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C U LT O | M O D A | E N T R E V I S TA S | C U R I O S I D A D E S | R E P O R TA G E M | G A D G E T S

WHEN THE GOING GETS TOUGH


THE TOUGH GET GOING

M A R K VA N D E R LO O
C U LT O | M O D A | E N T R E V I S TA S | C U R I O S I D A D E S | R E P O R TA G E M | G A D G E T S

EVERYTHING’S G ONNA BE ALRIGHT

F*CK OFF COVID-19


O EVENTO PRINCIPAL PARA NEGÓCIOS DE LUXO
SUMÁRIO
FIXAS
4 EDITORIAL IN & OUT
O diretor José Santana reflete
sobre a pandemia que nos assola
– e também sobre a maneira
como estamos a lidar com ela.
66
In&Out
60 DESTINO
É o clássico vá para fora cá dentro.
De casa. Espreite as nossas nove
sugestões para não bater com a
74 MUST FOLLOW Coleção cabeça nas paredes durante
Falámos com Steve McCurry, a quarentena.
o autor da icónica fotografia 70 VINHOS
Menina Afegã. Primavera e sol chamam vinhos
mais leves. Trazemos-lhe cinco
brancos para desfrutar na
CULTO varanda, à janela – e onde quiser,
14 MÚSICA desde que não saia para a rua.
Conheça Vitão, o artista
emergente da MPB que está
a dar cartas no Brasil – e por VOZES
cá também. 77 CAPELINHA DAS
18 PERFUME APARIÇÕES
Pedro Pascal: um ator de Bruno Vieira Amara recorda
contrastes para uma fragrância o filme O Exorcista e disserta
de contrastes. sobre o que é ter o terror
dentro da própria casa.
22 ENIGMA
Há um sinal de rádio a intrigar
centenas de pessoas há várias ESPECIAIS
décadas. Tentámos encontrar 96 MUSA
a sua origem e uma explicação 43 anos de vida, quase três
para a sua existência. décadas de carreira e nenhum
26 CRENÇAS medo de dizer o que sente ou
Entre mais de 10 mil religiões, pensa – apesar de ter milhões
seitas e cultos por todo o mundo, de olhos postos em si. Falámos
alguns teriam de dar para o torto. com Luana Piovani.
108 TEMA DE CAPA
Mark Vanderloo fala connosco
ESTILO sobre a vida, a moda, o amor
32 MODA e as rugas.
O modelo Zack Tidswell dá
corpo ao editorial inspirado 122 ESTADO DO RETÂNGULO
no filme Billy Elliot. Há quem se sinta, neste momento
de pandemia, num filme pós-
apocalíptico. Paulo Narigão Reis
foi tomando notas precisas para
compor o argumento original.

52 CORPO
128 CABELO
Uma careca – o mal temido pela

96
Estilo esmagadora maioria dos homens.
Acessórios Saiba o que é mito e o que é
solução no universo da calvície.

MOTORES
142 CLÁSSICO
Conheça os cinco clássicos
desaparecidos que fizeram furor
Mark Vanderloo,
no European Car of the Year.
fotografado por Especiais
Frederico Martins. Musa

2 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020


EDITORIAL
pessoas. A pobreza vai trazer mais baixas
do que o próprio vírus. Se não mudarmos,
vamos sofrer e os países dantes chamados
do terceiro mundo sofrerão ainda mais pela
nossa cobardia. E, ao dizer isto, não digo
ESTADO DE para fazermos as nossas vidas como se

PAN(ICO)DEMIA
nada estivesse a acontecer, mas temos de
ser realistas e encontrar um meio termo,
porque, a cada dia que passa, os resultados
Estamos a viver uma pandemia ao mesmo da crise serão piores. Vivemos num país
tempo que vivemos em estado de pânico onde há uns meses o nosso primeiro-minis-
como há muitos anos o primeiro mundo tro disse “é financeiramente insustentável”
não vivia. Costuma-se dizer que a Guerra baixar a taxa do IVA da eletricidade.
do Golfo foi a primeira guerra a ser trans- Temos de realmente proteger os mais ve-
mitida em direto para o mundo inteiro; o lhos e as pessoas de risco, e, com todos os
covid-19 é o primeiro vírus a tornar-se viral cuidados, a vida tem de continuar. E pensar
na comunicação social e nas redes sociais e em economia não é ser um monstro capita-
é acompanhado em direto 24 horas por dia. lista, é estar preocupado com as pessoas.
Claro que há outros males que assolam Imaginemos um policial sobre a resolução
o mundo. Por exemplo, desde junho do ano de um crime, o crime de que toda a gente
passado a República Democrática do Con- José Santana fala, os jornalistas querem saber quem ma-
go vive uma epidemia de Ébola ainda não Diretor GQ Portugal tou, a pressão pública sobre a polícia aumen-
completamente controlada. Até ao momen- ta, metem-se mais efetivos no caso, outros
to, houve cerca de 3.400 casos e aproxima- crimes vão acontecendo na cidade, alguns
damente 2.200 mortes. A taxa de mortali- piores até, mas a opinião pública só quer sa-
dade é altíssima. A malária, por outro lado, financeiras são as mesmas. Vejo posts nas ber daquele e no fim todos os efetivos estão
ainda mata mais de 400.000 pessoas por redes a dizer que nos vamos tornar melho- nesse caso – mal comparado, é isto que está
ano, grande parte em Africa – as crianças res seres humanos depois desta crise. Eu a acontecer com a covid-19. Consultas, ope-
representam 67% destas mortes e o facto pergunto-me: com base em quê? Vi pessoas rações, tudo é cancelado, parece que uma
de a doença estar concentrada em áreas de a fecharem-se em casa sem se preocupa- morte pelo novo coronavírus é de lamentar,
menor peso económico não a tornou atra- rem se há vizinhos mais velhos no bairro a as outras mortes são estatística.
tiva para a indústria farmacêutica, o que precisar de ajuda. Vi pessoas a fecharem-se Se há expressão usada nos últimos dias
contribui para ainda não haver uma vacina. em casa e a continuarem a ter lá a empre- é que estamos em guerra. Não conheço
A gripe, segundo o relatório do Instituto gada doméstica todos os dias. Vi pessoas a nenhuma guerra que tenha sido ganha
Nacional de Saúde Ricardo Jorge, matou na falarem mal de pessoas a passarem na rua, só a pensar no número de baixas. E nesta
estação passada 3.331 pessoas em Portugal sem saberem nada da vida dessas pessoas. guerra podemos estar em várias trinchei-
(650 mil a nível mundial). Claro que quando Vi pessoas a criticarem turistas e a man- ras, fechados em casa, a trabalhar, como
alguém mistura a gripe numa conversa so- dá-los embora, sem pensarem que podiam voluntários a ajudar quem precisa. Todas
bre o novo coronavírus é logo “apedrejado”. ser eles a estar noutro país naquela altura, elas feitas com responsabilidade são ne-
Não estou a comparar os vírus, não tenho como o caso de um casal português no Peru cessárias. Cada um estará a ajudar os que
conhecimentos médicos para isso, mas não com quem a Vogue falou em direto, que nos estão noutras trincheiras, porque a guerra
preciso de os ter para saber que, se essas contou que tinham medo de andar na rua é a mesma, mas com várias frentes, juntos
650 mil mortes tivessem sido acompanha- porque eram vistos como monstros que es- vamos vencê-la. E espero que algo de bom
das em direto pelos meios de comunicação tavam a propagar o vírus e não conseguiam venha com isto tudo, que o nosso Estado
em Portugal e no mundo, o efeito de pânico voltar para Portugal. passe mesmo a respeitar os mais velhos,
teria sido muito parecido. E o pânico rara- Preocupamo-nos com os refugiados, coisa que não tenho visto até aqui; que uma
mente nos faz tomar as melhores decisões. preocupamo-nos com a fome no mundo classe social como a dos enfermeiros não
O que sinto enquanto escrevo estas linhas (morrem aproximadamente 8.500 crianças seja vista como bandidos quando reivin-
é que se extremam posições e não se tenta de fome por dia no mundo, segundo nú- dicam melhores condições; que passemos
o equilíbrio. Quem pode ficar em casa deve meros da UNICEF), os países do primeiro todos a dar mais valor ao que temos; e que
fazê-lo, mas não nos podemos esquecer que mundo têm a obrigação moral de não pa- tenhamos líderes com visão e coragem para
nem todos o podem fazer e é injusto fazer rar apesar da epidemia de covid-19, porque tomar decisões que ultrapassem o dia de
acreditar que todas as casas e situações a crise económica não são números, são hoje, porque amanhã será tarde de mais.l

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4 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020


COLABORADORES Diretor: José Santana, jose.santana@gq.light-house.pt

REDAÇÃO
Chefe de Redação: Diego Armés, diego.armes@gq.light-house.pt
Redação: Beatriz Silva Pinto, beatriz.pinto@gq.light-house.pt, Ana Saldanha, ana.saldanha@gq.light-house.pt
Editora de Grooming: Joana Moreira, joana.moreira@vogue.light-house.pt
Colaboradores: Sara Andrade, Matteo Fagotto, José Machado, Paulo Narigão Reis, Rui Catalão, Matilde Campilho,
Bruno Vieira Amaral, José Couto Nogueira, Luís Pedro Nunes, Tony Parsons (texto)
Assistente de Redação: Paula Bento, paula.bento@gq.light-house.pt
Revisão: Manuela Gonzaga
Tradução de texto: Érica Cunha Alves

MODA
Editora de Moda: Maria Falé, maria.fale@gq.light-house.pt
Casting: Dominika Svetikova
Produção de Moda: Helena Silva (Snowberry Production)
Colaboradores: Mabatha, Rui Rocha (cabelos), Tasos Constantinou (grooming), Rafael Senna,
Patrícia Lima (maquilhagem), Daniel D´Armas, Paolo Turina, Paulo Zelenka (styling),
Federica Barletta, Marc Edenburg (produção), Timontej Letonja (casting)

ARTE
Diretora de Arte: Ânia Figueiredo, ania.figueiredo@gq.light-house.pt
Designer: Inês Ferreira, ines.ferreira@gq.light-house.pt

FOTOGRAFIA e VÍDEO
Diretor de Fotografia: Branislav Simoncik, branislav.simoncik@gq.light-house.pt
Diretor de Vídeo: Ismael de Jesus

PAULO Edição de vídeo:


Colaboradores:
Catarina Almeida
Matilde Gattoni, Estelle Valente, Filip Koludrovic, Frederico Martins, Renam Christofoletti (fotografia)

NARIGÃO REIS ONLINE


Jornalistas: Rui Matos, Mathilde Misciagna
Os seus textos na revista, nomeadamente Estagiária: Ana Catarina Machado
na rubrica Estado do Retângulo, estão
longe de ser novidade, mas neste número PUBLICIDADE & MARKETING
Advertisement & Events Manager: Marta Castro, marta.castro@light-house.pt
inaugura-se uma saga – que se espera Advertisement Senior Account: Laura Sena, laura.sena@vogue.light-house.pt
curta: uma espécie de diário a bordo deste Italian Office: MIA srl
Eventos: Leonor Centeno, eventos@light-house.pt
estranho mundo novo em que a pandemia
RENAM transformou o País e o planeta. 2020 – O
Ano Em Que O Mundo Parou é o texto que PAOLO TURINA
DEPARTAMENTO DE ASSINATURAS assinaturas@light-house.pt | 218 294 102 - gqportugal.pt/assine

CHRISTOFOLETTI olha, com atenção e rigor, para a evolução Nascido em Turim, sediou-se em Milão
Impressão: Lidergraf Sustainable printing
Rua do Galhano, 15, 4480-089 Vila do Conde.
Email: lidergraf@lidergraf.pt | tel. 252 103 300
É fotógrafo, vive em São Paulo, mas, da crise pandémica da covid-19, com depois de ter frequentado a escola de
como manda a profissão, é pouco o os seus números, as suas datas e a sua artes. Estreou-se no mundo da moda Distribuição: VASP – Soc. de Transportes e Distribuição, Lda.
tempo que lá passa. O nome é conhecido progressão pelo globo. nos anos 90 e desde então a sua carreira MLP: Media Logistics Park – Quinta do Grajal
Venda Seca – 2739-511 Agualva-Cacém
internacionalmente e vem associado é feita de grandes nomes da fotografia Email: geral@vasp.pt
a revistas de moda como Vogue, GQ e de moda como Albert Watson, Thomas
Distribuição de Assinaturas: Lidergraf Sustainable printing
Harper’s Bazaar, e a marcas como Gucci, Schenk e Mario Sorrenti, e de publicações Email: lidergraf@lidergraf.pt
JW Anderson e Vivienne Westwood. Tem como Vogue Espanha, Vogue Portugal, GQ
35 anos, já dedicou 15 à indústria da moda Italia e Harper's Bazaar China. Confessa LIGHT HOUSE – EDITORA, LDA.
e, na edição de abril da GQ Portugal, que o que mais gosta de fazer é consultar Administração: José Santana, Sofia Lucas
fotografou a musa Luana Piovani. marcas e designers para construir um Conselho Editorial: Branislav Simoncik, José Santana, Sofia Lucas
Detentores do Capital: Branislav Simoncik (12,5%), Jan Kralicek (12,5%),
desfile. Nesta edição assina o styling da José Santana (25%), Sofia Lucas (25%), Pure Lisbon Hospitality, Lda. (25%)
produção de capa com Mark Vanderloo.
Diretora de Novos Projetos: Sara Andrade (sara.andrade@light-house.pt)
Diretor Financeiro: Patrícia Pão Duro, patricia.paoduro@light-house.pt

Informática: Pedro Cargaleiro – Micropastilha

Sede Redação e Publicidade: Rua Rodrigues Sampaio, 18, 2.º Andar, 1150-280 Lisboa
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Sede Editor: Rua Rodrigues Sampaio, 18, 2.º Andar, 1150-280 Lisboa
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Vivemos um momento em que é frequente ouvir-se agradecimentos a pessoas Condé Nast Internacional/Advance Magazine Publisher Inc. por:
e instituições da sociedade tantas vezes esquecidas – agradecimentos mais Propriedade/Editora: Light House – Editora, Lda.
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que merecidos em todos os casos. Também nós gostaríamos de demonstrar C.R.C. 513 529 977
a nossa gratidão – e logo a pessoas, instituições e ferramentas tantas vezes Contribuinte: 513 529 977
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mal-amadas ou em quem nem pensamos. Assim, agradecemos à pessoa que E.R.C. n.º: 126731
inventou o Whatsapp e aos deuses da Internet, aos criadores das redes sociais Em cumprimento do Art.º 16, n.º 3, da Lei de Imprensa, informamos: Tiragem média: 20.000 exemplares
e aos génios que desenvolveram os emails, às operadoras telefónicas e aos
técnicos de redes de telecomunicações. Provavelmente, estamos a esquecer-
nos de alguém e pedimos desculpa por isso. Foi graças a todas essas pessoas
que estas pessoas, do lado de cá e cada qual em sua casa, conseguiram
conceber e finalizar uma revista inteira mantendo um contingente reduzido
ao mínimo no local habitual de trabalho. ESTATUTO EDITORIAL: A GQ é uma revista mensal, independente e livre, direcionada para o público masculino. A GQ aborda temas de interesse transversal, como cultura, moda, desporto e lifestyle, manten-
do uma forte aposta no jornalismo de investigação. A GQ compromete-se a apoiar editorialmente a moda e a cultura portuguesas. A GQ nunca se deixará condicionar por interesses partidários e económicos
ou por qualquer lógica de grupo, assumindo responsabilidade apenas perante os seus leitores. A GQ coloca a liberdade no centro das suas preocupações e acredita que pode desempenhar um papel importan-
te ao nível da sensibilização social, promovendo uma sociedade mais informada e igualitária. A GQ privilegia um design atrativo, revelando um cuidado com a imagem e o grafismo que deverão contribuir para o
6 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 equilíbrio da revista. A GQ dirige-se a um público de todos os meios sociais e de todas as profissões. A GQ estará sempre atenta à inovação, privilegiando as redes sociais e os formatos digitais, e promovendo
a interação com os seus leitores. A GQ assegura o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa fé dos leitores.
C U LT O AGENDA

É PRECISO
MÚSICA • CINEMA • ARTE • EXPOSIÇÕES • LIVROS • PERSONALIDADES SONHAR
Não é tempo de viagens, mas isso não é
razão para não aproveitar o que Portugal
tem para oferecer. No site do Governo dos
Açores pode explorar alguns dos locais
mais emblemáticos do arquipélago. Visite,
por exemplo, o Museu da Graciosa ou o
HAPPY HOUR
Museu do Pico numa experiência 360º. Se Sabemos que a conversa sobre vinhos
já conhece os Açores como a palma da sua costuma vir mais para a frente, mas
mão, o site www.360portugal.com mostra- se só precisa de uma boa desculpa
lhe as mais belas maravilhas de Portugal para abrir uma garrafa, aqui está
com panoramas aéreos e visitas virtuais. ela: todas as quartas-feiras, às 18h,
a Wine Hour at Home está ao vivo
no Instagram. Um convidado por
sessão faz a seleção de vinhos para a
degustação – que pode encomendar
em www.vinha.pt com entrega em
24 horas – e o convívio virtual é
conduzido pelo wine advisor Cláudio
Martins e pelo sommelier Rodolfo
Tristão. Os participantes podem
colocar questões e, claro, juntar-se à
prova – porque um bom vinho sabe
melhor quando é partilhado.

S E N Ã O VA I
AO TEATRO…
O teatro vai a sua casa. O Teatro
Aberto vai apresentar online, no seu
site, o registo de arquivo de alguns
espetáculos. Todas as noites, às 21h e
até ao final de abril, poderá ver Vermelho
(de 2 a 8 de abril), Noite Viva (de 9 a 15 de
abril), O Preço (de 16 a 22 de abril) e Amor
e Informação (de 23 a 29 de abril). Vista-
-se a rigor e vá ao teatro. Desta vez nem
precisa de sair do sofá.

ARTE AO DOMICÍLIO Cena da peça Amor e


Informação com encenação
O Google Arts & Culture juntou-se a 500 museus para oferecer visitas virtuais às mais emblemáticas coleções de João Lourenço.
de arte do mundo. Através de uns cliques pode ver A Noite Estrelada no MoMA, em Nova Iorque, e, sem se ter
de preocupar com bilhetes de avião e escalas, pode espreitar os clássicos do Renascimento italiano na Galeria
degli Uffizi, em Florença. Se estas exposições não lhe chegarem para ocupar o tempo livre, o site do Louvre
também tem algumas das suas exposições disponíveis online. Sem filas de espera.

A Leiteira, de Johannes Vermeer. A pintura pode ser vista na visita virtual ao museu Rijksmuseum (Amesterdão).

8 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 9


PREVIEW CULTO

CICLO

QUARENTENA
CINÉFILA
Em tempos de quarentena, a Medeia Filmes
(que explora o Espaço Nimas, em Lisboa, e
o cine-estúdio do Teatro Campo Alegre, no
Porto), leva o cinema até si. Todas as terças,
quintas e sábados, poderá ver um filme de
forma gratuita, que fica disponível no site
da Medeia a partir das 12h até à “estreia”
do filme seguinte (ou seja, durante dois
dias). Na terceira semana da iniciativa, será
exibida a Trilogia das Cores de Krzysztof
Kieslowski – Azul (31 de março), Branco (2 de
abril) e Vermelho (4 de abril). Depois, é a vez
do cinema francês contemporâneo: Frantz, de
François Ozon (7 de abril); Tempos de Verão,
de Olivier Assayas (9 de abril); e As Canções
de Amor, de Christophe Honoré (11 de abril).
Still do filme Frantz (2016), de François
Ozon, protagonizado por Pierre Niney
(à esquerda) e Paula Beer (à direita).

L I T E R AT U R A

FOTOGRAFIA: ©BENTLEY
Da guerra ao silêncio

A equipa da Bentley, em 1927, na corrida 24 Horas de Le Mans.

RADAR FOTOGRAFIA
LUXO SOBRE
RODAS
CULTURAL The Impossible
Collection of
Bentley. Andrew
“Não só criar um carro bom e rápido, mas
criar o melhor da sua classe” – era este
o mote de Walter Owen Bentley em 1919,
Frankel. Assouline.
Já deixou de saber o que €1.450, em
quando fundou a empresa a que emprestou
fazer com tanto tempo em eu.assouline.com. o apelido em Londres, numa altura em que
ninguém desconfiava do impacto que a sua
casa? Faça da sua sala de visão teria na indústria automóvel. Desde
estar uma sala de cinema então, e porque o lema do criador nunca O OFICIAL E O ESPIÃO A FÁBULA O SILENCIEIRO CORPOS CELESTES
foi esquecido, a Bentley ganhou raízes ROBERT HARRIS WILLIAM FAULKNER ANTONIO DI BENEDETTO JOKHA ALHARTHI
ou navegue pela história no imaginário coletivo como uma grande Editorial Presença D. Quixote Cavalo de Ferro Relógio d’Água
de um dos mais icónicos marca britânica de automóveis de luxo. Para Foi a partir deste thriller histórico Passada nas trincheiras durante Publicado em 1964, este romance Um romance que atravessa a
carros de luxo britânico. celebrar o centenário, a Assouline lançou, que se fez J'accuse, filme de a Primeira Grande Guerra, esta (assinado por um escritor de culto história de Omã (da sociedade
no fim do ano passado, um livro em que Polanski que estreou no início do história alegórica parte de um argentino) acompanha um jovem tradicional e esclavagista até ao
Por Beatriz Silva Pinto.
compila os 100 modelos mais marcantes, ano. Neste livro, Harris narra, na motim num regimento francês. que vive nos subúrbios e que quer presente) através das vidas de três
com críticas e explicações detalhadas sobre primeira pessoa, pela voz de um Hoje é considerado um dos escrever um livro, mas que não irmãs: Mayya, que casa após um
cada automóvel – do primeiro Bentley a oficial de nome Picquart, um dos principais romances de Faulkner. suporta o ruído das máquinas, dos desgosto amoroso; Asma, casada
ganhar em Le Mans (o 1924 3-Litre) até ao mais famosos casos de corrupção Galardoado com o Prémio Pulitzer rádios, dos automóveis. Por isso, por obrigação; e Khawla, que
ostensivo 2018 Continental GT. judicial: o caso de Alfred Dreyfus. e com o National Book Award. busca um lugar inacessível ao som. espera pelo amado que emigrou.

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CULTO PREVIEW A Tour N2 faz-se à
estrada com a missão
de levar A Montra onde
a música ao vivo nem
sempre chega.

MARIA DO MAR
Para que possa preencher os dias
longos de filmes curtos, a Agência
da Curta Metragem tornou livre o
visionamento de alguns dos filmes
do seu catálogo. A curta-metragem
Maria do Mar, realizada por João

D’A MONTRA
Rosas e vencedora da Competição
Nacional do Curtas Vila do Conde
2015, é uma delas. Para ver em
www.vimeo.com/showcase/short-

PARA A ESTRADA
films-for-long-days.
CINEMA EM STREAMING

Estreias (ou quase) para ver no conforto do lar


MÚSICA
João Firmino, Joana Espadinha e os colegas dos Cassete músicos das últimas duas décadas. “É uma
das coisas mais bonitas que eu sinto neste
CARAJANA Pirata fazem-se à estrada em breve, mas antes houve tempo momento da música portuguesa… toda a
ANDRÉ HENRIQUES para falar da música que fazem e que por cá se faz. gente tem muito respeito pelo trabalho uns
Sony Music dos outros e, sem sair de portas, uma pes-
Por Ana Saldanha.
Foi depois de começar a soa pode olhar para o Severo, o Sambado, o
compor para outros intérpretes, Benjamim, o Úria e ver que o mercado está
centrando-se na letra e na recheado de coisas boas. E imagino que da-

S
melodia (ao invés dos riffs e qui a uns anos será mais fácil ver de que
progressões com que se ocupava ão o produto de anos na música, processo tem de ser muito eficiente porque maneira é que nós nos influenciámos uns
em Linda Martini), que André de desdobramentos entre proje- já ninguém tem tempo para estar 6 horas aos outros”, conta Pir.
Henriques começou a pensar tos, de uma vontade de criar que numa sala de ensaios a compor... Somos Os Cassete Pirata estão quase de malas
gravar a solo. De um par de não cessa. Em 2016, João Firmino artistas filhos da crise, por isso não conhe- feitas para a Tour N2, que tem o nome e a
canções que lhe sobraram das (Pir), Maria Campelo, Joana Espadinha, cemos outra realidade que não seja ter dois rota emprestados pela Estrada Nacional
encomendas, nasceu um álbum António Quintino e João Pinheiro lançaram ou três trabalhos e ter de organizar a agen- n.º 2. Quando questionados sobre a rota,
composto em dois meses e o cartão de visita: um EP Cassete Pirata com da de uma maneira muito pragmática”, con- brincam com o mito sobre a estrada ame-
gravado em seis ensaios. Pela quatro músicas. O longa-duração A Montra ta o músico. ricana, querendo fazer da EN2 uma Route
primeira vez em nome próprio. chegou o ano passado e foi a afinação de Mas a sabedoria de uma banda que se 66 à escala lusitana. E Pir explica porquê:
S E RGIO À PO RTA DA C HU VA É C A NTO R I A algumas músicas que não foram para o EP fez com músicos maduros sabe que a ram- “Somos uma banda que gosta muito de es-
Após a invasão do Iraque pelos ETERNI DADE NA A LD E I A D O S e um somatório de canções que nasceram pa de lançamento de um novo projeto é tar na estrada e que se dá muito bem na es-
Estados Unidos, Sérgio Vieira Desprezado pelos pares, mas M O RTO S da estrada. sempre longa: “isto de ser artista é mais trada – faz-nos sentido levar a música aos
de Mello, um diplomata da ONU crente de que pintar é a sua vida, Estreou nas salas de cinema há O conselho veio do produtor Benjamim, uma maratona que um sprint e tem muito sítios que são um bocadinho mais difíceis
que trabalha nas regiões mais Vincent parte de Paris, cidade um ano e agora pode vê-lo (ou conta o frontman Pir: “O facto de termos a ver com consistência e com amor àquilo de marcar. Nos sítios do interior nem sem-
instáveis do mundo, enfrenta cinzenta, rumo a sul (Arles), revê-lo) em casa. João Salaviza começado por um EP ajudou-nos a abrir o que fazemos... É um caminho longo, mas pre é fácil, porque não têm um bar ou os
a missão mais perigosa da sua onde o sol dita as paisagens. Uma e Renée Nader Messora viajam caminho para depois e quando o disco de preferimos esse caminho mais lento mas equipamentos para nos receber, ou não há
carreira, em Bagdade. Um filme viagem pelos últimos meses de entre o documentário e a ficção longa duração chegou já não caiu em saco mais consistente”, explica Joana. pessoas lá... Então fizemos o esforço para
biográfico protagonizado por vida (e pela derradeira espiral para contar a história de Ihjãc roto.” A gravação do disco fez-se com dis- Os dois músicos conheceram-se quando tentar inverter essa tendência. E estamos
Wagner Moura e realizado por de loucura) de Van Gogh – pelo e refletir sobre a realidade dos ciplina e contando com o processo criativo estudavam, hoje são professores e, para a tentar marcar mais datas e esperamos
Greg Barker. Estreia a 17 realizador Julian Schnabel. indígenas krahô do Norte do Brasil. de João Firmino, que escreve as canções, além do ofício, também estudam de perto o conseguir fazer o maior número possível
de abril, na Netflix. Já disponível no Filmin. Estreia a 10 de abril, no Filmin. monta os arranjos e adianta trabalho. “O que está a acontecer com a música e com os de pontinhos da N2.” l

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MÚSICA CULTO

D
izemo-lo sem hesitações: é a músicas de ouvido. Filmou-se a si mesmo
next big thing brasileira. Aliás, a tocar e a cantar, publicou o resultado no
talvez Vitão já não seja propria- YouTube – é que Vitão tinha uma estraté-
mente next, ele é uma big thing. gia. “Eu queria ir juntando material para
Se não, vejamos: cada vídeo que publica que, quando lançasse as músicas autorais,
no YouTube atinge os 30, os 40, às vezes os eu já tivesse uma fanbase, nem que fossem
50 milhões – com sublinhado em “milhões” A pesar de fazer parte de uma nova era, 100 pessoas ali para ouvir.” Nessa época
– de visualizações; em outubro atuou no Vitão não nega as suas influências na tra- dos vídeos no YouTube, começou a tocar
Rock in Rio ao lado de Projota diante de de- dição brasileira. “Hoje em dia, aquilo que em bares e deu aulas de música.
zenas de milhares de pessoas; e, last but not me influencia é até mais nacional do que já Os vídeos online ajudaram-no a chegar
at all least, gravou um teledisco com Anitta. foi”, diz. “De há uns anos para cá, tenho es- às pessoas de editoras e de agências, aos
O músico paulista de apenas 20 anos pas- cutado muita MPB, muito samba, muito pa- empresários que tem hoje. Em 2018, come-
sou por Lisboa numa operação de charme gode.” Quando era mais novo, ouvia outras çou a gravar em estúdio. Ao início, gravava
para antecipar os concertos que dará em coisas. “Escutava muito blues, sempre es- apenas singles, “numa estratégia de ir lan-
Portugal no próximo verão e nós aproveitá- cutei muita música negra americana, muito çando um por mês”, depois lançou um EP. O
mos para conversar um pouco com ele. soul, muito R‘n’B, sou o maior fã do mundo primeiro álbum de longa de duração só foi
Pedimos-lhe que se apresentasse aos de Michael Jackson, sou muito fã de Mar- lançado recentemente, no início deste ano,
leitores da GQ. “Acho que me apresentaria vin Gaye, de James Brown.” O músico tem e chama-se Ouro. Neste disco, Vitão conta
como artista de música popular brasileira vestida uma T-shirt dos Guns ‘n’ Roses, de com a colaboração de vários músicos, “to-
[MPB]”, começa por dizer, como quem ain- quem também assume gostar. “Quando era dos escolhidos a dedo, pessoas próximas,
da está a desbravar e vai acrescentar algo. mais novo ainda, eu era muito fã de rock”, pessoas que ajudaram muito”.
“Quando alguém fala MPB, as pessoas têm admite e depois confessa que Slash, o gui-
ainda uma ideia um pouco conservado- tarrista dos Guns, é um dos seus ídolos.
ra. Pensam no Caetano Veloso e no Chico “Até o meu cabelo lembra ele.” [Risos.] ANITTA
Buarque e somente isso.” Calma, Vitão ex- A lista de colaborações é longa e inclui, por
plica onde quer chegar. “Eles com certeza exemplo, o português Diogo Piçarra, mas
são MPB, a música deles com certeza é a DO AUTORRÁDIO há um nome que sobressai: o de Anitta. A
raiz da MPB, mas a MPB existe até hoje. AO MAINSTREAM megaestrela brasileira coprotagoniza o vi-
Na minha conceção, a MPB é simplesmente Vitão fala sobre os tempos em que ouvia deoclipe de Complicado com Vitão. Há um
uma música comunicativa e que conversa muito hard rock – AC/DC, Aerosmith, por antes e um depois de Anitta? “Há”, diz o
com as pessoas.” aí fora. Ouvia e tocava, a guitarra elétrica cantor sem hesitações. “Ela me ajudou mui-
A explicação de Vitão tem uma razão de era um elemento presente em ambas as to e, de repente, eu estava em todo o lado.”
ser. Aquilo que ele canta e que ele toca está vertentes. O músico revela que começou a O crescimento no Brasil foi tão óbvio quan-
bastante distante dos grandes clássicos da tocar guitarra muito cedo. “Tinha um vio- to imediato, mas não se ficou por aí. Vitão
MPB. Aceitando que podemos incluir as lão lá em casa e comecei por aí.” Mas não chegou a outros mercados na América do
criações do jovem músico nesse enorme começou de uma maneira habitual. “Quan- Sul e até nos Estados Unidos. O resto do
saco que é a música popular brasileira – até do a minha mãe me levava para a escola no mundo será uma questão de (pouco) tempo.
porque é música, é popular e é brasileira –, carro, ela costumava escutar Beethoven.” Nas gravações do vídeo, Vitão e Anitta
há que perceber que Vitão faz parte de uma Vitão conta que adorava a melodia da 9.ª protagonizaram cenas quentes com beijos
vaga de músicos distantes dessa sua raiz Sinfonia e que aquilo lhe foi ficando na ca- que muito deram que falar – a relação do
que misturava cantares tradicionais e rit- beça. Chegava a casa e tentava descobrir músico com a sua namorada da altura foi

AÍ E
ESTÁ
STÁ V I TÃO
mos antigos, que bebia da bossa nova e que como é que se tocava a música. Tirou-a de abalada e há quem diga que chegou ao fim
se inspirava no samba. Vitão é da era do bai- ouvido, tinha 8 anos. Quando o pai perce- por causa desta aproximação a Anitta, em-
le funk, do R‘n’B da favela, do hip-hop fundi- beu – “quem te ensinou isso?”, “ué, nin- bora Vitão e Thaylise Pivato, assim se cha-
do e diluído por tudo quanto é tendência dos guém” – o que o seu prodígio tinha feito, ma a ex-companheira, neguem essa versão.
anos 10 do século XXI. “Eu tenho-me apre- declarou o inevitável: tinha de aprender A pergunta que se impõe: Anitta beija bem?
sentado como MPB, por mais que eu cante violão, foi ter aulas de música. Vitão ri-se, “já me fizeram essa pergunta
um género pop englobado com um monte de O violão levou à guitarra elétrica e esta várias vezes”, e depois esclarece, sem sur-
coisa, com rap, com samba e com pagode, cresceu sozinha até aos blues e ao rock presas: “Beija muito bem.” “Ela também
com bossa nova, com soul e com blues.” de que se falou atrás. Entretanto, estudou treina muito, né?” Diz isto e ri-se de novo.
composição, harmonia e, de novo, violão, Sem-vergonha. l
O músico paulista de 20 anos está a fazer furor no Brasil e não só. A sua notoriedade numa vertente mais voltada para a música
tem crescido em flecha e o fenómeno em seu redor já não deixa margem para dúvidas. brasileira, “com acordes mais brasileiros e
harmonia brasileira”. A evolução enquanto
Vitão veio a Lisboa e apresentou-se à GQ. músico permitiu-lhe continuar a fazer aqui-
Por Diego Armés. Fotografia de Estelle Valente. lo que fez logo no primeiro momento: tirar

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ESCOLHAS CULTO

MAX VON SYDOW


O homem que desafiou a morte para um jogo de xadrez num filme de Ingmar Bergman acabou
por perder a partida em março de 2020, a um mês de completar 91 anos. Ao longo de uma
carreira de sete décadas, participou em mais de 150 filmes. Recordamos alguns dos papéis
emblemáticos que fizeram do ator sueco uma verdadeira instituição do métier.
Por Diego Armés.
EXTREMA-
MENTE ALTO,
INCRIVEL-
MENTE PERTO
EX T R EMELY LOU D &
I N CR EDI BLY CLOSE, 2 0 1 1
O filme que valeu a Von
Sydow a segunda nomeação
da Academia de Hollywood, A MAIOR
desta vez para o Óscar de
Melhor Ator Secundário, HISTÓRIA
PELLE, O conta a história de Oskar, DE TODOS
CONQUISTAD OR um menino-prodígio muito
inteligente que está a sentir
OS TEMPOS
PELLE EROBR ER EN , 1 9 8 7 graves dificuldades em lidar T H E G R EAT EST STO RY
Este foi o filme que deu a Max com a perda prematura do EV ER TOLD, 1 9 6 5
Von Sydow a primeira de pai. O pai de Oskar, Thomas, Que ator da cultura ocidental
duas nomeações – e única na interpretado por Tom Hanks, cristã não gostaria de um O SÉTIMO
categoria de Ator Principal –
da Academia de Hollywood
morre nos atentados do 11
de Setembro. Oskar e o pai
dia interpretar o papel de
Jesus Cristo? Max Von
SELO
para um Óscar. O filme, uma tinham um jogo que era uma Sydow fê-lo da maneira D E T S J U ND E
adaptação ao cinema do livro espécie de caça ao tesouro. mais completa de sempre I NS EG L E T , 1 9 5 7
homónimo de Martin Andersen Um dia, o miúdo encontra uma neste filme épico de George O ator sueco é, nesta obra
Nexø, conquistou, entre outras chave e acredita que esta faz Stevens, que acompanha integralmente de Ingmar
distinções de relevo, o Óscar parte de uma última charada a vida de Jesus de Nazaré Bergman – realizou e escreveu
de Melhor Filme Estrangeiro deixada pelo pai antes de desde o seu nascimento – na o argumento a partir de uma
e integra a lista do New York morrer. Embarca então numa verdade, desde antes do seu peça de teatro que ele próprio
Times dos 100 melhores aventura pela cidade de Nova nascimento, num tempo em escreveu –, um cavaleiro
filmes de todos os tempos. Iorque na companhia de um que os Reis Magos procuravam medieval que é uma espécie de
O filme conta a história velho mudo, interpretado o profeta anunciado para reinvenção de Dom Quixote
do pequeno Pelle e do pai por Max Von Sydow. O filme, o adorar e o Rei Herodes de La Mancha. O cavaleiro
Lassefar (Sydow), dois suecos realizado por Stephen Daldry procurava o mesmo bebé, regressa à sua terra vindo de
que, no fim do século XIX, (Billy Elliot, As Horas), mas para o assassinar – até uma cruzada para encontrar
decidem emigrar para a ilha foi nomeado também para à Ascensão aos céus. São a devastação causada pela
dinamarquesa de Bornholm em o Óscar de Melhor Filme. 4 horas e 20 minutos de peste. As questões levantadas
O EXORCISTA THE E XORCIST, 197 3 busca de melhores condições
de vida. No entanto, encontram
filme de um tempo em que
o cinema se apresentava
pelo filme não podiam ser mais
atuais: uma reflexão sobre a
Uma história como a de O Exorcista tinha de ter os seus próprios mitos e lendas. Uma destas diz que o realizador inglês
John Boorman esteve para dirigir o projeto, mas que acabou por desistir por considerar a história “demasiado cruel” – e, por isso, sobretudo maus-tratos opulento e operático, cheio de humanidade e a morte. A morte
William Friedkin cumpriu a tarefa. Quanto à história, é mesmo cruel. Uma criança, Regan (Linda Blair com 13 anos), é possuída pelo e abusos, mas continuam cenários, de personagens e marca, aliás, presença em todo
demónio. Max Von Sydow encarna o Padre Merrin, um dos dois sacerdotes responsáveis pelo exorcismo que dá nome ao filme. a sua busca. de figurantes. A obra dividiu o filme ganhando forma como
Nem tudo corre bem, principalmente para os padres. O filme, que é hoje um clássico – talvez o mais significativo na longa carreira opiniões. No centro de tudo, personagem. E é com ela que
de Sydow –, vai muito além do terror, como poderá ler adiante na crónica de Bruno Vieira Amaral. Von Sydow na pele divina a personagem de Max Von
do Nazareno. Sydow joga uma partida de
xadrez, evocando a pintura,
também ela da Idade Média, do
pintor sueco Albertus Pictor.

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PERFUME CULTO

FAKE IT
Um perfume foi a razão perfeita para uma conversa

transatlântica com o ator Pedro Pascal, o agente Peña na série Narcos.

‘TIL YOU
Por Ana Saldanha. Fotografia de Gonzalo Machado.

MAKE IT
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A
CULTO PERFUME

meus dias… Por isso acho que o contraste Até se torna difícil acompanhar todos os
é a ideia mais realista que se poderia usar projetos diferentes que estão a sair e as
numa campanha. plataformas diferentes em que saem. Acho
que estamos num momento com um mer-
E qual é a tua parte favorita desse con- fazer o que ainda ninguém tinha visto. E cado muito abundante para pessoas que
traste no perfume? acho que foi isso que aconteceu, especial- querem contar histórias.
Eu adoro que seja um aroma muito impre- mente graças aos locais fantásticos em
visível. Não dá para identificar se é parti- que estivemos a gravar. Foi incrível viver E achas que o facto de serviços de strea-
cularmente doce ou particularmente mas- na Colômbia durante aqueles três anos de ming como a Netflix estarem a produzir
culino. É uma fragrância aberta a todas as gravações. conteúdos em língua não inglesa está a
A fórmula do sonho americano de Holly- interpretações. abrir portas para os atores?
wood parece simples: o jovem sonha e o Porque é que as pessoas gostam tanto de Sem dúvida. E acho que é incrível. Estão
papel que é a chave para a fama nasce. É habitual associarmos os homens das programas sobre barões da droga e, espe- constantemente a recomendar-me produ-
Mas nem sempre a história é esta linha campanhas de perfume a charme e clas- cialmente, sobre Pablo Escobar? ções originais do México, de Espanha, de
reta. Para Pedro Pascal houve uma vida se. Qual é o beauty secret de um homem Eu não acho que seja sobre droga… Acho Itália, de Israel… E todos na sua língua ma-
antes e depois de Game of Thrones. O ator, Loewe? que as pessoas se sentem fascinadas pelo terna. Acho que é uma coisa incrível que
que já tinha feito pequenos papéis em tele- Bem… Eu tenho sorte e não tenho muitos poder e pela guerra, que são coisas que antes simplesmente não tinha espaço para
visão e que se dedicava ao teatro em Nova segredos [risos]. Acho que o único ver- encontramos em todas as facetas da so- existir.
Iorque, conseguiu, aos 37 anos, o papel que dadeiro esforço que posso fazer é cheirar ciedade, de organizações criminosas a
lhe abriria as portas que achava que já es- bem. O resto ou é por acidente ou por en- políticas… E acho que a série [Narcos] foi E os EUA ainda têm um caminho longo a
tavam trancadas. gano. um grande reflexo das lutas de poder no percorrer até aceitarem conteúdos em
Depois de ser o príncipe Oberyn Martell, mundo. língua não inglesa?
em 2013, surge o papel que cristaliza a che- Muita gente te conhece por causa da série Eu acho que… Sim. Sim, temos um longo
gada à meta após uma maratona de audi- Narcos. Como foi fazer parte de um proje- Também fizeste parte de Game of Thro- caminho a percorrer em termos de alargar
ções e castings que nem sempre tinham fi- to que teve tanto sucesso? nes e, mais recentemente, da série The horizontes no entretenimento, para a lín-
nais felizes: Javier Peña, o agente da DEA Foi muito especial fazer parte de uma ex- Mandalorian. Como foi fazer parte de gua, para a representatividade inclusiva,
(Drug Enforcement Administration) envia- periência televisiva que definiu a fasquia projetos com uma grande base de fãs? para haver mais mulheres realizadoras e
do pelo FBI para capturar Pablo Escobar, para o que é possível fazer em storytelling Sentiste a pressão? argumentistas… Acho que estão a acon-
na série Narcos. televisivo. Eu lembro-me de ver o Tropa de Não, de todo. Como ator, sinto que sou ape- tecer muitos dos debates certos e, a lon-
Foram três anos de uma série em bom Elite antes de filmarmos o primeiro episó- nas o veículo para a visão de alguém e, es- go prazo, espero que a consciencialização
que retratou o mau e o vilão e Pascal não dio de Narcos e pensar que se conseguísse- pecialmente nos três programas que men- crie resultados.
parou mais. O ator chileno foi um mercená- mos alcançar a experiência visual daquele cionaste, havia um grupo de realizadores,
rio em The Great Wall, um agente secreto filme e transformá-lo numa série, iríamos argumentistas e criativos visionários atrás E depois de personagens tão memorá-
em Kingsman: The Golden Circle, o bad guy das câmaras. Se havia alguma pressão, veis, qual é o papel de sonho?
em The Equalizer 2 e, mais recentemente, eles acabaram por proteger-me dela. Não sei… Nem sei se tenho um papel de
o protagonista da série The Mandalorian, sonho… Acho que é mais uma experiência
a primeira série spin off do franchise Star Mas apesar de teres feito parte de pro- de sonho: divertir-me imenso num projeto
Wars em parceria com a Disney+. jetos tão bem-sucedidos, o teu caminho com amigos.
Mas não só de polícias e antagonistas “ TU AUMENTAS para o sucesso foi longo, certo? Fala-me
se fez Pascal. Em 2017 o ator foi convidado SEMPRE AS disso… E realizar ou escrever está nos planos?
para ser embaixador da campanha de Solo Eu queria ter sido bem-sucedido muito Secretamente eu gosto muito de escrever
da Loewe e, este ano, é o rosto de Mercurio, CHANCES SE mais cedo e partiu-me o coração quando e é algo que faço desde criança. Mas sou
a nova fragrância da marca de luxo espa- isso não aconteceu… Mas depois tornei-me mais recatado quanto à escrita porque é
nhola. FIZERES MAIS E pragmático e continuei a ser muito grato E achas que isso pode ser um exemplo um trabalho muito mais exposto e vulne-
DURANTE MAIS por todo o caminho que estava a fazer e
PARA LOEWE COM TOTAL LOOK DE LOEWE.
para que jovens atores que estão a ter rável e nem sei se sou bom a fazê-lo, pre-
Como foi voltar a ser um homem Loewe por qualquer dinheiro que ganhasse em dificuldades continuem à espera do seu cisamente porque é difícil partilhá-lo. Mas
com esta nova fragrância? TEMPO. ACABA qualquer trabalho que conseguia. Chegou Game of Thrones? talvez um dia... l
Bem… é muito especial representar uma a um ponto em que, mesmo sem estar a Exatamente. Eu acho que a única razão
marca com tanta qualidade. Toda a gente
POR SER UMA ganhar muito, estava rodeado de amigos pela qual isso me aconteceu foi porque eu
que eu conheço adora a Loewe e é muito FÓRMULA MUITO atores, guionistas e pessoas do teatro e continuei a tentar. Tu aumentas sempre
gratificante representar uma marca com era feliz. E foi aí que parei de tentar criar as chances se fizeres mais e durante mais
tanto bom gosto. SIMPLES E a ideia do que eu achava que era o suces- tempo. Acaba por ser uma fórmula muito
so... e foi precisamente quando eu menos simples e concreta para uma vida muito
E esta nova fragrância, Mercurio, é feita
C O N C R E TA PA R A estava à espera que apareceu o papel de
MERCURIO
abstrata. Cá está o contraste [risos].
Na mitologia romana é o mensageiro dos
de contrastes… Como é que te identificas UMA VIDA MUITO Game of Thrones… E a partir daí a minha deuses. Mas, para a Loewe, Mercurio é
com esses contrastes? vida mudou drasticamente. sinónimo de dualidade. As notas de lavanda E está mais difícil agora do que estava an-
Eu acho que o mundo inteiro é um contras- ABSTRATA . e de folhas de figueira contrastam com a tes?
frescura da flor-de-laranjeira e da tangerina
te, a realidade é um contraste de ideias e
de sentimentos. E eu estou sempre a iden-
CÁ ESTÁ O e o picante do cardamomo, alcaçuz, tabaco
Não sei se está mais difícil. Sei que há mais
oportunidades. Não me lembro de alguma
e mel opõem-se ao âmbar e ao almíscar.
tificar os contrastes que fazem parte dos CONTRASTE” Loewe Solo Mercurio 100 ml PVP €126 vez haver tantos programas de televisão…

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ENIGMA CULTO

cação mundial como a BBC já escreveram


ou elaboraram as suas teorias sobre The
Buzzer. Mas afinal o que emite esta rádio
e porque é que desperta tanta curiosidade
nas pessoas? Até ao início da década de
90 a emissão foi sempre com som de bipes.
Depois disso e até aos dias de hoje passou
a apenas emitir um som monótono que faz A BASE
lembrar uma sirene de um barco, emite en- ABANDONADA
tre 20 a 34 buzinas por minuto. O que sig- Quando a base foi abandonada pelas auto-
nifica esse som? Ninguém sabe... mas ele já ridades russas, a cidade também ficou ao
UVB-76, este é o nome levou a milhares de teorias da conspiração. abandono. Hoje apenas um pequeno grupo
Cientistas, grupos de estudo, especialistas de pessoas, todas elas antigos militares ou
de uma rádio fantasma em códigos, jornalistas, matemáticos, en- familiares, vive nos antigos e muito degra-
de ondas curtas ( frequência tidades públicas e privadas, pessoas por dados edifícios habitacionais soviéticos.
todo o mundo já tentaram perceber ou des- Em 2011 um grupo de urban explorers deci-
4625 kHz) que há pelo codificar aquele sinal. Nunca ninguém con- diu tentar chegar e explorar a antiga base
menos três décadas seguiu chegar a uma conclusão ou certeza, na esperança de descobrir a antena. Esta
mas todos têm a sua teoria da conspiração. base foi considerada durante muitos anos
intriga quem a ouve. Independentemente da data certa do iní- como secreta e de alta segurança. São pou-
Comecemos a história pelo cio das emissões, elas começaram ainda cas as pessoas que ainda hoje têm coragem
durante o período soviético. As emissões de se chegar perto dela. Já em Povarovo o
início – um início acerca da UVB-76 sobreviveram sem interrupções grupo de urban explorers viu umas pessoas
do qual não existe consenso. à Guerra Fria, ao fim da União Soviética, às e decidiu perguntar se podiam ajudar a
guerras da Chechénia e do Afeganistão, e a chegar à base. As pessoas deram indica-
Há quem jure a pés juntos que a rádio co- todos os outros grandes eventos que mar- ções, mas disseram que não iam lá. Uma
meçou as suas emissões em 1982 e há quem caram a Rússia nas últimas décadas. Mas senhora chegou mesmo a dizer ao grupo
garanta que as emissões tiveram início na afinal de onde é transmitido o sinal desta onde ficava a antena, mas que ninguém
década de 70. Qual das duas fações tem ra- misteriosa rádio? Essa é uma pergunta a dos locais ousava passar as cercas que
zão, ninguém sabe. Aliás, assimilemos o se- que muitas pessoas já tentaram responder. rodeiam a base. Quando o grupo chegou à
guinte: este é um daqueles temas em que, à Foram muitos os seguidores da UBV-76 que base, deparou-se com um enorme complexo
Há várias décadas que um som enigmático é emitido em ondas curtas. São medida que vamos sabendo mais, com mais tentaram triangular o sinal de forma a che- rodeado de cercas enferrujadas, cheio de
muitos aqueles que, por todo o mundo, se deixam seduzir pelo doce sibilar de dúvidas vamos ficando. gar à origem. Mas até aqui as certezas são placas a dizer “apenas permitida entrada
um sinal de rádio vindo da Rússia que ainda ninguém conseguiu desmistificar. O melhor talvez seja começar com as poucas e os mistérios muitos. Uma das pri- de militares” e totalmente ao abandono. Na
certezas que existem sobre esta rádio, e meiras antenas de transmissão ficava loca- base não havia ninguém, as portas estavam
Por José Machado. essa é apenas uma (ou uma e meia). Ela é lizada numa antiga base militar em Povaro- abertas e o grupo iniciou então a sua jor-
de origem russa, este é ponto assente acei- vo, a cerca de 30 km de Moscovo. Povarovo nada.
te por todos. Outro facto que é aceite por era, desde os tempos da União Soviética, A cerca de 500 metros da entrada da
quase todos como sendo real é que ela tem uma pequena cidade militar onde viviam base, atrás de inúmeros edifícios abando-
alguma ligação ou uso militar. A partir de apenas militares e os seus familiares. nados e de uma floresta de pinheiros, esta-
aqui, tudo são teorias e suposições e ne- va então a tão desejada antena. Com cerca
nhuma certeza. de 45 metros de altura, foi a primeira a ser
usava para transmitir o sinal da UVB-76
durante décadas. O grupo encontrou na
base um registo com o log das emissões
as.
itido em ondas curt
da UVB que confirmavam a transmissão
en ig m át ic o é em na frequência 4625 kHz. Isto foi aceite pela
que um som
Há várias décadas duzir pelo doce sibi
lar THE BUZZER maior parte das pessoas como sendo ver-
un do , se de ix am se A rádio começou há algumas décadas a dadeiro, tendo em conta que já eram muitas
s que, por todo o m nseg uiu desmistificar
.
São muitos aquele co ganhar popularidade na Internet. Rapida- e antigas as suspeitas sobre aquela base
e ai nd a ni ng ué m
vindo da Rússia qu mente se tornou viral e ganhou o apelido ser usada pela UVB-76.
de um sinal de rádio é Machado.
pelo qual é até aos dias de hoje conhecida,
Por Jos The Buzzer. Esta rádio desperta a curiosi-
dade de milhares de pessoas um pouco por
todo o mundo. Existem milhares de pági- ATÉ AOS DIAS DE HOJE ESTEVE
nas web, blogues e fóruns online apenas
dedicados a The Buzzer. A UVB-76 já foi APENAS A EMITIR UM SOM
conteúdo de artigos publicados por esse MONÓTONO QUE FAZ LEMBRAR
mundo fora, grandes colossos da comuni-
UMA SIRENE DE UM BARCO
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CULTO ENIGMA

MENSAGENS Dia 5 do mesmo mês, uma voz feminina em


POR DECIFRAR russo transmitiu uma mensagem quase
Para adensar ainda mais o mistério e as inaudível; uma hora mais tarde, a mesma
teorias da conspiração à volta da The Buz- voz faz uma contagem de 1 a 9 em russo.
zer, ao longo dos últimos anos tem havido Dois dias depois, na madrugada de 7 de se-
umas raríssimas transmissões em que os tembro, uma mensagem histórica foi trans-
bipes pararam e se ouviu uma voz. Na vés- mitida. Uma voz masculina em russo diz, QUESTÕES
pera de Natal de 1997, às 21h, os bipes para- a seguinte mensagem: “UVB-76, UVB-76. “Mikhail Dmitri Zhenya Boris. Mikhail Dmi- E HIPÓTESES
ram, seguiu-se uma voz masculina que em 62 691 IZAFET 36 93 82 70.” Na manhã de 21 tri Zhenya Boris. 04 979 D-R-E-N-D-O-U-T. Mas afinal para que serve esta rádio e qual
russo transmitiu a seguinte mensagem “Ya de fevereiro de 2006, os bipes pararam pela T-R-E-N-E-R-S-K-I-Y.” Esta mensagem foi o significado das buzinas ou apitos da emis-
UVB-76, Ya UVB-76. 180 08 BROMAL 74 27 terceira vez e ouviu-se a mensagem “UVB- decifrada em pouco tempo e basicamente são? Essas são as duas grandes perguntas
IMPOSSÍVEL 99 14. Boris, Roman, Olga, Mikhail, Anna, 76, UVB-76. 75-59-75-59. 39-52-53-58. 5-5-2-5. era a comunicar que agora a estação passa às quais ninguém sabe responder. A teoria
TRIANGULAR Larisa. 7 4 2 7 9 9 1 4”. O que significa esta Konstantin-1-9-0-9-0-8-9-8-Tatiana-Oksa- a chama-se “MDZhB”. Nos dias seguinte, e defendida por mais pessoas é a de que a
Anos mais tarde, com o fim da base de Po- mensagem? Ninguém sabe. Mas alguma na-Anna-Elena-Pavel-Schuka. Konstantin até ao fim do mês de setembro, mais de 50 UBV-76 e os seus bipes servem para pas-
varovo, os aficionados da UVB-76 voltaram coisa levou a que, passado mais de duas 8-4. 9-7-5-5-9-Tatiana. Anna Larisa Uliya- CURIOSIDADES mensagens foram transmitidas e em todas sar mensagens em código para agentes se-
a tentar seguir a fonte de transmissão e, décadas de apenas bipes, a emissão fosse na-9-4-1-4-3-4-8.” Sempre que é transmitida elas o habitual UVB-76 do início de todas cretos e forças militares russas. Rimantas
dessa vez, conseguiram triangular o sinal interrompida para transmitir esta mensa- uma destas mensagens, são muito os ouvin- Um dos grandes responsáveis pela as mensagens foi alterado para “Mikhail Pleikys antigo ministro lituano das comuni-
a uma antiga antena numa floresta perto gem. Engana-se quem pensa que a trans- tes que tentam descodificar-lhe o significa- fama que a UVB-76 alcançou foi Dmitri Zhenya Boris”. O que confirmou o cações, garante que a rádio é usada pelas
de São Petersburgo. Mas nunca ninguém missão de bipes da UVB-76 é uma grava- do. Mas nunca ninguém conseguiu chegar a o empreendedor estónio Andrus que os seguidores já sabiam, que a UVB-76, forças russas para garantir que os militares
conseguiu ter a certeza se esta antena era ção em constante repetição. Ao longo dos qualquer conclusão. Aaslaid. Foi ele o primeiro a meter mais de três décadas da sua criação, tinha nos postos de controlo de mísseis estão em
a que se usava ou se chegou alguma vez anos já ficou provado pela comunidade de Até 2010 os bipes nunca mais foram inter- a emissão da UBV-76 na Internet. mudado de nome. alerta constante. O jornal russo Ciências da
chegou a ser usada para transmitir o sinal seguidores desta estação que a emissão é rompidos, mas 2010 viria a ser o ano mais Esse ato ajudou a estação tornar-se Terra afirma, por sua vez, que a UBV-76 é
da UVB-76. feita ao vivo. Uma máquina (ou algo pare- misterioso e marcante na história da UVB- objeto de culto. apenas usada para o estudo e medição da
Um antigo responsável europeu, também cido) faz o som dos bipes para um microfo- 76. A 5 de junho de 2010, The Buzzer ficou ionosfera. Outros dizem que não tem qual-
ele adepto da The Buzzer, e que na comu- ne aberto, que transmite ao vivo 24 horas pela primeira vez na sua história em silên- quer propósito e que serve apenas para
nidade online é mais conhecido pelas ini- por dia. A prova definitiva que comprovou cio – um silêncio que durou 24 horas. Foram manter aquela frequência ocupada.
ciais “jm”, afirma que desde 2010 as trans- essa teoria, foi quando, a 3 de Novembro muitos os fãs que pensaram que tinha sido Hoje em dia existem pelo menos
mais três estações de rádio muito
MAIS ENIGMAS Um artigo publicado pela BBC fala da
missões da UVB-76 são feitas a partir da de 2001, alguém acidentalmente terá vira- o fim da UVB-76, mas na manhã de dia 6 os O que se pensa ter sido de forma aciden- possibilidade (a segunda mais defendida
cidade russa de Pskov, que fica a 70 km da do o sentido do microfone (ou se esqueci- bipes voltaram. Não levou muito tempo para parecidas (emissões de bipes ou tal transmitido a 11 de novembro de 2010 foi na Internet) de a rádio ser um gatilho nu-
fronteira com a Estónia. Mas também aqui do que estava na sala de transmissão) e, a comunidade online descobrir o que se ti- ruídos) com a UVB-76. Duas são também algo bastante caricato. Uma cha- clear em caso de ataque à Rússia. Segundo
as dúvidas persistem. Existem aqueles além dos bipes, foi audível uma conversa nha passado. As forças russas estavam em também russas e uma é norte- mada telefónica de quase 30 minutos de du- esta teoria, se a Rússia fosse atacada por
que acreditam nesta hipótese e outros que ao longe. A frase audível da conversa foi reorganização e a base de onde era emiti- -coreana. Acredita-se que a norte- ração foi transmitida pela agora renomea- armas nucleares e o sinal da UVB-76 dei-
defendem que as transmissões são feitas dita por uma voz masculina, que em rus- do o sinal tinha sido encerrada. No dia 6 de -coreana seja de uso militar. Sobre da MDZhB. Na longa chamada (parte dela xasse de ser emitido, automaticamente era
a partir da Crimeia (território Ucraniano so disse “Eu sou 143. Não estou a receber junho, as emissões já vinham de uma torre as outras duas, acredita-se que feita em código) deu para entender várias acionado um contra-ataque nuclear russo.
ocupado pela Rússia desde 2014). Outros o gerador... Essa porcaria vem da sala de noutra parte do país. apenas queiram surfar a onda de das coisas ditas. Nela foram mencionadas David Stupples, especialista em sinais in-

D
ainda creem que as transmissões são feitas equipamentos.” Também neste caso a co- atenção e fama criada pela UVB-76. várias localidades da Rússia e da Crimeia, teligentes da City University, em Londres,
a partir de Naro-Fominsk, perto de Mosco- munidade não sabe o significado da frase, ois mil e dez foi de facto um ano referidas várias unidades militares russas. garante que o sinal não tem qualquer sig-
vo, desde 2015. mas é aceite por todos que foi um erro de al- bastante anormal e, poucos dias Foi também dito coisas como “O oficial nificado, é apenas ruído. Existem também
Atualmente, uma das teorias mais credí- guém que falou onde não devia. A segunda depois, a 10 de junho, os bipes O governo russo chegou, no operacional da brigada de plantão” segui- aqueles que defendem que The Buzzer
veis é que a transmissão é feita por várias vez que os bipes foram interrompidos foi a 9 pararam e foi transmitida uma passado e de forma oficial, a negar do de algo em código. Também foi dito pela serve apenas como ferramenta para os téc-
torres espalhadas pela Rússia de forma a de Dezembro de 2002, quando se ouviu uma mensagem em código morse durante quase qualquer ligação à UVB-76. voz feminina, em russo, “oficial de serviço nicos de áudio das forças russas usarem
ser mais difícil, ou mesmo impossível, trian- voz – mais uma vez em russo – transmitir 5 minutos. A 23 de Agosto, os bipes param no comando do nó de comunicação debut, para calibragem de equipamento.

O
gular o sinal. novamente, e a seguinte mensagem em rus- código Uspenskaya, recebi a ligação de
Uma coisa é certa: sempre que aconteceu so é transmitida: “UVB-76, UVB-76. 93 882 Quando são emitidas mensagens controlo de Nadezhda, ok?” Foram vários bviamente não nos podemos
uma mudança da torre e local de transmis- NAIMINA 74 14 35 74. 9 3 8 8 2 Nikolai, Anna, em russo, e se fizermos uma os ouvintes que estavam a gravar a emis- esquecer de mencionar aquela
são, ao mesmo tempo aconteceram reor- Ivan, Mikhail, Ivan, Nikolai, Anna. 7 4 1 4 3 5 estatística das palavras mais usadas, são da The Buzzer naquele momento e a fação que defende que a UVB-
ganizações de bases militares na Rússia. 7 4.” Um par de dias depois, a 25 de agosto, o resultado são duas palavras gravação da chamada telefónica foi posta 76 é usada pelos russos para
Será uma coincidência? São poucos os que a transmissão foi interrompida e durante russas que significam “bote” e na Internet. Em 2015, 2019 e já no início de comunicarem com extraterrestres – curio-
acreditam... Nota: Se quiser ver vídeos da breves momentos reinou o silêncio, mas do “especialista em agricultura”. 2020, os bipes voltaram a parar inúmeras samente são muitos os que acreditam nesta
base abandonada onde estava a primeira nada ouviu-se sons que lembravam alguém vezes para serem transmitidas mensagens possibilidade. Uma das últimas teorias diz
antena, faça um pesquisa no YouTube, o a bater à porta. De seguida ouviu-se sons es- – sempre em russo. que UVB-76 está ligada de alguma forma à
grupo de urban explorers fez alguns vídeos tranhos, como se alguém estivesse à luta ou rádio estatal russa Voz da Rússia. Enfim
da exploração do local. em movimentos estranhos dentro da sala de Já foram feitas algumas existem teorias para todos os gostos, de-
transmissão. A primeira semana de setem- angariações de fundos em sites masiadas para caberem numa só edição da
bro de 2010 também foi dada a acontecimen- como o Kickstarter para financiar GQ. Dificilmente se saberá o que está por
tos anormais. Logo no dia 1 a transmissão documentários sobre a UVB-76; trás desta rádio e qual o significado daque-
UM GRUPO DE URBAN EXPLORERS DECIDIU foi interrompida e, durante 40 segundos, foi conseguiram sempre todas atingir les estranhos barulhos. Até que isso acon-
o objectivo.
TENTAR CHEGAR E EXPLORAR A ANTIGA BASE transmitido o que parecia ser uma gravação teça, de uma coisa podemos ter certeza: a
de um trecho da Dança dos Cisnes Pequenos Internet vai continuar a encher-se de novas
NA ESPERANÇA DE DESCOBRIR A ANTENA de O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky. teorias da conspiração. l

24 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 25


Jim Jones, líder e fundador da seita People's
Temple, em família, em 1976, pouco antes de
CRENÇAS CULTO
se mudar, com os seus seguidores, para a Guiana.

sobreviver, sendo transportada


para a estrela Sírius. Em outubro
de 1994, Di Mambro mandou
matar um bebé de 3 meses
acreditando que se tratava
do anti-Cristo, nascido para
impedir a transição da Ordem.
Uns dias depois, 13 membros
da seita organizaram a última
ceia e planearam os suicídios
coletivos de Cheiry e Salvan
(Suíça) – em que 15 membros
se suicidaram com veneno, 30
foram mortos com tiros ou
por asfixia e oito morreram de
outras causas. Alguns corpos
foram encontrados numa capela,
A imagem mostra o que restou de uma casa vestidos com trajes cerimoniais e
da seita do Templo Solar após o suicídio em as cartas de suicídio encontradas
massa ocorrido em 1994 em duas aldeias suíças.
afirmavam que eles estariam a
tentar escapar da “hipocrisia
e opressão deste mundo”.
Os suicídios aconteceram
RESSURREIÇÃO a ressurreição de Jesus). Para ESTRELA em equinócios e solstícios.
É C LO N AG E M além da clonagem, o objetivo DA MORTE Mais tarde, em 1995, foram
O Raelianismo faz parte do grupo principal do Raelianismo é criar Originalmente Ordre du Temple descobertos mais 16 corpos em
de religiões OVNI, também uma sociedade perfeita e uma Solaire (OTS), é uma sociedade França, dispostos em forma de
conhecidas como ufológicas: embaixada para que os aliens secreta baseada na existência dos estrela e, em 1997, mais cinco
acreditam na existência de possam visitar a Terra. Quanto Cavaleiros Templários. Criada membros da OTS suicidaram-
extraterrestres que tiveram ou à sociedade perfeita, referem-se pelo “guru” Joseph Di Mambro e -se no Canadá. O músico suíço
têm um papel fundamental na a uma geniocracia, ou seja, um o pelo terapeuta Luc Jouret em Michel Tabachnik foi preso como
história da humanidade e que o sistema democrático em que 1984, em Genebra, o objetivo da sendo o líder da OTS nos anos 90
nosso futuro passará por integrar apenas as pessoas inteligentes OTS seria ajudar a humanidade e foi julgado por participar numa
uma comunidade galáctica. O podem votar. Para ser raeliano através de uma “transição” que organização criminosa e por
ex-jornalista desportivo francês basta rejeitar todas as outras a prepararia para uma segunda homicídio.
Claude Vorilhon (também religiões e fazer parte de um vinda de Jesus como um rei-deus
conhecido como Raël) criou o batismo oficial que transfere solar e promover a unificação
Raelianismo em 1973, depois de, o ADN para os extraterrestres – das igrejas cristãs e do islamismo.
alegadamente, ter tido contacto para que eles reconheçam todos A OTS previa um apocalipse
com extraterrestres em várias os raelianos no dia do juízo final. em que apenas uma elite iria
ocasiões. Raël afirma que a
criação dos humanos terá sido
feita por uma raça extraterrestre
Protesto de membros do Raelianismo
semelhante à humana, chamada contra a guerra do Iraque.
Elohim (palavra hebraica para
Deus). Os Elohim comunicaram
com Raël, dando-lhe a missão

LO U CO S D E F É
de informar o mundo. Este
movimento religioso defende
que é preciso aperfeiçoar a
clonagem humana porque os
aliens já o fazem e é dessa forma
que transferem as suas mentes
Há registos que apontam para a existência de mais de 10 mil cultos, seitas e religiões para novos corpos, quando se
espalhadas pelo mundo. E se a definição de fé é a adesão absoluta do espírito àquilo que se aproximam da morte (exemplo:
considera verdadeiro, não é estranho que brotem, por todo o lado, seitas, cultos e organizações
religiosas. Nada contra. Exceto quando passam a ser organizações criminosas.
Por Ana Saldanha.

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CULTO CRENÇAS
Fotografia tirada depois do desastre de 18 de
novembro de 1978 em que mais de 900 membros
do culto de Jim Jones foram forçados a suicidar-se.

U FO LO G I A e foi recebido, juntamente com


GONE WRONG a sua comitiva, e convidado
Fundada em 1972 por dois para jantar com Jones. No dia
texanos, a seita Heaven’s Gate seguinte, Ryan, a comitiva e
(Portas do Paraíso) existiu alguns membros que pediram
durante mais de duas décadas ajuda para fugir de Jonestown
sem levantar suspeitas, mas foram capturados e assassinados
as suas crenças tornaram-se por soldados de Jones. No
mundialmente conhecidas mesmo dia, e sabendo que
quando, em março de 1997, eventualmente seria capturado
a polícia descobriu 39 corpos e preso, Jim Jones orquestrou
numa mansão na Califórnia. um suicídio em massa (a que
Os membros ingeriram uma chamou “ato revolucionário”)
Um dos 39 corpos encontrados mistura de álcool e barbitúricos, que resultou na morte de 900
de seguidores do Heaven's deitaram-se em mantos roxos membros do Templo do Povo.
Gate, que cometeram suicídio com notas de 5 dólares e rolos Os membros mais novos foram
a 27 de março de 1997 no seu
rancho em Santa Fé, Califórnia. de moedas nos bolsos e estavam os primeiros a morrer e foram
todos vestidos com uniformes os próprios pais e algumas
simples pretos e ténis da Nike. Os e estabeleceu vários locais de enfermeiras que lhes deram a
rapidamente nos Estados suicídios em massa aconteceram culto pelo estado, chegando a mistura de cianeto, sedativos e
Unidos e alastrou-se para nos dias 22 e 23 de março de 97. MASSACRE ter mais de 20 mil membros. A passaportes e confiscaram os sumo em pó; depois os adultos
outros países de língua inglesa Os princípios da Heaven’s Gate NA GUIANA fama e os rumores sobre o estilo medicamentos e, pouco tempo fizeram filas para ir beber a
A IGREJA DAS como Inglaterra e Austrália. dos ideais da Cientologia não são tinham como base o pensamento O movimento religioso Tempo do messiânico e ditatorial do pastor depois, Jones começou a mostrar mistura de veneno, sob a vigia de
CELEBRIDADES Atualmente, a Cientologia tem públicos e os próprios membros apocalíptico e conspiracionista Povo é talvez um dos casos mais fizeram com que, em 1974, traços de demência e adição a soldados armados. Jim Jones foi
Foi de um livro de autoajuda estatuto de religião em vários só têm conhecimento dos e o interesse de juntar ciência e conhecidos de cultos que tiveram Jim arrendasse um terreno na drogas – o pastor montou um encontrado sentado no seu trono
chamado Dianética: a Ciência países, incluindo Portugal, princípios mais místicos depois religião. Como muitas religiões, um fim terrível. Esta igreja foi selva do Guiana e criasse a sua trono no edifício principal da com um ferimento de bala, que
Moderna da Saúde Mental que mas a maioria dos países de estarem integrados na igreja. a Heaven’s Gate procurava fundada em 1955 por Jim Jones comunidade utópica – Jonestown comunidade e comparava-se terá sido autoinfligido, na cabeça.
nasceu a Cientologia. A igreja, europeus considera-a uma Em 1969 a igreja abriu um Centro encontrar salvação para o no Indiana. Na década de 70, a – para onde se mudou com a Lenine e a Jesus Cristo. No Ao todo morreram 909 membros
que se estabeleceu nos Estados seita – na Alemanha é, inclusive, para Celebridades – aberto ao que consideravam um mundo sede mudou-se para a Califórnia algumas centenas de seguidores dia 17 de novembro de 1978, do Templo do Povo.
Unidos em 1952, prega que monitorizada pelo Bundesamt público, mas direcionado para corrupto e impuro. Depois de em 1977. Os membros do culto Leo Ryan, um representante
as pessoas são seres imortais für Verfassungsschutz, o órgão artistas, empresários, atletas e um dos fundadores morrer, em foram sujeitos a trabalho forçado americano, foi a Jonestown
que se esqueceram da sua responsável pela vigilância membros da elite – e até hoje 1985, o grupo passou a rejeitar a nos campos, retiraram-lhes os investigar as denúncias de abuso
natureza e que, para alcançar e o cumprimento da Lei se diz que muitos dos membros crença na metamorfose biológica
essa imortalidade e outras Fundamental da Alemanha. da Cientologia se juntam ao – que defendia que os corpos se
habilidades sobre-humanas, Envolvida em secretismo, muitos grupo para fazer contatos na transformariam quimicamente E .T. P H O N E H O M E Imagem retirada do site oficial da The
devem fazer uma reabilitação indústria. Os mais conhecidos em vida extraterrestre –, Conhecida como Sociedade Aetherius Society em que o “mestre
psiquiátrica espiritual. Este tipo embaixadores da Igreja da passando a acreditar que Aetherius, foi fundada na Inglaterra de ioga George King transfere energia
de aconselhamento chama- Cientologia são John Travolta teriam de abandonar os corpos em 1954 por George King, que espiritual para uma bateria espiritual”
-se Auditoria e o seu objetivo (que se converteu em 1975, humanos na terra e transferir afirmou ter tido um encontro
é que os praticantes revivam depois de ler sobre a Dianética) a sua consciência (através de com Jesus Cristo (um alienígena
eventos dolorosos e traumáticos e Tom Cruise, sobre quem se um meio tecnológico-espiritual vindo de Vénus) na montanha
para se libertarem dos seus diz que está tão avançado no não especificado) para um Holdstone Down (onde Jesus
efeitos limitantes. Os cursos processo de Auditoria que corpo extraterrestre mais aterrou a sua nave antes de partir
de auditoria são dados aos consegue ler mentes. Ainda que evoluído. Alguns membros da para o Médio Oriente), e ter sido
membros em troca de doações. controversa, não há grandes seita também acreditavam que nomeado o representante terrestre
Se lhe soa a ficção científica, não escândalos que envolvam a eram mesmo aliens que tinham do parlamento interplanetário.
estranhe. O pai da cientologia Cientologia, no entanto os seus adotado a forma humana para Anualmente, os membros da
é L. Ron Hubbard, autor de membros têm fama de processar aprender sobre a vida na Terra. Sociedade Etérea fazem uma
ficção científica e fantasia, e a quem faça declarações contra peregrinação a Holdstone Down
igreja está estreitamente ligada as suas práticas e de criticar e a seita acredita que, para além
ao mundo do entretenimento publicamente quem decida de Jesus Cristo, também outros
porque nasceu na Califórnia deixar de fazer parte do grupo. líderes religiosos como Buda
e logo captou a atenção de e Krishna são de outros planetas.
muitas estrelas de Hollywood. O site da seita reforça que “não
O movimento cresceu Dianetics é o livro escrito por Hubbard
visa substituir os ensinamentos
que serviu de base para alguns dos ideais legados à humanidade por
professados pela Cientologia. esses mestres”. l

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CIDADES COM HISTÓRIA CULTO

A M E TA M O R F O S E
O
s irmãos de Antioquia Jorge
Luis, David e Fabio Ochoa co-

MEDELLÍN
meçaram, em 1977, a usar as
mesmas rotas do tráfico de ca- traduziu na demolição, o ano passado, do
nábis para enviar cocaína para os Estados famoso edifício Mónaco. Eram oito anda-
Unidos e responder à crescente procura res de uma mansão que serviu de base de
por narcóticos. No mesmo ano, Pablo Es- operações de narcotráfico e que também
cobar e o primo Gustavo Gaviria estavam era a casa de Pablo Escobar durante os
a cargo da recolha de pasta de cocaína no anos 80. Ao todo, eram 12 apartamentos
Equador, que chegava da Bolívia e do Peru (um deles da mulher e do filho do barão da
e que depois era processada na Colômbia. droga), duas piscinas, um campo de ténis,
No fim da década, os dois grupos uniram Foi também nessa altura, quando as suspei- uma sala de pânico e 34 lugares de estacio-
forças para aumentar a produção e, nessa tas sobre o Cartel de Medellín começavam namento com a coleção de carros e motas
altura, controlavam os laboratórios de pro- a deixar de ser apenas suspeitas, que o co- vintage do cartel. O edifício foi encerrado
dução, a distribuição e as vendas nos Es- ronel Jaime Ramírez conseguiu encerrar pelo governo em 1990 e ficou abandonado
tados Unidos, dominando por completo o a Tranquilandia, na altura a maior fábrica até se tornar uma atração turística (tal
mercado na Flórida, Nova Iorque, Chicago de cocaína do mundo, com 500 hectares, 19 como, aliás, o telhado em que Escobar foi
e Los Angeles, onde o lucro era seis vezes laboratórios e a produzir 3.500 quilos de morto numa operação dos EUA e da Co-
maior que na Colômbia. cocaína por semana. A vingança serviu-se lômbia em dezembro de 1993).
Quando chegámos a 1982, a cocaína já fria: o cartel mandou matar o ministro e o O atual presidente Iván Duque decretou
tinha ultrapassado o café como principal coronel. Na luta para denunciar e estancar que o edifício Mónaco, que apelidou de
exportação da Colômbia e as autoridades o narcotráfico, juízes, polícias, jornalistas, símbolo do mal, daria lugar a um parque e
americanas começam a investigar o que políticos e várias figuras públicas foram museu memorial para que “a história não
ficou conhecido como Cartel de Medellín. assassinadas por sicários do Cartel de seja dos vitimadores, mas um reconheci-
Medellín. Para entrar na lista de persona mento das vítimas”.
non grata, bastava que se tentasse tornar O passado negro de Medelim não deixou
CIDADE DE ESCOBAR públicos os membros do cartel ou as suas que a cidade se abatesse. O tráfico condu-

FOTOGRAFIA: BOGGY22 / GETTY IMAGES; D.R.


No mesmo ano e usando a riqueza gerada ligações a atividades criminosas. ziu a cidade ao desespero, mas também fez
pelo narcotráfico, Escobar juntou-se à Câ- No dia 6 de novembro de 1986, sob o com que se exigissem mudanças. Depois
mara dos Representantes – que é composta slogan “Preferimos um túmulo na Colôm- do programa Medelim Sem Favelas criado
por 166 membros eleitos por voto em regi- bia a uma prisão nos Estados Unidos”, pelo barão da droga, que tinha como objeti-
me distrital e que é o órgão que representa os membros do famoso cartel aliaram-se vo dar uma vida digna aos pobres que, nas
o povo – e Carlos Lehder criou um parti- a traficantes de todo o país e criaram Os palavras de Escobar, viviam num “inferno
do, o Movimento Latino Nacional. Ambas Extraditáveis. O grupo criminoso organi- de lixo”, a semente ficou plantada.
as manobras de distração serviriam para zou e realizou dezenas de ataques terro- Em 2004 construiu-se o sistema Metro-
evitar uma possível extradição para os Es- ristas para pressionar o governo e evitar cable, uma rede de teleférico e metro que
tados Unidos e uma consequente prisão e a extradição. liga todas as zonas da cidade, acabando
julgamento por tráfico de droga. A organização criminosa e o Cartel de com o isolamento dos mais pobres e a sua
Para e por ser eleito, Escobar construiu, Medellín viram chegar o seu fim depois da relegação para bairros em que nem a po-
de raiz, campos de futebol (era público o extradição e prisão de Lehder em 1987 (pri- lícia queria entrar. Mas a mudança não se
seu gosto pelo desporto), igrejas e um bair- são perpétua mais 135 anos), da prisão dos fez só de transportes. O governo de Aníbal

F
A violência na Colômbia rural fez com
que milhares de pessoas procurassem ro para quem vivia no aterro de Medelim. irmãos Ochoa, da morte de Gacha, um dos Gaviria investiu também na educação (em
oi o espanhol Francisco Herrera refúgio nas grandes cidades e por isso, Mas foi mesmo por gastar muito do dinhei- braços-direitos de Escobar, em 1989, e do 2007 ergueu-se a Biblioteca de Espanha) e
Há quase 30 anos era Campuzano que ergueu, no cen- entre 1950 e 1990, Medelim cresceu ro ilícito que o ministro da Justiça Rodrigo próprio Pablo Escobar em 1993. em programas sociais para beneficiar os
a cidade mais perigosa tro da Colômbia, uma pequena de 350 mil habitantes para 3 milhões.
Lara Bonilla denunciou a entrada de di- residentes mais desfavorecidos.
do mundo. Recuamos vila indígena chamada San Loren- nheiro obtido com narcotráfico em equipas Muitos dizem que o ambiente que lá se
ao passado da metrópole
zo de Aburrá – onde hoje fica a região de de futebol, empresas e partidos políticos. A MUDANÇA sente é uma falsa paz, uma pax criminale
El Poblado –, mas a primeira referência a Em 1991, o Washington Post fazia da cida- entre organizações criminosas rivais que
dominada pela cocaína. Medelim foi feita pela Rainha Maria Ana tal Federal do Estado de Antioquia, com a de manchete e dava conta de uma onda vão controlando o crime na cidade. Mas
Por Ana Saldanha. de Áustria, Rainha de Espanha que, em proclamação da Constituição da Colômbia recorde de homicídios. Mais de 6 mil pes- a cidade resiste e ganha pontos na cena
1675, fundou a Villa de Nuestra Señora de em 1886. soas foram mortas só nesse ano. Mas anos internacional, estando classificada como
la Candelaria de Medellín, que hoje corres- O grande desenvolvimento da cidade depois de desmantelado o Cartel de Medel- uma das 100 cidades resilientes apoiadas
ponde ao centro da cidade. deu-se durante o século XIX com a expor- lín, o número de homicídios diminuiu para pela fundação Rockefeller. Mas as pazes
Desde cedo que Medelim se destacou das tação de ouro, a grande produção e expor- menos de 500 por ano, o que se equipara com o passado não estão completamente
cidades vizinhas como centro de comércio tação de café. Mas a metrópole sul-ame- a muitas cidades norte-americanas – en- feitas. Vivem as cicatrizes de Escobar e do
e em 1826 foi nomeada capital do Depar- ricana foi posta nas bocas do mundo nos quanto a população cresceu para 2,5 mi- medo, mas também resiste a vontade de
tamento da Antioquia, que englobava a anos 80 e 90 do século XX, quase sempre lhões de habitantes, o que equivale a uma não voltar a esse passado. l
Colômbia, Venezuela, Equador e Panamá. alavancada pelo nome de Pablo Escobar descida de 95% no número de homicídios.
Depois de a Colômbia se tornar indepen- e pela onda de criminalidade que durante Mas há vida depois de Escobar e uma
dente de Espanha, Medelim passou a Capi- muitos anos a caracterizou. vontade de apagar esse passado que se

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ESTILO
PERSONALIDADES • TENDÊNCIAS • SHOPPING • NOVIDADES

The Must On
Show Go
Inspirada no filme Billy Elliot e com Londres como pano de fundo,
esta história em frames retrata a dicotomia entre a delicadeza da dança e a brutalidade
do crescimento aos olhos de um adolescente.
Calças em pele, Acne Studios. À direita, top em lã, Lanvin. Fotografia de Filip Koludrovic. Styling de Daniel D’Armas.

32 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 33


ESTILO MODA

Casaco em algodão, Joseph. T-shirt em algodão, Per Götesson. Calças em algodão, Versace. Ténis em pele, Celine.
Mala em algodão, Robyn Lynch Ireland. À esquerda, casaco, camisa e lenço em algodão, bolo tie em pele, tudo Prada.

34 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 35


ESTILO MODA

Protetor para a cabeça e luvas em pele, ambos The Costume Studio. Calções em acrílico, Bottega Veneta.

36 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 37


ESTILO MODA

Casaco em pele, top em algodão, jeans em denim, cinto e ténis em pele, tudo Celine.
À esquerda, casaco em pele, Basic Rights. Camisa em algodão, Acne Studios.

38 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 39


ESTILO MODA

Top em algodão, Salvatore Ferragamo. Calções em poliéster, Courrèges.


À direita, casaco, camisa e calças em algodão, sapatos em pele, tudo Balenciaga.

40 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 41


ESTILO MODA
Camisa e calções em algodão, Editions M.R. Blazer em lã e algodão, Ami Alexandre Mattiussi. Sapatos em pele,
Balenciaga. Meias da produção. À esquerda, casaco em algodão, Dries Van Noten. Polo em algodão, Lou Dalton.

MODELO: ZACK TIDSWELL @NEXT. GROOMING: TASOS CONSTANTINOU. CASTING: TIMOTEJ LETONJA. PRODUÇÃO: FEDERICA BARLETTA.

42 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 43


TENDÊNCIAS ESTILO

SPRING

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CLEANING

SALVATORE FERRAGAMO
Mudança de estação + tempo extra
em casa = arrumações no guarda-roupa.
Aproveite para renovar o roupeiro de acordo
com as últimas tendências.
Por Maria Falé.

CHALAYAN
SACAI

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Calças em algodão, €620,
Ann Demeulemeester.
Camisa em algodão, €69,

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algodão, €229, Marciano.
Casaco em algodão e
seda, €495, J. Press na
Mrporter.com. Camisa em
algodão, €364, Jacquemus.

FOTOGRAFIA: STREET SERENADE, 1964. TONY VACCARO / GETTY IMAGES; D.R.


Calças em algodão, €310,

FOTOGRAFIA: MONTE RUSHMORE, 1940. BETTMANN / GETTY IMAGES; D.R.


King & Tuckfield.

DAVID CATALÁN
GIVENCHY

Camisa em seda, €1.200, Gucci. Camisa em algodão, €457, Jacquemus.


OAMC

Calças em algodão, €315, Comme des Garçons Homme’s. Calças em linho


e algodão, €459, Sasquatchfabrix na Farfetch.com. Camisa em camurça,
€1.150, Acne Studios. Camisa em algodão, €950, Haider Ackermann.

44 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 45


ESTILO TENDÊNCIAS

silk silk silk silk silk silk


ERMENEGILDO ZEGNA

DRIES VAN NOTEN


OLIVER SPENCER

twins twins twins twins twins

FOTOGRAFIA: INTERNATIONAL MEN'S & BOY'S WEAR EXHIBITION AT EARLS COURT, LONDON. WESLEY / GETTY IMAGES; D.R.

BALMAIN
FOTOGRAFIA: COMÉRCIO DE ROUPAS, EM CÁBUL. KAVEH KAZEMI / GETTY IMAGES; D.R.

DUNHILL
E TAUZ

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Túnica em seda, €5.554, Yohji Yamamoto. Lenço em seda,
Calças em veludo, €1.600, Gucci. Casaco em veludo, €2.200, Gucci. Calças em €950, Hermès. Camisa em seda, €1.995, Versace. Calças em
MSGM

algodão, €120, Alex Mill na Mrporter.com. Casaco em algodão, €165, Alex Mill seda, €890, Valentino. Camisa em seda, €1.297, Fendi.
na Mrporter.com. Calções em denim, €175, PS Paul Smith. Camisa em denim, €265,
PS Paul Smith. Calções em algodão, €550, Fendi. T-shirt em algodão, €450, Fendi.

46 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 47


DENIM OVERLOAD

48 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020


ESTILO SHOPPING

Calças em denim, €49,95,


Calças em denim, Massimo Dutti.
€420, Dsquared2.
WOOYOUNGMI

Chapéu em denim,
€320, Valentino.
Mala em denim, €70,
Cheverly Laundry.

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Camisa em denim, Casaco em denim,
€605, Koché. €235, JOTT.

Casaco em denim, €362,


Polo Ralph Lauren.

Calças em denim, €690,


Louis Vuitton.
LOUIS VUITTON

Mochila em denim
e pele, €850, Loewe.

Casaco em denim, €740,


Comme des Garçons
Homme’s.

Casaco em denim, Ténis em denim, €90,


SACAI

€199 , Tommy Hilfiger. Converse.

Ganga nunca é demais. Jogue pelo seguro e aposte


em peças que se mantêm no guarda-roupa todo o ano.
Por Maria Falé.
ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 49
ALL LEATHER

50 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020


ESTILO SHOPPING

Cinto em pele, €49,


Dockers.

Casaco em pele, €2.300,


Givenchy.

Cinto em pele, €350,


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Casaco em pele, €199,


Massimo Dutti.

BALMAIN
ERMENEGILDO ZEGNA

Casaco em pele, Luvas em pele, €715,


€2.900, Tod’s. Louis Vuitton.

Ténis em pele, €750, Ténis em pele, €595,


Valentino. Givenchy.

Calças em pele, €2.490,


CRAIG GREEN

Calças em pele, Saint Laurent.


€190, Séfr.
DOLCE & GABBANA

Mala em pele, €270,


Marni.

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Botas em pele, €219, Casaco em pele, €4.190,


Dr. Martens. Burberry.

Se é mais de arriscar, opte por um look em couro


e combine o sexy com o dangerous.
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ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 51
ESTILO ACESSÓRIOS
I S
R oA e s tão

P O s
s nã sug r
a
ma oss cal
o
po é a n ara o ook.

E M e m
s t Es ta io e p uer
l

T
o . q
-se des o fr qual

IN
m
u da onta para tam alé.
M s v ios en ria F
a
a m ssór plem or Ma
m ud ace com P
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Mochila em nylon, €890, Alexander McQueen. Mala em pele, €150, Fred Perry.
Mochila em pele, €1.990, Givenchy. Mochila em pele, €1.816, Loewe.

DSQUARED2
VALENTINO

DIOR

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HERMÈS
Boné em canvas, €290, Gucci. Boné em algodão, €90, Billionaire Boys Club.
Boné em algodão, €35, Mollusk na Farfetch.com. Boné em canvas, €290, Fendi.

52 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 53


54 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020
ESTILO ACESSÓRIOS

Lenço em algodão, €165, Dsquared2. Lenço em algodão, €120, Acne Studios.


Lenço em seda, €150, Burberry. Cachecol em caxemira e seda, €615,
Louis Vuitton. Cachecol em lã e caxemira, €350, Gucci.

QASIMI

DALEY

EMPORIO ARMANI

DAVID CATALÀN

CRAIG GREEN
Ténis em pele e nylon, €695, Versace. Ténis em camurça e pele, €490, Alexander McQueen.
Ténis em pele, €375, Golden Goose. Ténis em nylon, €344, ROA.

ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 55


ESTILO RELÓGIOS

5. Relógio Aquaracer, caixa e pulseira


em aço, movimento automático, €2.500,
TAG Heuer na Torres Joalheiros.
6. Relógio Big Crown ProPilot X, caixa
e pulseira em titânio, movimento de
corda manual – reserva de marcha
de 10 dias, €6.900, Oris. 7. Relógio
Star Legacy, caixa em ouro, pulseira
em pele, movimento automático,
€20.700, Montblanc na Torres
Joalheiros. 8. Relógio Datejust 41, caixa
e pulseira em aço e ouro, movimento
mecânico de corda automática,
€11.250, Rolex na Torres Joalheiros.

1
5 6

GUERRA
DE TITÃS
Veste o seu pulso com
metal ou couro? Faça
as suas apostas para esta
estação sem medo de
falhar com as nossas oito
sugestões vencedoras.
Por Maria Falé.

4 2 7

1. Relógio Classic Fusion Ferrari GT,


caixa em titânio, pulseira em pele,
movimento cronógrafo automático,
€22.900, Hublot. 2. Relógio El Primero
Chronomaster 2, Edição Limitada, caixa
em titânio e cerâmica, pulseira em
pele, movimento automático, €9.600,
Zenith. 3. Relógio Seamaster “James
Bond” Edição Limitada, caixa em aço,
pulseira em borracha, movimento
automático, €6.250, Omega.
4. Relógio Heritage Ranger, caixa e
pulseira em aço, movimento mecânico
de corda automática, €2.880, Tudor
na Torres Joalheiros.

3 8

56 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 57


ESTILO RELÓGIO UMA BATERIA PERSONALIDADE ESTILO
PARA DURAR
O novo TAG Heuer Connected Watch tem
em conta as necessidades de quem tem
uma vida ativa, ou não fosse este um smart-
watch desenvolvido a pensar em quem gos-
DIGA LÁ,
ta de exercício e não dispensa, por exem-
plo, a sua corrida. Assim, as preocupações
com a bateria começam logo na poupança.
DINO D'SANTIAGO
O mostrador, que inclui um ecrã tátil OLED
legível, inteiramente ativo e protegido por
Conversámos com o nosso Homem do Ano na categoria de Música, a quem
um vidro de safira (resistente a riscos), al- fizemos umas quantas perguntas especiais. Dino D'Santiago respondeu a tudo,
terna entre o modo ativo e o modo ambien- deixando até dicas para enfrentar a quarentena. Por Diego Armés.
te para prolongar a duração da bateria. In-
clui ainda um carregador magnético e uma
bolsa de viagem.
Assim, a bateria do relógio está prepara- Aquela comida de que sentes saudades
da para durar um dia inteiro, incluindo qua- porque só encontras lá fora.
Um acessório que Headphones, Uma boa cachupa! Quando isto terminar, vou à Cova
tro horas em modo desportivo. Para que o uses até em casa €349,95, Beats da Moura, ao restaurante O Coqueiro, da dona Patriarca.
TAG Heuer 2020 Connected fique carregado – não vale dizer by Dre
a 100%, basta que fique ligado, em carga, smartphone. Um livro que
durante uma hora e meia – em condições Headphones! São te faça viajar sem
imprescindíveis para sair de casa.
normais, ou seja, a uma temperatura entre Sem dúvidas, Também
mim, porque gosto
os 15 e os 45 graus Celsius. de ouvir e sentir os Brancos Sabem
a música de uma Dançar, do Kalaf
forma muito íntima. Epalanga. É uma
SISTEMA OPERATIVO verdadeira banda
E CONECTIVIDADE sonora em forma de
livro, que viaja entre
Equipado com o Wear OS da Google, o TAG Angola, Portugal,
Heuer 2020 Connected está preparado para Noruega, França, Brasil,
o manter em permanente contacto com o EUA e Inglaterra sem
precisarmos sair
Em baixo, as duas versões do mais novo Connected mundo em redor. Serviços como o Google Uma série para fazer do nosso sofá.
Watch da TAG Heuer, uma com caixa e bracelete Assistant ou o Google Translate – que re- binge-watching durante a Uma referência
de aço e a outra com caixa com tratamento de corre ao microfone localizado do lado es- quarentena. Peaky Blinders. artística. Vhils.
jato de areia e bracelete em cauchu. Ao nível das
querdo da caixa – estão à distância de um
funcionalidades, tudo é igual, só o aspeto difere.
toque (ou de uma combinação de toques).
Contém ainda as notificações de email e A primeira viagem que queres
mensagens, e também o Google Play. Há fazer depois do isolamento. Sem

O PULSO LIGADO
Um disco para ouvir qualquer dúvida, a Cabo Verde. Sinto
ainda aplicações disponíveis em conexão falta do cheiro daquele chão.
na quarentena.
com outros dispositivos, tanto para utiliza- Tenho dois discos,

AO MUNDO
dores de Android como de iOS. Da Linha, de PEDRO, e
Sendo um relógio desenvolvido a pensar Mais Antigo, de Bispo.
em quem faz desporto, este novo Connected
inclui uma série de artefactos indispensá- O hobby de eleição para

A
veis a um utilizador ativo: GPS incorpora- o momento que vivemos.
Estou completamente
A TAG Heuer voltou a inovar GQ Portugal teve oportunidade do – que permite pôr em prática diferentes viciado em séries Netflix Um perfume para
de ver, em exclusivo e em pri- métricas durante o treino –-, velocímetro, e ouvir muita música. usar durante a lide
no segmento dos smartwatches meira mão, o que a TAG Heuer bússola e giroscópio, além de um medidor doméstica.
Vanguard, do
com o seu novo modelo nos preparou para o pulso. A de frequência cardíaca (de grau não médi- parfumeur Lourenço
Connected, a que tivemos marca suíça apresentou, na sua sede em La co), permitem ao utilizador uma experiên- Lucena.
Chaux-de-Fonds, na Suíça, o TAG Heuer cia 100% ligada ao treino sem nunca se des-
acesso em primeira mão. 2020 Connected, que descreve como “o mais ligar do mundo em redor. ●
Aqui fica um resumo do que luxuoso dos smartwatches” – e nós não du-
vidamos que o seja.
pode esperar do novíssimo Começando pelo look: não é só um, são
TAG Heuer 2020 Connected. vários. A TAG Heuer decidiu, em boa hora,
que um smartwatch não deve ficar confina-
do a um só modelo e a uma só estética, pelo
que criou quatro bases bastante distintas
entre si e foi mais longe: é possível perso-
nalizar cada uma delas, conjugando as di-
versas possibilidades de caixa e mostrador Uma aventura para Três filmes para não pensares
concretizar logo que na pandemia. Amigos Improváveis Uma memória pacificadora do
com braceletes e lunetas. Mas as novida- possas sair de casa. (Olivier Nakache e Éric Toledano), tempo em que podias sair à rua.
des deste novo modelo em relação aos seus Conhecer Tóquio. Selma (Ava DuVernay) e Hidden Poder caminhar por Lisboa, perdido entre
antecessores não ficam por aqui. Figures (Theodore Melfi). os vários sotaques que dela fazem parte.

58 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 59


IN&OUT
DESTINOS • GOURMET • GADGETS • NOVIDADES Em época de pandemia
não se viaja. Mais: quando
a situação se agrava, é

Casa:
responsabilidade de cada
um proteger-se e proteger
os outros. Se o bom senso
ou a necessidade obrigam
a uma quarentena, não

Guia
desespere. Aproveite.
Retire o melhor da
situação e faça aquilo
que nunca fez: umas
férias em casa.

para uma
Por Diego Armés.

quarentena
de sonho
Vamos esquecer os planos e as marcações, até as reservas e as passagens já compradas, se for o caso. A situação
é tão séria, tão grave, que qualquer deslize ou hesitação no comportamento em sociedade pode ter resultados
trágicos. A quarentena, voluntária ou forçada, é parte de uma solução que levará o seu tempo até surgir e deixar
para trás este tempo que ninguém poderia prever há dois ou três meses. Vamos ficar em casa. Vamos ser uns pelos
outros. Vamos proteger-nos e proteger o próximo. Melhor, vamos fazê-lo como se tudo isto fosse uma oportunidade
de fazermos o que nunca é possível, ora por falta de tempo, ora por excesso de distração e de oferta. Porque
ficar fechado em casa durante duas semanas é obviamente um desafio, vamos aceitá-lo com espírito positivo
e aventureiro, tentando desfrutar de todo o potencial que a situação tem, embora não esteja logo ali à vista.

60 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 61


IN&OUT DESTINO
2. ADEUS
CADEIRA
Todo o homem tem uma, no canto do quarto,
de braços abertos para acolher sem critério
os despojos da indumentária do dia. Chamam-
-lhe A Cadeira e não é para menos: trata-se
de uma cadeira. É nela que depositamos
calças, camisolas, camisas e T-shirts. O que
acontece com as camisas é particularmente
desagradável: ficam amarrotadas e a exigir
cuidados que implicam o recurso ao ferro
de engomar. Portanto, a quarentena poderá
servir para pegar em tudo o que se acumulou
nessa cadeira, separar por categorias,
arrumar condignamente, quiçá pôr para
lavar em casos mais extremos. Acreditamos 3. DE AGULHA
que ficará surpreendido quando reencontrar
aquela T-shirt que não via há dois anos, EM RISTE
aquelas calças de que não se lembrava e É possível que, numa pausa entre funções
que já não se usam, aquela camisola que só domésticas que desconhecia, mas às quais até
usou uma vez e que julgou ter perdido numa se tem afeiçoado, pare para pensar e, diante
viagem – nos tempos em que ainda se viajava. de um inesperado saco com lã e agulhas,
Já que falamos sobre roupa a que perdemos se recorde daquele fenómeno que, aqui há
o rasto, não nos fiquemos pela cadeira. tempos, teve os seus 15 minutos de fama
1. Aventure-se, descubra o que tem no armário nas redes sociais. Sim, os convívios de tricô

FINALMENTE,
e nas gavetas. Faça uma triagem, guarde para homens. A primeira reação será tentar
apenas o que lhe interessa, aquilo que desviar o olhar, porém o bichinho vai ficar

OS sabe que vai usar ou que ainda pode vir a


dar-lhe jeito. Seja pragmático, não se arme
na cabeça a dizer: “Mas e se valer a pena?”
Não resista. Lembre-se: está em casa de
CORTINADOS em sentimental. Lá porque aquele casaco
comprado por uma ex-namorada com
quarentena. Arrisque.
Perante as longas agulhas e o novelo de lã
Qualquer homem se sente útil e realizado quem acabou em 2008 ainda lhe lembra um é possível que sinta alguma desorganização
depois de acabar de montar um roupeiro do determinado episódio romântico intenso, mental. É normal, não se assuste. Abra a
IKEA, especialmente quando chega ao fim aquela bombazine com aquele corte já não Internet e procure “tricô”. Na Wikipédia, a
e não lhe sobraram porcas nem parafusos. se usa desde 2011. Deixe-se disso, meta explicação não podia ser mais clara: “O tricô
Porém, todos sabemos que montar mobílias essa peça e outras que tais num saco grande é uma técnica para entrelaçar o fio (de lã
do IKEA com ferramentas básicas fornecidas – ou em dois, ou em três – e prepare-se ou outra fibra têxtil) de forma organizada,

5. SEXO
pela própria casa e seguindo um livro de para se desfazer deles. Temos a certeza criando-se assim um pano que, por suas
instruções não é assim tão genial como de que algumas das peças farão furor em características de textura e elasticidade, é
aquela sensação de “bolas, como eu sou certos círculos mais sofisticados da cidade chamado de malha de tricô ou simplesmente “Me and you and you and me / No matter how they toss the
incrível” pode levar a crer. Basta que façamos compostos por gente que só consome roupa tricô. Pode ser feito manualmente, com dice, it has to be”, cantavam os Turtles em Happy Together.
uma incursão breve pelo Aki ou pelo Maxmat vintage. Se tudo correr bem, chegará ao fim a duas agulhas que, além de propiciar o Já sabemos como funciona esta situação, não carece
para sentirmos alguma desorientação e nos parecer que já leu a Marie Kondo. entrelaçamento do fio (criando cada ponto), de mais explicações. Mantenha a porta trancada no caso
vir à cabeça a questão: “Mas para que é que abrigam a malha de tricô já tecida.” Agora que de haver crianças ou animais de estimação em casa.
tudo isto serve?” já sabe que as agulhas servem para entrelaçar
A nossa sugestão passa pelo seguinte: o fio de modo a produzir um pano, aproveite
aproveitemos este período de reclusão que tem a Internet aberta e procure tutoriais
para exercitar a bricolage. Pegue na caixa no YouTube. Quando desistir, passe ao
de ferramentas, abra-a e explore. Pegue no número seguinte.
berbequim e faça finalmente os furos na
parede para as estantes de livros que nunca
foram postas. Vá mais longe, arrisque nas
alturas: aquelas cortinas que nunca foram
penduradas porque o varão não estava 4. HORA DA GINÁSTICA
posto (porque os suportes não estavam Vá ao sótão e descubra onde para aquele velho leitor de VHS que nunca deitou fora porque
aparafusados à parede, porque os furos já se adivinhava que algum dia havia de voltar a dar jeito. Encontrou? Ótimo, então olhe para
nunca tinham sido feitos) poderão finalmente os restantes caixotes e pense: em qual deles estarão as cassetes da Jane Fonda em calças
cumprir o seu destino. No fim, contemple de licra? É disso que precisa. Disso, das suas próprias calças de licra, de uma fita para pôr
e desfrute da sensação de dever cumprido. na cabeça, de uma camisa de alças e de um tapete de ioga. Divirta-se, alongue e insista.
Parabéns. Agora, que já conhece o doce sabor Seja prático, rentabilize o seu tempo, queime as gorduras. Não permita que o sedentarismo
da obra feita, pegue nos rolos e nas trinchas forçado produza resultados semelhantes àqueles que pode obter com facilidade quando
e aproveite para pintar as paredes mais é voluntariamente sedentário.
carenciadas.

62 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 63


IN&OUT DESTINO

Moby Dick
Herman Melville

Cem Anos de Solidão 7. MESTRE


Dom Quixote
Miguel de Cervantes
Gabriel García Márquez
DFicarEem casaC durante
U L longos
I N períodos
Á R podeIA
Guerra e Paz
Liev Tolstói despertar em nós instintos incontroláveis.
Um deles é o instinto de chef. De repente,
a cozinha, os utensílios, o fogão, o forno, as
O Jogo do Mundo facas afiadas, a tábua de corte, enfim, tudo
Julio Cortázar passa a fazer imenso sentido. Ponha o avental,
escolha uma receita complexa, exigente
e demorada, supere-se. Alto! Primeiro,
certifique-se de que tem tudo aquilo de
que precisa. Não tem? Não se preocupe,
9Não.se sintaC desligado,
O M ligue-se
U N àsIredes,
Q UsejaEum influencer,
E I nãoN tenha
F Lmedo
U deE inspirar
N CosI E
encomende online, pague com PayPal ou MB outros. Pegue no smartphone e filme cada uma das suas atividades – bom, o número 5 talvez não
Way. Escreva um bilhete a dizer “Por favor, seja boa ideia filmar, mas fica ao seu critério – e publique no Instagram, no Twitter, no Facebook
Grande Sertão: pouse os sacos no chão e toque à campainha e no YouTube. Aproveite para exercitar a escrita em português e em inglês, para ter mais alcance,
Veredas – mas não toque em mais nada. Obrigado” e conceba captions interessantes e mordazes, cheias de espírito, de ironia e de uma pontinha
João Guimarães Rosa e aguarde serenamente. Se entretanto, e indisfarçável de autocomiseração por ter tido de abdicar daquela viagem a Bordéus por causa da
enquanto espera, essa voragem culinária der porcaria do vírus. Mas não faz mal, está tudo bem, acabou por passar duas semanas em casa num
Em Busca do
lugar a fome pura e dura, daquelas muito ambiente de qualidade, fez coisas que nunca julgou vir a ter tempo nem motivação para fazer
Os Lusíadas Crime e Castigo gulosas, e a algum desalento capaz de o fazer – não dissemos que aquele Guerra e Paz não se ia ler sozinho? – e descobriu que afinal gostava
Luís de Camões Tempo Perdido
Marcel Proust Fiódor Dostoiévski desistir, encomende também pizzas. Vai de atividades de que já tinha desistido ou em que nunca havia persistido (nomeadamente
precisar delas para a sugestão seguinte. na bricolage, mas o tricô e a culinária também marcaram muitos pontos). l

Os Miseráveis
Victor Hugo
Pois. Já para não falar de Os Lusíadas,
de Camões – não há português que não
saiba, pelo menos, os primeiros versos da

6. primeira estrofe, “As armas e os barões


assinalados”, etc., mas não haverá muitos
LEITURAS cidadãos a conhecer sequer o primeiro
verso da segunda estrofe. Os Lusíadas tem
EM DIA 10 cantos e 1.102 estrofes. Outro, Moby
Dick. Herman Melville demora mais de
Há uma canção dos GNR chamada Sub 16 metade do livro até fazer zarpar o barco do Buendía estava García Márquez a falar – e
que tem uma passagem em que Rui Reininho Capitão Ahab. A história inclui uma baleia e depois Rayuela, ou O Jogo do Mundo, de
canta “porque aos 16 nunca se teve tempo navegação. Se não o ler na quarentena, vai Cortázar. Sempre que sentir cansaço ou
de ler O Senhor dos Anéis”. A verdade é que lê-lo quando? Kafka tem vários, é escolher, desalento, pegue nas Ficções, de Jorge Luís
nunca se tem tempo para ler todos os tomos embora O Processo e O Castelo sejam Borges. Será especialmente útil antes de um
da obra gigantesca de J. R. R. Tolkien, nem
antes dos 16 nem depois. A não ser que se
esteja em casa de quarentena.
provavelmente os mais exasperantes. Antes
de pegar noutro, detenha-se em O Vermelho
e o Negro, de Stendhal. Quando desistir,
mergulho em, por exemplo, Os Miseráveis, de
Victor Hugo, Crime e Castigo, de Dostoiévski,
ou do Grande Sertão: Veredas, de Guimarães
8O princípio
. Oé semelhante
P A Rao dosA grandes
Í S OclássicosDdaOliteratura,
C masI NnesteE caso
M aAideia é ver ou rever algumas das maiores sagas da sétima arte.
No entanto, se estamos a falar de literatura o seguinte parecer-lhe-á incrivelmente Rosa. Quando emergir deste banho literário Comece pelo Padrinho, deve-se começar sempre pelo Padrinho. A trilogia de Francis Ford Coppola, em especial os filmes I e II, devem ser vistos
e de livros que nunca se tem tempo para dinâmico e apetitoso. Comece, por exemplo, perceberá que as duas semanas foram logo que possível e de seguida. A saga completa dura praticamente 9 horas. Pode optar por algo mais ligeiro e descontraído, como o Regresso
ler, comecemos pelos grandes clássicos pel’A Náusea, de Sartre, e prossiga com Em demasiado curtas e que nem sequer chegou ao Futuro. A trilogia de Robert Zemeckis dura mais de cinco horas e meia e vale cada minuto. Os Batman de Christopher Nolan também têm
da chamada literatura universal – sim, que Busca do Tempo Perdido, de Proust. Para a ler nada de Shakespeare, de Camus, Thomas o condão de contar boas histórias, capazes de questionar a moral, ao mesmo tempo que entretêm. São sete horas e meia no total. Alien, aí
aquele Guerra e Paz não se vai ler sozinho. descomprimir, dê um pulinho à América do Mann ou de Hermann Hesse. Bolas, nem está uma sugestão para a sessão da noite. Nem todos os filmes são excelentes – Ressurrection, de Jean-Pierre Jeunet, é até fraco –, mas as
Toda a gente conhece o Dom Quixote, Sul: Cem Anos de Solidão – finalmente, vai O Capital, de Karl Marx. Agora é demasiado prequelas de Ridley Scott (Prometheus e Alien: Covenant) fazem valer a pena as 12 horas investidas no visionamento. Para quem estranhar
de Cervantes, mas quantos já o leram? conseguir tomar notas e perceber de que tarde. o facto de ainda não se ter falado em Star Wars, fica aqui uma justificação breve: era demasiado óbvia para surgir mais cedo. De resto, sagas
cinematográficas com qualidade são muitas: Saw, Hunger Games, Indiana Jones, Die Hard, Rocky ou Harry Potter.

64 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 65


COLEÇÃO IN&OUT

Mahdavi, André Fu, Patricia Urquiola, Ate-


lier Biagetti, Zanellato/Bortotto Studio e,

T
mais recentemente, Andrew Kudless – e

VOYAGE,
alvez associe o logo da marca ajudam a garantir que a sigla LV na arte
francesa aos hoodies e ao street- de viajar continua tão viva como nos seus
wear de luxo a que Virgil Abloh, primórdios. Até porque os 45 objetos expe-
diretor criativo de menswear da rimentais que compõem a coleção de Objets prazo, mas a Louis Vuitton aliviou-lhe os
maison, o tem habituado nas últimas esta-

VOYAGE
Nomades da Louis Vuitton prestam home- receios: “Não te preocupes”, garantiram-
ções. Talvez até vá mais além e reconhe- nagem às encomendas por medida do pas- -lhe. “Nós já sabemos como fazê-lo. Temos
ça o monograma como uma referência em sado da maison. uma maneira standard de assegurar que as
modelos de mochilas e bolsas a tiracolo O mais recente a juntar-se a este grupo tiras nas carteiras sejam fortes o suficiente
que aprendeu a cobiçar e a acrescentar ao de cool kids é o designer Andrew Kudless, para não rasgar.” O modelo foi apresenta-
vestuário. Se for verdadeiro conhecedor, de S. Francisco, cuja estreia na Objets No- do na Design Miami, em dezembro último,
vai recordar-se ainda que a génese da Vuit- mades se faz com a Swell Wave Shelf, uma e chegaria este ano a Milão, ao Salone Del
Sem sair do sítio. Nestas coleções de lifestyle da Louis Vuitton, o tema viagem ton passa pelos famosos trunks das viagens prateleira em madeira de formas orgâ- Mobile, cancelado pelo surto de coronaví-
transatlânticas, capazes de deslocar guar- nicas, sustentada por fitas de pele numa rus que assola a Europa. Apesar de não
está sempre presente – ainda que estes Objets Nomades da maison se queiram da-roupas e outros objetos de largo porte tensão perfeita que é uma “ode às forças ter conseguido ser apresentado na feira, o
de forma incólume – e sofisticada, acres- poderosas e à delicada harmonia do mundo objeto consegue chegar tanto a casa como
o mais sedentário possível. E se é para serem mobília, que o sejam lá em casa. centemos –, em viagens onde a elegância natural”, diz a Vuitton. Kudless, um arqui- às páginas de revista para que o design
Por Sara Andrade. sumptuosa era a ideia suprema e ter uma teto sediado agora em Houston, Texas, é da peça não se perca em 2019. Até porque,
dessas arcas monogramadas era um ponto o primeiro americano a entrar nesta gues- dentro do tema das viagens, estas pratelei-
final nessa mesma palavra. Mas indepen- tlist da Objets Nomades. Professor na Hines ras trazem um pouco da Califórnia para o
dentemente do seu grau de conhecimento College of Architecture Design da Univer- ambiente caseiro, patente logo no nome da
da Louis Vuitton, seguramente sabe que sidade de Houston e diretor do Advanced peça: Swell Wave. O arquiteto justifica: “Os
Paris é apenas uma sede e que a volta ao Media Technology Lab, fundou o ateliê meus alunos dizem ‘há uma tempestade na
mundo é o seu métier desde os primórdios Matsys, em 2004, para explorar as relações Indonésia, o que quer dizer que vamos ter
(e se não sabia, já valeu a pena ler este emergentes entre arquitetura, engenharia, ondas na Califórnia daqui a uns dias’”, con-
primeiro parágrafo). É por isso que uma biologia e computação. Sobre a parceria ta ao LA Times. “Mesmo quando não estás
coleção colaborativa centrada no tema das com a Louis Vuitton, disse, ao Los Angeles a viajar, tudo está a viajar à tua volta: as
viagens não é uma estratégia, é uma apos- Times, que foi “o cliente mais difícil que nuvens, as ondas. Eu queria que as prate-
ta natural para a casa. E a Objets Nomades tive, mas de uma forma positiva. Quando leiras captassem esse equilíbrio ou tensão
é isso: uma extensão do pronto a vestir da propunha algo, diziam: ‘Oh, não, isso não de não estar nem aqui nem ali, de ser pu-
marca para o pronto a vestir do lar. é Louis Vuitton.’ E tinha de engolir o meu xado em duas direções diferentes. Quando
O itinerário começa em 2012, quando a orgulho um pouco. Foi uma negociação en- estás em casa, queres ir de férias. Quando
Vuitton se empenhou em desenhar um ro- tre a visão da marca e a minha estética, por estás de férias, sentes o conforto de casa.”
teiro de linhas em parceria com designers isso passamos por muitas fases. Apresentei Uma citação pertinente num contexto
internacionais, compostas por objetos cerca de dez diferentes propostas – tape- atual que parece espelhar esta dualidade.
inspirados neste conceito de movimento tes e candeeiros e cadeiras e bancos – ao Numa altura em que somos obrigados a vi-
e exploração de países, cidades, lugares, longo de uns quantos meses até nos deci- ver mais a nossa casa, olhar com atenção
mas com íntima ligação à experiência de dirmos pela prateleira suspensa.” Ao iní- para esta linha de Objets Nomades reconfir-
savoir-faire da Louis Vuitton. Móveis e ob- cio, estava preocupado se as tiras em pele ma a importância de pôr lá elementos deco-
jetos têm sido imaginados sob a tutela Lou- sustentariam o peso da madeira a longo rativos que não são só funcionais, são uma
is Vuitton com criativos de renome, sendo espécie de paisagem entre quatro paredes.
que em 2018 a marca expandiu o seu leque Aquele #sunset quando o hashtag #stayho-
de Objets para Les Petits Nomades, uma linha me está em vigor. Aquela sensação de voya-
de objetos decorativos de menor dimen- ge, voyage e aventura que a Louis Vuitton
são. As personalidades que compõem a preconiza há 160 anos. Sem sair de casa. ●
colaboração dão cartas no lifestyle contem-
porâneo – Fernando & Humberto Campa-
na, Atelier Oï, Barber & Osgerby, Damien
FOTOGRAFIA: TOMMASO SARTORI.

Langlois-Meurinne, Raw Edges, Marcel


Wanders, Tokujin Yoshioka, Nendo, Índia

Da esquerda para a direita: estante Swell


Wave em madeira e pele, Andrew Kudless,
cadeira Dolls em pele e veludo, cadeira Dolls
em algodão e pele, ambas Raw Edges, tudo
Louis Vuitton Objets Nomades.

66 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 67


IN&OUT OUTRO GOURMET
5 P RATOS T RAD IC ION AIS
P ORT U GU E S E S

Q
Bacalhau assado com grão

COMER PARA QUERER uando nos encontramos para Porque bacalhau salgado seco
é a nossa comida mais original e um caso
conversar sobre O Homem
de amor (particularmente estranho).
Que Comia de Tudo (Quetzal),
o autor, Ricardo Dias Felner, Cabidela de galinha
Um jornalista que gosta muito de comer resolveu lançar o livro dedicado aproveita para falar acerca da Os pratos de sangue enchem a alma
e o corpo. A cabidela de galinha caseira
a quem com ele partilha essa paixão. maneira como se escreve sobre comida em ciclopédia com estrelinhas gastronómicas,
bate toda a concorrência.
Portugal. O assunto tornou-se sério, pesa- afaste-se rapidamente deste objeto. Aqui
Sem tabus e sem limites, Ricardo Dias Felner apresenta do, às vezes maçador, frequentemente de- fala-se de comida e de comer, de experi- Alheira de Montalegre
O Homem Que Comia de Tudo. masiado técnico e no limiar do pretensio- mentar e de conhecer. Fala-se de se ser É o nosso enchido mais difícil e complexo,
sismo. Foi um encontro em Lisboa durante apaixonado pelo que se come e ainda mais o que, no caso, é delicioso.
Por Diego Armés. Sobretudo se levar vitela e galinha
o qual Felner aproveitou para mostrar as por se descobrir sabores, texturas e mistu-
caseira desfiada, como acontece com
iguarias de um singular tasco chinês perto ras, origens, tradições e invenções. as artesanais de Montalegre.
do Martim Moniz e demonstrar o seu espí- No livro, corre-se o mundo e as receitas,
rito aventureiro num recanto bengali cujas encontram-se desabafos e desejos. Comer Estupeta de atum
delícias não justificam o risco, ali ao lado, é tão depressa elevado a forma de arte Feita com atum em salmoura desfiado,
a que se acrescenta a salada montanhesa,
na Rua do Benformoso. como logo a seguir é rebaixado a impulso azeite e muito vinagre, é bem exemplo
É este o perfil de Felner, jornalista, es- primitivo. Mas nem tudo em comer é comi- dessa culinária marinha, fresca e cítrica
critor, blogger e foodie, que confirma tudo o da, que a vida não é só gastronomia. Há que é a algarvia, tantas vezes injustiçada.
que se possa esperar do autor de um livro aqui muito pensamento e várias declara-
Bitoque
intitulado O Homem Que Comia de Tudo – e ções e análises que, todas juntas, acabam
O mal-amado bitoque safa muitas
é uma impressão que fica sublinhada após por determinar, se não uma filosofia, uma ocasiões. Quando bem feito, com carne
a leitura do mesmo. Não se espere daqui forma de estar na vida. Das criações dos com nervo, ovo estrelado e molhanga
um guia prático nem um compêndio com grandes chefs à feijoada de chouriços, dan- alhada é imbatível.
curadoria de Felner – se procura uma en- do ênfase à pimenta de Sichuan e nunca
virando a cara ao que é exótico, Ricardo
Dias Felner agrupa textos diversos que nos
conduzem pelo maravilhoso mundo de gos-
tar de comer. l
O Homem Que
Comia de Tudo
(Quetzal),
Ricardo Dias
Felner.
Oceania
Pavlova (Austrália
UM PRATO PO R e Nova Zelândia)
CADA CO NTINENTE Eis um prato de que não Índia
(+1 PARA A ÍND IA): sou fã, mas que tem uma Caril de borrego
RICARD O
D IAS FELNER, história curiosa e a comida Por mais caris que
O HO MEM Q UE Europa também é história. Diz-se coma, nenhum bate o Ásia
CO MIA D E TUD O Mil-folhas caramelizado que a Pavlova foi inventada de borrego, cuja carne Barriga de porco
de foie gras, maçã depois da passagem é frequentemente mais cozinhada duas vezes
verde e enguia da bailarina russa Anna saborosa que os frangos (China)
América (Espanha) Pavlova pela Austrália e pela ou as vacas industriais. É um dos pratos
Tacos de camarão Foi a Europa que elevou Nova Zelândia, nos anos Felizmente temos muitos tradicionais da região
(México) a cozinha criativa, de 1920. Ainda hoje os dois restaurantes que o de Sichuan, na China,
A cozinha mexicana para autor, muito depurada e países se digladiam sobre fazem bem, a começar conhecida pelas suas
mim é a mais vibrante trabalhada, ao estatuto a verdadeira origem do no Caxemira, em Lisboa pimentas. Faz-se com
e diversa de todo o de fine dining. Este prato, criador. (numa versão-bomba!), entremeada, cortada
continente. E nada é mais aliás, podia ser de um ou então, numa versão muito fininha, depois de
divertido do que comer Michelin na Áustria ou África mais suave, mas muito ser cozida e refrigerada.
Confirma ou desmente: a gastronomia os tacos, com tortilhas de na Suíça ou em França. Doro wat (Etiópia) autêntica, no Bangla, É terminada no wok,
portuguesa é a melhor do mundo milho a sério, e acabar com Mas acontece ser de Estufado de frango etíope, na Rua do Benformoso, salteada com alho-francês
Desminto. É tão boa como a da Geórgia. os beiços a arder de molho Martín Berasategui, chef que pode ser também de onde os autóctones e pimento, tudo envolto
Ou seja, muito boa. de jalapeño ou de chipotle. com 12 estrelas Michelin bovino, feito com uma comem com a mão. em pasta de feijão preto
De entre os tacos clássicos, no currículo, uma delas mistura de uma dezena fermentado e, claro,
Momento Twitter: a diferença entre o meu favorito é o de residente em Lisboa, no de especiarias, entre elas muitos chiles e muita
foodie e gourmand em 140 caracteres camarão, bem fornecido Fifty Seconds, onde se algumas pouco conhecidas pimenta de Sichuan.
Foodie é um jovem esfomeado e oportunista
com Instagram; gourmand é um cinquentão
de lima e cebola-roxa. pode comer este seu entre nós, como a nigella.
que está sempre a sacar do Larousse prato de assinatura, Come-se com pão injera,
e do Brillat-Savarin. verdadeiramente mágico. de farinha teff.

68 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 69


IN&OUT VINHOS Mr. Lee
“A Ásia tem morada
em Carnaxide.
Degustar Pad Thai ou
Kung Pao sem temer

BRANCO, A COR fecho de fronteiras


ou voos cancelados

DA PRIMAVERA
é possível. Em
Chickinho formato takeaway
“Há coisas que (e eventualmente Nómada
nunca mudam: este à distância de uma “Adoro sushi, por
pedido clássico em viagem de carro), isso nesta fase
A primavera está aí com as suas promessas de sol e de tempo jantares de fecho afogar quarentenas uma das coisas
ameno. Podemos abrir as janelas e deixar a nova estação da redação poderá em spring rolls é no que me imagino a
entrar, acompanhando o momento com um vinho branco continuar a fazer as Mr. Lee.” encomendar para
nossas delícias. O matar saudades,
de eleição. Eis algumas sugestões. Por Diego Armés. frango é bom, mas seria o sushi do
o arroz de feijão é Nómada.”
de nível superior.”

CÓDIGOS GASTRONÓMICOS
A questão é: faz sentido sugerir restaurantes em tempo de isolamento
MA RQUÊS e quando todos os estabelecimentos estão fechados ou condicionados?
DE B ORBA A resposta é: não, a não ser que se trate de sugestões para takeaway.
V I N H AS VELHAS
B RA N CO 2018 Aqui ficam.
Alentejo
C A S AL D E Neste vinho branco muito
VENTOZ EL A mineral e de aspeto
Vinhos Verdes cristalino, destaca-se
Um vinho verde que é o aroma cítrico bem
um excelente exemplo aconchegado pelo estágio
do que está a acontecer N A S CEN T E em barrica. A frescura
na região mais a norte de B RA N CO KOMPA S S U S é a nota dominante
Portugal onde cada vez JOÃO PORT U G A L Douro RES ERVA B RA N CO nesta combinação
mais encontramos vinhos RA M OS Produzido na Quinta da Bairrada algo atípica das castas Boi Cavalo Subenshi
secos e tranquilos, com A LVA R I NH O 2 0 1 9 Roga, provém de uma João Póvoa é um dos Arinto, Roupeiro e “Para um vislumbre “Um bom sushi torna
maior corpo e capacidade Vinhos Verdes vinha virada a nascente e produtores mais antigos Antão Vaz, na melhor de cozinha de qualquer quarentena
de envelhecimento. O 100% Alvarinho da protegida do calor mais da Bairrada, tendo tradição alentejana, com assinatura, nada mais feliz. E o melhor
Alvarinho é uma casta Sub-Região de Monção intenso que se pode começado a produzir os o forasteiro Alvarinho. como um takeaway restaurante da
com cada vez mais e Melgaço. Vinho de cor sentir à medida que o seus próprios vinhos em É o companheiro ideal de alta qualidade. Hamburgueria especialidade no Porto
importância não só nesta citrina, aroma intenso, sol foge para poente. As 1991. Este Kompassus para o bacalhau ou O Boi Cavalo Fidalgo tem takeaway. De 2.ª
região mas um pouco floral, com notas de frutos castas Viosinho (75%) Reserva é produzido a para peixes de sabores disponibiliza três “Na Margem Sul do a 6.ª, ao almoço, pode
por todo o País e a tropicais. Elegante e e Arinto (25%) são as partir das castas Arinto mais intensos. Sendo tipos de pho e ainda o Tejo as opções podem refastelar-se com dois
explicação é simples, há envolvente, termina com escolhidas para compor e Bical, típicas da região. um vinho estagiado em seu tradicional frango ser mais limitadas, minicrepes de salmão
poucas castas com esta notas minerais num longo este lote. Resulta num O vinho apresenta barrica, que adquiriu frito inteiro, ao mas a qualidade não + 11 peças de sushi,
capacidade para produzir final de boca. Acompanha vinho muito fresco e complexidade e vocação por isso alguma gordura, almoço e ao jantar.” fica aquém. Esta apenas por €14.”
vinhos de alta qualidade, na perfeição mariscos, vibrante, marcado pelo gastronómica, mas as deverá ser bebido a uma hamburgueria tem o
elegantes, com corpo e peixes grelhados, carnes clima mais atlântico que castas que o compõem temperatura ligeiramente melhor hambúrguer
estrutura, e uma frescura brancas e saladas. Serve ainda se sente nesta garantem a frescura e superior ao que é vegetariano de sempre:
que parece manter-se por também como um sub-região do Baixo a elegância típicas dos habitual num branco cogumelo portobello
muitos e bons anos. excelente aperitivo. Corgo. vinhos da Bairrada. mais leve. e queijo brie.”

ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 71


IN&OUT GADGETS

1 2

3 4

PARA A CASA 1 . PR INK E R S


Eis uma máquina para fazer
tatuagens temporárias que
2 . C A NON EOS R 5
Há pouco tempo passámos do
Full HD para o 4K, quadruplicando
3 . FOR EO UFO
Este aplicador de máscara
inteligente promete revolucionar
4 .S A M S UN G
G A L A XY Z F L I P
O Galaxy com o primeiro ecrã

PARA A RUA
deixa felizes tanto miúdos como a resolução da imagem. Agora, a a sua rotina de grooming em dobrável de vidro já anda
graúdos. A partir da aplicação Canon resolveu quadruplicá- apenas 90 segundos. No modo nas ruas. A nova tecnologia
móvel da Prinker, pode escolher -la de novo numa câmara de termoterapia, o UFO aquece desenvolvida pela Samsung
entre 5 mil desenhos exclusivos consumidor: a EOS R5 tem gradualmente fazendo com que permite-lhe pousar o telemóvel e
Da beleza à realidade virtual – eis cinco das novidades para tatuar a preto. O difícil capacidade de gravar vídeo em os ingredientes ativos da máscara ajustar o ângulo para ver vídeos,
será mesmo escolher, porque, 8K. Para além disso, esta câmara penetrem na pele. Através do ter conversas com as mãos
tecnológicas que fazem o nosso coração bater mais rápido. após escolher ou fazer upload mirrorless full frame possui um modo crioterapia, diminui a livres e tirar selfies que, noutros
Por Beatriz Silva Pinto. do desenho que quer trazer no novo sistema de estabilização aparência dos poros e reduz tempos, seriam impossíveis.
corpo, basta encostar a máquina de imagem no corpo, garantindo o inchaço. E com o tratamento O ecrã tem 6,7 polegadas, a
à pele e a coisa fica feita em três imagens sem tremeliques mesmo de fototerapia indolor, que câmara é dupla (com uma
segundos. A tinta aguenta-se até sem utilização de tripé, e apresenta usa ondas de luz LED, pode ultragrande angular de 12 MP e
PANASO N IC UH D VR E YEGLAS S E S três dias e é à prova de água, mas um obturador eletrónico de 20 fps rejuvenescer a pele sem esforço. uma grande angular de 12 MP) e
O mundo viu-os pela primeira vez no CES 2020 – e ninguém ficou indiferente. São os primeiros óculos de realidade virtual com ultra-alta lavável com sabão. €237 (inclui ou mecânico de 12 fps. No site, €199, em www.foreo.com. No a câmara frontal tem 10 MP. No
definição (UHD) e com alta gama dinâmica (HDR) alguma vez feitos, garante a Panasonic. E, mais importante: são super cool. Segundo um cartucho, que dá para cerca pode registar-se para acompanhar site, também pode explorar a pequeno ecrã externo é possível
a marca, apesar de serem leves e compactos, proporcionam imagens “naturais e suaves” e, ao nível do som, têm a “capacidade de 1.000 tatuagens), em as novidades do lançamento, que linha de máscaras compatíveis ver notificações, a hora e a data
de reproduzir uma ampla faixa de frequências”. A novidade ainda não chegou ao mercado, mas aguardamos ansiosamente. www.prinker.us. está previsto para 2020. com o UFO. e o estado da bateria. €1.529.

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IN&OUT

Fotografia tirada
em Mumbai À esquerda, uma
(Índia), em 1993. fotografia tirada
no Rajastão
(Índia), em 1983.
Abaixo, um retrato
captado em Cabul
(Afeganistão),
em 1992.

#MUSTFOLLOW

VOZES
É o autor de Menina Afegã, a mais célebre foto publicada
pela National Geographic. Aos 70 anos, Steve McCurry
continua a retratar culturas e conflitos. Por Beatriz Silva Pinto.
e espreitou para dentro. Eu consegui pegar
da fotografia. Acho que todos nós somos na câmara e fazer duas exposições antes de
@stevemccurryofficial fascinados pelo outro; todos temos a mesma a luz mudar e o condutor arrancar. Ver aquela
2,9 milhões de seguidores cara, mas todos somos diferentes. E essa mulher com o filho sob o calor e sob a chuva
diferença é fascinante; muitas vezes há relembrou-me do meu conforto, naquele
O elemento humano é omnipresente no uma história incrível contada nos nossos táxi com ar condicionado. Ela estava naquela
seu trabalho. O que mais o fascina no rostos. Eu seria muito feliz se pudesse apenas esquina todos os dias e eu tenho uma vida
universo dos retratos? Eu procuro por um tirar retratos para o resto da vida. ambulante, que me permite atravessar fronteiras
momento de desproteção e tento transmitir e fusos horários. E isso fez-me parar e pensar.
uma parte do que é ser aquela pessoa ou, num Há alguma fotografia que detenha um
sentido mais amplo, relacionar aquela vida à lugar especial no seu coração? Uma das A que tema fotográfico tem dado mais
experiência humana como um todo. Nós, seres minhas fotografias favoritas é a de uma mãe e atenção? Sempre fui atraído pelo budismo,
LUÍS PEDRO NUNES • BRUNO VIEIRA AMARAL • TONY PARSONS
humanos, conectamo-nos através do contacto o filho, a olhar através da janela do meu táxi. por causa da filosofia de compaixão com todas
visual – há um poder real naquele momento Lembro-me de estar parado num semáforo as criaturas da Terra. Em tempos como este, MATILDE CAMPILHO • DIEGO ARMÉS • JOSÉ COUTO NOGUEIRA
compartilhado de atenção, quando vislumbras durante a estação das monções em Mumbai. é ainda mais importante concentrarmo-nos
o que é estar nos pés do outro. E eu acho Uma jovem mãe, a segurar o filho, apareceu na prática da não violência, da hospitalidade
que essa é uma das coisas mais poderosas do lado de fora da janela pontilhada pela chuva e da generosidade. l

74 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 75


PELO BURACO DA FECHADURA
O CAPELINHA DAS APARIÇÕES
cias menos agradáveis. Um diretor de inti- s leitores estarão lembrados de
midade faz o mesmo que um coordenador uma prédica do então primeiro-mi-
LUÍS PEDRO NUNES de lutas. Ensaia a cena de sexo, os movi- nistro Pedro Passos Coelho em que
BRUNO VIEIRA AMARAL
mentos, os tempos, as posições, as prote- aconselhou os portugueses a não encara-
ções de genitais, os ângulos para a câmara rem o desemprego como uma tragédia, an-
e os limites dos atores, servindo mesmo tes como uma oportunidade. Anos depois, já
COREOGRAFIA para intermediar questões e receios com o
realizador. O Washington Post relata uma
aliviado das funções governativas, masca-
rou-se de Cassandra e avisou o seu suces-
O DIABO EM
história recente com Emily Meade, que
participa na série de The Deuce (da HBO),
sor de que era preciso ter cuidado porque
vinha aí o diabo. William Peter Blatty, que
NOSSA CASA
que se passa no mundo do porno dos anos morreu em 2017, nunca terá ouvido falar de
70, em que tinha uma cena de joelhos e nua Passos Coelho, mas se o mundo sabe quem
a simular sexo oral a um homem. O receio foi este escritor norte-americano muito se
de estar exposta daquela forma e de ir pa- deve à extraordinária coincidência de o de-
rar à Internet num clip de 20 segundos era semprego e o diabo terem entrado na sua
real. Mas ela, só, dificilmente diria algo ao vida quase ao mesmo tempo.

H
realizador. Sim, há compilações de clipes Durante a década de 60, Blatty publicou
á coisas que nunca esperaríamos sentido, mas também até onde os atores se na Net de atrizes conhecidas a mostrar as romances humorísticos que lhe valeram Incorruptíveis, garantia-lhe que consegui- ao longo do filme com grande subtileza: o
escrever na nossa curta passa- sentiam confortáveis de ir e até tinham po- mamas ou nuas ou qualquer coisa – por comparações com S. J. Perelman e começou riam encontrar um equivalente visual – só- contraste entre a luz e as trevas, entre os
gem por este planeta. Uma delas deres de parar ao fim de “n” takes. terem aparecido uns segundos num filme a escrever guiões cinematográficos. No fim brio e convincente – daquilo que se limitara espaços exteriores e a prisão em que a casa
é: “O sexo está a desparecer dos ecrãs.” Há poucos anos, e sem ter sido consi- ou num episódio. O diretor de intimidade da década, depois de algumas colaborações a sugerir nas páginas do romance. É que se vai transformando, a comparação entre
Até porque numa primeira análise soa a derada com a seriedade que talvez me- serviu para intermediar os receios e levar com o realizador Blake Edwards, ficou sem escrever sobre levitações e vómitos verdes os procedimentos clínicos que levam a um
imbecilidade. Então, se o que não falta recesse, a atriz Maria Schneider revelou propostas. Acabou a usar um robe que a trabalho e resolveu voltar à ficção. Porém, é uma coisa – tudo acontece na imaginação beco sem saída e os efeitos dos igualmente
neste mundo de deus é porno, como é que detalhes perturbadores da famosa cena defendeu e os planos foram tão rápidos desta vez não seria para escrever roman- do leitor. Outra bem diferente é mostrar rigorosos rituais católicos, a paulatina me-
se diz algo tão ousadamente deslocado da da manteiga com Marlon Brando no filme que não serão colocados num meme, nem ces cómicos. O escritor lembrava-se de um tudo num grande ecrã sem descambar para tamorfose de Reagan, a impotência e o de-
realidade? Não há contradição. Enquanto o O Último Tango em Paris, de 1972, contan- a deixarão envergonhada para o resto da caso de alegada possessão demoníaca em o ridículo. sespero da mãe, num desempenho notável
porno ficou cada vez mais porno, o cinema do ter-se sentido “humilhada e um pouco vida – que era o que temia. Foi um ponto que dois padres tinham exorcizado um ra- Quando o filme ficou pronto, Friedkin, de Ellen Burstyn.
e as dezenas de milhares de séries que são violada”. Perante Brando e Bernardo Ber- de viragem. “Esta é uma indústria em que, pazinho de dez anos, em St. Louis. Foi esse contra os seus instintos egomaníacos, acei- Hoje, quando se vê O Exorcista, é mais fá-
anualmente produzidas para o cinema e tolucci, acabou por não fazer nada. Acon- se dizes que não, há centenas de pessoas o ponto de partida para O Exorcista, livro tou as sugestões de um dos executivos da cil perceber a opinião unânime de todos os
streamings de TV expurgaram o sexo, tout tece que mesmo agora, quase meio século para te substituir...” que se tornou um dos maiores sucessos de Warner para cortar algumas cenas. No que participaram no filme: não é um filme
court. Mas não é uma causa-efeito. Para já depois, ainda há atrizes que se queixam de Passada esta primeira vaga de espan- vendas em 1971. entanto, resistiu à pressão de Blatty para de terror. Basta lembrarmo-nos dos milhen-
é uma constatação. algumas cenas acabarem de forma pouco to – ahaha um coreógrafo para a fodenga, Os direitos para a adaptação cinemato- incluir outras que o escritor – e também tos filmes que exploraram os mesmos te-
Mas se calhar somos capazes de dizer “interessante” para o lado delas numa in- onde já se viu? –, os próprios realizadores gráfica foram vendidos à Warner Bros. e, argumentista – julgava essenciais e que o mas sobrenaturais sem alcançar o mesmo
isto: estamos em 2020; e o sexo é o elefan- dústria que permite uma larga capacidade começaram a constatar que o resultado fi- de forma a manter o controlo criativo sobre realizador via como supérfluas e redundan- efeito, de perturbar até o mais impassível e
te na sala; não sabemos o que fazer com de improvisação quando se trata de filmar nal era mais sexy. Porque em vez de terem uma história que lhe dizia muito, Blatty foi tes. Essas cenas foram incluídas na versão incrédulo dos espectadores, convencendo-o
ele. Que chatice. Numa série de TV, a cenas de sexo ou “amor tórrido”. dois seres a atuar e a querer despachar e um dos produtores. Afinal, tinha sido gra- lançada em 2000 porque Friedkin acha- da veracidade da história de uma rapari-
mera nudez pode tirar audiência e proibir As atrizes queixam-se dessa ambiguida- a seguirem linhas de realização mais ou ças ao livro que saíra da sua crise pessoal va que tinha essa dívida para com Blatty, ga possuída pelo demónio. Argumentista e
adolescentes de ver (segundo os padrões de, dado que nos guiões muitas vezes sur- menos improvisadas, estavam a fazer uma ao mesmo tempo que se livrara do rótulo que lhe oferecera o melhor material com realizador podiam não estar de acordo em
americanos). Estamos numa era em que te- ge apenas: “E vão para o sofá e fazem amor dança que tinha sido discutida e ensaiada de escritor humorístico. A produtora, junto que alguma vez trabalhou. Mas Friedkin muitas coisas, mas acreditavam na história
mos dificuldades em lidar com dois seres intensamente.” Ora, como é que se traduz previamente. Nomeadamente para provo- com Blatty, tentou entregar a realização do tinha razão. As cenas cortadas, como uma que tinham para contar e na maneira cer-
a fazer lá o que é que deviam estar a fa- isso para imagens? O realizador quer que car determinados efeitos. Ora, se a ideia de filme aos realizadores na crista da onda, conversa entre os padres Merrin e Kar- ta de a contar. Um deu as palavras, o outro
zer para as câmaras. Mas atentemos. Hoje, a atriz mostre mamas e a partir daí é só uma cena é ser erótica, um coordenador de como Mike Nichols e Peter Bogdanovich. ras, limitavam-se a reforçar, de uma forma contribuiu com a visão. Num documentário
meses depois de ter ouvido falar pela pri- dizer: “Ação!” O que pode levar a experiên- intimidade poderia discutir com os atores No entanto, o projeto foi parar às mãos um tanto tosca, aquilo que era sugerido sobre o filme, Blatty, o crente, disse que O
meira vez de “diretores de intimidade” (ou como a fazer mais sexy. E retirar dela um do combustível William Friedkin que anda- Exorcista era sobre a velha questão de sa-
coordenadores de intimidade), fico espan- efeito maior. va nas nuvens depois de ganhar o Óscar de ber porque é acontecem coisas más às boas
tado ao pensar que dantes era tudo mais Pode ser. Tudo isto é normal. Como se melhor realizador pelo filme Os Incorruptí- pessoas. Friedkin, o ateu, disse que era so-
ou menos feito em improvisação. Ou seja, o pode constatar, nada tenho contra os di- veis Contra a Droga. Não que Friedkin preci- bre o mistério da fé. Nunca mais fizeram
realizador dizia “ação” e os atores faziam retores de intimidade – nem contra as co- sasse de incentivos exteriores para insuflar nada tão significativo e com tão grande im-
furunfunfum, rebola aqui, apalpa ali, grita reografias. Acho até muito bem. Contudo, o ego. Ele já se julgava o maior realizador pacto. Ele há coisas do diabo. l
e corta! Estava mal. Até porque, como em algures neste texto escrevi que o sexo é o do mundo e o reconhecimento dos outros
muitas outras coisas, “o poder” residia do F I C O E S PA N TA D O elefante na sala. Ninguém fala. Qualquer servia apenas para o confirmar. De tempe-
lado dos homens. Vá lá, admitam. Estava. dia já não sabemos bem o que é de facto a ramentos e origens muito diferentes, Frie-
O #MeToo assustou muitas produtoras
AO PENSAR QUE coisa. E vamos precisar de um diretor de in- dkin, um ateu explosivo e irascível, Blatty,
de cinema que começaram a contratar “di- DANTES ERA timidade, in loco, no nosso quarto para nos um católico soturno e pausado, os dois ho- O E S C R I T O R L E M B R A VA - S E
retores de intimidade” para cenas de sexo. ajudar. E aí é que vai ser problemático. l mens tinham em comum as relações muito
As cenas não poderiam ser improvisadas. TUDO MAIS OU próximas com as mães. Para o filme, Blatty DE UM CASO DE ALEGADA
Teriam de ser pré-coreografadas. Essas MENOS FEITO EM tinha idealizado um registo o mais realista POSSESSÃO DEMONÍACA ,
pessoas conversavam, discutiam a cena, possível e a experiência de Friedkin como
nomeadamente sobre o que faria ou não IMPROVISAÇÃO documentarista, que já se fizera notar n’Os OCORRIDO NA DÉCADA DE 40
76 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 77
MAN THINGS
A ESCOTILHA
Sul–País de Gales na meia-final, quando o inda sou do tempo dos jornais. As
asa galês George North sofreu uma lesão primeiras memórias que tenho de
TONY PARSONS repentina no tendão enquanto corria em infância envolvem não só um disco MATILDE CAMPILHO
direção a um gigante da equipa adversária do Elton John de capa azul, como também
que estava à espera que a bola caísse do ar. o som de umas páginas a preto e branco a
COMO EU Num ato de coragem inimaginável, North
continuou a correr, mancando na sua úni-
serem viradas a cada fim de tarde. Lá em
casa, porque o meu pai saía bem cedo para NAS PALAVRAS
APRENDI A ca perna saudável e conseguindo, apesar
das circunstâncias, fazer o tackle. “Se és
o trabalho, o jornal lia-se antes do jantar.
A essa hora já eu tinha tomado banho e já CRUZADAS
GOSTAR DE capaz de forçar coração, nervos e tendões
a dar seja o que for que neles ainda exis-
teria escutado pela enésima vez o tal dis-
co que, agora que penso nisso, não sei se NUNCA APARECEU
“BALLET PARA te...” Alguma vez o futebol me fez lembrar
com lágrimas nos olhos uma citação de Ru-
pertencia ao meu pai se à minha mãe. A
minha infância sempre me pareceu prodi- A PALAVRA MEDO
GRAÚDOS” dyard Kipling no seu poema Se? O tackle de
North, feito a uma perna, foi um momento
giosa por muitas razões, e uma delas tem
a ver com a questão de que os objetos não
para nos maravilharmos com o espírito hu- tinham dono e estavam ali para quem os

N
mano. E não tive escolha senão amar este quisesse usar.
a minha escola ensinaram-nos a Houve muitos momentos como aquele no desporto. Usei muito os discos dos meus pais em mais raro ainda é encontrar quem não sai- cresci para trabalhar naquilo que mais
odiar o rugby. Era uma escola se- Japão. O tufão Hagibis atingiu o país no A minha epifania em relação ao rugby criança, e esse foi só mais um ponto a favor ba da notícia ao minuto. As novidades bro- gosto. O disco do Elton John, as revistas, a
cundária onde o rugby era visto decorrer do torneio. Houve inundações, vem exatamente quando dou por mim a na minha educação. Outro ponto foi o som tam dos telefones a uma velocidade doida, notícia: tudo isso está presente no meu tra-
como um desporto socialmente móvel, uma deslizamentos de terra, 88 mortos e muitos afastar-me dos desportos que amei ao lon- do papel virado, o mesmo que na minha e já quase ninguém se dá o trabalho de ler balho agora. Eu só não sabia que cresceria
estrada lamacenta para nos tornarmos fi- desaparecidos. Aquele desastre nacional go da vida, o boxe e o futebol. O boxe? Este casa se ouve agora aos sábados de manhã. o jornal pela manhã. Eu confesso que tam- para viver o tempo da velocidade, onde
nos e bem-vistos, tão essencial à cultura poderia ter destruído outro campeonato devia ter sido o ano em que três pesos pe- Quando digo que sou do tempo dos jornais bém já praticamente só os compro ao fim uma canção como Tiny Dancer seria con-
aspiracional da escola quanto o lema latino desportivo, mas o rugby uniu-se e todos os sados lutavam uns contra os outros, porém quero dizer que cresci com a importância de semana. Um sábado bom é aquele que siderada demasiado longa para os padrões
no crachá do nosso blazer. jogos a seguir começaram com um minuto planearam evitar-se. E o futebol? Esse não de um jornal diário e em papel – primeiro começa com uns quantos jornais espalha- normais de concentração. Muito menos sa-
Era obviamente o futebol, a hora da brin- de silêncio. Chegada a altura de cantar os melhora com montanhas de dinheiro, joga- era o meu pai, depois eram quase todos os dos, nos quais vou sublinhando as notícias bia que a cobra do telefone nos havia de
cadeira e as paredes dos nossos quartos hinos nacionais, às equipas juntava-se uma dores que beijam o emblema do clube sem meus companheiros de comboio a folheá-lo menores. As grandes, já se sabe, entram- comer a mão, e que a maçã afinal éramos
que preenchiam os nossos sonhos. Mas a mascote pequenina local, que tinha clara- compreender o seu valor, ou a cultura de a caminho do trabalho. Nessa altura já eu -nos pelos olhos a semana inteira, aos gri- nós. No dia em que escrevo esta crónica
nossa escola – e o assustador professor de mente passado horas a aprender o hino de- fingir uma lesão. ia a caminho da universidade e, tal como tos, no telefone ou na TV. E arrasam logo os jornais gritam o alarme – há um vírus
desporto gaulês – acreditavam que o fute- les. Típico do omotenashi japonês, que pode Mas eu encontrei o meu talismã des- os meus companheiros, folheava o meu. É com a possibilidade de análise. Trazem a a espalhar-se veloz e a notícia só fala dos
bol trazia fedor de cervejas para a cidade. ser traduzido por hospitalidade consciente. portivo no rugby do Japão. Houve uma que embora eu ainda nem esteja perto dos euforia e o alarme, mas nem por isso uma números desse avanço. No jornal, na TV e
Por isso fomos ensinados a jogar rugby E típico deste campeonato. Houve ferocida- delicadeza violenta de que gostei. “Ballet 40, sou do tempo em que o telefone móvel, resolução. nos telefones, os números saltam sem pa-
e aprendemos a detestá-lo durante uma de, sangue e ossos partidos desde o primei- para graúdos”, alguém lhe chamou. Havia a existir, estava lá só para fazer e receber O tempo em que o meu pai lia o jornal rar. Como conselho, sugerem que evitemos
vida, sobretudo porque antes de cada aula ro jogo até à final. Mas também houve sem- nobreza: aplaudir a outra equipa, aceitar a chamadas. Quando muito para, em horas parece agora um tempo muito antigo. Era espaços fechados e que lavemos as mãos.
éramos obrigados a rebolar na lama. Não pre respeito, espírito desportivo e decência decisão do árbitro mesmo se ele estivesse aborrecidas, jogar ao jogo da cobrinha a o tempo do vagar. O tempo em que era pos- Dizem-nos também que o tal vírus fica la-
nos fazia senhores, mas fazia-nos detestar humana. E essa é a alma do rugby. errado, não deitar abaixo o hino nacional comer a maçã. E até isso não chegava a sível ler cada notícia e respirar depois, e tente nos objetos e que, então, mais vale
o rugby. Então o que é que mudou para mim O momento exato em que me apaixonei do adversário. Os treinadores não chora- ocupar no máximo uns 20 minutos. O resto tirar daí alguma conclusão. No fim, com tocar pouco nas coisas.
no mundial rugby de 2019 no Japão? Tudo. por este desporto foi durante o África do mingavam que tinham sido roubados. Os do tempo era usado para observar a pai- sorte, ainda era possível resolver as pa- Hoje não é sábado, mas ainda assim
A nação anfitriã fazia com que o des- jogadores não fingiam ter-se magoado. E, sagem no comboio, para folhear um jornal, lavras cruzadas de cabeça fresca e sem comprei o jornal. Sublinhei uma notícia
porto parecesse uma corrida onde ritmo, chocante para qualquer fã de futebol, os para ouvir as conversas de estranhos, até medo. Escrevo esta crónica praticamente musical, resolvi as palavras cruzadas e du-
talento e mãos inteligentes eram fatores jogadores não tinham os seus nomes es- mesmo para não fazer nada. Era importan- um mês antes da sua publicação, porque rante uns 20 minutos não olhei para o tele-
essenciais. O jogador de Inglaterra Owen tampados nas costas das T-shirts. Depois te o tempo de viagem em que não fazíamos fone. Uma vez ou outra levantei os olhos
Farrell tinha o carisma sereno e o sentido A MINHA de ver a primeira liga, há um espírito des- nada. e pude ver como a criança à minha frente
de destino de um Bobby Moore do século E P I FA N I A E M portivo old-school e uma falta de ego na Desde que os telefones contêm um mun- brincava com um lego sem lavar as mãos.
XXI. Farrell sorriu com o haka da Nova elite do rugby que eu considero irresistível. do que vai bem para lá da cobra e da maçã, Não me alheei, nem sequer deixei de estar
Zelândia para depois apoiar a equipa de RELAÇÃO AO Ninguém está a fingir no rugby. E, embora já é muito raro ver-se alguém de olhos pos- atenta aos conselhos que com certeza nos
forma gloriosa naquela que foi uma devas- esteja completamente fora de moda dizê- tos na janela, seja no comboio ou no café, levarão a superar mais um forte percalço
tadora vitória na meia-final contra os All
RUGBY VEM -lo nos tempos que correm, o rugby é um sem fazer mesmo nada. Para além disso, deste planeta que se move sem pedir licen-
Blacks. Sempre assumi que a Nova Zelân- EX ATA M E N T E desporto que reverencia as velhas virtudes ça. Mas durante 20 minutos, estou certa,
dia era o equivalente ao Brasil no futebol. masculinas de coragem e estoicismo. fui tranquila. Vivi, sem medo de contami-
Se eras capaz de os vencer, podias fazer Q UA N D O D O U Enquanto aluno de 11 anos de uma esco- nação, e tive a sorte de habitar o tempo do
o mesmo com todas as outras equipas. A la secundária, o rugby foi-me imposto e eu jornal. Pressenti que as coisas ainda eram
glória suprema de Inglaterra parecia inevi-
POR MIM A não podia fazer nada para além de o des- de todos e que estávamos à vontade para
tável até que perderam contra a África do A FA S TA R - M E D O S prezar. Mas no Japão tive de amá-lo. O ru- O T E M P O E M Q U E O M E U PA I L I A as afagar. Por 20 minutos deste dia, en-
Sul na final. Os Springboks foram a melhor gby falou comigo no Campeonato Mundial quanto sublinhava frases menores, esqueci
equipa naquele dia e, guiados por Siya Ko- DESPORTOS QUE de 2019 como nenhum outro desporto tinha O J O R N A L PA R E C E A G O R A U M que o maior vírus ainda era, e é, o vírus da
lisi – o primeiro capitão negro na história AMEI AO LONGO falado durante muito, muito tempo. Disse- TEMPO MUITO ANTIGO. ERA velocidade. E trauteei serena um Tiny Dan-
da equipa sul-africana –, a sua vitória pa- -me “Olha para aquilo que tens estado a cer, feliz por não ter perseguido nenhuma
receu mais do que mero desporto. DA VIDA perder.” l O T E M P O D O VA G A R cobra, nenhum isco, nenhum susto. l

78 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 79


FICÇÕES MAIS OU MENOS
A NO TEMPO DA PÓS-VERDADE
dos outros por nós. E a amizade pode até “teoria do caos” começou por ser
nem ser um sentimento. concebida por Henri Poincaré em
DIEGO ARMÉS O que é uma amizade? Uma constru- 1890 como uma lei da Física. Ba-
JOSÉ COUTO NOGUEIRA *
ção social? Uma correlação de ideias e de sicamente, dizia que o movimento de três
afetos? Uma capacidade humana para dar massas, em certas condições matemáticas,
abraços e dizer que vai tudo correr bem? pode provocar um fenómeno de dimensões
A-MI-ZA-DE Um telefonema duas vezes por ano, uma
pelo aniversário, outra pelo Natal, a per-
muito maiores do que essas massas indivi-
dualmente. Muito complexo para perceber
O EFEITO
guntar como estamos, e o emprego, e a
casa, e a cachorra, e a vida, e o universo,
a sua aplicação no mundo real? Sem dúvi-
da. Mas deste conceito derivou, através de
BORBOLETA
e as ideias, e os cabelos brancos, e o tempo uns poucos académicos e no decurso de 60
a passar, e o tempo que faz lá fora, e quan- anos, um conto de Ray Bradbury, O Som do
do é que marcamos um jantar? E se a ami- Trovão, em que aparece pela primeira vez
zade não for correspondida? Conseguirá a expressão “efeito borboleta”. (Pensava
uma amizade subsistir pelos seus próprios que era uma ideia ancestral da sabedoria
meios como uma entidade etérea indepen- oriental? Não senhor. É recente, e deve-se
dente dos pretensos intervenientes? à sabedoria futurista da ciência ociden-
I mação dos outros e, em casos extremos, o (Os meus pais, por esta altura do texto, tal.) O conto do mestre da ficção científi- -se pelo fogo, como protesto pelo confisco causa-efeito destas e doutras situações se-
Circunstâncias trágicas fazem-me pensar afeto que alguns me dedicaram. olham um para o outro com aquela expres- ca, publicado em 1952, saiu da ficção para da sua mercadoria por um polícia munici- ria preciso um livro. Se não perceber ime-
sobre a amizade. O desaparecimento ines- Aos olhares e à estranheza dos outros são que eu nunca soube ao certo o que a ciência quando E. N. Lorenz o enunciou pal. A reacção popular a esta humilhação diatamente, faça o jogo de ligar os pontos.)
perado de uma figura aglutinadora da co- sempre reagi com a despreocupação de significa. Acho que eles acham que tenho matematicamente, em 1961. Num processo infligida pelo poder a um cidadão levou a O exemplo mais recente: em meados
munidade em que me insiro – um homem quem nem dá por isso porque está habitua- sorte na vida, mas nunca percebi até que de projecção meteorológica, Lorenz intro- que, dois meses depois, o presidente auto- de Dezembro de 2019, um comerciante
bom e carismático, chamava-se João Ricar- do – tive a sorte de, em casa e desde sem- ponto acham que tenho sorte na vida. “Ele duziu no computador um número mínimo crata da Tunísia tivesse de se exilar. Co- no mercado armazenista de marisco, em
do, chamavam-lhe Xico da Ladra – levou- pre, os meus pais trocarem olhares entre jogou à bola, andou na escola e sobrevi- impreciso; em vez de 0,506127, arredondou meçou assim um movimento que alastrou Wuhan, que não tinha controlos sanitá-
-me a pôr em perspetiva aquilo que tinha eles como se alguma coisa não estivesse veu”, dirá a minha mãe telepaticamente ao para 0,506. Foi tomar um café e quando vol- rapidamente aos países vizinhos e que rios mínimos, vendeu um ou mais animais
para mim como um consistente círculo de bem, mas não quisessem que eu percebesse meu pai; “sim, e há pessoas que falam com tou, uma hora depois, verificou que aquela ficou conhecido como Primavera Árabe. infectados (não se sabe quantos ou quais
amizades (no caso concreto, o meu). Pro- o que estavam a pensar sobre mim. Nessa ele”, responderá o meu pai como se consta- diferença mínima tinha dado resultados Juntando a esta “massa” (conforme a teo- animais). Uma situação destas decerto
pus-me analisar quase cientificamente – e altura, os meus pais eram os meus melho- tasse o óbvio, mas não sem surpresa.) astronomicamente diferentes. ria de Poincaré) a “massa” provocada pela acontecia diariamente em milhões de mer-
recorrendo a doses equilibradas de auto- res amigos. Hoje em dia, os meus melhores A partir dessa formulação, o “efeito bor- II Guerra do Golfo, provocada pela “bor- cados, na China e no mundo; mas desta vez
comiseração e de humor autodepreciativo amigos têm reações semelhantes e o mesmo boleta” estendeu-se a todas os ramos do boleta” do ataque às Torres Gémeas, em a infecção era nova e extremamente rápi-
involuntário – a maneira como sou amigo sempre aconteceu no liceu e na faculdade. III conhecimento e vulgarizou-se; todos nós 2001, mais a variável devida à criação do da. O mercado foi fechado no dia seguinte
dos outros e a maneira como os outros são Não sei se as pessoas com sorte têm sem- já ouvimos falar, por exemplo, que se uma Sultanato Islâmico (Daesh) em 1999, temos e a 5 de Janeiro as autoridades já estavam
meus amigos. Foi um exercício arrojado. pre amigos e acho arriscado, talvez até in- borboleta bate as asas no Japão, pode pro- uma situação, ainda decorrente em 2020, alerta para a novidade. Desta “borboleta”

(DIEGO ARMÉS ESCREVE A CRÓNICA SEMANAL DE FUTEBOL SÓCIO #107658 EM GQPORTUGAL.PT.)


Cheguei a conclusões. II justo, inferir acerca de quem tem amigos vocar uma tempestade no Brasil. com efeitos mundiais, económicos e polí- resultou uma crise mundial, não só de saú-
A primeira é que, provavelmente, nunca Às vezes pergunto-me quantos dos que que tem sorte. Da mesma forma que uma Ao mesmo tempo que o conhecimento ticos. O desespero dos exilados sírios es- de, mas também económica. De nada ser-
fui e não serei grande amigo do meu ami- me são próximos serão verdadeiramente pessoa que tem falta de amigos não vive desta possibilidade do caos se generaliza- corraçados na Europa, a nuclearização da viu à Itália, um país europeu, ter controlos
go, pelo menos segundo os padrões que meus amigos e depois dou por mim a ten- nesse desterro sentimental necessaria- va, a globalização, que entretanto se con- Coreia do Norte, o custo da gasolina numa sanitários de alimentação rigorosíssimos.
a sociedade ocidental estabeleceu para a tar perceber o que é que isso significa se- mente por excesso de azar. Mas, e refletin- cretizou, parecia uma segurança contra o bomba nos Estados Unidos, a ascendência Nem serviu aos Estados Unidos, um país
amizade. Uma propensão quase patológica quer. Não temos um aparelho para detetar do sobre o meu caso, acredito que algures caos; se tudo é universal, desde a Internet da China a primeira potência mundial – com estruturas financeiras controladas e
para comportamentos egoístas torna-me se a amizade existe, nem uma escala para no cumprimento desse destino entre o co- ao trigo geneticamente modificado, não há está tudo ligado. (Para descrever a relação constantemente avaliadas.

*JOSÉ COUTO NOGUEIRA ESCREVE NA ANTIGA NORMA ORTOGRÁFICA.


um indivíduo com tendência para o isola- medir uma coisa destas, ou qualquer ou- meço e o fim da vida uma pessoa que tenha nada que possa acontecer num ponto que A tecnologia, com os seus recursos mira-
mento, para a falta de espírito de equipa tra ferramenta para aferir dos sentimentos feito amigos seja afortunada. não possa ser controlado noutro, ou pelo bolantes, só conseguirá resolver o problema
e, principalmente, com parcos recursos ao Às vezes sinto saudades de certos ami- menos amortecido. médico daqui a um tempo indeterminado; a
nível da abnegação e do espírito de sacrifí- gos antigos, mas já nem sei bem se somos Vemos agora que aconteceu precisa- globalização, com a sua rede infinita de for-
cio. Pelo lado negativo, sobressai o facto de mesmo amigos ou se essas saudades são mente o contrário. Temos já, no domínio necimentos (supply chain) em vez de diluir o
ser bastante emocional e sensível, o que me ANTEONTEM, nutridas por uma imagem, uma remi- público, muitas histórias que mostram que, problema, multiplicou-o; e a informação ins-
torna aos olhos dos outros um tipo birrento niscência de um “eu” antigo nosso que realmente, o tal bater de asas minúsculas tantânea universal só serviu para aterrori-
e aos meus próprios olhos um ser incapaz
NA SALA DE mantém uma amizade imaginária com a pode provocar consequências faraónicas a zar o universo, divulgando desenvolvimen-
da razão fria quando melindrado. ESPERA DE UM imagem desse outro amigo que nos ficou milhares de quilómetros de distância. Por tos não confirmados e falsas notícias. As
Ao longo da vida, nos seus vários está- estanque e imutável na memória. exemplo: em 17 de Dezembro de 2010, na companhias aéreas do mundo inteiro estão
gios e nas mais diversas circunstâncias, H O S P I TA L , U M Há uns tempos, reencontrei um amigo Tunísia, um vendedor ambulante imolou- a ver a falência pela frente; os pescadores
sempre senti da parte dos outros uma que não via há mais de 20 anos e falámos de lagostas na África do Sul (que vendiam
espécie de olhar incompreensivo, mas
AMIGO COM QUEM como se não nos víssemos há dois dias. 100% da produção à China) estão arruina-
ao mesmo tempo intrigado. Raramente T I N H A E STA D O Anteontem, na sala de espera de um hospi- dos; as exposições e os leilões de Arte mais
me senti entre pares num grupo alarga- tal, um amigo com quem tinha estado dois prestigiados, que movimentam milhões de
do. Quase sempre me senti um elemento DOIS DIAS ANTES dias antes fingiu que não me viu. De todos D E S TA “ B O R B O L E TA” R E S U LT O U dólares, estão fechados.
curioso – curioso no sentido de incomum, FINGIU QUE os mistérios da vida, e excetuando o da UMA CRISE MUNDIAL, NÃO SÓ DE Quando situações naturais ancestrais e
de corpo estranho. É agora a minha vez própria vida, a amizade talvez seja o mais soluções ultramodernas se juntam, o resul-
de ficar intrigado, estranhando a aproxi- NÃO ME VIU fascinante. l SA Ú D E , M A S TA M B É M E C O N Ó M I CA tado pode ser decepcionante... l

80 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 81


ABRIL
ENTREVISTA • MODA • MUSA • REPORTAGEM • COMPORTAMENTO

M A K V I I N R G U SC U C L A T N U RB E E VC I O R O A L L
O U R R E A D E R S K E E P I N C R E A S I N G E V E R Y D A Y . T H A N K Y O U .

WE ARE WORLDWIDE
A PIECE OF ART
“Eu nunca fiz nada a mim mesmo, daí que me tenha tornado esta velha amêijoa enrugada.
É que eu gosto de um aspeto natural.”
Não perca esta e outras pérolas extraídas da conversa com o primeiro supermodelo
masculino da história, Mark Vanderloo, na página 108.
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REPORTAGEM

Sikkim
Biológico
A d u pla d e re p órt e re s Matt e o Fagotto e Mat i lde Gatton i (fotog raf ia)

v i a ja m at é a o e s t ad o ind i a n o de Si kki m , n a f ron t e i ra com o Nepal ,

o B u t ão e o Tib e t e . É a í que e n con t ra m u m a e sp é ci e de p a ra í s o em to rno

d o m o n t e Ka nc he nj ung a , a t e rce i ra m on t a n h a m a i s a lt a do p lane ta .

Vista das majestosas montanhas


cobertas de arrozais de ambos os
lados, bandeiras de oração brancas
bailam ao sabor do vento para
espalhar as orações pela natureza.

84 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 85


REPORTAGEM

seu alpendre de madeira, rodeado por fo-


lhagem verde e tangerinas reluzentes. Foi
Tenzing quem, após o seu regresso, incen-
tivou os jovens desempregados locais a se
dedicarem à agricultura e quem liderou a
campanha de marketing e comercialização
dos deliciosos produtos naturais de Dzon-

SIKKIM (ÍNDIA) gu. Hoje ele é uma das personagens mais


reverenciadas da região e a personificação
outros insetos polinizadores, mataram ani-
mais selvagens e causaram muita poluição
aquática e esgotamento dos solos. Em al- À esquerda, uma tradicional
da via alternativa para o desenvolvimento
casa de madeira na aldeia
O distrito de Dzongu ainda está adormeci- seguida por Sikkim. guns países, a aquisição de sementes híbri- de Tingvong. Em cima,
do, numa manhã de nevoeiro denso, quan- Em 2016, Sikkim tornou-se o primeiro es- das e de tecnologia dispendiosa precipitou bandeiras de oração ao
do o canto das aves assinala o início de um tado 100% biológico do mundo, com o ob- os agricultores numa espiral de dívida fa- longo do lago sagrado de
novo dia. À medida que a humidade se eva- jetivo declarado de preservar o ambiente tal, causando suicídios generalizados (qua- Kathog. As bandeiras são
penduradas de maneira a
pora lentamente, expondo o céu azul, as co- local, o seu frágil ecossistema e a sua rica se 300 mil só na Índia entre 1995 e 2014). que as orações possam ser
linas repletas de árvores ressoam com uma biodiversidade, e de assegurar uma vida Com a sua terra agrícola limitada e o bai- espalhadas pela natureza
miríade de cascatas nas montanhas circun- mais saudável aos seus habitantes. Foi o xo rendimento das colheitas, Sikkim nunca quando o vento soprar. À
dantes. O sol brilhará sobre estas encostas culminar de um processo iniciado em 2003, será capaz de alimentar o planeta, mas o direita, o agricultor Azing
seu modelo, baseado na interconexão – em Lepcha, de 57 anos, tem nas
altas poucas horas mais tarde, revelando a durante o qual Sikkim foi descontinuando
mão um fruto local usado
silhueta majestosa e o pico coberto de neve o uso de adubos e pesticidas químicos, vez de na competição – entre os seres hu- como remédio tradicional.
do monte Kanchenjunga, o terceiro mais proporcionou formação em agricultura manos e a natureza, poderá conduzir-nos
alto do mundo. biológica aos seus agricultores e instalou a um caminho mais sustentável numa altu-
“Esta montanha é sagrada para todos os estações de compostagem em todo o esta- ra em que as alterações climáticas estão a
Apanhadores de chá a
Lepchas. Nós acreditamos que fomos cria- do. Hoje, todos os 76 mil hectares de terra obrigar o mundo a redefinir as suas prio- trabalhar na propriedade Temi
dos pela sua neve”, explica Tenzing Lep- agrícola de Sikkim estão certificados como ridades. As autoridades locais referem um Tea, uma plantação biológica
cha, agricultor local e ativista ambiental de biológicos e a importação e utilização de aumento das populações de animais sel- detida pelo governo.
39 anos. “Sempre que um de nós morre, em químicos é estritamente proibida. Há muito vagens e abelhas e o rejuvenescimento do
qualquer parte do mundo, a sua alma re- que o mundo procura uma alternativa sus- solo superficial e árido, bem como alguns
gressa à montanha.” Os Lepchas – que se tentável à agricultura industrial e a aposta dos primeiros resultados da revolução
crê terem sido os primeiros habitantes des- de longa data de Sikkim na agricultura bio- biológica. Uma investigação recentemente
ta terra – costumavam chamar Nye-mae-el, lógica é um exemplo inspirador que pode realizada pela Universidade de Sikkim des-
ou seja “paraíso”, a Sikkim. O nome não po- moldar uma relação nova e construtiva en- cobriu que as práticas agrícolas indígenas
deria ser mais apropriado para este antigo tre os seres humanos e o ambiente. contribuíram para o aumento das espécies
reino independente com 610.000 habitan- Há muito louvada pela sua capacidade de de borboletas em zonas cultivadas, de-
tes, aninhado nos picos do Himalaia, entre alimentar o planeta a preços acessíveis, a monstrando que a agricultura biológica e a
o Nepal, o Butão e o Tibete. agricultura intensiva foi ficando sob cres- biodiversidade selvagem podem coexistir e
Há alguns anos, Tenzing sentiu o cha- cente escrutínio nos últimos anos, devido beneficiar-se mutuamente.
mamento da sua terra natal encantada. aos custos sociais e ambientais escondidos
Deixou para trás uma promissora carreira das monoculturas, das culturas de alto ren-
futebolística em Calcutá e os confortos da dimento e dos químicos. O setor é respon-
vida urbana para regressar a Dzongu e se sável por um quarto do total de emissões
dedicar à agricultura. “O mundo industria- de gases com efeito de estufa, contribuin-
lizado seguiu a via do progresso, mas, hoje do consideravelmente para o aquecimento
em dia, até os ocidentais estão a querer global. Os adubos e pesticidas reduziram
regressar às origens”, comenta, sentado no dramaticamente o número de abelhas e

EM 2016, SIKKIM TORNOU-SE O PRIMEIRO ESTADO


100 PORCENTO BIOLÓGICO DO MUNDO, COM O OBJETIVO DECLARADO
DE PRESERVAR O AMBIENTE LOCAL
86 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 87
Agricultores enquanto separam as cascas dos bagos
de arroz num arrozal à saída de Gangtok.

88 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020


ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 89
O complexo de Chenrezig
Singkham Riwo Potala, dedicado
REPORTAGEM
a Chenrezig, uma das três
divindades budistas.

Poderão ser necessários anos para que se em casas de aldeia – quartos espartanos
crie uma cadeia logística em condições, mas em casa de famílias rurais – e ter um vis-
a situação está a melhorar aos poucos. Hoje lumbre da genuína vida rural. Os dias são
em dia, as deliciosas laranjas de Dzongu passados a colher arroz, explorar cascatas
são vendidas em locais tão distantes como escondidas ou em casamentos tradicionais.
Calcutá e Deli e investidores de vários À noite, as famílias reúnem-se em torno da
países do Médio Oriente, Europa, Sudeste lareira para partilhar histórias – e delicio-

A
Asiático e Extremo Oriente já exprimiram o sos jantares confecionados com ingredien-
decisão de tornar Sikkim 100% seu interesse nos produtos locais. tes biológicos – com os seus hóspedes.
biológico nasceu na mente de A revolução biológica também estimulou Entre os destinos obrigatórios de Sikkim
Pawan Kumar Chamling, o mi- um pico no turismo neste local inacessível. encontra-se a quinta-modelo de Azing Lep-
nistro que governou o estado Pertencente à Índia desde 1975, Sikkim é cha – um homem tímido e trabalhador de 57
durante 25 anos consecutivos, até maio de habitada por diferentes comunidades – anos, da aldeia de Hatidunga, cuja história
2019. A nova política era adequada à re- bhutias, lepchas, nepalesas e tibetanas – e é um bom exemplo das lutas e recompen-
gião: devido aos seus terrenos montanho- contém uma mistura fascinante de idio- sas da transição oferecidas pela agricultu-
sos, pequenos e dispersos – a propriedade mas, culturas, religiões e uma peculiar ra biológica. Em 2003, Azing herdou dois
média tem apenas um hectare e a maioria identidade cultural. Viajar até lá pode ser hectares de terreno agrícola do seu fale-
dos camponeses praticam a agricultura de difícil – a maioria das estradas são estrei- cido pai. Os terrenos em socalcos estavam
subsistência – Sikkim não reúne condições tas e em terra batida, abertas em encostas cobertos por monocultura de milho desde
ideais para a prática de agricultura indus- montanhosas e 100 km podem demorar um a década de 70 e a constante aplicação de
trial e mecanizada. A utilização de quími- dia inteiro a percorrer –, mas aqueles com ureia – um adubo comum e acessível à base
cos sempre foi significativamente mais bai- espírito aventureiro colherão recompensas de azoto – durante mais de 25 anos esgota-
xa aqui do que no resto do mundo. espetaculares. Picos altos, vales estreitos ra ainda mais o solo já de si pobre.
No entanto, a nova via não é imune a ris- sulcados por rios transparentes e florestas Azing começou a converter o terreno
cos. A agricultura biológica é mais comple- intactas intercaladas com templos hindus, numa exploração frutícola, plantando as
xa e exigente, em termos de mão de obra, mosteiros budistas isolados e lagos sagra- suas encostas íngremes com ananases,
e as colheitas são sazonais e de baixo ren- dos são apenas algumas das deslumbran- goiabas, bananas, mangas, papaias e jacas.
dimento. As autoridades locais identifica- tes atrações de Sikkim. O início não foi promissor. “Ninguém tinha
ram quatro culturas rentáveis – gengibre, Sair da vasta capital, Gangtok, e perder- conhecimento da minha nova atividade. A
trigo-sarraceno, curcuma e cardamomo – -se na natureza luxuriante e intocada é a única coisa que eu podia fazer era vender
que poderão impulsionar as exportações melhor forma de explorar esta terra hipno- a fruta no mercado mais próximo”, explica.
biológicas de Sikkim, mas o estado não tizante. Os visitantes podem hospedar-se “Durante quatro anos, tive dificuldades em
tem infraestruturas (armazenamento em sustentar a minha família.” No entanto,
cadeias de frio, unidades de processamen- ele não desistiu e decidiu diversificar as
to e um sistema de transporte fiável) para suas atividades, produzindo mel caseiro e
comercializar eficazmente os seus produ- utilizando os excedentes de fruta para fa-
tos agrícolas de alta qualidade. A maioria bricar deliciosos vinhos sem álcool. A ideia
dos agricultores são forçados a vender os funcionou, atraindo um fluxo constante de
seus produtos através dos mesmos meios, clientes. Azing abriu uma hospedaria para
pelo mesmo preço, que a fruta e os legumes os alojar, aliando a agricultura biológica ao
convencionais. turismo sustentável num círculo virtuoso.
Hoje em dia, recebe mais de 300 visitantes
indianos e internacionais por mês e os seus
frutos, legumes e ovos chegam aos melho-
res hotéis de cinco estrelas de Gangtok.

SAIR DA VASTA CAPITAL, GANGTOK,


Em cima, estudantes regressam às suas casas na aldeia de Yukson,
a primeira capital de Sikkim, depois de mais um dia de escola.
À direita, em cima, monges budistas no pátio do Mosteiro de Pemayangtse;
E PERDER-SE NA NATUREZA LUXURIANTE E INTOCADA É A MELHOR
em baixo, outros monges budistas durante uma aula no Mosteiro
Real de Tshuklakhang, um dos mais antigos de Sikkim.
FORMA DE EXPLORAR ESTA TERRA HIPNOTIZANTE
90 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 91
Em cima, uma agricultor carrega plantas de arroz após a colheita.
As plantas são usadas para alimentar as vacas.
À direita, em cima, galinhas à solta. A maior parte das casas têm
terreno onde os proprietários plantam vegetais e criam gado.
Na outra foto, aldeões que habitam esta aldeia no meio da selva.
Na foto de baixo, duas jovens Lepcha numa casa tradicional da aldeia
de Keshel, que fica a duas horas a pé da estrada mais próxima.

Habitantes locais dançam na


celebração de um casamento Lepcha
nas montanhas, na aldeia de Keshel.

92 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 93


REPORTAGEM Agricultores na pausa de almoço
depois de uma manhã a colher arroz.
Os aldeões ajudam-se mutuamente
e à vez para que as colheitas possam
ser feitas mais depressa.

Azing conseguiu que todos os seus sete


filhos frequentassem a escola e tornou-se
conhecido em Sikkim como uma das princi-
pais histórias de sucesso da revolução bio-
lógica. Mais importante, provou aos seus
colegas agricultores que o novo modelo
pode funcionar dependendo apenas da na-
tureza. Azing usa estrume – uma mistura
de fezes de animais e folhas da floresta
– como adubo, e uma mistura de urina de
vaca fermentada e ervas locais como repe-
lente de insetos. “Vinte por cento das co-
lheitas continuam a ser consumidas por in-
Retrato de Azing
setos, aves, macacos e animais selvagens, Lepcha, de 57 anos,
mas não me importo nada”, acrescenta. sentado na sala de
“Estes animais alimentam a floresta, que, jantar da sua quinta.
por sua vez, fornece estrume para a minha
quinta. Na natureza, tudo está ligado.”
Depois de tratar dos campos de anana- Regressar à agricultura não foi a única
ses, Azing conduz-me até uma cozinha maneira de Tenzing dedicar a sua vida à
rústica, onde há três panelas a fumegar em proteção da natureza. Nos últimos 12 anos,
cima de uma mesa. O almoço é frugal – al- ele e os seus vizinhos da aldeia lideraram
gumas colheres de arroz acompanhado por uma batalha feroz contra vários projetos
feijão, lentilhas e uma sopa com legumes de as poucas estradas existentes, isolando hidroelétricos, que mudariam para sempre
folha verde – mas é tão delicioso que pa- distritos inteiros durante semanas. A au- as montanhas e os rios de Dzongu. Os agri- À esquerda, uma boda
rece que estou a comer pela primeira vez. tossuficiência sempre foi obrigatória num cultores sofreram espancamentos e foram na aldeia de Keshel.
O sabor desperta os sentidos e fala sobre ambiente tão exigente e ensinou os habi- presos, mas conseguiram vencer, pondo o À direita, uma jovem
Lepcha olha pela
tempos passados, quando frutos e legumes tantes de Sikkim a discernir a linguagem seu amor pela terra à frente dos seus lu- janela para a sua aldeia
tinham numa ligação viva com o planeta e da natureza. “Não precisamos de merca- cros pessoais. Todos sabiam que, se não no meio da selva. Em
os seres humanos. Saboreá-los é uma expe- dos aqui. Se me mandarem para a selva, lutassem, não haveria mais terra agrícola, baixo, uma plantação
riência singular e vale bem a longa viagem sei que plantas comer”, explica Tenzing, nem turismo ou sequer vida. biológica próxima de
até este reino ancestral, ainda governado rindo-se. “Sabemos estas coisas desde os Os olhos de Tenzing brilham com uma uma casa na aldeia.
pelos ritmos imutáveis da natureza. nossos antepassados. Se nos tivéssemos mistura de orgulho e medo quando ele pen-
Aqui, o amor visceral que as pessoas afastado do mundo, não saberíamos como sa sobre os desafios do futuro. Ele sabe
sentem pelo mundo natural resulta de ne- tratar de nós.” que a preservação da natureza é uma luta
cessidades essenciais que evoluíram até Os agricultores de Sikkim sabem que a diária que nunca deve ser considerada um
se tornarem uma filosofia de vida. As al- altura ideal para plantar vegetais coincide dado adquirido. “Não podemos pedir aos
deias locais estão espalhadas e isoladas com a migração primaveril do grou-de-pes- nossos jovens que façam o mesmo que
umas das outras e, na época das monções, coço-negro em direção ao Tibete, enquanto nós. O interesse terá de vir deles”, conclui.
os aluimentos de terras podem bloquear o florescimento de certas flores assinala o “Aquilo que podemos fazer é mostrar-lhes
período em que as trutas nadam para mon- o caminho que foi criado pelos nossos an-
tante para a postura dos ovos. Estas téc- tepassados e que eu decidi seguir. Espero
nicas de cultivo e caça constituem uma ri- sinceramente que as gerações vindouras
queza de conhecimento inestimável. Ouvir façam o mesmo.” l
Tenzing enumerá-las é como entrar numa
biblioteca antiga para admirar um manus-
crito sagrado.

AQUI, O AMOR VISCERAL QUE AS PESSOAS SENTEM


PELO MUNDO NATURAL RESULTA DE NECESSIDADES ESSENCIAIS
QUE EVOLUÍRAM ATÉ SE TORNAREM UMA FILOSOFIA DE VIDA Leia aqui a versão original. //
You can read the original text here.

94 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 95


MUSA

LUANA, A DESTEMIDA
Não se priva de dizer o que pensa ou sente – e isso já lhe deu fama de
desbocada e barraqueira. Mas, aos 43 anos, a atriz diz estar mais preocupada
com partilhar amor e experiência do que com dar resposta a críticas sem face.
Uma conversa sem guião nem complexos.
Por Beatriz Silva Pinto. Fotografia de Renam Christofoletti. Styling de Paulo Zelenka.

ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 97


MUSA Body em nylon e algodão,
Lia Presenti. Sandálias
em pele, Schutz.

Li que as crianças estudam na escola pú-


blica. Qual é o motivo por trás dessa es-
colha? Eu tenho um problema bem difícil de
lidar, que é fazer com que os meus filhos
valorizem as coisas. Porque, por mais que
eu tente ser controlada, nós vivemos uma
vida bastante abastada. Para eles, se a ca- Alguma vez sentiu isso na pele? Olha, há

S
misola está suja, não tem problema, porque quatro anos, o pessoal de uma produtora lá
tem outras 15 na gaveta. E eu acho muito no Brasil me convidou para fazer o rema-
e estivéssemos do outro bom quando você tem a possibilidade de ke da série A Mulher Invisível. E a gente até
lado do Atlântico, as apre- viver com outras pessoas que têm outras chegou a ter algumas conversas e eu che-
sentações seriam dispensá- vidas e outras possibilidades ao seu redor. guei a ver alguns roteiros. Após uns três,
veis. Aqui, Luana Piovani é Quando você conhece os limites de outras quatro meses, eles me falaram que acha-
atriz e apresentadora. No pessoas, você aprende quais são os seus. E vam que eu estava muito velha para fazer a
Brasil, para lá disso, é ma- como respeitar os dos outros. Eu quero que personagem. E que a personagem também
téria noticiosa dia sim, dia não. (Mas como os meus filhos usem transportes públicos e ficaria muito vulnerável sem a personagem
acabaríamos por perceber ao longo desta acho muito interessante o facto de eles uti- do Selton. Ou seja, eles não só subestima-
entrevista, esse é um detalhe que já não lhe lizarem livros que já foram utilizados por ram uma personagem feminina forte como
tira o sono.) outras pessoas – para eles saberem o valor atrelaram a força dela à juventude.
Piovani tem 43 anos e há um que trocou daquilo. São valores que eu acho importan-
Rio de Janeiro por Cascais, onde vive com te ter, entendeu? Isso molda um cidadão.
os três filhos. Diz que do Rio só sente sau- O PRECONCEITO
dades “das pessoas, de palmito e de requei- A Luana tem um namorado mais novo.
jão” e que viver em Portugal “está sendo O CORPO Sente que ainda há preconceito de ver
muito melhor do que o sonho”. Este ano ou Em 2016, com 40 anos, Luana fez capa da uma mulher mais velha com um homem
no próximo, deverá estrear um espetáculo Playboy Brasil. O que a levou a querer fa- mais novo? Eu no dia a dia não vivo isso,
de teatro. E confessa que está louca para zer uma produção tão ousada? A proposta porque as pessoas que nos cercam nos
fazer novelas no País que escolheu. da Playboy me pareceu muito convidativa, querem bem, né? Mas atrás do computa-
Uma conversa à distância (por força das porque era o início de uma nova etapa da dor todo o mundo fica muito corajoso e aí
circunstâncias) sobre a mente e o corpo, revista. Você já não estaria comprando as pessoas escrevem e julgam. Mas eu já
a família e o trabalho da atriz que se ha- nudez: a nudez só existiria se a mulher conheço esse discurso, sabe? Eu tenho 43
bituou a ser observada por milhões aos 14 quisesse dar durante as fotos. E achei que, anos, eu comecei a trabalhar muito nova,
anos. se algum dia na vida eu ia fazer Playboy, então eu lido com opinião há muito tempo.
aquele era o momento – após ter filhos gé- E já não me atinge, não me dói, não me ma-
meos, expondo minhas cicatrizes, expon- goa.
A FAMÍLIA do o meu peito sem ainda ter passado por
Como é que a Luana e os filhos se estão a uma colocação de prótese... Quis fazer uma Tem medo de envelhecer? Eu não tenho
adaptar a Portugal? Eles estão muito feli- coisa mais real, sem retoques, para que a medo de envelhecer, até porque eu acho “NÃO TENHO A PRETENSÃO DE ME MANTER
zes. A escola é muito gostosa, as crianças gente pudesse humanizar mais as questões que seria burrice da minha parte, uma vez
são animadas como eles, as professoras co- do corpo. que eu quero morrer com 104 anos. Não tem PERFEITA . EU SEI O QUE É A NATUREZA ,
nhecem todas as crianças pelo nome, por- como eu querer viver muito e ter medo de
que só existe uma turma por classe... E a Sente que no Brasil ainda existe muito o envelhecer. Eu sou bastante lúcida com a
EU ACEITO ELA E EU ANDO JUNTO COM ELA.
gente mora numa vivenda confortável, eles culto do corpo jovem? Extremamente. minha maturidade e o meu envelhecimento. E L A N Ã O É M I N H A I N I M I G A”
têm praças e parques próximos, é um lugar E eu me cerco bem. Eu cuido da minha ca-
muito solar. Temos uma vida muito feliz, E na indústria da televisão: a mulher é jul- beça, para ela não me boicotar, e eu tenho
muito parecida com a que tínhamos no Bra- gada pela sua idade? Acho que sim. A ten- bons médicos. Então é assim: eu vou ter 65
sil. A diferença é que eu no Brasil passa- dência é sempre querer ver o belo. E belo é anos com cara de 65 anos, mas muito lin-
va o tempo todo tensa. E aqui não. Talvez sinónimo de juventude. Então, é uma coisa da, entendeu? Eu não pretendo ter 65 anos
para os meus três filhos não tenha mudado natural: jovens sempre chegarão para to- querendo aparentar a idade que eu tenho
nada, porque eles não sabem da realidade. mar o lugar dos mais velhos. Mas é preci- agora. Não tenho a pretensão de me man-
Quem vive o alívio de estar num lugar onde so valorizar a maturidade e a sabedoria. A ter perfeita. Eu sei o que é a natureza, eu
você pode viver em harmonia com o seu se- questão não é apagar uma luz e sim acen- aceito ela e eu ando junto com ela. Ela não
melhante sou eu. der luzes para todos. é minha inimiga.

98 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 99


MUSA

LUANA EM 60 SEGUND O S
Um filme. O Estranho Caso de Benjamin Button.
Uma banda. The Strokes.
Uma referência. Irene Ravache.
Body em nylon, Victor
Um livro. Crime e Castigo.
Dzenck. Casaco em poliéster,
sapatos em pele, ambos Um hobby. Ouvir música.
Andressa Salomone. Um vício. Beber.
Cotoveleiras e luvas em nylon Um medo. Doença.
e borracha, Decathlon. Um sonho. Ficar em Cascais.

100 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020


Body em nylon, Scala.
Calções em algodão, Maria
MUSA
Pavan. Sandálias em pele,
Morena Rosa.

“EU ACHO QUE QUANDO A GENTE CUIDA


DO NOSSO, FICA MAIS FÁCIL O EXTERNO RUIM
NÃO NOS DESESTABILIZAR”

A ARTE
Começou a trabalhar muito cedo, aos 14.
Desde então, já foi modelo, apresentado-
ra, já fez novelas, séries, cinema e teatro.
Em qual destes meios se sente mais feliz?
Fazendo teatro, com certeza. Eu acho que,
num futuro muito próximo, a nossa matéria-
-prima mais rara vai ser o tempo individual.
Não vai ser a água potável, não. Então, eu
acho sagrado o público dedicar aquele tem-
Qual é a sua posição no que toca a cirur- po para aquela história, ao mesmo tempo
gias plásticas? Uma vez que elas chegam que acho sagrado o artista estar ali suando
para fazer bem, eu acho que é ótimo. Mas na frente do público para contá-la. Aquilo
é por isso que eu acho que é tão importan- que aconteceu ali jamais se repetirá. E isso
te as pessoas primeiro cuidarem das suas é muito especial... Eu amo fazer teatro. O ONLINE
cabeças. Porque a cabeça pode te boicotar. A Luana tem 3,6 milhões de seguidores
Você pode ser bonita, você pode estar bem Já disse que, no mundo da representação, no Instagram e as revistas cor-de-rosa
e, por conta da sua cabeça que está dese- o aplauso e a vaia estão especialmente fazem notícia com quase tudo o que pos-
quilibrada, você pode acabar fazendo pro- próximos. Como é que se protege disso? ta. Como se sente ao saber que está a ser
cedimentos. Porque nem todos os médicos Não dando nem tanto valor a um e nem observada por milhões? Olha... Eu não me
são éticos. E daí você pode perder a sua re- tanto valor ao outro. Eu acho muito impor- incomodo de ser observada por milhões,
ceita de natural e bela e ficar com uma cara tante o autoconhecimento. Quando você se porque assim se fez a minha vida desde os
comum e artificial. conhece, você sabe quais são as suas vul- 14 anos. Mas me incomoda saber que tem
nerabilidades e você pode trabalhar para gente que vive de notícias fúteis e notícias
Mas ainda há mulheres com medo de ad- fortalecê-las. Eu sou feliz pelos elogios que levianas a respeito da minha vida. Era pre-
mitir que fizeram cirurgias, que tentam eu recebo, eu pouco dou ouvidos às críticas ciso que se precisasse de mais um pouco
esconder... Ah, isso eu acho uma babaqui- que recebo e, acima de tudo, está o bem-es- para ganhar dinheiro, entendeu?
ce. Eu acho é que a gente tem mais de se tar dos meus filhos e as minhas escolhas de
EM QUA REN TENA dar a mão, para todo o mundo entender vida, que são trabalhar, multiplicar amor e Porque é que acha que tem fama de des-
“Eu estou com uma sensação de que a perfeição não existe. O peito de todo compartilhar experiência, contar histórias, bocada e barraqueira na Internet? Porque
que eu já estava em quarentena o mundo vai cair! E se o peito não caiu, com rir, emocionar. Eu acho que quando a gen- eu não tento, por ser uma pessoa pública,
antes”, confessa Luana, certeza que a bunda vai cair. E se não caiu te cuida do nosso, fica mais fácil o externo passar a imagem imaculada de uma artis-
referindo-se ao isolamento a bunda, vai ter varizes. Não adianta: todo ruim não nos desestabilizar. ta que não se indispõe com ninguém e que
social recomendado que tem o mundo tem os mesmos problemas. Al- acha tudo lindo e maravilhoso. Esse não é
cumprido na sua casa em Cascais, guns mais, alguns menos. E é isso que nos Que projetos tem planeados para o futu- a minha personagem dentro desse circo.
acompanhada pelos três filhos. humaniza: a falta da perfeição. Eu acho um ro? Estou com um projeto teatral bem inte- Então, eu me dou o direito de dar a minha
“Eu estou vivendo, pela primeira absurdo ficar fingindo que não se fez nada ressante, que eu chamo de stand-up music. opinião – e, normalmente, a minha opinião
vez, uma coisa muito distinta na para se manter bem. Tem mais é que falar Vai ser um espetáculo curto, onde eu conto é bastante plausível, porque eu sou uma
minha vida que é: eu estou sem e que dizer o que é bom e o que não é, fa- histórias da minha vida numa pegada de pessoa bastante inteligente e experiente.
trabalhar. Eu vim para cá tem um zer serviço social. Dividir, compartilhar a humor e, para costurá-las, eu canto algu- Mas isso mexe com os brios das pessoas.
ano, fiz o meu trabalho do Like Me experiência. mas canções. No que toca a novela, eu não
durante três meses e fiz trabalhos sei ainda. Na verdade, só tenho uma gran- Se pudesse viajar no tempo, que conse-
esporádicos no Brasil. Mas eu não Então, não tem qualquer receio de falar de vontade de fazer. Eu não sei como é feito lhos é que daria à Luana de 20 anos? Ah,
tenho uma rotina de trabalho. Eu disso. Claro que não. Até porque eu não aqui e eu estou curiosa. eu acho que eu ia dizer para eu já fazer
trabalho desde os meus 14 anos subestimo as pessoas, entendeu? Eu estou ioga desde lá [risos]. Porque o ioga ajuda
e, pela primeira vez em quase 30, a olhos vistos das pessoas desde os meus na sua conexão consigo, trabalha a muscu-
eu parei. Então, a sensação que eu 14 anos. Tive três filhos, o meu peito do dia latura e diminui a ansiedade. l
tenho é que o mundo inteiro está para a noite apareceu volumoso, vou dizer
vivendo agora o que eu já estava o quê? Que enchi com balão? Pô, não dá,
vivendo antes [risos].” ninguém é imbecil.

102 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 103


MUSA

Colete em poliéster, óculos em acetato, ambos Andressa Salomone.


Saia em tule, Honória. Sandálias em pele, Morena Rosa.

DIREÇÃO: @PATIVENEZIANO / @WBORN_STUDIOS. PRODUÇÃO: @MARC_EDENBURG.


MAQUILHAGEM: RAFAEL SENNA, COM PRODUTOS LANCÔME. CABELOS: MABATHA.
ASSISTENTE DE STYLING: MATHEUS MORAIS. RETOUCH: ANDRÉ KAWA.
A GQ AGRADECE À DECATHLON, EDU SANTOS BRANDSCURATOROFFICES
E @WBORN_STUDIOS POR TODAS AS FACILIDADES CONCEDIDAS.

ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 105


HOMEM NO LUGAR
A Balsa da
Medusa (1819),
de Théodore
Géricault
tituía uma prova de bravura. Ser criança é tinham apenas a lucidez da inteligência e a
descobrir os limites e superá-los todos os coragem inspirada pela necessidade de so-
dias um pouco mais. Os anos passam e os breviverem. Os super-heróis, por seu lado,
atos heroicos tornam-se mais difíceis de não servem de inspiração nem de exemplo.
executar sem dano. Já adultos, passamos a Apenas ajudam a conviver com a mediocri-
conviver com os nossos limites e os limites dade e a sonhar com atos de valentia.
que nos são impostos. A nossa falta de co- O sabão ou a penicilina salvaram mais vi-
ragem faz-se então acompanhar da descon- das do que todas as vidas que foram resga-
fiança por aqueles que ainda insistem em ir tadas nas aventuras da Marvel e da DC Co-
para além dos seus limites. mics, mas quem é que procura inspirar-se
Na vida real, os heróis tornam-se incó- nos seus inventores? Quando pensamos em
modos. O seu sentido de risco revela mui- heróis, somos menos sensíveis ao ato heroi-
tas vezes falta de tato. A inexperiência, co por si mesmo, que tende a ser discreto,
conjugada com a desfaçatez, impede-os de do que ao aparato de nos imaginarmos a
Géricault dedicou a sua curta vida a pintar medir as consequências dos atos em que provocar o espanto de gente tão medrosa
um só tema: o da impotência perante a ca- incorrem. Também nós, em tempos mais in- como nós.
tástrofe. O seu quadro mais famoso, A Bal- génuos, tentámos superar as nossas capa- O heroísmo não está em exibir a cora-
sa da Medusa (uma tela colossal com sete cidades. Só depois nos apercebemos da fu- gem, mas em salvar a vida de quem se en-
metros de largura e cinco de altura) alude tilidade de semelhante audácia. Os heróis, contra em perigo. Porém, o que nós quere-
a uma das histórias mais vergonhosas de tal como os concebemos na cultura popular, mos mesmo é um momento de bravata nas
governação e ao perigo de recompensar po- são quase sempre tolos que tiveram sorte nossas vidas acanhadas, que nos permita
liticamente com cargos de responsabilidade uma vez sem exemplo. um instante de ilusão. É este mesmo me-
gente sem competência. Os rapazes são mais permeáveis ao cul- canismo de alienação que fez milhares de
Apesar de não ter experiência de nave- to do heroísmo e é por isso que se magoam pessoas juntarem-se em praias, discotecas
gação, o visconde De Chaumareys foi no- mais vezes e causam mais estragos. Façam e esplanadas no mesmo dia em que a Or-
meado capitão da fragata La Méduse para uma visita aos serviços de ortopedia de ganização Mundial de Saúde decretou o
liderar uma frota em direção ao Senegal. A qualquer hospital e comparem o número estado de pandemia da Covid-19. Não ter
bordo, ia o futuro governador da colónia. de camas ocupadas por pacientes do sexo medo da morte traduz-se quase sempre em
Com a pressa de chegar, a fragata encalhou masculino e do sexo feminino. Depois per- não ter medo da morte dos outros. É esse
num banco de areia, na costa da Mauritâ- guntem a cada um o que é que lhes acon- o poder da tirania: ousar com a vida alheia
nia. De Chaumareys decidiu então enviar teceu para estarem ali. A confiança tem- (De Chaumareys, por exemplo, sobreviveu
os passageiros para terra em botes salva- perada com a ignorância, a irreverência à tragédia que ele próprio provocou entre
-vidas. Os botes só tinham espaço para 250 sem tino, parecem ser artigos exclusivos os tripulantes de La Méduse).
pessoas, pelo que mandou construir a trou- do sexo masculino. As raparigas deixam-se Ao contrário de quando éramos crianças,
xe-mouxe uma jangada para transportar os convencer mais facilmente dos seus limi- com o avançar da idade habituamo-nos a
restantes passageiros. Durante a viagem, a tes, enquanto os rapazes descobrem à sua sopesar tanto os riscos e as probabilidades
jangada desprendeu-se dos botes que a re- custa o preço da ousadia. As mulheres, por de fracasso que nem chegamos a aproveitar
bocavam e ficou à deriva no oceano durante exemplo, não têm qualquer pudor em admi- as poucas ocasiões que nos são oferecidas
13 dias. Das 150 pessoas a bordo na jangada, tir que são medrosas. Para os homens, con- para fazermos algo de valor. Apostamos
apenas 15 sobreviveram. As restantes mor- viver com o medo que os impede de serem mais facilmente em gestos imponderados,
reram desidratadas, de fome ou por afoga- excecionais, ou pelo menos de estarem ao que põem em risco a vida de quem nos ro-
mento; houve tripulantes a matarem-se en- nível dos seus pares, está entre o embaraço deia, do que em executar pequenas tarefas
tre si, em disputa pelos víveres, e houve até e a pura humilhação. invisíveis, que as poupem do sofrimento.
casos de canibalismo. O que começou por O próprio entendimento que se faz do que Durante a grande purga estalinista, que
ser uma expedição heroica redundou em é isso de ser herói é distorcido pelo efeito causou a morte de mais de um milhão de
crime, desonra e desespero. opressivo que tal conceito exerce sobre pessoas no regime soviético, contava-se a
Se fizerem uma rápida sondagem pela eles. Os super-heróis, por exemplo. O que seguinte anedota: vendo um homem a ter
memória, facilmente irão concluir que a é que pode haver de admirável num ser que uma cãibra enquanto nadava, um campo-
esmagadora maioria dos homens que co- logo à partida é dotado de poderes que es- nês mergulhou no rio e resgatou-o de mor-
nhecem não são heróis, não se comportam capam aos restantes mortais? Os heróis da rer afogado. Já a salvo, o homem recuperou
como heróis e desconfiam de quem aspira a Bíblia, ao menos, eram pessoas comuns que o fôlego e disse-lhe: “Pede o que quiseres
sê-lo. Mas isso não os impede a quase todos enfrentavam forças superiores. A seu favor como recompensa pelo teu heroísmo.” Ao
de terem um certo fascínio por personagens reconhecer que o náufrago era o próprio
que já tenham atuado heroicamente. Boa Estaline, o camponês ficou apavorado:
Quando um adulto acorda com medo, adormece nele um herói infantil. parte dessas personagens são fictícias. “Peço que não conte nada disto a ninguém.”
Mas as manifestações de coragem à custa da segurança alheia são prova de tirania. Fazendo outro exercício de memória, de A piada desta anedota está no duplo sen-
quando eram crianças, também se lembra- tido da resposta do camponês: os tiranos
Por Rui Catalão. rão de quando a mais pequena ação cons- não gostam de ser salvos por gente comum;
e a gente comum não gosta de quem salva
os tiranos. l

106 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 107


TEMA DE CAPA

À P R O V A
D O
T E M P O

Foi o primeiro homem a ostentar o estatuto de supermodelo. Foi um ícone nos anos 90.
Casaco e camisa Foi capa de revista, rosto de marcas e sex symbol masculino. Hoje, aos 52 anos, ainda integra
em viscose, ambos
Jil Sander. Lenço
o top 10 dos modelos mundiais. Senhoras e senhores, Mark Vanderloo.
em algodão, Prada. Por Diego Armés. Fotografia de Frederico Martins. Styling de Paolo Turina.

108 GQPORTUGAL.PT MARÇO 2020 MARÇO 2020 GQPORTUGAL.PT 109


TEMA DE CAPA

Casaco em poliamida, Maison Margiela. Calças em algodão, Fendi.


Lenço em algodão, meias em lã, ténis em PVC, ambos Prada.

MARÇO 2020 GQPORTUGAL.PT 111


TEMA DE CAPA

“A M E L H O R M A N E I R A D E V I V E R E S A T UA V I D A
É I R A C E I T A N D O E AVA L I A N D O O S M O M E N T O S E A S
OPORTUNIDADES À MEDIDA QUE ELAS SURGEM”

looks punk, etc. Acho que foi aí que despon-

Q
tou em mim, pela primeira vez, algum sen-
tido de estilo. Nessa altura, não me passava
pela cabeça vir a trabalhar na indústria da
moda, até porque vivia numa cidade indus-
trial, que é Eindhoven, distante e alheada
do mundo do glamour. Mais tarde, quando
fui estudar para Amesterdão, arranjei ma-
neira de entrar numa agência de modelos e
então comecei. Descreve-nos um pouco a tua rotina diá-
ria – exercício físico, dieta, hábitos de
Quais foram os momentos mais impor- sono, etc. Para mim, não há rotina diária,
tantes e decisivos na tua carreira de vivo o dia, essencialmente. Apesar de via-
modelo? Acredito que a melhor maneira jar, e eu gosto de viajar muito, o mais di-
de viveres a tua vida é ir aceitando e ava- fícil para mim é viver em diferentes fusos
liando os momentos e as oportunidades à horários. De maneira a conseguir conjugar
Quem viveu os anos 90, conhece o seu medida que elas surgem. Embora adorasse essa dificuldade e a necessidade de viajar,
nome e, muito provavelmente, reconhece o ver-me como alguém que faz muitos planos tento distribuir o peso, os excessos, diga-
seu rosto, apesar das rugas. Mark Vander- e que toma imensas decisões que acabam mos, de maneira equilibrada por diferentes
loo foi o modelo masculino por excelência, por dar certo, sempre tomei as decisões de conjuntos de 24 horas. Por exemplo, um al-
um dos homens mais cobiçados à face da acordo com as minhas possibilidades e no moço mais pesado em Nova Iorque equivale
Terra e protagonista de várias campanhas momento em que as oportunidades se apre- a um jantar mais pesado em Paris – num
marcantes. Foi rosto da Calvin Klein, de sentaram. Nunca fui de desistir e, no prin- conjunto de 24 horas, acabam por ocorrer à
Hugo Boss ou DKNY e fez a primeira capa cípio, foi graças ao trabalho duro e a muita mesma hora. Isto ajudou-me sempre com o
masculina da revista Marie Claire, em 1996, persistência que consegui superar estágios jet lag. Para além disso, tento correr sempre
numa época em que tinha o mundo da moda mais complicados. nas vésperas de um shooting, para, pelo me-
aos seus pés – no ano anterior, a VH1 tinha- nos, chegar ao set bem acordado.
-o considerado modelo mundial do ano. Qual é o segredo para permaneceres no
Nesta conversa, mantida à distância – afi- topo do mundo da moda ao longo de três E cuidados especiais, tens? Pele, mãos,
nal de contas, estamos em período de iso- décadas? Não há aqui segredo nenhum olhos, cabelo, rosto… Não uso cremes es-
lamento para evitar contaminações –, fala- que eu possa partilhar, tudo o que sempre peciais nem champôs. Eu acredito que so-
-nos um pouco da sua carreira e revela o tentei foi dar o meu melhor em cada traba- mos feitos de maneira a compensar a pele.
seu perfil de homem prático, concentrado lho, como se fosse o meu último. Por vezes, Mas uso protetor solar se for para as mon-
no momento, sem grandes planos, com os torna-se mais difícil quando a expectativa tanhas ou para a beira do mar.
pés bem assentes na terra. da equipa acerca de mim é muito alta e se
esquecem de que sou apenas um tipo nor- Considerarias recorrer a intervenções ci-
Como é que entraste no mundo da moda? mal a dar o seu melhor. Todos os melhores rúrgicas para melhorar algum aspeto físi-
O modo como entras no mundo da moda trabalhos resultam de um esforço de toda co? Eu nunca fiz nada a mim mesmo, daí
nunca é determinado por um só momento. a equipa – cabelo, maquilhagem, styling, que me tenha tornado esta velha amêijoa
Acho que o meu interesse na maneira como fotógrafo e clientes em conjunto produzem enrugada. É que eu gosto de um aspeto na-
usava a roupa ou o cabelo surgiu por volta uma melhor atmosfera e, logo, dão origem tural. Além disso, parece-me que com todas
dos 12 anos. Costumava ir com um amigo, às melhores histórias. estas possibilidades modernas de retocar
umas duas vezes por mês, à escola de ca- imagens, cabe muito mais ao fotógrafo, en-
Casaco em vison, camisa em algodão,
beleireiros da minha cidade natal. Aí, os quanto artista, fazer ou não fazer alguma
carteira em pele, ambos Fendi. estudantes experimentavam de tudo com o coisa para melhorar a sua visão da fotogra-
Calções em linho, Neil Barrett. meu cabelo – pintá-lo, fazer permanentes, fia… boa sorte!

112 GQPORTUGAL.PT MARÇO 2020 MARÇO 2020 GQPORTUGAL.PT 113


TEMA DE CAPA

Casaco em algodão e pele, casaco em


seda e algodão, top em seda, calções
em algodão, tudo Neil Barrett.

114 GQPORTUGAL.PT MARÇO 2020 MARÇO 2020 GQPORTUGAL.PT 115


TEMA DE CAPA

“NÃO SOU UM SONHADOR E NÃO TENHO UMA BUCKET


L I S T, T E N D O A A C E I TA R A S C O I S A S TA L C O M O E L A S
SE ME APRESENTAM EM CADA MOMENTO”

A FAMÍLIA
E O FUTURO
És casado com a Robine [Tanya] desde
2011, mas vocês estavam juntos já há al-
guns anos. Como é que se conheceram?
Achas que é mais fácil amadurecer e en- A Robine e eu conhecemo-nos há muito,
velhecer para um top model masculino muito tempo, estava eu ainda a começar a
do que para um feminino? O envelheci- carreira de modelo. Na realidade, viajámos
mento para o masculino ou para o femini- juntos na primeira ocasião em que fui ao
no é igual… Em ambos os casos, ficamos estrangeiro para ver como era ser modelo.
sem fôlego mais depressa, supostamente Nessa altura, fomos para Atenas, na Gré- suficiente para virar o meu interesse para o
também ficamos mais sábios, por aí fora. cia. Escusado será dizer que Atenas não imobiliário, como as casas que construí em
Porém, acredito que nós, enquanto socie- é o centro do mundo da moda, de forma Ibiza, os chalés em Andorra, etc. Se quise-
dade, estamos apetrechados para uma de- alguma. No entanto, sobreviver com pou- res ser bem-sucedido em Hollywood, tens
terminada perceção do que é a beleza. As co dinheiro e na expectativa de trabalhos de te entregar pelo menos a 200%.
mulheres aplicam-na mais a elas próprias que não são grande coisa, num sítio onde
do que os homens poderiam estar à espera. ninguém fala inglês – na altura era assim
Quer dizer, eu prefiro a visão de uma mu- – e onde todos os sinais nas ruas estão em
lher mais velha e madura à de uma mais jo- grego antigo, é sempre uma boa ocasião PANDEMIA
vem. Talvez eu tenha envelhecido para ver para se conhecer bem a outra pessoa. Mais Temos de falar do novo coronavírus.
as coisas desta maneira. Bom, mas para tarde (1992), fomos para Milão e acabámos, Acreditas que haverá um “antes” e um
mim uma mulher que acha que precisa de para nos voltarmos a encontrar na Cidade “depois” desta pandemia? Diz-nos três
se modificar para parecer mais jovem vai do Cabo em 2003 e reatar tudo. Fomos feli- coisas que aches que não voltarão a ser
logo parecer-me muito mais velha. zes para sempre desde então. como eram depois da covid-19. Neste
tema, nunca se é demasiado cuidadoso
Se não fosses modelo, o que é que gosta- Ao longo do teu percurso, deixaste algum com aquilo que se diz. É dia 18 de março
vas de ter sido? Provavelmente, seria um grande sonho para trás? Não sou um so- quando escrevo e estamos no meio de uma
gangsta. nhador e não tenho uma bucket list, tendo a crise, todos os mercados financeiros estão
aceitar as coisas tal como elas se me apre- em baixo como se fosse o fim do mundo.
Foste modelo de rosto para o protagonis- sentam em cada momento. Lido com as Aquilo que eu acho é que isto pode ser
ta de um videojogo. Já jogaste Mass Ef- coisas, adapto-me e gosto de passar para uma chamada de atenção para o mundo
fect? outra. Neste momento, adoro estar em An- inteiro, para que tenhamos consciência da-
Ouvi dizer que o jogo se está a sair muitís- dorra. Adoramos a vida ao ar livre, a es- quilo que temos e para que saibamos cui-
simo bem e os meus primos, que costumam quiar no inverno, e os ótimos restaurantes. dar disso mesmo, que não tomemos tudo
jogar videojogos, garantem que gostam do por garantido, que cuidemos do clima, da
jogo. Não sou, de todo, um gamer, nunca fui, Alguns top models fizeram a travessia da nossa saúde. Que estejamos do lado dos
nem sei como se pega nos comandos. moda para a esfera do cinema. Gostavas mais velhos e dos mais fracos da nossa so-
de tentar, de ser uma estrela de Holly- ciedade e que os protejamos com o nosso
wood? Tenho de admitir que, em algum comportamento solidário mantendo uma
momento, há muito tempo, isso me pas- maior distância para aumentarmos as suas
sou pela cabeça, mas isso foi em meados probabilidades [de se saírem bem desta cri-
dos anos 90. Essa possibilidade nunca me se]. O vírus pode morrer quando o verão
surgiu no caminho e eu já estou bastan- começar, mas as coisas não voltarão a ser Blazer em seda, calças em algodão
te satisfeito com o que o meu trabalho o que eram. Pelo menos, deveríamos estar e seda, tudo Ermenegildo Zegna Couture.
me tem proporcionado. Tenho liberdade mais bem preparados para algo tão letal. l Top em seda, Neil Barrett.

116 GQPORTUGAL.PT MARÇO 2020 MARÇO 2020 GQPORTUGAL.PT 117


TEMA DE CAPA

Blazer, camisa e calças em algodão, tudo Valentino.


À direita, casaco, T-shirt e calças em algodão, tudo Valentino.

MARÇO 2020 GQPORTUGAL.PT 119


TEMA DE CAPA

Casaco em nylon, camisa em algodão, calções em nylon, lenço em


algodão, colar em pele, meias em lã, ténis em malha, tudo Prada.

MODELO: MARK VANDERLOO @SPECIAL MANAGEMENT MEN. CABELOS:


RUI ROCHA COM PRODUTOS KÉRASTASE. MAQUILHAGEM: PATRÍCIA LIMA.
ASSISTENTES DE FOTOGRAFIA: PEDRO SÁ E MICHAEL MATSOUKAS
@LALALAND STUDIOS. ASSISTENTES DE STYLING: FRANCESCA BONA
E MARIA SAMPAIO. PRODUÇÃO E RETOUCH: @LALALAND STUDIOS.

120 GQPORTUGAL.PT MARÇO 2020 MARÇO 2020 GQPORTUGAL.PT 121


ESTADO DO RETÂNGULO ESTADO DO RETÂNGULO

1. Contágio
Não se sabe logo o que é, mas, pelo menos,
há a certeza do que não é: a 5 de janeiro, as
autoridades chinesas descartam a possibi-
lidade de estarem perante uma recorrência
do vírus da síndrome respiratória aguda Pela boca não morre o vírus… Uma sema-
grave (SARS), doença que teve origem na na depois, no mesmo dia em que começa
China e que matou mais de 770 pessoas em o isolamento da cidade de Wuhan, com as
todo o mundo em 2002 e 2003. Bastam ape- autoridades de saúde a cancelarem voos e
nas dois dias para a China anunciar que saída de comboios, Portugal, pelo sim pelo
identificou um novo vírus. A OMS dá-lhe não, aciona os dispositivos de saúde pú-
o nome de 2019-nCoV e, tal como o SARS, blica e coloca em alerta o Hospital de São
pertence à família dos coronavírus, que in- João, no Porto, e os hospitais Curry Cabral

2020
clui também a vulgar constipação. e da Estefânia, em Lisboa.
A 11 de janeiro, a China anuncia a primei- A cadência das notícias e o crescimento
ra vítima mortal do novo coronavírus, um do número de casos já não é diário, é horá-
homem de 61 anos que passou pelo merca- rio. No dia 23, a OMS reúne o seu comité de
do de Wuhan e que morreu de insuficiência emergência na Suíça para avaliar se o surto
cardíaca dois dias antes de ter sido feito o constitui uma emergência de saúde pública
anúncio. Oficialmente, é a primeira morte, internacional, mas acaba por decidir que é

Prólogo mas, saber-se-á pouco depois, a informa-


ção que sai de Pequim não é propriamente
de confiança. É o efeito Chernobyl: peran-
ainda cedo para a decretar. Na China, as
autoridades proíbem as entradas e saídas
numa segunda cidade, Huanggang, a cerca
Novembro-dezembro de 2019 te a catástrofe, abafa-se a verdade. A 17 de 70 quilómetros de Wuhan. Diga-se que,
17 de novembro, província de Hubei, China de janeiro, já depois de serem conhecidos em conjunto, as duas cidades têm mais de
Ninguém ainda sabe naquele dia, nem se- os casos na Tailândia e no Japão, morre a 18 milhões de habitantes.

A
quer o médico que o observa no hospital. segunda pessoa em Wuhan. O contágio é
Mas o homem de 55 anos que apresenta mais rápido do que as notícias e não tem
sintomas aparentemente gripais é, prova- tempo para a desinformação. Nos dias se-
velmente, o primeiro humano a contrair guintes, são confirmados casos na Austrá-
o novo coronavírus. Nos dias seguintes, lia, Coreia do Sul, Malásia, Nepal, Singa-
aparece mais gente. No fim do mês de no- pura, Taiwan, Vietname, Estados Unidos e
vembro, já são nove, quatro homens e cinco França, o primeiro país europeu.

FOTOGRAFIA: UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE / GETTY IMAGES. MONTAGEM: ÂNIA FIGUEIREDO.


mulheres, com idades entre os 39 e os 79
anos, sem que se saiba se algum deles é o
paciente zero ou se vêm todos de Wuhan, a 15 de janeiro de 2020, Lisboa
capital da província de Hubei, uma cidade As notícias de um novo vírus na Ásia come-
portuária com 11 milhões de pessoas. Para çam assim a percorrer o mundo, que ainda
a Organização Mundial de Saúde (OMS), o não esqueceu a gripe das aves de 2005 e a A 20 de janeiro, a China vai, oficialmente,
primeiro caso confirmado de covid-19 (as- pandemia de gripe A, a H1N1, de 2009, que em três mortes e mais de 200 infecções,
sim será depois batizada a doença) na Chi- matou globalmente entre 150 mil e 575 mil com casos também fora da província de
na só aparece a 8 de dezembro, enquanto os pessoas. No dia 15 de janeiro, as autorida- Hubei, incluindo na capital, Pequim, em

O ANO EM QUE O MUNDO PAROU


médicos do hospital Jinyintan, em Wuhan, des portuguesas fazem a primeira declara- Xangai e em Shenzhen. Enquanto isso, um
situam o primeiro caso no primeiro dia de ção sobre o novo coronavírus. A diretora- especialista em doenças infecciosas confir-
dezembro. Seja quem for o paciente zero, a -geral de Saúde, Graça Freitas, afirma, com ma em plena CCTV, a estação oficial chine-
realidade é que, até ao fim do ano, a China base nas informações provenientes da Chi- sa, a transmissão de humano para humano.
De repente, estamos a viver o nosso próprio filme-catástrofe. Está um vírus à solta terá, pelo menos, 266 pessoas infetadas. na, que o surto estará contido e que uma E o cenário é digno de um filme-catástrofe:
no planeta e uma boa parte do mundo está fechada em casa. Mas só a 31 de dezembro é que a China eventual propagação em massa não é “uma milhões de chineses estão em viagem para
alerta a OMS para o que chama de “casos hipótese no momento a ser equacionada”. celebrar o ano novo chinês que, nem de
A pandemia chama-se covid-19 e vai, quer queiramos quer não, mudar o nosso modo de vida. de pneumonia incomum” em Wuhan. Vá- propósito – pelo menos aos olhos ociden-
Para memória futura, eis a história de três meses – para já – que nunca esqueceremos. rios dos infetados trabalharam no mercado tais – é o Ano do Rato, o animal preferido
Por Paulo Narigão Reis. de Huanan, que acaba por ser fechado no das pestes… Pequim cancela os festejos
primeiro dia de 2020. Em menos de duas se- no dia 25, dois dias depois de a cidade de
manas, o vírus passa as fronteiras. A 13 de Wuhan ser colocada de quarentena – nin-
janeiro é reportado na Tailândia o primeiro guém entra, ninguém sai – mas, sabemos
caso fora da China e, dois dias depois, o hoje, era tarde demais. No mesmo dia, a
novo vírus chega ao Japão. O mundo não OMS ainda não está consciente do que terá
está preparado para o que vem a seguir. de enfrentar e diz não haver motivos para

122 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 123


ESTADO DO RETÂNGULO

mês, com a China quase nos 10 mil infe- A 22 de fevereiro, Itália regista as duas pri- nos de contingência para casos suspeitos E há um setor que já começa a ver as nu-
tados, Rússia, Espanha, Suécia e Reino meiras mortes, ao mesmo tempo que o Irão entre os trabalhadores e para portos e vens negras no horizonte: a aviação co-
Unido confirmam os seus primeiros casos. confirma a quinta. É uma antevisão do que viajantes por via marítima, que define que mercial. As perdas das companhias aéreas
Do outro lado do Atlântico, Donald Trump está para vir nas duas nações onde a tra- qualquer caso suspeito validado deve ser mundiais podem chegar aos 100 mil mi-
acorda, mas pouco: os Estados Unidos de- gédia está apenas a começar. Em Teerão, isolado e que apenas um elemento da tripu- lhões de euros, estima a associação inter-
cidem proibir a entrada de estrangeiros Porto de Yokohama, a resposta das autoridades começa por ser lação deve contactar com o passageiro. Ao nacional de transporte aéreo (IATA). Por
declarar uma emergência internacional, já que tenham estado na China nos últimos 14 12 de fevereiro de 2020 tragicómica: um visivelmente doente minis- mesmo tempo, o Governo reforça em 20% o cá, a TAP reduz mil voos em março e abril
que ainda “não há provas” de que o vírus dias e impor um período de quarentena a Atracado no porto japonês de Yokohama, tro da Saúde garante que a situação está stock de medicamentos em todos os hospi- devido a quebra nas reservas, suspende
esteja a espalhar-se fora da China – onde, viajantes de qualquer nacionalidade prove- o navio de cruzeiro Diamond Princess tem sob controlo. Em Itália, o perigo pressente- tais do País e prepara um eventual reforço investimentos e avança com licenças sem
a 24 de janeiro, já há 830 pessoas infetadas nientes da província de Hubei. a bordo 175 pessoas infetadas, número que -se: o Carnaval de Veneza acaba mais cedo de recursos humanos. vencimento.
e 26 mortos, segundo, é claro, os números Fevereiro chega e o número de mortos e aumentará nas semanas seguintes. Uma e, um pouco por todo o Norte do país, come- As infeções não param de aumentar em Por esta altura, ninguém pode acusar o
oficiais, com 13 cidades sob bloqueio, num infetados na China continua a crescer, com delas, saber-se-á depois, é o primeiro por- çam a ser cancelados eventos desportivos, Itália – mais 650 num único dia, com o nú- Governo português de falta de preparação.
total de 41 milhões de pessoas. novos casos confirmados na Austrália, Ca- tuguês oficialmente infetado com o novo futebol incluído. mero de mortos a chegar aos 17. Antes do António Costa anuncia uma linha de cré-
O coronavírus não quer, naturalmente, nadá, Alemanha, Japão, Singapura, EUA, coronavírus. Adriano Maranhão, mecânico A 24 de fevereiro, é a vez de Kuwait, Bah- mês bissexto de fevereiro chegar ao fim, o dito para apoio de tesouraria a empresas
saber de provas e continua a sua viagem Emirados Árabes Unidos e Vietname. No do navio, fechado numa cabina, será entre- rain, Iraque, Afeganistão e Omã revelarem coronavírus chegará a mais países, incluin- afetadas pelo impacto económico do surto
à volta do mundo, tendo as viagens aéreas dia 2, a primeira morte fora da China, de um vistado diariamente pelos jornais e televi- os seus primeiros casos. Na Coreia do Sul, do o primeiro caso na África subsaariana, do novo coronavírus, caso seja necessário,
como principal aliado. E, depois da Ásia, a chinês de Wuhan, é registada nas Filipinas, sões nacionais até ser finalmente transferi- o número de casos aumenta para 833, com na Nigéria, depois de terem sido identifi- no valor inicial de 100 milhões de euros. Ao
Europa é o destino seguinte. A 25 de janei- ao mesmo tempo que os 18 portugueses e do para um hospital local. sete mortes. A OMS avisa que o mundo tem cadas infeções no Norte do continente, no mesmo tempo, os trabalhadores em qua-
ro, Portugal sobressalta-se levemente com as duas brasileiras retirados da cidade de Não é preciso esperar muitos dias para de se preparar para uma “eventual pande- Egito e na Argélia. Os Estados Unidos so- rentena em Portugal por determinação de
o primeiro caso suspeito, mas as análises Wuhan chegam a Lisboa e ficam em isola- que o Japão confirme a primeira morte, as- mia”, considerando “muito preocupante” frem a primeira vítima mortal no dia 29. autoridade de saúde vão receber integral-
revelam que é negativo. mento voluntário por 14 dias. sim como a Coreia do Sul. Do outro lado do o “aumento repentino” de casos em Itália, A 1 de março, no dia em que Adriano Ma- mente o rendimento nos primeiros 14 dias,
A 27 de janeiro, o número de mortos na Mais uma semana passa e a OMS admi- Paralelo 38, Kim Jong-un impõe uma qua- Coreia do Sul e Irão, os novos focos da ranhão, o primeiro português infetado, tem segundo um despacho publicado em Diário
China aumenta para 106, com 100 na pro- te o que ninguém quer ouvir: “Não existe rentena de um mês a todos os visitantes doença. No dia 26, o número global de mor- alta hospitalar no Japão, ficamos a saber da República.

A
víncia de Hubei. Outras 4.515 pessoas são tratamento eficaz conhecido.” Entretanto, estrangeiros e o isolamento da nação dos tos chega a 2.800, com um total de cerca de que o primeiro caso de infeção na região
dadas como infetadas na China, 2.714 delas o número de mortos na China continental Kim oferece um pensamento: e se a Coreia 80.000 casos confirmados de infeção relata- espanhola das Astúrias tem uma ligação
na província de Hubei, contra 1.423 no dia chega aos 563, com mais de 28.000 casos do Norte for a única a escapar a isto? dos globalmente. Há vários novos países a direta a Portugal: o escritor chileno Luis
anterior. Há, na região, 17 portugueses que confirmados, enquanto o número de pes- África descobre o seu primeiro caso, detetar os seus primeiros casos. A Arábia Sepúlveda, acabado de regressar do festi-
pedem para sair rapidamente. soas infectadas na Europa atinge as três no Egito. A data é 14 de fevereiro, dia da Saudita suspende temporariamente a en- val literário Correntes d’Escrita, na Póvoa
Entretanto, um estudo genético confirma dezenas. E cai o primeiro herói: a 7 de feve- primeira morte na Europa, em França. Na trada de peregrinos que visitam a mesquita de Varzim.
que o novo coronavírus terá sido transmi- reiro, morre Li Wenliang, o médico que foi o China, num único dia – 15 de fevereiro – o do profeta Maomé e os lugares sagrados do Não temos de esperar muito pelo que,
tido aos humanos através de um animal primeiro a dar o alarme sobre o perigo do número de mortos aumenta mais de 1.500, islão em Meca e Medina. por esta altura, já sabemos que é inevitá-
selvagem, ainda desconhecido, que por sua coronavírus. Uma barreira é quebrada a 9 isto quando vem a público um discurso de O vírus ainda não chegou a Portugal – ou vel. Portugal não vai, obviamente, escapar
vez foi infetado por morcegos. de fevereiro, quando o número de mortos Xi Jinping, proferido duas semanas antes, assim parece – mas o país começa a pre- ao coronavírus e, a 2 de março, são confir-
na China ultrapassa o da epidemia de SARS que mostra que o Governo sabia da amea- parar-se para o embate. A Direção-Geral mados os dois primeiros casos, mais dois
em 2002/03, com 811 mortes registadas. ça do vírus muito antes de o alarme público da Saúde (DGS) divulga orientações às no dia seguinte e outros tantos no dia a
E, no dia em que uma equipa de inves- ter sido acionado. empresas, aconselhando-as a definir pla- seguir. Em São Bento, um despacho do Go- A 6 de março, os casos confirmados em Por-
tigação liderada por especialistas da OMS O isolamento forçado imposto por Pe- verno garante que os funcionários públicos tugal chegam a 13, enquanto o número de in-
chega à China, o presidente Xi Jinping apa- quim chegou tarde mas parece estar a re- em teletrabalho ou isolamento profilático fetados no mundo ultrapassa os 100 mil, dos

2. Fora
rece em público pela primeira vez desde o sultar: a 18 de fevereiro, os números diários não sofrerão perda de salário. A Comissão quais 3.456 morreram, em 92 países e terri-
início da epidemia, a visitar um hospital em de infeções na China caem para menos de Nacional de Proteção Civil passa a funcio- tórios. A China (sem as regiões administra-
Pequim e a pedir confiança na batalha con- 2.000 pela primeira vez desde janeiro. O nar em permanência e o Governo dá cinco tivas de Macau e Hong Kong), o país onde a

de controlo tra o vírus. Depois dos erros iniciais, o Go-


verno chinês tenta recuperar o tempo per-
epicentro da doença está on the move, para
Ocidente, e a primeira paragem é no Irão
dias às empresas públicas para elaborarem
planos de contingência.
epidemia foi declarada no fim de dezembro,
soma 80.552 casos e 3.042 mortes.

Há, em todos os filmes-catástrofe, aquele


dido para conter a propagação da doença,
entretanto batizada de covid-19. O número
que, a 18 de fevereiro, regista as duas pri-
meiras mortes. A cadência das Enquanto Espanha chora a primeira
morte e Itália sobe a contagem para as oito
Mas é em Itália que a situação está vi-
sivelmente descontrolada. O governo de
momento em que os protagonistas perce-
bem que a situação está fora de controlo.
de vítimas mortais ultrapassa o milhar. Também a Coreia do Sul sofre, nos dias
20 e 21, as primeiras mortes e os casos au- notícias e o dezenas de vítimas, começa-se a pensar no
impacto económico do que já é claramente
Roma proíbe as entradas e saídas da Lom-
bardia e de outras 11 províncias próximas
Num filme em que o antagonista é um vírus
mortal é quando, por exemplo, numa sala
mentam uma centena somente num dia,
com origem numa comunidade religiosa,
crescimento do uma pandemia, mesmo que a OMS mostre
reticências em declará-la. A Reserva Fede-
para limitar a disseminação do coronaví-
rus, que já causou 233 mortes e 5.061 infe-
cheia de cientistas, há um que diz, grave-
mente, a propósito do vírus, “It’s airborne”,
mas o governo de Seul prepara-se para
mostrar ao mundo uma estratégia que, em
número de casos ral dos Estados Unidos, que gere a política
monetária do país, corta em 50 pontos-ba-
tados em todo o país. No Irão, onde há 4.747
casos notificados e 124 mortes, morre um
perante o silêncio assustado dos restantes.
No caso do coronavírus – que, felizmen-
menos de um mês, vai mostrar resultados:
testar o máximo de pessoas possível, exi-
já não é diário, se as taxas de juro, com o seu presidente,
Jerome Powell, a considerar inevitável que
deputado recém-eleito numas eleições que
o Governo de Teerão decidiu teimosamente
te, não viaja pelo ar –, esse momento che-
ga a 30 janeiro, quando a OMS declara a
bam ou não sintomas, e matar à nascença
as cadeias de transmissão.
é horário. No dia os efeitos do surto alastrem às economias
mundiais e alterem o seu normal funciona-
não adiar.
A 10 de março, Irão e Itália registam o
emergência global, no mesmo dia em que Para a maioria dos europeus, a covid-19
parece ainda uma coisa distante e nem a
23, a OMS reúne mento “durante algum tempo”. Por sua vez, maior número de mortes num único dia,
o número de mortos na China salta para FMI e Banco Mundial anunciam que as reu- respetivamente 54 e 168, enquanto a Ale-
170, com 7.711 casos registados em todo o primeira transmissão do vírus na região o seu comité niões de abril, que se realizam anualmente manha confirma as suas duas primeiras
país, onde o vírus se espalha para a tota- italiana da Lombardia afeta a vida no Velho em Washington, vão ser feitas à distância, mortes, com pelo menos 1.100 casos confir-
lidade das 31 províncias. No último dia do Continente. A história está prestes a mudar. de emergência em “formato virtual”. mados no país.

124 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 125


ESTADO DO RETÂNGULO

Estamos a 14 de março e a ministra da


Saúde, Marta Temido, admite que Portugal
Porém, no dia seguinte, morrerão 475 pes-
soas, o número mais alto num único dia e, a
A 22 de fevereiro,
entrou “numa fase de crescimento expo-
nencial da epidemia”, com 169 casos confir-
19 de março, Itália ultrapassa a China como
o país com mais mortes, 3.405, contra as
Itália regista as
mados. Em Espanha, onde há mais de 5.700 3.245 na China. duas primeiras
casos, o Governo de Pedro Sanchez impõe Por cá, o Conselho de Estado acede ao
“medidas drásticas” no âmbito do estado pedido de Marcelo e recomenda o estado mortes, ao mesmo
de alerta e proíbe os cidadãos de andar na de emergência, que é ratificado, na tarde de
tempo que o Irão
3. Pandemia rua, exceto para irem trabalhar, comprar
comida ou ir à farmácia. No dia seguinte, o
número de casos em Portugal atinge os 245.
18 de março, pela Assembleia da Repúbli-
ca. À hora do jantar, a partir do Palácio de
Belém, o Presidente da República declara o confirma a quinta.
A 11 de março, a OMS declara finalmente o
surto de coronavírus como uma pandemia,
Em todo mundo há quase 160.000 pessoas
infetadas e já morreram mais de 6.000.
estado de emergência.
“Acabei de decretar o estado de emer- É uma antevisão do
no dia em que Turquia, Costa do Marfim,
Honduras e Bolívia confirmam os primei-
gência”, começa por dizer Marcelo Rebelo
de Sousa no discurso ao País. “Vai ser um que está para vir
ros casos. A 12 de março, o número global O estado de emergência teste nunca vivido ao SNS e à sociedade
de mortos ultrapassa já os 4.600, com um A 16 de março, morre o primeiro português. portuguesa, uma contenção sem prece-
total de 126.100 casos. Em Portugal, o nú- O Presidente da República, Marcelo Rebelo dentes. Um desafio enorme para a nossa
mero de infetados atinge 59 e, aqui ao lado, de Sousa, decide convocar o Conselho de maneira de viver e para a economia”, con-
Espanha regista mais de 2.000 infetados e Estado por videoconferência para dia 18, tinua. “Esta guerra, porque de uma verda-
47 mortos. com um ponto único na agenda: discutir a deira guerra se trata, dura há um mês e
É a 12 de março que nós, portugueses, decisão de decretar o estado de emergên- pode demorar mais tempo para atingir o
percebemos a magnitude do que aí vem. É cia em Portugal. Entretanto, o Governo pico da sua expressão.”
o dia em que António Costa anuncia o fe- proíbe o consumo de bebidas alcoólicas na “Os portugueses, com a experiência de
cho de todas as escolas a partir de 16 de via pública e a realização de eventos com quem já viveu quase tudo, disciplinaram-se
março, o encerramento das discotecas, as mais de 100 pessoas, apelando aos portu- e têm sido exemplares numa quase quaren-
restrições nos restaurantes, nos centros gueses para que só saiam de casa se for tena que revela bom senso em respeitar
comerciais e serviços públicos. O estado de mesmo necessário. as indicações das autoridades de saúde”,

O
alerta é declarado em todo o País, com pro- diz Marcelo. “Entendi dever convocar o
teção civil e forças e serviços de segurança Conselho de Estado, ouvi o Governo e so-
em prontidão. A Região Autónoma da Ma- licitei autorização à Assembleia da Repú-
deira suspende a atracagem de navios de blica para decretar estado de emergência.
cruzeiro e impõe medição de temperatura Sei que os portugueses estão divididos, há
a passageiros nos aeroportos; o governo quem o reclame desde ontem e quem o ache
regional dos Açores fecha escolas e mu- prematuro.”
seus, interdita cinemas e ginásios. A vida “Tudo mais cedo do que mais tarde.
dos portugueses está prestes a ser posta Depende da contenção nas próximas se-
em suspenso. manas conseguirmos encurtar prazos e

FOTOGRAFIA: LUCAS SCHIFRES / GETTY IMAGES). MONTAGEM: ÂNIA FIGUEIREDO.


A OMS declara o que, por esta altura, já salvar pacientes nos próximos dias. Nesta
parece óbvio para toda a gente: a Europa guerra como em todas só há um inimigo
é o centro da pandemia, com o número de O primeiro-ministro anuncia também o invisível, que pode ter vários nomes: desâ-
mortos em todo o mundo a superar 5.300. controlo de fronteiras terrestres com Es- nimo, cansaço, fadiga do tempo que nunca
Por cá, o número de casos confirmados panha, passando a existir nove pontos de mais chega ao fim. Temos de lutar todos
já vai para além da centena e o Governo passagem e exclusivamente destinados a os dias contra ele. Tudo o que nos dividir
permite aos funcionários públicos ficar em transporte de mercadorias e trabalhado- e enfraquecer nesta guerra torna-la-á mais
casa em regime de teletrabalho sempre que res que tenham de se deslocar por razões longa.”
funções o permitam. profissionais, uma situação inédita desde “Nesta guerra ninguém mente nem vai
Nos Estados Unidos, após semanas de a criação do espaço Schengen. Do Hospi- mentir a ninguém. Isto vos garante o vosso
perigosa e criminosa negação – uma pan- tal de São João chega entretanto uma boa Presidente da República”, afirma Marcelo,
demia não dá jeito nenhum em ano de elei- notícia: uma das primeiras pessoas inter- que termina o histórico discurso em tom
ções presidenciais –, Donald Trump decla- nadas em Portugal com covid-19 está apa- patriótico: “Somos assim porque somos
ra o estado de emergência nacional. E os rentemente curada. Portugal.”
norte-americanos, sem serviço nacional de De onde não chegam boas notícias é de Este relato para no dia 22 de março, data
saúde e com poucas a nenhumas proteções Itália, que a 17 de março regista 345 novas em que o número global de mortos subiu
laborais, têm muito a temer. mortes em 24 horas, elevando o total para acima de 13 mil (22 deles em Portugal) e o
O futebol, que ainda tentou lutar com jo- 2.503 – um aumento de 16%. O número to- número de infetados ultrapassa os 311 mil.
gos à porta fechada, decide que chegou a tal de casos na Itália sobe para 31.506 em Mais de um quinto da população mundial,
altura de parar. A UEFA suspende todos os comparação aos 27.980 do dia anterior, um o nosso País incluído, está em isolamento,
jogos sob a sua égide, incluindo Liga dos aumento de 12,6% – ainda assim, a menor fechado em casa, com a vida em suspenso.
Campeões e Liga Europa. taxa de crescimento desde 21 de fevereiro. Falta saber até quando. ●

126 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 127


CORPO
pequena metamorfose, viessem ter comigo.
Já nos ia ajudar a minimizar o efeito de re-
dução permanente. Só que, normalmente,
as pessoas só vêm ter comigo quando já
têm uma perda significativa.”

P
Mas recomecemos pela definição: afinal,
o que é a calvície e o que a causa? A cal-
SHOPPING • GROOMING • SAÚDE vície, explica-nos Vila Nova, “é a redução
do número de fios de cabelo por centímetro
cúbico, normalmente permanentemente,
à medida que a idade vai avançando”. O
termo médico utilizado para o processo de
perda de cabelo é alopécia – e esta pode ter
várias causas. “Pode ser do foro hormonal,
pode ser por ação pós-parto, pode ser por
ação de medicação ou pode ser até mesmo
quando as pessoas têm o hábito de puxar logista. “O que faz efetivamente a minimi-
o seu próprio cabelo. Mas essas são alopé- zação do fio de cabelo por ação genética é
Pedro Rodrigues ainda era adolescente cias que têm regeneração, que não têm folí- cicatrização do folículo pelas fibroses de
quando se apercebeu que, provavelmente, culo danificado”, esclarece, “são alopécias dihidrotestosterona, que se vão acumulan-
a calvície também lhe iria tocar a ele – via que não têm definição de calvície. A alopé- do à medida da raiz.”
os sinais de alerta na cabeça do pai e nas cia androgenética, por sua vez, é o proces- E isto acontece quando? Logo a partir
dos avós, que tinham perdido o cabelo mui- so de queda do número de fios de cabelo dos 16 anos. “Mas o cabelo não cai do dia
to cedo. Aos 18 anos, começou a notar dife- sem que haja regeneração. Ou seja, a área para a noite”, esclarece o especialista, “ele

TUDO
renças nele, mas ainda demorou até que os começa a ficar vazia”. É o caso do Pedro – e vai caindo gradualmente, à medida que o
alarmes disparassem. “Nós olhamos para a o da maioria dos homens que detetam me- cabelo vai renovando, dentro do ciclo nor-
nossa cara todos os dias no espelho e não nos densidade capilar ao longo dos anos. mal, mas começa a haver uma percentagem
reparamos que estamos com menos cabelo de cabelo que não é reposta. Então, ao fim
do que no dia anterior. Vamos é reparan- de dois a quatro anos, o homem começa a

POR
do quando vemos uma fotografia tirada de sentir que a quantidade de couro cabeludo
cima ou quando vemos uma fotografia tira- exposto é maior.”
da há dois anos. E aí, sim, ficamos angus-
tiados”, explica o jovem de 36 anos.
A GENÉTICA Foi o que aconteceu com Tiago Filipe, de
20 anos. Conta-nos que começou a notar al-
Passar-se-iam quatro anos desde a toma- DECIDE guma falta de cabelo, na zona das entradas,
da de consciência e a decisão de ir a uma por volta dos 17 anos, quando o espelho e os

UM FIO
consulta de dermatologia para tentar re- Tal como Pedro deduzira observando os amigos o denunciaram. “Na altura, não fiz
solver – ou retardar – a queda de cabelo. seus ascendentes, é o ADN de cada pessoa nada relativamente à situação. No entanto,
“Foram-me receitados alguns tratamentos. (e não a alimentação, o estilo de vida, ou o de há seis meses para cá, tenho sido acom-
Só que como é uma ‘doença’ que não é gra- tipo de água que se bebe) que vai determi- panhado pela minha dermatologista.” Des-
ve, em termos de saúde, a nossa juventude nar se há predisposição para a calvície. de então, tem usado uma solução de minoxi-
e, talvez, alguns traços da nossa personali- Esta condição resulta da herança de um dil diariamente. “Pelo que me foi explicado,
dade levam a que, nos primeiros dias, faça- gene que determina o número de folículos é apenas uma solução que fortalece o cabe-
mos tudo direitinho e depois nos desleixe- capilares com recetores para dihidrotes- lo que ainda tenho, dando mais vitalidade
mos um bocado”, admite. “Mas a verdade é tosterona (DHT) – quanto mais folículos aos vasos capilares enfraquecidos. E, nas
que se desde essa idade eu tivesse seguido existiram capazes de assimilar a hormona visitas ao cabeleireiro, ao qual vou desde
à risca todas as recomendações do derma- derivada da testosterona, mais acentuada pequeno, foram-me dizendo que reparavam
tologista, a situação tinha evoluído muito será a calvície. “Normalmente, a partir da na diferença”, relata. Tiago ainda não tem
mais tarde.” E não é só Pedro que o diz. Ri- puberdade – quando as glândulas se tor- nenhuma zona totalmente sem cabelo. Por
cardo Vila Nova, tricologista de profissão – nam mais ativas –, há uma maior produção isso, está somente focado na prevenção e
o que significa que é especialista na ciência hormonal. E é nessa altura que o excesso no abrandamento da queda.
do ramo dermatológico que estuda o cabelo de produção de testosterona é convertido Este tipo de tratamento, o hormonal –
–, revela que raramente recebe clientes no em dihidrotestosterona”, confirma o trico- através de comprimidos ou aplicação tópica
início do processo da calvície: “Quem me de minoxidil, cortisona ou finasterida –, é o
De cabelo. Não temos dera que as pessoas fossem mais prudentes mais comum entre as pessoas que chegam
e aos 17, 18, 19 anos, quando sentem alguma às clínicas de Ricardo Vila Nova. “Estes tra-
dúvidas: a calvície foi e é tamentos inibem a futura redução, mas, se
um dos maiores tormentos o paciente já tem calvície, não vai conseguir
estéticos do homem. Mas, voltar a ganhar uma percentagem muito
afinal, o que a provoca? “O QUE EU DIGO AOS MEUS PACIENTES elevada. Inibe a redução futura, o que já não
é mau.” Isto se o tratamento for feito de uma
E que armas fiáveis temos É QUE TUDO DEPENDE DO QUANTO A PESSOA forma cuidada e regular. Aos 22 anos, Pedro
à nossa disposição para GOSTA DE TER O SEU CABELO. NÃO HÁ UM Rodrigues iniciou a toma de um comprimi-
a combater? TRATAMENTO QUE VÁ SOLUCIONAR TUDO” do diário e a aplicação de ampolas – mas
as interrupções frequentes deram aso a que
Por Beatriz Silva Pinto. RICARDO VILA NOVA, TRICOLOGISTA nunca chegasse a observar melhorias.

128 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 129


“EU CONHEÇO HOMENS QUE SE REFUGIARAM CABELO CORPO
DURANTE UM MÊS EM CASA PARA QUE NINGUÉM
PERCEBESSE QUE TINHAM FEITO A OPERAÇÃO,
P O RQ U E T I N H A M V E RG O N H A” PEDRO RODRIGUES


O PERÍO D O D ECISIVO
“O período mais crítico de definição OS MITOS
TRATAMENTOS, da calvície androgenética situa-se
entre os 22 e os 30 anos. Porque o Apesar de ser cada vez mais comum ver
NÃO HÁ grau de redução, embora comece figuras públicas a dar o seu testemunho
acerca do transplante capilar, como Pêpê
MILAGRES a partir da puberdade, pode
estabilizar a partir dos 22 anos ou, Rapazote, Rui Unas ou Jorge Gabriel, ain-

Ricardo Vila Nova – que já viu um pouco


UM DIA por outro lado, pode continuar da há uma desconfiança generalizada no
que toca à eficácia do procedimento. Con-
PASSADO
progressivo até aos 30. E aí as áreas
de tudo no que toca a soluções que prome- vazias começam a ficar visíveis” , frontamos o tricologista com os rumores de AUTOESTIMA
tem milagres: “champôs de cafeína, estar
mais tempo de cabeça para baixo, esfregar A (TRANS) explica Vila Nova. Por outro lado,
se até aos 30 não teve qualquer
que, em algumas pessoas, o cabelo trans-
plantado cai e não volta a nascer. “Não, EM XEQUE?
a cabeça com alho” – não é, no entanto,
apologista do tratamento hormonal, não só
Redesenha-se o número de folículos que
estejam em fase de redução para que te-
PLANTAR sinal de calvície, isso significa que não, isso é mentira!”, garante. “Tenho de
defender as clínicas que temos em Portu- Tanto Pedro como Tiago não temem admi-
pelo “fator reduzido de regeneração”, mas nham um metabolismo igual ao folículo que CABELO muito pouco provavelmente o terá
no futuro. “O que pode acontecer é gal, porque elas são muito boas. O que a tir que esta é uma questão que mexe com
também “pelo fator de dependência”: “O não é afetado por dihidrotestosterona”, um envelhecimento do fio, que fica maioria dos pacientes se esqueceu, e que a autoestima. “Principalmente nos momen-
problema é que depois de se suspender [a pormenoriza. E relembra: “Este tipo de tra- Quando Pedro Rodrigues começou a pes- mais fino à medida que os anos vão os meus colegas que fazem os transplan- tos em que olhamos para fotografias anti-
medicação hormonal], perde-se mais cabe- tamento era muito utilizado na reconstru- quisar acerca deste tipo de solução “ainda passando.” tes podem não ter sabido informar, é que o gas”, explica o primeiro. Ou, então, “quan-
lo do que na fase inicial.” ção da cartilagem óssea, após as pessoas não havia muita informação disponível, no- transplante não segura o cabelo que está a do “começas a ter aquele olhar da pessoa
O tratamento que o especialista apon- perderem densidade de cartilagem e os meadamente ao nível de clínicas no Porto”. reduzir. Ele apenas preenche a área vazia. que está a falar contigo para a tua cabeça.
ta como mais benéfico para recuperar e ossos criarem fricção. Fazia-se infiltração Foi há quatro anos. No entanto, ficou con- Se o paciente estiver ainda em fase de re- E tu percebes que ela está a reparar na cal-
multiplicar o número de cabelo do próprio de fatores de crescimento diretamente na vencido a dar o primeiro passo logo após a dução, ele vai continuar a perder o cabelo vície”.
paciente (e que aplica nas suas clínicas em cartilagem para amplificar o metabolismo a primeira consulta, numa das maiores clíni- original dele. O transplantado fica lá, mas o Mas o assunto é um tabu entre os ho-
Londres e Lisboa) é um tratamento inje- reconstruí-la.” cas especializadas na cidade. que está ao lado cai. As pessoas esquecem- mens? Aqui as opiniões divergem. “A títu-
tável e mensal feito com fatores de cresci- Mas atenção: quando estamos perante “O processo em si foi um bocado chato”, -se de que o cabelo está em fase de redução lo pessoal, sempre senti que sim”, adianta
mento, que são “bioestimulantes respon- uma área que não tem mesmo folículo, em admite, quando lhe pedimos para dar o e não fazem nada para segurar o delas!” Tiago. “Por exemplo, não falei sobre o his-
sáveis por promover a formação de novos que a raiz do cabelo já se tornou pele, aí testemunho. “Em primeiro lugar, é preciso de 20 em 20 minutos. Esses dias são péssi- Foi precisamente esse o motivo que de- torial de família com o meu pai, foi sempre
vasos sanguíneos, potenciando a regene- nem com tratamento hormonal, nem com rapar o cabelo. Depois, o dia da operação mos, mas passam rápido. O primeiro mês é ram a Pedro, quando, na clínica, este con- com a minha mãe ou com a minha avó e
ração dos tecidos e operando no desen- fatores de crescimento – só se preenche é muito longo. Começas por volta das 9 ho- um mês de recuperação. A cabeça começa fessou não sentir grande diferença após o adiei bastante uma conversa que já queria
volvimento de novos folículos”. “É como se novamente aquela área trabalhando com ras e sais às 6 da tarde e estão o dia todo a ganhar crostinhas, começam a cair os ca- processo. “A jornada tem de ser mais lon- ter há muito. O mesmo com amigos, mesmo
estivéssemos a redisciplinar a função celu- transplante capilar. Nessa microcirurgia, a escavar na tua cabeça, a tirar cabelos e a belos transplantados e, após esse primeiro ga”, explica Vila Nova. “Para além de preen- os que me são muito próximos. Não conhe-
lar do organismo, mas sem dependência. os folículos capilares são redistribuídos implantar na zona calva. O mais chato é a mês, fica aparentemente tudo igual. Ou chermos a área que ficou vazia, temos de ço muitos homens da minha idade que já
sobre a cabeça, transplantando-se exem- fase da recuperação. Há dois ou três dias seja, os cabelos transplantados caem, mas ter a certeza de que todo o cabelo que fi- comecem a reparar nisto, mas entre aque-
plares que não têm recetores DHT (que co- em que temos de ficar na posição horizon- a raiz fica lá. E parece que fizemos uma cou lá, que não reduziu ainda, se estende les que conheço há sempre algum tabu e
mumente estão na zona sobre as orelhas e tal, não nos podemos mexer muito, temos a operação para nada. Mas, ao fim de um até longo prazo.” É, por isso, necessário resistência para falar da questão.” Por sua
na nuca) para a zona a preencher. cabeça em carne viva e tem de se ‘regá-la’ ano, começa-se a sentir alguma diferença. haver complementaridade de tratamentos. vez, Pedro não acredita que exista medo de
É difícil porque não se vê resultados ime- “O que eu digo aos meus pacientes é que falar da calvície, mas sim sobre as medidas
diatos e ficamos sempre a duvidar se aqui- tudo depende do quanto a pessoa gosta de de contorno: “Por exemplo, a questão das
lo resultou.” ter o seu cabelo. Não há um tratamento que operações: eu conheço casos de homens
Ricardo Vila Nova confirma a maior vá solucionar tudo. É um percurso que vai que se refugiaram durante um mês em casa
parte dos passos, mas assegura que já há mudar a rotina diária de cada um.” para que ninguém percebesse que tinham
métodos mais avançados de cirurgia, após Apesar do sentimento de desilusão feito a operação, porque tinham vergonha
O FATO R P SI CO LÓ G I CO os quais “não se fica em carne viva e não inicial, o jovem de 36 anos afirma que re- de o assumir. Existem também técnicas
EXPLI C AD O P EL A PS I CÓLOG A C L Í N I C A V E RÓN I CA A LEG RE é preciso ‘regar’” – o que é compreensível, petiria o processo – aliás, está mesmo a muito eficazes de disfarce da calvície atra-
tendo em conta que Pedro fez a sua micro- considerar fazê-lo. “Porque acredito que a vés de maquilhagem – e os homens não fa-
De que modo é que a calvície pode afetar a autoestima de um homem? cirurgia há já quatro anos. O tricologista operação, apesar de tudo, funciona.” Mas, lam disso, ponto final.”
Tenho a perceção de que a autoestima pode ser alterada, pois existe uma situação que transforma todo o significado que se tem de si próprio acrescenta ainda que “demora mais ou me- por uma questão monetária, Pedro quer ir No entanto, tanto o mais novo como o
e obriga o sujeito a lidar com aquilo que sente relativamente ao seu corpo/imagem, mas também com a crítica e o julgamento social. nos seis meses para que o cabelo mostre o fazê-la a Istambul, “o sítio onde este tipo de mais velho já aprenderam a não sobreva-
efeito do transplante, visto que inicialmen- técnica nasceu – ou seja, os médicos mais lorizar algo que está fora das mãos de am-
Já teve pacientes em que isso se verificou? te os cabelos que são transplantados têm especializados do mundo estão lá. E, por bos. Tiago diz que tem tentado tornar este
Sim, já tive casos clínicos em que tive de me debruçar sobre como esta condição afeta o mundo interno de cada um. A autocrítica surge uma alopécia effluvian” – o que significa metade do preço, consegue-se fazer a ope- assunto mais natural no seu dia a dia, já
com o medo da rejeição e de não se ser desejado o suficiente para se estabelecer uma relação de proximidade com alguém. Mas estas que ocorre uma queda temporária, mas que ração, mais viagens incluídas, para duas que não lhe consegue fugir. Pedro começou
preocupações acabam por se revelar em questões que não dependem desta característica, mas sim em questões que se encontram o cabelo voltará a crescer. pessoas numa excelente clínica”. a valorizar mais os aspetos sobre os quais
recalcadas, esquecidas, e que encontram um meio de manifestar desconforto a partir do que é visível. Pedro não ficou totalmente satisfeito com tem controlo: “Eu tinha bastante mais ca-
o resultado, por não ter sentido “grande belo há dez anos e sentia-me bastante pior
Que estratégias aconselha a quem tem este tipo de complexos? diferença”. “Depois de uma operação tão com o meu corpo porque tinha mais 10 qui-
As estratégias que aconselho passam sempre por um plano de psicoterapia breve para que se possa avaliar o significado e o impacto na vida cara, estava à espera que passasse a ter los. Portanto, eu acho que um corpo sau-
afetiva. É muito importante termos uma boa relação connosco, para que nos possamos manter ativos e criativos na forma como lidamos cabelo como tinha aos 20 e poucos.” Mas dável é bastante mais importante do que a
com as nossas frustrações e angústias. até para isso há explicação. questão da calvície.” l

130 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 131


CORPO CABELO
O UTRO S PEQ UEN OS GESTO S
Cláudio Pacheco,
hairstylist, explica Coisas a ter em mente antes de saltar para o duche.

SABE
como lavar o cabelo,
passo a passo

1.º
“Colocar a quantidade
de champô equivalente
a uma moeda de 2
euros na mão.”
CABELO O LEO SO ESFREG A, ESFREG A C H AM P Ô : AIN DA COM

(MESMO) 2.º
“Acionar os
E MAL LAVAD O,
ANYO NE?
“Com este método
E… A ESPUMA
PO D E DAR PISTAS
“Devemos massajar
UM A OU D UAS
V E ZE S, E IS
A QU E STÃO
D Ú V IDAS
QUAN TO A
C H AM P Ô S ÓLID O?
agentes de lavagem, de aplicação conseguimos vigorosamente o couro “Se lavarmos o cabelo Para os que ainda têm
friccionando uma ter o champô mais cabeludo com as nossas todos os dias basta lavar em dúvidas sobre utilizar
mão contra a outra, distribuído, o que resulta mãos e dedos,com [com champô] uma vez. um champô sem a
ou seja, espalhando numa melhor lavagem”, movimentos circulatórios Se lavarmos dia tradicional embalagem,
o champô nas mãos.” explica o hairstylist, que durante 1 a 2 minutos”, diz sim, dia não, ou com não há como enganar.
garante que ao lavar Cláudio Pacheco. Ou seja, menos frequência temos de Basta massajar a barra

L AVA R O 3.º o cabelo desta forma acaba não chega atirar produto lavar duas vezes seguidas”, de champô diretamente
“Em cabelo molhado, por estar a “usar menos para cima do cabelo. Cante explica o hairstylist. Ou no cabelo molhado ou
começar a aplicação champô, porque uma uma música, espaireça a seja: molha cabelo, aplica derretê-lo um pouco nas
pela parte de trás, moeda de 2 euros cabeça, só não apresse champô, enxagua, aplica mãos húmidas antes de
uma vez que a espuma é o suficiente”. Além o assunto. E atente na champô aplicar no cabelo. O único
cresce, isto é, sobe disso, “muitas das vezes espuma. “É normal se e enxagua de novo. cuidado especial a ter é:
e não desce.” já aconteceu usar champô o couro cabeludo tiver manter o produto num
e sentir ou que ficou mal muitos resíduos que não local preferencialmente
lavado ou com aquele faça espuma com a primeira seco, ou numa saboneteira
4.º
CABELO?
aspeto superoleoso passagem de champô. (de certeza que encontra
“Depois da nuca, e normalmente tem a ver Sobretudo se forem uma aí por casa) para
avançar para os lados com muita concentração champôs profissionais, que ele esteja sempre
e o meio da cabeça.” de champô”. dificilmente existe muita pronto a usar. ●
espuma. Se sentirmos
5.º que o champô fez pouca
Parece uma pergunta “Voltar a friccionar espuma, significa que
básica, mas lavar o cabelo as mãos uma na outra havia muitos resíduos,
e aplicar finalmente e isso significa que o cabelo
corretamente tem mais no topo da cabeça.” precisa de uma segunda
ciência do que aparenta. lavagem”, avisa.
Não vamos ser científicos, PRODUTOS
mas práticos. Isto é o que
está a fazer de errado.
Aprenda a fazer o certo.
Por Joana Moreira.

Champô para Champô Champô Champô purificante Champô Champô sólido


cabelos finos refrescante Iceberg para cabelo à base de carvão de tratamento refrescante Dirty,
Density Advanced, Shampoo, €14,50 seco Aloe vegetal JLD Go seborregulador €9,95, Lush.
€16,10, L’Oréal Johnnie Black. You Vera Much, Detox, €19,50, para cabelo oleoso,
Professionnel. €6,95, Foamie. Jean Louis David. €10,95, Klorane.

132 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 133


PELE CORPO

mantê-las com bom ar? Há muito que a ma-

I
nicura masculina vai além de ter um corta-
maginemos o cenário: cabelo acaba- -unhas (agarre na shopping list e tome notas
do de cortar, barba impecável, cami- dos produtos abaixo) e hoje os espaços de
sa engomada (ou aquela sweatshirt beleza começam cada vez mais a perder o
incrivelmente cool) e uns jeans que ambiente puramente feminino, abraçando o
assentam na perfeição. O retrato elogioso público masculino que obviamente também Uma questão de saúde
do indivíduo acima descrito acaba quando precisa de cuidados. Aliás, são muitos os Marcar uma manicura, nem que seja de
olhamos para as mãos e nos deparamos salões de beleza que agora inauguram com forma ocasional, vai garantir que a manu-
com o pior: pele seca, unhas baças e cutícu- esta filosofia: uma estética mais neutra, me- tenção e o cuidado das unhas mesmo em
las tão secas que já se levantam em todas nos feminina e por vezes até direcionada casa seja bem mais fácil. Mas, além disso, a
as direções. assumidamente para o público masculino. visita regular a um profissional de manicu-
Pois é, é que este é um artigo sobre ma- Como o mais recente espaço do grupo Lú- ra pode também ser uma forma de garantir
nicura, mas não lhe vamos falar de unhas cia Piloto, o Lúcia Piloto Avenida – Luxury a sua saúde (e a das suas unhas). É que
de gel, nem necessariamente de verniz (no Concept Store, que, no centro de Lisboa, não raras vezes são estes profissionais que
entanto, já olhou para os dedos de David dedica uma grande parte do seu piso -1 aos alertam os clientes para problemas de saú-
Beckham ou Harry Styles? É tudo uma homens e aos serviços de estética. Com um de frequentemente vezes ignorados e que
questão de atitude). Aqui pretendemos fa- visual com tons mais escuros, o espaço que exigem a observação médica. Treinados
lar-lhe antes da importância de cuidar das oferece serviços de cabelo e barba continua para reconhecer problemas de saúde (e as
mãos, e das unhas, para conseguir um aspe- para uma zona dedicada exclusivamente a unhas podem revelar vários, de anemia até
to cuidado e saudável. Até porque, seja em manicura e pedicura. problemas de fígado, infeções fúngicas ou
que profissão for, a probabilidade de ter de até má circulação), é deles muitas vezes o
lidar com pessoas e de ter as mãos expostas primeiro alerta para algo problemático e
é grande. E, só por isso, porque não querer que pode ser resolvido precocemente.
Já sabe o que fazer? Exatamente: pegue
no telefone e marque na agenda. ●

#KI TGQ PA RA MÃO S Q UE DÃO N O DU RO


Mesmo que ir à manicura ainda não lhe passe pela cabeça, estes são alguns dos cuidados
(e produtos) que deve ter – e que fazem toda a diferença.

MÃOS AO ALTO
CREME CREME D E MÃO S FO RTALECED O R ES FOLIAN T E M ÁS C ARA
D E CUTÍCULAS (Hemp Hand Protector, D E UNHAS D E M ÃOS D E M ÃOS
(Nail & Cuticle Cream, €13, The Body Shop) (SI-Nails, (Esfoliante (Hemp Hand
€2,49, Essence.) Para ter na pasta, €23,50, ISDIN) de mãos Suede, Protector, €13,
A pele que circunda a base no porta-luvas ou O stresse ou o regime €45, Byredo, The Body Shop)
Agora que já viu 123.934 vídeos de como lavar da unha também precisa na gaveta da secretária. alimentar são duas razões em byredo.com) Se durante o dia não
as mãos corretamente, hidrate-as. Avance sem preconceitos. de cuidados, e basta dar- O creme de mãos é um que podem ter impacto Para se livrar das é capaz de se
-lhe atenção para perceber. básico fácil de ter sempre na saúde das unhas. peles mortas, esfoliar lembrar do creme de
Este é um artigo sobre manicura. Aplique uma pequena consigo, pelo menos Se estão fragilizadas, é a resposta. Nas mãos mãos, aqui está outro
Por Joana Moreira. quantidade em cada dedo no local de trabalho e quebradiças ou a secas espalhe uma noz método. Trata-se de um
(o aplicador aqui facilita o para reaplicar ao longo escamar experimente de produto, fazendo bálsamo noturno, mais rico
processo) e massaje em do dia. Escolha um bem um fortalecedor. Tem uma massagem com que o creme, para massajar
toda a cutícula e unha. hidratante, como este, um pincel para colocar movimentos circulares. generosamente nas mãos
Adeus, cutículas secas, que hidrata até a pele produto em toda a unha Depois, retire o produto secas antes de ir dormir.
duras e estragadas, olá, muito seca, graças às 966 facilmente. O acabamento com água morna. O aroma a lavanda
mãos acabadas de sair sementes de cânhamo que é invisível e as unhas ficam A suavidade da pele ajuda até a promover o
da manicura. tem em cada tubo. suaves e sem brilhos. é imediata. relaxamento e o sono.

134 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 135


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U M A O B R A D E A R T E T O D O S O S M E S E S P O R 4 E U R O S
EDIÇÃO DE ABRIL COM DUAS CAPAS. ESCOLHA A SUA, JÁ NAS BANCAS.
MOTORES
NOVIDADES • HISTÓRIA • DESIGN
MADE
BY SONY
Se quer saber quando é que pode
comprar o novo Vision-S da Sony, o
melhor é manter a calma e acionar
a paciência. A gigante japonesa
ainda não tem data marcada para
começar a produzir massivamente
e colocar no mercado este modelo
que, por enquanto, é um protótipo.
O modelo foi apresentado, para
surpresa de todos, na Consumer
Electronics Show – uma mostra de
tecnologia que junta todos os anos,
em janeiro, em Las Vegas (existe
a versão de verão em junho, em
Chicago), para dar a conhecer ao
mundo, e como o nome do certame
indica, inovações eletrónicas para
consumo. Daí que, quando a Sony
revelou o Vision-S, toda a gente
estivesse à espera de uma nova
PlayStation, ou algo do género.
O que não apresenta grandes
surpresas é a experiência proposta
pelo Vision-S. Vindo da Sony, é
natural que a conectividade e o
entretenimento sejam os pontos
fortes do automóvel. Todo o tabeliê
do veículo é ocupado por ecrãs,
cada qual com a sua função: das
informações sobre o motor aos
dados e estatísticas relativas ao
trânsito, passando, lá está, pelo
entretenimento, há de tudo e para
todos os gostos e necessidades.
Apesar de a demonstração com
o Vision-S ter por finalidade
apenas desbravar um terreno
ainda mantido com algum
conservadorismo – a relação entre
o entretenimento e viajar de carro,
numa era em que caminhamos para
uma cada vez maior automatização
e autonomia dos veículos –, a ideia
da marca é, num futuro próximo,

MIRAGENS DO FUTURO
conceber veículos elétricos com
todos estes features. Se hoje o
Vision-S é só um concept car
estático, amanhã pode ser um
Um automóvel ainda por existir, ou que cabe a cada um construir sonho sobre rodas.

e um terceiro que afinal são dois e que apresenta tecnologia de ponta


a bem do meio ambiente. Eis as novidades de abril.
Por Diego Armés.

138 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 139


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sultar www.anndemeulemeester.com. BALENCIAGA – ver
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EM CASA Chief Client Officer Jamie Jouning
Fashion Clinic.  www.balenciaga.com.BILLIONAIRE BOYS
CLUB – consultar www.bbcicecream.eu. BOTTEGA VE-
NETA  – consultar  www.bottegaveneta.com. BURBER-
Em tempos isolamento, a Fiat e a CONDÉ NAST ENTERTAINMENT RY – consultar www.burberry.com. CAROLINE ROSSATO
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Executive Vice President–Alternative Programming Joe LaBracio Loja das Meias ou consultar  www.celine.com. COMME
felizes os apreciadores de automóveis.
Executive Vice President–CNÉ Studios Al Edgington
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Executive Vice President–General Manager of Operations Kathryn Friedrich
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CHAIRMAN OF THE BOARD consultar www.decathlon.pt. DOCKERS – consultar www.
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em LEGO. Sim, podemos pensar nele
com. DRIES VAN NOTEN – consultar www.driesvannoten.
como um brinquedo, mas também
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podemos pensar no objeto como consultar  www.dsquared2.com. FARFETCH – consultar
France: AD, AD Collector, Glamour, GQ, Vanity Fair, Vogue, Vogue Collections, Vogue Hommes
homenagem ao icónico modelo italiano, Germany: AD, Glamour, GQ, GQ Style, Vogue Farfetch.com. FENDI – consultar www.fendi.com. FRED
no caso específico, o Fiat 500F. O India: AD, Condé Nast Traveller, GQ, Vogue PERRY  – consultar  www.fredperry.com. GIVENCHY – ver
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GOOSE – ver Fashion Clinic, ou, consultar www.golden-
Japan: GQ, Rumor Me, Vogue, Vogue Girl, Vogue Wedding, Wired
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Taiwan: GQ, Interculture, Vogue
terá apenas 960, mas replica todos os honoriaoficial.com. HUBLOT – consultar www.diarsa.
United Kingdom: London: HQ, Condé Nast College of Fashion and Design,
detalhes, do teto de abrir aos interiores. Vogue Business; Britain: Condé Nast Johansens, com. JACQUEMUS – consultar www.jacquemus.com. JO-
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website oficial www.lego.com. The World of Interiors, Vanity Fair, Vogue, Wired Amoreiras, ou, consultar justoverthetop.com. LANVIN – ver
United States: Allure, Architectural Digest, Ars Technica, basically, Bon Appétit, Fátima Mendes e Mrporter ou consultar www.lanvin.com.
Clever, Condé Nast Traveler, epicurious,Glamour, GQ, GQ Style, healthy ish , HIVE, Pitchfork, LIA PRESENTI – consultar @lia.presenti. LOEWE – Lisboa:
Self, Teen Vogue, them., The New Yorker, The Scene, Vanity Fair, Vogue, Wired
Av. da Liberdade, 185; El Corte Inglés, Av. António Augusto
de Aguiar, 31. www.loewe.com. LOU DALTON – consultar
NOVIDADES PUBLISHED UNDER JOINT VENTURE
Brazil: Casa Vogue, Glamour, GQ, Vogue
www.loudalton.com. LOUIS VUITTON  – Lisboa: Av. da
Liberdade, 190 A.  www.louisvuitton.com. MARIA PAVAN

ELÉTRICAS Russia: AD, Glamour, Glamour Style Book, GQ, GQ Style, Tatler, Vogue – consultar www.mariapavan.com. MARNI – consultar
www.marni.com. MASSIMO DUTTI – consultar www.mas-
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140 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020 ABRIL 2020 GQPORTUGAL.PT 141


Simca 1307-1308,
CLÁSSICO MOTORES
vencedor em 1976.

va assim a integrar um consórcio britânico


de grandes dimensões. A marca manteve-
-se, primeiro com a sua identidade, depois

F
apenas como etiqueta do grupo, até que
oram 57 os automóveis distingui- acabou por desaparecer, numa altura em já
dos até hoje com o prémio Euro- fazia parte da carteira do grupo BMW. Hoje
pean Car of the Year. Da lista de em dia, restam algumas criações originais
premiados constam marcas incon- da Rover, mas já não há Rover feitos pela Primeiro, o modelo. Era o RO 80 e, pela
tornáveis, construtores de várias gamas, marca – porque não há marca. altura em que ganhou o prémio, já era fa-
modelos caros, menos caros e económicos, bricado pela Audi – já lá vamos –, embo-
Rover 3500,
carros desportivos e familiares, a diesel, a ra mantivesse a marca da casa de origem.
galardoado em 1977.
gasolina ou elétricos. É uma lista eclética, Austin 1800 Estamos a falar de um automóvel que não
embora nos primeiros anos a tendência É um grande clássico, inundou a toda a Eu- foi muito visto em Portugal. Era, acima de
Austin 1800, o carro para eleger automóveis britânicos fosse ropa e Portugal não lhe foi imune – ainda tudo, um modelo desproporcional. Com
do ano em 1965. acentuada. Aqui encontramos o Fiat Punto, hoje é possível encontrar-se este modelo quase 5 metros de comprimento e mais de
Rover 2000, o Audi 80 ou o Renault 12. Esbarramos em nas estradas, nas mãos de donos mais cui- 1.250 kg, tinha apenas 995 cc de cilindrada.
a escolha de 1964. mais do que um Volkswagen Golf e em mais dadosos. Conquistou o galardão de carro Tudo isto puxado por um motor de 113 cv de
do que um Renault Clio. Vemos reconheci- europeu do ano em 1965, numa altura em três velocidades – era, no entanto, de um
do o arrojo da Citroën com os seus míticos que a casa-mãe, a Austin, já só existia en- motor rotativo Wankel.
GS e CX e redescobrimos a graça do Ford quanto marca, não enquanto fabricante. Apesar de parecer que nada bate certo,
Escort ou a singeleza do Fiat 127. E recor- O Austin 1800 era fabricado pela British o modelo manteve-se no mercado durante
damos também seis modelos de marcas Motor Company (BMC), outro consórcio 10 anos (1967-1977), oito dos quais já com
que já nem sequer existem. britânico de marcas que juntou a defunta fabrico Audi. A NSU, uma marca alemã que
Austin e a Morris. É por isso que o mode- começou por fabricar máquinas de costura
lo também pode ser conhecido por Morris no fim do século XIX e que depois passou a
Rover 2000 e Rover 3500 1800, Austin Morris 1800, Austin Balanza, fabricar bicicletas e motocicletas, foi com-
O Rover 2000 foi o automóvel premiado em Austin Freeway, Austin Windsorn, Morris prada pela Volkswagen e fundida com a
1964, mas a sua qualidade e influência no Monaco, ou ainda pelo nome de código do Auto Union em 1969.
mercado estenderam-se no tempo. Basta modelo propriamente dito, BMC ADO17 –
uma busca rápida online pelo modelo para todavia, o prémio distinguiu claramente o
se perceber, por exemplo, que um exemplar Austin 1800. Simca 1307-1308
de 1972 pode ascender aos 10 mil euros no O 1800 foi o que a BMC procurou conce- e Simca Chrysler Horizon
mercado dos automóveis clássicos. ber como sequência lógica dos muito bem- A Simca, uma marca criada pela Fiat que
O modelo 2000, cujo nome deriva da ci- -sucedidos Austin Mini e do intermédio inicialmente tinha como propósito fabricar
lindrada, era oficialmente designado por Austin 1100 – foi uma espécie de topo de em França de modo a evitar taxas de ex-
Rover P6. Foi o primeiro automóvel ven- cadeia. Foi também uma das últimas cria- portação para o mercado francês, acabou

C A R RO S D E S A PA R EC I D O S
cedor do European Car of the Year. As ções de grande relevo com a marca Austin, por encontrar – abrir caixa de lugares-co-
suas linhas são, como se pode facilmente que viria a desaparecer em 1987. Ficaram os muns – o período dourado mesmo antes do
constatar, inspiradas num outro clássico, o automóveis e o prémio de 1965. seu canto do cisne. Foi na segunda metade
Desde 1964 que se atribui o prémio de European Car of the Year. Alguns dos premiados Citroën DS19, embora o Rover assuma as da década de 70 que a marca franco-italia-
linhas retas em detrimento das curvas que na conquistou por duas vezes o prémio de
tornaram-se clássicos, outros desapareceram, como as próprias marcas – são estes caracterizam o ícone francês. NSU RO80 automóvel europeu do ano.
que tentamos resgatar. Por Diego Armés. O 2000 não seria o único Rover P6 a con- Em 1968 foi um modelo de uma marca Em 1976, o Simca 1307-1308 arrebatou o
quistar o galardão. Em 1977, no ano em que, que era estranha já na altura e que hoje mercado com as suas dimensões generosas.
precisamente, a Rover parou de fabricar o será desconhecida, em princípio, de todos Era um carro espaçoso, familiar e fiável. Na
P6, a versão 3500 foi também distinguida quantos nasceram depois de 1985. Trata-se altura, e desde 1970 em bom rigor, a marca
com o mesmo galardão. Em tudo seme- de um NSU. já estava sob o domínio da norte-americana
lhante ao 2000, exceto na cilindrada e na Chrysler, que se tinha instalado da Euro-
sofisticação tecnológica que necessaria- pa criando subsidiárias. Em 1979, sairia o
mente evoluiu nos 13 anos que separam os Simca Chrysler Horizon, um modelo muito
dois carros. popular que acabou por ganhar ainda mais
Quanto à Rover, foi uma marca que se di- popularidade já sob a chancela Talbot, ou-
luiu no tempo e no funcionamento do mer- tra subsidiária da Chrysler – é que a Simca
cado. Numa primeira fase, e logo a seguir à foi oficialmente extinta em 1980. l
distinção do Rover 2000, a Rover Company
foi adquirida pela Leyland Motors, que pas-
sou depois a designar-se British Leyland. E RECORDAMOS TAMBÉM SEIS
A casa que criou e desenvolveu o Land Ro- MODELOS DE MARCAS QUE JÁ
NSU RO 80, ver – um dos mais bem-sucedidos produtos
o eleito de 1968. da história da indústria automóvel – passa- NEM SEQUER EXISTEM
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ÚLTIMA

FOTOGRAFIA: OLIVIER BOITET / GETTY IMAGES.

O EVENTO PRINCIPAL PARA NEGÓCIOS DE LUXO


ALBERT UDERZO
1927 – 2020

Existe, nos confins da Gália (e no imaginário de quem lia e lê as aventuras de Asterix), uma aldeia
de irredutíveis gauleses. Quem a desenhou foi Albert Uderzo, que criou, juntamente com René
Goscinny (1926-1977), não só a aldeia como os seus protagonistas.
Uderzo morreu a 24 de março, aos 92 anos, vítima de ataque cardíaco. Deixou-nos,
e aos seus gauleses, quando estamos cercados por um inimigo tão invisível quanto insidioso
e para o qual ainda não temos poção mágica que nos ajude a combatê-lo. Resta-nos seguir
o exemplo de Asterix, Obélix e demais aldeões e resistir. l

144 GQPORTUGAL.PT ABRIL 2020


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