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A Revista do Expresso

EDIÇÃO 2657
29/SETEMBRO/2023

RAP
entrevista
Woody
Allen
Houve música ao vivo em Lisboa e no Porto.
Está publicado um livro de crónicas. O seu novo filme
vai estrear-se para a semana. E há, claro, a conversa
que o realizador manteve na Cinemateca Portuguesa
com Ricardo Araújo Pereira. Está tudo aqui
AT L A NT IC O C E A N
G L A U C U S AT L A NT IC U S
ATLANTIC OCEAN
SUMÁRIO
EDIÇÃO 2657 | 29/SETEMBRO/2023

PEDRO LOBO
fisga +E Culturas Vícios

28
Rolling Stones
9 | Animais de estimação
Ter um animal de companhia
está longe de significar
ter um cão ou um gato.
Esse lugar em casa
é hoje, em Portugal e
20 | Woody Allen
A conversa na Cinemateca,
o livro, o novo filme —
“Golpe de Sorte”, estreado
em Veneza — e
“Manhattan”, a obra de que
47 | Joana Vasconcelos
Regresso a casa no MAAT
50 | The Legendary
Tigerman Paulo Furtado
volta a mudar de pele
67 | Apps para pais
Crianças e jovens estão
expostas, cada vez mais
cedo, aos riscos da internet.
Com a promessa
de os ajudar a navegar
Para evitar ser preso,
no mundo, ocupado por o próprio não gostava. em segurança, surgem
Keith Richards arrastou variadíssimas espécies “Não me interessa o que 52 | Livros Década e meia no mercado várias
em 1979 os Rolling dizem sobre mim”, diz o de tradução e um resultado: apps e softwares.
12 | O Que Eu Andei poemas de Bertolt Brecht
Stones para dois realizador e argumentista,
por ordem cronológica
Mas será que funcionam?
Para Aqui Chegar que aos 87 anos não
concertos perto de Um currículo visual 70 | Receita
dá sinais de sossegar 56 | Cinema
Toronto. O português de Duarte Melo Por João Rodrigues
34 | Clube dos mil milhões As cantigas do maio da vida
Pedro Lobo registou de Nanni Moretti
14 | Planetário As empresas e os grupos 72 | Restaurantes
esse momento histórico Compramos? Por Fortunato da Câmara
que em Portugal têm 58 | Televisão O fim da
Por João Pacheco volumes de negócios acima educação sexual na Netflix 74 | Vinhos
deste valor são uma gota de
18 | Ideias Por João Paulo Martins
O Airbnb está
água na estrutura 60 | Teatro & Dança Uma
empresarial portuguesa. meditação cómica e séria 76 | Recomendações
verdadeiramente Nesta meia centena de
FICHA diferente agora empresas, há grandes
sobre o que é fazer teatro De “Boa Cama Boa Mesa”
TÉCNICA Por Kate Lindsay companhias estrangeiras a 62 | Música A punk que 78 | Design
Diretor exportar e portuguesas a sempre existiu em Jaimie Por Guta Moura Guedes
João Vieira Pereira internacionalizarem-se Branch mostra as garras
Diretor-Adjunto num álbum póstumo 81 | Passatempos
Miguel Cadete 40 | Vila-Francada Por Marcos Cruz
mcadete@impresa.pt Marcou o final da primeira 64 | Exposições
Diretor de Arte experiência liberal Os 10 anos do Atelier- Expressinho
Marco Grieco portuguesa e o início de uma -Museu Júlio Pomar numa Somos o que comemos
Editor década de alternância entre exposição comemorativa
Ricardo Marques absolutismo e liberalismo onde se olha o futuro
rmarques@expresso.impresa.pt
Editor de Fotografia
João Carlos Santos
Coordenadores
João Miguel Salvador
jmsalvador@expresso.impresa.pt
CRÓNICAS
Luís Guerra 3 Pluma Caprichosa por Clara Ferreira Alves | 16 O Mito Lógico por Luís Pedro Nunes
46 Os Cadernos e os Dias por Gonçalo M. Tavares | 55 O Outro Lado dos Livros por Manuel Alberto Valente
lguerra@blitz.impresa.pt

Coordenadores Gerais de Arte


Jaime Figueiredo (Infografia) 66 Fraco Consolo por Pedro Mexia | 80 Diário de Um Psiquiatra por José Gameiro
Mário Henriques (Desenho) 82 Estranho Ofício por Ricardo Araújo Pereira
FOTOGRAFIA DA CAPA: NICOLAS GUERIN/CONTOUR BY GETTY IMAGES

E 6
LISBOA • Avenida da Liberdade 194c • Centro Colombo
PORTO • Avenida dos Aliados 127 • NorteShopping
fisga
“QUEM SABE TUDO É PORQUE ANDA MUITO MAL INFORMADO”

Eles estão D
os cães aos gatos, passando pelos peixes,
as tartarugas, os pássaros ou os coelhos,
os animais de companhia são de todas as

entre nós
cores e feitios e — convidamos o leitor a tentar
este exercício — será até mais provável encontrar
famílias em que eles entram na fotografia, do que
o contrário. Estão nas casas, passeiam nos jardins,
frequentam cafés e restaurantes e até alguns
hotéis. Os animais são hoje parte integrante
da rotina de muitos portugueses, para quem
a espécie predileta é o cão. Mas haveremos de
TER UM ANIMAL DE COMPANHIA ESTÁ LONGE DE SIGNIFICAR TER chegar a esse dado.
UM CÃO OU UM GATO. ESSE LUGAR EM CASA É HOJE, EM PORTUGAL Sofia Róis trabalha há 15 anos na área do
E NO MUNDO, OCUPADO POR VARIADÍSSIMAS ESPÉCIES bem-estar animal e é diretora-executiva da
Animais de Rua, uma associação de proteção
TEXTO JOANA MAGALHÃES INFOGRAFIA CARLOS ESTEVES de animais de âmbito nacional. Em entrevista
ILUSTRAÇÃO CRISTIANO SALGADO ao Expresso, afirma que “há atualmente muito

E 9
fisga
mais sensibilização e as pessoas têm muito mais respeito aos amigos de quatro patas (ou penas e
ANIMAIS DE COMPANHIA PREFERIDOS NA EUROPA
consciência do que é o bem-estar animal”, escamas…), estima-se que existam cerca de 340
Em milhares
verificando-se um aumento do número de milhões no território europeu.
pessoas que querem ter esta companhia em casa. 127 O animal preferido? Com base nos dados
A isso, soma-se o facto de quererem adotar mais fornecidos pelas empresas associadas, a Fediaf
104
do que comprar o que, considera a especialista, concluiu que são os gatos, com cerca de 127
“é um ponto extremamente importante no nosso milhões de felinos a habitar casas na Europa.
crescimento”. Logo a seguir estão, claro, os cães, que rondarão
Entre os muitos motivos que levam à adoção de 53 os 104 milhões, os pássaros (53 milhões),
um animal, no caso desta associação destacam- os pequenos mamíferos, como coelhos ou
se três, começando pelos casais jovens que 29 porquinhos da Índia (29 milhões), os peixes (22
22
saem de casa dos pais: “Vão iniciar a sua vida, 11 milhões) e os répteis (11 milhões).
faz-lhes sentido aumentar a família nesta fase No caso concreto de Portugal a tendência
e como ainda não vão ter filhos, querem ter GATOS CÃES PÁSSAROS PEQ. PEIXES RÉPTEIS inverte-se e são os cães que ocupam o lugar de
MAMÍFEROS
animais”, explica. Há ainda pessoas cujo animal preferência, com uma população que ascende
de companhia morreu, e procuram preencher aos 2,6 milhões. Em “segundo lugar” estão os
PAÍSES DA EUROPA COM MAIS CÃES
esse vazio adotando, e também quem conheça o gatos, perto de 1,8 milhões, seguidos dos pássaros
Em milhares
trabalho da associação e escolha ajudá-la através (641 mil), pequenos mamíferos (218 mil), peixes
da adoção. (83 mil) e répteis (39 mil). Um dado curioso no
Seja qual for a razão que leve um potencial Rússia 17.558 que diz respeito aos cães e à sua relação com
adotante a contactar a Animais de Rua, para Reino Unido 13.000 Portugal é que o país integra o top 10 de países
Sofia Róis o mais importante “é que tenha a Alemanha 10.600 da Europa onde o melhor amigo do homem é
consciência do que implica ter um animal”. É Espanha 9313 escolha preferencial: Rússia: 17,5 milhões; Reino
por isso que aplicam um processo de adoção Itália 8755 Unido: 13 milhões; Alemanha: 10,6 milhões;
rigoroso, à semelhança de outras associações Polónia 8019 Espanha: 9,3 milhões; Itália: 8,7 milhões; Polónia:
de proteção de animais espalhadas por todo o França 7600 8 milhões; França: 7,6 milhões; Ucrânia: 4,9
país. Além do investimento inicial em cuidados Ucrânia 4984 milhões; Roménia: 4,1 milhões; Portugal: 2,6
médico-veterinários, como a vacinação, Roménia 4193 milhões.
esterilização e identificação eletrónica Portugal 2605
(microchip), animais como os cães e os gatos CURSOS DE MEDICINA VETERINÁRIA
necessitam de um reforço anual da vacina e COM CADA VEZ MAIS PROCURA
PAÍSES DA EUROPA COM MAIS GATOS
podem, a qualquer momento, adoecer. “As Não será por acaso que o Dia Mundial do Animal
Em milhares
pessoas que efetivamente querem adotar, é também o Dia do Médico-Veterinário, não
pensam em todas as circunstâncias, mas quando fossem as espécies dependentes da profissão e
elas não pensam, pensamos nós por elas”, Rússia 23.150 vice-versa. De acordo com a Ordem dos Médicos-
acrescenta a responsável. Alemanha 15.200 Veterinários, a procura por cursos de Medicina
Apesar deste trabalho, as adoções por impulso França 14.900 Veterinária tem crescido em Portugal nos últimos
são ainda uma realidade que, muitas vezes, Reino Unido 12.000 anos, com aumentos que chegam a superar
termina com o abandono dos animais. Mas esta Itália 10.228 alguns países europeus. O que está na base deste
não é a única razão. Sofia Róis sublinha que Ucrânia 7630 interesse resume-se numa palavra: paixão.
“está cada vez mais difícil ter um animal de Polónia 7125 Para o bastonário desta Ordem, Jorge Cid,
estimação”. O aumento do custo de vida tem Espanha 5859 a profissão de médico-veterinário é muito
afetado muitos portugueses que “estão com Turquia 4660 gratificante, exige compromisso e estudo ao longo
dificuldades diárias para a sua sobrevivência, Roménia 4371 da vida. Por outro lado, “a sociedade dá cada vez
quanto mais para manter um animal”. É a Portugal 1795 mais importância aos animais, à defesa das suas
pensar nesses casos que a Animais de Rua, além causas e preocupação com a saúde e o bem-estar
de trabalhar junto de municípios e populações animal, o que poderá contribuir para motivar os
vulneráveis para garantir as necessidades EUROPEUS QUE TÊM PELO MENOS... estudantes na escolha da profissão de Medicina
básicas de cães e gatos errantes (que vivem Na Europa existem cerca de 340 milhões Veterinária”.
na rua), tem programas de apoio a famílias de animais de estimação No entanto, o mercado em Portugal enfrenta
carenciadas. “uma enorme falta” destes especialistas,
Ao Expresso, a especialista confessa que trabalhar Um animal de companhia 46% nomeadamente no interior do país e em pequenas
na causa animal é muito duro e, por vezes, clínicas. A esta dificuldade acrescenta-se o
desmotivante. “Mas as pessoas têm de continuar Um gato 26% excesso das horas de trabalho, a privação do
com garra e com força para que o bem-estar sono e a legislação desadequada associada
animal seja uma prioridade em Portugal e é esse o Um cão 25% à empregabilidade. “Estamos perante uma
nosso trabalho”, aponta. profissão com uma elevada taxa de suicídio, com
níveis de stresse e burnout dos mais elevados,
PORTUGAL ENTRE OS PAÍSES
FONTE: WWW.EUROPEANPETFOOD.ORG/ABOUT/STATISTICS/
quando comparada com outras profissões e países
EUROPEUS COM MAIS CÃES da Europa”, aponta José Cid, acrescentando que
Segundo um estudo da Fediaf — European Pet está entre as que mais expõe os profissionais a um
Food Industry Federation, uma associação elevado nível de desgaste.
comercial que representa as empresas europeias A prevenção de problemas de saúde mental tem
do sector da alimentação para animais, no ano estado no centro das atenções da Ordem dos
passado 91 milhões de habitantes da Europa Médicos-Veterinários que criou um programa de
possuíam, pelo menos, um animal de companhia, apoio “com o objetivo de promover o bem-estar
cerca de 46% do total da população. No que diz dos médicos-veterinários”. b

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fisga
O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR
UM CURRÍCULO VISUAL

Duarte Melo
Em criança, sempre gostou de fazer teatro para os vizinhos, de brincar e de falar com as pessoas. “Acho que sou ator
para poder continuar a brincar”, concede. Aos 12, já andava num curso de teatro e, três anos depois, teve o primeiro
contacto com a obra de Marina Abramović, na sua exposição retrospetiva no MoMA, em Nova Iorque. Treze anos depois,
torna-se o primeiro ator português a trabalhar com o ícone mundial da arte performativa. / MARIA JOÃO BOURBON

1996
Crescer a brincar 2023
Nasce em Lisboa. Cresce a fazer teatros “lmponderabilia”
para os vizinhos, a ‘vestir’ outras pessoas É o primeiro e único ator português
e situações com os amigos, a desenhar a trabalhar com
em casa da avó e a vender os desenhos Marina Abramović, sendo
à rua inteira. Mais do que estar sentado escolhido para integrar a primeira
em frente à televisão, gosta de brincar e
2008 de falar com as pessoas.
instalação da exposição na
Royal Academy of Arts. Exibida
Dona Redonda pela primeira vez nos anos 70,
É no Teatro Papa-Léguas, onde “Imponderabilia” é, ainda hoje, uma
frequenta um curso, que sabe das instalações mais provocadoras
que a BBC procura crianças e célebres da artista.
para as dobragens de uma série
de desenhos animados para a
RTP2. Vai ao casting e é um dos
escolhidos. Enquanto estuda,
faz dobragens durante um ano,
e é nessa altura que faz o seu
primeiro espetáculo profissional,
a convite da São José Lapa: “As
Aventuras da Dona Redonda”.

2022
Televisão e cinema
2010 Estreia a segunda novela onde
participa, “Quero é Viver”, na
Abramović no MoMA TVI. Grava dois filmes como
Aos 15 anos, numa viagem aos protagonista, “Noites Claras”
EUA, tem o primeiro contacto e “Chuva de Verão”, que em
com o trabalho de Marina breve devem chegar às salas de
Abramović. Do último piso cinema. Faz uma digressão com
do MoMA, olha para baixo e um espetáculo infantil do Paulo
vê aquela que será uma das Lage, “Capuchinho Vermelho”,
performances mais emblemáticas passando pelo Brasil e Egito.
da artista (“A Artista está
Presente”), na qual esta fica
sentada, imóvel e em silêncio, em
frente a qualquer visitante que 2017
queira sentar-se à sua frente. Estágio no D. Maria II
Entra na Escola Superior de Teatro
e Cinema, para mais três anos de
formação. No final do curso, é um dos
2020
2011 seis escolhidos para estagiar no Teatro Autor na pandemia
Nacional D. Maria II. “O estágio não
É durante a pandemia que desenvolve
Escola de teatro correu como esperava”, reconhece.
duas performances autorais: “Take Care
Entra para a Companhia João Garcia
É a mãe que, quando tem que escolher o Not To Kill” e “Peregrinação”, uma para
Miguel, onde está durante dois anos e
curso, lhe sugere a Escola Profissional de a ModaLisboa e outra para o Coletivo
faz cinco espetáculos.
Teatro de Cascais. Sem certezas, faz as Prometeu. É a primeira vez que cria
audições e é selecionado. É nessa altura que sozinho. “Enquanto atores, temos
começa a pensar que deverá ser esse o rumo bastantes coisas a dizer”, acredita. “E
a tomar. Ter a oportunidade de trabalhar com esse exercício de materializar o que
o encenador e ator Carlos Avilez, fundador vem de dentro, através das referências
da escola, é “importante e especial”. e formas de olhar, é transformador.”

E 12
V I AG E N S E M G RU P O, C U LT U R A I S E D E AU TO R

PINTO LOPES
VIAGENS
DAMOS LUGAR A NOVOS MUNDOS

W W W. P I N TO LO P E SV I AG E N S. CO M
fisga
PLANETÁRIO
NO CAMINHO DAS ESTRELAS
POR JOÃO PACHECO

FLASHES ESCHBORN

Compramos?
Há nesta imagem dois dragões disfarçados. Sem
eles, estes gráficos iluminados imitariam bem

ESTELLE BLASCHKE & ARMIN LINKE


PARIS um ambiente científico, quase à prova de falhas
humanas, maquinais ou algorítmicas. Além dos
Este retrato da escritora Gertrude
Stein foi criado por Andy Warhol dragões, há aqui outros elementos que apontam
para uma série de dez retratos de para este não ser um laboratório dedicado à
judeus do séc. XX. Agora e até exploração aeronáutica ou à cura de doenças
22 de janeiro, esta obra de 1980 complicadas. A garrafa de água com refrigerante
faz parte da exposição “Gertrude escondido, o copo de chá, a caneca de café, a
Stein et Pablo Picasso”, no Musée profusão de lembretes manuscritos, o espelho
du Luxembourg, em Paris. Partindo preso ao topo do ecrã do meio, tudo isso indica
da amizade entre Picasso e Stein, ansiedade e pressa. Podemos também lembrar-
há aqui espaço para a arte de nos da solidão acompanhada de uma pessoa da morte de Pessoa, este espaço de trading foi
criadores como Henri Matisse, a autodestruir-se em frente a uma máquina documentado em 2012 pelo fotógrafo italo-alemão
Marcel Duchamp, Jasper Johns, engolidora de moedas, por exemplo num dos Armin Linke, para um trabalho artístico de fôlego,
John Cage e Philip Glass.
grandes casinos de Macau. A geografia e o fuso feito com a historiadora de fotografia Estelle
horário importam assim tanto? Este é um posto Blaschke. O resultado é a exposição da Deutsche
SEVILHA — ROTERDÃO de trabalho dentro de um espaço de trading, no Börse Photography Foundation “Image Capital”
O músico francês de origem catalã quartel-general do banco francês BNP Paribas, (Imagem Capital), que estará de 13 de outubro a
Renaud Garcia-Fons estará entre em Paris. Um espaço de trading é um sítio onde 21 de janeiro no The Cube em Eschborn, perto de
os contrabaixistas presentes na trabalham especialistas na compra e venda de Frankfurt, na Alemanha. Há imagens de arquivo,
edição deste ano do Dutch Double ações, entre outros produtos financeiros. O bem apontando para os usos variados que a fotografia
Bass Festival, a 13 e 14 de outubro transacionado é a expectativa, preferindo alguns tem tido ao longo de 200 anos de história. E há
no Theater Zuidplein, em Roterdão. chamar-lhe capital ou futuros ou investimento. fotografias feitas de propósito por Armin Linke, em
Antes, Fons fará o contrabaixo
Momento para lembrarmos que uma das criações sítios como o arquivo subterrâneo Iron Mountain
rimar com o flamenco do pianista
de Fernando Pessoa (1888-1935) foi o livrinho em Boston, uma estufa de tomate e uma linha
Dorantes. No concerto “Paseo
a dos”, a 7 de outubro às 21h, no “O Banqueiro Anarquista”, muito recomendável de produção de orquídeas na Holanda ou um
Teatro Central, em Sevilha. a quem andar preocupado com as teorias e com supercomputador da Universidade de Estugarda,
Juntos, são incríveis. as práticas da liberdade. Quase 80 anos depois na Alemanha. Compramos? b

WINCHESTER
PHOTO
MATON Botas das trincheiras
Lisboa, 1924. Quando André Brun Agora, esta bota inglesa
HAROLD FEINSTEIN/PHOTOGRAPHY TRUST

publicou o livro de crónicas “A Malta das da I Guerra Mundial


Trincheiras”, muitas famílias portuguesas radiografada estará de
estavam marcadas por mortos, feridos 24 de novembro a 14 de
e desaparecidos na I Guerra Mundial fevereiro na exposição
(1914-1918), nas frentes de Angola, “Shoes: Inside Out”
Moçambique e França. Além da falta (Sapatos: Por Dentro),
de preparação, os problemas logísticos na galeria The Arc em
iam da cabeça aos pés. “De noite são Winchester,
os bombardeamentos inesperados, as no Sul de
trincheiras que aluem, as comunicações Inglaterra.
interrompidas”, escreve Brun. “Não há A acompanhar
Em 1949, Harold Feinstein (1931-2015) fotografou assim estes sorrisos em botas de borracha que cheguem para a estas botas das trincheiras estarão 70
Coney Island, Nova Iorque. Agora e até 8 de outubro, esta imagem faz parte em água dos charcos onde se cai; às vezes pares de sapatos históricos de vários
França da exposição “La roue des merveilles” (A roda gigante), no Centre de la são precisas as duas mãos e a ajuda continentes, feitos para homem,
photographie de Mougins, perto de Cannes. E sim, daqui a nada volta o verão. do vizinho para se tirar o pé do lodo.” mulher ou criança. Será que cabem?

E 14
O MITO LÓGICO

PSEUDOPORNOGRAFIA
E ÓRFÃOS DIGITAIS

N
A IA FEZ AS SUAS PRIMEIRAS VÍTIMAS E CARRASCOS:
ADOLESCENTES DE UMA PEQUENA CIDADE ESPANHOLA

em com grandes empresas nem da pornografia aos oito anos. No smartphone, a educação faz-se
com esquemas muito elaborados. através de recompensas de dopamina e de sentimento de pertença e
Adolescentes e um conceito aceitação. A imprensa espanhola debateu o tema.
que surgiu recentemente: O “tutor-algoritmo” deixa de fora duas coisas essenciais para um
pseudopornografia. O primeiro ser humano funcional: ética e empatia. “As redes não são só espaços
grande escândalo europeu que de ócio, são espaços de desenvolvimento identitário. O que os
envolve inteligência artificial menores veem na internet, o que fazem, o que dizem, é tão parte do
(IA) e um movimento popular seu desenvolvimento emocional, do seu crescimento moral, da sua
de revolta aconteceu há poucas transformação cognitiva, como o que sucede fora da rede”, disse ao
semanas em Almendralejo, uma “El País” a jovem filósofa Margot Rot, autora de “Infoxicacion”.
pequena cidade perto de Badajoz, De quem é a culpa de que os rapazes de Almendralejo (e os colegas)
junto à fronteira com Portugal e não tenham sequer a noção do mal que fizeram? Dos pais que podem
que esteve no ciclo de notícias espanhol durante muitos dias. Um grupo nem perceber o que se passa nos telemóveis dos filhos? Do sistema
de mães deu a cara para defender as filhas menores. Vinte raparigas, de educação? Dos estados? Da União Europeia, que há anos tenta
aquando do regresso às aulas nos diversos centros educativos da cidade, legislar sobre IA? Há pouco tempo, em Portugal criaram-se leis sobre
e com idades compreendidas entre os 11 e os 17 anos, começaram a ouvir revenge porn, a pornografia de vingança — os vídeos íntimos de um
que estavam a circular por grupos de WhatsApp/Telegram/Discord fotos casal que são tornados públicos quando se separam e ele se quer
delas. Nuas. Havia mesmo um vídeo porno com uma. E já se sabe como vingar. Há dificuldade do poder judicial em perceber o dano que
são as coisas nestas idades. Em vez de solidariedade, começou o escárnio. tal provoca na mulher (afinal, ela participou no vídeo). E em culpar
Choque. Não se tratava de nenhuma “vingança” de um “namorado”. o agressor se o vídeo for parar a uma plataforma internacional de
Aquelas crianças-adolescentes não tinham posado despidas para porno. Não é culpa dele. Como pode então esse poder compreender
ninguém. Conseguiram ver as imagens. Eram elas, mas não eram que “pornografia sintética” tem como único objetivo humilhar e,
“elas”. O corpo não lhes pertencia, embora fosse difícil perceber. Eram por isso, é devastadora para uma criança/mulher? Sim, não houve
deepfakes, uma manipulação da imagem que agora com um programa intimidade forçada, nem bebida, nem violação. Mas é tudo menos “só
de IA se torna extraordinariamente credível. As mães não se calaram. Os uma brincadeira”.
media espanhóis caíram em peso em Almendralejo. A polícia descobriu Mas a questão que brevemente se irá colocar é a do risco de
os culpados. A investigação foi conduzida sob um escrupuloso sigilo, interferência e manipulação nos sistemas democráticos. A começar
mas ficou a saber-se que os responsáveis eram um pequeno grupo de com as presidenciais americanas. Qualquer regulação chegará tarde.
rapazes menores, colegas, que tinham usado a aplicação Clothoff — E mais perigoso do que a falsa pornografia, pese a sua incidência, é o
Undress girl for free (há muitas mais), disponível a qualquer pessoa, e potencial dano que a IA pode provocar nos processos eleitorais. Basta
que começa por ser gratuita e depois tem um custo mensal. Há mesmo imaginar um vídeo hiper-realista a dois dias das eleições, imparável na
um caso de uma família que tem um perpetrador e uma vítima (eles iam viralidade, e que é tão perfeito que coincide com aquilo que as pessoas
ao Instagram tirar imagens e faziam os deepfakes que lhes apeteciam querem pensar que é a verdade, ou estavam hesitantes em acreditar,
— não era algo coordenado). Alguns destes rapazes foram detidos por acerca do candidato em questão. O deepfake não vem alterar nada sobre
polícias com balaclavas. O poder judicial declarou que não era por serem o ‘alvo’. Vem ajudar a confirmar e a mobilizar. Cá estaremos para falar
menores que ficariam impunes. No limite, podem até ser acusados de desses casos na altura. Muito em breve. b
distribuição de pornografia infantil (esticado…). Uma sondagem nas lpnunesxxx@gmail.com
escolas locais constatou que alunos e alunas achavam que os rapazes
não tinham feito nada de mal. Já as mães perguntaram o que fazer com
as filhas fechadas em casa e traumatizadas. Alguém mencionou a ideia
de processar as empresas que criam estas aplicações. O que se passou
nesta pequena cidade espanhola é uma amostra do que aí vem. Se antes
eram necessárias horas para fazer um deepfake ‘credível’, agora, com
programas de IA, são segundos. O génio saiu da lâmpada.
Castigar os rapazes. OK… Mas este é o mais óbvio uso da inteligência
artificial para propósitos menos superiores do que descobrir curas
para doenças. As empresas que fazem estas apps alegam não estar a
/ LUÍS
cometer nenhum crime. Afinal, clicaram na caixinha “I agree”. Mas PEDRO
os miúdos não têm dois dedos de testa? Estes rapazes fazem parte de
uma geração pomposamente chamada “nativos digitais” — por terem
NUNES
nascido numa era pós-internet. Há outro termo melhor: “órfãos
digitais”. É lá, na internet, ou melhor, no seu smartphone, que são
criados, se desenvolvem, absorvem referências, buscam modelos,
formam a personalidade. Os pais continuam a ver a net como algo
lúdico. Em Espanha, 20% dos rapazes iniciam-se no consumo

E 16
IDEIAS

O AIRBNB ESTÁ
VERDADEIRAMENTE
DIFERENTE
O BOOM DO AIRBNB RESULTOU NÃO APENAS EM DISPUTAS ENTRE ANFITRIÕES
E HÓSPEDES, MAS TAMBÉM EM DESAFIOS REGULAMENTARES MAIS AMPLOS

TEXTO KATE LINDSAY/“THE ATLANTIC”

N
AUTORA DA NEWSLETTER “EMBEDDED” SOBRE CULTURA DIGITAL

Os problemas da empresa estão relacionados ao pasta que fica numa mesa da cozinha. Agora é muito
facto de esta se ter tornado muito grande. O Airbnb foi comum os anfitriões do Airbnb nunca verem ou in-
lançado em 2008, um ano depois de ter começado teragirem com os seus convidados.
com três colchões insufláveis no chão da sala de es- Quando as pessoas começaram a comprar no-
tar dos seus fundadores, mas já não é uma plataforma vas propriedades com o intuito de as transformar em
desorganizada, voltada para a comunidade e alimen- Airbnbs, ficou claro: o Airbnb tinha-se tornado um
tada pela economia gig. É uma indústria em si mes- negócio. De acordo com Jamie Lane, desde 2015, o
ma, cheia de inúmeros anfitriões e grandes empresas número de anúncios nos Estados Unidos passou de
imobiliárias que gerem dezenas ou centenas de anún- cerca de 150 mil para quase 1,5 milhões. Existem agora
cios de cada vez. O aumento incessante da quantidade Airbnbs que foram concebidos especificamente para
diminuiu bastante a qualidade. Como qualquer em- certos tipos de viajantes. “Há propriedades totalmen-
presa de tecnologia, o Airbnb tem procurado crescer. te dedicadas a despedidas de solteiro”, diz Neal Car-
Pelo caminho, pode ter crescido mais do que esperava. penter, administrador da Air Butler, um serviço de
A sua premissa que parece agora muito simples e consultoria e gestão de propriedades de aluguer com
óbvia, foi, no início, uma revelação: E se pudesse ga- sede em Nashville. “Do género, aqui estão 12 cadeiras
nhar dinheiro com aquele quarto de hóspedes que e um espelho de corpo inteiro onde todos os seus ami-
ninguém usa ou com o apartamento vazio que tem gos se podem arranjar ao mesmo tempo. Aqui está o
a manhã seguinte a um casamento em Vermont este por cima da garagem? Por sua vez, os viajantes con- chapéu de cowboy de néon e a parede cheia de plan-
verão, os meus amigos estavam a recuperar numa seguiam uma estada barata com um anfitrião sem- tas na sala de estar para as suas publicações no Insta-
banheira de água quente enquanto eu lutava com um pre disponível que lhes proporcionasse uma experi- gram.” Existem vários Airbnbs ao estilo casa de hobbit
caixote do lixo. E limpava o balcão da cozinha. E tira- ência de viagem personalizada de forma única. Isso de “O Senhor dos Anéis”, uma nave espacial Airbnb e
va a roupa da cama. E levava a reciclagem para a rua. não quer dizer que o Airbnb consistisse em estadas um Airbnb localizado dentro de uma grua portuária.
Toda a gente estava feliz num hotel antes de enfrentar de uma noite no sofá de um estranho; segundo um Por outras palavras, a diferença entre o Airbnb e
uma viagem de seis horas de volta a Nova Iorque, ex- porta-voz da empresa, a maioria dos seus anúncios, os hotéis tornou-se cada vez mais pequena. Segundo
ceto eu e o meu namorado, que cometemos o erro de desde o ano em que foi fundado, consiste em espa- Jamie Lane, o anfitrião típico ainda tem uma média
ficar num Airbnb. Apesar da taxa de limpeza de €90, ços inteiros e não espaços partilhados. Mas o facto do de apenas 1,5 anúncios, mas os mega-anfitriões —
estávamos presos a uma lista desconcertante de tare- Airbnb ser mais informal do que um hotel fez sempre grandes empresas ou indivíduos ricos com 21 ou mais
fas que tínhamos de completar antes de sair da casa. com que fosse mais apelativo. Em 2011, a aplicação, propriedades que têm atrás de si recursos significati-
Algo de estranho se passa com o Airbnb nos dias que tinha como sede o apartamento dos seus funda- vamente mais substanciais — compõem agora 30%
que correm. Aqueles que procuram um lugar singular dores, tinha atingido 1 milhão de noites reservadas. dos anúncios ativos. Em 2018, alguns hotéis adotaram
e acolhedor para ficar têm agora muitas vezes de en- Rapidamente, o Airbnb ficou tão grande que todos mesmo uma atitude de “se não os consegues vencer
frentar preços altos, taxas inconsistentes, pedidos de queriam fazer parte dele. Primeiro, pessoas com casas junta-te a eles”, quando o Airbnb começou a permitir
check-out que dão trabalho e fotos e descrições pouco de férias em áreas cobiçadas, como Lake Tahoe e Hud- que pequenos hotéis e pensões anunciassem os seus
confiáveis. Como me aconteceu em Vermont, arris- son Valley, perceberam o sucesso do Airbnb e viram quartos na plataforma. O simples facto de empresas
cam-se a ficar numa das várias casas pré-formatadas uma oportunidade, diz Jamie Lane, economista sénior como a AirDNA existirem mostra bem a importância
do mesmo anfitrião, que se parecem menos com uma da AirDNA, uma empresa de análise de dados especia- do Airbnb. Isso e o número de consultores que ganha
“acolhedora cabana de esqui” e mais com uma “sala lizada no Airbnb e noutras plataformas de alojamento a vida a ajudar os anfitriões a manter as suas proprie-
de exposições da IKEA que nunca teve o toque huma- de curta duração. No entanto, anfitriões que alugam dades e o número de anúncios online destes mesmos
no”. Não só os clientes estão furiosos, expressando a casas de férias ou propriedades que eles próprios não consultores sobre como ganhar os meus primeiros
sua indignação nas redes sociais, como as cidades têm habitam significa que, ao contrário do conceito origi- 100 mil dólares no Airbnb que me aparecem em todo
estado a restringir a plataforma. No início deste mês, a nal do Airbnb, não estão a um quarto de distância para o lado, desde que comecei a escrever este artigo.
cidade de Nova Iorque instituiu uma nova lei drástica dar recomendações, ou mesmo ao virar da esquina se Neste ponto, o Airbnb dificilmente se parece com
que proíbe efetivamente a maioria dos alugueres de algo der errado com o check-in. Em vez disso, as cha- uma economia gig. Neal Carpenter é atualmente res-
curta duração, resultando no desaparecimento de 15 ves são deixadas em caixas com códigos de seguran- ponsável por 18 propriedades diferentes, incluindo
mil anúncios de alojamentos do Airbnb. ça e as recomendações são impressas e metidas numa uma sua, e faz de tudo um pouco, desde fotografar e

E 18
CONTROVERSO
A Rua Nova dos
Mercadores, em Lisboa,
num quadro de um autor
anónimo, c. 1570-1590.
A tela, hoje dividida
em duas, faz parte
da Coleção Kelmscott
Manor da Sociedade de
Antiquários de Londres

construir os anúncios no Airbnb, rechear as casas e realmente se pensa numa crítica negativa pode ser jurisdições em todo o mundo”, disse um porta-voz
comunicar com os hóspedes durante a sua estadia. difícil quando os anfitriões parecem ser pessoas que de empresa, acrescentando que as regras da cidade
Depois há o abastecimento do frigorífico, a coordena- estão apenas a tentar sobreviver, em vez de extensões de Nova Iorque “são mais atípicas e contrastantes
ção com as empresas de limpeza, a gestão das finanças de uma empresa de gestão. com a abordagem [adotada] por outras cidades em
para garantir que os pagamentos estão devidamente O boom do Airbnb resultou não apenas em dis- todo o país”.
distribuídos, e por aí fora: O trabalho que implica ge- putas entre anfitriões e hóspedes, mas também em O Airbnb não está estragado. Ainda é possível en-
rir uma lista de propriedades competitiva já não é um desafios regulamentares mais amplos. Os Airbnb contrar um lugar mais barato e melhor do que um
mero biscate, mas um trabalho a tempo inteiro. são agora, funcionalmente, mais parecidos com os quarto de hotel, especialmente para famílias e grupos
Estes mega-anfitriões com grandes recursos e os hotéis, mas não estão sujeitos aos mesmos requeri- maiores. O Airbnb médio custa €56 por pessoa, diz
anfitriões que tentam ganhar dinheiro extra com a mentos legais e de licenciamento que ditam tudo, French, comparado com €83 por pessoa num hotel.
sua casa de férias lutam numa mesma plataforma, desde a limpeza a máquinas de café. Além da repres- Mas a empresa parece entender que algo mudou. Em
que ainda está desenhada para a economia gig que já são em Nova Iorque, também a cidade de Washing- maio, o Airbnb introduziu um campo que permite aos
não incorpora. Veja-se por exemplo as muito odiadas ton implementou as suas próprias restrições no ano utilizadores definir a sua pesquisa para mostrar o pre-
taxas de limpeza. Cada anfitrião é responsável por de- passado, exigindo uma licença de aluguer de curta ço total de uma propriedade, incluindo taxas antes de
finir a sua própria taxa de limpeza, mas os números duração e proibindo licenças para segundas habita- impostos, para que possam ter uma ideia mais clara do
parecem variar muito de anúncio para anúncio e po- ções. Los Angeles e São Francisco também exigem preço. E também lançou o Airbnb Rooms, uma atuali-
dem custar mais 100 dólares ou mais do que inicial- um registo e outras cidades impuseram outros tipos zação do modelo original de “alugar um quarto” que
mente parecia ser uma taxa diária acessível, que por de restrições, como proibir os anfitriões de anunciar reforça a acessibilidade e as relações com os anfitriões.
si só aumentou 36% nos últimos anos. Para os anfi- várias propriedades ou limitar o número de dias por A empresa diz estar “focada em construir novas ferra-
triões, no entanto, estas taxas de limpeza podem pa- ano que uma propriedade pode ser alugada. “Esta- mentas que garantam que a nossa plataforma oferece
recer necessárias por razões que não têm nada a ver mos confortáveis com a nossa posição em cidades e estadas a preços competitivos”.
com a manutenção da unidade. Quando potenciais O que aconteceu entre o início do Airbnb e onde
hóspedes procuram um Airbnb, muitos alternam os poderá acabar é uma história que já conhecemos. É a
critérios de pesquisa para chegar a um determinado
valor diário, que não inclui taxas de limpeza. Para Quando mesma que levou os vendedores da Etsy a fazer greve
no ano passado e os motoristas da Uber a fazê-lo em
aparecer primeiro nos resultados da pesquisa, alguns
anfitriões tiveram de baixar a taxa diária do anúncio as pessoas janeiro. “Sempre que há um sector potencialmen-
te lucrativo, qualquer entidade com maiores recur-
e aumentar a taxa de limpeza para cobrir a diferença.
“Um dos proprietários disse-me que era como um ni- começaram a sos irá pensar: ‘Ah, posso ganhar com isso’”, diz Erin
Hatton, socióloga da Universidade de Buffalo que es-
tudou a economia gig. Estes eventos são todos sinais
velamento por baixo”, conta Sally French, especialis-
ta em viagens da NerdWallet. “Não é realmente uma comprar novas de uma economia gig que pode estar a desmoronar-
grande experiência, mas dizem que é a única maneira
de conseguirem reservas.” propriedades -se, não por causa de qualquer decisão de um CEO,
mas porque as empresas que encontram sucesso ao
É por isso que existem situações como a que acon-
teceu com a engenheira de software Tracy Chou, que com o intuito de enquadrar-se como uma alternativa “faça você mes-
mo” a uma indústria estabelecida só podem crescer
disse que ela e os amigos pagaram €150 em taxas de
limpeza por um Airbnb recente em Vaucluse, França, as transformar na mesma direção que a mesma coisa que queriam
substituir. O pecado original, ao que parece, é quan-
do tentam ser as duas coisas. b
para depois ser confrontada agressivamente pelo an-
fitrião por WhatsApp por não mostrar o “mínimo de em Airbnbs, ficou
respeito” ao terem deixado sacos de lixo e garrafas de e@expresso.impresa.pt
vinho vazias na cozinha, coisas sobre as quais, diz, o
anfitrião nunca deu instruções claras. Tracy sentiu-se
claro: o Airbnb
atraiçoada pelos comentários da propriedade, que fi-
zeram com que estivesse à espera de uma experiên-
tinha-se tornado Tradução Joana Henriques

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cia de cinco estrelas. Diz também que partilhar o que um negócio reservados. Distribuído pela Tribune Content Agency, LLC

E 19
Registo da conversa
do humorista português
com o realizador
norte-americano na
Cinemateca. Falou-se
do livro “Gravidade
Zero”, do novo filme
“Golpe de Sorte”,
estreado em Veneza,
e de “Manhattan”,
a obra-prima
de que o próprio
autor não gosta
RUI GAUDÊNCIO/PÚBLICO

E 20
Entrevista
Woody Allen

Ninguém
pensa que
os novos são
melhores do
que os antigos”
POR RICARDO ARAÚJO PEREIRA

E 21
Q
ueria começar por falar da mais
recente coleção dos seus textos hu-
morísticos, “Gravidade Zero”. A pri-
meira coleção de textos em 15 anos.
Gravidade zero é uma boa definição
de humor, o arqui-inimigo da pom-
Bem, ele é um grande líder chinês.
E homenageá-lo com um prato num
restaurante chinês, parece pouco,
porque ele merece mais. Uma está-
tua pelo menos ou uma rua com o seu
nome. Mas um prato num restaurante
pa, da solenidade, do que é sério e chinês não é nada de especial.
grave. Então, foi isso que quis dizer
com o título “Gravidade Zero”? Na verdade, ele acaba por lhes agra-
Sim. Esta é uma coleção das coisas decer porque é melhor do que nada,
que escrevi ao longo do tempo, vá- certo? Ter um prato com o nosso
rias delas publicadas na revista “The nome. Mas fez a mesma coisa quan-
New Yorker”. E escrevi-as apenas por do imaginou o tempo que o lorde
diversão. Não há nada importante, Sandwich demorou a inventar a san-
nada profundo, nada sério. Escrevi duíche. Este tipo de reflexão sobre a
os textos apenas por diversão e nada origem das coisas parece uma espé-
mais. A “The New Yorker” chama-os cie de vingança sobre o mundo, na
de casuais, porque não são contos e medida em que parece uma forma de
não são ensaios. Tiveram de inventar dizer que é tudo um pouco ridículo.
uma palavra para o que foi inventa- Tu não és assim tão assustador... Tu,
do há muitos anos. E é por isso que aqui, sendo o mundo.
se chama “Gravidade zero”. Não há Sim, mas não penso nisso dessa forma.
nada no livro que tenha qualquer gra- São coisas que me vêm à cabeça. Seria
vidade ou peso. engraçado se eu escrevesse algo sobre seja consentido e que não envolva ideia de serem filmes multimilioná-
a invenção da sanduíche pelo onde animais.” rios. Com produções de €100 milhões
O humor também é uma forma de de Sandwich e o tempo que demorou Isso é um começo engraçado para ou €150 milhões. É uma indústria
subtrair o peso das coisas, tornando- para chegar à sanduíche. Só pensei em uma história. Quando ouvimos isso, que não tem nada a ver com os filmes
-as mais leves. É gravidade no outro ter piada. Escrevi, penso que neste li- temos imediatamente a ideia de algo como forma de arte. Por isso, nunca
sentido. Quando descobriu que o hu- vro, sobre a invenção do nó Windsor, divertido. vi nenhum, mas sou contra.
mor, a comédia, ia ser a sua estratégia o nó de gravata. Mais uma vez, é uma
contra a gravidade, contra o peso? invenção trivial e se pensarmos em Claro. Depois continua e imagina No livro “The Road to Mars”, Eric
Acho que quando estava no liceu. To- quanto tempo, esforço e experiên- uma estrela pop que diz algo seme- Idle descreve uma viagem pelo espa-
dos os meus amigos estavam a deci- cias, foi preciso para conseguir fazê-lo lhante e acaba por ter de pedir des- ço. Dois comediantes e um androi-
dir ir para a universidade e faculda- bem, torna-se engraçado. Pelo menos culpa porque está a discriminar os de percorrem o universo para tentar
de. Um ia ser médico, outro advoga- acho que se torna engraçado. animais ao dizer que não gostaria de descobrir o que a comédia é. A certa
do e outro arquiteto. Várias profissões se envolver em bestialidade. Quão altura, descobrem um documento
diferentes. E tínhamos de escolher e Diverte-se muito a inventar nomes. perto estamos de ter de emitir um que agrupa os comediantes em dois
decidir o que queríamos fazer com a Hal Roachpaste, Harvey Ponds- pedido de desculpas por não gostar- grupos: white face e red nose. Mais ou
nossa vida e eu não ia ser nenhuma cum, um irlandês chamado Heinous mos de bestialidade? Quanto tempo menos o equivalente ao palhaço rico,
dessas coisas. Não sabia o que que- O’Rourke, o realizador francês Jean levará até que alguém faça exata- mais contido e cerebral, e o palhaço
ria ser, mas era sempre aquela pes- Claude Toupé, um agente que traba- mente isso? pobre, mais extravagante e pateta. À
soa no cinema, que faz comentários lha para a Associated Parasites. Os Espero que nunca tenhamos de che- primeira categoria pertenceria, por
engraçados e as pessoas diziam-me: nomes são um bom lugar para derra- gar a isso. Acho que não vamos che- exemplo, Seinfeld; à segunda, Robin
porque é que não escreves esses co- mar ácido e corroer instituições? gar a isso. Não. A sociedade... Williams. O androide Android fica in-
mentários? Talvez isto seja algo que Mais uma vez, isto é estritamente trigado consigo. Não consegue colo-
possas fazer, uma profissão. E escrevi uma influência de S. J. Perlman. Os Também tem, como é costume, cá-lo em nenhuma das categorias. Na
textos e de imediato, tinha apenas 16 meus nomes são bons, os deles são ideias para filmes com enredos ab- verdade, acho que poderíamos dizer o
anos, rapidamente os vendi. As pes- ótimos. Uma das suas invenções de surdos. E muitos não são assim tão mesmo sobre Groucho Marx. Que ele
soas queriam publicá-los e gostavam comédia foi nomear as personagens diferentes de filmes reais. Há tempos está a meio dessas duas categorias, no
deles. Então, percebi que nunca teria de forma divertida. E o que fiz foi co- entrevistei Terry Gilliam, o realiza- sentido em que ele é muito espirituo-
de trabalhar para viver. Podia fazer piá-lo. Eu faço a mesma coisa. E os dor, que me disse que estava farto de so e cerebral, mas também anda de
isto toda a minha vida. E foi ótimo. meus nomes são engraçados. Mas os filmes da Marvel. Acontece o mesmo maneira estranha e...
dele são mais engraçados. consigo? Sim, ele é bastante abrangente e é
Neste livro, imagina o protesto do Teoricamente, estou farto. Teorica- possível que a teoria do Android no
General Tso por terem dado o seu Há também um texto inspirado nu- mente. Nunca vi um filme da Marvel. livro de Eric Idle seja maluca. Só por-
nome a um prato de galinha, o Gene- ma citação de Miley Cyrus: “Es- São coisas que não me interessam, que aparece no livro não significa que,
ral Tso’s Chicken. tou literalmente aberta a tudo o que por isso não vou. Mas não gosto da na realidade, todos os comediantes se

E 22
CONVERSA Ricardo Araújo
Pereira e Woody Allen na
Cinemateca Portuguesa, em
Lisboa, no dia 14 de setembro

Consegue desenvolver um pouco não significa nada, porque ainda es-


mais esse assunto? tamos sujeitos à próxima ronda de
Bem, isso foram umas belas palavras. sofrimento que vem a caminho, mas
Disse isso há muitos anos, mas acho ajuda naquele momento. É como pôr
que é verdade que, se tivermos sen- um penso rápido numa ferida. Ajuda
tido de humor, um verdadeiro sen- no momento.
tido de humor, que pudéssemos ga-
nhar dinheiro com isso, poderíamos Acha que existe uma relação entre
passar a vida a entreter as pessoas. ser judeu, a cultura judaica e a pre-
Vemos constantemente tudo o que disposição para a comédia?
acontece através de uma perspeti- Estou sempre a ouvir isso. Muitos dos
LEONARDO NEGRÃO/GLOBAL IMAGENS

va cómica. Não fazemos por isso. É grandes comediantes e homens engra-


automático. Está sempre a aconte- çados não eram judeus. O Chaplin era
cer. Conheço muitos, muitos escrito- meio judeu. O Peter Sellers era meio
res de comédia de programas de te- judeu. Isso dá um judeu. O W. C. Fields
levisão e pessoas muito espirituosas não era judeu. O Bob Hope não era ju-
que são constantemente engraçados. deu. O Jonathan Winters não era ju-
O que é diferente do tipo de pessoas deu. O Robin Williams não era judeu.
que não são genuinamente talentosos O Robert Benchley não era judeu. Não
e estão sempre a tentar ser engraça- sei se isso é realmente verdade ou ape-
dos e fazerem piadas de tudo. E tor- nas algo que sempre ouvi porque vivia
na-se uma espécie de riso, provoca- num bairro judeu e as pessoas à minha
do pela ansiedade, e temos vergonha volta eram todas judias e todos diziam:
dividam em nariz vermelho e rosto Acho que se temos uma perspetiva alheia e queremos rir para os ajudar, “Todas as pessoas engraçadas são ju-
branco. É possível que se pensarmos cómica, quase tudo o que nos acon- só que depois de algum tempo torna- dias.” Mas não sei. Houve pessoas ma-
muito nisso, o que eu não quero fa- tece, temos tendência a vê-lo com -se entediante. Mas a verdade é que ravilhosas e engraçadas. Para mim, o
zer, encontremos uma falácia nessa um filtro cómico. É uma forma de li- a pessoa genuinamente divertida vê ser humano mais engraçado de sem-
premissa. dar a curto prazo, mas não tem efeito tudo através de um prisma cómico, pre foi o S. J. Pearlman, que escreveu
a longo prazo e requer uma renova- constantemente. E ajuda a aliviar e muitas coisas. E ele era judeu, e consi-
Tenho comigo uma entrevista que ção constante e interminável. É por a contrabalançar o que a vida tem go nomear um número de pessoas que
deu à “Paris Review” na qual diz o isso que se diz que um comedian- de terrível, a tristeza e a tragédia da são engraçadas e são judias, mas tam-
seguinte. A pergunta é: “Acha que te está sempre a trabalhar. É como vida. Penso que ajudamos um pouco bém consigo nomear uma quantidade
o humorista tende a olhar para o se estivéssemos sempre a arrastar quando dizemos alguma coisa com igual de pessoas não judias. Não sei se
mundo de uma maneira um pouco a nossa sensibilidade para conse- piada ou algo do género. E é exata- há alguma verdade nisso ou se é apenas
diferente?” Ao que responde: “Sim. guirmos viver com menos dor.” mente como ele disse, a longo prazo uma dessas falsidades que se enraizou
na nossa cultura e na qual as pessoas
pensam automaticamente.

Mas acho que ajuda a ter uma pre-


disposição cómica. Quando os nossos
pais não gostam de nós. Conhece
aquela piada sobre um homem ju-
deu, ele está a rezar, e diz: “Senhor,
nós somos o Teu povo escolhido e
por causa disso sofremos com os
pogroms e o Holocausto. Por favor,

Teoricamente, estou farto. Deus, escolhe outro povo, agora...” E


é assim que o povo judeu tem reagi-

Teoricamente. Nunca vi um filme do às dificuldades, com um enorme


conjunto de piadas, piadas clara-
mente judaicas, piadas que são, na
da Marvel. Não me interessam, verdade, autodepreciativas. Era isso
que queria dizer. Sei que tem razão.

por isso não vou. Não gosto da ideia Obviamente há tantos comediantes
não judeus como judeus.

de serem filmes multimilionários” E temos maravilhosos comediantes


negros.

E 23
“NÃO ME
Claro, mas há apenas 15 milhões de piadas fossem ditas e toda a gente es-
judeus no mundo e há muitos come- tava sempre a gritar qual deveria ser a
diantes judeus proporcionalmente. próxima frase, qual deveria ser a pró-

INTERESSA
Há uma quantidade desproporcio- xima piada. Mas eles reconheciam se
nal de conquistas entre o povo judeu, eu gritasse algo que tinha piada. To-
nas ciências e na cultura, na cultura dos adoraram. E ninguém começava

O QUE
em geral, no mundo do espetáculo, discussões, nem diziam, oh, isso não
no cinema. E pode haver algo nisso. é engraçado, não inclua isso. Era uma
E pode ser apenas uma coincidência. sala muito cordial e divertida. Não
Não sei se isso significa alguma coisa, poderia ter sido melhor para mim.
se o povo judeu tem algum tipo de ta-
lento especial para o sucesso ou para
tocar violino ou ser músicos clássicos
Não podia acreditar que estava na-
quele programa. Eu teria pago para
trabalhar ali. Foi uma grande expe-
DIZEM
SOBRE
ou jogadores de xadrez. Não sei. É pos- riência. Tive muita sorte. Tive sorte
sível que o povo judeu goste de pen- toda a minha vida. E tive muita sorte
sar que há algo especial e que o têm. por ter participado nesse programa.

MIM”
E certamente alcançaram uma quan-
tidade desproporcional de sucesso ao Mais tarde, protagonizou um fil-
mais alto nível. Se isso significa algo me baseado na peça de Simon, “The
ou não, é difícil dizer. Mas sim, tem Sunshine Boys”. O Woody e o Peter
razão. Tendo em conta que há pou- Falk representam um par de come-
cos judeus no mundo, conseguiram diantes. Um dos temas do filme, pen-
alcançar muito. E não há como negar so eu, é os comediantes envelhecidos. Entrevista a Woody Allen
isso. A questão é: podemos fazer uma O que é que pensa sobre isso? Lem- a propósito do seu 50º filme em 57
inferência mais geral a partir desse bro-me sempre daquela fala de Hen- anos de carreira, “Golpe de Sorte”,
ponto? Não sei. rique IV, quando o rei rejeita Falstaff e
diz: “Como é que pode fazer de bobo
entre um concerto no Porto e outro
Pode falar um pouco sobre como foi e idiota com esses cabelos brancos?” em Lisboa. Aos 87 anos, o homem
começar a escrever para Sid Cae- Isso também lhe ocorre? não dá sinais de sossegar
sar numa sala de escritores com Mel Bem, não. Os comediantes nos Esta-
Brooks, Carl Reiner, Neil Simon? dos Unidos conseguiram. O George
Não poderia ter sido melhor. Eu era Burns, um grande comediante ame-
muito jovem, e de repente estava no ricano, ainda faz piadas, acho que aos
“The Sid Caesar Show”, que era um 100 anos, e ainda assim é engraçado.
programa de televisão nos EUA, e era Groucho Marx tinha piada quando era
um programa de comédia muito in- mais velho. Foi um grande comedian-
teligente, humor muito sofisticado e te de rádio nos Estados Unidos. Jack
de alto nível. E todos queríamos es- Benny, que também é mais velho, é
crever para esse programa. Essa foi muito, muito engraçado. Depende do TEXTO MARKUS ALMEIDA
uma conquista muito grande. Toda comediante e do seu estilo de humor. FOTOGRAFIA ANA BAIÃO
gente esperava pelo sábado à noi- Naturalmente, quando se chega aos
te para o ver. E foi tão importante. E 80 ou 90 anos de idade, não podemos

W
era, como se diz, muito, muito cul- usar os tropeções e as quedas e ser
to. Era o único programa que tinha infantis. Mas alguns dos comedian-
ballet e música clássica e fazia sáti- tes envelhecem muito bem. É como
ras de filmes e óperas japoneses. Era na vida, em qualquer trabalho, algu-
uma comédia de alto nível. Aos 20 mas pessoas envelhecem bem, gra-
anos dei por mim a conseguir entrar ciosamente e comportam-se adequa-
para aquele programa e fazer parte da damente para a sua idade. E algumas
equipa de escritores — uma sala cheia pessoas envelhecem e ficam pessoas
de pessoas com o Sid Caesar, um co- velhas, mal-humoradas, desagradá- oody Allen é a sua própria versão da experiência do
mediante genial, e toda a gente gri- veis, amargas ou tolas, ou começam a gato de Schrödinger: ele está cancelado e, ao mesmo
tava e dizia piadas. Os escritores são sentir os efeitos da velhice. E o mesmo tempo, não está. Enquanto a América lhe vira costas,
as pessoas mais agradáveis no mun- acontece com os comediantes. a Europa recebe-o de braços abertos. Ele é digressões
do do espetáculo, as mais sensíveis e com a banda de jazz, é estreias no Festival de Veneza,
mais agradáveis. E todos os escritores Comprei a minha máquina de escre- é novos livros e é, até, eventos públicos, como uma
na sala não podiam ter sido mais sim- ver Olympia. Acho que é igual à sua. conversa aberta na Cinemateca Portuguesa. Há can-
páticos comigo. Larry Gelbart, um A minha é verde e ainda tem esta celamentos piores, convenhamos.
grande e excelente escritor de comé- vista por cima. A sua não. Mas escre- “Golpe de Sorte”, que por cá se estreia a 5 de outu-
dia que escreveu “M*A*S*H” e mui- ve tudo aqui... bro, tem atores franceses e um guião todo ele em fran-
tos outros programas maravilhosos É incrível. Comprei uma máquina de cês. “Originalmente, o filme era sobre dois america-
como “A Funny Thing Happened On escrever deste género, tinha talvez 17 nos a viver em Paris. Isso complicou-se, porque havia
The Way To The Forum”. O grande, o anos, por 40 dólares. E tenho-a desde outros papéis que também teriam de ser americanos,
melhor escritor de comédia que já vi. sempre. Tudo o que já escrevi, escre- como a mãe da rapariga. E eu sempre disse que que-
Danny e Doc Simon, Neil Simon, o vi nesta máquina de escrever... Bem, ria ser um realizador europeu. De modo que decidi fa-
irmão dele. Mel Brooks, que era ma- numa do mesmo modelo, em casta- zer um filme francês”, diz Woody Allen ao Expresso,
ravilhoso comigo. Não eram compe- nho. E podemos deixá-la cair do cimo sem explicar o que foi que se complicou que pudesse
titivos, não se sentiam ameaçados. de um prédio. É incrível. Funciona. levar à substituição de atores americanos por france-
Foram muito agradáveis. Tínhamos Tudo funciona como se a tivesse com- ses, embora se possa adivinhar que comece por “Me”
de lutar para conseguir que as nossas prado na semana passada. e termine em “Too”.

E 24
Voltou a ser o jazz antigo de Nova Orleães a trazer
Woody Allen a Portugal, desta vez sem tempo para pas-
seios, ao contrário de em 2004, quando foi visto a pas-
sear por Alcântara na véspera do réveillon do Casino Es-
toril (um hotel de cinco estrelas na vizinhança explicava
o esticar de pernas). “Ontem tocámos no Porto, cheguei
a Lisboa há duas horas, logo volto a atuar e amanhã
continuo a digressão em Itália”, diz no hotel da zona
de Santa Catarina onde se instalara. Concluída a entre-
vista, Woody Allen almoçaria e subiria até à Cinemate-
ca Portuguesa, onde a fila para conseguir uma entrada
para a conversa moderada por Ricardo Araújo Pereira
dava a volta ao quarteirão duas horas antes de começar.
Embora a sessão precedesse o visionamento de
“Manhattan”, o pretexto da conversa pública era o seu
mais recente livro de contos humorísticos, “Gravidade
Zero”, e não o filme de 1979 que lhe valeu duas nomea-
ções para um Óscar. De resto, nem “Manhattan” teria
sido a sua escolha para aquela tarde. “Não o odeio”, re-
vela, mas há outros de que gosta mais. Se dependesse
dele, o público que lotou a Sala M. Félix Ribeiro teria
visto “Match Point”, “Meia-Noite em Paris”, “A Rosa
Púrpura do Cairo”, “Balas sobre a Broadway” ou “Ze-
lig”. “Esses estão entre os meus preferidos”, assegura.
“Não gostei quando vi ‘Manhattan’ pela primeira VISITA Woody Allen fotografado pelo Expresso em Lisboa
vez. Pedi à produtora para não lançar o filme e dispus-
-me a fazer outro de borla. Responderam que eu era
louco, que não podiam deitá-lo fora”, recorda. “Mas foi Chalamet tinham doado os salários e jurado que nun- agradáveis à vista. E não admira, Woody Allen traba-
um sucesso tremendo. As pessoas adoram-no e ainda ca mais voltariam a trabalhar com o realizador. Não lhou sempre com os melhores diretores de fotografia.
hoje é mostrado um pouco por todo o mundo”, como, foram os únicos a estabelecer um cordão sanitário. O “Estive 10 anos com o Gordon Willis, que é um génio.
de resto, se comprovou nesse dia. filme só veria a luz depois de uma batalha legal com Trabalhei muitos anos com Carlo di Palma, Darius
Outra coisa que se comprovou — não na Cinemate- a Amazon Studios, que não só se recusava a exibi-lo Khondji, Sven Nykvist, e agora Storaro, que é o me-
ca mas nas caixas de ressonância que são as redes so- como cancelou o contrato para mais quatro filmes que lhor que eu já tive.”
ciais — é o carácter polarizante de Woody Allen. Quem tinha com o realizador. O enredo explora um conceito a que Allen regressa
foi à Rua Barata Salgueiro na tentativa de o ver vai, E Woody Allen, será que se sente cancelado? Eis volta e meia desde “Match Point”, já de si um revisitar
muito provavelmente, levá-lo para sempre junto ao a resposta: “Eu só trabalho. Sou muito focado. Nunca de “Crimes e Escapadelas” (1989), que, por sua vez, foi
coração. Não importa que a filmografia tenha perdido vejo os meus filmes. Levanto-me, faço os meus exer- beber inspiração a Dostoievski, em “Crime e Castigo”:
fulgor dos anos 2000 para cá — ainda que intervalada cícios e sento-me a escrever. Quando acabo a escrita o niilismo moral e o peso do acaso, como é que se vive
pelo ocasional regresso à boa forma, como em “Blue do filme, realizo-o. Assim que termino, ponho-o de sabendo que se matou e como é que a sorte determina
Jasmine” (2013) — ou que Dylan Farrow, a filha adoti- lado, nunca mais olho para ele e vou direto ao filme o destino. “Sempre fui influenciado pelos realizado-
va, o acuse de ter abusado sexualmente dela quando ti- seguinte. Esse sistema tem funcionado bem para mim, res europeus. Eram os nossos heróis. Os filmes ame-
nha 7 anos. Fazem ouvidos moucos às alegações, reba- foi como consegui fazer 50 filmes em [pouco mais de] ricanos eram mais escapistas e comerciais, enquanto
tendo-as com factos: que o caso foi investigado a fundo 50 anos. Nunca leio as críticas, nunca leio as minhas os franceses, os italianos, os suecos eram excitantes,
na altura das alegações, em 1992, que se fizeram todos entrevistas. Não me interessa o que dizem sobre mim, inovadores e artísticos”, diz.
os exames, consultaram-se peritos, médicos, psicólo- se adoram o filme e acham que sou um génio ou se o Hoje talvez seja fácil esquecer, mas, durante um
gos, e que o sistema judicial concluiu não haver maté- odeiam e pensam que sou péssimo. Nada disso tem al- período significativo do século XX, Woody Allen foi
ria para ir a julgamento. gum significado para mim. Sou muito focado.” dos cineastas mais importantes a trabalhar nos Esta-
Já do outro lado da barricada não sobram dúvidas Não nega que tem sido difícil conseguir financiar dos Unidos. Talvez não com as suas primeiras comé-
sobre a culpabilidade de Woody Allen. E, na falta de os filmes, o que explica as incursões europeias — já dias — os filmes-revelação com que o humorista que
provas, evocam-se os relatos intensos e dolorosos de filmou em Espanha, Inglaterra, Itália e França —, mas escrevia piadas para a televisão, rádio e teatro se tor-
Dylan e Mia Farrow no documentário da HBO “Allen diz que, na verdade, nunca foi fácil. “O meu grande nou realizador —, mas com os da fase mais madura,
vs. Farrow” (2021) para meter o cineasta na mesma ga- problema foi sempre o financiamento, porque nunca com início na sequência “Annie Hall” (1977), “Inte-
veta de Weinstein e Polanski. deixo ninguém ver o guião, nem deixo que me digam riores” (1978) e “Manhattan” e que se estende quase
É verdade que o assumir do relacionamento com que atores é que vão entrar no filme. Se eu não quero até ao virar do século, até “As Faces de Harry” (1997)
Soon-Yi Previn, filha adotiva de Mia Farrow e André trabalhar com grandes estrelas de cinema, essa de- — esses perduram e hão de perdurar.
Previn, em 1992, quando esta tinha 21 anos e ele 56, cisão é minha. Mas eles não gostam”, diz. “Por ou- Woody Allen não desmente o rumor de que este
não ajudou na sua defesa — e em qualquer discussão tro lado, os meus filmes são muito baratos de fazer.” possa ser o seu último filme, mas também não o con-
sobre o escândalo, este é o momento em que os fãs in- Também se queixa de problemas crónicos em firma. “É possível. Quando me perguntam qual é a
correm no ‘whataboutism’ de apontar para a diferença encontrar distribuição. “Quando terminei o ‘Match parte mais difícil de fazer filmes, a resposta é sempre
de idades entre Mia Farrow e o seu primeiro marido, Point’ [2005], ninguém o queria distribuir. O mesmo encontrar o dinheiro. Não sei se quero voltar a passar
Frank Sinatra — ela tinha 21 anos, ele 51 —, para tentar passou-se com ‘Meia-Noite em Paris’ [2011]. Ninguém por esse processo, que é aborrecido e desagradável”,
minimizar o escândalo, que o foi. os queria. Mas quando, finalmente, conseguimos co- lamenta. Depois há o facto de o cinema ter mudado
É provável que nunca se venha a descobrir quem locá-los fora, toda a gente adorou e eles fizeram muito na forma. “Agora estreiam-se filmes que passam duas
mente, se Woody Allen, que sempre refutou tudo, se dinheiro. Pensar-se-ia que o próximo seria mais fácil, semanas no cinema e depois vão para o streaming, ou
Dylan e Mia Farrow. E pouco parece importar, porque mas nunca é.” então nem chegam a estar em sala. Nenhum reali-
as alegações, que ecoaram de novo em 2014, foram “Golpe de Sorte” marca a quinta colaboração con- zador que eu conheça gosta disso. É desmotivante.”
amplificadas até ao ensurdecer pelo movimento Me secutiva com Vittorio Storaro, lendário diretor de fo- Posto isto, se o financiamento nunca faltasse,
Too, cujo eclodir, em 2017, coincidiu com a produção tografia de Coppola (“Apocalypse Now”) e Bertolucci Woody Allen provavelmente continuaria a filmar en-
de “Um Dia de Chuva em Nova Iorque” (2019). Quan- (“Último Tango em Paris”). Goste-se mais ou menos quanto a saúde lhe permitisse. “Ideias não me faltam.
do o filme ficou pronto, já Selena Gomez e Timothée dos filmes de Allen, reconheça-se que são sempre Já fiz 50 filmes, talvez pudesse fazer 75.” b

E 25
O BOM
Q
em França e, facto inédito para Allen, falado em
francês. A estreia portuguesa é já para a semana, nos
Estados Unidos nem conseguiu ainda distribuidor.

VELHO
O realizador de “Manhattan” tornou-se tóxico no
seu país natal. Não admira que, no Festival de Ve-
neza onde o filme teve a sua estreia mundial com

WOODY
uma receção retumbante de imprensa e de público,
uando, em janeiro de 2018, Dylan Farrow foi à te- Woody Allen tenha admitido a hipótese de “Golpe
levisão, numa emissão da CBS, reiterar acusações de Sorte” — opus 50 — ir ser a sua derradeira obra
de ter sido molestada em criança por Woody Allen, cinematográfica. Cumpre 88 anos em novembro,

ALLEN seu pai adotivo, o facto caiu como uma bomba na


vida do cineasta. Não era nada de novo, as primei-
ras denúncias surgiram em 1992, quando Allen es-
ideias para filmes, diz, não lhe faltam, mas não tem
paciência para continuar a angariar financiamentos
de porta em porta.

ESTÁ
tava em pleno e explosivo processo de separação de Se ficar por aqui, não deixa má memória. Pelo
Mia Farrow. Investigadas, detalhadamente, por duas menos não deixa a sensação de um cineasta em per-
instâncias judiciais, as queixas foram declaradas im- da de consistência, que continuava a ter uma toada

DE VOLTA
procedentes e o realizador nem sequer chegou a ser melancólica e bem humorada, mas tinha perdido
acusado na Justiça. Allen sempre negou, as investi- nervo, odor que os seus dois filmes anteriores exa-
gações corroboraram não haver quaisquer indícios lavam. Em “Golpe de Sorte” há, outra vez, intérpre-
de ter abusado a filha e o caso ficaria na memória tes em estado de graça e um cineasta alerta para as
das gentes como uma peça da vingança de Mia Far- coisas da vida e para as perplexidades morais que
row contra o marido. Mas, adulta já, Dylan voltaria ela nos provoca.
É um drama com sorrisos, a falar publicamente no assunto em 2014, em car- Numa luminosa manhã parisiense, Alain/Niels
uma história de adultério castigado. ta aberta publicada no “The New York Times”, sem Schneider encontra, por acaso, Fanny/Lou de Laâ-
consequências. Quando tornou, em 2018, o terreno ge); ele é um americano a vaguear pelo Velho Con-
Com uma certeza: no vagar estava adubado pelo movimento #MeToo para que tinente tem um romance entre mãos, nunca mais
dos acasos, amores e culpas a acusação medrasse. Não judicialmente — Woody desabrocha, vive só numa mansarda que parece um
caminham para o oblívio Allen nunca enfrentou qualquer tribunal a propósi- cliché romântico — e é; ela trabalha num leiloeiro
to destas alegações — antes no muito mais insidioso de arte, está casada com um tipo (Jean/Melvil Pou-
universo do clamor público, onde não há presunção paud) cujo trabalho é tornar os ricos ainda mais ricos
de inocência, regras processuais, práticas democrá- e, de caminho, enriquecer também, vivem numa
ticas, onde não há modo de alguém anular o vere- casa magnífica, amam-se, o mundo é bom, pelo
dicto ‘culpado’ que se instala. menos para eles. Acontece que, anos atrás, na fa-
Para o cineasta houve um súbito colapso da sua culdade americana que ambos frequentavam, Alain
vida profissional. A estreia do filme que tinha pron- tinha uma fixação amorosa em Fanny, só que ela es-
to — “Um Dia de Chuva em Nova Iorque” — esteve tava, demasiado bela, demasiado longe numa esfe-
suspensa e, quando ocorreu, foi severamente limi- ra de popularidade a que ele não podia ambicionar.
tada. Os financiadores recuaram, os grandes atores Agora, porém, em território neutro e sem imediatos
e atrizes (que, até então, faziam fila e pressão para intentos amorosos, ela aceita um convite dele para
estar nos seus filmes onde sabiam ir ganhar pouco almoçar. E é assim que, de sanduíche em sanduíche
dinheiro e muito prestígio, eventualmente Ósca- pelos belos parques de Paris, eles vão almoçando
res...) nem queriam passar perto, não fossem ‘conta- uma e outra e outra vez. Um dia vão até ao aparta-
TEXTO minar-se’. Só na Europa encontra acolhimento para mento dele. E já está.
JORGE LEITÃO RAMOS filmar. “Rifkin’s Festival”, a sua obra seguinte, é feita O entremez adúltero não é uma paixão assolapa-
em Espanha, mais concretamente no País Basco. E da. Ela não põe a hipótese de deixar o marido, que,
EM VENEZA
três anos depois — hiato nunca antes experimentado aliás, ama, ele não tem demasiadas ilusões quanto à
na sua carreira — surge “Golpe de Sorte”, realizado durabilidade da ocorrência. Vão vivendo a felicida-
de dos dias, condimentada com a pimenta da trans-
gressão. Quem está muito atento aos sinais é Jean.
Não chegou onde chegou por andar de olhos fecha-
dos, quando lhe falam em sorte ele argumenta que
a sorte trabalha-se, há aliás um rumor inquietante
sobre o desaparecimento súbito de um sócio, anos
antes, facto que lhe deu um grande empurrão para
a fortuna. E Jean resolve repetir a receita com Alain.
Dos bons resultados ou dos maus futuros de toda
esta trama saberá quem ao filme for. Deixem-me di-
zer, contudo, que o destino provará que a sorte existe
mesmo, ao mesmo tempo deixando o lastro de nos
mostrar a fugacidade dos amores e a evanescência
das culpas. Tudo num tom leve, musiquinha de jazz,
clarinete em volteio, nada de trompetes aos gritos. b
THIERRY VALLETOUX

QQQQ
GOLPE DE SORTE
De Woody Allen
Com Lou de Laâge, Melvil Poupaud, Niels Schneider
(França/EUA)
RODAGEM Woody Allen com o diretor de fotografia Vittorio Storaro no set de “Golpe de Sorte” Comédia dramática M/12 (estreia-se a 5 de outubro)

E 26
Será que podia falar um pouco sobre seguinte e fazemos dois espetáculos Jonathan Winters, Mort Sahl. Estes dinheiro a fazer o filme e tinham um
os seus dias de stand-up comedy? Se todas as noites e dois ou três aos fins eram grandes comediantes e não acho empréstimo bancário que tinham de
se lembra desses dias com carinho, de semana. E às vezes é meia-noite e que ninguém hoje seja tão bom. pagar. E não podiam, simplesmente,
se sente falta deles. há apenas algumas pessoas no públi- deitar fora o filme. Então, lançaram
Tenho saudades, mas nunca mais o fa- co e temos de fazê-las rir. E é uma vida Consegue explicar o seu fenómeno? o filme e foi um sucesso gigantesco
ria. E quando comecei, era sempre o muito dura. Fi-lo porque conseguia Alguém que escreve uma comédia em todo o mundo. E, até hoje, o fil-
escritor. Sou sempre excelente quan- fazê-lo, mas não era algo que adoras- extremamente sofisticada e que ainda me é projetado em salas de cinema
do estou sozinho numa sala. Quando se fazer para o resto da vida. E, volto a assim tem um enorme sucesso? por todo o lado e é um grande suces-
era pequeno, era um mágico amador. dizê-lo, porque tive sorte na vida. Al- Bem, comédia sofisticada em prosa, so. Por isso, fiquei quieto. Não disse
Estava numa sala e praticava com car- gumas pessoas vieram ver-me a atuar se estiver a falar de literatura. Sabe, nada. E acabei por me afastar e cor-
tas e lenços e outras coisas. Mas esta- e gostaram do que viram. E disseram- há uma quantidade muito pequena reu tudo bem. Desde então, fiz mui-
va sozinho. Eu pratico o clarinete so- -me: damos-te, na altura foi 40 mil dó- de pessoas que lê o que quer que seja tos filmes de que gosto muito mais do
zinho, numa sala sem ninguém. Es- lares, para escreveres um filme e po- e uma quantidade ainda menor que lê que esse. Acho que são filmes muito
crevo sozinho na sala. Sempre gostei des entrar no filme e podes escrevê-lo. textos humorísticos. Assim, o grande melhores, mas as pessoas gostam do
disso. Então, era escritor e não gostava E escrevi e teve muito, muito sucesso. apelo que eu possa ter, quando o te- “Manhattan”. Considero que é um
de sair do meu espaço. E depois deci- Eu tinha pavor. Foi uma experiência nho, está no cinema, e não é um ape- golpe de sorte. Acabei de fazer um
di que iria tentar ser comediante. Fui horrível. Mas escrevi-o e nunca mais lo assim tão amplo. Os meus filmes filme em francês chamado “Coup de
muito influenciado por um comedian- voltei aos clubes noturnos. Entrei no nunca foram grandes máquinas de fa- Chance” e é todo em francês. Não falo
te americano naquela época, Mort Sahl, cinema e fiquei no cinema, que é uma zer dinheiro. Foram sempre para um francês, mas fiz um filme em francês.
que é, para mim, o melhor comedian- vida muito mais calma, uma vida mui- público especial. Tinha uma audiên- E o filme é sobre a sorte que temos de
te americano daquela época. E estava to melhor do que ser comediante. Mas cia muito leal. Está por todo o mundo, ter na vida, quão importante é a sor-
com muito medo de subir ao palco. É às vezes sinto falta. Às vezes penso que mas é limitada. Não tenho um público te na vida. Tenho tido sorte desde o
uma coisa muito assustadora. Vamos podia estar diante de uma plateia e fa- grande e abrangente. E, em termos de primeiro dia. Não tive mais nada que
para o palco e há 200 pessoas a assis- zê-los rir e gostaria de o fazer, mas não material sofisticado, os meus filmes não sorte. Algumas coisas acontece-
tir, 300 pessoas, e temos de as fazer rir. gostaria assim tanto. têm-se saído bem. ram por culpa minha, porque as fiz
Temos de manter as pessoas a rir, caso corretamente e isso é bom. Mas mui-
contrário, torna-se muito angustiante. Há algum humorista contemporâneo Falando nisso, e porque vai ser exi- tas outras coisas foram por sorte. O
Por isso temos de manter as pessoas a ou comediante de que gosta, que siga bido “Manhattan”. Gostaria de dizer “Manhattan” foi sorte. Se tivesse le-
rir. E percebi que isso era assustador. com atenção? algo sobre o filme? vado a minha avante, a United Artis-
Mas que, de imediato, era muito bom Está a perguntar à pessoa errada. Sou Este é um fenómeno interessante. O ts tinha-me ouvido e tinha dito: “Ok,
a fazê-lo. Assim que entrei em palco, um crítico muito duro. E tenho de lhe criador de algo nunca é juiz do seu não estreamos o filme e fazes outro
tive grandes gargalhadas da plateia dizer que não. Não os vejo a todos. E próprio trabalho. Eu costumo fazer de graça.” Mas, felizmente para mim,
e o meu agente da altura, que geria a quando estou na televisão e aparece um filme, acho que é ótimo. Ninguém o filme estreou e foi um enorme su-
minha carreira, disse-me que quando um comediante, rio-me sempre, sou gosta. Eu faço um filme, acho que é cesso na altura. Por isso, é muito im-
ouvi aquelas gargalhadas, me encolhi sempre agradável. Mas não, não há terrível... Quando terminei o “Ma- portante. Se alguma vez virem o novo
e fiquei visivelmente assustado. Mas grandes comediantes quando com- nhattan”, vi-o e fui à empresa que o filme francês “Coup de Chance”, que
era apenas algo que podia fazer, e co- parados com... Isto pode ser uma coi- financiou, a United Artists, e disse: não é uma comédia, é um melodra-
mecei a fazê-lo e atuei em bares e sa- sa geracional. É possível. Ninguém “Se vocês pegarem neste filme e não ma como “Match Point”, fala sobre a
las de espetáculos, mas principalmen- nunca pensa que os novos são me- o lançarem, faço outro filme de graça. sorte e a importância da sorte na vida.
te em bares pela América. E conseguia lhores do que os antigos no que quer Não gosto dele. Não o estreiem e faço E eu tive uma vida com muita sorte.
sempre fazer as pessoas rir. Mas é uma que seja. Quer sejam automóveis, co- outro e não vos cobro nada por isso.”
vida muito árdua. Fazemos dois espe- mediantes ou qualquer coisa. Aque- E responderam-me que não era possí- Um senhor da plateia está a obrigar-
táculos por noite, todas as noites, e três les de que falei, e não me incluo nessa vel, que era uma loucura. Era um bom -me a perguntar quando é que vai
à sexta-feira e três ao sábado. E depois lista, mas os outros eram muito, mui- filme e não se podiam dar ao luxo de fazer um filme em Portugal?
terminamos, partimos para a cidade to bons. Mike Nichols e Elaine May, fazer uma coisa dessas. Tinham gasto Fazer um filme quê?

Em Portugal. Aqui em Portugal.


Bem, tenho de ter uma ideia para Por-
tugal. Não posso ter apenas uma ideia
que possa fazer em Nova Iorque, Pa-
ris ou Londres e forçá-la para Portu-
gal. É preciso ter uma ideia. Assim,
quando o filme estreia vemos que só
poderia ser feito em Portugal, que há
uma razão para fazer aquela ideia em
Portugal. Esta manhã estive no Porto.
Ontem à noite demos um concerto de
Algumas pessoas envelhecem bem jazz na cidade. E o Porto é uma cida-
de maravilhosa, nunca lá tinha estado
e comportam-se adequadamente e apaixonei-me por ela. Foi ótimo. Já
estive em Lisboa cinco vezes. Adoro.

para a sua idade. Algumas ficam Adoraria ter uma ideia para um filme
que funcionasse aqui. A minha famí-
lia adora vir cá. Adoraria passar cá
pessoas velhas, mal-humoradas, dois meses, três meses em vez de che-
gar e partir ao fim de dois dias. Mas é

desagradáveis, amargas ou tolas, ou preciso uma ideia... Se tiver alguma


ideia sobre sardinhas, então aí... b

começam a sentir os efeitos da velhice” e@expresso.impresa.pt

E 27
Libertem
TEXTO
VALDEMAR
CRUZ
JORNALISTA

HISTÓRIA Mick Jagger


e Ron Wood a atuar
em Oshawa, Canadá

E 28
m o Keith! Para evitar ser preso, Keith Richards
arrastou em 1979 os Rolling
Stones para uma dose dupla de
tumultuosos concertos no mesmo
dia. Aconteceu num auditório em
Oshawa, perto de Toronto, em
benefício de um instituto de cegos,
por decisão do tribunal. Pedro Lobo
— hoje fotógrafo profissional mas
então um jovem estudante de
fotografia no Canadá — estava lá e
mostra agora pela primeira vez uma
seleção das imagens registadas
durante esse momento histórico

E 29
S
ão 4h da tarde em Oshawa, uma pequena cidade
canadiana a uns 60 quilómetros de Toronto. Na-
quele domingo, dia 22 de abril de 1979, o modes-
to pavilhão do Civic Auditorium, com capacidade
limitada a 5 mil lugares, vai receber dois concer-
tos da já à época considerada a maior banda de ro-
ck’n’roll do mundo. Os Rolling Stones subirão de
novo ao palco às 20h30, mas não irão receber um
cêntimo pelas duas atuações, nem sequer pelas gi-
gantescas despesas inerentes à montagem dos es-
petáculos. Em rigor, não é um concerto dos Stones.
Os bilhetes anunciam Keith Richards CNIB Benefit
Concert, visto todas as receitas reverterem em favor
do Instituto Canadiano dos Cegos (CNIB na sigla em
inglês). Era o corolário de um período negro da vida
de Keith Richards, preso no ano anterior na suíte
de um hotel em Toronto com a acusação de posse e CONCERTO
tráfico de droga. Foi a julgamento sob a ameaça de O guitarrista Keith
uma pena de sete anos de prisão, mas saiu do tri- Richards ao lado de Mick
bunal com pena suspensa por um ano e a obriga- Jagger. À direita, Ron
toriedade de, no prazo máximo de seis meses, dar Wood, noutro momento
do espetáculo
dois concertos em benefício dos invisuais.
Naquele dia, Pedro Lobo, um jovem português de
23 anos a estudar fotografia num instituto de Toron-
to, recebe um telefonema de Natalia Moskowa, uma
amiga de origem ucraniana que conhecera durante
o primeiro ano de aulas. Natalia tem 19 anos, passa- por causa da velocidade de disparo. Além disso, era em relação ao palco, mantinha um olhar felino, de ex-
ra horas e horas de vários dias na fila para comprar necessário compensar na revelação”. pectativa, pronto a captar cada instante. Terminada a
bilhetes e, de repente, vê-se sem companhia para Foi uma noite inesquecível e “uma situação in- função, revelou as fotografias e guardou-as. Até hoje,
ir ao concerto. Acabara de romper com o namora- crível para um rapaz que sai de Guimarães, vai para salvo uma episódica aparição de alguns fotogramas
do. Pedro conhecia toda a agitação gerada à volta da o Canadá e de repente está a fotografar um concerto numa exposição realizada na Cooperativa Árvore em
presença dos Stones em Oshawa. Perante o convite, dos Stones”. Disparou à medida das disponibilida- 1981. São essas imagens únicas de um concerto car-
nem hesita. Pega na sua Canon F1, comprada uns des económicas. Aquele não era ainda o tempo das regado de história e nunca antes mostradas em toda a
meses antes, e avança com as suas lentes de 200, 100 facilidades concedidas pelo digital. Os fotógrafos sua dimensão que agora vão poder ser vistas.
e 50 milímetros. Fotografara já alguns concertos de tinham de se conter na vontade de captar imagens. Há uns meses aconteceu o regresso àquele mo-
jazz nos bares de Toronto, embora nada comparável Não podiam dar-se ao luxo, como agora, de foto- mento épico. Sabedor de que Dirk Niepoort, o conhe-
à dimensão de um evento daquela natureza. grafar indefinidamente ou pelo menos enquanto cido produtor de vinhos de quem é amigo, é “um ver-
Pedro beneficia das facilidades então existentes houver memória nos cartões ou discos disponíveis. dadeiro fanático pelos Rolling Stones”, Pedro Lobo
para se movimentar, dado não existirem ainda os Pedro Lobo fez quatro rolos. São mais de 100 ima- ofereceu-lhe uma foto daquela série guardada ao lon-
controlos hoje tornados banais. Foi uma festa den- gens. “Cada rolo custava um dinheirão, e a revelação go de décadas. Dirk não descansou enquanto não viu
tro da festa, mesmo que na altura o grande entu- também era cara, apesar de ter um quarto escuro em a totalidade da coleção. Ficou de tal ordem entusias-
siasmo musical de Pedro Lobo andasse à volta do casa e outro na escola.” mado que logo propôs organizarem uma exposição na
free jazz. Era de noite, recorda o atualmente fotó- Percebeu estar a viver um momento histórico, sua Quinta de Nápoles, no Douro, acompanhada de
grafo profissional. Lembra-se de ter utilizado ba- embora tenha a noção de não ter propriamente usu- um pequeno livro com algumas imagens.
sicamente a lente de 200 milímetros e um filme de fruído do espetáculo. Não conseguia estar sentado. Ao recordar aqueles dias de 1979, o fotógrafo diz
ISO 400, “mas tinha de fazer de maneira a dar 3200 Sempre em movimento, situado numa posição lateral que aqueles bilhetes lhe caíram do céu. “As entradas

E 30
Naquele início de primavera fazia ainda frio.
Coube a Natalia o último turno de domingo à noi-
te e madrugada até à abertura da bilheteira na se-
gunda-feira de manhã. Ela estava bem à frente na
fila. Porém, recorda, “quando as portas se abriram,
as pessoas ficaram muito excitadas e começaram a
empurrar. Eu estava a começar a ficar esmagada por
todos aqueles corpos quando um polícia veio, agar-
rou-me pelo braço e me retirou da fila”. Uma hipo-
tética salvação foi em simultâneo uma desilusão de
tal ordem intensa que, diz, “tentava conter-me e não
chorar quando vi os meus dois amigos”. Mas com
eles vinha a salvação, visto terem conseguido com-
prar quatro entradas. Natalia lembra-se ainda hoje
de ir no Metro tão contente que não resistiu a dizer
a uns desconhecidos que ia ver os Stones.
Os lugares eram suficientemente maus para, re-
vela, “não se ver nada”. Isso não importava, nem
atrapalhou Pedro Lobo. Natalia lembra-se de o ver
a vaguear pelo auditório de modo a aproximar-se
o máximo possível do palco. Primeiro atuaram, em
estreia, The New Barbarians, uma banda de suporte
constituída por Ron Wood, Keith Richards, Stanley
Clarke e Ian McLagan. O grupo acabou por dar pou-
cos concertos e fora constituído para promover o ál-
bum “Gimme Some Neck”, de Ron Wood. No fim da
atuação, Keith Richards permaneceu em palco até
entrar Mick Jagger. Abriram os dois o concerto em
modo acústico com ‘Prodigal Son’. Só depois aconte-
ceu a explosão da banda completa com ‘Let it Rock’.
Prosseguiram com ‘Respectable’, ‘Star Star’, ‘Beast of
Burden’, ‘Just My Imagination (Running Away with
Me)’, ‘When the Whip Comes Down’, ‘Shattered’ e
‘Miss You’. E terminaram com ‘Jumpin’ Jack Flash’.
Pousadas as guitarradas, apagadas as luzes, Keith
Richards podia, por fim, respirar de alívio. Vivera feliz
o fim de uma odisseia iniciada no dia 27 de feverei-
ro de 1977. Enquanto a banda estava em Toronto para
uma sessão de gravações do álbum “Love You Live”
no Mocambo Club, o guitarrista fora surpreendido
numa suíte do hotel Harbour Castle na posse de qua-
se 30 gramas de heroína e uns 5 gramas de cocaína.
Aquelas quantidades permitiam acusá-lo de tráfico
de droga, o que, nos termos da lei canadiana, implica-
ria uma pena de sete anos a prisão perpétua. Poderia
ser o fim dos Rolling Stones. A situação era de gran-
de gravidade, dados inclusive os antecedentes de Ri-
chards com as autoridades relacionados com posse e
consumo de drogas desde os anos 60. Keith foi liber-
tado após o pagamento de uma elevadíssima caução

Pedro Lobo eram caras e, por isso, nunca iria comprar.” Para as
duas atuações da banda foram postas à venda um
e a aceitação de condições. A banda, a conselho do
próprio guitarrista, optou então por deixar o Canadá.

fez quatro total de 9 mil entradas, das quais um terço estava


reservado para invisuais. Reportagens da época in-
Até porque eram conhecidos os problemas com dro-
gas de outros elementos preponderantes dos Stones.

rolos durante dicam que, no mercado negro, chegaram a ser ven-


didos bilhetes por 75 dólares canadianos, correspon-
Para tentar assegurar o controlo de danos entrou
em campo Bill Carter, um advogado, agente secreto,

o concerto. dentes hoje a 304 dólares.


Natalia Moskowa, agora a viver em Thunder Bay,
político, lobista e consultor de segurança de vários
músicos, entre eles Keith Richards. Em 1975, conta

São mais de uma cidade na região de Ontário, conserva memó-


rias muito vívidas sobre tudo quanto antecedeu o
o guitarrista em “Life”, a sua biografia publicada em
Portugal pela Editora Theoria, já Carter garantira às

100 imagens. concerto. Com um grupo de amigos, todos grandes


fãs dos Stones, conceberam um plano para aceder
autoridades norte-americanas responsáveis pela con-
cessão de vistos que não voltariam a ocorrer proble-

“Cada rolo ao espetáculo. Resolveram fazer turnos para garan-


tir presença na fila, já que os primeiros a acampar
mas de drogas com Keith. Com a bomba de Toronto
nas mãos, Carter dirigiu-se a Washington não para
começaram a chegar numa quinta-feira. A bilhe- contactar o Departamento de Estado ou de Imigração
custava um teira só abriria na segunda-feira e os concertos só
iriam realizar-se no domingo seguinte. A imagem
mas a Casa Branca. Graças aos seus conhecimentos,
conseguiu falar com o conselheiro de Jimmy Carter
dinheirão”, de caos naquelas longas filas de jovens em sacos-
-camas e tendas é uma das memórias mais fortes
para a área das drogas e obteve um visto especial de
entrada nos EUA. A justificação dada foi de que se
recorda de quantos por lá passaram. tratava, antes de mais, de um problema médico, só

E 31
possível de resolver através dos ofícios de uma tal Meg
Patterson, criadora da “terapia da caixa negra, à base
de vibrações elétricas”, escreve Keith Richards. Mais
ainda: Bill Carter conseguiu que o tribunal canadiano
consentisse que o músico viajasse para os EUA.
O processo original relativo à prisão e julgamento
do guitarrista dos Rolling Stones chegou a ser posto
em leilão pela Sotheby’s. Foi arrematado por 20 mil
dólares. No resumo de apresentação do processo, a
leiloeira escreve que, “nos meses que mediaram entre
a prisão e o dia do julgamento, Richards ficou sóbrio
e seguiu um intensivo regime de tratamento psiquiá-
trico”. Quando Keith Richards se apresentou no dia
23 de outubro de 1978 perante o juiz Lloyd Grabum
tinham decorrido 19 meses desde a rusga ao quarto
de hotel. Durante aquele período, Keith viajara inú-
meras vezes em avião privado entre Nova Iorque e To-
ronto para comparecer nas audiências, onde, recor-
da na biografia, “tinha de provar que estava limpo e
que tinha cumprido todas as etapas do programa de
reabilitação”. Além disso, tinha de passar por uma
avaliação de tratamento psiquiátrico em Nova Iorque.
O processo arrastava-se e complicava-se, do pon-
to de vista de Keith Richards, ao ganhar alguns con-
tornos políticos quando a imprensa envolveu Marga-
ret Trudeau, a jovem mulher do primeiro-ministro do
Canadá, de quem se dizia ter um caso com Ron Wood.
Sempre que Keith Richards comparecia em tribu-
nal, algumas centenas de pessoas manifestavam-se
à porta com cartazes onde escreveram “Libertem o
Keith!”. O novo estado de sobriedade do guitarris-
ta tornou-se central para uma defesa muito criativa,
apostada em apresentar um homem vítima das suas
circunstâncias, submetido a grandes pressões emo-
cionais, resultantes da enorme projeção internacio-
nal, o que o teria levado a refugiar-se na heroína.
À última hora, a acusação de tráfico foi transfor-
mada em acusação de posse, o que alterava todo o
possível panorama punitivo. Talvez isso tenha aju-
dado à originalidade da sentença de Lloyd Grabum.
Embora tivesse considerado Keith Richards culpado, INSTANTES Charlie
o juiz decidiu não o mandar para a prisão pelo facto Watts ‘escondido’
de ser toxicodependente. Concedeu-lhe a liberdade, atrás da bateria
até para poder continuar os tratamentos. Colocou, durante um dos
todavia, uma condição: Keith Richards tinha de dar concertos no Civic
Auditorium
um concerto em benefício dos cegos.
O porquê dos cegos tem uma explicação qua-
se sentimental. Rita era uma jovem invisual que há
muito tempo viajava à boleia para assistir a todos
os concertos dos Rolling Stones. A sua determina-
ção chegara aos ouvidos de Keith numa conversa de na altura, com as fotografias. Ficaram guardadas Percebe-se em Natalia alguma nostalgia na re-
bastidores. Sensibilizado com a história, o guitarris- até 1981. Naquele ano fez uma caixa para uma ex- construção daquelas memórias, plasmadas na cor-
ta pedira aos motoristas dos camiões da banda para posição de imagens de todos os seus concertos e aí respondência trocada para este trabalho. Recorda
a transportarem em segurança e garantirem-lhe a incluiu uma ou outra foto dos Stones. A mostra foi o fim da atuação dos The New Barbarians: “Keith
alimentação necessária. então organizada pelo seu cunhado Alberto Xavier permaneceu em palco sozinho com uma guitarra
A determinação de Rita manifestou-se uma vez Guimarães, o célebre “Becas”, fundador do celebér- acústica e começou a dedilhar os acordes de aber-
mais após a rusga policial responsável pela prisão do rimo bar portuense Aniki Bobó, em cuja génese está tura de ‘Prodigal Son’, do álbum ‘Beggars Banquet’.
guitarrista e durante o processo. Um dia conseguiu também Pedro Lobo. Quando entrou Mick Jagger, iniciaram um dueto.
descobrir a casa do juiz e chegar à fala com o ma- Quatro décadas decorridas sobre estes eventos, A multidão enlouqueceu.” Indiferente aos gritos, ao
gistrado. Contou-lhe toda a sua história e como ti- as fotografias do inusitado concerto dos Rolling Sto- turbilhão de emoções, Pedro Lobo começou a fo-
nha sido ajudada. Ao fazê-lo, deu uma ideia a Lloyd nes surgem pela primeira vez em todo o seu esplen- tografar o mais estranho dos concertos dos Rolling
Grabum, materializada na sentença proferida. “O dor. Num primeiro momento, quando Dirk Niepoort Stones. Tão estranho que, tanto quanto foi possível
amor e a devoção de pessoas como a Rita é coisa que lhe sugeriu a exposição, Pedro Lobo “ficou nervo- apurar, nunca mais voltaram a fazer duas atuações
nuca deixa de me maravilhar. E assim, aha!, encon- so e a achar que não tinham qualidade bastante no mesmo dia.
trou-se uma solução”, escreve Keith Richards na sua para aguentarem uma exposição”. O regresso às fo- As fotografias poderão ser vistas na Quinta de
biografia, em que chega a utilizar algumas teorias tos mudou-lhe a perspetiva. Percebeu a existência Nápoles, entre o Pinhão e a Régua, e a partir desta
da conspiração para explicar a perseguição de que “ali de algum trabalho de luz” e sentiu ter “algu- sexta-feira passarão a ser exibidas na Galeria Fer-
se sentia alvo. mas muito boas”. Ao olhar para trás, continua a ter nando Santos, no Porto. b
Quarenta e quatro anos passados de todos estes pena de ter sido obrigado a fotografar de lado, dada
episódios, Pedro Lobo sublinha não ter feito nada, a localização do bilhete disponibilizado pela amiga. e@expresso.impresa.pt

E 32
O clube das
empresas de mil
milhões de euros
As empresas e os grupos que em Portugal têm volumes
de negócios acima de mil milhões de euros são uma gota
de água na estrutura empresarial. Nesta meia centena
de empresas, há grandes companhias estrangeiras
a exportar e portuguesas a internacionalizar-se

TEXTO
FILIPE S. FERNANDES
JORNALISTA

E 34
E 35
GETTY IMAGES
G
unnar Wingren, inspetor de exportação da Volvo, de 7 mil trabalhadores. Além da fábrica de auto-
chegou a Portugal em 1933 com a missão de encon- móveis Toyota-Caetano e da unidade de produção
trar um representante para a marca fundada seis de autocarros elétricos e a hidrogénio, a Caetano
anos antes e que era praticamente desconhecida Bus tem uma rede de distribuição automóvel que
no mercado. A tarefa não foi fácil, por isso insistiu a partir de Portugal se espalha pela Espanha, Sué-
com Luiz Óscar Jervell, um norueguês portuen- cia, Dinamarca, Hungria, Colômbia, e por 19 países
se de uma agência de navegação, para que este se africanos, desde Angola ao Quénia, passando pelo
tornasse representante da marca Volvo. Em junho e Benim, Cabo Verde, República Centro-Africana,
julho de 1933, Luiz Óscar Jervell importou as duas Moçambique, Chade ou Gabão.
primeiras unidades Volvo da série 70. Da Noruega Em 2022 as 10 maiores empresas exportadoras
veio também Ingvar Jensen, que era inspetor téc- em Portugal representaram 19,5% do total de ex-
nico para a assistência após-venda da Volvo, e que portações, e três eram de capital alemão: Autoeu-
se deslocava com regularidade a Portugal, tendo-se ropa, Continental-Mabor e Bosch Car Multimedia.
tornado amigo de Luiz Óscar Jervell. Em 1989 a multinacional alemã Continental fez
Com a eclosão da II Guerra Mundial e a ocupa- uma joint-venture com o Grupo Amorim, que então
ção da Noruega, Ingvar Jensen ficou em Portugal e a detinha a Mabor, e em julho seguinte deu-se o ar-
1 de abril de 1949 foi criada a Auto Sueco, em que a ranque industrial e começou o projeto de reestru-
família Jervell tinha 66,6% e Jensen 33,3%. Quan- turação para a produção de pneus para automóveis
do a Auto Sueco decidiu expandir o seu raio de e viaturas comerciais ligeiras, com uma produção
ação à região Centro, procurava alguém que tives- de cerca de 6 mil pneus diários. Quatro anos de-
se capacidade de gestão e de vendas, “um dirigen- pois, já com a Continental como única acionista,
te qualificado” para criar “uma firma de enverga- a produção triplicara para 18 mil pneus por dia e a
dura”, como escreveu Ingvar Jensen. Um dos alvos fábrica foi ampliada em cerca de sete vezes em re-
foi Eduardo Rodrigues Vieira, que, em Aveiro, era lação à sua área inicial. Chegaram os pneus SUV e
representante de marcas como a Fargo, a Volkswa- os pneus de alta performance, competências para
gen e a Volvo, a quem propuseram a constituição de pneus radiais e o desenvolvimento de pneus agríco-
uma sociedade em partes iguais. las para tratores e máquinas de ceifar, e em 2019 a
A 1 de abril de 1959 nascia a Auto Sueco-Coim- produção de pneus OTR (fora da estrada) para apli-
bra, hoje Ascendum, em que os 50% eram da fa- cações especiais em diversas máquinas portuárias
mília Vieira e o restante da Auto Sueco, que hoje é e movimentação de terras.
a Nors. A internacionalização é também um aspeto Hoje, a Continental Mabor é, em termos de vo-
que une estes dois grupos. Em 1991 o Grupo Nors lume de produção, a maior fábrica de pneus ligei-
expandiu os negócios para Angola, enquanto a As- ros das 22 no sector de pneus do grupo. “A prova
cendum abria a sua porta internacional em Espa- deste reconhecimento é a aposta continuada com
nha em 1999. O atual CEO, Tomás Jervell, do Grupo investimentos que só na última década ascende-
Nors, representa a terceira geração, tal como João ram a 620 milhões de euros”, disse Pedro Carrei-
Mieiro, CEO da Ascendum. A grande aventura in- ra, CEO da Continental-Mabor. É a quarta maior
ternacional é do Grupo Ascendum, que apesar da exportadora nacional, com produtos de elevado
partilha equitativa de capital tem sido gerido pela valor acrescentado, pelos quais o Estado consegue
família Vieira sempre apoiada pelas famílias Jervell arrecadar dezenas de milhões de euros em impos-
e Jensen. Está em 14 países com culturas, línguas e tos diretos, mas também indiretos, sublinha Pedro
moedas distintas e é um dos maiores distribuido- Carreira. Situada em Lousado, no concelho de Fa-
res de máquinas e equipamentos para construção malicão, teve de pedir à Anacom para que o pos-
da Volvo Construction Equipment no mundo, sen- to dos CTT não fosse encerrado, e teme o que pos-
do um player de grande relevo nos sectores e mer- sa acontecer com a unidade de cuidados de saúde.
cados onde operam. “Em 2022, sem descurar o tra- São apenas exemplos, segundo Pedro Carreira, de
dicional foco comercial, a Ascendum alcançou um como as “as empresas grandes distantes da capital
volume de vendas histórico, ultrapassando 1,2 mil têm sido tratadas. Há concelhos, como os de Vila
milhões de euros (aumento de 17,2% face a 2021), Nova de Famalicão ou da Trofa, que esperaram 30
melhorou os níveis de rentabilidade apesar de de- anos para receber uma promessa de uma variante
senvolver a sua atividade em condições geopo- alternativa à saturada estrada que nos serve des-
líticas, macroeconómicas, cambiais e de merca- de 1946”.
do complexas e marcadas pela incerteza”, referiu Outro exemplo alemão é o grupo Bosch, que fe-
João Mieiro, CEO da Ascendum. Explica que “a di- chou 2022 com uma faturação que ultrapassou dois
mensão de um volume de negócios superior a mil mil milhões de euros em Portugal através das suas
milhões de euros seria impossível de atingir sem três áreas de negócios: a de soluções de mobilida-
a internacionalização, uma vez que Portugal não de, energia e tecnologia de edifícios e a de bens de
tem dimensão nos mercados onde a Ascendum consumo. Mas uma das três empresas, a Bosch Car
opera, e tem um peso de 17% no total dos negó- Multimedia, pertence a este clube e é um exemplo
cios do grupo”. da passagem do Made in Portugal para o Created in
O grupo Nors está atualmente presente em 17 Portugal. A parceria entre o Grupo Bosch e a Uni-
países em quatro continentes. A Nors tem mais de versidade do Minho, iniciada em 2013, tem sido
4200 colaboradores em todo o mundo e um volume mencionada em vários documentos governamen-
de negócios agregado superior a 2,5 mil milhões de tais como um excelente exemplo de colaboração da
euros. Mas, além da Nors e da Ascendum, Portugal indústria com a universidade.
conta hoje com mais um grupo de distribuição au-
tomóvel internacional que fatura mais de mil mi- O PAPEL DAS GRANDES EMPRESAS
lhões de euros. O grupo criado por Salvador Cae- Em termos estatísticos, e segundo os critérios da
tano, que tem vendas consolidadas de 1,9 mil mi- União Europeia definidos em 2005, é uma grande
lhões e agregadas de 3 mil milhões de euros e mais empresa aquela que tem mais de 250 trabalhadores

E 36
HISTÓRIA Algumas das
maiores empresas portuguesas
têm uma história com décadas
e algumas mudaram de nome.
Na imagem, anúncio antigo
dos CTT, da Mabor e da Volvo

nacionais” tornam-se, não poucas vezes, rentistas


e/ou gigantes sumidouros de recursos”. A interna-
cionalização é um dos fatores de transformação e
crescimento das empresas, apesar de Alberto Cas-
tro considerar que “há muito poucas que estejam
verdadeiramente internacionalizadas, no sentido
de terem operações no estrangeiro e não se limita-
rem a exportar para países terceiros” e poucas que
sejam verdadeiras plataformas de internacionaliza-
ção de empresas parceiras e fornecedoras, embora
haja alguns exemplos. Mas não tem dúvidas que “a
expansão internacional, seja pela simples exporta-
ção, seja pela internacionalização, afigura-se uma
boa avenida para o crescimento”.
Um bom exemplo de internacionalização é a
Barbosa & Almeida. Nasceu em 1912 no sector do
vidro — onde hoje se mantém como BA Glass — e é
o quarto player mundial do sector da produção de
embalagens de vidro. Em 2010 tinha cinco fábricas
em Portugal e Espanha e, dois anos antes, fatura-
va cerca de 300 milhões de euros. Hoje, com uma
faturação de 1,3 mil milhões, “a BA Glass produz
as suas embalagens de vidro em sete países euro-
peus (Portugal, Espanha, Alemanha, Grécia, Po-
lónia, Roménia e Bulgária) e vende em mais de 50
países”, como sublinha Sandra Santos, CEO da BA
Glass. Sandra Santos adianta que “ter operações em
sete países, traz grandes desafios”. “Desde 2016 que
a língua corporativa é o inglês. Quando compramos
empresas, o seu nível tecnológico e operacional tem
que ser upgraded, para o nível de benchmarking do
Grupo. Mas não se trata apenas de comprar tecno-

Segundo no ativo e um volume de negócios acima de 50 mi-


lhões de euros por ano, o que em Portugal repre-
logia. Trata-se fundamentalmente de uma grande
transformação cultural, o maior desafio de qual-

a União senta 0,1% das empresas. Pedro Ginjeira do Nas-


cimento, secretário-geral da Associação Busi-
quer aquisição e transformação.”

PAPEL DE INOVAÇÃO
Europeia, ness Roundtable Portugal, lembra que a reforma
da OCDE em matéria de tributação internacional Os primeiros papéis de impressão e de embalagem

é uma grande considera grandes multinacionais e grupos ou em-


presas nacionais as que têm um volume de negó-
utilizando pasta de eucalipto globulus produzidos
no mundo nasceram em Portugal a 29 de janeiro

empresa cios anual combinado de pelo menos 750 milhões


de euros. Esta amostra de empresas e grupos com
de 1957, exatamente três semanas depois de se ter
alcançado a produção industrial de pasta de eu-

aquela que mais de mil milhões de euros de volume de negó-


cios é constituída por cerca de 50 empresas, com
calipto pelo método kraft. Três meses depois, em
abril, foi enviada a primeira pasta kraft branquea-

tem mais base em dados da Informa D&B e recolha própria.


“O papel que as grandes empresas podem ter
da de eucalipto em fardos com destino às fábricas
portuguesas de papel Graham e Casa Veludo — uma

de 250 no crescimento da economia, não apenas na por-


tuguesa, está bem estabelecido na literatura eco-
inovação que mudou a indústria de celulose portu-
guesa e o perfil da sua floresta, em que o eucalipto

trabalhadores nómica: são mais produtivas (muitas já o eram


quando ainda PME), por serem mais bem geridas,
globulus passou a ter um papel importante.
A opção pelo eucalipto globulus tinha levado,
recrutarem e formarem pessoas mais qualificadas um ano antes, em 1956, à criação de um projeto se-
no ativo e um e bem remuneradas, terem a capacidade de explo-
rar melhor as economias de escala e de gama, ten-
creto, com o nome de “Projeto TE-24 — Estudo da
Produção de Pastas de Eucalipto ao Sulfato”. Des-
volume de derem a investir mais em I&D e a gerar mais ino-
vação”, assinala Alberto Castro, professor de Eco-
se modo, foi secretamente desenvolvido em labo-
ratório um completo estudo sobre a aplicação do
negócios nomia da Universidade Católica do Porto. Numa
perspetiva dinâmica gera-se um círculo virtuoso,
processo kraft ao eucalipto e realizaram-se várias
experimentações e ensaios. Tudo para resolver um
acima de “tanto maior quanto maior for a pressão concor-
rencial a que essas empresas sejam sujeitas, ou seja,
problema de qualidade de papel na fábrica de Cacia
da Companhia Portuguesa de Celulose, que come-
50 milhões de os mercados em que se inserem”, explica Alberto
Castro. Caso contrário, sobretudo em países peque-
çara a funcionar em princípios de 1953 para a pro-
dução de pasta kraft e de papel tendo como maté-
euros por ano nos, “as empresas criadas para serem “campeões ria-prima o pinho.

E 37
A fábrica da celulose da Companhia Portugue- quatro empresas de retalho, acrescenta a NOS nas professor auxiliar na NOVA IMS e investigador res-
sa de Celulose baseou-se em equipamentos de pro- telecomunicações e a Sonae-Arauco nas madeiras. ponsável pelo estudo.
dução adquiridos nos Estados Unidos no âmbito do Na opinião de Alberto Castro, “seria interessan- Este estudo calculava que entre 2016 a 2019, as
Plano Marshall e foram projetados e fabricados para te ir baixando a fasquia para ver a que nível come- grandes empresas obtiveram um Valor Acrescen-
a matéria-prima southern pine, admitindo-se idên- çaria a haver uma presença significativa daqueles tado Bruto a preços de mercado 10 vezes maior que
tico comportamento com o Pinus pinaster, que iria sectores. A minha experiência em júris de prémios uma empresa média e, em 2019, foram, em termos
ser a principal matéria-prima em Portugal. Com o de exportação e internacionalização diz-me que o médios, cerca de 3,7 vezes mais produtivas que as
início da produção de pasta de papel em Cacia ve- ‘clube’ das ‘mais de mil milhões’ está muito cris- empresas de média dimensão, além de pagarem
rificou-se que a instalação industrial revelava pro- talizado. Para um país como Portugal, numa lógi- melhores salários (mais 30% que as médias e mais
blemas no cozimento, branqueamento e depura- ca de incentivo ao crescimento (das empresas e do 70% do que as pequenas) e investirem mais em
ção, subdimensionados para lidar com os teores em produto), não me parece que esse deva ser o alvo I&D (9 vezes mais que as médias e 30 vezes mais
lenhina do pinho nacional, que eram muito mais privilegiado, embora possam ter um potencial pa- que as pequenas). Concluía o estudo que com mais
elevados. O que resultou em mais baixos graus de pel enquanto ‘tutoras’ da internacionalização e di- 150 grandes empresas, o VAB cresceria mais 4%;
deslignificação, menores brancuras, mais incozidos fusoras de boas práticas de gestão.” a receita fiscal agregada mais 5% e as exportações
e baixa limpeza da pasta branqueada, dificultando António Costa e Silva, ministro da Economia e teriam um incremento de 10%.
a sua colocação nos mercados externos. do Mar, afirmou, em junho no Parlamento, que em Este aumento de médias e grandes empresas
Em 2022, a sucessora da CPC, a The Navigator Portugal se deveria promover a consolidação entre pode ser essencial para uma estrutura exportadora
Company, registou um volume de negócios de 2465 empresas, porque a ausência de grandes empre- mais resiliente. Em 2022, as 10 maiores empresas
milhões de euros, com as vendas de papel a repre- sas impossibilita o desenvolvimento económico exportadoras em Portugal representaram 19,5%
sentarem cerca de 74% do volume de negócio. Mas do país, preso ao que chamou “a síndrome de Por- do total de exportações e as 250 maiores 54,6%.
o futuro das atuais fábricas de pasta de celulose está tugal dos Pequeninos”. Esta mesma ideia percor- Portugal é uma pequena economia aberta, onde as
na sua transformação gradual em refinarias, afir- re e esteve na base do estudo “Análise prospetiva grandes empresas representam uma parcela subs-
ma António Redondo, presidente executivo da The do impacto do crescimento das grandes empresas tancial das exportações totais e, portanto, choques
Navigator Company. Acrescenta que “onde hoje já em Portugal”, da Associação Business Roundtable específicos sobre essas empresas podem ter um for-
se faz o aproveitamento da madeira e da biomassa Portugal e Nova Information Management School te impacto. Por exemplo, em 2014, uma interrupção
para a produção de fibra celulósica, diversos pro- (NOVA IMS). “Se nos focarmos apenas em 1% do temporária da atividade numa refinaria de Sines da
dutos papeleiros e energia verde, iremos assistir, total de empresas em Portugal — percentagem Galp Energia levou a uma redução significativa do
num futuro não muito distante, também à produ- onde se inserem as 1291 grandes empresas conta- volume de exportações de combustíveis, enquanto
ção de biomateriais, biocombustíveis — os deno- bilizadas em 2019 —, facilmente percebemos o forte em 2018 um aumento de capacidade produtiva da
minados e-fuels — e bioquímicos, alternativos aos impacto que as organizações de grande dimensão VW Autoeuropa contribuiu substancialmente para
que hoje são obtidos a partir de matérias-primas têm, tanto a nível económico como dos trabalha- os ganhos de quota de mercado das exportações
fósseis, e que podem representar segmentos muito dores e do próprio Estado”, referiu Bruno Damásio, portuguesas em 2018.
interessantes para o futuro da Navigator”. Alberto Castro é mais cético e alerta que “as
Nas empresas com negócios acima de mil milhões grandes empresas não são a panaceia miraculosa
de euros estão outras empresas de produção de base
florestal, como são os casos do Grupo Altri, que, atra-
Em 2022, indutora do crescimento necessário. Este não virá
dos badalados unicórnios, nem sequer da multipli-
vés da Caima, Celbi e Biotek, produz fibras celulósicas
e pasta de papel, e da Corticeira Amorim, grupo cen-
as 10 maiores cação de grandes empresas, mas requer uma subi-
da global da produtividade de empresas”. Na sua
tenário na área dos produtos com origem na cortiça.
Estes dois grupos ultrapassaram mil milhões de euros
empresas opinião não são apenas razões exógenas que impe-
dem a existência de mais grandes empresas. “Mui-
de faturação em 2022. A Sonae-Arauco, empresa que
produz painéis de madeira e soluções de mobiliário, é exportadoras tas empresas não crescem mais porque não querem
ou não sabem. E daí não virá grande mal ao mundo,
uma joint venture da Sonae Indústria, que foi o berço
do Grupo Sonae, que hoje é liderado por Cláudia Aze- em Portugal desde que continuem competitivas, num contex-
to concorrencial. Antes isso do que meterem-se a
vedo, e os chilenos da Arauco, para atuar nos mer-
cados europeu e na África do Sul. Tem 23 unidades representaram dar um passo maior do que a perna”, concluiu Al-
berto Castro.
industriais e comerciais em nove países, conta com
cerca de 2600 empregados e coloca produtos em 68 19,5% do total Sandra Santos aponta o caminho da internacio-
nalização. Como “Portugal é um mercado muito
países. Pode ainda incluir-se a distribuidora de papel
Inapa, que atingiu 1,2 mil milhões de euros e que tem de exportações pequeno para empresas que querem crescer”, as
empresas têm de sair porque só assim obtêm cres-
mais de 1709 trabalhadores, 40 armazéns e platafor-
mas logísticas em 10 mercados: Alemanha, França, e as 250 cimento e rentabilidade, mas avisa para o aumento
de complexidade de gestão. “O crescimento é fun-
Espanha, Portugal, Bélgica, Luxemburgo, Áustria,
Países Baixos, Turquia e Angola. maiores 54,6% damental para atrair talento e também parceiros e
clientes com dimensão, multinacionais. A dimen-
Esta forte presença de empresas de base flores- são das empresas permite-lhes ser mais competi-
tal, “atendendo aos a priori, mais ou menos ideoló- tivas e captar capital, de acionistas e bancos, para
gicos, a que a política florestal tem sido submetida, investir em crescimento e em tecnologias de pon-
talvez devesse merecer uma reflexão por parte dos ta. Quando crescem saudáveis, as empresas geram
governantes”, disse Alberto Castro, professor ca- mais oportunidades, atraindo talento, e oferecen-
tedrático da Católica Porto Business School. Numa do melhores condições, monetárias e de desenvol-
análise a estas “empresas mil milhões”, o académi- vimento pessoal, aos seus trabalhadores. A maior
co sublinha “a ausência total de representação dos desvantagem é o aumento de complexidade. Tal
sectores têxtil, vestuário, calçado, vinho, mobiliá- requer uma equipa de gestão bem preparada e ali-
rio, moldes e, tirando as multinacionais estrangei- nhada com o propósito e visão corporativa”, refe-
ras, da própria metalomecânica e, com exceção da riu Sandra Santos.
Sovena, a fileira da agroindústria”, e que em 2022
faturou 1,8 mil milhões de euros. A presença da dis- OS COMPONENTES GLOBAIS
tribuição revela o poder dos grupos nacionais como Os investimentos nos CKD nos anos 60/70, da Re-
a Jerónimo Martins, da família Soares dos Santos, e nault nos anos 80, e da Autoeuropa/Volkswagen nos
a Efanor/Sonae, da família Azevedo. Esta, além das anos 90, foram determinantes para a criação de um

E 38
cluster em Portugal de fabricantes nacionais e in- mil milhões de euros, mas a pandemia de covid-19 a Estamo, a Baía do Tejo, Florestgal, a Imprensa Na-
ternacionais de componentes automóveis. A Sode- atingiu os seus negócios em 2020 e 2021. Em 2022 cional-Casa da Moeda, a Companhia das Lezírias,
cia nasceu destas políticas públicas e empresariais, o volume de negócios consolidado no exercício de CE — Circuito Estoril, SIMAB — Sociedade Instala-
porque o seu fundador, Carlos Monteiro, começou 2022 já atingiu 938 milhões de euros e projeta para dora de Mercados Abastecedores, Consest — Pro-
a sua atividade no Porto, primeiro para fornecer as 2023 ultrapassar de novo mil milhões, suportado moção Imobiliária, Fundiestamo, Sagesecur, ADP
linhas de montagem e depois os fabricantes de au- por crescimento orgânico. — Águas de Portugal (81%), CVP — Sociedade de
tomóveis, tendo em 1980 criado na Maia a Indústria Nas utilities grande parte das empresas nasceu Gestão Hospitalar (45%), INAPA (44,89%), Galp
de Acessórios e Componentes Metálicos que, com do esforço de desenvolvimento após a II Guerra Energia (7,61%) e onde estavam parqueados 71,73%
a fusão em 2001 com a Sociedade de Metalurgia da Mundial, embora algumas das raízes sejam anterio- da Efacec, que está em processo de venda. Por sua
Guarda (SIMG), empresa constituída em 1988, deu res, como no caso do gás e da eletricidade. Neste vez, a Infraestruturas de Portugal faz a gestão de
origem à Sociedade de Desenvolvimento de Com- caso, o grande grupo, que é a EDP, constituída em infraestruturas rodoviárias e da infraestrutura da
ponentes da Indústria Automóvel (Sodecia). Em 1976 na sequência da nacionalização e consequente rede ferroviária nacional.
1997 iniciou o processo de internacionalização para fusão das principais empresas do sector elétrico de Em termos de capital estrangeiro, além das em-
o Brasil, e a existência de quadros de gestão permi- Portugal Continental, tem hoje um dos ramos mais presas industriais de origem alemã, como a Bosch,
tiu a sua expansão para outras geografias como a promissores, que é a EDP Renováveis, líder mundial VW AutoEuropa e Continental Mabor, o capital es-
Europa, África, América do Sul, América do Norte no sector das energias renováveis e quarto maior trangeiro concentra-se nas empresas de telecomu-
e Ásia, e hoje conta com 24 fábricas em 14 países. produtor mundial de energia eólica. O Grupo tem nicações como a Altice Portugal/MEO (França) e
Esta malha de produção é estratégica porque receitas de 20 mil milhões e cerca de 54% é obti- Vodafone (Reino Unido), na energia com a Endesa
permite ter as fábricas mais próximos dos clien- do em mercados estrangeiros. Nas telecomunica- (Espanha), na distribuição de combustíveis com a
tes e assim ficar menos expostos às variações de ções, à Altice Portugal/MEO (herdeira das empre- BP Portugal (Reino Unido), a Repsol (Espanha), a
mercado em determinadas regiões geográficas, sas de comunicações fundadas durante do século Prio Supply-Disa Portugal (Espanha) e a distribui-
uma vez que eventuais decréscimos em determi- XX como a Marconi, CTT e TLP, que foi a Portugal ção com o Grupo Auchan (França). O capital chinês
nadas geografias são compensados por aumentos Telecom) juntam-se as empresas mais recentes, está presente na EDP, em que a China Three Gorges
de procura em outras. O grupo tem uma organi- como a Vodafone, que já era acionista da Telecel, Corporation, com 20,89%, é o maior acionista, e na
zação matricial por produtos e regiões geográficas criada em 1992, e ficou com a totalidade do capital Mota-Engil, com a China Communications Cons-
com três holdings por área de atividade. A Sodecia em 2000. Por sua vez, a NOS, que é hoje controla- truction Company a deter 32,41% e a família Mota
Automotive, que é a que tem maior dimensão, está da pelo Grupo Sonae com 37,4%, resulta da fusão 40,08%. Por sua vez, o capital angolano está pre-
focada em produtos da “estrutura” do veículo. As entre a Optimus e a ZON, um spin-off da Portugal sente através da Sonangol, que detém uma partici-
outras holdings são a Sodecia Technology, que está Telecom, fundada com o virar do século XX. pação indireta de 45% na holding Amorim Energia,
na área da automação industrial, e a Sodecia Safe- O Estado está presente com a TAP, as Infraes- que controla 33% do capital da Galp. b
ty and Mobity foca-se em produtos de segurança truturas de Portugal e a Parpública. Esta é a holding
na área da mobilidade. A Sodecia já tinha superado do Estado que controla totalmente empresas como e@expresso.impresa.pt
A Vila-Francada
e o fim do
liberalismo
vintista
A Vila-Francada
marcou o fim da primeira
experiência liberal
portuguesa e o início
de uma década
de alternância entre
absolutismo
e liberalismo

TEXTO MIRIAM HALPERN PEREIRA


PROFESSORA CATEDRÁTICA EMÉRITA
E HISTORIADORA

CONFRONTO “Kssssse! Pedro... Ksssse!


Ksssse! Miguel!”, de Honoré Daumier
(Marselha, 1808-Valmondois, 1879),
1833, uma caricatura que retrata
a guerra civil portuguesa, entre D. Pedro
e D. Miguel, controlados pelo rei de
França e pelo czar da Rússia, anos
depois da Vila-Francada

E 40
E 41
A
que dissipar a torrente de males, com que a vertigem
revolucionária do século ameaça de uma próxima
dissolução e de total ruína os estados de VAR espa-
lhados pelas cinco partes do mundo, quer seja pela
emancipação das colónias, no caso de VAR regressar
para a Europa, quer seja pela insurreição do reino de
Portugal, se aqueles povos, perdida a esperança, que
ainda os anima de tornar a ver o seu amado prínci-
pe, se julgarem reduzidos à qualidade de colónia.”
Forçado a reconhecer o novo regime nascido da
revolução de 1820 pela população do Rio de Janeiro,
assinou as Bases da Constituição antes de embar-
car para Lisboa. Acabou por optar pelo regresso a
Lisboa, evitando a imediata extinção da dinastia da
Casa de Bragança, objetivo inteiramente alcançado.
Propunha-se também evitar a independência do
Brasil, o que não viria a confirmar-se. Trata-se por-
tanto de um rei absoluto que se sujeita a um regime
liberal, em que o poder real tinha um poder muito
reduzido. Nisso não foi um caso singular, também
Vila-Francada, como ficou conhecido o golpe de Es- D. Fernando VII de Espanha viveu situação idênti-
tado ocorrido a 27 de maio de 1823, a partir da vila ca. Jurou a Constituição de 1822 e defendeu-a até o
que lhe deu o nome, marca a emergência de D. Mi- limite. A Vila-Francada provocaria uma mudança
guel como chefe da corrente contrarrevolucionária de atitude brusca. Vale a pena evocar de perto a sua
em Portugal. Este golpe insere-se na reação da Santa sequência de acontecimentos, dia a dia.
Aliança à onda revolucionária do sul da Europa dos
anos 20 do século XIX. O tratado de paz, assina- D. JOÃO VI E A CONTRARREVOLUÇÃO
do em 1815, no final das guerras napoleónicas e das No dia 27 de maio, D. João VI tenta, em vão, fa-
perturbações políticas daí decorrentes, sancionava zer regressar D. Miguel, a Lisboa. Recusa ainda
o statu quo na Europa, de que a Santa Aliança seria nessa noite uma proposta de abolição da Consti-
o garante. Também é relevante evocar a atitude dos tuição acompanhada de um anúncio de um texto
Estados Papais de rejeição do liberalismo até mea- constitucional mais conforme com a tradição real,
dos do século XIX. Na Península Ibérica, a iniciati- apresentada por um conjunto de ministros, chefes
va para pôr fim ao regime vintista proveio da família militares e alguns deputados. As Cortes nomeiam
real, com uma diferença que importa salientar. Em novo comandante do exército no dia seguinte, 28
Espanha, D. Fernando VII solicitou ajuda externa, de maio. Dia 29 tem lugar na sua presença, a pro-
em Portugal essa ajuda nem foi necessária. cissão do Corpo de Deus, a mais importante da ca-
Ao golpe de D. Miguel, comandante do exército, pital, sem incidentes. As Cortes solicitam-lhe a
D. João VI, seu pai, respondeu com um contragolpe. nomeação de um novo governo, sendo escolhidos
O modelo político de D. Miguel era bem definido, Hermano Braamcamp Sobral para os Estrangeiros
um tipo de absolutismo radicalizado de uma forma e Mouzinho da Silveira para a Fazenda, entre ou-
nunca antes ocorrida em Portugal, renegando a he- tros. No dia 30 de manhã faz publicar uma procla-
rança do despotismo esclarecido e baseado na ido- mação em que reafirma a sua fidelidade à Consti- banho de sangue. O rei promete uma nova consti-
latria real e o fanatismo religioso. A orientação polí- tuição e condena D. Miguel. Entretanto prosseguia tuição outorgada. Seguiu-se a abolição da legislação
tica de D. João VI foi menos linear e teve duas fases, o abandono, iniciado logo a seguir ao golpe de D. liberal, com a exceção da legislação com incidência
uma primeira antes da Abrilada de 1824, o segundo Miguel, por parte de vários regimentos do exército financeira, ou seja a lei sobre os bens nacionais e a lei
golpe de D. Miguel de que veio a resultar o seu exí- da capital em direção a Vila Franca e Santarém, o fundadora do Banco de Lisboa. A rainha, o cardeal-
lio, e a fase subsequente. que colocava em risco a segurança do rei. Quando -patriarca que haviam recusado o juramento obri-
Nenhum outro rei de Portugal se viu diante de o último regimento do exército lhe anuncia a sua gatório da Constituição de 1822, e o conde Amaran-
escolhas tão dilacerantes e extremas. D. João VI tem partida na noite desse mesmo dia 30, o rei, numa te, que dirigira uma revolta absolutista em fevereiro,
sido considerado como um chefe de Estado pusilâ- reviravolta extraordinária e sem aviso prévio, de- virão a ser reintegrados nos seus privilégios. No dia
nime, lento e hesitante. Esta visão carece de uma cide acompanhá-lo para Vila Franca. Ali, no dia 5 de junho, D. João VI e o seu filho Miguel regres-
análise atenta. Após um período auspicioso de go- seguinte, dia 31 de maio, numa proclamação aos sam a Lisboa. Um regresso triunfal. Aparentemente
vernação como príncipe regente e ilustrado, rodeado habitantes de Lisboa, declara ser inadiável “mo- a manobra joanina de envolvimento do movimento
de figuras prestigiadas como Rodrigo de Sousa Cou- dificar a Constituição”, e anuncia as “bases de um miguelista resultara.
tinho, a invasão francesa levou-o a decidir a deslo- novo código”, afirmando: “Não desejo, nem desejei
cação da Corte para a colónia brasileira, possibili- nunca o poder absoluto.” De sublinhar que invo- O ESBOROAR DO APOIO AO VINTISMO
dade prevista desde longa data. Um acontecimento ca a situação do Brasil, “essa interessante parte da A primeira interrogação que estes acontecimentos
único, nunca uma família real se havia deslocado monarquia, está despedaçada”, uma situação cru- colocam é como se explica que o regime vintista te-
para fora da Europa, para uma colónia. Certamente cial na época. No dia 1 de junho nomeia D. Miguel nha soçobrado, decorridos pouco mais de dois anos
preferível do que ser preso e exilado, como sucedeu comandante-chefe do exército e escolhe um novo e meio desde a sua implantação. Como se dissolveu
ao rei de Espanha, que tentou fugir demasiado tarde ministério de que fazem parte alguns liberais mo- a maioria que apoiou de forma entusiástica o pro-
para as Américas. No Rio, continuou rodeado de fi- derados, Palmela, Hermano Braamcamp Sobral e nunciamento liberal em agosto de 1820 no Porto e a
guras ilustres, além de Rodrigo Sousa Coutinho, Sil- Mouzinho da Silveira. seguir no norte e centro e a 15 de setembro em Lis-
vestre Pinheiro. Em abril de 1814, Silvestre Pinheiro No dia 3 de junho, numa nova proclamação, ain- boa? Entre a revolução do Porto, a 24 de agosto, e a
Ferreira, consultado no Rio de Janeiro acerca do re- da em Vila Franca, o rei declara anulada a Constitui- vitória liberal em Lisboa 15 de setembro, mediaram
gresso da Corte para Portugal, pelo ainda regente D. ção, que classifica como não monárquica. As Cortes três semanas. Em 1823, em meia dúzia de dias, as
João, equacionava “um dos maiores problemas po- são dissolvidas de direito: já se tinham autodissolvi- Cortes autodissolvem-se, a Constituição de 1822 é
líticos que jamais soberano algum teve de resolver” do na véspera, no dia 2 de junho, explicando que não declarada nula pelo rei e a maior parte da legislação
da seguinte forma: “(...) Trata-se de nada menos do apelavam à resistência da população para evitar um liberal abolida.

E 42
INVASÃO “Embarque da Família Real
Portuguesa no Cais de Belém, em 1807”,
atribuído a Nicolas-Louis-Albert
Delerive, Museu Nacional dos Coches

porque o novo sistema lhe retirara o lugar vitalício


de que ali dispunha. Isso obrigara as Cortes a anu-
lar as eleições para a totalidade das câmaras mu-
nicipais. Ora, a Casa dos 24 fora um dos principais
alicerces da revolução liberal no dia 15 de setembro,
e seguidamente do sistema eleitoral escolhido para
as Cortes Constituintes em 1820. O seu apoio inicial
esteve ligado a um sonho restauracionista de anti-
gos privilégios corporativos. Os artesãos contrapu-
nham as suas liberdades privadas, ou seja, os seus
privilégios, à liberdade geral, de iniciativa indus-
trial e comercial. Não encontraram eco nas Cortes
Constituintes, embora estas também não tivessem
ousado abolir as corporações de que discordavam.
Um impasse significativo da política social do vin-
tismo. No meio dos negociantes também grassava
um descontentamento devido à independência do
Brasil, que não se conseguira impedir, questão que
afetava o conjunto da sociedade portuguesa.

A POLÍTICA VINTISTA DO CONSENSO


Os liberais vintistas desde o início preocuparam-se
em conseguir um consenso e em não alienar sec-
tores da população, eventualmente abrangidos por
medidas mais radicais. A preferência pelo uso do
termo “regeneração” em lugar de revolução é em si
significativa. O realce dado à condução pacífica da
mudança política está muito presente nesta época
e prende-se com a vontade obsessiva de distancia-
mento em relação à Revolução Francesa e da mar-
cada preocupação com a atitude dos países da Santa
Aliança em relação aos acontecimentos portugueses.
A política vintista foi moldada pela corrente gradua-
lista, que preconizava uma moderada reforma da
legislação do antigo regime, visando uma mudança
faseada e pacífica. O compromisso foi a escolha fre-

Antes de Os sinais do esboroar do apoio do vintismo ti-


nham sido inequívocos, em particular a partir de
quente da legislação vintista, com a exceção da or-
ganização do poder político.

1831, um dos 1822. No topo da sociedade e do Estado, a rainha e o


cardeal-patriarca entram em conflito institucional
A atitude em relação à religião católica é um
exemplo dessa procura do equilíbrio. Os liberais

principais de forma ostensiva, não jurando a Constituição. A


sua atitude constituiu simultaneamente o indício do
consideravam a religião um pilar da vida em socie-
dade. Garrett definia a religião como “o suplemento

problemas afastamento de círculos sociais poderosos, a nobreza


titular e o clero, e igualmente um estímulo à mobili-
do código criminal da nação; o vínculo mais sagrado
que une os homens em sociedade”. Todos os prin-

do liberalismo zação contrarrevolucionária do exército, cujo coman-


do estava na mão da nobreza, e em parte da própria
cipais atos políticos vintistas foram realizados na
Igreja do Convento de São Domingos, a maior igreja

português, nobreza titulada. A invasão da Espanha pelo exérci-


to francês, os “cem mil filhos de S. Luís”, em abril
da capital, e acompanhados por celebrações religio-
sas. “Em nome da santíssima e indivisível trindade”

que se queria de 1823, a pedido do rei D. Fernando VII ao abrigo da


Santa Aliança, para derrubar o regime liberal, é um
é a frase que encima a Constituição de 1822, nela se
define a religião católica como religião de todos os

monárquico, incitamento à contrarrevolução em Portugal. Simul-


taneamente, o aumento do recrutamento para prepa-
portugueses, delimitando o âmbito da nacionalidade
e da cidadania. Nem vingou a ideia de religião úni-

foi encontrar rar eventual intervenção em prol do regime liberal em


Espanha e evitar uma invasão francesa em Portugal
ca, nem a de liberdade de escolha. Conciliar a liber-
dade de pensamento e a imposição de uma religião

uma figura real favorece o descontentamento entre os soldados. Era


uma medida inversa da tomada após a revolução de
esteve no centro do debate nas Cortes Constituin-
tes, defendendo-se a necessidade de ir ao encontro
20, quando se reduzira o recrutamento, que a guerra da tradição, respeitando-se a liberdade particular,
liberal para no Rio da Prata havia precedentemente intensificado.
Nos outros meios sociais, inicialmente apoiantes
mas limitando o culto público por motivos políticos.
A forte relação entre liberalismo e religião foi uma
o encabeçar dos liberais, o descontentamento também se fora
acentuando. É o caso da poderosa Casa dos 24, que
característica comum do movimento revolucionário
vintista nos países do sul da Europa. A Constituição
representava a burguesia artesanal da capital, mui- portuguesa excecionaria os estrangeiros, que po-
to importante à época. Em 1822, recusou o resulta- diam escolher outra religião, uma singularidade no
do da eleição liberal da Câmara Municipal de Lisboa, contexto do movimento revolucionário da Europa

E 43
meridional, resultante dos privilégios desde longa constituição e a futura Constituição vieram preen- A experiência liberal vintista abrira o caminho
data da feitoria britânica e repetidamente evocados cher. A indecisão real veio a ser propícia aos parti- a uma nova era e mostrara a necessidade de cons-
nos tratados entre Portugal e a Grã-Bretanha. A liga- dários de uma mudança política radical. A descon- truir uma forma nova de governar mais adequada
ção entre revolução e religião articulava-se ao projeto fiança em relação ao rei explica o poder restrito que aos novos tempos. D. João VI na sua proclamação
de reformar a religião e a igreja, enquanto institui- lhe é atribuído na Constituição de 1822. Antes de ao pôr termo à Constituição de 1822, anuncia um
ção. Libertar a religião do fanatismo e da superstição 1831, um dos principais problemas do liberalismo novo código político, uma Carta. O rei ia ao encon-
imperantes, mudando a prática religiosa e a igreja, a português, que se queria monárquico, foi encontrar tro da ala liberal conservadora que o apoiava: “(...)
par da mudança política, permitiriam uma regene- uma figura real liberal para o encabeçar. Os liberais o maior elogio de Marco Aurélio está nas diligên-
ração ética, religiosa e política. As medidas tomadas chegaram a considerar outra escolha, criando nova cias que ele fez para dar ao Império uma Constitui-
incidiram principalmente sobre as ordens religiosas dinastia. Mas o regresso de D. João VI tornou-a des- ção” (‘Carta de Mouzinho da Silveira ao rei, durante
regulares, por motivos morais e económico-finan- necessária e tinha a vantagem aparente de garantir a Vila-Francada’, “Obras”, p. 345). A consulta efe-
ceiros. O rol extenso de privilégios eclesiásticos foi a continuidade da ligação ao Brasil. tuada pela junta provisional em 1820 testemunhou
largamente reduzido e a extinção da patriarcal pren- A vontade de consenso no domínio político era a existência de uma minoria liberal partidária de
de-se com a crítica a uma igreja que vivia no luxo e de difícil implementação, face aos princípios gerais um regime mais moderado, cartista. E de facto o rei
no desperdício, crítica que abrange também o pa- da política liberal. O rei ficou desprovido de poder nomeio uma Junta para elaborar uma carta consti-
pado. A transformação dos bens da coroa em bens executivo, nem poder de veto tinha. A soberania na- tucional cujos trabalhos ficaram concluídos na se-
nacionais abriu o caminho à redução do imenso pa- cional sobrepunha-se à soberania real, menorizada. gunda metade de 1823. Nunca seria implementada,
trimónio fundiário eclesiástico. Em contraste com a A representação da soberania nacional no órgão do não era benquista pela Santa Aliança. E, face à nova
atitude gradualista descrita e também visível, no que poder central, as cortes constitucionais, era consti- investida miguelista no ano seguinte, na Abrilada,
se refere à moderada lei dos forais, o sistema político tuída por uma única assembleia, eleita por sufrágio muito mais grave do que a Vila-Francada, quando
escolhido afirmou-se em sentido radical. masculino quase universal. Tudo isto ocasionou o apenas a intervenção diplomática francesa e ingle-
desaparecimento do espaço político específico das sa salvaram o rei, que teve de se refugiar num navio
O RADICALISMO DO classes privilegiadas. Por outro lado a declaração de da armada inglesa, D. João VI acabou por confir-
SISTEMA POLÍTICO VINTISTA direitos individuais, à cabeça das bases da constitui- mar um regime absolutista e D. Miguel foi exilado.
A conjuntura política desempenhou um papel de- ção, aprovada logo em fevereiro de 1821 e retomada
terminante na escolha do sistema político. O mode- no texto constitucional definitivo, e que foi a primei- A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
lo da Constituição espanhola de 1812 era dominante ra declaração deste tipo da história política portu- O entusiasmo e o apoio inicial ao movimento cons-
nos círculos liberais do sul da Europa e da América guesa, era um implícito grito de guerra. Aqui frisa- titucional de 1820, no Brasil, pareceu suportar o pro-
nos anos de 1820. No caso português, contribuiu para rei apenas dois pontos dessa declaração de direitos. jeto vintista de integração da colónia brasileira, num
essa escolha o vazio do poder ocasionado pela pro- O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei contexto liberal. Chegaram a ser eleitos deputados
longada ausência do rei, que reestabelecida a paz na anulava o sistema de privilégios, base da sociedade brasileiros que participaram nas cortes constituintes.
Europa em 1815, não só não regressara, como ali rea- existente. A igualdade do cidadão diante do Estado Mas vieram a dividir-se face aos artigos constitucio-
lizara a cerimónia da coroação, após a morte de D. anula as prerrogativas das antigas ordens, no âm- nais acerca do Brasil, ausentando-se ou recusando a
Maria I, e principalmente instituíra o Reino Unido. bito da justiça e da administração. Põe-se termo ao assinatura do texto. A aceitação da inevitável inde-
Pode dizer-se que esta mutação foi o gérmen políti- sistema de justiça diferenciado por ordens, os juízos pendência do Brasil, em 1822, foi difícil e morosa. A
co da conspiração de 1817 e da revolução de 1820. A privativos e a diferenciação penal segundo o estatuto sua ocorrência foi um dos fatores mais desfavoráveis
instituição do Reino Unido plasmava a subordinação social. Os cargos do Estado tornam-se acessíveis em ao regime vintista, que não a reconheceu. A maioria
administrativo-política a que o aparelho de Estado função da qualificação e não por hereditariedade ou da elite política continuou a acreditar na possibili-
em Portugal ficará sujeito, com a sua duplicação do aquisição, como sucedia até então. dade da reinserção do Brasil no espaço económico
outro lado do Atlântico e a instalação da capital do Estes princípios gerais foram fatores de forte des- português. Foi um fator de descontentamento gene-
reino no Rio de Janeiro, desde 1809. contentamento. Acrescente-se que os próprios de- ralizado, de tal modo era importante a recuperação
A acrescer a esta inversão de relações geopolí- bates nas cortes constituintes, reproduzidos na im- do seu mercado para a economia portuguesa.
ticas, com expressão igualmente na economia, há prensa, em que se questionavam diferentes aspetos Mal refeito da Vila-Francada, D. João VI decide
ainda a subordinação britânica da chefia do exército, da sociedade de antigo regime, constituíam em si enviar uma missão para negociar a reinserção do
personificada na figura de Beresford, que se prolon- uma novidade inquietante, uma porta aberta sobre Brasil, missão naturalmente destinada ao fracasso
gou mesmo em tempo de paz, após o fim das guerras um futuro desconhecido. Almeida Garrett, exilado total e recebida com violenta hostilidade. No con-
napoleónicas. O poder de Beresford na regência era em Inglaterra em 1823, analisaria bem a contradição selho de ministros, só Mouzinho da Silveira se opôs
amplo, abarcava também as finanças. Nas vésperas entre o modelo político e a política social e econó- a esta iniciativa. E, face à incapacidade de reconhe-
da revolução de 1820, Beresford regressava do Rio, mica: “Nas duas constituições de Portugal e Espanha cer o novo estatuto nacional do Brasil por parte do
com um poder político reforçado. Foi essa situação deu-se demasiado à democracia, nada à aristocra- governo de D. João VI, Mouzinho acaba por se de-
dramática que despoletou um amplo movimento re- cia. Repito o que já disse: era forçado aniquilar esta, mitir do governo. Para ele, era evidente que uma
volucionário, que agregou inicialmente elementos ou então tomá-la em consideração.” (“Constitui- nova era começara.
com posições diversas, incluindo militares absolu- ção”, Garrett, 1985, 295). Considera a Constituição Portugal resistia ao reconhecimento da inde-
tistas como Silveira, conde de Amarante, e futuros “impraticável” por ser impossível “um governo de- pendência e, associava o problema brasileiro ao
cartistas como Cabreira. Tornar Lisboa de novo a ca- mocrático-monárquico” com as classes existentes. da sucessão, pretendendo reunificar os dois países
pital e o centro do aparelho de Estado, conseguindo
o regresso do rei a Lisboa, a inerente reversão da li-
gação com o Brasil e o fim da ocupação inglesa. Estes
foram os objetivos que reuniram o consenso inicial,
num projeto simultaneamente nacional e imperia- Portugal resistia ao
lista. Os oficiais ingleses foram quase de imediato
suspensos das suas funções, garantindo-se o soldo reconhecimento da independência
e privilégios até decidirem o seu futuro destino (ofí-
cio de 26 de agosto de 1820). Era o início da retira- e associava o problema
da pacífica das tropas inglesas. Beresford viria a ser
impedido pela Junta Suprema de desembarcar em
Lisboa a 10 de outubro, ao voltar do Rio com pode-
brasileiro ao da sucessão,
res ainda mais acrescidos.
Quanto ao rei, a ausência de uma decisão rápida
pretendendo reunificar os dois
criou um vazio do poder, que as Cortes, as bases da países num império federal
E 44
num império federal. A independência do Brasil,
foi finalmente reconhecida em 1825, no tratado de
29 de agosto. Infelizmente a morte de D. João VI
impediu a conclusão de um acordo comercial. E
também interrompeu as negociações para revisão
do tratado de comércio e navegação de 1810 com
a Inglaterra, apenas viável ao cumprir-se o prazo
previsto de 15 anos. Este tratado era outro fator de-
pressivo da economia portuguesa.
O reconhecimento da independência do Brasil
fora sempre colocada pela Inglaterra como condi-
ção prévia das negociações, para permitir aos in-
gleses conservar a vigência deste tratado no Brasil.
Canning, ministro de Negócios Estrangeiros, diria
que o Brasil era a parte mais importante deste tra-
tado. Enquanto a Inglaterra não viu os seus objetivos
bem encaminhados, não principiou sequer as nego-
ciações com Portugal. Um longo período mediaria
entre o propósito anunciado por Palmela de revisão
do tratado e a aquiescência inglesa a esse princípio.
O próprio prazo de revisão estabelecido no tratado —
15 anos após a data da ratificação, ou seja 19 de junho
de 1825 — não pôde sequer ser respeitado.
Este tratado pesava violentamente sobre a eco-
nomia portuguesa e violava a autonomia nacional.
Criticado desde longa data, fora um acordo aceite
em condições particularmente dramáticas. Cons-
tituíra uma das condições exigidas pela Grã-Breta-
nha para escoltar a armada portuguesa com a ar-
mada britânica na travessia do Atlântico em 1807.
O seu conteúdo colocava Portugal numa situação
extremamente desfavorável em relação à Grã-Bre-
tanha, definindo direitos preferenciais para este
país, não só no Brasil mas igualmente no mercado
português. Fazia também depender qualquer alte-
ração das pautas portuguesas da aprovação pelos
comerciantes britânicos estabelecidos em Portugal.
O governo de D. João VI procedeu a uma con-
sulta extensa à Junta do comércio em 1824-1825, e
solicitou ainda um mini-inquérito ao conde de Por-
to Santo, submetendo este conjunto de documen-
tos a uma junta nomeada para elaborar a proposta
de alterações do tratado. Dela fizeram parte vários
ministros e altas-autoridades, entre elas o admi-
nistrador-geral das Alfândegas, cargo então de-
sempenhado por Mouzinho da Silveira. Será dele o
projeto de tratado finalizado por esta junta e apro-
vado pelo rei a 9 de dezembro de 1825. Seria limi-
narmente rejeitado pela Inglaterra e prosseguiam
ainda negociações muito difíceis, quando faleceu
D. João VI em março de 1826. Só após 1834, seriam
retomadas as negociações sobre este tratado, que
durou uma década além do acordado.
A Vila-Francada marcou o final da primeira ex-
periência liberal portuguesa e o início de uma dé-
cada de alternância entre absolutismo e liberalis-
mo. Caracterizou-se por dois breves períodos ini-
ciais de absolutismo e de liberalismo moderados,
seguido do período mais violento da história por-
tuguesa, 1828 a 1834, os anos do miguelismo e da
guerra civil. A implantação do regime liberal car-
tista veio a ter lugar em 1834, numa nova conjun-
tura política europeia liberal, contando então com
o apoio pleno da França e da Grã-Bretanha, prin-
cipais aliados. Mas o consenso constitucional entre
antigos vintistas (entretanto designados de setem-
bristas) e cartistas seria só atingido em 1852, com o
ato adicional de 1852. Perdurou até 1910. b

e@expresso.impresa.pt
OS CADERNOS E OS DIAS

OS RICOS PRIMEIRO!,
A NOVA RELIGIÃO

P
DE FACTO, AQUI ESTAMOS: EM 2023, A TECNOLOGIA ESTÁ, SIM, À BEIRA DE CONSEGUIR
REPETIR OS MILAGRES BÍBLICOS MAIS RELEVANTES, PORÉM SÓ PARA QUEM TIVER DINHEIRO
or vezes, em certos mundos simbólicos e beira de serem maravilhosamente substituídos pela tecnologia.
fantasistas, falava-se de um “xarope de Problemas? Este, por exemplo: o sistema OrCam custa 4500 euros; o
Deus” capaz de curar as muitas maleitas “interface espinal medula” muitos, muitos milhares de euros.
que impediam o corpo humano de ser tudo
o que podia. Um xarope que curava doenças 3.
e no corpo fazia forte o que era frágil. A Há um velho provérbio português: “Cego não come manteiga”; dito
descrença avançou e os xaropes milagrosos terrível e cínico e que só se compreende pelo contexto de pobreza
foram desaparecendo. Mas, pouco a generalizada de gerações passadas. Cego pobre não come manteiga,
pouco, a ciência e a tecnologia avançaram, poderíamos dizer.
paralelamente a tudo isto, e uma nova E, de facto, aqui estamos: em 2023, a tecnologia está, sim, à beira de
crença aí está, bem mais consistente agora. conseguir repetir os milagres bíblicos mais relevantes, porém só para
quem tiver dinheiro.
1. A tecnologia faz então algo semelhante ao que Cristo fez, segundo as
Isto a propósito da notícia recente: “Tetraplégico volta a andar graças Escrituras, mas, em vez de se dirigir aos pobres, dirige-se aos ricos.
a implante na medula controlado pelo cérebro”. A notícia fala do O “interface cérebro medula” está aí a anunciar-se, então, como
cidadão holandês Gert-Jan Oskam. Um acidente de bicicleta, há mais aquilo que vai fazer, sejamos claros, os ricos tetraplégicos voltarem a
de uma década, “deixou Gert-Jan Oskam paralisado totalmente das andar.
pernas e parcialmente dos braços, depois de a sua medula espinal ter Um pessimista da tecnologia dirá: a tecnologia como um Cristo dos
ficado danificada na zona do pescoço”. ricos. Alguém ou algo que veio à Terra para salvar unicamente os
Até agora, estas lesões na espinal medula eram definitivas. O muito abastados.
dispositivo tecnológico, chamado “interface cérebro medula”, muda E cada anúncio de uma nova descoberta científica deste tipo parece
isso — pois faz uma ligação artificial entre o cérebro e “os nervos o anúncio de um profeta modesto, uma ‘ciência João Baptista’, que
abaixo da lesão”. anuncia a chegada de salvadores técnicos; Messias em forma de
O termo usado é precisamente “ponte digital”, usado por vezes na chips que vêm pôr os cegos a ver e os para sempre imobilizados a
ligação virtual pela internet. Uma ponte, isso mesmo, não biológica, levantarem-se e a caminharem.
que liga duas partes do mesmo organismo que pareciam estar Mas sabemos como funciona o preço dos artefactos técnicos: primeiro
separadas para sempre. O cérebro antes dava a ordem de movimento, são caríssimos, depois o preço baixa.
mas os músculos não escutavam, não viam e não obedeciam, pois a Assim, um otimista dirá que a tecnologia salvará primeiro os ricos,
ponte de comunicação havia sido cortada, danificada — como se fosse sim — mas em algumas gerações, com o baixar dos preços, começará
a ponte de uma cidade abatida por uma bomba. também a salvar os pobres.
Gert-Jan Oskam, diz a notícia, agora “consegue ficar de pé, andar, Pode ser verdade. Porém, mais uma vez, também no século XXI, e
subir escadas” e até mesmo “atravessar terrenos complexos”, com também com a tecnologia, se pede aos pobres o que sempre se pediu:
obstáculos, altos e baixos. a passiva paciência. b

2.
Esta notícia mostra como aquilo que era da ordem do impossível ou
do religioso passa a ser absolutamente possível e terrestre, graças à
tecnologia. Uma tecnologia que começa a esvaziar a ideia antiga de
milagre. O que era milagre, desde há séculos, é agora resultado de
um algoritmo e de uma capacidade para fazer, dos materiais técnicos
exteriores ao corpo, materiais compatíveis com a vida humana e a sua
melhoria.
Inúmeros relatos científicos falam também de tecnologia capaz de
fazer um cego ver. Tecnologias com infravermelhos, óculos que veem
/ GONÇALO
e falam, alertando para obstáculos e perigos na rua, etc. M. TAVARES
Neste particular, o OrCam é um dos dispositivos mais conhecidos.
É um sensor colocado nas hastes dos óculos que “capta imagens
ao segundo e faz uma leitura em voz alta para o utilizador”,
permitindo-lhe “consultar um livro, reconhecer produtos de
supermercado, caras, cores ou dinheiro em papel”.
Os dois milagres bíblicos mais potentes — o cego que começa a
ver, o humano paralisado que se levanta e caminha — estão agora à

E 46
De volta à
casa de partida
Joana Vasconcelos regressa a Lisboa com uma exposição
individual após dez anos de ausência. Depois do Palácio Nacional da Ajuda,
é a hora do MAAT e da EDP, onde tudo começou
TEXTO CHRISTIANA MARTINS FOTOGRAFIAS JOSÉ FERNANDES

E 47
E
m 2018 houve quem pensasse que
Joana Vasconcelos tinha morrido
e foi justamente este o momento
em que a artista tomou consciência
de que tinha escapado ao destino
fatal. A revelação foi-lhe feita por
um rapaz de dez anos, quando,
ao visitar a exposição “I’m Your
Mirror” — a primeira mostra a
solo de um português num Museu
Guggenheim — e depois de ter visto
obras de Alberto Giacometti e de
Wassily Kandinsky também expostas
na mesma instituição em Bilbau,
o miúdo perguntou à mãe: “E esta
artista morreu há quantos anos?”
Joana não tinha morrido, andava
pelas salas a ver as próprias peças e
escutou a interrogação do pequeno
espanhol. Passados cinco anos,
enquanto conversa com o Expresso
na Central Tejo, às vésperas da
inauguração de mais uma exposição,
a artista conta que ouviu o miúdo
e pensou, que pelo menos naquele estratégia ativa do MAAT para montagem de uma das principais de copos e jantes de automóveis,
espaço já não morreria. “Num museu fazer regressar os seus visitantes peças da nova exposição — imensa e à frente da Central Tejo estará
não interessa estar vivo ou morto, é o pré-covid-19, depois de em 2022 “Árvore da Vida”, que em Lisboa a máscara de espelhos “I’m Your
mesmo olhar que vê peças de épocas ter apostado na marca Vhils, de está a ser instalada na Central Tejo, Mirror”. A exposição terá ainda
completamente diferentes e que Alexandre Farto, 2023 é o ano de de arquitetura mais vertical do que uma peça completamente inédita,
estão juntas. Nunca tinha pensado Joana Vasconcelos como elemento de o ovalado edifício do MAAT. Mesmo um Porsche recoberto de plumas,
que, independentemente de estar atração, mas não se esperam recordes assim, para caber, a obra — que que ainda não foi visto fora do
viva ou morta, estava em diálogo da mesma dimensão de 2013 ou 2019. esteve instalada na Capela do Castelo ateliê. Confrontada com o regresso
com Giacometti e com Kandinsky. O “Plug-in” utiliza o percurso da de Vincennes, em Paris, em abril a Lisboa e à EDP, Joana Vasconcelos
museu é uma cápsula onde o tempo artista como conteúdo e a faz deste ano, e foi projetada para a explica: “Tenho sempre vontade
não existe.” regressar às origens ao incluir na Villa Borghese, em Roma, o que não de expor em Portugal, mas tem
Em Lisboa, Joana Vasconcelos volta mostra a peça “Strangers in the chegou a concretizar-se devido à de haver um ritmo, tem de haver
agora ao próprio ponto de partida. Night”, que remete ao ano 2000 pandemia — terá de ter menos dois tempo para desenvolver novas
Ontem, a artista inaugurou no MAAT quando Joana Vasconcelos venceu do que os originais quase 14 metros. ideias. E agora fazia sentido mostrar
a exposição “Plug-in”, a primeira a primeira edição do Prémio Novos Na nova exposição, o fio condutor é a peças novas, mas aqui a marca é a
mostra individual na capital depois Artistas promovido pela Fundação linha que liga as peças à eletricidade monumentalidade.”
de um intervalo de dez anos e EDP. Na altura, comenta a artista que dá sentido à EDP. “Plug-in”
do sucesso de público no Palácio passados 23 anos, estava longe de não é uma marca vazia, o título
Nacional da Ajuda, exposição que visualizar o MAAT pousado à beira foi escolhido pela simbologia de
mais de 235 mil pessoas foram ver. do Tejo, o que só aconteceu em ser uma casa da eletricidade e por “Tenho sempre
Um recorde que seria batido seis 2016. Quando Vasconcelos venceu todas as obras terem também uma
anos depois no Porto, quando 585 o prémio, João Pinharanda era relação com a energia. Como a vontade de expor
mil visitantes rumaram ao Museu
de Serralves para conhecer 30 peças
crítico e comissário da coleção da
EDP. Reencontram-se agora, ela
imensa “Valkerie Octopus”, que
ocupa todo o átrio central do MAAT.
em Portugal, mas
concebidas pela artista. convidada por um Pinharanda Foi concebida para o hotel-casino tem de haver um
transformado em diretor do Museu MGM de Macau, de onde veio para
Uma década depois da Ajuda, a artista
apresenta novas obras num novo de Arte, Arquitetura e Tecnologia. ser exibida pela primeira vez em
ritmo, tempo para
cenário, numa exposição que assume “Nunca pensei que viria a haver Lisboa. Criada com 35 metros de desenvolver novas
a monumentalidade como foco, mas um museu tão bonito como este, comprimento e 1200 quilos, tem
que não será imune às cicatrizes organizado de uma forma tão milhares de missangas e luzes LED ideias. E agora
causadas pelo esvaziamento dos
museus na sequência da pandemia.
interessante. E é curioso que
reencontro uma equipa que conheço
alimentadas por 3100 metros de
cabos elétricos. À porta do MAAT,
fazia sentido”
E o potencial de atração da artista há 23 anos”, sorri Vasconcelos, o visitante será recebido por JOANA VASCONCELOS
será posto à prova, inserida numa enquanto acompanha a complexa “Solitário”, um imenso anel feito ARTISTA PLÁSTICA

E 48
Na página anterior, Joana Vasconcelos aparece
entre os ramos de “Árvore da Vida”. Nestas páginas, à esq.,
“Valkerie Octopus” e, em baixo, “O Solitário”

Reconhece que a escolha por integrar O próximo passo já está pensado O ano de 2023 foi bom para a artista, ser importante para a comunidade
o seleto grupo de artistas que se e será dado já em novembro em com a conclusão de vários dossiês artística e para quem tem de ter
dedica às obras de grande dimensões Curitiba, no emblemático Museu pendentes, desde a finalização do empresas para poder trabalhar. É
não é isenta de riscos, “não só Oscar Niemeyer, também conhecido “Bolo de Noiva”, instalado depois o meu caso. Terei agora de levar o
financeiros como de montagem, como o Museu do Olho, devido ao de anos de trabalho nos jardins de assunto ao Ministério da Cultura,
até para a equipa, são necessários anexo de formato inusitado para Waddesdon Manor, residência que com todo o gosto.”
seguros, há questões de segurança”, um edifício. Joana Vasconcelos pertenceu à família Rothschild, Apesar da estreita relação com o
afirma a artista. Para assumir de leva para o Brasil, a “Valkyrie Miss a noroeste de Londres, e com a país onde vive, Joana não recusa,
forma simples, “mas é o que gosto de Dior”, concebida originalmente para inauguração de “Árvore da Vida” na pelo contrário, incorpora, o
fazer” o desfile outono/inverno 2023/24 Sainte-Chapelle, em Vincennes, nos multiculturalismo que é um traço do
da marca. Atualmente a peça arredores de Paris, peça que deveria seu percurso profissional. “Trabalho
GLOBETROTTER encontra-se na China e esta será a ter sido inaugurada em 2022 no 85% do tempo em Portugal. Nasci
Menos de uma semana depois primeira vez que vai sair do universo âmbito da Saison Croisée Portugal/ em Paris, vim para cá com três anos
da inauguração no MAAT, Joana da moda para entrar no espaço da arte França. e fui educada numa geografia, com
Vasconcelos viaja para Florença, musealizada. Envolvida atualmente numa uma luz, uma cultura, uma língua
onde vai inaugurar uma mostra nas Segue-se Malta, onde a artista discussão com a Autoridade e tudo o que me rodeia, mas venho
Galleria degli Uffizi. A Galeria dos vai inaugurar um museu de arte Tributária avaliada em €1,5 milhões, de uma família internacional, que
Ofícios é um palácio que acolhe um contemporânea, e a Alemanha, Joana Vasconcelos classifica o debate me ensinou desde pequena que não
dos mais antigos e famosos museus no Exhibition Gottorf Castle, na como uma questão de interpretação é por viver noutro país que não sou
do mundo, com salas onde, como cidade de Schleswig. Ainda de da lei. A artista não coloca, contudo, portuguesa. Trago sempre comigo
explica o comunicado emitido pela contornos por definir está prevista a hipótese de retirar a sede da sua Portugal, mas na minha família
artista, estão dispostas, por ordem a colaboração com um armazém empresa de Portugal: “Tendo sido pratica-se a partilha dessa cultura
cronológica, obras do século XII ao de balões em Paris, cujo tipo de a primeira mulher em tanta coisa, com outras e por isso foi sempre
século XVIII, incluindo aquela que obra ainda está em discussão. decidi partilhar a minha carreira muito fácil para mim percorrer os
é considerada a melhor coleção do Questionada sobre o risco de artística com o meu país, para o territórios internacionais”, explica. b
mundo de obras do Renascimento transformar peças únicas numa bem e para o mal. E há momentos camartins@expresso.impresa.pt
de artistas como Rafael, Ticiano, série, Joana Vasconcelos recusa em que temos de discutir assuntos
Rubens, Rembrandt, Canaletto o perigo de banalização: “Pela que são interessantes para o
e Sandro Botticelli. Com o título lei europeia, até sete peças são crescimento do próprio país e para
de “Entre o Céu e o Coração” a consideradas peças únicas e não ajudar a que o meio cultural seja
exposição estará patente tanto nos faço mais. O anel vai no segundo, mais forte, mais internacional e PLUG-IN
espaços da galeria como no Palácio também a máscara, o bolo será feito independente. Não vejo o diferendo De Joana Vasconcelos
dos Medicis até 14 de janeiro de outro, mas apenas quando aprecem o como uma disputa, mas como um MAAT, Lisboa, de 29 de setembro
2024. sítio e o cliente certos.” momento de clarificação, que pode a 31 de março de 2024

E 49
Um outro
Tigre
Aos 53 anos, Paulo Furtado volta a mudar
de pele. Depois de uma temporada em Paris,
apresenta “Zeitgeist”, álbum com mais
sintetizadores, menos guitarras e um elenco
de grandes mulheres. O resultado é de mestre
TEXTO LIA PEREIRA FOTOGRAFIA RITA CARMO

T
udo começou no Lux, discoteca de
Lisboa que, por estes dias, come-
mora 25 anos de aventuras. Paulo
Furtado, roqueiro dos sete costados
as pessoas tinham a ideia de que
eu era uma one man band, ou então
aquele gajo do rock e do punk”,
diz. “Debaixo da terra, eu sou mais
Paulo Furtado, o roqueiro
que há 20 anos
conhecemos como
The Legendary Tigerman

manifestação “bastante agressiva”.


Cantada com Anna Prior, baterista
dos ingleses Metronomy, espelha “o
facto de a sociedade nos empurrar
baseado em sintetizadores modula-
res. “Gravava com os sintetizadores
modulares, live, como se fosse uma
gravação em estúdio ao vivo, e depois
que há coisa de 20 anos conhece- algumas coisas do que isso.” numa luta por uma vitória financeira essas eram as bases para construir as
mos como Legendary Tigerman, foi Se a epifania inicial surgiu à beira- ou de status, que é um [mero] sonho. canções. Só no final desse período é
lá ver um concerto. Já não se recor- -Tejo, “Zeitgeist”, o disco que hoje Cada vez mais a vida das pessoas é que [encontrei] uma sonoridade [que
da se era uma banda ou “um pro- chega às lojas, começou a nascer em o contrário: um pesadelo. Vivem na achasse] minha e particular. Nos pri-
dutor” que atuava, mas o que ouviu Paris. Depois de lá celebrar os dez carga da falha, de não conseguirem meiros dois meses, tudo o que fazia
fê-lo pensar no que andava a fazer. anos de “Femina”, o marcante álbum alcançar as coisas que a sociedade nos soava a Suicide ou Nine Inch Nails, o
“Estava um bocado farto”, con- de 2009, o português permaneceu diz que devíamos alcançar, quando, que era bastante frustrante”, conta,
fessa, explicando a génese do novo na Cidade Luz durante meio ano e na realidade, as regras do jogo estão entre risos.
“Zeitgeist”. “E tive uma epifania. O por lá encontrou inspiração. “[Bebi] sabotadas.” Para Afonso Rodrigues, mais conhe-
concerto era uma coisa meio tecno da noite de Paris e do seu lado mais Para pintar este retrato realista, mas cido como Sean Riley, a capacidade
e agressiva, e de repente percebi agressivo e cru”, esclarece. “Como ainda regado com grandes doses de de Paulo Furtado alterar o seu som,
que as colunas tinham capacidade em todas as cidades, em Paris há cada sensualidade, o músico deitou mão permanecendo reconhecível, é mo-
para um espectro que eu nunca iria vez mais pobres, e as pessoas têm de a ferramentas diferentes. Cansado tivo de espanto e admiração. “Alguns
ocupar, a tocar guitarra e bombo. lutar para terem uma vida que já não do formato de blues-rock que o po- artistas mantêm-se sempre iguais e
Então meti na cabeça que iria cons- é completamente digna. A classe mé- pularizou, passou meses a experi- tornam-se chatos, outros mudam de
truir este disco de outra maneira”, dia está empurrada para a pobreza, mentar um formato mais eletrónico, tal forma que perdem a identidade e
desvendou ao Expresso em julho, e em Paris, como em Londres, isso as pessoas para quem comunicam.
minutos antes de subir ao palco do nota-se mais”, observa. “Eu estava Caminhar naquela linha ténue entre
Super Bock Super Rock, no Meco, no norte de Paris, num bairro que a novidade e manter o core é difícil.
onde apresentou pela primeira vez não é turístico, e até é um bocadinho Mas, há uns anos, quando o Paulo
as canções do seu novo álbum. O duro, e isso agradou-me. Muitas das começou esta caminhada, vi um
trabalho que tem vindo a desenvol- letras [refletem] coisas que acontece- concerto que ele deu no Museu da
ver em bandas sonoras para filmes e ram ali. Eu sempre adorei Paris, mas Eletricidade, só com modulares, e
peças de teatro, “bastante diferente nunca tinha vivido lá um período fiquei superfeliz, porque ouvi a coisa
do que as pessoas conhecem como tão longo, e gostei muito de sentir musicalmente mais interessante e
Tigerman”, foi outro dos ingredien- a cidade com todos os seus defeitos distante dele em muito tempo”, afir-
tes que quis usar no seu menu. Tudo e coisas feias.” Uma das canções de ZEITGEIST ma. A mesma opinião tem Ray (The
para, aos 53 anos, mudar a perceção “Zeitgeist”, ‘Losers’, foi escrita de- The Legendary Tigerman Poppers, Keep Razors Sharp), que, tal
que o mundo tem de si. “Acho que pois de Paulo Furtado assistir a uma Discos Tigre Branco/Sony como Sean Riley, participa na canção

E 50
OUTUBRO
35 15 www.foriente.pt

2023
O autor compreende o paralelismo, ANOS ANOS
mas apenas parcialmente: “Só se for
pelo facto de haver duetos, porque ENTRADA E VISITAS GRATUITAS | 1 OUTUBRO
musicalmente é muito diferente. Eu
sempre fui fanático de duetos reais: DIA EUROPEU DAS
quando duas pessoas se cruzam e FUNDAÇÕES E DOADORES
conseguem encontrar uma linguagem DOAÇÕES: SIÃO E BIRMÂNIA NA COLECÇÃO
comum, construindo algo que é mais PERMANENTE PRESENÇA PORTUGUESA
do que a soma das partes.” Presentes NA ÁSIA
no concerto de julho, as convidadas
de “Zeitgeist” confirmam que este foi
EXPOSIÇÕES

um processo prazeroso. “Quando re- Caixa de oferendas [pormenor] | Birmânia, Estado Shan | Séc.XIX-XX EXPOSIÇÃO | ATÉ 12 NOVEMBRO
FO-2414 | (c) D. Paquete
cebemos o primeiro rascunho da can-
ção, até estávamos numa vibe meio TESOUROS NA PALMA
Nick Cave/Kylie Minogue”, recorda DA MÃO
Catarina Salinas, vocalista dos por- O COLECCIONISMO DE FRASCOS DE RAPÉ
tuenses Best Youth, recrutados para o ENTRADA GRATUITA
tema ‘New Love’. “Mas acabámos por
assumir a cena cinemática, mais Da-
vid Lynch”, diz. “A canção remeteu-
EXPOSIÇÃO | ATÉ DEZEMBRO 2024
-me imediatamente para o universo
do ‘Lost Highway’, que é uma das JAPÃO: FESTAS E RITUAIS
minhas bandas sonoras preferidas”, Frascos de rapé | China | Séc. XVIII e XIX | Depósito MNMC
8735;FR302, 8751;FR317, 8662;FR229, 8897;FR462, 8712;FR279
concorda Ed Rocha Gonçalves. “Para © Gonçalo Barriga

nós é fixe, porque é um caminho que


temos cá dentro, mas não exploramos
ESPECTÁCULOS

CONCERTO | 16 OUTUBRO
muito nos nossos discos. Então pen- AUDITÓRIO | GRATUITO
sámos: ‘Vamos ter carta branca para
entrar numa cena mais dark.’” XX-XXI
Radicada em Lisboa, Anna Prior teve CICLO DE CONCERTOS ANTENA 2
uma reação semelhante ao rece- COM CARLOS FERREIRA [CLARINETE]
ber ‘Losers’. “Adorei logo a canção E PEDRO EMANUEL PEREIRA [PIANO]
que o Paulo me mandou. Parecia
que conhecia um lado de mim que ACTIVIDADE | 13 A 15 OUTUBRO
SERVIÇO EDUCATIVO • VISITAS E OFICINAS

Se a epifania inicial
mais ninguém vê. Porque, no fundo,
eu sou bastante roqueira, mas a RETIRO DE YOGA NO
minha banda é de pop eletrónica. CONVENTO DA ARRÁBIDA
surgiu à beira-Tejo, Então, foi como se ele se estivesse M/16 ANOS
“Zeitgeist”, o disco a dirigir a uma Anna mais escon-
dida.” Depois de conhecer o autor
OFICINA | 15 OUTUBRO
HISTÓRIAS COM… RANGOLI
que hoje chega de ‘Naked Blues” através de amigos
em comum, a inglesa foi descobrir a LENDAS HINDUS
às lojas, começou sua obra e, hoje, mostra-se feliz por PARA FAMÍLIAS [CRIANÇAS M/5 ANOS]
a nascer em Paris ser sua colaboradora. “Uma coisa
espantosa de trabalhar com ele é
OFICINA | 22 OUTUBRO
que ele tem uma grande admiração BLOCKPRINTING –
‘Bright Lights, Big City’: “Mesmo em pelo que é feminino e pelo que nós ESTAMPAGEM INDIANA
canções inundadas de modulares, e representamos, enquanto mulheres. M/16 ANOS
antes de entrar a voz, tu já percebes E presta homenagem a isso. É muito
que aquilo é dele. É das coisas mais respeitoso. E é muito raro trabalhar OFICINA | 28 OUTUBRO
brilhantes que se pode conseguir en- com homens que percebam isso.” NERIKOMI
quanto artista: quando, aos primeiros Por seu turno, a voz de ‘One More M/16 ANOS
ambientes ou acordes, já te identi- Time’, Delila Paz, elogia o espaço que
ficam, mesmo que as texturas não Paulo Furtado lhe ofereceu: “Gosto
CURSOS CONFERÊNCIAS

sejam as habituais.” de coisas atmosféricas e ‘vazias’. Não CURSO PRESENCIAL E ONLINE


Amigos de longa data, Sean Riley gosto de música com muita tralha, 7 OUTUBRO A 25 NOVEMBRO
e Ray são dos poucos homens no e a música do Paulo é vazia no bom GRANDES NARRATIVAS
elenco maioritariamente feminino
de “Zeitgeist” (o terceiro cavalheiro
sentido, dá para sentir a sua vibração
— e a desta canção é escura, groovy e
DO EXTREMO ASIÁTICO
M/16 ANOS
é Ed Rocha Gonçalves, da dupla Best moody.” A liberdade concedida pelo
Youth). Numa ficha técnica com Asia ‘maestro’ Furtado agradou, tam- CURSO | 12 OUTUBRO A 3 NOVEMBRO
Argento, Jehnny Beth (das Savages)
ou Delila Paz, dos Last Internationale,
bém, a Sarah Rebecca, convidada
em ‘Keep It Burning’: “Ele sabia bem
ÍNDIA – MITO, FICÇÃO
é tentador pensar no sétimo álbum a canção que me estava a mandar! E CELEBRAÇÃO
M/16 ANOS
de Legendary Tigerman como um Mas essa é a beleza da coisa. Tem
regresso a “Femina”, disco em que, uma visão tão clara das coisas que só
há 14 anos, reuniu duetos com Pea- precisamos de segui-la.” b
mecenas espectáculos seguradora oficial apoio bilheteira online
ches, Maria de Medeiros ou Cibelle. lipereira@blitz.expresso.pt

CONTACTOS Av. Brasília Doca de Alcântara (Norte) | Tel. 213 585 200 | info@foriente.pt
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Oposicionista e comunista, em por Kurt Weil, sente-se outra
1933 Brecht exila-se na energia comunicativa, através
Dinamarca, na Rússia e, finalmente, por exemplo de imagens de uma
nos Estados Unidos. É no exílio que

Li
América cinematográfica (mais
escreve os seus melhores poemas tarde, no exílio californiano, Brecht
considerou Hollywood pouco mais

vros
que mentira e mercadoria); mas
essas canções, traduzidas, perdem
um pouco o tom acanalhado ou
anarquizante, o desplante de cabaré,
mesmo com equivalências e rimas
perfeitamente adequadas. Paulo
Quintela, que dedicou década e
meia a traduzir Brecht, aproveitou
Coordenação Luciana Leiderfarb a época revolucionária portuguesa
lleiderfarb@expresso.impresa.pt para publicar, em 1975, um volume
substancial intitulado “Poemas
e Canções”, esse que é agora
reeditado com uma organização
dos poemas já não temática, como
então, mas cronológica, ou seja,
“diarística” e “histórica”.
Em 1926, o muito conhecido “O
Pobre B. B.” anuncia um novo
estilo prosaico, directo: “Eu,
Bertolt Brecht, venho lá das negras
florestas./ Minha mãe, quando
inda andava no seu ventre,/
Levou-me prás cidades. E o frio
das florestas/ Estará dentro de
mim ‘té que na morte eu entre.”
E continua: “Na cidade de asfalto
é que eu vivo c’a sorte./ Desde
FRED STEIN ARCHIVE/ARCHIVE PHOTOS/GETTY IMAGES

início provido dos sacramentos


de morte:/ De jornais. E tabaco.
E aguardente./ Desconfiado e
preguiçoso e, no fim, contente.”
Tudo aqui é significativo: a oposição
floresta-cidade, o pragmatismo
e o desânimo, os prazeres e os
pesares, a língua desempoeirada,
coloquial, as corruptelas e elisões, o
registo sentencioso e questionador:
“Conheceis o tal Brecht sedento
de saber,/ Todos cantáveis as
suas cantigas./ Depois desatou
a fazer-vos perguntas:/ Como é

Tempos
que as grandes riquezas foram

“É
pouca sorte que tantos de nós juntas?” O discurso inquisitivo,
tenham chegado a Brecht afirmativo e programático, além do
pelo lado errado: primeiro mais, funciona bem em tradução,

maus para
estudámos a teoria, depois as peças, porque está mais ligado ao sentido
e só chegámos aos poemas como do que ao som. Brecht defende
subproduto do teatro, em vez de os desmunidos, os injustiçados,
vermos que os poemas levaram os humilhados, os “de baixo”,
às peças e atravessam as peças, contra os “de cima”, banqueiros,

o lirismo
das quais nasceram as teorias”. juízes, políticos, ou até artigos
Isto escreveram, com inteira da Constituição de Weimar: “O
justiça, dois dos seus tradutores. Poder do Estado vem do Povo./
Dos anos 1910 até quase aos anos — Mas para onde vai?/ Sim, pra
30, os poemas de Brecht não são onde é que vai?/ Pois pra algum
muito impressionantes, se os lado há-de ir!” E, mais adiante:
Os poemas de Bertolt Brecht, que Paulo compararmos com os de Rilke “Pergunta à propriedade:/ Donde
ou Benn. Didácticos, jocosos, vens tu?/ Pergunta às opiniões:/
Quintela levou década e meia a traduzir, surgem imitam os salmos ou as baladas A quem aproveitas?” E ao
agora reeditados cronologicamente populares e desenvolvem solilóquios
com personagens sofridas. Nos
“desimportantizar”, satiricamente,
o poema político, torna-se um
TEXTO PEDRO MEXIA textos celebremente musicados mestre do género.

E 52
Weimar não é a única sociedade O entusiasmo pela macieira em
que o poeta-dramaturgo rejeita. flor/ E o horror dos discursos do
Também há, de novo, a América, pintor de portas [Hitler]./ Mas só
a “desvanecida glória da cidade- o segundo/ Me força a sentar-me
gigante de Nova Iorque”, ode de um à mesa.” Embora tivesse dúvidas,
Whitman disfórico, às avessas, a inclusive políticas, a sua poesia
nação da prosperidade e do sucesso nessa fase necessitava de certezas,
a ir por água abaixo. Esse poema é de verdades concretas numa
de 1930, após o colapso bolsista, e linguagem inteligível. É uma poesia
se Brecht não desdenha a máquina, dos desastres da guerra, de notícias
a multidão, o bulício, despreza o de jornal, das “opiniões baixas”
modelo americano, a “segurança dos “de baixo”, de camaradagens
confiante” de que “a chuva e despedidas (o suicídio do seu
amanhã corra de baixo para cima”. amigo Walter Benjamin). Os poemas
Castigando o “deus das coisas mais tocantes são os que dedicou à
como elas são”, não menospreza mulher, a actriz Helene Weigel, que
as coisas materiais. Não sendo um se apaga, se transforma, se entrega,
optimista, nem um romântico, tem avançando corajosa em cena: “E
esperança nas velhas categorias agora entra à tua maneira leve/ No
marxistas, as condições objectivas, velho palco da cidade em destroços/
as contradições, a dialéctica. Cheia de paciência e também
Os poemas desse início dos anos implacável/ Mostrando o exacto.//
30 vivem assombrados com A loucura com sabedoria/ O ódio
o anunciado Terceiro Reich, a com amabilidade/ Na casa caída/ A
propaganda, as traições de uns e as fórmula da construção.”
ilusões de outros. Mesmo quando Apesar disso, o Brecht poeta
Hitler ainda está na oposição, é do pós-guerra (instalou-se em
como se já fosse chanceler. Daí Berlim em 1949 e morreu em 1956)
que Brecht comente desde cedo as é algo decepcionante. Parece
armadilhas do patriotismo e lamente por momentos alinhado com a
uma Alemanha “emporcalhada”. “literatura dos destroços” alemã,
Oposicionista e comunista, em dedica-se a vinhetas sobre vitórias
1933 exila-se na Dinamarca, depois amargas e resistências admiráveis
noutros países nórdicos, e na Rússia. (o choupo de Berlim que ninguém
E finalmente, ou fatalmente, nos cortou, nem quando se morria
Estados Unidos, onde fica até ao de frio), mas a poesia dos livros
fim da década de 40. É no exílio que é-lhe menos urgente. Tem uma
escreverá os seus melhores poemas, companhia teatral para dirigir,
assumindo-se como um Dante ou e além disso tornou-se um dos
um Heine, um perseguido político e “de cima”, tímido nas ocasionais
uma voz da consciência. dissidências, excepto no espantoso
Vários desses poemas combativos verso de 1953 sobre a necessidade
são teórico-teatrais, como aquele de dissolver o povo e eleger outro. É
em que pede aos actores que não possível que aquele não fosse outra
exponham aos espectadores as vez um tempo bom para o lirismo. b
suas habilidades, mas o mundo
como ele é; que não procurem o Pedro Mexia escreve de acordo
aplauso, mas o esclarecimento; com a antiga ortografia
que não representem personagens
vítimas do destino, mas apresentem
a vida comum dos homens. O
lema “mostro aquilo que vi” é
fundamental na reconfiguração
desta poesia apostada na clareza,
no sarcasmo e na desmistificação:
“O jovem Alexandre conquistou a
Índia./ Ele sozinho?/ César bateu
os Gálios./ Não teria consigo um
cozinheiro ao menos?/ Filipe de
Espanha chorou, quando a Armada/
Se afundou. Não chorou mais
ninguém?” QQQQ
Durante uns 15 anos, Brecht escreve POEMAS
versos domésticos, bucólicos, Bertolt Brecht
alegóricos, mas sobretudo sombrios, Relógio D’Água, 2023, trad. de Paulo
pois viviam-se “tempos maus para Quintela, org. de António Sousa Ribeiro,
o lirismo”. Acerca dessa tensão, 504 págs., €24
confessou: “Dentro de mim lutam/ Poesia
E ainda...
QQQQ OS MEUS HOMENS
ESTADO DE VIGILÂNCIA Victoria Kielland
Josh Chin e Liza Lin D. Quixote, 2023, 208 págs., €15,90
Relógio D’Água, 2023, trad. de Valério Neste livro conta-se a história (real)
Romão, 327 págs., €22 de Belle Gunness, assassina em
Ensaio série norte-americana que viveu
no final do século XIX e matou mais
A vigilância do Estado chinês sobre de 40 pessoas, entre as quais os
os seus cidadãos é uma das grandes próprios filhos e maridos, além dos
histórias do nosso tempo e um duplo jovens escandinavos que conheceu
aviso — sobre os riscos da tecnologia por meio de anúncios no jornal.
e sobre a fragilidade das democracias.
O livro está marcado pela relação de José Afonso com a Galiza
O que distingue o sistema chinês é, por
um lado, o volume de dados processa- UM LUGAR
PARA MUNGO
Uma não biografia dos e, por outro, a sua utilização para
controlar os cidadãos a um nível inédito.
Como a China já representa uma parte
Douglas Stuart
Alfaguara, 2023,

de Zeca Afonso substancial da economia global e as suas


tecnologias de vigilância são exportadas
468 págs., €22,95

para outros países (o Uganda é caso de É o segundo romance do vencedor do

E
sta é e não é uma biografia Moure — continuam a devotar ao estudo neste livro), a consciência do Booker Prize em 2020, cujo cenário é
de José Afonso em banda autor de ‘Grândola, Vila Morena’, que se lá se passa faz parte da educação a Escócia dos bairros sociais suburba-
desenhada. O texto de Teresa cantada ao vivo pela primeira vez cívica contemporânea. Josh Chin e Liza nos onde dois jovens se apaixonam.
Moure e o desenho de Maria João em Santiago de Compostela. A Lin, repórteres do “Wall Street Journal”,
Worm escolhem vias pouco óbvias partir de um argumento com tantas desembaraçam-se muito bem da tarefa. Semana 37
para uma biografia, não deixando de derivações, Maria João Worm cria O seu foco são dois lugares situados em
Top Livros De11/9 a 17/9
documentar uma vida. A infância uma gramática visual que convoca extremos opostos do território chinês. Ficção
em Moçambique, os anos de um teatro de sombras, não no Um é Xinjiang, a região ocidental, onde o Semana
anterior
Coimbra, a censura ou o 25 de Abril sentido lúgubre, mas num registo Governo leva a cabo um esforço brutal O Segredo da Criada
estão nestas páginas, bem como que plasticamente lembra de facto para eliminar a identidade muçulmana. 1 1
Freida McFadden
amores, amigos, descendência e, esses recortes de papel onde luz, A “política étnica de segunda geração” A Criada
mais tarde, a doença. O que este cor e sombra contam uma história. passa por repressão diária e campos de 2 2
Freida McFadden
livro não faz é tentar fixar uma Afastada qualquer tentação realista “reeducação”, mas também pela aposi- A Cirurgiã
3 3
cronologia e à sua volta organizar do traço, essa escolha produz ção de códigos QR a objetos imprová- Leslie Wolfe
uma vida, como se dias e anos uma narrativa que coloca a leitura veis como facas de cozinha. A omni- O Italiano
4 4 Arturo Perez-Reverte
fossem passíveis de arrumação tão num olhar sobre o passado, mas presença de câmaras é só o sinal visível
regrada. Em vez disso, a narrativa sobretudo num plano em que o que de um sistema apostado em antecipar 5 5
O Vento Conhece o Meu Nome
vai entretecendo texto e imagem se dá a ver é a memória e os seus as ações dos cidadãos. Da distopia à Isabel Allende
como quem puxa fios de um novelo, ecos, mais do que uma suposta utopia, o outro lado do sistema vê-se na As categorias consideradas para a elaboração deste top
foram: Literatura; Infantil e Juvenil; BD e Literatura Importada
desvendando episódios da vida de realidade. E, afinal, talvez isso seja próspera cidade de Hangzhou, onde a
José Afonso e cruzando-os uns com tudo o que podemos guardar do que tecnologia foi usada para criar a plata- Não ficção
os outros em diferentes momentos, passou. / SARA FIGUEIREDO COSTA forma Cérebro da Cidade, que facilita a Semana
anterior
nomeadamente os de um presente- vida das pessoas em aspetos diversos,
futuro em que o cantor já não como a passagem dos semáforos a 1 1 Ganhar Dinheiro
Pedro Andersson
existe. Esses momentos trazem verde quando passa uma ambulância ou
O Primeiro-Ministro
outras pessoas, descendentes de a deteção de pilhas de lixo. A colabora- 2 - e a Arte de Governar
gente que José Afonso conheceu, ção do sector privado em tudo isto tem Aníbal Cavaco Silva
amigos, pessoas que se sentem um lado embaraçoso, sobretudo para 3 2
Hábitos Atómicos
de algum modo suas herdeiras. E empresas americanas e europeias. “O James Clear
esse registo da herança estrutura mundo ocidental de negócios”, notam os 4 -
Papa Francisco JMJ Lisboa 2023
o livro, colocando a biografia num Papa Francisco
autores, “tem sido o parceiro do estado
plano que ultrapassa o da vida de vigilância do partido desde o seu 5
Os Segredos da Mente Milionária
4 T. Harv Eker
contada em anos e projetando-a QQQQ início embrionário no final dos anos 90”
As categorias consideradas para a elaboração deste top
num agora que é o nosso. Este ZECA AFONSO — — ou seja, nos anos seguintes a Tianan- foram: Ciências; História e Política; Arte; Direito,
BALADA DO DESTERRO
Economia e Informática; Turismo, Lazer e Autoajuda
livro traz também uma visão do men. Para iludir as críticas, empresas
biografado muito marcada pela Teresa Moure e Maria João Worm como a Intel “refugiam-se cada vez mais Estes tops foram elaborados pela GfK Portugal, através
do estudo de um grupo estável de pontos de venda
relação de José Afonso com a Galiza Tradisom/aCentral Folque, 2023, na complexidade”, alegando não poder pertencentes a dois canais de distribuição: hipermercados/
supermercados e livrarias/outros. Esta monitorização
e pela admiração que tantos galegos 192 págs., €30 saber para que fins serão empregues as é feita semanalmente, após a recolha da informação
eletrónica (EPOS) do sell-out dos pontos de venda.
— entre eles, a própria Teresa Banda desenhada suas tecnologias… / LUÍS M. FARIA A cobertura estimada do painel GfK de livros é de 85%.

E 54
O adolescente, no entanto,
O outro lado ia lendo furtivamente os poemas
dos livros daqueles dois livros ‘proibidos’. E, à
medida que os lia, ia entranhando o
POR MANUEL seu lirismo sensorial e a sua cadência
ALBERTO VALENTE melódica, que lhe fazia lembrar
cancioneiros antigos, ouvidos nas
noites de verão, na aldeia, da boca Dedicatória
dos que, já velhos, conservavam de PHM
as memórias dos seus tempos de ao avô
juventude. (“Vai alta a Lua na mansão do cronista
O bardo de Afife da morte/ Já meia-noite com vagar
soou...” ou “Batem leve, levemente, minha admiração pelo autor que
Grande, grande era a cidade como quem chama por mim...”). escreveu “No meio da claridade/
O crescimento e a Daquele tão triste dia/ Grande,
e ninguém me conhecia... consciencialização política (com grande era a cidade.../ E ninguém
todos os seus ditames) levaram- me conhecia!...”, poema que a voz de

E
m casa dos meus avós simpáticas dedicatórias ao meu avô, no mais tarde a afastar-se do Amália imortalizou. Diga-se, aliás,
maternos, bastante liberais então diretor da Escola Comercial poeta, “monárquico, reacionário que era tão grande a admiração de
em relação ao comportamento Mouzinho da Silveira, onde Pedro e tradicionalista” para aqueles que Pedro Homem de Mello por Amália
dos netos, havia duas coisas Homem de Mello era professor. Um defendiam uma poesia engajada que quis conhecê-la pessoalmente; e
proibidas: fazer barulho à hora em pouco mais crescido, explicaram- com a luta contra o Estado Novo. quando ela lhe pediu desculpa por se
que o meu avô, de ouvidos colados me o que acontecera: o meu avô, E também propositadamente ter apropriado de um poema seu sem
à telefonia, ouvia a emissão da reconhecido republicano, fora “escondido” por alguns que não lhe pedir autorização, o escritor terá
BBC e... falar de Pedro Homem de compulsivamente afastado da queriam que se notasse a sua declarado: “Pedir-me desculpa? Eu é
Mello. O adolescente que eu era direção da escola, para que o seu influência. que tenho de agradecer-lhe a honra
então não conseguia perceber este lugar fosse ocupado por um homem Foi preciso que, em 1984, Vasco de me cantar.”
segundo interdito, tanto mais que do regime. Já adivinharam, não já? Graça Moura publicasse na Imprensa Mas a isso o meu avô já não
da biblioteca lá de casa constavam O homem do regime era, nem mais Nacional as “Poesias Escolhidas” assistiu. Mesmo assim, creio que me
dois livros do poeta — “Jardins nem menos, o autor de “O Rapaz da de Pedro Homem de Melo para que, perdoará ter infringido uma dessas
Suspensos” e “Segredo” — com Camisola Verde”. entretanto adulto, eu assumisse a leis de quando eu era menino. b

TESOUROS NA
PALMA DA MÃO
O COLECCIONISMO
DE FRASCOS DE RAPÉ
29 Setembro a 12 Novembro | Entrada gratuita
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2023

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8712;FR279 | © Gonçalo Barriga
Ci
ne
ma
Coordenação João Miguel Salvador
jmsalvador@expresso.impresa.pt

se em 1956, após a invasão da e o ‘sol enganador’, o cineasta e o

Nanni Moretti E Hungria, Palmiro Togliatti,


histórico líder do Partido
Comunista Italiano, tivesse rompido
lastro do seu trabalho, o filme em si
e outro que está a ser rodado dentro
dele. E temos sobretudo um choque

e as cantigas
com a União Soviética? Teriam vivido constante de emoções e contradições,
melhor os italianos? Estas perguntas disposto a dividir as águas, até mesmo
são ficção ou uma oportunidade no núcleo dos ‘morettianos’ — mas
perdida, entenda-se. O PCI não foi desta matéria paradoxal que o

do maio
permaneceu obediente a Moscovo, é cinema dele sempre se alimentou?
essa a realidade histórica. Mas Nanni Pois veja-se: em “O Sol do Futuro”,
Moretti acredita nas perguntas e Moretti chama-se (outra vez)
gostava que tal tivesse acontecido, Giovanni. É um cineasta de renome.

da sua vida “já andava com 1956 na cabeça há


muito tempo”, contou-nos o cineasta
em entrevista em Cannes. Podemos
começar por aqui para entrar em “O
Está a preparar a rodagem de um
filme em torno de um bairro popular
da Itália de 1956 que acaba de ser
eletrificado no momento em que os
Sol do Futuro”. Tanto acredita Nanni soviéticos vão abocanhar Budapeste.
naquelas perguntas, que o poder do Giovanni tem os mesmos 70 anos que
Em “O Sol do Futuro”, um cineasta debate-se cinema vai permitir-lhe imaginar Nanni cumpriu este verão e os pés
uma realidade “melhor do que a firmes na terra, mas os ventos não lhe
com problemas a nível familiar e profissional verdadeira.” Isto de reescrituras da são favoráveis e os do cinema, muito
História não é privilégio exclusivo de menos. Mais um alter ego, está claro.
por causa de um filme de época sobre Tarantino. Depois começamos a oscilar entre
o Partido Comunista Italiano na Itália de 1956. “O Sol do Futuro” é um dos mais
complexos filmes de Nanni, o
presente e passado, entre as lutas de
Giovanni de hoje e as hesitações da
Mas quem quer saber disso hoje? Giovanni mais felliniano de todos eles (há personagem de Ennio em que Silvio
mesmo uma citação a “Dolce Vita”), Orlando interpreta o chefe de redação
é outro alter ego de Nanni. Aprende a descasca-se como uma cebola, do “Unità” (o histórico jornal do PCI)
envelhecer. Ainda dá uns bons toques de bola... navega por vários tempos. Temos os
dias que correm e o passado político
e arrisca sair da alçada dos soviéticos.
Ora, Giovanni, arriscamos dizê-lo
TEXTO FRANCISCO FERREIRA de Itália, o sol do futuro do título (e o cineasta não o desmentiu) é um

E 56
Nanni Moretti no papel
de Giovanni
em “O Sol do Futuro”

não o faz pela nostalgia que se


receava mas sim com a consciência
plena de um problema que não é
de todo dos mais pequenos: saber
envelhecer. Há qualquer coisa em
Giovanni que o faz sentir-se perto da
derrota e que ao mesmo tempo o leva
a não desistir dos seus propósitos.
Nem da sua crónica teimosia. Não
arranca ele o retrato de Estaline por
desdenhar a criatura? A rodagem
do filme está a descarrilar. A mulher
dele, argumentista de toda a vida
(Margherita Buy), tenta ganhar
embalo para o deixar. Um produtor
francês aldrabão (Mathieu Amalric)
roeu a corda. E quando a Netflix lhe
aparece no horizonte como tábua de
salvação, perguntam-lhe “onde está o
momento what the fuck do seu filme”,
algo para o qual Giovanni nunca terá
resposta. É uma cena estupenda de
comédia no seu lado mais caricatural,
contou Moretti que o episódio
sucedeu a uma das guionistas de “O
Sol do Futuro”.
“A minha especialidade é preceder a
atualidade, tem sido sempre assim”,
disse também Moretti sobre o filme
em que ele mais se olha ao espelho
retrovisor. Temos até direito a
procissão com os atores de hoje e de
eco de Michele Apicella, outro bem ontem, mais um momento musical e
mais célebre alter ego que Moretti coreográfico, “talvez tenha chegado
deixou na obra-prima “Palombella a hora de fazer um music hall, não sei
Rossa”. Giovanni ainda canta ao se terei coragem...” Mas nem nesse
volante canções de Franco Battiato, momento é a nostalgia que ganha,
nada em piscina que antes serviu para nem este filme esquece por um
partida de polo aquático, há baladas, segundo, embora não a mencione, a
há gelados, e até aparece às tantas Itália extremista de hoje em que as
um circo chamado Budavari, que foi utopias já não têm lugar. No fundo,
nome de personagem no filme de “O Sol do Futuro” é a história de um
1989. Sonha Moretti aos 70 com quem homem que aceita a idade que tem e
ele foi aos 35, correndo o risco de ser que segue a sua estrada. Não perde a
apanhado nesse turbilhão emocional? verve e a paixão. Nem vende a alma.
A questão coloca-se, “mas este filme Nota: a distribuidora de “O Sol do
tem mais ironia, é mais sarcástico, tal Futuro” lança agora, também em sala,
como a primeira página do jornal que um inédito documentário de Moretti
sugere a libertação do PCI, realizando entre nós, “A Coisa”. Foi feito em 1990,
a utopia. Digamos que algumas cenas imediatamente após “Palombella
de Giovanni têm o mesmo desejo Rossa”. A “coisa” que se discute é o
de Apicella. Mas talvez Giovanni já futuro do PCI pelos seus militantes. É
aceite que as outras pessoas possam um oportuno complemento. b
ser diferentes daquilo que ele queria
que elas fossem. E isso, Apicella não
tolerava. É uma enorme diferença.”
“O Sol do Futuro” desarma-nos, seja
Giovanni ou não um velho cineasta QQQQ
já meio louco, às voltas com uma O SOL DO FUTURO
Cinecittà que se tornou manicómio De Nanni Moretti
e palco de thrillers desalmados para Com Nanni Moretti, Margherita Buy,
o streaming. Desarma-nos porque, Silvio Orlando (Itália)
se Moretti traça agora um círculo, Drama M/12
A solidão
não
Coordenação
João Miguel Salvador
jmsalvador@expresso.impresa.pt
Asa Butterfield
no papel de
Ottis em “Sex
Education” tem sexo
Na quarta e última temporada
de uma das séries britânicas de maior
sucesso da Netflix, Otis e a sua trupe estão
mais maduros mas sozinhos. A sexualidade
é ainda o primeiro tiro de partida,
mas a vida adulta está mesmo aí a chegar
TEXTO JOSÉ PAIVA CAPUCHO

N
um dos primeiros do que tinha — e do que tantos
episódios de “Sex experienciam — durante a travessia
Education”, Jean dura e, muitas vezes, abusiva do
Milburn (Gillian Anderson), ensino secundário. Otis é terapeuta
a metediça terapeuta sexual de corpo e alma, mas deixou fugir
que quer ajudar o seu filho, a sua cara-metade Maeve (Emma
Ottis (Asa Butterfield), a Mackey), que partiu para os Estados
desenvolver-se sexualmente Unidos da América em busca do
em plena puberdade, diz- sonho de ser escritora. Terá de lidar
lhe: “Relações sexuais com o seu caso mais bicudo: uma
podem ser maravilhosas. outra terapeuta, de nome O, com
Mas também podem causar negócio bem montado, que nunca
dor. Se não fores cuidadoso, tem vagas por ser demasiado popular
o sexo pode destruir vidas.” e cool.
Conselho sábio, estranho Outras personagens centrais como
para uma mãe com um Eric Effiong (Ncuti Gatwa), melhor
filho que não se consegue amigo de Otis que quer que a sua
masturbar. Na quarta e comunidade católica o aceite como
derradeira temporada, é — ou seja, homossexual —, e
o sexo já não é Aimee Gibbs (Aimee Lou-Wood),
tabu, está (quase) de braço dado com um “caminho
resolvido. Falta de cura” depois de uma agressão
tudo o resto: quem sexual num autocarro, entram nesta
somos diante dos outros quarta temporada na sua própria
e quem somos perante viagem de autodescoberta. Ele
nós próprios. Ninguém é encontra finalmente a sua tribo,
perfeito e todos precisam mas Deus mete-se no meio. Ela,
de um ombro amigo. ingénua e inconveniente, procura
Otis, que saiu de Moordale na arte da fotografia a identidade
para Cavendish, escola que lhe foi roubada numa paragem
inclusiva e progressista, de autocarro. Quase todo o elenco
munida de cores LGBTQI+, principal que transita para a última
igualdade, ioga, criação de temporada tem muito pouca
NETFLIX, INC.

abelhas e tablets para todos, já se interação entre si. Decisão que se


sabe masturbar. O sexo já não é, por compreende e que resulta, exceção
enquanto, um obstáculo. O contrário feita a alguns alunos, como Adam

E 58
Groff (Connor Swindells) ou Jackson construir personagens de carne e
Marchetti (Kedar Williams-Stirling), osso dos dias de hoje ao longo de
sempre à margem do que acontece quatro temporadas, “Sex Education”
em Cavendish, não conseguindo encontra mecanismos de humor
justificar o porquê de continuarem britânico para falar na tragédia que é
em “Sex Education”. Quanto a crescer.
Vivienne Odusanya (Chinenye A melhor qualidade de “Sex
Ezeudu), a mais inteligente da Education” é a sua capacidade de
trupe, passa por um relacionamento falar sem filtros sem nunca nos dar
abusivo metido a ferros, numa uma lição moralista sobre o lado
intenção, aí sim, de cumprir à pressa certo onde cada um de nós deve
o menu de questões sociais do dia. estar numa sociedade moderna.
O núcleo duro será testado num safe Ao contrário de “Por 13 Razões” ou
space, de abertura e simpatia tão de “Normal People”, em que tudo
grande “que se torna nojento”. O é drama até à última gota, a série
secundário aqui passa mais tempo britânica consegue usar o cenário
fora de aulas do que dentro. Algo que muitas vezes dantesco em que
quase ninguém agradece, porque milhares de jovens se encontram,
o silêncio da sala é substituído por fruto de um mundo cada vez mais
uma brutal honestidade que não digital e distante, empurrado por
vem nos livros. Que o diga Rubby um crescente número de problemas
Matthews (Mimi Keene), a popular de saúde mental e de bullying, para
e arrogante diva que se deixou dar um pingo de esperança no
apaixonar por Otis e percebe que último passo antes da vida adulta.
em Cavendish não há hierarquias. O Dá poder e voz a quem ainda não
bullying é substituído pelo otimismo a tem, mas por um preço. Sempre
irritante. Não há coscuvilhices com uma punchline desconfortável
nem maus olhares. O trio passivo- ou com um momento carinhoso que
agressivo de Abbi (Anthony Lexa), nos faz lembrar as amizades que
Roman (Felix Mufti) e Aisha Green deixámos para trás sem explicação.
(Alexandra James) é o representante A adolescência pode ser um drama
máximo dessa realidade. O mundo sem fim. Para quem se sente
está virado para a inclusão. A bem diferente, para uma pessoa portadora
ou a mal. Desta vez, as personagens de deficiência, para alguém queer
transgénero saltam para a primeira que quer ser também cristão. Uma
fila, em que Cal (Dua Saleh), que travessia solitária de que muitos,
iniciou o tratamento hormonal infelizmente, não conseguem sair
para se tornar homem, será ponto pela dificuldade asfixiante de ser
central num tema que tem originado honesto. Mas a ficção não tem de
um intenso e ruidoso debate em estar sempre a dizer-nos: “Vai ficar
países como a Escócia ou os EUA. tudo bem.” Nem o seu contrário.
Não há, no entanto, nenhum Não tem de ser uma bússola que
statement político sobre o assunto. nos guia. Para isso temos família,
Há experiências e momentos, como amigos e, claro, terapia. Otis terá de
quando Cal percebe que ainda tem o se resignar com o sonho maior de
período, apesar do crescente apetite Maeve, a grande heroína da série,
sexual tradicionalmente ligado aos que conseguiu ultrapassar a sua
jovens masculinos, que são ainda miserável infância e seguir com a sua
raros pedaços de televisão. Ainda carreira de escritora. Se ela consegue,
assim, “Sex Education” informa, sim, talvez todos consigam.
mas não educa. “Sex Education”, com a sua estética
Já os adultos da série continuam retro e colorida, sabe que o sexo
demasiado ocupados para educar pode destruir vidas. Sim, pode. Pelo
os filhos. Jean Milburn, com um caminho, podemos divertir-nos à
recém-nascido e uma desbocada grande e levar socos no estômago.
irmã nas mãos, um novo emprego Desde que não o façamos sozinhos, é
numa rádio e um ex-marido que lhe deixar estar que tudo poderá correr
deixou uma sinistra casa da árvore bem. b
por acabar, não consegue tratar de
Otis. “Eu só precisava de uma mãe”,
diz-lhe o filho, bruto, sem dó, sem
saber que Jean, recusando sempre
ajuda, sofre de depressão pós-parto. SEX EDUCATION
Só mesmo no último episódio — e De Laurie Nunn
sem dar um grande spoiler — é Com Asa Butterfield, Emma Mackey, Ncuti
que os dois dão um abraço e são Gatwa, Aimee Lou Wood (Reino Unido)
novamente família. Sem ser piegas Netflix, em streaming
e num ritmo seguro que soube (Temporada 4)
também a arrogância característica
de quem, por circunstâncias várias,
pensa ter sempre razão, e estar no
direito de excluir quem não pense
da mesma maneira. Entre estes dois
mundos, o antigo e o novo, estão os
dois outros atores, Miranda e Cunha,
tentando sobreviver, melhor ou pior.
O encenador aceitou o convite
para encenar a peça de Thomas
Bernhard (1831-1985) porque lhe
interessa trabalhar, e não porque
lhe interessem quer a peça quer
o autor. Lucas dá-lhe as razões
Coordenação Cristina Margato ideológicas para ele, no fundo,
cmargato@expresso.impresa.pt reduzir a zero a obra, e tudo
isto se faz com recurso a uma
linguagem que, tipicamente, veicula
ignorância, falta de conhecimentos
e autocondescendência, enquanto
vai lambendo as botas ao poder
de que depende, e ao qual, e
sempre, aspira. “Causas que nos
levam a” e “enquadramentos para”
convivem, assim, com “orientação
horizontal e participativa” e
“desconstruir o verticalismo”,
ou com uma “ressignificação da
literatura ocidental, misógina,
machista, enfim, como lhe queiram
chamar”. A isto, Beirão responde
Imagem de cena de “Calvário”, com a reivindicação da sua glória
de Rodrigo Francisco passada, os seus conhecimentos,
o seu suposto estatuto profissional
e artístico, a sua real ou aparente
arrogância. Beirão não faz teatro há

As palavras certas
muitos anos, tem falhas de memória
recorrentes (“calvários”) e um
hálito incomodativo; tinham-lhe
prometido representar o Lear, de
Shakespeare; mas agora, e como
quinta escolha, foi convidado para
representar, “em vez do Lear, a
“Calvário” é uma
L
ogo na primeira indicação do às correspondentes manifestações personagem de um ator a quem
texto: “Um palco de um teatro artísticas; Beirão e Anselmo convidaram para fazer o Lear. E
meditação cómica onde se ensaia a peça ‘Minetti pertencem — até pela idade de que nunca fará o Lear. E que acaba
— Retrato do Artista Quando Velho’, Beirão, muito mais velho do que por morrer louco e enregelado em
e séria sobre o que é de Thomas Bernhard”. Em cena os outros — a um mundo no qual Ostende, deitado num banco de
fazer teatro — e, estão uma atriz e um ator, depois a interseccionalidade e a correção jardim sob uma tempestade de
neve”.
o encenador e o seu assistente: política, ou não tinham a relevância
ainda, sobre o que é a Miranda, Cunha, Miguel D’Almeida que têm hoje, ou se manifestavam A peça de Thomas Bernhard não
e Lucas, respetivamente. Mais tarde, de maneiras muito diferentes é uma comédia. “Calvário”, de
arte de cada vez que, chegarão Beirão e o seu assistente, — quando se manifestavam. A Rodrigo Francisco, é, em grande
no presente, ela se Anselmo: o ator que vai representar
Minetti e o seu assistente; e depois,
dimensão manifesta do mundo de
que Beirão faz parte corresponde,
medida, uma comédia. As
personagens são caricaturais e a
manifesta ainda, Vânia, uma intérprete essencialmente, àquilo que era linguagem está cheia de efeitos
gestual. “Calvário” passa-se como importante há algum tempo, e cómicos. Como nas melhores
TEXTO JOÃO CARNEIRO um diálogo entre dois mundos, não, necessariamente, àquilo que é comédias, é percorrida por um
basicamente; o mundo de Miguel importante hoje, e que por isso, se olhar lúcido e melancólico pelas
D’Almeida e do seu assistente, manifesta diversamente. personagens, pelas situações e pelo
Lucas, e o mundo de Beirão e de As coisas complicam-se, ainda, tempo presente. Enquanto tempos
Anselmo. Poderia ser um confronto por outras razões. Se ao mundo diferentes e personagens contrárias
CALVÁRIO entre um mundo novo e um mundo de Miguel D’Almeida corresponde se confrontam em cena, passa pela
De Rodrigo Francisco antigo, e assim é, em certa medida; um vocabulário específico, ele peça a questão de saber onde ficou o
Teatro Municipal Joaquim Benite, Almada, mas é mais do que isso. Miguel acentua, também, outros aspetos teatro; onde ficaram a honestidade e
de 29 de setembro a 15 de outubro; Teatro D’Almeida e Lucas fazem parte de da personagem: oportunismo a sinceridade dos artistas de teatro;
Carlos Alberto, Porto, 27 e 28 de outubro; um contexto atento às contingências e ignorância são os traços mais e onde ir buscar a linguagem certa,
Teatro Lethes, Faro, 11 de novembro contemporâneas, à cultura woke e evidente; no caso de Lucas, existe ou adequada, para dizer tudo isto. b

E 60
E ainda...
Abominável
mundo velho

JOÃO PEIXOTO
POR MOTIVO DE FORÇA MAIOR
De Teresa Silva
TBA, Lisboa, até 1 de outubro
CARTOGRAFIAS #5
CINZA Teatro Ibérico e Fórum Dança,
De Nicole Gomes Lisboa, até 7 de outubro
TBA, Lisboa, 30 de setembro e 1 de outubro
A 5ª edição de Cartografias (ciclo
de mostras, workshops e partilhas,

A
s expectativas eram 125 anos do São Luiz.) Infelizmente, Há dose dupla no TBA: a nova criação de com curadoria de Ezequiel Santos)
imensas: a obra-prima de o passo foi maior do que a perna, Teresa Silva, “Por Motivo de Força Maior” é dedicada ao “humor como efeito
Shakespeare com a música e o que assisti foi, talvez, o pior (na foto), peça cocriada e interpretada atrator”. Do programa participam
incidental de Jean Sibelius (1926) — espetáculo de teatro de toda a também por Sabine Macher e Marga- Joana Von Mayer Trindade & Hugo
uma hora de música! — e cenografia minha vida. Que os três cantores rida Bettencourt; e “Cinza” de Nicole Calhim Cristovão (na foto), Bibi Dó-
de Pedro Cabrita Reis, em estreia ucranianos não ultrapassassem o Gomes, onde prossegue uma pesquisa ria ou Julián Pacomio, entre outros.
portuguesa. Colaborações várias: sofrível, é compreensível. Mas o que convoca as relações de tensão entre
Orquestra Metropolitana de Lisboa, resto? Será que leram o magnífico corpo, matéria e espaço. O universo
Coro do Festival de Verão, Teatro texto de Luís Miguel Cintra quando da dança em que se move Teresa Silva
do Bairro, Theatro Circo (Braga), montou a peça na Cornucópia desde 2008 é um território amplo. Há
Teatro Nacional de Opereta de Kyiv há quase 15 anos? Não terá sido humor, mas também abordagens mais
(em inglês), tudo sob a direção de por acaso que o único ator a fazer abstratas do movimento ou da rela-

JOSÉ CALDEIRA
Cesário Costa (música) e António justiça a Shakespeare tenha sido ção do corpo com outras matérias, até
Pires (teatro). O alerta chegou Luís Lima Barreto (em Alonso, Rei esotéricas ou espirituais. Também pode
com o pífio programa de sala de de Nápoles, pai de Fernando; em problematizar o mundo, convocando a
12 páginas: texto nada pedagógico 2009, fora Gonçalo) Os outros e natureza e outras formas de expressão
sobre a obra-prima de Shakespeare, outras lembravam-me, nos gestos ou expansão da entidade humana. Desta
zero sobre a partitura de Sibelius, e projeção vocal, as (más) técnicas vez, trabalha em trio, num encontro CASA DOS PAIS
seis páginas — além do rosto — com revisteiras de antanho. Figurinos intergeracional com mais duas mulheres De A Turma
Teatro Rivoli, Porto, hoje e amanhã
12 estudos de Cabrita Reis para os estapafúrdios — horripilante o de da dança, com histórias e percursos mui-
telões cenográficos (só vimos dois) Ariel, espírito do ar —, encenação to distintos: Sabine Macher nasceu na Dois irmãos regressam a casa dos
e um elenco/distribuição com toda desconchavada, cantores Alemanha em 1955, Margarida Betten- pais e a partir daí adensa-se a ten-
a malta ao barulho (atores, cantores, pretendendo ser duplos dos atores. court na África do Sul em 1988 e Teresa são e o conflito familiar. A criação é
músicos, coralistas, produtores, Imaginação? Nenhuma! Silva em Portugal em 1988. As três de António Parra e Luís Araújo, do
assistentes, etc.). “A Tempestade” Lembrei-me, com saudade, da partilham um texto comum, de escrita coletivo portuense A Turma.
cortada ao deus-dará, idem para a antipeça de Peter Handke “Insulto especulativa. O ensaio “A Ficção como
música rearranjada (!) de Sibelius. ao Público”, apresentada pelo Cesta” de Ursula K. Le Guin surge como
As peças de Shakespeare estão Grupo 4 (hoje, Teatro Aberto) em uma possibilidade de leitura do presente,
recheadas de música e canções, e 1972. (Handke pretendia que os seguindo “a hipótese de considerar a
“A Tempestade” põe o monstruoso espectadores reagissem mal ao que ficção como uma cesta”, como escreve
mas sensível Caliban a debitar assistiam.) Sem acesso ao bom, o Teresa Silva, para trabalhar a proposta
um dos mais belos discursos péssimo é aplaudido pelos amigos. de “um estremecimento, um intervalo
SOFIA CALVET

em pentâmetros brancos do Mesmo sem conhecer a peça, todos metafórico e simbólico”. O que significa
cânone shakespeariano: nada ouvimos falar de um ‘admirável isto? A proposta cénica revelará os sig-
a temer, pois “a ilha está cheia mundo novo’. O êxtase de Miranda nos deste enigma, talvez não o resolven-
de ruídos,/ Sons e árias suaves perante a beleza da Humanidade e do, mas abrindo hipóteses. Neste caso,
que encantam e não ferem./ Às esse “admirável mundo novo/ onde aproxima-se mais da investigação feita
vezes ouço mil instrumentos existem tais pessoas” surgiu agora em 2021 com Sara Anjo, na peça “Orá- TRANS*PERFORMATIVIDADE
plangentes/ A sussurrar aos meus duplamente irónico. / JORGE CALADO culo”, onde o dispositivo teatral servia de De Aura
ouvidos; outras vezes vozes/ lugar especulativo, de acesso a outras
Que me poriam novamente a dimensões de ser, sentir e ler o mundo. DESENCONTRO
dormir/ Se eu tivesse acordado Nesse corpo como oráculo, havia mais De Isabela Tescarollo & Uatumã
de um longo sono”. A música Fattori de Azevedo
espaço para a imaginação e o mistério
Teatro Campo Alegre, Porto,
de Sibelius não só acompanha o b do que uma concretização narrativa de
hoje e amanhã
drama como o amplia. O estreito SHAKESPEARE, SIBELIUS: respostas às questões colocadas. Nesta
fosso de orquestra revelou-se mais A TEMPESTADE peça, é o feminino que toma o centro, na Vem de 2012, o ciclo dos Palcos Ins-
inspirador do que o palco, mas Boane, Campanela, Barreto, relação das artistas, mas também pela táveis, criado pela Instável — Centro
a Orquestra Metropolitana não Martinyuk, Odrynskyi, Cabrita Reis (c.), convocação de personagens ficcionais, Coreográfico. Nesta edição apresen-
chegou para redimir o espetáculo. Pires (e.), Costa (d.), Orquestra figuras mitológicas e arquetípicas, que tam-se duas propostas (na foto, a
As intenções eram boas. (Na Metropolitana de Lisboa Teresa qualifica de “rebeldes e fabrica- de Aura) de novos nomes das artes
origem, o projeto comemorava os São Luiz, Lisboa, dia 16 doras de tremor”. / CLAUDIA GALHÓS performativas contemporâneas.

E 61
Coordenação Luís Guerra
lguerra@blitz.impresa.pt

Jaimie J
aimie Branch não acreditou nas contemporânea, ela estabeleceu
palavras que ela própria escreveu uma direta ligação emocional, e até
e depois cantou em ‘Burning espiritual, com os seus ouvintes”,
Grey’: “Trust me just for a moment/ assegurou Mike Rubin no “The New
Believe me, the future lives inside York Times”. O novo trabalho —

vive
you/ Don’t Forget to fight”. A que estava praticamente concluído
promissora trompetista americana à data da sua morte e que foi
de quem acaba de ser lançado terminado pelos membros da sua
postumamente “Fly or Die Fly or banda sob a orientação da sua irmã
Die Fly or Die (World War)”, o seu Kate — confirma todos os elogios
terceiro registo como líder e o álbum que lhe foram endereçados e até
em cujo alinhamento surge esse justifica mais alguns.
tema, faleceu a 22 de agosto de 2022, Em 2003, quando se juntou à secção
meras três semanas após ter passado de metais da banda de ska-punk The
pelo festival lisboeta Jazz em Agosto. Indecisives, Jaimie contava apenas
A punk que sempre existiu dentro de Jaimie O choque sentiu-se globalmente 20 anos e demoraria quase década
Branch volta a mostrar as garras no seu e inspirou um vasto conjunto de
obituários que confluíram na certeza
e meia a encontrar a sua “voz”.
A estreia como líder aconteceu
derradeiro álbum de originais. “Fly or Die Fly de que o mundo acabava de perder em 2017, com “Fly or Die”, álbum
uma brilhante criativa em plena lançado por uma editora de jazz de
or Die Fly or Die (World War)” é o álbum posse dos seus inventivos poderes Chicago, a International Anthem,
póstumo da trompetista norte-americana musicais.
“Uma das mais dinâmicas
cujos timoneiros tiveram, tal como
ela, um passado de militância nos
TEXTO RUI MIGUEL ABREU trompetistas da música subterrâneos punk.

E 62
Jaimie Branch seu instrumento, mas se recusava a
(1983-2022) deixar-se prender por ela.
Em 2019, Jaimie deu seguimento
à sua discografia com “Fly or
Die II: Bird Dogs of Paradise”,
álbum em que Lester St. Louis
substituiu Reid no violoncelo e
em que a líder se socorreu do seu
lado mais punk ao transformar
‘Prayer for Amerikkka’ num hino
de resistência contra o racismo e o
capitalismo desenfreado em modo
de lenta e negra marcha blues:
“They’re coming for you while they
are diggin’ into your paychecks”,
alertava ela.
A punk que sempre existiu dentro
de Jaimie volta a mostrar as
garras no seu derradeiro álbum
de originais: ‘The Mountain’ é
uma tocante leitura de “Comin’
Down”, dos Meat Puppets, em que
o violoncelo de St. Louis estabelece
o tom solene e em que Branch
harmoniza com Ajemian retendo a
toada bluegrass do original. Há mais
desse espírito no alinhamento de
“... (World War)”: ‘Take Over The
World’ é um momento de cadência
hardcore em que Jaimie garante
que vai “tomar conta do mundo”,
salvando-o da queda no abismo
que ela mesmo não conseguiu no
final evitar. Sobre essa urgência
rock em derrapagem rítmica,
a trompetista sola como se não
houvesse amanhã, tomando os mais
abrasivos momentos de Miles Davis
como combustível para a sua própria
descolagem e alcançando com
facilidade um estado de absoluta
leveza.
Mas é em ‘Baba Louie’ que
a distinta visão de Jaimie se
Nessa estreia, Jaimie teve ao concretiza: a peça de nove minutos
seu lado o baterista Chad Taylor é inteligentemente posicionada
(que conhecemos, por exemplo, a meio do alinhamento e mostra
das múltiplas encarnações do a banda em modo celebratório,
projeto Chicago Underground), o executando uma energética
contrabaixista Jason Ajemian e a fanfarra em que o seu trompetismo
conceituada violoncelista Tomeka soa límpido alongando-se num
Reid, afirmando logo aí uma discurso musical que chega a ser
atitude de não alinhamento em que comovente sobre uma base servida
revelava conhecer a tradição do por um coletivo expandido com
convidados como Nick Broste no
trombone e Daniel Villareal em
percussões.
Nas notas de capa, Jason — que era
o amigo mais próximo de Jaimie —
assegura que a trompetista “sempre
pensou em grande e este álbum é
grande”. É, de facto. Jaimie partiu
cedo demais, não conheceu o futuro
QQQQQ que poderia ter tido dentro de si, e
FLY OR DIE FLY OR DIE ainda assim legou-nos uma curta,
FLY OR DIE (WORLD WAR) mas brilhante discografia em que o
Jaimie Branch seu espírito se manifesta de forma
International Anthem plena. Teremos sempre isso. b
o sexo e o corpo nu, eles são bem

Ideias para patentes mas estão deliberadamente


separados: o sexo, o novelo dos
corpos, obras onde a pele parece
funcionar como órgão de visão
em vez do olho, abre a exposição,

o futuro enquanto o corpo, o corpo feminino


acrescento, está patente ao olhar
decomposto e recomposto nos seus
brasões aparentemente à solta no
espaço: coxas, seios, sexo, lá onde
o rosto é uma composição variada
Atelier-Museu Júlio Pomar comemora nos seus elementos, olhos, nariz e

10 anos com uma exposição que se apresenta boca, vibrando no espaço e aí temos
dois temas possíveis para futuras
e@expresso.impresa.pt
como possível programa para o futuro mostras.
O desenho, o apontamento breve,
TEXTO JOSÉ LUÍS PORFÍRIO o ensaio que não é um estudo, a
não ser nos desenhos para grande
decoração do cinema Batalha que

N
os seus dez anos de vida o contrário, a presente exposição, ganham renovado interesse depois
Atelier-Museu Júlio Pomar muito embora mostrando o passado, da recente recuperação desses
não poucas vezes se tem apresenta-se como um possível murais, a caligrafia figurativa,
debruçado sobre o seu acervo, programa para o futuro. são outras tentas presenças de
explorando-o das mais diversas Como tantas vezes já aconteceu ao um mundo múltiplo cheio de
maneiras ou aproveitando-o para longo destes dez anos a exposição possibilidades. O bestiário é outra
confrontar a obra de Pomar com os baseia-se fundamentalmente no prática figurativa que atravessa
mais variados artistas, geralmente acervo do Museu, não tanto para toda a obra e que, em certos pontos,
das gerações mais novas que lhe o reapresentar, mas para escolher sugere a autofiguração abrindo
têm sucedido. uma série de pontos de partida o caminho para o autorretrato
Numa exposição comemorativa possíveis para explorar a obra de uma prática de toda a vida com
QQQQ destes dez anos de trabalho o acervo Júlio Pomar. um recanto especial no atelier
JÚLIO POMAR é uma vez mais o ponto de partida Este espaço é um grande cubo que confrontando autorretratos do
— 10 ANOS DE MUSEU para o que poderia ser uma revisão tanto junta como separa e separa adolescente em 1940 e do velho
Atelier-Museu Júlio Pomar, Lisboa, da matéria, creio porém que não intencionalmente, tomemos, por pintor em 2012. Junta-se a este
até 14 de janeiro de 2024 é isso que acontece, muito pelo exemplo, um tema central em J.P., um outro núcleo particularmente
saboroso de Pomar visto por
amigos: Joaquim Pires de Lima,
uma assemblagem completada
pelo próprio Pomar, Luísa Correia
Pereira, Pomar como leão, Eduardo
Luís e Pomar frente a frente num
jogo de espelhos paralelos, Pomar
e Fernando Pessoa num desenho
de Siza Vieira e Menez mostrando o
diabo à solta surpreendendo Pomar
e a sua mulher no ateliê do artista,
este é um conjunto particularmente
rico e significativo.
Também há obras brilhando
isoladamente como o surpreendente
“imitado de um vaso grego” de
1991 mostrando o devorador apetite
figurativo de Pomar para encontrar
pontos de partida ou pretextos para
o seu trabalho, ou o impressionante
“Navio Negreiro” de 2005-2012,
grande composição articulada em
torno de um rosto negro.
Cada pequeno conjunto bem
como certas obras podem, ouso
dizer que devem, funcionar como
outros tantos pontos de partida
para outras tantas exposições
possíveis, assim o Atelier-Museu ao
debruçar-se, uma vez mais, sobre
o seu acervo não se repete, mas vai
Júlio Pomar representado por Joaquim Pires de Lima, Luísa Correia Pereira, Álvaro Siza, Menez e Eduardo Luís inventando o futuro. b

E 64
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FRACO CONSOLO

O músico
Kurt Cobain
(1967-1994)

MICHEL LINSSEN/REDFERNS/GETTY IMAGES


ÚLTIMO
FÔLEGO

L
KURT COBAIN ESTAVA QUASE AGRADECIDO AOS SEUS MALES,
PORQUE ERAM OS MALES QUE LHE DAVAM VOZ
embro-me bem do abalo sísmico que foi Kurt detestava a masculinidade tóxica (ou quaisquer comportamentos
acompanhar, imediatamente antes e depois primatas, como no tema ‘Very Ape’), mas um dos momentos fortes do
dos 20 anos, “Nevermind” (1991), “In disco, ‘Rape Me’, arriscou-se a tresleituras hostis, com o tonificante
Utero” (1993) e “MTV Unplugged in New “loud-quiet-loud” ao serviço de um episódio de violação (ou uma alegoria
York” (1994). Escusado será dizer que não sobre o jornalismo?), o verso passivo-agressivo “rape me, my friend” ou
é uma recordação apenas musical: se em 91 uma sugestão de submissão vingativa. E como evitar biografismos em
estava ainda no fim de uma adolescência ‘Milk It’, onde um Kurt insone, desfeito, grita “endorfinas”, “parasitas”,
caladamente inquieta, em 93 e 94 sabia já “ectoplasmas”, entre a adição e a aniquilação?
quase tudo o que de bom ou mau há para Em 1993, aos 26 anos, este rapaz sentia-se ‘Dumb’, título de uma canção,
saber, segundo aquela tese de que quem o que significa “mudo” ou “estúpido”. Ou então passivo, atónito,
conhece uma forma de sofrimento ou de alienado, aéreo. Há nesse tema uma doçura violenta, acompanhada da
alegria as conhece a todas. melodia do violoncelo, mas também a amarga possibilidade de mudo
“In Utero” saiu fez agora 30 anos, no fim do Verão de 93. Depois do e estúpido equivalerem a “maybe just happy”. Mas qual felicidade?
inesperado e colossal sucesso de “Nevermind”, os Nirvana quiseram editar ‘Heart-Shaped Box’, canção de amor conjugal que convoca imagens como
um álbum menos mainstream, mais “autêntico”, mais punk. Kurt Cobain uma “armadilha num poço de alcatrão” e uma “forca umbilical”, não é
lidava mal com a celebridade e com a imprensa, detestava o estatuto de certamente um epitalâmio. E se o violoncelo volta em ‘All Apologies’, não
porta-voz de uma geração, e tudo isso, mais as drogas, as dores nas costas, sabemos quem pede desculpa a quem, mas sabemos que rimar “married”
a doença do estômago, o casamento com uma megera, levaria fatalmente a (casado) com “buried” (enterrado) não é prometedor.
um disco confessional, ainda que ele garantisse que as letras não eram mais Estava doente, o rapaz, e eu bem o entendia, no ano de 93. Cobain,
do que frases poéticas sem tema ou sentido. segundo ‘Pennyroyal Tea’, via-se ironicamente como uma “realeza
Para a banda, o som era o problema número um. Foram por isso ter com anémica” com “péssima postura”, sonhava com um “outro-mundo à
Steve Albini, produtor que gostava de uma certa crueza e de muitos Leonard Cohen”, tomava chá, leite quente, laxantes, antiácidos. Cantava,
microfones no estúdio. A versão final de Albini acabou por não agradar aos como explicou a Jon Savage, a partir do estômago, isto é, das dores de
Nirvana, e a versão final dos Nirvana, retocada, não agradou a Albini, mas estômago, bem como da escoliose. E estava quase agradecido aos seus
a verdade é que “In Utero” junta o melhor de dois mundos, abrasivo como males, porque eram os males que lhe davam voz. Lembro-me bem de
“Bleach” (1989), pop como “Nevermind”. O disco esteve para se chamar “I como gostávamos da voz dele, mas também de quando o ouvimos aclarar
Hate Myself and I Want to Die”, título meio desesperado, meio paródico, a garganta antes de ‘Pennyroyal Tea’ ou, no disco póstumo, de quando
mas “In Utero” acaba por ser mais assustador. Se Cobain faz muitas interrompe ‘Where Did You Sleep Last Night?’ para um último fôlego. b
referências nas canções à filha recém-nascida, este útero parece remeter pedromexia@gmail.com
para a ideia de doença, é mais um cancro do que um útero, qualquer coisa
maligna que vem das entranhas. Pedro Mexia escreve de acordo com a antiga ortografia
“Teenage angst has paid off well/ Now I’m bored and old/ Self-appointed
judges judge/ More than they have sold.” Assim começa a primeira
canção, zangada e sarcástica, descontente até com o contentamento.
Mas se ‘Serve the Servants’ é sobre o sucesso, é também sobre o divórcio
dos pais, a caça às bruxas, a paternidade ou o facto de que “não há nada
que eu possa dizer que não tenha já pensado”. O mesmo acontece em
canções que partem de objectos externos, como o romance “O Perfume”
em ‘Scentless Apprentice’, ou os infortúnios de uma actriz de Hollywood
em ‘Frances Farmer Will Have Her Revenge on Seattle’, histórias alheias
que levam um Cobain demente a berrar “go away” na primeira, ou a
lamentar-se na segunda “I miss the comfort in being sad”. Mais radicais
são ‘Radio Friendly Unit Shifter’, exercício de ruído branco com um
/ PEDRO
audível e repetido “what is wrong with me?”, e ‘Tourette’s’, onde MEXIA
não há nenhum palavrão, como o título sugere, mas todas as palavras
ininteligíveis soam a palavrões, como o alarmante “mayday, everyday”,
que hoje entendemos talvez à luz do suicídio de Cobain, em Abril de 94.

E 66
vícios
“PESSOAS SEM VÍCIOS TÊM POUCAS VIRTUDES”

Pais, os novos
guardiões digitais
GETTY IMAGES

Crianças e jovens estão expostos, cada


vez mais cedo, aos riscos da internet.
Com a promessa de os ajudar a navegar em
segurança, surgem no mercado várias ‘apps’
e softwares. Mas será que funcionam?
TEXTOS MARIA JOÃO BOURBON

E 67
GETTY IMAGES

E
stão ali ao lado, no quarto ou numa outra di- imagens de cariz sexual. Estamos a falar de miú- ao fundo, a voz da mãe a chamá-la para ir comer”,
visão da casa, o que gera a sensação de que dos de 10 e 11 anos.” conta Cristiane Miranda. “Estas coisas acontecem
se encontram sob a asa dos pais. Só que nem A especialista em parentalidade digital recorda com os pais por perto, sem estes se aperceberem.”
sempre é assim. Ali, entre quatro paredes, longe ainda uma reportagem televisiva, na qual se en- Há estudos no Reino Unido que mostram que
do olhar dos progenitores, mora muitas vezes uma trevistaram pessoas que trabalham na IWF — In- uma em cada cinco crianças com três e quatro anos
realidade paralela de conteúdos, comportamentos, ternet Watch Foundation, destinada a analisar e a já tem o seu próprio telemóvel, embora apenas 65%
comércio, contactos e conversas. Facebook, Ins- retirar da internet imagens de abusos sexuais de destes pais supervisione o que estas fazem online,
tagram, TikTok, YouTube, Google e muitas outras crianças e jovens, que referiram vários casos. “Um sentando-se ao seu lado e observando-as ou aju-
plataformas são hoje presenças assíduas no dia a deles, que me chocou imenso, foi o de uma crian- dando-as no que estão a fazer. Outro estudo, de
dia de muitos jovens — e até de crianças. Trazem ça que estava a ser instruída por um predador para 2022, revelava a existência de crianças com quatro
novas possibilidades de aprendizagem e comuni- introduzir algo na sua vagina enquanto se ouvia, anos com acesso a pornografia na internet — e con-
cação, mas também novos perigos — para os quais cluía que a maioria das crianças de 10 anos já tinha
os pais devem estar alerta. acedido a pornografia, como situações de incesto,
Pressão para partilhar imagens de cariz sexual sexo com animais, violência sexual, entre outras.
(ou para marcar um encontro com alguém que,
muitas vezes, utiliza um perfil falso com o intuito GUARDIÕES DIGITAIS, NÃO ESPIÕES
de concretizar um rapto, abuso sexual ou viola- Seja ainda em bebé, ao colo dos pais (enquanto es-
ção), intimidação virtual, golpes cibernéticos ou tes usam o computador, o tablet ou o smartphone),
a visualização de conteúdo que promove compor- seja em criança, quando os pais as distraem com
tamentos agressivos contra si ou contra os outros estes dispositivos para ter momentos de sossego, a
são alguns dos riscos com os quais muitos jovens
hoje se deparam no mundo virtual. “Quando va-
O problema é que muitos verdade é que as crianças estão expostas à internet
— e aos seus perigos — cada vez mais cedo. “E, in-
mos às escolas falar com os jovens e ouvi-los so- pais substituem o diálogo felizmente, a maioria fá-lo sem qualquer supervi-
bre bullying e cyberbullying, temos jovens que nos são parental”, nota Cristiane Miranda.
vêm confidenciar os seus martírios, seja na espe-
e o acompanhamento Tão importante como o que se passa no mundo
rança de que alguém os ouça seja como catarse parental por uma offline, a vida digital dos filhos não deve ser des-
de casos passados”, contam ao Expresso Tito de curada. “Da mesma maneira que, no final do dia,
Morais e Cristiane Miranda, fundadores do pro- abordagem meramente os pais devem perguntar do que os filhos gosta-
jeto Agarrados à Net, que ajuda pais e educadores
a lidarem com a vida digital de crianças e jovens.
tecnológica, denunciam ram mais na escola, qual foi a coisa mais gira que
aprenderam e/ou qual a situação de que gostaram
“Muitos são vítima de partilha não consentida de os especialistas menos, devem fazer o mesmo depois de os filhos

E 68
estarem online.” E ainda garantir que estes sabem SETE PASSOS PARA A
que estão ali para os acolher e ajudar, caso se me-
tam em sarilhos. PARENTALIDADE DIGITAL
E qual deve ser a abordagem dos pais para ga-
rantir que os filhos navegam de forma segura na
internet? Não há uma única solução (nem aborda- 1. CONVERSE
gens 100% seguras), refere o especialista em segu- Crie momentos de diálogo, ouvindo sem julgar.
rança na internet Tito de Morais, que desenvolveu Faça perguntas que ponham o seu filho a pensar no
o conceito da cadeira de quatro pernas aplicado à problema e nas soluções.
segurança online. “Uma cadeira, para se aguen-
tar de pé, precisa de quatro pernas: as abordagens 2. CRIE REGRAS
regulamentares, as parentais, as educacionais e Crie regras, para a família, sobre a utilização de
as tecnológicas. Nenhuma é melhor do que a ou- ecrãs, com prioridades, recompensas e conse-
tra. Têm de ser usadas em conjunto, dado que se quências. Escreva-as, assinem todos e mante-
complementam.” nham-nas à vista.
O problema é que, muitos pais, substituem a
abordagem parental e educacional — que passa por 3. EDUQUE-SE
criar momentos de diálogo com os filhos, regras so- Mantenha-se informado. Pesquise na internet
bre a utilização de ecrãs, por se manterem informa- sobre o que não compreende. Procure workshops
dos e por darem o exemplo, entre outros — por uma e formações sobre a parentalidade digital.
meramente tecnológica, assente em ferramentas e
aplicações de controlo parental, na crença de que 4. USE CONTROLOS PARENTAIS
estas são uma solução absoluta para os riscos do Use ferramentas de controlo parental, numa lógica
mundo digital. de guardião digital e não de espião do seu filho.
Estes softwares podem ser úteis, a par do acom- Defina limites de tempo e de conteúdo para os
panhamento parental, acreditam os especialistas dispositivos do seu filho. Verifique regularmente as
que desaconselham, no entanto, a utilização de configurações de privacidade nas redes sociais.
ferramentas de monitorização da atividade online
que permitem que os pais “sejam autênticos ‘Big 5. FAÇA-SE AMIGO OU SEGUIDOR,
Brother’ dos filhos”, ao saberem tudo o que veem, SEM EXAGEROS
que sites visitam, com quem falam, entre outras Seja o primeiro seguidor do seu filho, quando este
coisas. “São autênticas ferramentas de vigilância aderir às redes sociais. Respeite o seu espaço
cuja utilização até pode ser contraproducente”, re- e liberdade online, mas esteja ciente das suas
ferem, realçando que os pais devem ser “guardiões atividades.
e não espiões digitais” dos filhos. Uma notícia do
“Jornal de Notícias”, publicada em 2021, revelava 6. EXPLORE, PARTILHE E DIVIRTA-SE
que a má utilização destes softwares de controlo da Aproxime-se do seu filho e do seu mundo digital.
atividade online dos filhos — que permitem não só Fique online com ele. Peça-lhe para lhe mostrar os
FERRAMENTAS DE limitar o tempo passado na internet, mas, muitas seus jogos e aplicações favoritas e como usá-las.
CONTROLO PARENTAL vezes, espiar mensagens ou gravar o som do mi- Mas dedique também tempo offline com ele.
crofone — gera conflitos familiares que extravasam
para a escola e levam as famílias a procurar terapia. 7. SEJA UM MODELO DIGITAL
Os controlos parentais podem estar incluídos nos Tito de Morais e Cristiane Miranda admitem, no O seu filho aprende mais pelo exemplo do que
sistemas operativos, em alguns routers de ligação entanto, situações em que o dever de proteção por pela palavra. Assuma o controlo dos seus próprios
à internet, nos sites, redes sociais, dispositivos ou parte dos pais se sobrepõe ao dever de respeito da hábitos digitais para lhe mostrar que é importante
aplicações. Deixamos aqui algumas apps: privacidade dos filhos: em caso de suspeitas de que encontrar um equilíbrio.
estes estão a ser alvo de aliciamento sexual online,
Family Link (Google): gestão de apps instaladas no cyberbullying, aliciamento para grupos extremistas Fonte: Projeto Agarrados à Net
dispositivo da criança, informação sobre o tempo de ou misóginos e de envolvimento em grupos nocivos
utilização de cada uma, opção de bloquear apps e o que promovem a bulimia, automutilação, suicídio,
dispositivo, localização, etc. entre outros. Mas sempre que estas ferramentas
sejam utilizadas, a criança ou jovem deve ter co-
Family Safety (Microsoft): tempo passado no nhecimento — exceto em situações limite em que
ecrã, filtros em jogos e apps, na web e em pesquisa, tudo o resto falhou e é preciso perceber se esta está
restrições em conteúdos, sites, jogos, apps e ou não em risco, defendem. “Quando explicamos nos seus telemóveis. Esquecem que a probabilidade
dispositivos, relatório de atividade online, etc. a uma criança porque estamos a colocar uma fer- de os colegas do filho não as terem é enorme. Daí
ramenta de controlo parental no equipamento que ser importante conversarem sempre com os filhos
Qustodio: relatórios de atividade online, lista de está a usar, estamos a ensinar-lhe que as tecnolo- sobre a sua vida online.”
todas as atividades e de atividades suspeitas, limites gias têm muitas coisas boas, mas também perigos Além disso, estas ferramentas tecnológicas têm
ao tempo de utilização dos dispositivos, resumo e riscos associados.” “prazo de validade”, perdendo eficácia à medida
do YouTube, filtros de conteúdo, monitorização de Um aspeto importa não esquecer: estes pro- que os filhos crescem — uma vez que estes desco-
telefonemas e mensagens, localização, etc. gramas são “meras ferramentas”. Podem ajudar a brem formas de contornar os filtros e restrições tec-
implementar regras e a evitar o acesso inadvertido nológicas. É por isso que Tito de Morais conclui que
Kaspersky Safe Kids: filtro de conteúdos, controlo ou involuntário a conteúdos impróprios, “mas não “o melhor software de controlo parental do mer-
de utilização de apps, gestão do tempo de substituem as medidas educativas, nem o acompa- cado é um que já vem pré-instalado, é gratuito, é
utilização, agendamento do tempo de utilização, nhamento parental”, afirma Cristiane Miranda. “O compatível com todos os sistemas operativos e que,
localizador GPS, antivírus em tempo real, remoção problema é que muitos pais acham que estão segu- quanto mais se usa, mais eficaz se torna: o cérebro
de ameaças existentes, etc. ros só porque têm ferramentas de controlo parental que todas as crianças e adultos têm”. b

E 69
R ECE I TA
POR JOÃO RODRIGUES
(PROJECTO MATÉRIA)

PRODUTOS
& PRODUTORES
Pêssego
O pêssego (Prunus persica) é o fruto do
pessegueiro, uma das frutas mais consu-
midas em todo o mundo. Segundo a FAO,
estima-se um volume de produção de
cerca de 15 milhões de toneladas por ano.
A China é atualmente o maior produtor
mundial, representando 40% da produção,
enquanto a Europa é responsável por 27%,
seguida pelos Estados Unidos da América
com 9%. Na Europa, Espanha é o país com
maior produção, seguida de Itália, Grécia
e França. Em Portugal, as regiões com
maior produção de pêssegos são a Beira
Interior, o Ribatejo e o Oeste. No caso da
Beira Interior, encontramos o pêssego da
Cova da Beira IGP (Indicação Geográfica
Protegida). Este pêssego pertence a várias
variedades da espécie Prunus persica Sieb
e Zucc. Apresenta uma polpa amarela
muito suculenta e com muito sabor. É
produzido em solos de meia encosta de
origem granítica e bem drenados e com um
clima influenciado pela sua posição entre as
serras da Gardunha, Estrela e Malcata, que
proporciona uma quantidade significativa
de frio, uma primavera suave e proteção
contra os ventos do Atlântico, diferencian-
do–o de outros pêssegos obtidos noutras
regiões. Está localizado nas freguesias dos
concelhos do Fundão, Covilhã, Manteigas
e Belmonte, no distrito de Castelo Branco.
Cada variedade de pêssego difere na cor e
TIAGO MIRANDA

na pigmentação, dependendo da quanti-


dade de açúcar que contém, que deve ser
sempre superior a 7%. A colheita acontece
entre meados/fins de junho e princípios de
setembro.

Tarte fina de pêssego PROJECTO MATÉRIA


Tempo de preparação 30 minutos | Tempo de confeção 20 minutos É um projeto sem fins lucrativos, desenvolvido
pelo chefe
João Rodrigues, que pretende promover os
produtores nacionais com boas práticas
INGREDIENTES Cortar quadrados de massa por quadrado). Voltar a pôr
agrícolas e produção animal
1 embalagem de massa folhada / folhada de 10 cm por 10 cm bastante mel por cima e levar ao em respeito pela natureza
4 pêssegos / Mel q.b. / Gelado aproximadamente. forno até ficar caramelizado. e meio ambiente, enquanto elementos
de pistachio a gosto Colocar mel no centro e dispor as Servir com gelado de pistachio fundamentais da cultura portuguesa.
fatias de pêssego (meio pêssego a gosto. b Ler mais em projectomateria.pt

E 70
R ESTAU RAN T ES
POR FORTUNATO DA CÂMARA

Redoma quase perfeita ovo e outra de espinafres, recheados


de requeijão e salteados numa man-
teiga dourada com o aroma inebriante
ACEPIPE
O mutismo noturno não calou a energia de salva. O canónico “Spaghettoni ca- Cassia ou
que emanava quando se entrou no Davvero
cio e pepe” (€20) seguiu as regras de
uma bela pasta, com as fitas inteiras, zeylanicum?
firmes (al dente), enroladas em ninho e Sim, já todos (ou alguns)
envoltas num creme de sabor profun- ultrapassaram o choque de
do a queijo pecorino e pimenta preta. que o Pai Natal não existe,
No topo mais um punhado de queijo a fada dos dentes idem…
ralado e pimenta moída na hora vinda Mas talvez não se esteja
de um senhor pimenteiro. preparado para saber que a
canela que se usa abundan-
Os pratos andaram entre o peixe,
temente em Portugal não é
de apresentação internacional, com a árvore original da canela.
o “Branzino e caponata” (€29), uma Pois… O primeiro nome
tranche vistosa de robalo de mar, im- botânico era Cinnamonum
pecável no ponto de cocção com as verum, com a primeira pala-
lascas alvas e húmidas a destilarem vra a ser aplicada ao inglês,
saborosa proteína. Ao lado, a delicade- no entanto cinnamonum
za de um salteado com pimento ver- tem etimologia no grego
kinnamom, expressão que
melho, cebola, curgete, etc. em azeite
significa “madeira doce”.
de categoria, na caponata. A “Coto- O apodo verum servia para
NUNO FOX

letta di maiale ibérico alla milanese” distinguir mais tarde uma


(€28) trouxe o esplendor de uma vis- árvore surgida na Indochina,
tosa costeleta porcina, de fritura ima- igualmente aromática e
culada em manteiga, ao estilo milanês, bastante mais produtiva,

H
á ruas que têm duas vidas, duas pela luminária citadina… As árvores desenvolvendo notas de avelã na co- mas muito longe do perfu-
metades ou até dois lados, com dão agradáveis sombras diurnas, mas bertura panada. Ao lado, uma salada me delicado da original.
A verdadeira canela, que
a margem esquerda a funcionar também desenham manchas sombri- de verdes com vinagrete a contrastar.
os portugueses começa-
em ambivalência com a direita, ou vi- as noturnas. Caminhamos até ao Dav- O serviço foi sempre atento e pronto ram a comercializar como
ce-versa. O que se passa numa parte, vero, com entrada separada do hotel a esclarecer, com a sala plena, ao rubro especiaria rara e valiosa,
não acontece na outra, coisas da di- Sublime Lisboa, esplanada muda na em animação e energia. Nos vinhos há era originária de Ceilão,
nâmica comercial. A Rua Artilharia 1, rua inerte, e uma alegria em contraci- preços puxados logo à partida, sendo e passou a ter o nome
em Lisboa, é a artéria transversal que clo na sala a meia lotação. as opções a copo uma boa forma de ex- botânico de Cinnamonum
antecede a descida em direção à Praça A carta aposta em cozinha “re- plorar referências transalpinas. Na do- zeylanicum, tendo as folhas
que cobrem a árvore mais
Marquês de Pombal. Vindo das Amo- almente” (davvero) italiana, como é çaria o duo de “Cannoli siciliani” (€9)
longas e quebradiças um
reiras, a metade direita tem algumas mote da casa, sob a batuta de um cozi- brilhou na leveza da massa estaladiça, perfume delicado e suave.
moradas conhecidas da restauração nheiro veneziano tarimbado nos clás- com recheio de requeijão, chocolate, Os bastõezinhos duros
lisboeta como o La Trattoria, ou o For- sicos. A primeira incursão às origens raspas de laranja e molho de figo-da- e o pó incisivo de cariz
no d’Oro, acedendo-se por aí ao dinâ- do chefe Isaac Kumi veio no “Baccalá -índia. Elegância, no “Babà al frutto quase tóxico (se usado em
mico Páteo Bagatella. mantecato” (€8) com a mistura pro- della passione, crema ai limoni e sor- excesso) que se encontram
Na esquina com a Rua Joaquim digiosa de bacalhau e manteiga, ba- betto al mandarino” (€9) com o boli- habitualmente no super-
António Aguiar está o Panda Canti- tidos ao estilo de uma brandade, um nho em massa esférica, ensopada q.b. mercado são Cinnamonum
cassia ou canela da China.
na, com os seus populares e demo- prato secular da cozinha de Vene- em calda não alcoólica, um creme de
A canela é referida como
cráticos ramens, e deste cruzamento za. Aqui surgiu com o creme sedoso limão no topo e um sorvete bem turbi- aromatizante de vinho nos
parte-se para a metade esquerda. Ao e bem montado, sobre quatro tostas nado com a mandarina presente. escritos do Império Roma-
contrário do outro, este lado da Arti- leves de sésamo preto. Depois outro Os preços são para visitantes e não no. Conta-se que Sabina,
lharia 1 é arborizado, tranquilo, com clássico da cidade no “Il nostro car- para trabalhadores-nativos-residen- a esposa de Nero, morreu,
prédios de habitação, longos muros paccio” (€20), muito próximo da ver- tes, mas a qualidade é irrepreensível e ao que parece após uma
e… aborrecimento comercial total. De são nascida no Harry’s Bar em 1950. o ambiente paga-se. E nisso o serviço discussão com o próprio
noite a zona mergulha num mutismo Carne bovina crua de grande qualida- foi quase perfeito, tirando um hiato imperador, e ele acome-
tido de remorsos mandou
mal iluminado, como só a capital o de, finamente laminada e disposta so- escusado antes das sobremesas, pois
queimar vários quilos de
sabe ser. O postal da “luz de Lisboa” bre um prato. Um riscado entrelaçado a reserva tinha contador associado. canela para perfumar a sua
é graças ao astro solar, claro, se fosse de molho pérola à base de maionese, Daí que os 7,5% de gratificação inclu- sepultura.
mostarda, molho inglês e leite, a con- ídos sem aviso são o pré-aviso de que
dimentar com elegância a carne rosa- há por aí uma subliminar Lisboa que
da. Sem mais adornos ou subterfúgios, já está a funcionar: davvero! Bom para
DAVVERO um clássico executado a preceito. quem possa. b
Hotel Sublime Lisboa Dois primi piatti de grande nível
Rua Artilharia 1, 70 — Lisboa com os visuais “Ravioli di ricotta e spi- Desde 1976, a crítica gastronómica
Telefone: 911 771 610 naci al burrro e salvia” (€22), a surgi- do Expresso é feita a partir de visitas
Não encerra (reserva recomendada) rem sob a forma de rebuçados, molda- anónimas, sendo pagas pelo jornal
dos com dois tipos de massa, uma de todas as refeições e deslocações

E 72
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LUÍS MIGUEL RIBEIRO,


presidente do CA da AEP,
entidade coordenadora
do Portugal Sou Eu, durante
a cerimónia dos 10 anos

PORTUGAL SOU EU APAGOU AS VELAS


COM EMPRESAS ADERENTES
VHQVLELOL]DomRSDUDSURPRYHUHVFROKDVGH
O PORTUGAL SOU EU COMEMOROU DEZ ANOS DE TRABALHO FRQVXPRLQIRUPDGDVHDVVLQRXSURWRFRORVFRP
NA DIVULGAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA OFERTA NACIONAL GLYHUVDVHQWLGDGHVHQWUHDVTXDLVVHGHVWDFDP
D'RFDSHVFDR7XULVPRGH3RUWXJDOR,QVWLWXWR
COM 4400 EMPRESAS REGISTADAS, ³1mRSRGHPRVQHJOLJHQFLDUTXHDVLPSRUWDo}HVGH GD9LQKDHGR9LQKRR,QVWLWXWRGR(PSUHJRH
das quais 1200 são estabelecimentos EHQVLQWHUPpGLRVUHSUHVHQWDPDSUR[LPDGDPHQWH )RUPDomR3UR¿VVLRQDOD$,&(3D573HQWUH
comerciais, com o selo Portugal Sou Eu, estão XPWHUoRGRYDORUJOREDOGDVLPSRUWDo}HVGH RXWURVQRVHQWLGRGHUHIRUoDUDGLYXOJDomRGR
TXDOL¿FDGRVPDLVGHPLOSURGXWRVHVHUYLoRV EHQVSHORTXHR3RUWXJDO6RX(XUHYHODXP SURJUDPDMXQWRGHHPSUHVDVHFRQVXPLGRUHV
TXHQRFRQMXQWRUHSUHVHQWDPXPYROXPHGH HOHYDGRSRWHQFLDOGHD¿UPDomRGHXPPRGHOR 23RUWXJDO6RX(XIRLODQoDGRHPGH]HPEURGH
QHJyFLRVDJUHJDGRVXSHULRUDPLOPLOK}HV GHHFRQRPLDFLUFXODUGHHTXLOtEULRGDEDODQoD SHOR*RYHUQRGH3RUWXJDOSDUDGLQDPL]DU
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UHJLVWDGDVVHQGRTXHSRUFHQWRVmRGR FUHVFLPHQWRGR3,%1RTXHVHUHIHUHjYDORUL]DomR SURPRYHURHTXLOtEULRGDEDODQoDFRPHUFLDO
VHFWRUGDDOLPHQWDomRHEHELGDVHSRUFHQWR GDRIHUWDQDFLRQDOpLPSRUWDQWHVXEOLQKDUTXH FRPEDWHURGHVHPSUHJRHFRQWULEXLUSDUDR
FRUUHVSRQGHPjVDWLYLGDGHVGHDUWHVDQDWR RFRQVXPRSULYDGRWHPXPSHVRVXSHULRUD crescimento sustentado da economia.
'XUDQWHDFHULPyQLDGHDQLYHUViULR/XtV0LJXHO GR3,%RTXHGHPRQVWUDDLPSRUWkQFLD 2SURJUDPDpJHULGRSRUXPyUJmRGHJHVWmR
5LEHLURSUHVLGHQWHGR&RQVHOKRGH$GPLQLVWUDomR GRSURJUDPDSDUDDWUDMHWyULDGHFUHVFLPHQWR IRUPDGRSHOD$VVRFLDomR(PSUHVDULDOGH3RUWXJDO
GD$(3DVVRFLDomRTXHFRRUGHQDRSURJUDPD HFRQyPLFR´UHIHULX/XtV0LJXHO5LEHLUR $(3 DWXDOPHQWHUHVSRQViYHOSHODJHVWmR
lembrou os contributos que o Portugal Sou Eu 23RUWXJDO6RX(XWHPFDSLWDOL]DGRDLPSRUWkQFLD $VVRFLDomR,QGXVWULDO3RUWXJXHVD±&kPDUDGH
WHPGDGRSDUDPHOKRUDURHTXLOtEULRH[WHUQRTXHU MiGDGDSHORVSRUWXJXHVHVDRFRQVXPRGH &RPpUFLRH,QG~VWULD $,3&&, &RQIHGHUDomRGRV
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VI N H OS
POR JOÃO PAULO MARTINS

RUI DUARTE SILVA


São caros, eu sei...
A qualidade reconhecida tem destas coisas

O
s três vinhos que sugiro esta semana também o master blender que perpetua a arte O vinho tem a sua base na Quinta de Ro-
enquadram-se na família dos pro- do lote que sempre foi o grande atributo dos riz, uma propriedade magnífica que já pas-
dutos caros. Não vou chamar produ- “homens de Gaia”, por oposição aos “ho- sou por inúmeras mãos mas que em boa hora
tos de luxo porque esse termo tem uma forte mens do Douro” mais ligados à produção. foi adquirida pela Prats & Symington, a em-
carga elitista. Neste caso estamos a falar (de Trata-se de uma arte que exige grande nariz, presa que ligou Bruno Prats (ex-Château Cos
novo) de vinhos do Douro, sendo que um de- muita memória, muita paciência e conheci- d’Estournel) à família Symington. Além deste
les é vinho do Porto. Quem se interessa por mento do stock da casa. Não se chega lá por tinto icónico, há mais dois ‘manos’ de preço
grandes vinhos, nomeadamente das grandes via académica, apenas pela prática adquirida mais conveniente: o Prazo de Roriz a €10 (ex-
e famosas regiões do mundo, sabe que alguns ao longo de muitos anos. celente relação preço/prazer) e o Post Scrip-
vinhos chegam ao mercado a preços escan- Chryseia é, de há 20 anos, uma referência tum (€17), uma segunda marca que já faz 100
dalosos. Só um exemplo rápido: na oferta de dos tintos do Douro. Tem a particularidade mil garrafas, com uma enorme qualidade a
vinhos en primeur da colheita de 2022, os pre- (para os distraídos que não notaram...) de fa- justificar cada euro.
ços (ainda por definir) regem-se para já pelos zer mais de 30 mil garrafas a um preço que se Quanta Terra branco tem história para
de 2020 para que os consumidores tenham pode considerar caro. Mas, este ‘mas’ é mui- contar: nasceu por acaso e, em resultado des-
uma ideia aproximada. Pois o Château Au- to importante, o vinho esgota-se e vende-se se acaso, percebeu-se que se poderia repe-
sone (Saint-Émilion) custava em 2020, a pe- todo por alocação e isso quer dizer que o pre- tir a experiência. Passou seis anos em casco,
quena de fortuna de €780 a garrafa. ço está justo. Não chegamos lá? Há quem che- o que, como sabemos, tanto pode dar bons
Ora, se aqui estamos a falar de um tinto gue, e como tem edição anual, isso quer dizer como péssimos resultados. Conseguir uma
superjovem, que comentário podemos fa- que, quem compra uma vez, adquire segunda boa evolução sem oxidação é difícil e assegu-
zer em relação ao vinho da Quinta das Car- e terceira. É o sonho de qualquer produtor e rar que o vinho tenha personalidade vincada
valhas que sugiro? À borla, diria eu...! É que é a demonstração da qualidade do produto. pode ser tarefa árdua. Este é um bom exem-
um Porto com 50 anos e em cujo lote também Sim (voltamos ao assunto de novo...), vender plar do que de bom e original é possível es-
entrou vinho de 1920, não só é uma obra de caro uma vez é uma brincadeira, vender caro perar do Douro. Quem há 20 anos diria que
arte como deveria ter preço a condizer, mas... sempre é para profissionais, não para pseu- tal era possível? Ninguém! E o que está para
é a vida! Pedro Silva Reis, CEO da empresa, é doartistas que aterram de paraquedas. vir pode também ser muito prometedor. b
(OS PREÇOS FORAM INDICADOS PELOS PRODUTORES)

Chryseia tinto 2021 Quanta Terra branco 2016 Porto Quinta das
Região: Douro Região: Douro Carvalhas tawny 50 anos
Produtor: Prats & Symington Produtor: Quanta Terra Região: Douro
Castas: Touriga Francesa e Touriga Nacional Castas: Gouveio e Viosinho Produtor: Real Companhia Velha
Enologia: Equipa de enologia da Prats & Enologia: Jorge Alves/Celso Pereira Castas: misturadas na vinha
Symington PVP: €70 Enologia: Pedro Silva Reis/Tiago Silva
PVP: €77 Iniciou-se na vindima de 2011 e Reis
Este tinto teve a primeira edição em 2000. começou por resultar de uma barrica PVP: entre €250 e €300
Resulta de uvas da Quinta de Roriz e da Perdiz, esquecida. Esta já é a 5ª edição, Como todos os tawnies com indicação
acrescidas de outras da Quinta da Vila Velha. guardado intencionalmente. de idade, este resulta de um lote de
Estágio em barrica de 400 litros. A produção, que Feitas 1833 garrafas e 150 magnum. vinhos de várias idades, com uma
inclui 1000 magnum, ronda as 36 mil garrafas. Dica: Excelente evolução aromática média aproximada de 50 anos.
Dica: Ano após ano este tinto é uma referência mas sem oxidações, ganhou Dica: Uma beleza! Muito rico, muito
obrigatória do Douro. Cada vez mais distinto personalidade e carácter. Um branco concentrado mas com enorme
e fino mas sempre sem perder a matriz da região de meia estação que soube conservar elegância e uma frescura cativante.
e das castas. a acidez e a elegância. Final interminável. Vale cada euro.

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coentros” e “Bochechas de porco
preto” permanecem na lista dos
clássicos. Preço médio: €30.

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vegetais”. Acompanhe a refeição ra. O pequeno-almoço, uma cesta com pão, doces e bolos, é entregue diariamente nas casas. Saiba mais uma pequena piscina no respetivo
com um vinho biológico. Preço sobre este hotel na emissão desta semana do “Boa Cama Boa Mesa” na SIC Notícias. A partir de €85. terraço. A partir de €220.
médio: €30.

Adega Velha Adega dos Ramalhos Restaurante Herdade O Chana do Bernardino Boa Vida
Rua Joaquim José Vasconcelos, Largo Major Roçadas, 2, do Esporão Aldeia da Serra. Tel. 266 909 414
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Prevalecem produtos e receitas “Caldo de grão com carne de de Monsaraz. Tel. 266 509 280 e pescada”, mas há que partilhar Patrimónios ao Sul
alentejanos. A “Sopa de cação” e porco preto”, servido no tarro em A maioria da matéria-prima pro- a “Sopa de tomate, com lombo, Beja
o “Ensopado de borrego” são dos cortiça e acompanhado por en- vém do Alentejo, como o pinhão, entrecosto, farinheira, linguiça, De 5 a 8 de outubro, Beja recebe
preferidos. As “Migas com carne chidos selecionados a dedo, é um de Grândola, os lagostins e o bacalhau e ovo”. “Gaspacho com uma feira que promove a identi-
de alguidar” são irrepreensíveis dos clássicos da casa. O mesmo se lúcio-perca, espécies invasoras do carapaus fritos, presunto e chouri- dade do território do Sul do país
nesta casa, onde o cante e o vinho aplica às carnes do montado, que rio Guadiana, ou o javali, comum na ço” é de incluir neste alinhamento ao nível económico, cultural e
são estrelas. Preço médio: €20. vão à grelha. Preço médio: €20. região. Preço médio: €70. gastronómico. Preço médio: €35. turístico. Os vinhos, os produtos
PUB agroalimentares, o turismo, a
biodiversidade, as artes e ofícios,
a gastronomia, a caça e a pesca,
Fialho assados”, presunto Pata Negra, a tradição taurina e as aves serão
Travessa dos Mascarenhas, 16, “Pastéis de massa tenra” e as atividades em destaque. Clã,
Évora. Tel. 266 703 079 queijos regionais. Dê substância GNR e Gabriel o Pensador são as
Tem o mérito de constar no guia com a “Sopa de cação”, a “Per- atrações musicais.
“Boa Cama Boa Mesa” desde a diz em escabeche”, à Fialho ou à
sua criação. Este templo gastro- Convento da Cartuxa, a “Presa
XXXIX Festa
nómico foi fundado em 1945 por de porco alentejano”, o “Borre-
Manuel Fialho: era à época uma go assado no forno” ou em en-
do Castanheiro
casa de petiscos de nome Bar sopado e a “Perna de cabrito”. A — Feira da Castanha
Mascarenhas. A essa obra deram “Favada real” é por encomenda. Marvão
continuidade os filhos: Gabriel Pergunte pela “Galinhola” e Durante os dias 11 e 12 de novem-
nos fogões, Amor na copa e nas pelos doces conventuais, como bro, a vila de Marvão vai transfor-
mesas e Manuel, outro talento o “Pão de rala” e o “Fidalgo”. mar-se numa autêntica montra
gastronómico. Fruto da visão e Preço médio: €40. do mundo rural alentejano, onde
esforço dos três irmãos, torna-se se pode encontrar tudo o que de
um notável embaixador da gastro- Bem nosso é sugerir os melhores melhor se produz na região, bem
nomia alentejana. Rui Fialho, filho sabores do Alentejo interior. como quatro tradicionais magus-
de Amor, assume a gerência, com tos, com a melhor castanha assada
a prima Helena. Nas entradas ser- e vinho do concelho. Vai também
vem-se saladas frias, “Cogumelos
encontrar artesãos que trabalham
os bordados tradicionais.

E 76
D ESI GN
POR GUTA MOURA GUEDES

Entre o design e a arte


Matthew Hilton, um dos mais respeitados
designers de equipamento e produto ingleses,
aventura-se no campo da arte

L
ondres não pertence ao Reino Unido, de arte ou de design. Visito as suas lojas em
penso, é quase um país por si só. Com vários locais, a roupa repete-se, como é na-
ingleses, claro, mas se há cidade cos- tural, são os objectos e os designers ou ar-
mopolita e de identidade feita de somas e tistas apresentados que me atraem.
multiplicações é esta. A percentagem de Desta vez cheguei a tempo de ver a
pessoas que vivem nesta grande urbe e montagem de uma exposição que iria inau-
não escolheram o ‘Brexit’ diz-nos de for- gurar nesse dia, pelo fim da tarde. Matthew
ma clara o que Londres quereria, mas a ca- Hilton, um dos mais respeitados designers
pital obedece às regras de uma escolha de de equipamento e produto ingleses, aven-
uma maioria ganha à justa, num país que tura-se no campo da arte. Nascido em 1957,
se separou de uma proposta de Europa. Se sempre fez peças em que forma e material
o sentimos quando lá vamos, sim, nas coi- provam uma capacidade rara de criar in-
sas práticas. Mas não no espírito múltiplo temporalidade e sobriedade, podemos en-
e aberto que sempre marcou esta cidade, contrá-las na marca portuguesa De La Es- “Sempre estive profundamente
interessado no processo de
esse está lá. pada, por exemplo. O seu interesse pela
Na galeria da loja de Paul Smith como algo é feito” diz-nos
Poucas são as vezes em que indo a Lon- indústria e a contenção do gesto marcam o
em Albermarle Street, em Matthew Hilton, “infinitamente
Mayfair, cuja fachada em aço dres não entro numa das lojas de Paul Smi- seu trabalho enquanto designer. Mas ago- fascinado pelo processo pelo
corten gravado e vidros th. Conheci-o uma vez, estava à porta da ra, aos 66, Matthew entra assumidamente qual uma forma chega ao seu
tubulares é um design ícone por sua loja no Soho, em Beak Street, e con- no campo da arte com a exposição “Tough lugar final. ‘Tough Moment’ é o
si só, as obras de Matthew versámos. Elegante, positivo, curioso, com Moment” onde mostra 18 obras em metal e culminar de anos de imaginação,
Hilton trazem um peso e uma aquele sentido de humor inglês único, sir pedra, algumas delas produzidas em Portu- desenho e pensamento sobre
sobriedade algo distintas da Paul Brierley Smith, nascido em 1946, é um gal. Na sua opinião, “uma disciplina infor- escultura com uma estética
maior parte das obras que designer de moda cujos interesses ultrapas- ma a outra, há uma conversa contínua entre industrial, acima de tudo a minha
habitualmente encontramos sam largamente este universo, o que se vê forma e função”. Hilton utiliza de modo há- ambição era criar um trabalho
expostas aqui, mais coloridas e nas suas lojas, que além da roupa, onde as bil as técnicas industriais e o conhecimen- sem quaisquer regras, limites ou
exuberantes. Um contraste riscas são marca identitária, se encontram to que tem sobre os processos de fabrico no restrições criativas”. É também
interessante e que reforça a objectos, livros, candeeiros, móveis e mui- design. Junta com sensibilidade, tecnologia aqui, pela ausência de limites,
amplitude do próprio Paul Smith. que o design se separa da arte.
tas vezes, obras de arte. E, claro, naquela e artesanato. O resultado é belíssimo.
coisa indefinível que é o gosto, o gosto de Não tendo propositadamente função, as
alguém criativo e inspirador e que o trans- obras não são peças de design, de facto. Se-
mite através do seu design, mas também, rão por isso imediatamente arte?
e muito, através do que nos mostra. Paul Não sabemos, mas isso não é relevante
Smith, ao longo de uma carreira longa e para a sua fruição. b
colorida, tem apresentado e lançado muitos
outros criadores, criando nos seus espaços Guta Moura Guedes escreve de acordo
zonas híbridas, tangentes aos das galerias com a antiga ortografia

E 78
0 PUBLICIDADE

V I O

OS FESTEJOS DO CINQUENTENÁRIO DO EXPRESSO, QUE CONTINUAM


A PERCORRER AS CAPITAIS DE DISTRITO DE NORTE A SUL DO PAÍS,
CHEGARAM, A 7 DE SETEMBRO, A AVEIRO. A INAUGURAÇÃO DO BANCO
EXPRESSO NO JARDIM DO MUSEU DE AVEIRO E DA EXPOSIÇÃO ALUSIVA
AOS 50 ANOS DO JORNAL NA PRAÇA DA REPÚBLICA DERAM O MOTE A
UMA TROCA DE IMPRESSÕES COM O TECIDO EMPRESARIAL DA REGIÃO

OLI: CASAS DE BANHO COM SUSTENTABILIDADE


E REQUINTE DE AVEIRO PARA O MUNDO
Quem julga que a casa de banho é um assunto de somenos importância, é por- cial da região de Aveiro”, nomeadamente no que toca à criação de emprego,
que não conhece a OLI, a líder ibérica na produção de autoclismos nascida em reconhece António Ricardo Oliveira, lembrando que a OLI emprega atualmen-
Aveiro, há 69 anos, que se orgulha de marcar presença “em casas de banho de te mais de 400 pessoas, a maioria das quais na região de Aveiro. Com laços
todo o mundo, de um hotel luxuoso no Médio Oriente, a um hospital moderno ơʡʭʉơǶʭɡʡύ ƓɡȽύ Ĭύ ƓɡȽʽɃǶƚĬƚơύ ơȽύ ʇʽơύ ʡơύ ǶɃʡơʉơ·ύ Ĭύ †^ύ ʭơȽύ ̹ʉȽĬƚɡύ ʭĬȽƒƣȽύ
na Europa ou um barco-hotel na América do Sul”, sublinha o administrador An- parcerias “com a Universidade de Aveiro e com empresas da região em pro-
tónio Ricardo Oliveira. jetos de investigação e desenvolvimento” e apoiado “escolas, associações,
Tendo iniciado a produção de autoclismos em 1980, na década seguinte a OLI ơɃʭǶƚĬƚơʡύƓʽȤʭʽʉĬǶʡύơύƚơʡʄɡʉʭǶ̂ĬʡλύĬύɃǺ̂ơȤύȤɡƓĬȤ·ύĬ̹ʉȽĬύɡύʉơʡʄɡɃʡİ̂ơȤΆ
assumiu um lugar de destaque com o lançamento da dupla descarga de auto- Encarando a sustentabilidade e a inovação como dois dos seus pilares fun-
clismo, uma inovação com um impacto na “redução de 50% do consumo de damentais, a OLI orgulha-se igualmente de “estar comprometida com a re-
água”, explica António Ricardo Oliveira, lembrando este “marco determinante dução do consumo de água na casa de banho, já que sabemos que cerca de
ɃĬύǧǶʡʭɢʉǶĬύƚĬύ†^λΆύκCɡȽɡʡύʄǶɡɃơǶʉɡʡύɃĬύȽĬʡʡǶ̹ƓĬƖƌɡύƚĬύƚʽʄȤĬύƚơʡƓĬʉǒĬ·ύĬȤǒɡύ 70% do consumo de água numa habitação familiar ocorre dentro da casa de
que hoje é visto como algo comum, mas que pressupunha na altura uma altera- banho e que 30% deste consumo é referente ao consumo do autoclismo”.
ção de comportamento, dando ao utilizador a decisão sobre que quantidade “Esta realidade motiva-nos a investir continuamente no desenvolvimento de
de água utilizar.” Ƀɡ̂ɡʡύơύȽơȤǧɡʉơʡύĬʽʭɡƓȤǶʡȽɡʡύʇʽơύǒĬʉĬɃʭĬȽύʽȽĬύʽʭǶȤǶ̱ĬƖƌɡύȽĬǶʡύơ̹ƓǶơɃʭơύɃĬʡύ
Empenhada em trazer mais sustentabilidade para as casas de banho, desde descargas de água”, salienta António Ricardo Oliveira. A este respeito, a OLI
então que a OLI se esforça por continuar a “desenvolver as melhores soluções apresentou recentemente “três autoclismos que contribuem para a redução
ʄĬʉĬύʇʽơύĬʡύƚơʡƓĬʉǒĬʡύƚơύİǒʽĬύƚɡύĬʽʭɡƓȤǶʡȽɡύʡơȖĬȽύȽĬǶʡύơ̹ƓǶơɃʭơʡ·ύʽʭǶȤǶ̱ĬɃƚɡύ do consumo de água potável: o autoclismo OLI74 Plus 4/2 litros que, aliado à
um menor volume de água e não recorrendo a água potável”, frisa o adminis- tecnologia Plus, atinge uma poupança hídrica de 30% face a um sistema con-
trador. “Ambicionamos que os autoclismos sejam capazes de potenciar a uti- vencional; o autoclismo OLI 80 Salt Water, apto a funcionar com água salgada,
lização de águas salgadas e sejam integrados em sistemas de tratamento de cada vez mais utilizada em países onde a água potável é escassa; e o OLI74,
İǒʽĬʡύʉơʡǶƚʽĬǶʡύʄʉơʄĬʉĬƚɡʡύʄĬʉĬύơʡʭơύ̹Ƚλ·ύĬƓʉơʡƓơɃʭĬΆ com duas torneiras, que permite ter mais do que uma fonte de água para além
Exportando, atualmente, 75% da produção para mais de 90 países nos cinco da água da rede, desde que essa segunda fonte seja devidamente tratada an-
continentes, a OLI compete à escala global e “diferencia-se pelo design e ino- tes de entrar no tanque”, refere o responsável.
vação”, defende António Ricardo Oliveira. Apesar de ter no continente euro- António Ricardo Oliveira chama ainda a atenção para a inauguração, em maio
peu o seu “mercado mais importante”, segundo o responsável, no último ano a deste ano, “da décima ampliação do nosso complexo industrial, onde foram
ơȽʄʉơʡĬύǶɃʭơɃʡǶ̹ƓɡʽύĬύʡʽĬύʄʉơʡơɃƖĬύɃɡύ’ɡʉʭơύƚơύǐʉǶƓĬύơύƣƚǶɡύʉǶơɃʭơ·ύκɡɃƚơύ colocados mais 1050 painéis fotovoltaicos” que, a somar à capacidade já ins-
tem vindo a consolidar resultados e espera continuar a crescer”. Apostada em talada, permitem à empresa reduzir as emissões de CO2 em 300 toneladas
prosseguir o seu percurso de internacionalização, a empresa aveirense pro- ʄɡʉύ ĬɃɡΆύ κ^ɃʭơɃʡǶ̹ƓİȽɡʡύ ʭĬȽƒƣȽύ Ĭύ ʽʭǶȤǶ̱ĬƖƌɡύ ƚơύ ȽĬʭƣʉǶĬʡάʄʉǶȽĬʡύ ʉơƓǶƓȤĬƚĬʡύ
ƓʽʉĬύĬǶɃƚĬύκĬƚĬʄʭĬʉύɡʡύʄʉɡƚʽʭɡʡύʄĬʉĬύʉơʡʄɡɃƚơʉύŰʡύơʡʄơƓǶ̹ƓǶƚĬƚơʡύƚơύƓĬƚĬύ e regeneradas e estamos a reduzir o plástico descartável das nossas embala-
ȽơʉƓĬƚɡλύ ơύ ƓɡɃʭǶɃʽĬʉύ Ĭύ κɡƒʭơʉύ ƓơʉʭǶ̹ƓĬƖɿơʡύ ǶɃʭơʉɃĬƓǶɡɃĬǶʡύ ʇʽơύ ǒĬʉĬɃʭơȽύ Ĭύ gens, o que permitirá reduzir o nosso consumo de plástico em cerca de 11 to-
ʇʽĬȤǶƚĬƚơύơύĬύʡơǒʽʉĬɃƖĬύƚĬʡύʡʽĬʡύʡɡȤʽƖɿơʡύɃĬʡύǒơɡǒʉĬ̹ĬʡύơȽύʇʽơύơʡʭİύʄʉơ- neladas por ano”, ressalta.
sente”, nota António Ricardo Oliveira, que levanta também o véu sobre os pla- Ao longo dos últimos anos, o investimento da OLI em inovação “tem sido con-
nos da OLI a este nível. “A exportação é fundamental para nos garantir a escala ʭǺɃʽɡλ·ύʉơĬȤƖĬύĬǶɃƚĬύɃʭɢɃǶɡύÄǶƓĬʉƚɡύȤǶ̂ơǶʉĬΆύκ’ɡύĬɃɡύʄĬʡʡĬƚɡύǶɃ̂ơʡʭǶȽɡʡύ͂·͈̈́ύ
de que necessitamos para ser competitivos a nível internacional e, por isso, milhões de euros, o que representou cerca de 1,65% do volume de faturação
ʭơȽɡʡύơȽύĬɃİȤǶʡơύĬύƓʉǶĬƖƌɡύƚơύȽĬǶʡύ̹ȤǶĬǶʡύƓɡȽơʉƓǶĬǶʡύɃɡύơʡʭʉĬɃǒơǶʉɡ·ύʄĬʉĬύʇʽơύ de 2022”, concretiza o administrador, enaltecendo o trabalho desenvolvido
com equipas locais consigamos aumentar a nossa quota de mercado em paí- pelo laboratório de Investigação e Desenvolvimento da OLI, onde ganham
ses com interesse estratégico para a OLI”, adianta. forma “projetos e produtos inovadores ao nível da sustentabilidade hídrica, da
De olhos postos no mundo, a OLI não esquece, contudo, o país que a viu nas- inclusão, da funcionalidade e do design”. O design é, de resto, uma “aposta
cer, assegura o administrador. “A OLI olha para o mercado português como crescente da companhia”, que resultou na conquista de importantes prémios
sendo o seu principal mercado, representando 25% das suas vendas, e onde internacionais como o Red Dot Design, o IF Design e o Archiproducts Award, os
atua numa posição de liderança o que nos confere grande responsabilidade. ʇʽĬǶʡύʡƌɡύʉơ̺ơ̈ɡύƚĬύκơȤơǶƖƌɡύƚɡʡύʄʉɡƚʽʭɡʡύ†^ύʄĬʉĬύʄʉɡȖơʭɡʡύƚơύʉơǐơʉƫɃƓǶĬύƚơύ
É um mercado onde além dos produtos fabricados, comercializamos outros arquitetura, de imobiliário e de decoração hoteleira em todo o mundo”, assi-
produtos e materiais relacionados com a casa de banho, podendo dessa nala António Ricardo Oliveira
forma dar maior amplitude de opções aos clientes, com um serviço de pro- ’ʽȽĬύơƓɡɃɡȽǶĬύǒȤɡƒĬȤǶ̱ĬƚĬύɡɃƚơύĬʡύƓɡȽʽɃǶƓĬƖɿơʡύǶɃʭơǒʉĬƚĬʡύơύɡʡύʡơʉ̂ǶƖɡʡύ
ximidade e numa relação muito próxima”, esclarece, reiterando a vontade de digitais ganham cada vez mais importância na oferta disponibilizada aos clien-
“continuar a crescer em Portugal”. tes, a OLI reconhece ainda o contributo da MEO Empresas, “um parceiro com a
Fazendo jus ao seu berço, ao longo dos seus 69 anos de história, a OLI tem feito competência adequada e com um leque de serviços bastante alargado capaz
igualmente questão de “contribuir para o desenvolvimento económico e so- de responder às nossas necessidades”, conclui o administrador.
DIÁRIO DE UM
PSIQUIATRA
POR JOSÉ GAMEIRO

Tio, preciso de si
AGORA “Como é que os posso
ON-LINE convencer de que sou feliz?”

U
A Anti-Âge Global, que
recorre ao néctar vegetal ma das coisas interessantes desta profissão é o reencontro com quem
de botão de planta, é uma acompanhámos, muitos anos antes. Pode ser apenas uma única
das linhas de produtos conversa com alguém, que já conhecem, e que é suposto ter uma visão
da Yves Rocher que podem mais neutra. Conheci-o com cerca de 20 anos, no rescaldo de um amor mal
agora ser adquiridos sucedido, muito triste, a sentir-se culpado, talvez não tivesse agido como
on-line no site da marca devia? Mas alguém age? Duas ou três consultas atenuaram a dor, mas contei
francesa. A supra essência com a ajuda de uma menina, hoje sua mulher. Ao contrário do que serão as
corretora e o concentrador boas regras, não lhe disse, olhe se calhar é cedo demais, ainda não tem o luto
bifásico recuperador de noite feito... Sempre seria uma tristeza mais colorida e ele nunca lhe escondeu o que
podem ser combinados ainda sentia, com a rutura.
para garantir uma tez mais Passaram-se 18 anos sem saber nada dele. Tinha casado, já com duas
luminosa, pele mais firme crianças pequenas, era muito feliz, tem o sentimento de ter encontrado
com traços alisados e rugas alguém com quem se entende e que admira. O problema era a vida
menos visíveis. profissional. Oriundo de uma família da chamada classe média alta, a pressão
yves-rocher.pt para fazer um curso superior sempre foi forte. Hesitou qual escolher, acabou
por seguir um interesse que sempre teve, estudar Relações Internacionais.
Não para ir para a carreira diplomática, nunca se sentiu atraído por uma vida
a andar de um lado para o outro e sabia que iria complicar a vida familiar. A
VEM AÍ OUTRA mulher tem um curso difícil de ser aplicado em países fora da UE e não tem
ESTAÇÃO perfil para esposa de diplomata. Acabou o curso com uma média razoável
e começou a procurar trabalho. Surgiu uma ou outra ONG, o que implicava
A marca portuguesa Lemon Jelly já ir para fora. Começou a procurar cá dentro, empresas, Função Pública e
começou a revelar vários produtos deparou-se com a “geração dos mil euros”.
para a nova estação outono-inverno Chegado aqui ainda não tinha percebido o motivo da vinda à consulta
no mesmo ano em que celebra o seu e disse-lhe que “agora criaram umas medidas de apoio aos jovens”. “Vai
10.º aniversário. Os tons neutros são pagar menos IRS durante uns anos, pode ir, de borla, uma semana para uma
dominantes numa coleção completa Pousada da Juventude e mais umas coisinhas”, disse-lhe. Respondeu-me
onde também não faltam algumas que não punha em causa a boa vontade, mas que isso não vai resolver quase
cores vivas e que copmpreende nada. “Os meus amigos não vão regressar de fora com estas migalhas. Segui
sapatos, botins, novos saltos altos, outro caminho e é por isso que cá venho. A minha família não aceita bem,
canos médios, botas altas e esta nova até diz aos amigos que eu agora sou engenheiro elétrico.” Fiquei curioso, não
carteira Millie. conhecia o curso.
lemonjelly.com “Resolvi tirar um curso de eletricista. Quatrocentas horas de formação,
entre teoria e prática, tive sorte, aprendi com um homem muito bom e já
trabalho sozinho com certificado.” Confesso que fiquei surpreendido e ao
mesmo tempo ainda com mais ternura por ele.
“Só aceito trabalhos de meio dia ou dia inteiro. Quatro horas são 200
NOVA euros, oito horas são 350. Faça as contas, mesmo tirando duas manhãs por
IMAGEM semana para o surf, ganho bem a vida. O problema são os meus pais, que
têm vergonha de dizer aos amigos que sou eletricista. Como é que os posso
No seguimento do recente convencer de que sou feliz?”
lançamento para o mercado da Não lhe fiz perguntas sobre faturas, IVA e outros pormenores, mas disse-
nova imagem dos vinhos Adega lhe que a minha especialidade não são preconceitos sociais, mas tinha uma
de Borba Branco, Tinto e Rosé, a ideia que talvez o pudesse ajudar, já que a maior parte dos seus clientes
Adega de Borba decidiu renovar eram da sua rede de contactos, muitos já filhos de amigos seus e dos pais. O
também a imagem da sua gama conselho não foi nada ortodoxo, mas arrisquei. Quando eles forem jantar a sua
SEJA RESPONSÁVEL. BEBA COM MODERAÇÃO.

Premium. A primeira imagem casa ponha a tocar o ‘Apache’ dos Shadows e o ‘Sounds of Silence’ do Simon
revelada é a do Adega de e Garfunkel, só para criar um ambiente que eles vão gostar. Antes faça uns
Borba Premium Branco. cartões profissionais, divulgue no Instagram, não aconselho o Facebook que
A nova imagem mantém está a ficar foleiro. Com uma imagem bonita escreva Tio Bernardo, todos os
o distintivo “B” no rótulo, trabalhos de eletricidade, obras novas e reabilitação. Dê-lhes vários cartões
mas numa abordagem para distribuírem pelos amigos. Se tudo correr bem os pais vão ficar mais
diferenciadora, mais jovem, relaxados e vai começar a receber telefonemas e mensagens a dizerem: Tio,
apelando aos valores de preciso de si. b
sustentabilidade. josemanuelgameiro@sapo.pt
adegaborba.pt
PASSAT E M POS
POR MARCOS CRUZ

Sudoku Fácil Palavras cruzadas nº 2483

7 6 8
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
4 3
8 1 3 1
1 5 4 7 3
2
3 7 8 1 5 4
6 5 2 7 8 3
6 4 5
4
9 7
2 6 9 5

Sudoku Difícil 6
2 4 8
7
7
6 1 5 8
1 5 4
9
9 3 2 5
2 7 8 10
2 4 9
9 11
9 3 1
Horizontais Verticais Soluções nº 2482
1. Onde os cristãos romanos enterravam 1. Espaço mesmo pequeno 2. Casta HORIZONTAIS
Soluções os seus mortos 2. Deus grego do céu. ibérica. Não falta ao crente 3. Há que 1. sarcófago 2. imersão;
Fácil Difícil Serra que dá nome a uma raça de sabê-la para multiplicar. Fonte de calor Noé 3. Lot; od; adro
9 4 3 6 2 5 8 7 1 1 2 6 7 8 5 3 4 9
cães 3. Senhor na Índia. Que está na e energia 4. Concorde. A força que faz 4. erra; índole
8 6 2 7 9 1 5 3 4 4 5 7 9 3 1 2 6 8
parte mais funda 4. Um dos termos mover moinhos 5. O cobalto para 5. neologismos
5 1 7 8 4 3 2 6 9 9 8 3 6 4 2 7 5 1
1 9 8 3 7 2 4 5 6 3 9 8 1 7 4 6 2 5 do lema da revolução francesa 5. Nas os químicos. Parte de Lucerna. Filas 6. cigana; cev 7. IRA; rt
8. oad; revirar 9. solícito
4 2 5 1 6 8 7 9 3 7 1 5 2 6 3 9 8 4 suas margens podem ver-se pinturas 6. Ninfas dos bosques 7. Tédio imenso
10. acolá; II 11. ferro; astro
3 7 6 4 5 9 1 8 2 6 4 2 8 5 9 1 3 7 rupestres. Preside à Europa 6. Depois 8. Duplica a palavra. Ouro Negro dava
6 3 4 5 1 7 9 2 8 2 3 9 5 1 8 4 7 6
de décimo. Juntei letras 7. As suas música. Universidade da Califórnia VERTICAIS
7 8 9 2 3 4 6 1 5 5 6 1 4 2 7 8 9 3
entradas são espetaculares. Contração. 9. A Pequena Sereia. O do Crato foi 1. silêncio; If
2 5 1 9 8 6 3 4 7 8 7 4 3 9 6 5 1 2
O indicador que mede a atividade pretendente ao trono de Portugal 2. Amoreiras
económica de uma região 8. Cardeais. 10. Desprovido. Amazon chinês 3. retrógado 4. CR;
É quase lado. Cidade 9. Impedir de falar 11. Transmitido pelo ar. Instalaram-se Ala; lar 5. oso; onírico
10. Nadam nos polos. Quem não na parte mais ocidental da Europa 6. fadiga; eco 7. ao;
Palavras Cruzadas Premiados do nº 2481 ni; vila 8. adscritas
o quer ser que não lhe vista a pele
“Deus Foi de Férias”, de Edmundo Rosa, para Idília 9. ondómetro 10. Orlov;
11. Três nas caravelas. Terras que têm
Fachada, de Sobreda; “Memória de uma Epifania”, ir 11. leões; freio
de Maria João Vaz, para Maria Abrantes, da Por- matérias-primas para a indústria
tela; “Eu Fico Aqui”, de Marco Balzano, para Rafael
Laranjo, da Portela Participe no passatempo das Palavras Cruzadas enviando as soluções por correio para
Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos ou por e-mail para passatempos@expresso.impresa.pt

E 81
ESTRANHO OFÍCIO

JOÃO FAZENDA
TORCATO, O BAFIENTO BEATO

M
OS AUTORES DO LIVRO INVENTARAM UM BAIRRO COM VÁRIOS
TIPOS DE CRIANÇA, MAS DEIXARAM OSTENSIVAMENTE
DE FORA OS MENINOS QUE INVADIRAM O LANÇAMENTO
ais uma vez, um grupo Os pais decidem livremente
de fanáticos procurou que educação dar a um descendente.’
impedir a venda de Mas um dia o Torcato
um livro destinado a leu um livro em que um gaiato,
crianças cuja leitura não tinha uma família horrorosa,
é obrigatória. Dou por indecente, pecaminosa:
mim a ter saudades dos duas mães em vez de uma.
censores de antanho, Bem pior que ter nenhuma.
que se dedicavam a Coitadinho do gaiato,
censurar livros com um está melhor no orfanato.
pouco mais de arcaboiço: E então o Torcato
“Novas Cartas Portuguesas”, “Os Versículos Satânicos”, “Lolita”. foi fazer um espalhafato
Coisas dessas. Era execrável na mesma, mas ao menos os censores contra o livro infantil.
andavam a ler livros para a sua idade. Já não era mau. Neste momento, Afinal ele é hostil
a literatura mais polémica e incómoda é a infanto-juvenil. Os fanáticos à noção de liberdade.
desta semana foram exercer a sua censura para o lançamento do livro Educar os filhos há-de
“No Meu Bairro”, da autora Lúcia Vicente e do ilustrador Tiago M., que obedecer a uma doutrina
reúne 12 histórias em verso. Por exemplo, ‘Magalhães, o menino que de lógica cristalina:
tinha duas mães’, ou ‘Beatriz, a cigana feliz’. Alguém leu as histórias um livro só é sensato
aos censores, provavelmente ao deitar, e eles não gostaram nada. Por se aprovado pelo Torcato.”
isso, apresentaram-se no lançamento com um megafone. Ou porque Só falta o Tiago M. desenhar o Torcato com os calções castanhos, a camisa
pensavam que ia estar um mar de gente na apresentação de “No Meu verde, o bivaque castanho escuro e o cinto com a letra S, e a segunda
Bairro”, e precisavam de um megafone para que a multidão conseguisse edição está pronta para ir para a gráfica. b
ouvi-los, ou porque sabiam que ia estar apenas meia dúzia de pessoas mas
tinham a consciência de que os seus argumentos são tão frágeis que só se Ricardo Araújo Pereira escreve de acordo com a antiga ortografia
conseguem impor se forem proferidos aos gritos. É difícil saber.
Sem querer culpar as vítimas, parece-me evidente que Lúcia Vicente e
Tiago M. têm responsabilidades neste protesto. Quiseram escrever um
livro norteado pelos valores da diversidade e da inclusão, mas falharam
clamorosamente. Inventaram um bairro com vários tipos de criança, mas
deixaram ostensivamente de fora os meninos que invadiram o lançamento.
Não tinha custado nada escrever uma 13ª história em verso, chamada
‘Torcato, o bafiento beato’, para que eles se sentissem representados. Deixo
aqui a história, com o objectivo de enriquecer futuras edições do livro.

“Era uma vez o Torcato


o bafiento beato.
Ele era um menino cristão / RICARDO
como aqueles pais de Famalicão.
Dizia: ‘Cada filho deve ser educado
ARAÚJO
sem a intervenção do Estado. PEREIRA

E 82
Desde

175€/mês 1

Até 30/09/2023
Prazo 60 meses
Entrada inicial 12.173,50€
Montante financiado 15.826,50€
Última mensalidade 9.800,00€

TAEG 8,5%

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