações genéticas detectadas no vírus,
a E484K, já deu um sinal especialmen-
te preocupante (mais sobre ela daqui a
pouco). Mas, ao mesmo tempo, isso não
é tão catastrófico quanto parece.
É difícil desenvolver uma vacina con-
tra a aids por causa de algumas particu-
laridades do HIV. Primeiro, porque ele
ataca o sistema imunológico – que é jus-
tamente onde as vacinas agem. Segundo,
porque é feito de RNA, e os vírus desse
tipo costumam apresentar muitos erros
de cópia: as mutações. Existem vacinas
eficazes contra outros vírus de RNA
(o da hepatite A, por exemplo). Mas a
enzima que o HIV usa para copiar seu
genoma, a transcriptase reversa, é espe-
cialmente imprecisa. Por isso ele sofre
mutações constantes, mais frequentes

24 super fevereiro 2021

SI_424_mutacoes.indd 24 09/02/21 18:35

 que as de qualquer outro vírus conhecido. Isso o
torna um alvo móvel, difícil de acertar.
O Sars-CoV-2 não é assim. Embora também seja
o coronavírus tem em
um vírus de RNA, seu ritmo de mudanças é muito
mais lento. “Ele apresenta cerca de duas mutações por média 2 mutaçÕes por
mês – contra 20 do hiv.
mês, contra cerca de 20 do HIV”, diz o microbiólogo
Ravindra Gupta, da Universidade de Cambridge. Para
se copiar, o coronavírus usa uma enzima chamada
“RNA polimerase dependente de RNA", que também
é propensa a erros. Mas ela tem a ajuda da proteína acaba fazendo com que ele acumule alterações genéti-
nsp14, que funciona como um corretor ortográfi- cas mais depressa. As mutações passaram a frequentar
co, eliminando muitos dos erros. Esse mecanismo, as manchetes da imprensa nos últimos meses de 2020.
aperfeiçoado ao longo da evolução, foi essencial para Mas o fenômeno não surgiu ali. Começou bem antes.
o desenvolvimento dos coronavírus, formados por
cerca de 30 mil “letras” genéticas (mais que o triplo A alteração D614G
do HIV, por exemplo). Eles são grandes e estáveis. Em abril de 2020, cientistas do Los Alamos National
Só que o Sars-CoV-2 está infectando muita gente, se Laboratory (onde, nos anos 1940, foi desenvolvida a
replicando em escala astronômica (cada 1 ml de saliva bomba atômica) publicaram um estudo (1) alertando
chega a conter 10 milhões de unidades do vírus), e isso para o “surgimento de uma forma mais transmissível” →

As mutações Como falhas de cópia e a ação do sistema imunológico

fazem o coronavírus ir acumulando mudanças genéticas.

1. A infecção 4. As mudanças Mutação sinônima

Se você for exposto a um novo Sars-CoV-2 Cada um dos aminoácidos Codon AAG AAA
vírus, como o Sars-CoV-2, que formam o vírus é gerado Lisina Lisina
o seu organismo não terá por um codon: um grupo de H2N H2N
imunidade contra ele, e você Receptor Proteína três nucleotídeos ("letras"
será infectado. Um ou mais ACE2 spike genéticas). Trocar o último Aminoácido Aminoácido
vírions (unidades do vírus) gerado gerado
dos três geralmente não faz
irão penetrar em uma ou mais diferença, ou seja, não muda
células do seu corpo. o aminoácido gerado por N
H2
N
H2
Parede da célula aquele codon. Isso é uma O O

"mutação sinônima", que

2. As armas não altera a estrutura do
vírus. 80% das mutações, Mutação não sinônima
Ao detectar o invasor, o orga- em média, são desse tipo. → Pode beneficiar ou prejudicar o vírus.
nismo inicia um processo cha- (O sinal "Stop" corres-
Codon UAG
mado "hipermutação somáti- As mutações que geram ponde a um intervalo
ca". Nele, os anticorpos sofrem efeito são as "não sinôni- STOP entre aminoácidos)
modificações aceleradíssimas mas", que causam troca ou
(1 milhão de vezes mais rápi- 1 Anticorpo 3 Anticorpo efi- eliminação de aminoácidos.
das que as mutações no resto inicial caz, selecionado Podem ser prejudiciais, cau- Mutação não sinônima
para replicação
do corpo), até aparecer um que sando erros que impedem a → Pode beneficiar ou prejudicar o vírus.
seja capaz de encaixar no vírus, 2 Anticorpo replicação do vírus. Mas tam-
Codon AGG ACG
neutralizando-o. com mutação bém podem ser benéficas – e
dar a ele novas habilidades. Arginina Treonina
H 2N NH H3C OH

3. A guerra
RNA viral HN
5. As vacinas
N
H2

O organismo produz grandes O

Aminoácidos
quantidades daquele anticorpo A vacinação antecipa gerados
eficaz, que elimina os invaso- a hipermutação somática,
N
H2

res. Mas, se o indivíduo estiver fazendo o corpo aprender a O

com o sistema imunológico produzir anticorpos. Mas as

fraco, isso não acontece: o vírus vacinas foram desenvolvidas
sobrevive e continua se repli- com as cepas originais do
cando. Depois de algum tempo, vírus, e geram anticorpos
começam a aparecer erros no RNA com erros "antigos" – que podem ser
RNA dele – são as mutações. de cópia driblados por novas variantes.

(1) Spike mutation pipeline reveals the emergence of a more transmissible form of SARS-CoV-2. B Korber e outros, 2020. fevereiro 2021 super 25

SI_424_mutacoes.indd 25 09/02/21 18:35

 1 Wuhan-Hu-1 (A)
China, dez/2019

É a cepa original. Seu grande

os tipos Várias cepas do Sars-CoV-2 foram detectadas ao longo da pan-
demia. Veja quais são as principais e as diferenças entre elas.

trunfo é a proteína spike (S),

que se conecta aos receptores
da enzima ACE2 – presentes,
de forma abundante, nas células
do pulmão (e também no 34
coração, nos rins, nas artérias 2
e no intestino).
2
1
2 D614G (b.1)
China e Europa, jan/2020

Nele, a proteína spike possui

uma alteração no aminoácido
614, que era aspartato (D), 6
mas foi trocado por glicina (G).
Isso tornou essa variante mais 5
transmissível e ela rapidamente
se espalhou pelo mundo, su-
plantando a cepa de Wuhan.

3 B.1.1.7 4 Cluster 5 5 501.YV2 (B.1.351) 6 P.1 (b.1.1.281)

Reino Unido, out/2020 Dinamarca, nov/2020 África do Sul, dez/2020 Brasil, dez/2020

Tem 23 alterações genéticas.
A principal está na proteína spi-
ke, na qual o aminoácido 501 foi
trocado de asparagina (N) por
tirosina (Y). Acredita-se que isso
facilite a conexão do vírus, que é
56% mais contagioso, com
as células humanas.
Tem esse nome porque é uma das
cinco variantes detectadas em
visons (animal usado para fazer
casacos de pele). Possui cinco
mutações na proteína spike. O
governo dinamarquês acredita
ter erradicado essa cepa – após
sacrificar 14 milhões de visons.
Apresenta a mutação no Descoberta em Manaus, tem
aminoácido 501, como a 17 alterações, incluindo as
variante inglesa, e duas outras mutações E484K e N501Y. Já foi
alterações na proteína spike detectada nos EUA, na Europa
(K417N e E484K). Segundo as e no Japão. Tem pontos em
autoridades africanas, provoca comum com outra cepa: a P.2,
Covid-19 grave em jovens (algo que foi identificada no Rio de
raro nas demais cepas). Janeiro e é menos agressiva.

do Sars-CoV-2. Ele tinha 14 mutações na proteína

spike: a “coroa", ou espícula, que o vírus usa para pe-
netrar nas células. A mais importante estava no 614o
aminoácido, trocado de aspartato (D) por glicina (G). Por
isso, a mutação foi batizada de D614G – e a nova cepa
do vírus também passou a ser chamada por esse nome.
Os pesquisadores analisaram amostras coletadas
em vários países europeus e constataram que a varian-
te D614G circulava pelo continente desde fevereiro.
Quando chegava a uma área, rapidamente suplantava
a cepa original, de Wuhan, e se tornava dominante.
Não se sabe ao certo onde ela nasceu, mas já existia
na China em janeiro de 2020 e foi introduzida na
Alemanha por um visitante de Xangai. Faz tempo,
portanto, que o coronavírus não é mais o original. “Em
maio de 2020, a gente só via a mutação D614G em 20%
das sequências [amostras analisadas] no Brasil. Hoje,
quase 100% das sequências no Brasil e no mundo
têm essa mutação”, diz o virologista Renato Santana,
da UFMG. “Já houve mais de 4 mil mutações desde
o início da pandemia, só que nem todas se fixaram
[no genoma do vírus]. Uma mutação só se fixa quando
proporciona uma vantagem”, explica.
A mutação D614G faz isso: ela aumenta a quantida-
de de espículas na superfície do vírus (2), facilitando a
a prioridade do vírus
é se espalhar. e isso
guia a evolução dele.
infecção das células humanas. E essa cepa tem outra
característica intrigante. No pulmão, se comporta como
o vírus original. Mas testes feitos em hamsters revela-
ram que ela se multiplica mais no nariz e na traqueia
(3), o que também pode ajudar na transmissibilidade.
O aumento na quantidade de espículas não deixou
o vírus mais letal nem alterou a eficácia das vacinas.
Pelo contrário: tornou o Sars-CoV-2 mais vulnerável
ao sistema imunológico humano (4). Isso exemplifica
outro ponto-chave das mutações. Elas também podem
deixar o vírus menos agressivo.
A longo prazo, um vírus menos letal tem mais
chance de se espalhar e encontrar novos hospedeiros,
porque as vítimas conseguem continuar circulando e
contaminando outras pessoas. Nem sempre é assim,
claro. O HIV, por exemplo, leva à morte em quase

(2) SARS-CoV-2 spike-protein D614G mutation increases virion spike density and infectivity. L Zhang e outros, 2020. (3) Spike mutation D614G alters SARS-
26 super fevereiro 2021 CoV-2 fitness. J Plante e outros, 2020. (4) D614G Spike Mutation Increases SARS CoV-2 Susceptibility to Neutralization. D Weissman e outros, 2020.

SI_424_mutacoes.indd 26 09/02/21 18:35


A mutação D614G au-
mentou a quantidade
de espículas na superfí-
cie do vírus, que ficou
mais transmissível por
causa disso – e, também,
mais vulnerável aos
anticorpos humanos.
(5) Estimated transmissibility and severity of novel SARS-CoV-2 Variant of Concern 202012/01 in England. N Davies e outros, 2020.
(6) Impact of SARS-CoV-2 B.1.1.7 Spike variant on neutralisation potency of sera from individuals vaccinated with Pfizer vaccine BNT162b2.
R Gupta e outros, 2021. (7) Neutralization of N501Y mutant SARS-CoV-2 by BNT162b2 vaccine-elicited sera. X Xiu e outros, 2021.
SI_424_mutacoes.indd 27
100% dos casos não tratados, e continua
assim mesmo com todas as mutações.
Mas ele é uma exceção, pois seu tempo
de incubação é longuíssimo – os sinto-
mas podem levar dez anos para se ma-
nifestar, dando tempo de sobra para o
vírus realizar seu objetivo: a transmissão.
Seja como for, o fato de um vírus ser
menos letal não significa, necessaria-
mente, que ele vá matar menos gente.
Pode acontecer exatamente o contrário.
As rodadas seguintes
Em 14 de dezembro, autoridades inglesas
reportaram à OMS a descoberta de uma
nova variante do coronavírus: a B.1.1.7.
Ela continha 23 mutações, das quais a
mais importante é a N501Y (em que o
aminoácido asparagina, N, foi substi-
tuído por tirosina, Y, na posição 501 da
proteína spike). Essa mutação faz com
que o vírus se encaixe mais facilmente às
células humanas – e, portanto, seja mais
contagioso. Uma equipe liderada pelo
cientista britânico Nicholas G. Davies,
da London School of Hygiene and Tropi-
cal Medicine, estimou que a B.1.1.7 seja
56% mais transmissível (5) que outras
variantes. Esse dado é uma projeção ma-
temática, baseada em amostras coletadas
pelo país. Mas é preocupante. Segundo
o governo inglês, análises estatísticas
sugerem que a nova cepa é mais mortal
em pessoas acima de 60 anos (entre as
quais a taxa de letalidade supostamente
cresce de 1% para 1,3%), mas não há um
consenso a respeito. Seja como for, só
de se espalhar mais facilmente, a B.1.1.7
tende a contaminar muito mais gente –
e isso já pode resultar em um número
de mortes muito maior (veja na pág. 29).
A equipe do biólogo Ravindra Gupta,
da Universidade de Cambridge, testou a
ação da vacina da Pfizer contra a nova
cepa (6). Os cientistas coletaram anti-
corpos de 23 pessoas que tomaram essa
vacina, e testaram várias concentrações
deles contra a variante B.1.1.7. Resultado:
foi necessário usar uma concentração
maior de anticorpos para neutralizá-la
(se comparada à D614G). Mas a maioria
dos participantes do estudo tinha mais
de 70 anos, idade em que o sistema imu-
nológico já está mais fraco – e mesmo
assim, em todos os casos, os anticorpos
eliminaram o vírus. Em janeiro a Pfizer
divulgou um segundo estudo (7), feito em
parceria com a Universidade do Texas,
demonstrando que seu produto é eficaz →
fevereiro 2021 super 27
09/02/21 18:35
 contra a B.1.1.7. A Moderna Therapeutics
(cuja vacina, assim como a da Pfizer, é
feita com fragmentos da proteína spike)
fez o mesmo. As vacinas de vírus ina-
tivado, como a Coronavac, em tese são
menos vulneráveis a mutações – porque
elas apresentam o vírus inteiro ao siste-
ma imunológico, que pode desenvolver
anticorpos contra vários pedaços dele
(não só contra a proteína spike, que tem
concentrado a maioria das mutações). A
imprensa estatal chinesa noticiou que a
vacina BBIBP-CorV, que foi desenvolvi-
da pela empresa Sinopharm e é feita de
vírus inativado, se provou eficaz contra
a variante B.1.1.7.
Mas a evolução continua – e, depois
da cepa inglesa, veio a africana. Em de-
zembro, autoridades da África do Sul
anunciaram a descoberta da variante
501Y.V2, detectada na região turística
de Nelson Mandela Bay. A descoberta foi
feita pela equipe do brasileiro Tulio de
Oliveira, na Escola de Medicina Nelson
Mandela, em Durban (8). Assim como
a variante inglesa, a africana carrega a
mutação N501Y, que aumenta a trans-
missibilidade do vírus. Não para aí. Ela
também possui a modificação E484K,
em que o 484o. aminoácido da proteína
spike mudou de glutamato (E) por lisina
(K). E é aí que a coisa complica.
Um grupo de cientistas da África do
Sul testou a cepa de lá (9) com anticorpos
coletados de 44 pessoas que pegaram
uma versão antiga do vírus (a D614G).
Em quase metade dos casos, 21, “não
houve atividade neutralizadora". O
vírus demonstrou o chamado escape
imunológico: a capacidade de driblar
anticorpos por meio de mutações. “Os
dados sugerem que a maioria dos indi-
víduos infectados por linhagens ante-
riores do Sars-CoV-2 terão atividade
neutralizadora mínima, ou indetectável,
contra o 501Y.V2". Traduzindo: quem Um cenário em
já teve Covid pode ser reinfectado pela que cada pessoa
cepa africana. Não é garantido (afinal, infecta 1,5 (e não
em 23 dos 44 casos testados, os anti- apenas 1) seria
corpos foram eficazes contra a nova o suficiente para
aumentar drasti-
variante). Mas é uma possibilidade real. camente o nú-
Outros trabalhos chegaram a re- mero de mortes.
sultados parecidos. Cientistas do Fred
Hutchinson Cancer Research Center,
nos EUA, testaram os anticorpos de
17 pessoas que tiveram Covid-19 para
medir seu efeito contra novas variantes
do vírus 10 . Concluíram que “o ponto
mais importante é o E484, no qual a
(8) Emergence and rapid spread of a new severe acute respiratory syndrome-related coronavirus 2 (SARS-CoV-2) lineage
with multiple spike mutations in South Africa. T Oliveira e outros, 2020. (9) SARS-CoV-2 501Y.V2 escapes neutralization by
South African COVID-19 donor plasma. C Wibmer e outros, 2021. 10 Comprehensive mapping of mutations to the SARS-
28 super fevereiro 2021 CoV-2 receptor-binding domain that affect recognition by polyclonal human serum antibodies. A Greaney e outros, 2021.

SI_424_mutacoes.indd 28 09/02/21 18:35

 não é mais letal. neutralização por alguns soros [anticorpos] é reduzida
em mais de dez vezes”.
E a mutação E484K já está presente em pelo me-
mas pode matar mais nos mais uma cepa: a de Manaus. Em 12 de janeiro,
cientistas de dez instituições do Brasil e da Inglaterra
publicaram um estudo 11 descrevendo essa nova va-
Um aumento na transmissibilidade, como o da cepa
B.1.1.7, pode acabar elevando muito o número de ca- riante, batizada de P.1. Os pesquisadores examinaram
sos fatais – mesmo se o vírus não for mais agressivo. amostras coletadas em 31 pacientes, que haviam tes-
tado positivo para o vírus entre 15 e 23 de dezembro.
1. A situação inicial 42% das infecções eram por essa nova variante. A
cepa de Manaus também já foi detectada no Japão
Imagine um grupo de 1 milhão de pessoas, das (em quatro pessoas que visitaram o Amazonas), nos
quais 10 mil estão infectadas pelo coronavírus.
EUA, na França e na Itália.

a mutação e484k é a
mais preocupante. e
já está em três cepas.
2. o vírus “tradicional"

Vamos supor uma taxa de transmissão (R0) de 1, ou seja, cada Assim como a cepa africana, ela pode reinfectar
infectado contamina mais uma pessoa. Esse é o nível em que a pessoas que já tiveram Covid-19. A primeira reinfecção
pandemia é considerada estável, sem aceleração. Com essas va- comprovada no Brasil foi relatada em um artigo 12
riáveis, e um índice de letalidade de 1%, após seis meses haverá: escrito por cientistas da UFMG, do Instituto D'Or de
Infectados: 94.977 / Mortos: 1.958 Pesquisa (IDOR) e da Fiocruz, publicado no começo
de janeiro. A paciente é uma profissional de saúde
de 45 anos, sem comorbidades, moradora de Salvador.
Em 20 de maio do ano passado, foi diagnosticada
com um caso leve de Covid-19 e se curou. Em 26
de outubro, voltou a ter a doença, agora um pouco
menos leve (teve tosse, dor de garganta e cabeça e um
pouco de falta de ar). Os cientistas constataram que os
dois episódios da doença foram provocados por duas
cepas diferentes – e a segunda continha a mutação
E484K. Em dezembro, pesquisadores identificaram
3. O vírus mais contagioso
outra variante, a P.2, no Rio de Janeiro. Ela é menos
A cepa inglesa é 56% mais contagiosa. Isso significa que sua agressiva que a P.1; mas também tem a mutação E484K.
taxa de transmissão, supondo um contexto igual ao do cenário Essa alteração parece ser muito importante para
anterior (com o mesmo distanciamento, uso de máscaras etc.) a evolução do vírus. Numa experiência realizada por
é de 1,5. Veja o que acontece após seis meses: pesquisadores da Itália e dos EUA 13 , amostras do
Infectados: 594.442 / Mortos: 11.771
Sars-CoV-2 foram cultivadas em laboratório e testadas
com anticorpos extraídos de 20 pessoas. No começo,
eles eram totalmente eficazes. Mas, antes que os an-
ticorpos terminassem o serviço e matassem tudo, os
cientistas coletavam um pouquinho do vírus, davam
tempo para que ele se multiplicasse, e então refaziam
o teste. A ideia era simular a evolução natural do Sars-
CoV-2. Depois de várias rodadas, e 45 dias, surgiu a
primeira mutação relevante, que tornava o vírus um
pouco mais resistente aos anticorpos. Aí, no 73o dia,
adivinhe só quem apareceu: a mutação E484K.
4. O resultado Na semana seguinte vieram duas outras mutações,
na região N-terminal (NTD) da proteína spike, também
Aumento no número de infectados/mortos: 600%
encontradas nas cepas inglesa e africana. Essas três
Fonte Estimated transmissibility and severity of novel SARS-CoV-2 Variant of Concern 202012/01 in alterações geraram uma linhagem “completamente →
England. N Davis e outros, 2020. Projeções GabGoh COVID Epidemic Calculator (https://gabgoh.
github.io/COVID/index.html). 11 Genomic characterisation of an emergent SARS-CoV-2 lineage in
Manaus: preliminary findings. N Faria e outros, 2021. 12 Genomic Evidence of a Sars-Cov-2 Reinfec-
tion Case With E484K Spike Mutation in Brazil. C Vasques e outros, 2021. 13 SARS-CoV-2 escape in
vitro from a highly neutralizing COVID-19 convalescent plasma. E Andreano e outros, 2020. fevereiro 2021 super 29

SI_424_mutacoes.indd 29 09/02/21 18:35

 resistente” aos anticorpos originais. “O recente surgi-
mento no Reino Unido e na África do Sul de varian-
tes naturais, com mudanças similares, sugere que o
o ritmo
Quanto mais rápido Sars-CoV-2
Sars-CoV-2 tem o potencial de escapar da resposta o Sars-CoV-2 evoluir,
imune, e que vacinas e anticorpos capazes de controlar pior. Mas o vírus Tipo: RNA
variantes emergentes devem ser desenvolvidos”, dizem Tamanho do genoma:
da poliomielite, por 29.903 nucleotídeos
os autores. A mutação E484K também reduz a efi- exemplo, tem bem mais Ritmo de mutações:
cácia dos anticorpos monoclonais (artificiais) usados mutações – e não se desconhecido
contra a Covid-19 (Donald Trump, ex-presidente dos torna imune às vacinas. Mutações anuais*:
EUA, foi tratado com um deles). desconhecida (as principais
Em um teste feito na África do Sul com 2 mil cepas têm até 23 alterações,
HIV-1 mas já houve um caso com
pessoas jovens, a vacina de Oxford não reduziu a 66 mutações).
quantidade de casos leves e moderados de Covid-19 Tipo: RNA Status: a eficácia das vaci-
(como os participantes tinham em média 31 anos, faixa Tamanho do genoma: nas contra as novas cepas
9.180 nucleotídeos ainda está sendo testada.
etária em que a Covid severa é menos comum, não Ritmo de mutações: 0,017
foi possível determinar se a vacina perdeu eficácia por nucleotídeo por ano
contra casos graves). A Pfizer e a Moderna anuncia- Mutações anuais*: 156 MV (sarampo)
ram que suas vacinas se mantiveram eficazes contra Status: não existe vacina.
Tipo: RNA
a variante africana, mas que ela é um pouco mais Tamanho do genoma:
resistente. A Moderna fala, também, num “risco de Poliovirus 1 (poliomielite) 16 mil nucleotídeos
perda prematura da imunidade às novas cepas [a 501Y. Ritmo de mutações: 0,0004
V2 africana e suas derivadas]". Ou seja, o efeito da vacina Tipo: RNA por nucleotídeo por ano
Tamanho do genoma: Mutações anuais*: 6,4
passaria mais rápido. A empresa já está desenvolvendo 7.400 nucleotídeos Status: bem controlado
uma versão atualizada – que poderá ser aplicada, caso Ritmo de mutações: pelas vacinas tradicionais.
necessário, após as duas doses da vacina atual. Esse 0,01 por nucleotídeo por ano
alerta poderá valer, também, para a cepa inglesa. No Mutações anuais*: 74
HSV-1 (herpes)
começo de fevereiro, o governo inglês anunciou que Status: bem controlado
pelas vacinas tradicionais.
11 amostras da variante B.1.1.7 apresentavam uma Tipo: RNA
alteração nova: elas haviam incorporado, também, a Tamanho do genoma:
mutação E484K. Influenza A (gripe) 152 mil nucleotídeos
Ritmo de mutações:
Tipo: RNA 0,00000003 por

um americano ficou Tamanho do genoma:

13.600 nucleotídeos
Ritmo de mutações: 0,002
nucleotídeo por ano
Mutações anuais*: 0,0004
Status: não existe vacina.

154 dias com o vírus –

por nucleotídeo por ano Está presente em 67% da
Mutações anuais*: 27 população mundial, mas
Status: tem vacina, na maioria dos casos não
atualizada todo ano. provoca sintomas.

que teve 66 mutações. *Taxa estimada.

As cepas contendo as mutações N501Y e E484K
deverão eliminar as antecessoras, já que se espalham
melhor – e serão a base a partir da qual surgirão as
próximas mutações do coronavírus. E a possibilidade
de reinfecção por essas variantes traz outro elemen-
to: a coinfecção, ou seja, a mesma pessoa carregar
duas cepas ao mesmo tempo no organismo. Isso foi
detectado em duas pessoas no Rio Grande do Sul,
e também há alguns casos em outros países. Apa-
rentemente, a coinfecção não causa uma Covid-19
mais agressiva (os contaminados do RS, por exemplo,
tiveram sintomas leves). Mas, quando duas cepas do
vírus entram em contato dentro do organismo, po-
dem trocar elementos genéticos entre si – levando
a novas mutações.
Você deve estar pensando: o Sars-CoV-2 não era
um vírus estável, que evolui devagar? Como ele pode,
em relativamente pouco tempo, se tornar capaz de
driblar anticorpos? A possível explicação está numa
Fontes Comparison of the Mutation Rates of Human Influenza. E. Nobusawa e K Sato, 2006.
Calibration of Multiple Poliovirus Molecular Clocks Covering an Extended Evolutionary Range.
J Jorba e outros, 2008. Molecular clock of viral evolution, and the neutral theory. T Gojobori e
outros, 1990. Quantitative analysis of genomic polymorphism of herpes simplex virus type 1. H
Sakaoka e outros, 1994. Determination of spontaneous mutation frequencies in 3 measles virus
under non-selective conditions. X Zhang e outros, 2012.
das características mais intrigantes do vírus: sua ca-
pacidade de causar infecção prolongada.
A aceleração das mutações
Em maio de 2020, um paciente com Covid-19 e lin-
foma (câncer do sistema linfático) deu entrada num
hospital da Inglaterra. Ele recebeu rituximab, um
medicamento que ajuda a controlar o câncer, mas en-
fraquece o sistema imunológico. O paciente também
foi medicado com o antiviral remdesivir e recebeu
três transfusões de plasma convalescente, ou seja, de
pessoas que tiveram a Covid-19 e se curaram – a ideia
é que os anticorpos delas combatam o Sars-CoV-2. O
paciente acabou morrendo, de coronavírus, após 101

14 Neutralising antibodies drive Spike mediated SARS-CoV-2 evasion. RK Gupta e outros, 2020.
30 super fevereiro 2021 15 Persistence and Evolution of SARS-CoV-2 in an Immunocompromised Host. B Choi e outros, 2020.

SI_424_mutacoes.indd 30 09/02/21 18:35

 dias. Durante todo esse tempo, o vírus
foi mudando dentro do corpo dele. E
adquiriu três mutações: a delta H69/
V70 (perda de dois aminoácidos) e a
D796H (substituição do aminoácido D
pelo H), ambas na proteína spike. Elas
tornaram o vírus resistente aos anti-
corpos do plasma.
A descoberta foi divulgada em de-
zembro pelo biólogo Ravindra Gupta,
da Universidade de Cambridge, que
acompanhou o paciente e sequenciou
o genoma do vírus 23 vezes ao longo
dos 101 dias 14 . Ele foi o primeiro cien-
tista a detectar o escape imunológico
do Sars-CoV-2. “Nós mostramos, em
tempo real, que o vírus pode mudar a
proteína spike para tornar os anticor-
pos menos capazes de reconhecê-la”,
diz Gupta. Num caso similar relatado
por cientistas americanos, um homem
de 45 anos ficou 154 dias carregando o
vírus – que apresentou 66 mutações 15
ao longo desse período.
Na maioria das pessoas que pegam o
Sars-CoV-2, essa evolução não acontece.
Elas contraem o vírus e podem ter ou
não sintomas, mas geralmente a doença
se resolve rápido. Em pacientes imu-
nocomprometidos, no entanto, o corpo
pode lutar contra o vírus por meses a
fio. “Essas longas infecções são as que
mais nos preocupam, pois é nelas que
a evolução acontece”, diz Gupta. Quem
fica muito tempo com o vírus no orga-
nismo pode acabar servindo como uma
Devido à escassez de fonte de novas cepas – que então são
vacinas, vários países transmitidas a profissionais de saúde
têm cogitado adiar a
aplicação da segunda e se espalham pela sociedade.
dose. Mas isso pode Gupta também constatou que o uso
trazer riscos – inclusive do plasma convalescente acabou ace-
o de novas mutações. lerando as mutações. Nos primeiros
dois meses, houve poucas mudanças
na população viral dentro no paciente,
mesmo após duas rodadas de tratamen-
to com remdesivir. Mas depois que ele
recebeu as primeiras transfusões de
plasma, nos dias 63 e 65, a população
viral mudou drasticamente – e houve
o surgimento de uma nova cepa domi-
nante contendo as mutações delta H69/
V70 e D796H. A frequência dessas mu-
tações diminuiu nos dias posteriores,
mas voltou a aumentar após a terceira
infusão de plasma, no dia 95. “A mu-
tação delta H69/V70 está presente na
variante inglesa”, diz Gupta. Essa cepa,
que hoje se espalha pelo mundo, po-
de ter surgido em algum paciente que →

fevereiro 2021 super 31

SI_424_mutacoes.indd 31 09/02/21 18:35

 Boa parte dos cien-
tistas acredita que,
em algum momento,
as vacinas contra o
Sars-CoV-2 terão de
ser refeitas – possivel-
mente todo ano, como
a vacina da gripe.

32 super fevereiro 2021

SI_424_mutacoes.indd 32 09/02/21 18:35


ficou muito tempo com o vírus no organismo e
foi tratado com plasma. Gupta se diz preocupado
com a possibilidade de que mutações como a delta
H69/V70 driblem as vacinas. Por enquanto, é só
receio. “Ainda não há provas de que qualquer das
mutações já detectadas afetará significativamente a
eficácia das vacinas”, diz o biólogo Sanjay Mishra,
da Universidade Vanderbilt, nos EUA. “A proba-
bilidade é remota, e ainda precisa ser validada.”
Programas de vacinação mal geridos também
podem interferir com a trajetória das mutações.
Como não há vacina suficiente para todo mundo,
a Inglaterra decidiu mudar sua estratégia: lá, a
segunda dose será aplicada três ou quatro meses
após a primeira (e não 21 a 28 dias depois, como
nos testes clínicos). Essa tática, que está sendo
cogitada por São Paulo e pelo Ministério da Saúde,
permite vacinar mais pessoas de imediato e salvar
mais vidas. Fato. Mas, para alguns cientistas, o
adiamento da segunda dose pode deixar muita
gente com anticorpos insuficientes para eliminar
o vírus. Nesse cenário hipotético, o sistema imu-
nológico mataria parte do Sars-CoV-2 presente
no organismo, mas não tudo. E exerceria pres-
são seletiva, dando maior oportunidade para que
vírions (unidades do vírus) contendo mutações
se tornassem dominantes – gerando novas cepas.
“Se eu quisesse tornar as vacinas ineficazes,
tentaria algumas coisas", escreveu de forma irô-
nica o virologista Paul Bieniasz, da Universidade
Rockefeller, em artigo 16 postado no Twitter. Ele
discute seis possibilidades, inclusive a de “tratar
dezenas de milhares de pessoas com plasma de
potência baixa ou incerta", e conclui com o adia-
mento da segunda dose das vacinas, que conside-
ra crítico. “Podemos não conseguir isso [mutações
que driblam a vacina] logo após a primeira dose,
mas, se deixarmos a imunidade decair por algum
tempo, digamos de 4 a 12 semanas, poderemos
atingir o ponto ideal”, provocou. Alguns pesqui-
sadores manifestaram a mesma preocupação. “Nós
não queremos estimular [mutações] fazendo uma
imunização subótima da população", declarou o
16 https://twitter.com/PaulBieniasz/status/1345195420033691648 17 Covid-19 vaccina-
tion: What’s the evidence for extending the dosing interval? British Medical Journal, 2021.
SI_424_mutacoes.indd 33
virologista Ramon Lorenzo-Redondo, da Northwestern
University, à revista Science. “É uma preocupação real,
mas é bem pequena", rebateu o médico Chris Whitty,
principal consultor do governo inglês para corona-
vírus. Segundo ele, o risco de acelerar as mutações é
meramente teórico.
Os cientistas ouvidos pela Super são contra o
adiamento, mas por outro motivo. “O maior risco é
que possa haver uma resposta mais fraca na segunda
dose se o intervalo for maior que o ideal”, diz Sanjay
Mishra. “A única maneira de saber se está tudo ok é
por meio de ensaios controlados, o que poderia ser
feito alterando o protocolo do estudo atual, em vez
de mudar arbitrariamente a programação”, afirma. “A
eficácia medida só é possível no modelo que foi feito,
com as duas doses. Se você começa a dar uma dose
única, é quase um novo estudo”, diz Renato Santana,
da UFMG. “Os protocolos devem ser seguidos. Não
adianta gastar dinheiro disponibilizando a primei-
ra dose para todo mundo, se depois não teremos a
segunda dose e não geraremos uma resposta ade-
quada”, afirma. A vacina de Oxford foi testada num
intervalo mais longo em parte dos voluntários 17 ,
com a segunda dose aplicada 9 a 12 semanas após a
primeira, e isso não comprometeu sua eficácia. Mas
as demais vacinas não foram testadas dessa forma.
OMS e Pfizer já se manifestaram contra o adiamento.
adiar a segunda dose
da vacina é um risco.
por duas razões.
Boa parte dos cientistas acredita que, a médio ou
longo prazo, as vacinas contra o Sars-CoV-2 terão
de ser refeitas e reaplicadas para cobrir novas cepas.
Mutações, tanto as atuais quanto as que virão, são
inevitáveis. Mas podemos lidar com elas. O desen-
volvimento e a fabricação de vacinas contra cepas
mutantes serão mais rápidos – já dominamos as tec-
nologias envolvidas, e não será necessário fazer testes
tão longos (pois as vacinas-base já demonstraram sua
segurança). É o que acontece, todo ano, na criação de
novas vacinas contra a gripe comum. Mas o melhor
exemplo talvez seja a campanha contra o vírus H1N1,
da gripe suína. Ele é uma mutação letal do Influenza
A, que causa a gripe comum, e começou a se espalhar
em abril de 2009. A OMS declarou pandemia e os
testes da vacina começaram em julho. A produção foi
iniciada em novembro, rapidamente cobriu grande
parte da população (o Brasil vacinou mais de 100
milhões de pessoas, sendo 80 milhões em apenas
três meses) e hoje o H1N1 não é mais um problema.
Que seja assim, também, com o Sars-CoV-2. S
fevereiro 2021 super 33
09/02/21 18:35
 tecnologia

O
renascimento

34 super fevereiro 2021

SI_424_O Renascimento do Mac.indd 34 09/02/21 15:57

 do
mac
Texto Bruno Garattoni
Ilustração Estúdio Trema
Design Natalia Sayuri Lara

(e o futuro do PC)
Dezoito horas de bateria.
Carregamento instantâneo.
Aplicativos de iOS. Veja como
o novo processador M1, da
Apple, redefine os notebooks –
e como ele vai influenciar
os laptops com Windows.

fevereiro 2021 super 35

SI_424_O Renascimento do Mac.indd 35 09/02/21 15:57

 p
por dentro do m1
Chip da Apple tem dois tipos de núcleo, subprocessador
de inteligência artificial, memória RAM integrada e ace-
lerador de vídeo mais potente que o de um PlayStation 4.

Pense no seu smart-

phone. Ele fica ligado o
tempo todo, pronto para
você: basta pegá-lo para
acender ou apagar a te-
la e usar. Os aplicativos
abrem instantaneamente,
não ficam “carregando".
E a bateria, nos últimos
anos, deixou de ser um
problema – os celulares
modernos aguentam
tranquilamente o dia 2
inteiro longe da tomada.
Agora compare com o
seu notebook. É com- 1
pletamente diferente. Ele
demora para ligar e des-
ligar, os programas não
abrem no ato, e a bateria 3 1
é sempre uma preocupa-
ção. Estamos em 2021, 3
mas os laptops ainda se
4 núcleos
Firestorm
4 4 núcleos
Icestorm
comportam mais ou me- 1
nos como nos anos 1990.
Esses problemas têm a
1
mesma raiz, e ela é mais
antiga ainda: surgiu em
1978, quando a fabrican-
te de processadores Intel
apresentou ao mundo a
“arquitetura" x86. O no-
me vem do chip Intel
8086, lançado naquele
ano, e de seus sucessores
286, 386 e 486. Os note-
books e PCs de mesa até
hoje são baseados nessa
arquitetura, ou seja, seus
processadores contêm
elementos físicos e fer-
ramentas matemáticas
em comum com aquele
primeiro chip. A arqui-
tetura x86 foi ampliada e

36 super fevereiro 2021

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 aperfeiçoada nos últimos
40 anos e permitiu que
os computadores dessem
saltos inacreditáveis. Um
processador moderno,
1. CPU como o Intel Core i9-
9900K, executa até 400
É formada por quatro núcleos Firestorm (que bilhões de instruções
trabalham a até 3,2 GHz) e quatro núcleos
por segundo – contra
Icestorm (até 2 GHz). Os núcleos Firestorm
são acionados quando o computador vai exe-
300 mil do antigo 8086.
cutar alguma tarefa pesada. Mas, na maior Ou seja, ele é 1,3 milhão
parte do tempo, só os Icestorm são usados, de vezes mais rápido. O
e eles gastam bem pouca energia: 1,3 watt, mundo moderno, com
dez vezes menos que os núcleos Firestorm. computadores potentes
e onipresentes, só existe
graças à arquitetura x86.
Mas ela tem um
2. GPU problema de nascença.
Quando foi criada, os
É a “placa de vídeo” integrada ao chip. Tem notebooks nem existiam
oito núcleos, que realizam 2,6 trilhões de ope- (os primeiros computa-
5 rações matemáticas por segundo (teraflops).
Performance surpreendente para uma GPU
dores portáteis, que pe-
savam mais de 10 kg, só
onboard – um PlayStation 4, por exemplo,
surgiram nos anos 1980),
alcança 1,8 teraflop. O MacBook Air é ligei-
ramente menos potente: tem sete núcleos.
e o consumo de energia
não era uma preocupa-
ção relevante. Afinal, se
você só vai usar o seu PC
plugado à tomada, quer
3. Cache é que ele seja o mais rá-
Memória interna de alta velocidade usada pido possível, e não está
pelo processador. São 512 Kbytes de cache muito preocupado com a
“nível 1” (L1, ultraveloz) e 16 megabytes de conta de luz. Os proces-
cache “nível 2” (L2). É bastante coisa. O chip sadores x86 gastam mui-
Ryzen 5800U, melhor processador da AMD ta eletricidade. É por isso
para notebooks, possui 4 megabytes – e o que os notebooks têm as
Core i7-1185GRE, da Intel, tem 12 megabytes.
limitações que têm. E é
por isso que, quando a
Apple lançou o iPhone,
em 2007, não usou um
4. Neural engine chip x86. Escolheu ou-
tro tipo de processador,
É um subprocessador, de 16 núcleos, só para
processar tarefas de machine learning (in- baseado em outra arqui-
de 1.500 instruções ma-
temáticas diferentes. Os
chips ARM, apenas 230.
Eles seguem a filosofia
RISC: Reduced Instruc-
tion Set Computing, ou
“computação com número
reduzido de instruções"
(já os chips x86 são do
tipo Complex Instruction
Set Computing, ou CISC).
Os processadores
ARM conseguem se virar
com menos instruções
(basta que os softwares
sejam adaptados para ro-
dar neles). E, como não
precisam de circuitos
dedicados a interpretar
e rodar uma enormida-
de de instruções, gas-
tam bem menos energia.
Todos os smartphones
usam chips baseados na
arquitetura ARM. E há
muito tempo tem gente
tentando emplacar esses
processadores em note-
books: a Microsoft criou
o sistema Windows RT,
o primeiro para laptops
ARM, em 2012. Ela e a
Samsung lançaram al-
guns notebooks, das li-
nhas Surface e Galaxy,
com esse tipo de chip. →
O processador

5 teligência artificial). Pode ser bem útil para

desenvolvedores de software que queiram
tetura: a ARM (Advanced
RISC Machines). incorpora ca-
incluir essa função em seus apps, mas ainda
não tem muita serventia para o usuário final.
Essa arquitetura tam- racterísticas
bém é antiga. Foi inventa-
da em 1985 pela empresa dos chips de
inglesa Acorn Computers
(hoje pertence à também smartphone.
5. DRAM inglesa ARM Holdings, Mas também
comprada em 2020 pela
É a memória RAM, que pode ser de 8 GB ou fabricante de chips grá- tem outros
16 GB. Ela é compartilhada entre a CPU e a
GPU, e embutida no chip. Isso aumenta sua
ficos nVidia). Mas tem
uma grande diferen-
truques.
velocidade, mas também traz uma limitação:
ça em relação à x86. É
não pode ser expandida posteriormente, co-
mo nos computadores tradicionais. muito mais simples. Os
processadores x86 são
capazes de executar mais

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 Os segredos do chip
Veja as diferenças entre o Apple M1 e os processadores
tradicionais, da arquitetura x86, que explicam os ganhos
de performance e economia de energia.

AMD Ryzen 7 5800U

Processo de fabricação: 7 nm
Arquitetura: x86-64, CISC
Núcleos: 8, iguais
Frequência de “clock”: 1,9 a 4,4 GHz
Consumo de energia: 10 a 25 watts

Intel Core i7-1185GRE

Processo de fabricação: 10 nm
Arquitetura: x86-64, CISC
Núcleos: 4, iguais
Frequência de “clock”: 1,8 a 4,4 GHz
Consumo de energia: 12 a 28 watts
Apple M1
Processo de fabricação: 5 nm
Arquitetura: ARM64, RISC
Núcleos: 8 (4 de alta performance e 4 de
baixo consumo)
Frequência de "clock": 2 a 3,2 GHz
Consumo de energia: 1,3 a 13,8 watts

Mas eles nunca fi- fazendo com que os no- notebooks tradicionais. até 3,2 GHz. A diferen-
zeram sucesso, porque tebooks ARM continu- Quando você fecha o lap- ça é que o MacBook Air
eram meio lentos e ti- assem ruins. É esse cír- top, o M1 “dorme" e entra não tem cooler (ventoi-
nham um problema: se culo vicioso que, agora, a num modo de consumo nha interna), e nele o
você tentasse usar pro- Apple conseguiu romper. ultrabaixo: nos nossos processamento de vídeo
gramas x86 tradicionais, Os novos MacBook testes, ele só gastou 1% (que é feito pelo chip M1)

1%
que não haviam sido Air, MacBook Pro e Mac a 2% da bateria durante é menos potente [veja in-
traduzidos para a nova mini vêm equipados com a noite. Isso significa fográfico na pág. 37]. Na
arquitetura, o laptop um processador de arqui- que, na prática, você prática, a consequência
acionava um emulador: tetura ARM: o Apple M1. não precisa mais ligar e disso é que o Air é um
software que simulava a Ele gasta muito menos desligar o laptop. Pode pouco menos capaz de
existência do Windows energia do que os chips é o consumo deixá-lo ligado o tempo rodar games (o que não
comum, x86. Isso deixava x86, e isso permite um de bateria todo, com o sistema e os chega a ser relevante, já
o computador ainda mais salto revolucionário. Nos do MacBook programas carregados, e que pouquíssimos jogos
lento, detonava a bateria nossos testes com o novo Pro durante simplesmente abrir ou têm versão para Mac).
– e, em muitos casos, os MacBook Pro, a bateria a noite, com fechar a tela. Como se E, após dez minutos
programas simplesmente aguentou 16 a 18 horas de a tampa fosse um smartphone. É com a CPU trabalhando
não funcionavam. Como uso intenso (navegando fechada. uma mudança profunda, a 100% da capacidade, o
os notebooks ARM eram via Wi-Fi, usando Google que transforma a relação Air pode desacelerar em
ruins, eles vendiam pou- Docs e outros webapps, com o computador. 10% a 15% para evitar su-
co, e os desenvolvedores instalando e rodando Os três computadores peraquecimento. Isso só
de software não conver- softwares diversos). É o usam o mesmo chip, com se manifesta em tarefas
tiam seus programas dobro, ou o triplo, da au- oito núcleos de proces- intensas, como expor-
(preferiam ficar no x86), tonomia alcançada pelos samento trabalhando a tar vídeo e renderizar

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Processo mais preciso
O processo de fabricação do Apple M1 tem preci-
são de 5 nanômetros – contra 7 nanômetros dos
chips da AMD, e 10 nanômetros dos processadores
Intel. Isso permite que seus circuitos (o M1 possui
16 bilhões de transistores) sejam menores e fiquem
mais perto uns dos outros, o que aumenta a velo-
cidade do chip e reduz seu consumo de energia.
Outra arquitetura
Os chips da Intel e da AMD são evoluções da
microarquitetura x86, que foi criada pela Intel
em 1978 e prioriza a performance. O Apple M1
é baseado na arquitetura ARM, a mesma usada
nos processadores de smartphone, que tem a
economia de energia como prioridade.
Núcleos diferentes
Os chips x86 tradicionais têm núcleos de pro-
cessamento simétricos, ou seja, iguais entre si.
O Apple M1 é assimétrico: possui núcleos de alta
velocidade (que só são acionados quando neces-
sário) e núcleos mais lentos, de baixo consumo de
energia (que executam a maior parte das tarefas).
Esse princípio é usado desde 2011 nos chips de
celular – e, com o M1, chega aos computadores.
Menos instruções
Os chips da Intel e da AMD são do tipo CISC (Com-
plex Instruction Set Computer), capazes de execu-
tar 1.500 instruções matemáticas diferentes. Isso
requer muitos tipos de circuito, e eles consomem
eletricidade mesmo quando não estão em uso.
O Apple M1 é um chip RISC (Reduced Instruction
Set Computer), e executa cerca de 230 instru-
ções. Ele faz as mesmas coisas que os outros – os
softwares “se viram” perfeitamente com menos
instruções –, e dispensa vários tipos de circuito
eletrônico, economizando energia.
Processamento paralelo
Cada núcleo Firestorm (de alta velocidade) do
Apple M1 possui um bloco de decodificação capaz
de lidar com oito instruções ao mesmo tempo. É
o dobro das CPUs comuns. Isso aumenta a quan-
tidade de trabalho que o M1 consegue executar a
cada ciclo de processamento – e permite que ele
seja mais rápido que os chips Intel e AMD.
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objetos 3D – para as quais existe o
MacBook Pro (que, graças ao cooler,
roda a 100% de forma contínua).
Ao contrário do que aconteceu no
mundo Windows, em que pouquíssi-
mos softwares foram migrados para
ARM, a Apple conseguiu convencer
os desenvolvedores a trabalhar: os na-
vegadores Chrome, Safari e Firefox, o
pacote Microsoft Office, o Photoshop
e o Lightroom e os editores de vídeo
Premiere, Final Cut e Da Vinci já ga-
nharam versões adaptadas. Nós tes-
tamos todos, que funcionaram muito
bem: dá para abrir trocentas abas do
navegador, rodar planilhas cheias de
macros, trabalhar em fotos com deze-
nas de layers ou editar vídeos em 4K, e
ficar com tudo aberto ao mesmo tempo,
sem que o computador dê o mínimo
sinal de ficar lento. O Apple M1 é 10%
a 40% mais rápido que os chips Intel
presentes nos Macbooks da geração
passada. Mas gasta dez vezes menos
energia – e é por isso que os novos
laptops da Apple têm até 18h de bateria.
O chip também permite rodar apli-
cativos do iOS, de iPhone e iPad, no
Mac. É só baixar, pela App Store, e
usar. Isso tem um potencial enorme.
Nos últimos dez anos, a indústria de
software concentrou seus esforços nos
apps mobile, e agora eles podem ser
usados também no computador. Mas,
na prática, há alguns poréns. O Mac
não é touchscreen, o que complica um
pouco o uso dos aplicativos de iOS.
Eles rodam numa janela bem peque-
na, que não pode ser ampliada. E nem
todos os apps foram liberados para o
Mac (o Netflix para iOS, que permite
baixar conteúdo para ver offline, não
foi). A compatibilidade entre macOS e
iOS só deve render frutos daqui a um
tempo – quando os desenvolvedores
começarem a fazer versões unifica-
das dos softwares, cobrindo todas as
plataformas da Apple (que, somadas,
totalizam 1,6 bilhão de smartphones,
laptops e desktops).
Por enquanto, o verdadeiro pulo do
gato do chip M1 está nos softwares
tradicionais, x86, que ainda não foram
convertidos para a nova arquitetura.
Quando você tenta rodar um deles,
o sistema operacional macOS acio-
na um mecanismo chamado Rosetta
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 (referência à Pedra de você precisar de algum frequentes. Isso não é um a era ARM. Mas isso não
Roseta, rocha que foi programa que ainda não problema real – afinal, o aconteceu de um dia para
descoberta em 1799 foi convertido – como Premiere já ganhou uma o outro. É um projeto que
e traz inscrições que o Spotify, o Skype ou o versão ARM, e ela é óti- vem sendo desenvolvido,
permitiram decifrar os Zoom – , poderá rodá-lo ma –, mas mostra que discretamente, há mais
hieroglifos egípcios). numa boa. nem sempre o Rosetta de uma década.

40
Ele não é um emula- O Rosetta não é uma faz milagre (há relatos
dor; é um tradutor que panaceia. Nos nossos de problemas com o A China, o Brasil
analisa e converte o testes, o Premiere adap- Illustrator e o InDesign). e o Windows
software, substituindo tado para o chip M1 se Softwares mais pesados, Em 2008, a Apple com-
as instruções x86 con- saiu muito bem. Mas como os da Adobe, terão prou a PA Semi (Palo Al-
tidas naquele programa resolvemos instalar sua sim de ser adaptados por to Semiconductor), uma
% é o ganho
por instruções ARM. O versão antiga, x86, para máximo de
seus criadores. Boa parte empresa relativamente
processo leva poucos se- ver como ela se sairia. desempenho já foi ou está sendo. pequena que projetava
gundos, é automático e Não foi bem. Mesmo do MacBook Em suma: a Apple chips para outras fabri-
só precisa ser feito uma usando um MacBook Pro Pro em rela- conseguiu fazer o que a cantes. Isso começou a
vez. Em geral, os sof- com chip M1, solid state ção à geração Microsoft e sua parceira dar frutos em 2010, com
twares x86 funcionam disk (SSD) e 16 gigaby- passada. Qualcomm (que domina o nascimento do A4: o
muito bem (em alguns tes de memória RAM, o mercado de chips para primeiro processador
casos, até mais rápido o Premiere antigo teve smartphone) vinham ten- criado pela empresa de
do que nos chips Intel). dificuldades na edição de tando há um tempão: le- Steve Jobs. Era o cora-
Isso significa que, se vídeos 4K, com engasgos vou os computadores para ção do iPhone 4 e do

A resposta do Intel aposta em chip de dois andares,

e Qualcomm desenvolve Snapdragon

mundo Windows para notebooks. Veja como eles se

comparam ao Apple M1.

Camada superior

Intel Core i5-L16G7

("Lakefield")
Processo de fabricação: 10 nm
Arquitetura: x86-64, CISC
Núcleos: 5 (1 de alta performance
e 4 de baixo consumo)
Frequência de "clock": 1,4 a 3 GHz
Consumo de energia: 7 watts
Camada inferior
O chip tem duas camadas. Os núcleos
de processamento ficam no "andar de
cima" (e o de baixo cuida de coisas me-
nos críticas, como as interfaces USB e
PCI Express). O ponto fraco do proces-
sador – que já está presente no laptop
Galaxy Book S, da Samsung – é que ele
possui apenas um núcleo de alta perfor-
mance, o que acaba comprometendo
o desempenho do notebook.
Qualcomm 8cx Gen 2
Processo de fabricação: 7 nm
Arquitetura: ARM64, RISC
Núcleos: 8 (4 de alta performance e 4
de baixo consumo)
Frequência de “clock”: 1,8 a 3 GHz
Consumo de energia: 7 watts
É o coração do Surface Pro X, da Microsoft, e do
Acer Spin 7. Possui modem 4G/5G integrado, o que
é uma ótima vantagem, e gasta bem pouca bateria
(o notebook Lenovo Flex 5G, equipado com a versão
anterior desse chip, tem 17h de autonomia). Mas é
prejudicado pelo sistema operacional Windows 10
“ARM” – que fica lento ao rodar programas que ainda
não tenham sido convertidos para essa arquitetura.

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SI_424_O Renascimento do Mac.indd 40 09/02/21 15:57

 Há rumores de que
a Microsoft já está
desenvolvendo seu
próprio chip – para
colocar os note-
books Windows
à altura do M1.

primeiro iPad, lançado naquele mes-

mo ano. A Apple foi desenvolvendo
seus chips até dar outro salto no final
de 2015, com o lançamento do iPad
Pro – cujo chip, o A9X, era o primei-
ro com desempenho comparável ao
dos processadores tradicionais, da
arquitetura x86.
Como o A9X estava dentro de um Lenovo Flex 5G, com
tablet e rodava o sistema operacional chip Qualcomm,
Windows “ARM” e 17
iOS, que é leve e simples, isso não
horas de bateria.
chamou muita atenção. Mas foi ali
que, sem alarde, começou a virada de
mesa. No começo, os chips da Apple suma: no Brasil, os novos E a gigante Intel, que rodar o sistema ope-
eram fabricados pela Samsung. Mas o Macs são artigos de luxo, domina 80% do mercado racional e demais sof-
A9X era produzido por outra empresa: a que pouquíssima gente de notebooks, também já twares gastando muito
a chinesa TSMC (Taiwan Semiconduc- terá acesso. Mesmo assim, começou a reagir. No se- menos energia.
tor Manufacturing Company). Foi uma eles devem ter enormes gundo semestre, ela irá Se os esforços da Mi-
cartada decisiva. A TSMC também faz consequências por aqui. apresentar uma nova crosoft e da Intel derem
os processadores da AMD, a arquirrival Nos últimos 15 anos, geração de processado- certo, daqui a alguns
da Intel, e da nVidia, maior fabricante que a Apple passou usan- res x86, identificados anos até os notebooks
de placas de vídeo do mundo. Os chips do chips Intel, os Macs pelo codinome Alder mais básicos, na faixa
do Xbox, do PlayStation 5 e do iPhone se tornaram parecidos Lake. Eles serão híbridos: de R$ 3 mil, serão ultra-
vêm de lá – e, agora, o M1 também. com os PCs (só eram terão alguns núcleos de velozes e aguentarão 18
Isso aconteceu porque, nos últimos mais bonitos e tinham alta potência e outros horas longe da tomada.
anos, a TSMC conseguiu dar um salto um sistema operacional de baixo consumo de Hoje isso pode parecer
tecnológico e dominar o processo de diferente). Com o M1, energia, uma estratégia difícil de acreditar, mas
fabricação de cinco nanômetros. Isso deixa de ser assim. Os que é usada pelos chips algo do tipo já aconteceu.
permite fazer circuitos menores e mais MacBooks passam a ter ARM. A Intel já lançou Em 1984, o primeiro Ma-
velozes, que gastam menos energia [ve- uma enorme vantagem de um chip híbrido, o Lake- cintosh apresentou ao
ja quadro na pág. 39]. bateria – e isso irá obrigar field, mas ele era pouco público o conceito de
Nos Estados Unidos, os novos Macs a Microsoft a reagir, para potente [veja quadro na interface gráfica, com ja-
não são caros. O mini custa US$ 700, o evitar que o Windows se- página ao lado]. O Alder nelas, ícones e um mouse
MacBook Air sai por US$ 1.000, e você ja varrido do mercado de Lake promete resolver para você clicar nelas (até
compra um Pro por US$ 1.300 (mesmo laptops. No final de 2020, esse problema: rumores então só computadores
valor do salário mínimo de lá). No Brasil, a agência Bloomberg afir- indicam que ele terá até profissionais, criados
como você deve ter imaginado, a coisa mou que a empresa já está 16 núcleos, sendo oito de pela Xerox, tinham is-
é diferente. E como. O Mac mini custa desenvolvendo seus pró- baixo consumo e oito de so). No ano seguinte, a
R$ 8.700, o Air sai por R$ 13 mil, e prios chips, de arquitetura alta performance, e tam- Microsoft lançou o Win-
o Pro vale R$ 17.300. E esses valores ARM, para servidores e bém será capaz de exe- dows, levando essas coi-
são para as versões com 8 gigabytes notebooks. Quando eles cutar novas instruções sas para os PCs. Ele era
de memória RAM. Se você quiser 16 chegarem, os laptops x86, que prometem mais inferior ao Mac e tinha lá
GB de RAM, o que é recomendável Windows (que são 90% desempenho. Segundo a seus problemas, mas era
(pois a memória fica dentro do chip do mercado) poderão Intel, o resultado disso bom. Bom o suficiente
M1, ou seja, não dá para fazer upgrade entrar na nova era – ofe- é um nível inédito de para dominar o mercado,
depois), pode adicionar mais R$ 2.500 recendo benefícios simi- “performance por watt". conquistar o mundo e
ao preço – nos EUA, são US$ 200. Em lares aos do Apple M1. Ou seja, o chip poderá transformar a história. s

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 astronomia

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 photoshop
cósmico Texto Guilherme Eler  Fotos Nasa

Fotos do espaço muitas vezes são feitas a partir

de ondas eletromagnéticas que nossos olhos não captam –
Design Juliana Krauss  Edição Bruno Vaiano

e, então, traduzidas para a visão humana. Entenda a

ciência por trás dos cliques deslumbrantes da Nasa.

Créditos: Nasa, ESA, Hubble Heritage Team (STScI/AURA), A. Nota (ESA/STScI), e time científico da Westerlund 2

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 a
A foto da página an-
terior mostra um aglo-
me r a do de e s t r el a s
chamado Westerlund 2.
Em seu entorno, há um
lençol de poeira e gás
com aparência leitosa –
a matéria-prima da qual
se formarão novos sóis.
O lugar é um berçário de
astros. Dá um belo car-
tão-postal. Infelizmente,
mesmo que fosse possível
encarar a viagem de 20
mil anos-luz até lá, não
daria para reproduzir o
clique com o celular. O
primeiro motivo é que as
estrelas avermelhadas no
miolo (elas são os bebês
do berçário, com “só” 2
milhões de anos de idade)
estão em um plano dife-
rente das estrelas azuladas
nas bordas – mais antigas
e alguns anos-luz mais
próximas de nós. Boa
sorte para encontrar o
ângulo certo.
Depois, porque as es-
trelas recém-formadas,
juntinhas ali no meio,
estão na verdade escon-
didas atrás da nuvem be-
ge que começa no canto
inferior esquerdo. Nós
só conseguimos espiar
o aglomerado de astros
por trás do gás e da poeira
– como se houvesse uma
janela sem névoa – por-
que a foto foi feita pelo
observatório Chandra, da
Nasa, que capta raios X. E
os astros jovens são tão
enormes e quentes que
emitem esses raios.
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Os raios X são um tipo
de luz que os olhos hu-
manos não são capazes de
enxergar. Tanto é que vo-
cê não vê um brilho sair
da máquina quando tira
uma chapa de um osso
quebrado. Mas eles car-
regam mais energia que
a luz que podemos ver –
e por isso atravessam a
nuvem como se ela não
estivesse lá. Do mesmo
jeito que o radiologista vê
seus ossos sem se preo-
cupar com a pele.
Assim, a foto é uma
montagem: mistura a
foto da nebulosa de gás
e poeira feita pelo teles-
cópio Hubble (com luz
que podemos ver) com
a foto das estrelas feita
pelo Chandra (com luz
que não podemos ver).
Praticamente toda foto
do espaço que você já viu
emprega algum truque
desse gênero. Mas não
se sinta enganado: sem
telescópios com superpo-
deres, saberíamos muito
pouco sobre o que acon-
tece no cosmos. Bem-
vindo aos bastidores da
fotografia astronômica.
A luz
Os físicos sabem desde o
início do século 20 que a
luz é feita de minúscu-
las partículas chamadas
fótons. Então você pode
imaginar um raio de sol
como um montão de boli-
nhas de energia entrando
nos seus olhos. Acontece
Créditos: Nasa, ESA, STScI, A. Simon (Centro de Voos Espaciais Goddard), M.H. Wong (Universidade da Califórnia, Berkeley) e time OPAL
1,3
milhão. É o número
de observações
realizadas pelo
Hubble desde 1990.
que também dá para ex- de baixa frequência são
plicar o comportamento supercompridas e carre-
da luz usando equações gam pouca energia. Já as
em que ela age como uma ondas de alta frequência
onda – tipo uma onda são curtinhas e muito
sonora ou uma onda do energéticas. Há diferen-
mar. Neste caso, a luz é tes aplicações práticas
chamada de onda eletro- para as luzes de cada fre-
Se há magnética. Toda onda é quência e comprimento.
estrelas uma oscilação em alguma As luzes mais longas e
atrás de coisa; o que oscila, então, preguiçosas são as ondas
uma nebu- é um campo eletromag- de rádio, usadas também
losa, os as-
trônomos nético. Era assim que os para o wi-fi. Depois, um
podem físicos explicavam a luz pouco mais curtas e ener-
tentar no século 19. géticas, vêm as micro-
observá-las Vamos alternar entre -ondas que esquentam
com raios a descrição da luz como sua comida. Continue
X: para
ondas tão onda e como partícula aumentando a energia e
energéti- conforme seja mais di- entramos no campo do
cas, o gás dático para este texto. E, infravermelho – ondas
é transpa- neste momento, a versão eletromagnéticas que
rente. onda vem bem a calhar. você sente na pele: elas
Uma onda tem compri- são o calor. Os binócu-
mento (que é a distância los infravermelhos veem
entre duas oscilações) e pessoas no escuro porque
frequência (que é o núme- pessoas são quentinhas.
ro de oscilações por se- Vamos aumentar o
gundo). As ondas de luz quentinho. Quando você
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 aquece o carvão na chur- de onda. E existem fe- de visão.” Vamos enten- Cada vez que um fóton
rasqueira, ele perde a cor nômenos cósmicos que der como funciona o (uma partícula de luz) ba-
preta e vira brasa verme- emitem todos eles. O mundo das imagens do te em um quadradinho da
lha. É porque ele ficou fato de que nós enxer- espaço. Começando com CCD, ele fornece energia
tão quente que parou de gamos um espectro tão um telescópio que vê luz a uma outra partícula, o
emitir só infravermelho e limitado dentro dessa comum, e depois expan- elétron – que fica ouriçado
passou a emitir uma onda grande seleta de ondas dindo os horizontes ele- e pula para fora. Quan-
ainda mais curta e energé- é decorrência da seleção tromagnéticos. to mais fótons batem
tica: o próprio vermelho. natural: as cores que co- em um quadrado, mais
Aqui entramos no campo nhecemos são justamente O Hubble elétrons são ejetados. O
da luz que podemos ver: as ondas que o Sol produz O telescópio Hubble não nome desse fenômeno é
as cores do arco-íris, que em maior abundância. Se vê raios X: é especialis- bem literal: efeito foto-
vão do vermelho ao viole- vivêssemos em torno de ta em trabalhar com luz elétrico. Assim, o Hubble
Já se
ta – passando por laranja, uma estrela maior, ela publicaram,
no mesmo comprimento sabe exatamente quanta
amarelo, verde e azul. seria mais quente, emi- ao todo, 15 de onda que é visível por luz bateu em cada qua-
Acima do violeta há tiria mais ultravioleta. mil artigos nós. Com uma diferença: dradinho da CCD: é só
o ultravioleta, que entra Provavelmente, teríamos científicos só fotografa em preto e contar quantos elétrons
novamente no campo das evoluído para ver a cor usando da- branco. Gerar a cor são cada um soltou.
dos gerados
luzes invisíveis para nós. ultravioleta, porque ela pelo Hubble.
outros quinhentos – que Agora, imagine que o
É contra ele que atua o seria útil para nós. Eles foram explicaremos a seguir. CCD no telescópio está
protetor solar. Nessa al- “Os olhos humanos citados 738 Quando a luz de uma enquadrando uma galá-
tura, já estamos falando estão muito bem adapta- mil vezes paisagem cósmica atra- xia brilhante na frente de
de ondas eletromagnéti- dos à vida na Terra, onde por outros vessa as lentes do Hubble, um fundo escuro. Os qua-
astrônomos.
cas muito pequenas, com somos banhados pela luz ela atinge uma placa de dradinhos no centro vão
energias bastante altas. do Sol todos os dias”, diz silício chamada CCD, si- captar muita luz e liberar
Os próximos passos Joseph Depasquale, de- gla em inglês para “dispo- muitos elétrons – sinal de
da escala são os raios X senvolvedor de ciências sitivo de carga acoplada”. que aquela região da foto
(a exposição prolongada é visuais do Space Teles- O CCD é dividido em um é mais clara, com pixels
muito perigosa) e os raios cope Science Institute. montão de quadradinhos esbranquiçados. Assim
gama (você vira o Hulk, “Mas, para ver os detalhes minúsculos. Cada qua- se forma a imagem da
rs). Existem telescópios, do espaço profundo, ti- dradinho corresponde galáxia. Já os quadradi-
tanto em órbita quan- vemos que inventar tec- ao que será um pixel da nhos das pontas vão re-
to no chão, capazes de nologias que pudessem foto quando ela estiver na ceber pouca ou nenhuma
captar todos esses tipos estender nossos poderes tela do computador. luz – liberando poucos →

Três imagens pb – mas bem diferentes

Três filtros, As imagens ao lado

estão em preto e

uma foto
branco porque o
telescópio só capta
a quantidade total
de luz que chega
em cada ponto
do sensor – sem
O Hubble só faz distinguir cores.

fotos em preto
e branco. Para RGB: Agora, cada uma com uma cor primária
obter imagens Mas cada uma
delas foi feita
coloridas, ele com um filtro, que
precisa usar deixou passar uma
cor primária de
filtros que deixam cada vez. Agora, é
passar uma cor só tingir as três – e
sobrepô-las para
de cada vez. obter o Júpiter bege
que conhecemos.

fevereiro 2021 super 45

SI_424_Astrofotografia.indd 45 09/02/21 19:08

 A nebulosa A foto de fundo desta página combina
cliques feitos com cinco tipos de luz.
de caranguejo Veja as camadas isoladas abaixo:

rádio Ultravioleta

O ultravioleta veio do
AS ondas de rádio, de baixa XMM-Newton , que está
energia, são observadas pelo em órbita. Repare que só
Very Large Array , no Chile. ele captou estrelas.

infravermelho raios X

Por fim, os raios X emiti-

O spitzer , que é um telescópio dos pela nebulosa chegam
espacial, recebe as ondas infraver- pelo Chandra , que opera
melhas emitidas pela nebulosa. desde 1999.

elétrons e deixando o
pixel preto ou cinza es-
curo. Esse é o vazio em
torno da galáxia.
Toda foto em preto e
branco é isso: um gráfi-
co de quantos fótons –
quantos pacotinhos de
luz – contribuíram com
cada pixel. Ele não leva
em consideração a cor
desses fótons. Para dar
esse passo além, é preciso
usar filtros.
Imagine que você pas-
sou papel celofane ver-
melho na frente da lente
do Hubble. Agora, toda a
luz de outras cores será
barrada – só a vermelha
vai passar. Se você tirar
uma foto com o celo-
fane na frente, ela sairá
em preto e branco, claro.
Mas é um preto e bran-
co diferente, porque dessa
vez os astrônomos sabem
que todos os fótons que
luz visível
entraram no Hubble são
vermelhos. Mesmo que
o próprio Hubble não
saiba. Ou seja: a ima-
gem, na verdade, é ver-
Essa é a única parte da foto
melha. Podemos pintá-la
que realmente seria visível
artificialmente. por nós. O clique foi feito
O próximo passo é re- pelo Hubble .
petir esse processo com
outros dois filtros, o verde
e o azul. É difícil entender
o passo a passo explican-
do só com texto, então
acompanhe o gráfico da
página 45 – que mostra a
montagem de uma foto de
Júpiter. Com três filtros,
ficamos com três fotos do
planetão: cada uma repre-
senta todos os fótons que
ele emitiu em cada uma
das três cores.
Por que azul, verde e
vermelho? A razão é prin-
cipalmente biológica. As
células que diferenciam
cor, nas nossas retinas,
são chamadas cones.

Créditos: Nasa, ESA, G. Dubner (IAFE, CONICET-Universidade de Buenos Aires) et al.; A. Loll et al.; T. Temim et al.; F. Seward et
46 super fevereiro 2021 al.; VLA/NRAO/AUI/NSF; Chandra/CXC; Spitzer/JPL-Caltech; XMM-Newton/ESA; e Hubble/STScI

SI_424_Astrofotografia.indd 46 09/02/21 19:08

 Existem três tipos de
cones: um capta a luz vi-
sível de alta frequência (a
região da cor azul), outro
a luz de média frequência
(a região da cor verde) e
por fim um terceiro se
dedica à luz de baixa fre-
quência (a região da cor
vermelha). Pense nelas
como cores primárias:
como elas englobam todo
o espectro, ao misturar as
três em diferentes doses
você consegue obter qua-
se todas as outras cores.
De fato, sua TV e o seu
celular usam pixels azuis,
vermelhos e verdes. Se
você aproximar sufi-
cientemente os olhos da
tela, será capaz de vê-los.
O nome disso é sistema
RGB (red, green, blue).
Agora, é só empilhar
as três fotos de Júpiter: a
azul, a verde e a verme-
lha. Onde há só uma cor, a
imagem fica só dessa cor.
Mas nos pontos em que
essas cores aparecem ao
mesmo tempo, elas ficam
sobrepostas, se misturam
e dão origem a novas co-
res. Surge a imagem do
gigante gasoso que você
conhece, com faixas beges
e marrons, estampada no
fundo da página anterior. Os filtros
do Hubble
Elementar revelam a
química do
Nem só de RGB vive o Universo:
Hubble. Fotos da Nasa cada filtro
não são feitas para você de luz acusa
pendurar na parede. Elas a presença
são objeto de investiga- de um
elemento
ção dos astrônomos. As diferente.
cores podem revelar, por
exemplo, a composição
química de uma nuvem
de gás e poeira. Isso é
possível porque cada ele-
mento da tabela periódica
tem uma cor caracterís-
tica. Tons avermelhados
indicam a presença de
hidrogênio. Verde, oxi- resultado da implosão
gênio. E o enxofre tem de uma estrela grande e
cor de ferrugem. Usan- idosa localizada a 6,5 mil
do filtros dessas cores, anos-luz da Terra, emite
é possível saber quanto radiação de todo tipo. Em
de cada elemento existe vermelho, estão indicadas
na nebulosa. as ondas de rádio flagra-
Um artifício comum das pelo observatório
para transformar uma Very Large Array. A con-
imagem estritamente tribuição do Spitzer, te-
científica em algo agra- lescópio que capta ondas
dável para os olhos é na faixa do infraverme-
pegar imagens filtradas lho, está em amarelo, en-
de três elementos – no quanto o espectro visível,
nosso exemplo, verme- especialidade do Hubble,
lho, verde e ferrugem aparece em verde. Por
– e trocar esta última fim, o ultravioleta, alvo
por azul para formar do XMM-Newton, está
uma paleta que englobe em azul (ele foi o único
todo o espectro visível, que captou as estrelas) e
agora com as três cores os raios X, captados pe-
primárias do sistema lo do Chandra, aparecem
RGB. “Existem algumas em roxo. No gráfico do
escolhas subjetivas, como canto superior esquerdo,
converter os valores re- você vê cada contribuição
gistrados pelas câmeras isoladamente.
para limitar a quantida- Há uma lógica na atri-
de de brilho da imagem buição das cores: como
ou ajustar as cores para os raios X são a radiação
dar uma aparência mais mais energética, eles fi-
equilibrada”, explica Zol- cam com o violeta, que é
tan Levay, especialista em a cor de frequência mais
visualização de dados que alta que podemos ver.
trabalhou por 30 anos no Vale o contrário para o
Space Telescope Science rádio: por ser a onda mais
Institute – a instituição preguiçosa, ele fica com o
que opera o Hubble. vermelho, que é a cor de
onda mais longa.
Vendo o invisível É uma reação natural
Complicado mesmo é sentir-se enganado pe-
quando uma imagem só las imagens – como se
combina ondas de vá- os astrônomos fizessem
rios cantos do espectro o equivalente a tirar a
eletromagnético. Ondas celulite de uma modelo
que não podemos ver: com o Photoshop.
rádio, infravermelho, ul- Mas é o contrário: as
travioleta... Aí não tem luzes invisíveis são in-
jeito: os astrônomos pre- formação a mais, e não a
cisam escolher cores para menos. “Telescópios são

Esta foto mostra representar cada tipo de

onda, porque não existem
cores reais ali.
uma janela para um mun-
do que não podemos ver
com os olhos”, diz Joseph
cinco tipos de A imagem da Nebu-
losa de Caranguejo que
Depasquale. “Exatamen-
te como um microscó-
onda. Quatro são ilustra esta página é o
exemplo perfeito para ob-
pio, que nos dá acesso
ao mundo invisível, mas

invisíveis para nós. servarmos esse método.

Essa estrutura cósmica,
também real, das coisas
muito pequenas. S

fevereiro 2021 super 47

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 História

O
Em 1972, uma criança-prodígio
do Brooklyn desafiou décadas de
hegemonia soviética no xadrez,
virou a Guerra Fria no tabuleiro e
despertou um surto de popularidade
do jogo – que respingou até no Brasil.

gambito

SI_424_Xadrez.indd 48 09/02/21 18:42

o do rei
Texto Rafael Battaglia 
Ilustração Vinicius Capiotti
Design Juliana Alencar
Edição Bruno Vaiano

Fischer vs.
Spassky, 1972: pri-
meiro duelo entre
EUA e URSS numa
final de xadrez.

FEVEREIRO 2021 super 49

SI_424_Xadrez.indd 49 09/02/21 18:42

 A
A Rússia é para o xadrez o que
o Brasil é para o futebol. A diferença
é que eles nunca levaram um 7x1. O
histórico de paixão é longo: Ivan, o
Terrível, estava jogando uma partida
quando um derrame o matou, em 1584.
A Condessa de Stroganoff, da família
que deu nome ao prato, organizou um
duelo entre a imperatriz Catarina 2ª e o
rei sueco Gustavo 4º em 1796. Detalhe:
era xadrez gigante, com peças humanas.
Em uma foto de 1908, o líder bolche-
vique Vladimir Lênin joga uma parti-
da com seu rival de partido Alexander
Bogdanov – autor de ficção científica
e médico pioneiro da transfusão san-
guínea. Eles estão na casa do célebre
escritor Maxim Gorki, na Itália. Lênin
(que, segundo Gorki, tinha chiliques
mimados quando perdia) não deixou
de jogar nem durante o exílio de três
anos na Sibéria antes da Revolução de
1917: os movimentos das peças iam e
voltavam por correspondência.
O xadrez surgiu a partir de um jogo
indiano do século 6, chamado chatu-
ranga – que tinha um elefantinho no
lugar do bispo. Chegou aos persas, es-
palhou-se pela Ásia e entrou na Rús-
sia pela Sibéria no século 9. Deu match
com o temperamento russo e virou o
passatempo preferido da aristocracia
imperial. Mas só caiu de vez no gosto do
povo séculos depois, de maneira preme-
ditada – quando foi transformado em
arma política pelos soviéticos. Nikolai
Krylenko, um influente assecla de Stá-
lin, disse: “Vamos organizar brigadas
de choque de jogadores, e começar um
plano quinquenal”.
A ideia era que um jogo lógico e
racional – o favorito do alemão Karl
Marx, diga-se – servisse como demons-
tração da superioridade intelectual da
50 super fevereiro 2021
SI_424_Xadrez.indd 50
URSS sobre os países capitalistas. Seria pode conseguir. A faixa preta. Na mes-
fácil implantá-lo: as peças podem ser ma época, conquistou o primeiro dos
fabricadas em larga escala, e a única seus oito campeonatos nacionais. Em
infraestrutura necessária é uma mesa. 1964, com 21 anos, participou de uma
Além disso, a população já nutria algu- partida simultânea contra 50 pessoas e
ma simpatia pelo tabuleiro alvinegro, e venceu 47 delas. Quem viu O Gambito
havia um herói nacional recente para da Rainha na Netflix já notou que ele é
exaltar: Mikhail Chigorin, que esteve uma versão masculina da personagem
no top 5 mundial no final do século 19 e Beth Harmon.
batizou vários lances. Logo, o xadrez foi Como Beth, o herói da vida real tinha
incorporado ao treinamento de todos problemas familiares. A mãe do prodí-
os recrutas das Forças Armadas. gio, Regina, era suíça, filha de judeus
“O Partido Comunista acreditava que poloneses, e fugiu para os EUA na 2ª
o xadrez poderia ser de grande utilidade Guerra para escapar dos nazistas em →
para elevar o nível cultural das massas
trabalhadoras”, escreveu o historiador
Michael A. Hudson. “O encorajamento
oficial fez do xadrez um componente
cultural significativo na vida dos cida-
Fischer era a
dãos.” Stálin mobilizou a máquina de
propaganda, e seus assessores chegaram
Beth Harmon
a forjar as sequências de movimentos
de partidas fictícias do ditador. da vida real:
Todo esse incentivo rendeu frutos
em 1948, quando Mikhail Botvinnik um americano
venceu o primeiro Campeonato Mun-
dial organizado pela Federação Inter- contra a URSS.
nacional de Xadrez, a Fide. Foi o início
da hegemonia soviética na competição:
todos os campeões das duas décadas
seguintes eram de lá. Os EUA, do outro
lado da Guerra Fria, sequer conseguiam
chegar à final. Vontade de provocar os
soviéticos não faltava. Faltava tradição
mesmo. A sorte ianque só começou a
mudar no fim dos anos 1960, graças a
um garoto tímido do Brooklyn.
O gênio
“O xadrez não é algo que enlouquece as
pessoas. O xadrez é algo que mantém as
pessoas loucas sob controle”, disse o psi-
cólogo (e enxadrista) William Hartston.
De fato, Robert James Fischer – vulgo
Bobby Fischer – era uma criança obce-
cada. Durante as refeições, era comum
haver livros de xadrez sobre a mesa,
dividindo espaço com a comida. Ele
jogava contra si mesmo até no metrô
– mexendo peças de velcro em um tabu-
leiro portátil de tecido enquanto o trem
cruzava as pontes de ferro de Nova York.
Não demorou para que o prodígio
ganhasse notoriedade no clube de
xadrez de Manhattan e, depois, em
torneios regionais. Em 1958, aos 15
anos, Bobby se tornou o mais jovem
Grão-Mestre (GM) até então – e esse
é o título mais alto que um enxadrista
Fontes: livros Fischer-Spassky: Move by Move, de Larry Evans e Ken Smith; Reconstructing Lenin, an Intellectual
Biography, de Tamás Krausz; The Immortal Game: A History of Chess, de David Shenk; documentário Bobby Fischer contra o mundo,
da HBO; site Chess.com e acervos dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, The New York Times e das revistas Veja e Time.
Agradecimento: Marius van Riemsdijk, professor e árbitro internacional de xadrez.
09/02/21 18:42
 fischer vs. Spassky
Acompanhe como foram os 21 jogos do duelo entre o america-
no e o soviético pelo título mundial de xadrez em 1972. O tama-
nho da barra indica a duração da partida – e a cor, o vencedor.

Vitória de Spassky
(1 ponto)
Fischer força o adiamento do Após faltar no jogo 2 e perder O jogo 16 foi o único com
jogo 1 de 2 para 11 de julho, automaticamente, Fischer to- registro de tempo comple- Vitória de Fischer
e chega impaciente. Reclama pa voltar para o jogo 3 caso ele to em que Fischer pensou (1 ponto)
do público e das câmeras de ocorra em uma sala fechada mais do que Spassky: 2:32 de Empate (1/2 ponto
TV. No final, comete uma gafe no fundo da arena. Spassky ruminação do americano con- cada um)
e perde a partida. aceita. E Fischer ganha. tra 2:18 do soviético.
Duração da partida
não foi registrada.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

Fischer não 09:05

compareceu.
06:42

06:35
06:32
06:09
06:02

não há registro
não há registro
05:02
05:11
05:03

04:50
04:52

04:41
04:35

03:56
03:50

03:33
03:29

03:18

Os adversários
se revesam para
jogar com as pe-
ças brancas – que
fazem o primeiro
movimento.

SPA FIS SPA FIS SPA FIS SPA FIS SPA FIS SPA FIS SPA FIS SPA FIS SPA FIS SPA FIS SPA
11/jul

13/jul

16/jul

18/jul

20/jul

23/jul

25/jul

27/jul

01/ago

08/ago

10/ago

15/ago

17/ago

20/ago

22/ago

24/ago

27/ago

29/ago
03/ago

06/ago

31/ago

final

SPA 1 1 0 1/2 0 0 1/2 0 1/2 0 1 1/2 0 1/2 1/2 1/2 1/2 1/2 1/2 1/2 0 8,5
fis 0 0 1 1/2 1 1 1/2 1 1/2 1 0 1/2 1 1/2 1/2 1/2 1/2 1/2 1/2 1/2 1 12,5

No jogo 5, Spassky perde – e Fischer abre o jogo 6 com um Aqui, ocorreu algo que aparece O jogo 21 é o último. A partida
dá um chilique típico de Fis- gambito da dama – uma jo- na série O Gambito da Rainha: é pausada, como no 17. De-
cher. Ele exige que examinem gada inédita em sua carreira. os dois topam pausar o jogo e pois de passar a madrugada
cadeiras, lâmpadas, mesa etc. Spassky não conseguiu reagir, continuá-lo no dia seguinte. O analisando, Spassky anuncia
em busca de alguma sabota- perdeu e aplaudiu junto com a primeiro lance pensado para o a desistência por telefone na
gem contra a URSS. A inspeção plateia. Este é o mais clássico dia seguinte fica lacrado em um manhã seguinte. Fischer é o
encontra duas moscas mortas. dos 21 jogos. envelope até a retomada. novo campeão mundial.

fevereiro 2021 super 51

SI_424_Xadrez.indd 51 09/02/21 18:42


1939. Bobby nasceu em Chicago em
1943, e a família viveu quase como nô-
made até se estabelecer na periferia de
Nova York. A mãe criou sozinha Bobby
e sua irmã mais velha, Joan, e escondeu
dos filhos a identidade do pai – o jovem
Fischer só descobriu que era filho de
um cientista alemão aos 9 anos.
Nos anos 1960, Regina se tornou
ativista ferrenha contra a Guerra do
Vietnã, o que rendeu uma ficha de
994 páginas no FBI. Já é envolvimen-
to demais com o governo para uma
família só. Mas Bobby logo seria mais
vigiado que a mãe: quando ficou claro
que ele era o melhor enxadrista dos
EUA, ficou claro também que ele era
a única esperança do Tio Sam contra
a hegemonia soviética no tabuleiro.
O sumido
A Copa do Mundo do xadrez é o Tor-
neio de Candidatos, disputado por 8 a
16 enxadristas. Esses jogadores de elite,
que se qualificam jogando outros cam-
peonatos, se enfrentam em um mata-
-mata tradicional: oitavas – caso haja
jogadores suficientes –, quartas, semi-
finais e final. O vencedor ainda não é o
Hege-
1948
1957
monia
M. Botvinnikv
V. Smyslov
Jogadores da
URSS foram
campeões
mundiais
durante toda
a Guerra Fria
– Fischer foi a
única exceção. urss
52 super fevereiro 2021
SI_424_Xadrez.indd 52
campeão do mundo: ele ganha o direito
de jogar uma partida contra o campeão
do mundo. É como se o Palmeiras, após
vencer a Libertadores 2020, tivesse um
lugar garantido na final de 2021 – e aí
os demais clubes brigassem para ver
quem vai desafiar o porco.
Em um mata-mata de futebol, cada
par de times disputa um ou dois jogos.
No basquete da NBA, os times travam
sete jogos entre si – quem ganhar quatro
primeiro leva. No xadrez daquela época,
as disputas eram de até 24 jogos, espaça-
dos um ou dois dias entre si. Cada jogo
valia um ponto; o empate, meio ponto.
Em outubro de 1971, com 28 anos,
Bobby Fischer chegou à final do Tor-
neio de Candidatos contra o soviético
Tigran Petrosian, em Buenos Aires.
Era uma melhor de 12. O americano
ganhou cinco, Petrosian, só uma. Eles
empataram três. Placar final: 6 ½ x 2
½. Assim, Fischer pôde desafiar o so-
viético Boris Spassky, que detinha o
título mundial desde 1969. O primeiro
jogo ocorreria em Reykjavik, capital da
Islândia, em 2 de julho de 1972. Bobby
estava confiante. Contratou um trei-
nador olímpico para praticar natação
“Quando eu
apertar a mão
do russo, que-
ro que ele sin-
ta para valer.”
1958
1960
1963
1961
M. Botvinnik
M. Tal
M. Botvinnik
T. Petrosian
estados unidos
e musculação – incluindo exercícios
para fortalecer o antebraço: “Quando
eu apertar a mão do russo, quero que
ele sinta para valer”.
Em uma entrevista no talk show de
Dick Cavett, meses antes da final, Bobby
simulou no tabuleiro a vitória contra
Petrosian na Argentina. Egocêntrico,
falava largado na poltrona e batia as
peças com violência no tabuleiro, como
se elas lhe devessem dinheiro. Cavett
perguntou: “Se Spassky empatar todos
os jogos de propósito, ele continua com
o título. Um Grão-Mestre faria isso?”
“Claro que faria. Mas eu não vou deixar.”
A data se aproximou. E a mídia deu
atenção inédita: após anos de soviéticos
disputando o troféu entre si, a Guerra
Fria finalmente seria encenada no ta-
buleiro. Spassky, na época com 35 anos,
tentou driblar o fuzuê. Seguindo a car-
tilha de outros enxadristas soviéticos,
chegou a Reykjavik 12 dias antes da fi-
nal, para se ambientar. Em sua comitiva
havia outros dois GMs, que o ajudariam
a bolar estratégias. Por sua vez, Fischer
se refugiou em uma casa isolada em
Long Island, fora dos limites de Nova
York. Permaneceu incomunicável até
a data do jogo – e aí deixou o avião
decolar para a Islândia sem ele. A Fide,
consternada com a ausência, prorrogou
o prazo, mas deu um ultimato: se Bobby
não aparecesse nas próximas 48 horas,
o título continuaria com o russo.
O sumiço não era novidade: o ameri-
cano tinha um caso clínico de paranoia, e
já havia abandonado campeonatos antes
dizendo ser vítima de boicote. No caso
da final contra Spassky, a primeira ale-
gação foi que o prêmio (US$ 774 mil
em valores de hoje) não condizia com a
importância da partida. James D. Slater,
um banqueiro e fã, dobrou a grana. Até
2005
2000
2006
2002
2004
2007
1985
1969
1999
1993
2013
1975
1972
B. Spassky
B. Fischer
A. Karpov
G. Kasparov
A. Karpov
A. Khalifman
V. Anand
R. Ponomariov
R. Kasimdzhanov
V. Topalov
V. Kramnik
V. Anand
M. Carlsen
rússia índia ucrânia uzbequistão bulgária noruega
09/02/21 18:42

o diplomata Henry Kissinger, assessor
sênior e confidente do presidente Nixon,
ligou para Fischer para convencê-lo a
aceitar. A palhaçada ufanista atingiu
níveis extraordinários: o enxadrista
cedeu e embarcou em 4 de julho – dia
da Independência dos EUA.
O duelo
O faniquito virou piada no mundo todo:
“Se Fischer gostar da iluminação, não
implicar com o peso das peças, achar
boa a distância que os espectadores
manterão e aprovar o ar de Reykjavik,
SI_424_Xadrez.indd 53
Mequinho:
aos 19 anos,
o prodígio se
tornou o primei-
ro Grão-Mestre
brasileiro.
então tudo estará bem. E começará hoje,
às 17 horas (de Brasília), o primeiro dos
24 jogos entre ele e Boris Spassky pelo
título mundial de xadrez.” Isso é um
texto que saiu na Folha de S. Paulo em 11
de julho de 1972. Sim, na Folha. Xadrez,
na época, era assunto para jornal.
Nervoso com a transmissão ao vivo,
Fischer deu bobeira no final do primei-
ro jogo, pôs um bispo em uma posição
ruim e perdeu. Consternado, não saiu do
quarto do hotel para a segunda partida
– e os juízes anotaram mais um ponto
para Spassky. Impaciente com o sumido,
O brasileiro
Mequinho era
o 3º do mundo
em 1978 – foi
capa da Veja.
Spassky concordou em realizar o ter-
ceiro jogo em um quarto de vassouras
nos fundos da arena, para tranquilizar
Fischer. Apenas uma câmera de segu-
rança vigiava os dois. E assim Fischer
anotou a primeira vitória. 2 x 1.
“No Brasil, as jogadas chegavam por
telex [aparelho semelhante ao telégrafo]”,
conta Herman Claudius van Riemsdijk,
enxadrista brasileiro nascido na Holan-
da e três vezes campeão nacional. Ele
manteve uma coluna sobre o esporte
no Estadão por mais de 30 anos. “Assim
que as informações chegavam, eu corria
para escrever as análises. Em dias de
jogo, ajudava também a Rádio Eldorado,
que fazia boletins a cada meia hora.”
A sexta partida, em 23 de julho, é con-
siderada a mais emblemática da história
do xadrez. Fischer começou com as peças
brancas, que sempre dão o primeiro lan-
ce. E, quando estava de brancas, ele fazia
sempre a mesma coisa: começar andando
duas casas com o peão que fica na frente
do rei, na fileira E. É a abertura mais tra-
dicional do jogo. Nessa ocasião, porém,
abriu com o peão da fileira C, a do bispo.
E aí transpôs a partida para algo chamado
gambito da dama – quando as brancas
oferecem um peão às pretas no lado es-
querdo do tabuleiro (o lado da dama) em
troca de uma posição melhor. Essa é a
origem do nome da série da Netflix: em
português, “rainha” é errado – o nome da
peça é “dama”.
Foi a primeira vez que Fischer jogou
o gambito na vida. Spassky até ouviu
boatos de que isso ocorreria e preparou
uma defesa com a qual era invicto. Mas
não foi suficiente. Fischer navegou a
estratégia alienígena com perfeição e
dominou o jogo do começo ao fim.
Foi aplaudido de pé, inclusive por
seu oponente. Dick Cavett comparou →
fevereiro 2021 super 53
09/02/21 18:42
 o evento ao Super Bowl, a final do
futebol americano.
A dupla jogou outras 14 partidas, O gambito 1. Fischer inventa moda
Quando estava
que se estenderam até o final de agosto.
No gráfico da pág. 57, você vê todas as da rainha com as peças
brancas – que
vitórias, empates e derrotas, bem como começam –,
a duração dos jogos. No dia 31, eles se O nome da série é uma jo- Fischer sempre
encontraram para o 21º confronto. O gada de abertura – que Fis- movia primeiro
cher usou para surpreender o peão na frente
placar, àquela altura, era 11 ½ x 8 ½ para do rei. No jogo 6,
Fischer. Spassky precisava no mínimo Spassky no jogo 6. Entenda
ele mudou: usou
de um empate – se o americano ganhas- como ela funciona. o do bispo.
se, faria 12 ½ e levaria o mundial.
Fischer e Spassky passaram 4h40
no jogo. E aí concordaram em pausá-
-lo para pensar e dormir. Quando isso
acontece, um dos jogadores anota qual
será o primeiro lance do dia seguinte em
um envelope – que só é aberto na hora
de retomar o jogo. Na manhã seguin-
te, porém, os dois sequer apareceram.
Após ponderar sobre sua posição no
tabuleiro, Spassky desistiu por tele-
fone. Fischer fugiu da imprensa para
observar, sozinho, os animais em uma
colina nos arredores da cidade. Ele era
o Maradona do xadrez; seu personagem
era tão grande quanto o talento.

O brasileiro
De um dia para o outro, todo mundo
quis ser enxadrista. “O número de
membros do clube de São Paulo saltou
de 300 para mais de mil”, conta Her-
man van Riemsdijk. Mas o verdadeiro
fenômeno brasileiro já estava saindo do
forno no Rio Grande do Sul – e calhou
de viver o auge de sua carreira justa-
mente na época em que o jogo viveu
esse pico de popularidade.
Nos anos 1950 – quando os EUA nem
sonhavam que venceriam a URSS um dia
–, Herman e a família foram morar em
Pelotas. Lá, o jovem holandês começou a
jogar xadrez com um garotinho chamado
Henrique Costa Mecking, o Mequinho.
Com 5 anos, o garoto já era um gênio
das damas. Com 6, aprendeu xadrez – e
se tornou implacável. Aos 12 anos, Me-
quinho já era campeão estadual. Faltava
o troféu nacional, que veio no ano se-
guinte. Em 1971, com 19 anos, venceu
o seu primeiro torneio internacional e
foi recebido no Aeroporto do Galeão Fischer, já idoso,
por uma bateria de escola de samba da ganhou abrigo
torcida do Flamengo. na Islândia. Mor-
No início de 1972, Mequinho se reu em 2008, aos
64 anos.
tornou o primeiro Grão-Mestre brasi-
leiro. A conquista, aliada à proximidade
da final Fischer vs. Spassky, fez com

54 super fevereiro 2021

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 2. Spassky assusta
Abrir com outro
peão parece bo-
bo, mas significa
uma mudança de
estratégia – que
Spassky não es-
perava. Essa é a
posição no ta-
buleiro após os
primeiros lances.
que ele virasse um ícone pop. Em 1973,
estampou uma capa da Veja. Franzino,
com cabelo mal-ajambrado e óculos
fundo de garrafa, foi o primeiro herói
nerd do Brasil. Herói mesmo. Em 1974,
na música “Super-Heróis”, Raul Seixas
cantou: “Quem que no Brasil não reco-
nhece / o grande trunfo do xadrez? / Saí
pela tangente disfarçando uma possível
estupidez./ Corri para um cantinho pra
dali sacar o lance de mansinho. / Adi-
vinha quem era? Mequinho!”
Ele chegou a figurar em terceiro
lugar no ranking mundial da Fide.
Participou duas vezes do Torneio de
Candidatos, mas não teve lance de man-
sinho: caiu na primeira fase em ambas.
A queda
Ao longo da década de 1970, a fama e a
paranoia de Fischer cresceram no mes-
mo ritmo. Em 1975, cobrou que a Fide
acabasse com o formato de 24 jogos
das finais porque ele estimulava que os
jogadores forçassem empates. A Fide
até acatou a exigência, mas eles discor-
daram nos detalhes e Fischer não quis
defender o título, que caiu automatica-
mente nas mãos daquele que seria seu
desafiante, o soviético Anatoly Karpov.
SI_424_Xadrez.indd 55
3. O gambito da dama
Um gambito é um
sacrifício – nes-
sa configuração,
as brancas ofe-
re c e m o p e ã o
circulado. Se as
pretas decidem
capturá-lo, a po-
sição das bran-
cas melhora.
Com o tempo, a reclusão aumentou,
Bobby parou de frequentar torneios e
se envolveu com uma seita religiosa.
Em 1992, Fischer e Spassky jogaram
uma reedição comemorativa da final de
1972. O confronto aconteceu na Iugos-
lávia – que, na época, estava no meio de
uma guerra que desmembrou o país. O
problema: a presença de Fischer naque-
le território violaria um embargo das
Nações Unidas, gerando um quiprocó
diplomático para os EUA. O governo
enviou uma carta a Bobby, pedindo para
que ele não jogasse. Em uma coletiva
de imprensa, ele cuspiu no documento.
Fischer nunca
mais pisou
nos EUA – ele
seria preso
imediatamente.
Fischer venceu Spassky novamente,
embolsou alguns milhões de dólares e
nunca mais pisou nos EUA – havia um
mandado de prisão esperando por ele.
Passou o restante de seus anos como
um nômade; morou na Hungria e no
Japão. Vez ou outra, aparecia na mídia
com opiniões dignas de caixa de comen-
tários do G1: no 11 de Setembro, por
exemplo, disse que “já era tempo de os
EUA levarem uma surra”. Em 2005, a
Islândia ofereceu cidadania e moradia a
Bobby. Ele morreu em 2008, aos 64 anos,
na mesma terra em que se consagrou.
4. A defesa Tartakower
Spassky recusa o
gambito e deixa
o peão lá. Ele usa
uma defesa com
a qual era invic-
to, chamada Tar-
takower. Mesmo
assim, perde – e
aplaude Fischer
de pé ao final.
A carreira de Mequinho também foi
interrompida prematuramente, aos 25
anos, quando descobriu ser vítima de
miastenia, uma rara doença autoimune
que compromete a comunicação entre
o sistema nervoso e os músculos. Hoje,
ele mora em Taubaté (SP). Quase cura-
do, disputa torneios às vezes. É católico
fervoroso e compartilha com Fischer a
genialidade, o trauma dos soviéticos e a
paranoia: “No terreno do xadrez houve
muitos crimes e terrorismo”, afirmou
em entrevista à Veja em 2020. “Tentaram
derrubar meu avião para as Filipinas,
ameaçaram envenenar minha comida.
Não vou citar nomes, mas tem um país
comunista que sempre quis que só os
representantes deles fossem campeões.”
O xadrez dificilmente terá de novo a
mesma relevância geopolítica dos anos
1970. Mas o jogo está passando por um
surto de popularidade graças à pande-
mia e à série O Gambito da Rainha. No
começo de 2020, segundo a Fide, rolavam
11 milhões de partidas diariamente. O
número subiu para 17 milhões.
Muitos jogadores de alto nível atu-
ais (incluindo Grão-Mestres) são you-
tubers millennials bem-humorados, que
dão aulas em seus canais, fazem memes
sobre lances bizarros e jogam ao vivo
contra fãs. Esses novos ídolos têm al-
go em comum: todos já postaram um
vídeo disputando contra uma inteli-
gência artificial do site chess.com que
simula Beth Harmon (a personagem
tem um estilo próprio realista, já que a
Netflix chamou GMs para criar as par-
tidas da série). Se Bobby Fischer era
o ídolo perfeito para os anos 1970 – um
Rocky do tabuleiro vigiado pela CIA –,
então a diva vintage da Netflix é uma
heroína talhada para os anos 20 do
século 21. Cada geração com seu
grande trunfo do xadrez. S
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1248591-VOCE S_A-1_1-1.indd 56 09/02/2021 12:27:10
1248588-SAUDE-1_1-1.indd 57 09/02/2021 12:24:00
 oráculo ilustrações júlia lacerda Edição Bruno Vaiano design juliana Alencar
250
frames por segundo (fps).
É a resolução temporal
da visão das moscas. Para
um humano, 24 fps já dão
ilusão de movimento. (1)

Porque elas evoluíram para fugir com eficácia – não

fique triste, o seu fracasso está dentro da média. O pri-
meiro trunfo da mosca é a facilidade com que identifica

Por que é tão

uma ameaça se aproximar: seus olhos são formados por
cerca de 3 mil pequenos componentes chamados omatí-
deos, que lhe dão quase 360º de visão periférica. Além
disso, o inseto tem sensores que detectam pequenas

difícil matar
perturbações no ar ao seu redor. Aí é só pôr em prática
o plano de fuga: em 100 milissegundos – o tempo de
um piscar de olhos –, o bichinho identifica a direção da
qual vem o tapão e move suas pernas de modo a decolar
na direção oposta. Uma vez no ar, a mosca bate as asas

uma mosca?
220 vezes por segundo, e usa estruturas peculiares no
tórax – chamadas de halteres ou balancins – para mu-
dar de direção rapidamente sem perder estabilidade. Da
perspectiva dela, um sapiens é grande (e lento) demais
@joao_hen_, via Instagram
para alcançar a mesma agilidade. (2)

58 super fevereiro 2021

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 Animais têm sotaques?
@solrac_hayd, via Instagram

Sim. Os biólogos chamam essas diferenças regionais de dialetos. Essa é uma

descoberta antiga: 2 mil anos atrás, Plínio, o naturalista romano, já havia
observado que exemplares da mesma espécie de pássaro provenientes de
lugares diferentes não soam iguais. Isso é possível porque as vocalizações
de um sabiá ou bem-te-vi não vêm prontas no DNA: precisam ser aprendi-
das pelos bebês, exatamente como as linguagens humanas. E quando há
aprendizado, a variação se torna inevitável. É importante diferenciar dialetos
de variações genéticas. Galinhas brasileiras e chinesas provavelmente não
pertencem à mesma linhagem. E pequenas variações anatômicas significam
que elas vão cacarejar diferente. Mas essa é, por assim dizer, a “voz” dessas
aves – não o sotaque. Outra possibilidade é que vocalizações diferentes
evoluam por seleção natural conforme as necessidades de cada população.
Essas são adaptações genéticas, e não variações culturais. (3)

Plantas percebem sons? De onde vem “vermelho” se em

pá pum @maiolidaniel, via Instagram outras línguas o nome é com “r”
(rouge, red, rojo etc.)?
Sim. Uma onda sonora é uma vibra- @maiolidaniel, via Instagram
ção que se propaga no ar. E algumas
plantas detectam essa vibração da Vem do latim vermiculum, diminutivo de
Um chumaço de algo- maneira como uma pessoa surda vermis, que significa “verme”. Essa palavra
dão molhado na testa sente no peito o baque grave de também existe em inglês e francês – vermillion
faz o soluço passar? um subwoofer na balada (e assim é –, mas se refere a um tom específico de verme-
@alefpbraz, capaz de dançar). Ou seja: é possível lho. A explicação é que, na Antiguidade, a úni-
via Instagram
que um ser vivo reconheça ruídos ca maneira de se obter pigmento vermelho era
Não: é só uma simpatia, pelo tato, como propagações de esmagando um inseto chamado cochonilha
sem comprovação. energia na atmosfera, ainda que – cujo nome científico atual, não por coincidên-
não haja a experiência subjetiva cia, é Kermes vermilio. “Mas Oráculo”, você dirá,
da audição. Por exemplo: em um “inseto e verme são coisas diferentes’’. Explique
número incrível experimento de 2014, verificou-se para os romanos: na época, qualquer bichinho

87,5%
que plantas Arabidopsis thaliana abjeto era “verme”, sem preocupações taxo-
identificam o ruído da mastigação nômicas. Nas outras línguas, o nome vem
de uma lagartinha, e produzem do protoindo-europeu (PIE), falado há 3 mil
mais toxinas em suas folhas para anos, que deu origem ao latim, ao grego e ao
combatê-las. Por sua vez, a prímu- sânscrito. Em PIE, “vermelho” se dizia *reudh.
das plantas com flores
la-da-noite é uma flor capaz de au- Essa palavra deu origem a rouge, red, rojo e
dependem de animais
como insetos, morcegos e mentar o teor de açúcar do próprio “roxo” e “rubro” em português. Na época de
aves para polinização. (4) néctar ao detectar o zumbido da Camões, os portugueses ainda usavam roxo
abelha polinizadora chegando. (6) como sinônimo de vermelho. (7)

OUTRO DADO
RELEVANTE SEM
NENHUMA LIGAÇÃO Por que o telefone Porque ele não precisa da energia elétrica da sua casa para
com fio funciona mes- funcionar. Nas centrais telefônicas, há baterias (geralmente de 48

87,5%
mo quando estamos V) que são utilizadas para abastecer os aparelhos de quem assina o
sem luz? serviço. A alimentação chega pelos mesmos fios que transmitem sua
@joao_hen_, voz. Essas baterias podem ser recarregadas por geradores caso acabe
via Instagram a luz também na central – mas isso raramente é necessário, já que
do café do Brasil é telefones gastam pouco e a bateria demora para esvaziar. O telefone
produzido na região sem fio, por sua vez, exige uma potência maior, que não pode ser
Sudeste. (5) fornecida pela operadora. É por isso que ele vai na tomada. (8)
Reportagem: Bruno Carbinatto, Carolina Fioratti, Maria Clara Rossini, Rafael Battaglia. Fontes: (1) release “UC Berkeley scientists find key to fly’s maneuverability and the speed
with which they elude fly swatters”; (2) Paula Raile Riccardi, bióloga, IB-USP; (3) Daniel Pessoa, biólogo, UFRN; artigo “Dialects in animals: Evidence, development and potential
functions”; (4) artigo “How many flowering plants are pollinated by animals?” (5) Embrapa; (6) Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo da Embrapa; artigo “Plants respond to
leaf vibrations caused by insect herbivore chewing”; (7) Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (DELPo), da USP; (8) Luiz Cezar Trintinalia, engenheiro elétrico, Poli-USP. fevereiro 2021 super 59

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 oráculo

Se eu já tiver anticorpos contra covid-19 e

doar sangue, o receptor também se imuniza?
@gheuren, via Instagram

Pode acontecer. Precisamos antes explicar o básico sobre transfusões. O

sangue tem dois componentes básicos: o plasma e os glóbulos vermelhos. Eles
são separados após a coleta. Quando você imagina uma bolsa de sangue para do-
ação, você pensa numa bolsa de glóbulos vermelhos. Afinal, ela é vermelha. Mas
também existem bolsas de plasma, que é um líquido translúcido ligeiramente
amarelado. É no plasma que ficam os anticorpos. Existem tanto transfusões de
plasma quanto de glóbulos vermelhos. Tudo depende das necessidades clínicas
do paciente receptor. Se houver uma bolsa de plasma com anticorpos contra
o novo coronavírus, há alguma chance de que o receptor dela se torne, por
acidente, imune ao dito-cujo. O nome disso é “imunização passiva”. Ela acaba
quando os anticorpos acabarem – eles duram no máximo algumas semanas, e
evidentemente só poderiam ser repostos com outra bolsa de plasma do mesmo
doador. A vacina, por outro lado, ensina seu sistema imunológico a fabricar
anticorpos contra aquela ameaça específica pelo resto da vida. A possibilidade
de usar o plasma de convalescentes (esse é o termo técnico) como terapia
contra a Covid-19 está sendo estudada por pesquisadores de todo o mundo. (1) .

Por que a tecnologia bluetooth se chama Água tem memória?

literalmente “dente azul”? @icafreitas, lista
@joaol_morais, via Instagram via Instagram Qual foi o jogo
de futebol com a
O nome é uma homenagem ao rei Haroldo Gormsson Não. Essa história surgiu maior goleada?*
da Dinamarca, conhecido como Haroldo Dente-Azul. O graças a defensores da
monarca viveu no fim do século 10 e entrou para a história homeopatia. Remédios
por ter unificado a Dinamarca e a Noruega em 958, além de homeopáticos são tão
introduzir o cristianismo à Escandinávia. A alcunha se refe- diluídos que a maioria Todos os gols do item 1
re a um dente necrosado na boca de Haroldo, que assumiu das pílulas ou frascos não foram contra – um protesto
um tom azulado. Mil anos depois, em 1996, representantes contém sequer uma mo- dos jogadores contra a
arbitragem. Os itens 2 e 3
de três grandes nomes da indústria de telecomunicações na lécula do princípio ativo.
ocorreram no mesmo dia.
época – Intel, Ericsson e Nokia – se reuniram para planejar Esse é um dos motivos
a implementação de uma tecnologia capaz de conectar pelos quais eles funcionam 149 x 0
1 AS Adema x SOE
aparelhos sem fio a curtas distâncias. Na conversa, o apenas por efeito placebo.
americano Jim Kardach, que havia ouvido a história do Tal diluição levou alguns Antananarivo
Madagascar, 2002
rei Haroldo de amigos suecos, sugeriu o nome Bluetooth homeopatas a explicar
como um apelido temporário para o projeto. Como a ideia que as propriedades te- 36 x 0
era justamente conectar aparelhos – do mesmo jeito que rapêuticas viriam de uma 2 Arbroath x Bon Accord
Haroldo conectou países –, a piada pegou e ficou. (2) “memória” que a água Escócia, 1885
guarda das substâncias
porque esteve em contato 35 x 0 Dundee Harp x
3 Aberdeen Rovers
com elas antes da diluição.
Escócia, 1885
A memória se manifes-
PERGUNTE taria na forma de certas
AO ORÁCULO peculiaridades na organi- 4
31 x 1 Austrália x
Samoa Americana
Escreva para zação das moléculas de Austrália, 2001
oraculo@abril.com.br H2O. Mas não há nenhum
mencionando sua cidade e estudo científico com me- 30 x 0
Estado – ou mande a pergunta todologia confiável que 5 Taiti x Ilhas Cook
via direct no Instagram.
corrobore essa ideia. (3) Taiti, 1971

60 super fevereiro 2021

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 Só acredito Qual é o menor Desde que caibam você e sua comida, está
valendo. “Muitas vezes, uma embarcação pe-

vendo quena consegue lidar melhor com as ondas”, diz

barco capaz de Alexandre Simos, professor de engenharia naval

da Poli-USP. “O barco grande é mais pesado, bate

cruzar o oceano? de frente. Um menor acompanha as oscilações

de forma mais tranquila.” Abaixo, cinco pequenos
barcos que fizeram grandes travessias:
@veiguinhaboy, via Instagram

1965 78 dias
falmouth 4,840 km falmouth
(EUA) (inglaterra)

1983 62 dias
st. john’s 3,536 km porto
(canadá) (portugal)

1984 100 dias

lüderitz 5,770 km camaçari
Nota: na lista, Amyr Klink foi o único que realizou sua travessia a remo – os demais barcos eram a vela.

(namíbia) (brasil)

1993 134 dias

lisboa 6,642 km fort lauderdale
(portugal) (eua)

1993 105 dias

st. john’s 3,436 km falmouth
(canadá) (inglaterra)

tinkerbelle giltspur i.a.t vera hugh father’s day

navegador: navegador: navegador: navegador: navegador:
robert manry tom mcclean amyr klink tom mcnally hugo vihlen

Qual é a vacina mais eficaz da história? hits da imunidade

Luana Paiva, Divinópolis, MG

Não dá para comparar a eficácia de vacinas para doenças diferentes.

Cada patógeno oferece um desafio próprio – seria injusto acusar a
vacina anual da gripe de ser menos eficaz que as outras consideran-
do que o vírus influenza evolui novas cepas muito mais rápido. De
fato, sequer é recomendável contrapor as eficácias de imunizantes A vacina tetraviral, o A eficácia da gotinha O vírus da gripe
nome já diz, previne contra a poliomielite, (influenza) muda
para uma mesma doença. Embora a divulgação desse dado tenha
quatro doenças que pode levar à para- rápido para driblar
se tornado comum na Covid-19 – algo inédito, já que nunca houve simultaneamente: lisia infantil, é de 90%. sua imunidade. Por isso,
tantos laboratórios trabalhando em um produto só –, cada fabricante sarampo, caxumba, O Brasil registrou a vacina é atualizada
adota critérios diferentes em seus testes clínicos. A única forma de rubéola e catapora. seu último caso da anualmente. A eficácia
equiparar as vacinas seria padronizar os protocolos. (4) Sua eficácia é de 95%. doença em 1898. fica entre 40% e 60%.

Fontes: (1) André Nicola, da Faculdade de Medicina da UnB; (2) site oficial da tecnologia Bluetooth; (3) Instituto Questão de Ciência (IQC); (4)Momt-
chilo Russo, imunologista, ICB-USP, Luiz Gustavo Almeida, microbiologista, IQC e ICB-USP. *Consideramos apenas partidas de futebol masculino. No
site da Super, você encontra dados sobre a modalidade feminina. Dados coletados na footballdatabase.eu. fevereiro 2021 super 61

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 oráculo

Quem já teve Covid Quem publicou o primeiro

precisa tomar vacina? artigo científico?
Eduardo Jenner, Itu, SP @ps6ps9, via Instagram

Sim. E precisa continuar de O primeiro periódico científico

máscara também. A imuni- nos moldes atuais foi o Journal
dade adquirida naturalmente des Sçavans – ao pé da letra,
pode variar um bocado. Os “diário dos sábios”–, cuja edição
anticorpos contra a Covid-19 inaugural saiu na França em 5
duram algo entre cinco e sete de janeiro de 1665. Todos os
meses após a infecção. Se os artigos que estavam ali podem
sintomas foram muito leves, ser considerados os primeiros.
três. O que garante a imunidade O número de estreia continha,
após esse período são células por exemplo, um texto de
de memória, que reconhecem um certo Martini Schoockii (a
o vírus e reagem. Apesar de grafia, hoje, foi padronizada
raras, reinfecções são cada vez como Martinus Schoock)

Qual foi
mais frequentes. Sinal de que, sobre esternutações – ou seja,
nos casos mais leves, de carga espirros. Ele enviou o texto de
viral baixa, a memória não é tão “Amstelodami”: Amsterdã em
eficaz. Sendo assim, você pode latim. Outro autor foi identi-

o 1º esporte?
continuar transmitindo o vírus ficado como “Jacobo Houuel,
em caso de reinfecção, mesmo anglo, londini” – ou seja: Jacob
que não apresente sintomas. A Howel, inglês, de Londres. Há
vacina é uma solução coletiva: ainda um artigo não assina-
@muracampos, via Instagram não serve só para proteger o do – algo impensável nos dias
vacinado, mas para interromper atuais – que trata das ideias de
Considerando que acertar presas com lanças era algo a circulação do vírus. (2) Descartes sobre fetos. (3)
comum inclusive entre os neandertais, pode-se dizer que o
lançamento de dardos foi a modalidade inaugural. Há evidên-
cias arqueológicas de que os seres humanos já treinavam para
a tarefa no intervalo entre saídas para caça, há cerca de 70 mil
anos. É provável que competissem entre si. Se você não estiver
convencido por essa versão – afinal, praticar o arremesso era Lost in
essencial para conseguir o almoço, e não uma tarefa feita por
lazer –, podemos avançar no tempo para os primeiros registros
Translation Se prendre
de exercícios físicos realizados pelo mero prazer de realizá-los.
Uma caverna no Egito contém desenhos de 6 mil anos que
Origem França
um vent.
representam pessoas nadando – talvez por diversão. Placas
de pedra sumérias de 4 mil anos retratam humanos lutando
“Tomar um vento.”
em um contexto não bélico. Um pouco depois, 3,2 mil anos
atrás, os egípcios passaram a praticar um esporte semelhante Comentou a selfie do crush em Paris e foi ignorado solenemente:
ao boliche contemporâneo. E os persas já praticavam o avô do eis o equivalente parisiense de “ficar no vácuo”.
polo, montados em cavalos, há 2,5 mil anos. (1)

Poder. Bentham concebeu a prisão

pensando Por que todo panóptica: um arranjo de celas circu-
lar em que um vigilante só mantém
bem... mundo gosta todos os presos em seu campo de
visão – e ninguém sabe para onde
Filósofos de tanto de Big ele está olhando. Para o iluminista,
ontem opinam em
assuntos de hoje
Brother? a dúvida (eu fujo ou ele está de olho
justamente agora?) gera controle.
por Bruno Vaiano Jeremy Bentham E é legal estar no controle: julgar e
1748 - 1832 punir votando em quem sai do BBB.

62 super fevereiro 2021 Imagens Wikimedia Commons / Divulgação

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 manual Como decorar a casa
por conta própria?
por Rafael
Battaglia

Espaços multiÚso Regra de três

Em apês pequenos, es- Toda casa tem três
queça “sala de jantar”, níveis: chão, paredes
“sala de TV”, etc. Pense e teto. Parece simples,
em verbos: o que você mas ter isso em men-
fará em cada ambien- te ajuda a otimizar
te? Comer? Trabalhar? o uso do cômodo. O
Relaxar? Assim é mais espaço morto em
fácil direcionar as cima da porta, por
compras. Se você faz exemplo, pode abrigar
home office e almoça uma estante de livros.
no mesmo cômodo, Plantas ficam bonitas
ache uma mesa que penduradas na parede
sirva para as duas ou no teto – o que
coisas. libera espaço no chão.

Faça-se a luz Pincel na mão

Mapeie a iluminação Alterne paredes neu-
natural. Isso evita que tras com cores fortes.
você monte uma escri- Ou faça faixas – cujos
Fontes: Alexandre Salles, coordenador do curso de Design de Interiores do Istituto Europeo di De-
sign (IED) de São Paulo. Vídeo “Iluminação: tudo sobre lâmpadas e como iluminar”, do canal GNT.

vaninha, por exemplo, contornos você pode

em um ângulo em delimitar com fita cre-
que o Sol pega nos pe. Nos quartos, vá de
olhos. Invista em luzes tons pastel, que são
indiretas, que vêm de mais relaxantes. Para
luminárias e abajures. saber como combinar
No teto, spots de cores, estude o círculo
trilho permitem que cromático: ele indica
você mude a direção boas combinações de
das lâmpadas. duas ou três cores.

Para saber mais Lar, doce lar

Banheiros Móveis Ande prevenido Amarelo ou branco?

Por higiene, devem ser claros.
Mas um teto colorido ou uma
plantinha dão um tchan. Prate-
leiras pequenas e caixas ajudam
a manter a organização.
Não adianta comprar uma peça
bonitinha feita com matéria-pri-
ma ruim. Se sua intenção é que os
móveis durem, invista em madeira
para valer – corra de MDF.
Tenha a planta-baixa da casa salva
no celular, e ande por aí com uma
trena na bolsa. Assim, se você vir
uma peça legal em uma loja, já
saberá logo de cara se ela cabe.
Lâmpadas amareladas (3.000
K) são mais aconchegantes. As
brancas (6.000 K) cansam os
olhos, mas são ideais para tarefas
manuais, que exigem precisão.

Porque é uma simulação Para dar sentido ao ócio. O

caricata da realidade. Para o sociólogo italiano sugere que o BBB é
francês, o BBB é uma forma de a falta do que fazer transformada em
voyeurismo psicológico: vemos espetáculo: pessoas que poderiam
candidatos a subcelebridades, passar o tempo livre descansando
que encarnam personagens es- ou fazendo algo criativo e prazeroso
tereotipados, agirem de forma se oferecem para perder tempo em
medíocre e banal – e nós ansia- intrigas e fofocas ficcionalizadas – e
Jean Baudrillard mos por ver os dilemas éticos
Domenico de Masi nós, que também não sabemos curtir
1929 - 2007 do nosso cotidiano encenados. 1938 - o ócio em paz, assistimos. (4)

Fontes: (1) livros Something Like the Gods: A Cultural History of the Athlete from Achilles to LeBron e The Anthropology of Sport: An Introduction;
(2) João Viola, presidente do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI); (3) Primeira edição do Journal des Sçavans, disponível na
Biblioteca Nacional da França; (4) artigos “Big Brother Brasil: a banalização do cotidiano”, “Simulação e simulacro: a realidade do Big Brother Brasil.” fevereiro 2021 super 63

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 e se... realidades paralelas
E se as vacinas nunca
tivessem sido inventadas?
É simples: o mundo tal qual a gente
conhece não existiria. A história da imu-
nização é antiga. Começa em 1796, com
uma história bem conhecida: o médico
britânico Edward Jenner percebeu que
vacas infectadas com a versão bovina da
varíola tinham pústulas nas tetas que
infectavam os fazendeiros com a doença.
Mas era uma versão branda da varí0la:
a versão do vírus especialista em gado
não pegava com força total em huma-
nos. Causava apenas algumas feridas
nas mãos, e tinha um efeito colateral
inesperado: gerar memória imunológica
contra a varíola humana, que mata para
valer. Nascia assim a primeira vacina
– do latim vaccinus, “que vem da vaca”.
Por quase um século, ninguém soube
exatamente por que essa tática de imu-
nização pioneira funcionava. Já se sabia
da existência de micróbios – o primeiro
a observar bactérias (e nossas próprias
células) foi o holandês Anton van Le-
euwenhoek, em 1670, com microscópios
que ele própro fabricava. Mas ninguém
pensava que aqueles minúsculos seres,
pegando carona na água, nos alimentos
e nos espirros, fossem responsáveis por
doenças. A culpa era atribuída aos cha-
mados miasmas: ares de cheiro pútrido.
Isso mudou com a aceitação universal
da teoria dos germes, no final do século
19, pelo trabalho de figuras como John
Snow, Louis Pasteur e Robert Koch. Ko-
ch, diga-se, foi o primeiro a estabelecer
um vínculo causal entre uma doença e
seu micróbio. No caso, o bacilo de Ko-
ch, responsável da tuberculose. Pasteur,
por sua vez, não só criou o processo
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Texto Fábio Marton e Bruno Vaiano
de pasteurização, usado até hoje para
eliminar micro-organismos de laticínios,
como criou a segunda vacina, 82 anos
depois de Jenner: a da raiva, em 1880.
Ao longo do século 20, uma mistura
de imunização, saneamento básico, tra-
tamento de esgoto, antibióticos e outras
benesses sanitárias – todas decorrentes
de uma compreensão inédita do mun-
do microscópico – fez a expectativa de
vida crescer no mesmo ritmo em que
a mortalidade infantil caiu.
Um mundo sem vacinas, portanto,
seria acima de tudo mais vazio. A va-
ríola disputa com a malária o posto de
pior doença endêmica da história. Uma
doença endêmica é aquela que afeta um
local de maneira incessante por décadas
ou séculos. Algo diferente da peste bu-
bônica, por exemplo – que, embora seja
mais letal, ocorre em surtos e desaparece.
Em seu último século antes da erradi-
cação, entre 1880 e 1980, a varíola tirou
500 milhões de vidas. 5 milhões por ano.
Como a população atual é o dobro da de
1980, as mortes anuais por varíola, em
uma conta rápida, equivaleriam a cinco
pandemias de Covid-19. Eis o mundo
apenas 40 anos atrás. Hoje, graças à
vacina, essa talvez seja a única doença
cujo verbete na Wikipedia começa no
passado: “A varíola foi uma doença...”
A varíola maior (manifestação mais
grave da enfermidade, em oposição à
varíola menor) matava cerca de 30% dos
infectados. Mais da metade deles eram
crianças pequenas, e essa era só a ponta
do iceberg de micróbios que vitimavam
bebês. Na virada do século 18 para o 19,
O médico britânico
Edward Jenner aplica
sua vacina pioneira
contra a varíola no
final do século 18.
cerca de um terço das crianças morria
em seu primeiro ano de vida, e metade
antes de chegar aos 15 anos.
Ou seja: no mundo anterior à imuni-
zação, perder um recém-nascido era um
fato corriqueiro. Diziam que a criança
“não vingou”. Estima-se que a gotinha
contra a poliomielite tenha evitado pa-
ralisia em 16 milhões de pessoas. Os
imunizantes contra difteria e tétano
salvaram 60 milhões de vidas. Mau-
rice Hilleman, criador de oito vacinas
que hoje são parte do calendário infantil
brasileiro, evitou 129 milhões de mortes.
Sarampo, caxumba, hepatite B, ca-
tapora, meningite... com esse elenco
à solta, quão menor seria a população
mundial? Podemos fazer uma conta com
o crescimento demográfico anterior à re-
volução sanitária. Em 1500, a população
mundial era de 461 milhões de pessoas.
Em 1800, 989 milhões. Foram 300 anos
para dobrar. Nesse ritmo, estaríamos
com no máximo 2 bilhões de pessoas
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 hoje – não 7,8 bilhões. Esse tanto de
gente a menos teria um impacto positivo
no meio ambiente. Não que isso seja
um alívio. É que os padrões de consu-
mo seriam bem mais humildes em um
mundo com industrialização e desenvol-
vimento tecnológico menos acelerado.
Menos gente = menos avanços.
Ao avaliar o impacto da imunização
na história humana, é importante consi-
derar não só o número bruto de mortes
como também um conceito mais amplo,
o burden of disease – “fardo da doença”.
Essa é uma métrica que considera anos
de vida saudável e produtiva perdidos
porque ficamos doentes.
Até um terço dos sobreviventes de
varíola ficavam cegos. Vítimas graves de
pólio com frequência passavam a vida
em cilindros de pressão controlada, cha-
mados “pulmões de aço”, para conseguir
respirar – quando tinham acesso a tal
maquinário. Um mundo assolado por
doenças não é só um mundo com menos
Pintura: Gaston Mélingue, 1879/Getty Images
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gente para ter boas ideias. É um mundo
em que os adultos se preocupam mais
em sobreviver do que em inovar.
O atraso também se aplica à esfera
social. A pressão para ter filhos é muito
maior quando boa parte deles não alcan-
çará a maioridade. O que comprometeria
os direitos das mulheres e sua entrada
no mercado de trabalho. Se muitas fa-
mílias, hoje, têm 10 ou 15 tios-avós, é
porque os pais dessas ninhadas fizeram
planejamento familiar com a mentalida-
de do mundo pré-vacina – mas os bebês,
felizmente, sobreviveram graças ao avan-
ço da medicina no século 20.
Um mundo sem vacinas é um mundo
com menos idosos – e menos males que
se manifestam em idades avançadas. Por
volta de 1900, o câncer era apenas a oita-
va maior causa de morte. A maioria das
pessoas padecia por doenças infecciosas
antes de ter problemas que se manifes-
tam em longo prazo. Sem imunização,
tumores e doenças degenerativas como
Alzheimer não estariam no centro das
pesquisas científicas voltadas à saúde. E
suas vítimas sofreriam mais com elas
do que já sofrem hoje.
Por fim, a imunização também fa-
cilita viagens internacionais e é obri-
gatória em vários percursos. Sem ela,
restaria deixar os passageiros de avião
em casas de quarentena – o que mata
o propósito das viagens por via aérea,
que é justamente a velocidade.
Assim, um mundo sem vacinas não
seria tão diferente de uma paisagem
da época de D. Pedro 2º: mulheres
olhando atrás de janelas pesadas, um
navio a vapor à distância, ruas de terra.
Uma carroça de burro puxa uma pilha
de caixõezinhos de crianças, produto
sempre em alta demanda. Em algum
dia de março ou abril de 2020, jornais
impressos trariam a notícia de uma epi-
demia misteriosa que está arrasando
terras asiáticas, o que determinaria o
fechamento dos portos. S
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09/02/21 14:41
 última página desculpa qualquer coisa e até logo

De olho na vaga
Pedagogia é o curso superior que mais recebe alunos no Brasil.
Em 2019, ano mais recente com dados já consolidados, quase 10%
dos estudantes escolheram essa carreira. Veja as 23 mais populares.
Infográfico Juliana Krauss, Juliana Alencar e Maria Clara Rossini.

COMO LER O GRÁFICO

2o ADMINISTRAÇÃO
72 1o PEDAGOGIA
Universidades
0
particulares
100.000
Universidades
200.000 públicas 298.003
300.000 378.078 Número total
de ingressantes 3o DIREITO
em 2019

Ciências humanas Ciências biológicas Ciências exatas

254.867

25%
4o CONTABILIDADE 5o ENFERMAGEM dos brasileiros que entraram
no ensino superior em 2019
se concentram nesses três
primeiros cursos.
155.259 138.449

6o EDUCAÇÃO FÍSICA 7o gestão de pessoas 8o sistemas de informação

127.380 127.243 101.189

9o psicologia 10o engenharia civil 11o fisioterapia

68.548 65.948
99.097

12o logística 13o Licenciatura em ed. física 14o nutriçÃo

62.832 62.326 59.471

15o serviço social 16o gestão de negócios 17o farmácia

55.703 55.101 51.857

18o marketing 19o medicina 20o Gestão comercial

47.154 46.133 43.410

21o odontologia 22o Licenciatura em matemática 23o biomedicina

43.148 42.688 42.635

Fonte: Censo da educação superior 2020, INEP

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