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PUBLICADA EM NOVEMBRO DE 2020

T H E B E A U T Y O F I M P E R F E C T I O N
J A M E S C H A R L E S
PUBLICADA EM NOVEMBRO DE 2020

T H E B E A U T Y O F I M P E R F E C T I O N
J A M E S C H A R L E S
EDITORIAL

The beauty of error, 


The art of imperfection. 
observá-los como se fossem obras de arte, porque
de certa forma o são. E, se nos servirmos deles
para aprender, podem ser o passaporte para uma
tentativa seguinte bem-sucedida. Aceitar a imper-
feição é um poderoso calmante, mais eficaz do
que as toneladas de ansiolíticos consumidos pela
maioria da população mundial. Os erros não são
apenas oportunidades de aprendizagem; eles são a
única oportunidade de fazer algo realmente novo.
Errar é preciso. A evolução biológica prossegue
num grande e inexorável processo de tentativa e
erro – e sem os erros as tentativas não alcançariam
nada. A evolução é o processo central, não só da
vida, mas também do conhecimento, da aprendi-
zagem e da compreensão. Não adianta tentarmos
dar sentido ao mundo das ideias, nem conferir
significado, ao livre arbítrio e à moralidade, à arte
e à ciência, e até mesmo à própria filosofia, sem
uma noção do que é a evolução. Para a evolução,
que nada sabe, os passos para a novidade são dados

FOTOGRAFIA: LÉA WORMSBACH. REALIZAÇÃO DE VIVIANE HAUSSTEIN. MODELO: ANNA VON RUEDEN @ GREY MODEL AGENCY.
às cegas por mutações, que são “erros perfeitos”
de cópia aleatória no DNA.
O crescimento e a deterioração são a ordem na-
a ancestral cerimónia do chá budista, o chá é servido apenas tural das coisas. Seria perfeito para todos nós aprendermos a amar
em tigelas irregulares, rachadas, amolgadas ou com outras mais plenamente as fendas e as amolgadelas da vida. Podemos sen-
imperfeições. As tigelas são respeitadas pelas suas falhas, tir-nos atraídos pelo que é belo... mas o real, o verdadeiro, é o que de
pela sua história, lembrando, a quem bebe, que tudo está verdade é belo. E o real é, e sempre será, perfeitamente imperfeito.
em constante mudança para a decadência. Wabi-sabi, a antiga Apreciar a passagem do tempo e reconhecer a impermanência do
filosofia artística oriental, enraizada no Budismo, assenta funda- mundo ao nosso redor vem com tons de melancolia, porque mesmo
mentalmente no princípio de que a beleza é um espelho da natureza. a felicidade, examinada de perto, tem as suas rugas e arestas. Mas
E que nada é perfeito, nunca. Nem completo. Nem permanente. também há um alívio. Uma libertação, quando deixarmos de ser re-
Apesar das odes greco-romanas à simetria e à perfeição, a noção féns da perfeição. Uma resiliência, um compromisso em continuar a
de beleza que reside nos erros também fez parte da filosofia, da encontrar beleza nos lugares mais inesperados. Aceitar a imperfeição
literatura e da estética ocidentais. Poetas escreveram sobre as abre espaço para o amor. Pelos outros, por nós mesmos. Amor pelas
(des)ordens inevitáveis da vida, que nos quebram, e sobre as forças nossas virtudes e cicatrizes, forças e vulnerabilidades. As redes so-
renascidas que se calcificam nas fraturas (Ernest Hemingway). ciais convenceram-nos a buscar a perfeição. Sentimos que os nossos
Como a beleza da luz que entra através de uma fenda (Leonard corpos, as nossas casas, os nossos empregos e as nossas famílias
Cohen). Como a imperfeição que inspira a centelha da criação e devem estar prontos para as câmaras, perfeitos a cada momento,
da imaginação (Jhumpa Lahiri). Mesmo os objetos físicos imper- levando a um estado contínuo de frustração e insatisfação – já que,
feitos que nos rodeiam podem tornar-se símbolos na nossa busca como todos sabemos, a perfeição perfeita é uma mentira. A beleza
incessante de um significado para a vida. Pensadores como Kant, reside na autenticidade do objeto ou do momento. O milagroso
por exemplo, enalteceram as qualidades dos objetos, ou mesmo geralmente é o mundano... são as linhas de expressão vividas, a
edifícios, centradas na virtude – e de como a sua beleza pode ser ferrugem na estrutura de um carrocel abandonado, as estrias de
um reflexo das virtudes humanas daqueles que os criaram ou que um corpo que carregou vida, um casaco favorito com um buraco na
os possuem. Talvez seja por isso que a colcha gasta, tricotada pela manga, um tomate deformado, mas saboroso. É preciso diminuir a
avó, os bilhetes de amor rabiscados pelos nossos filhos, os cantos velocidade para despertar para a beleza, a magia, mesmo as que se
dobrados de um livro ou uma simples pedra polida pelo tempo se perdem no caos à nossa volta. Essa bela desordem, perfeitamente
possam transformar nos nossos tesouros mais especiais. Porque imperfeita, é a vida. Não a perca. A vida, tal como nós, não precisa
apesar das suas imperfeições, esses objetos iluminam de alguma de ser perfeita para ser maravilhosa. ●
forma a nossa capacidade de sentir, de conectar, de amar.
Todos nós cometemos erros, mas o perfeccionista que habita em
nós tem dificuldade em perdoar. Julga com severidade, a si próprio Sofia Lucas
e aos outros, graças às malfadadas expectativas que nos foram im- Diretora da Vogue
postas pela sociedade, e que são, quase sempre, demasiado altas. O
truque principal para cometer bons erros é não os esconder - espe-
cialmente de nós mesmos, defendia Dostoiévski. Em vez de mergu-
lharmos na negação dos erros cometidos, devemos aprofundá-los, English version
Novembro
2020

1 2 Editorial 9 8 (Im)perfections. Por falar


1 8 Ficha técnica em wabi-sabi, estas peças são
2 0 Backstage um perfeito exemplo disso.
2 1 E-shop 1 0 0 Error 404 - Está delicioso.
Erros gastronómicos?
3 5 2 To be continued
Até os comemos.
Por Nuno Miguel Dias.

IN VOGUE
2 4 Tendências. Não há nada de
1 0 4 Cara lavada. Há apps que
limpam o rosto de qualquer
imperfeição – e personalidade.
errado em querer apostar nas Queremos usar o facetuning
assimetrias, no patchwork e nas para o bem ou para o mal?
mangas XL nesta estação fria.

BELEZA
3 0 [Click to add title]. Parece
que fomos imperfeitos a dar
este título, mas ele é na verdade
perfeito para dar asas à liberdade
1 1 0 Behind the mask…
A máscara protege-nos, mas
criativa de nomear este shopping.
as borbulhas que por baixo
3 2 Sozinha em casa.
dela começam a espreitar não
Já inaugurámos a temporada
são de amor. Como se lida com
das mantas no sofá, não foi?
o mascne? Por Ana Saldanha.
Já podemos investir num
guarda--roupa à altura,
1 1 4 Stranger Things. A busca
por um ideal de Beleza é surreal.
não podemos? Perfeito.
Direção criativa de Marie
3 4 The Shining. Nem tudo
DaImasso. Fotografia de Hilde
o que brilha é perfeito, mas
Van Mas. Styling de Laurent
pode ser perfeito para nós.
Dombrowicz.
Como estas jóias e relógios
com um toque de irreverência.
1 2 6 A minha voz, a minha
3 6 Um ícone à prova de erros. força. A irreverência poderosa
de Lady Gaga como rosto do
Não foi o timing certo, as horas
novo perfume da Valentino,
passam a correr, um segundo
Voce Viva.
que parece uma eternidade…
o tempo pode parecer ambíguo, 1 3 0 Woke up like this. As falhas
mas este Pasha da Cartier gera só existem se lhes dermos
5 2 Ugly is the new pretty. Quando poder para tal – este shopping de
zero controvérsia quanto
a Moda e as imperfeições andam Beleza ajuda a recuperar a sua
à sua perfeição.
de mãos dadas, a beleza acontece. narrativa, e não a das alegadas
3 8 Just say no. Quem disse 5 6 Erro épico. Para aperfeiçoar, é imperfeições. Por Ana Saldanha.
que há certo e errado quando
preciso errar. Da Arte ao guarda- 1 3 2 Test Drive. Anti-quê? Não
escolhemos o guarda-roupa?
-roupa. Fotografia de Julien Vallon. há atavismo nesta seleção de
No que ao look pessoal diz
Styling de Darcy Backlar. produtos, só o conforto que o
respeito, não há regras perfeitas.
6 8 Erro de julgamento. inverno pede. Por Ana Saldanha.
Fotografia de Ruo Bing Li.
Errar é humano? Errar é criativo. 1 3 4 (Imper)Feições.
Styling de Xuyuner (Abby) Qi.
4 8 Tales of Imperfection. Maquilhagens que não têm
Estes designers fazem da
imperfeição o seu modus operandi.
Por Pureza Fleming.
LIFESTYLE
7 6 Roteiro. O que ver, o que ler,
nada de perfeito e que ficam
mesmo certas neste editorial de
Beleza. Fotografia de Maddalena
Arcelloni. Styling de Lian Lubany.
o que fazer.
8 0 O Homem erra, a obra (re) 1 5 0 A pele que há em mim.
É o que somos e conta a nossa
nasce. “Pedras no caminho? história. E estas mulheres
Apanho-as todas. Um dia faço
querem contá-la através de cada
uma obra-prima”, disse a Arte
sarda, cada mancha, cada ruga.
sobre o erro. Por Carolina Queirós.
Por Ana Saldanha.
8 4 Surrealist Beauty. O resultado
1 5 6 Our body is a wonderland.
incomum do processo de collage
Alina Gross celebra todas as

124
de Julia Malkova tem tanto de
formas femininas no seu corpo
estranho como de belo, como
de trabalho fotográfico.
confirma este portefólio da artista.
9 4 Salvo erro. Tudo na vida fica
mais interessante com o seu quê
de imperfeição. E isso é wabi-sabi.
Novembro
2020

1 6 8 Melhor é (Im)possível.
Ter OCD não é ser perfeccionista.
É outra coisa. Exploramos a
Perturbação Obsessiva Compulsiva
para perceber porque é grave –
muito grave. Por Pureza Fleming.

VOGUE
1 7 4 Charles, James Charles: license
to Blend. Influencer? Entrepreneur?
Trabalhador? O make up artist pode
ser jovem, mas já tem muito para
partilhar – tanto em social media
como nesta entrevista e produção
2 6 8 Imagine there’s no error.
para a Vogue, a sua primeira capa.
Tudo é certo no guarda-roupa
De sempre. Fotografia de Marcus
quando a imaginação domina.
Cooper. Styling de Olga Yanul.
Fotografia de Martina Keenan.
1 9 2 Per-ficção?. Estamos Styling de Elly Mcgaw
sempre no seu encalce, mas
2 8 2 Natural x Artificial. O mundo
será que ela existe, sequer?
moderno com o seu regresso às
Uma reflexão sobre a perfeição.
origens não se veste apenas em
1 9 6 As máscaras que usamos. tons terra. Também pode pintar-
Usamo-las todos os dias. Ao -se em imagens futuristas e
longo da vida, muito antes de primar pelo artifício – mas não
serem obrigatórias. Ou visíveis. artificial. Fotografia de Marco
Criam imperfeições, mas também Cella. Styling de Woo Lee.
aperfeiçoam. Styling de Nina Ford.
2 9 2 Errar é Belo. E é Humano.
2 1 6 Avançar através do erro. A História da Beleza do Erro.
Há quem tenha medo de errar. Por Nuno Miguel Dias.
E isso é problemático.
2 9 6 Os Inadaptados. Ir contra
Mas é a errar que se descobrem
a corrente não é imperfeito.
soluções. Por Rui Catalão.
Muitas vezes, é imperativo.
Fotografia de Rieko Honma.
Fotografia de Frederico Martins.
2 2 0 Faux Pas. Não há passos 2 3 6 The perfect sunday. Styling de Francesca Parise.
em falso num vestuário que seja
Está tudo perfeito, até o guarda- 3 1 0 Poser. Há lá outra maneira
fiel à sua personalidade.
roupa. As vidas é que não. de posar sem ser com atitude?
Fotografia de Carolina Amoretti.
Fotografia de Yohann Truminski. Há, de forma perfeitamente
Styling de Yosephine Melfi.
Styling de Sergio Alvarez. tosca – e bela na mesma.
2 3 2 Assim nasciam as estrelas. 2 5 2 A Glória do Abandono. Fotografia de Anthenor Neto.
A era dourada de Hollywood Styling de Carol Oliveira.
A lente de Mathias Mahling
também teve o seu lado negro: as
capturou a beleza e a saudade 3 2 2 The Ice Queen. Perfeição
exigências dos padrões estéticos.
destes lugares outrora grandiosos é… ir em busca de águas geladas
e agora vazios, onde a imperfeição para mergulhar. Pelo menos
também trouxe vida. para Johanna Nordblad.
2 6 4 That’s how the light gets Por Matteo Fagotto.
in. Aquela fenda por onde Fotografia de Elina Manninen.
3 3 2 Uma maçã por dia…

158
entra o feixe de luz é mais do
que suficiente para alimentar Não é uma história de pecado.
esperança, erradicar o erro – É uma história de evolução.
e criar beleza. Fotografia de Emmanuel Giraud.
A N O VA E A U D E PA R F U M
AMBRÉE
NARCISORODRIGUEZ.COM

Capas
James Charles para a Vogue Portugal. Fotografia de Marcus Cooper.
Styling de Olga Yanul. Cabelos e maquilhagem de James Charles.
SOFIA LUCAS Diretora PUBLISHED BY CONDÉ NAST

Moda Chief Executive Officer Roger Lynch


Ana Caracol EDITORA DE ACESSÓRIOS Global Chief Revenue Officer & President, U.S. Revenue Pamela Drucker Mann
Larissa Marinho STYLIST U.S. Artistic Director and Global Content Advisor Anna Wintour
Eduarda Pedro ASSISTENTE DE MODA
Chief Financial Officer Mike Goss
Helena Almeida ESTAGIÁRIA
Chief Marketing Officer Deirdre Findlay
Redação Chief People Officer Stan Duncan
Ana Murcho CHEFE DE REDAÇÃO Chief Communications Officer Danielle Carrig
Maria Nunes ESTAGIÁRIA Chief of Staff Samantha Morgan
Alda Couto REVISÃO DE TEXTO Chief Product & Technology Officer Sanjay Bhakta
Paula Bento ASSISTENTE DE REDAÇÃO Chief Data Officer Karthic Bala
paula.bento@light-house.pt Chief Client Officer Jamie Jouning
Arte
CONDÉ NAST ENTERTAINMENT
João Oliveira DIRETOR DE ARTE
Mariana Matos DESIGNER President Agnes Chu
Nuno da Costa ILUSTRAÇÕES Executive Vice President–Alternative Programming Joe LaBracio
Executive Vice President–CNÉ Studios Al Edgington
Fotografia e Vídeo Executive Vice President–General Manager of Operations Kathryn Friedrich
Branislav Simoncik DIRETOR DE FOTOGRAFIA
Ismael de Jesus DIRETOR DE VÍDEO CHAIRMAN OF THE BOARD
Catarina Almeida EDIÇÃO DE VÍDEO Jonathan Newhouse
Produção de Moda
WORLDWIDE EDITIONS
Helena Silva SNOWBERRY PRODUCTION
France: AD, AD Collector, GQ, Vanity Fair, Vogue,
Online Vogue Collections, Vogue Hommes
Rui Matos JORNALISTA – rui.matos@vogue.light-house.pt Germany: AD, Glamour, GQ, GQ Style, Vogue
Mathilde Misciagna JORNALISTA – mathilde.misciagna@light-house.pt India: AD, Condé Nast Traveller, GQ, Vogue
Italy: AD, Condé Nast Traveller, Experience Is, GQ, La Cucina Italiana,
Colaboradores L’Uomo Vogue, Vanity Fair, Vogue, Wired
Ana Saldanha, Anthenor Neto, Carol Oliveira, Carolina Amoretti, Carolina Queirós, Darcy Backlar, Japan: GQ, Rumor Me, Vogue, Vogue Girl, Vogue Wedding, Wired
Elina Manninen, Elly Mcgaw, Emmanuel Giraud, Francesca Parise, Frederico Martins, Hilde Van Mas, Julien
Mexico and Latin America: AD Mexico and Latin America, Glamour Mexico and
Vallon, Laurent Dombrowicz, Lian Lubany, Maddalena Arcelloni, Marco Cella, Marcus Cooper, Marie DaImasso,
Latin America, GQ Mexico and Latin America, Vogue Mexico and Latin America
Martina Keenan, Fagotto, Nuno Miguel Dias, Olga Yanul, Pureza Fleming, Rieko Honma, Rui Catalão,
Ruo Bing Li, Sergio Alvarez, Woo Lee, Xuyuner (Abby) Qi, Yohann Truminski e Yosephine Melfi. Spain: AD, Condé Nast College Spain, Condé Nast Traveler, Glamour,
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com uma plataforma online. A Vogue Portugal foca-se em Moda, mas aborda temas de interesse transversal,
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e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa fé dos leitores.
BACKSTAGE

M A K I N G C U L T U R E G L O B A L
O U R R E A D E R S K E E P I N C R E A S I N G E V E R Y D A Y . T H A N K Y O U .

18 anos de Vogue Portugal


Maior de idade. O que não quer dizer que não tenha sido, e seja já, enorme, ainda que jovem. Como sintetizar
um percurso feito de amor e dedicação? Pelas suas metas, claro, mas também pelas suas imperfeições. E,
sabemo-lo, terão sido muitas. Várias. Ou porque gostaríamos de ter feito melhor aqui e ali, ou porque algo
falhou no momento X ou Y, ou por razões alheias à vontade da equipa, ou tão simplesmente pelos tão comuns
“azares”, infortúnios e outras pedras que tais... A verdade é que chegar aos 18 anos com um nível de orgulho
como aquele que sentimos agora só confirma que os obstáculos não são paredes, são muros para ultrapassar
e aprender com isso. Parabéns, Vogue Portugal. Que o erro seja sempre sinónimo de belo e de aprendizagem.

Margem para erro English version


The error you are looking for does not exist… nunca aconteceu na Vogue. Não há bela sem senão,
nem edições completamente infalíveis. Apesar disso, a equipa esforça-se por não deixar
passar nenhuma falha: desde a criatividade no alinhamento de temas, passando pela pesquisa
aprofundada para artigos factuais, o brio nas cores das imagens, a qualidade do papel...
Podíamos estar aqui meio dia a listar como se monta uma edição da Vogue,
mas o mais interessante é perceber que o processo se faz à custa de uma
infinita procura do erro. Porque cada foto passa pelo olhar crítico dos diretores
criativos, cada texto passa pela revisão do jornalista que o assina e, depois, é Realidade Aumentada, aqui
editado pela chefe de redação, para posteriormente ser enviado à revisora de
texto, de onde regressa para ser revisto por uma, duas ou mais pessoas... e se

FOTOGRAFIA: MARCUS COOPER; CHARLES GULLUNG / GETTY IMAGES.


possível receber ainda uma última olhadela antes do derradeiro envio para a
gráfica. Ainda assim, pode passar uma imperfeição ou duas. No fim de contas, a
Vogue é uma revista que tem tanto de humana como a equipa que a faz.

James Charles em realidade


aumentada Há uma terceira dimensão em toda esta
“Beleza da Imperfeição”, que é perfeita para os tempos modernos:
WE ARE WORLDWIDE
as capas da Vogue ganham vida. Através da app Lighthouse
Publishing AR (disponível para download gratuito através do
QR code), basta apontar o seu telemóvel para as capas e descobrir
que há uma terceira capa – oculta. Apenas a ponta do iceberg numa
série de experiências que a Vogue tem preparadas para esta edição.
YOU CAN BUY HERE. VOGUE.PT/ SHOP
Poster cover-size também com realidade
2 0 vogue.pt aumentada, incluído na revista.
IN
VOGUE REALIZAÇÃO: ANA CARACOL. ART WORK: JOÃO OLIVEIRA.

TENDÊNCIAS
SHOPPING
COMPORTAMENTO Casaco em algodão, € 1.055, Dries Van Noten, em Net-a-porter.com.
INVOGUE TENDÊNCIAS

3
ASHLEY WILLIAMS

FOTOGRAFIA: HARRY CRONER/ULLSTEIN BILD/ GETTY IMAGES/ IMAXTREE. ARTWORK: JOÃO OLIVEIRA.
4 7
BALMAIN

English version

As-si-me-tr-ia
PREEN BY THORNTON BREGAZZI

Para quem associa o belo ao simétrico, talvez esteja na altura de romper com esse (muito antiquado)
cânone de beleza. Nem todos nascemos à imagem e semelhança do homem de Vitrúvio e a perfeição,
sorry for the spoiler... não existe! As assimetrias são belas, sim, e para o provar temos marcas e
designers, como Dilara Findikoglu, Prabal Gurung e Off-White, que pegaram neste conceito e o
elevaram. Peças com cortes em lugares inusitados, costuras viradas do avesso e silhuetas invulgares,
são estes os traços que identificam esta tendência, que tem tanto de belo como de imperfeito.
Realização: Ana Caracol e Eduarda Pedro.

Na página ao lado: fotografia da obra Retour de la Belle Jardinière (1967), de Max Ernst. 1. Camisola em malha de algodão,
€ 610, Jacquemus, em Farfetch.com. 2. Óculos em acetato, € 520, Gucci. 3. Vestido em malha de algodão, € 1.760, Proenza
Schoulder, em Modaoperandi.com. 4. Sandálias em pele, € 520, A.W.A.K.E. MODE. 5. Blazer em cetim de seda, € 900, Fenty.
6. Vestido em algodão, € 891, Toga. 7. Carteira Athaara em pele, € 510, Khaore, em Modaoperandi.com.

vogue.pt 2 5
INVOGUE TENDÊNCIAS
ALEXANDER MCQUEEN

FOTOGRAFIA: VICTOR VIRGILE/GAMMA-RAPHO/GETTY IMAGES/ IMAXTREE. ARTWORK: JOÃO OLIVEIRA.


6
4
TOD'S

Grão a grão, enche a galinha o papo


O patchwork nasceu numa altura em que era necessário economizar ao máximo os pedaços
MARNI

de tecido. Hoje em dia, temos tecido que chegue (talvez até demais) mas não é por isso que
a tendência desaparece, antes pelo contrário. Numa altura em que as marcas estão cada
vez mais conscientes acerca dos excessos e dos desperdícios têxteis, esta técnica, que une
materiais de vários formatos, vem mesmo a calhar. E não, não é antiquada nem passé.
O patchwork é tão cool agora como era no seu auge, nos 70’s, e este seu renascimento
oferece-nos composições que se assemelham a quadros de Mondrian ou Kandinsky.
E, claro, tão depressa nos enche o olho, como nos esvazia a carteira...
Realização: Ana Caracol e Eduarda Pedro.

Na página ao lado: desfile Richard Quinn, coleção outono/inverno 2018. 1. Casaco em malha de lã, € 1.690,
Marni, em Mytheresa.com. 2. Camisa em algodão, € 1.114, Ssone x Ressone, em Matchesfashion.com.
3. Casaco em lã, € 1.950, MSGM. 4. Botas em camurça, € 507,89, Staud. 5. Carteira em lã e pele, € 1.700,
Loewe, em Net-a-porter.com. 6. Calças em denim e pele, € 3.012, Isabel Marant, em Net-a-porter.com.

vogue.pt 2 7
INVOGUE TENDÊNCIAS

3
FENDI

5
7

FOTOGRAFIA: FRANCIS G. MAYER/CORBIS/VCG/ GETTY IMAGES/ IMAXTREE. ARTWORK: JOÃO OLIVEIRA.


6
BALENCIAGA

Pano para mangas


RICHARD QUINN

E se de repente nos crescessem ombros gigantes? Ou se, por exemplo, os nossos braços
ficassem mais compridos? Nunca tinha pensado nisso, não é? Claro, é para isso que servem
os criativos, que por aí andam a deambular, e a tornar real tudo o que parece impossível – e
para nos trazer coisas que nunca tínhamos imaginado, mas que depois acabamos por adorar.
Podemos não conseguir mudar assim tanto o formato do nosso corpo (nem queremos!),
mas as roupas que usamos podem fazer isso por nós. Pontiagudos, com folhos ou mais
arredondados, neste mood é tudo à vontade do freguês, desde que haja tecido!
Realização: Ana Caracol e Eduarda Pedro.

Na página ao lado: Reinterpretação da obra Lucretia (1532), de Lucas Cranach, o Velho. 1. Blazer em lã fria, € 2.490,
Balenciaga, em Mytheresa.com. 2. Vestido em seda moiré, € 607, Diogo Miranda. 3. Casaco em lã, € 804, Elisabetta Franchi.
4. Camisa em algodão, € 69,99, H&M. 5. Carteira Micro Biker em pele, € 895, Moschino. 6. Casaco em lã,
€ 1.695, Max Mara, em Mytheresa.com. 7. Blusa em cetim de seda, € 224, Gonçalo Peixoto.

vogue.pt 2 9
INVOGUE SHOPPING
1

Editorial Maniac Monday, da edição de junho de 2018 da Vogue


Portugal, por Mehdi Sef e Nelly Gonçalves. 1. Casaco em
jacquard de seda, € 1.295, Dries van Noten, em Net-a-porter.com.
2. Casaco em nylon, € 99,90, Guess. 3. Calças em nylon,
€ 1.310, Louis Vuitton. 4. Carteira em polipele e metal, € 162,50,
Fracomina. 5. Brinco em metal e resina, € 295, Balenciaga, em 5
Mytheresa.com. 6. Camisola em malha de nylon, € 335, Chopova
Lowena, em Farfetch.com. 7. Botas em pele e PVC, € 950, Gucci,
em Mytheresa.com. 8. Carteira The Pouch em pele, € 1.980,
Bottega Veneta. 9. Botas em pele, € 99,90, Pulser Shoes. 4

2 3

[click to add title]


Não, não nos esquecemos de dar um título a
este shopping. Haverá maior liberdade criativa
para o leitor do que esta? Junte os pontos e crie
uma linha de pensamento com as peças que são
apresentadas. Damos uma ajuda: a única palavra
de ordem é "aleatoriedade." PorAna Caracol e Eduarda Pedro.
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INVOGUE SHOPPING

Tricot e Gatos, Nova Iorque, 1938. 1. Camisola e calças em


caxemira, € 497 e € 397, ambas Falconeri. 2. Camisola e calças
em malha de lã, € 59,95 cada, ambas Massimo Dutti. 3. Colete
1
e calças em malha de algodão, € 25,99 e € 29,99, ambos
Mango. 4. Vestido em malha de algodão, € 79,95, Salsa.

4
3

Sozinha em casa
Debaixo de uma acolhedora manta em caxemira,
acompanhada pelo calor de uma chávena de chá
FOTOGRAFIA: BETTMANN/GETTY IMAGES. D.R.

e pela luz intermitente de uma vela cujo cheiro


comanda os nossos sentidos. Lá fora, a chuva e
o frio travam uma guerra que nos é alheia. No
nosso refúgio, estamos totalmente cientes de que
FOTOGRAFIA: D.R.

o mundo é um lugar imperfeito, mas com estas


peças de homewear nada nos pode afetar.
English version Por Ana Caracol e Eduarda Pedro.

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INVOGUE SHOPPING

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The Shining
Eram peças perfeitamente normais até que alguém pegou
nelas e lhes deu um je ne sais quoi de irreverência. Concordamos
que, nestes casos, o amor pode não ser à primeira vista mas,
em compensação, será para a vida toda. Por Ana Caracol e Eduarda Pedro.

1. Oyster Perpetual com caixa e bracelete em aço e movimento automático, € 5.350, Rolex. 2. Divas’ Dream com
caixa em ouro rosa e diamantes, bracelete em pele e movimento automático, € 28.400, Bulgari. 3. Gondolo com
caixa e bracelete em ouro rosa com diamantes e pérolas e movimento mecânico de corda manual, Patek Philippe.
4. Classic Fusion Aerofusion Moonphase com caixa em titânio e diamantes, bracelete em pele e movimento
automático e fases da lua em corda, € 32.600, Hublot. 5. Maillon de Cartier em ouro amarelo e diamantes,
mostrador lacado e movimento quartzo, € 123.000, Cartier. 6. Juste Un Clou em rosa e diamantes,
€ 4.050, Cartier. 7. Echappee Hermès em ouro rosa com diamantes, € 2.010, Hermès. 8. Pandora Disney Cinderella
Blue Tiara em prata com zircónias, € 59, Pandora. 9. Coleção cápsula Ice Cube Capsule by Marion Cotillard, em ouro
amarelo Fairmined e diamantes, Chopard. 10. Bvlgari Bvlgari em ouro rosa, opalas e diamantes, € 2.390, Bulgari.

English version
FOTOGRAFIA: D.R. ARTWORK: JOÃO OLIVEIRA

FOTOGRAFIA: D.R.

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INVOGUE MARCA

Um ícone Se a perfeição existisse, ela chamar-se-ia Cartier. A marca, que


representa o luxo máximo no universo da relojoaria, é exemplo

à prova
de elegância e subtileza. E, desde a sua fundação, em 1847, que
procura atingir a excelência em tudo o que faz. Os seus relógios
não são exceção. Ter um Pasha de Cartier no pulso pode ser tanto

de erros
uma garantia de segurança como uma mostra de bom gosto. Há
investigações que o provam. Um estudo da Faculdade de Ciência e
Tecnologia da Universidade de Glasgow analisou a diferença nos
traços de personalidade entre pessoas que usam relógio e as que
não usam. Os investigadores concluíram que quem usa relógios de
pulso mostra ser menos extrovertido, mas, em contrapartida, mais
Em momentos incertos, qualquer emocionalmente estável; essas pessoas apresentam, ainda, um nível
decisão implica altas doses de mais elevado de consciência, e chegam mais cedo aos compromis-
sos. O relatório também afirma que quem adota um estilo de vida
ambiguidade. É por isso que, na saudável tem mais probabilidades de comprar relógios para uso
dúvida, nos voltamos para velhos individual. Coincidências? Ao que parece, não.
companheiros, imunes às falhas Originalmente criado em 1985, o Pasha de Cartier teve inúmeras
reinvenções ao longo das últimas décadas, mas manteve-se sempre
humanas e às imprecisões que não fiel à ideia inicial que levou à sua génese: a de um relógio desportivo
conseguimos controlar. Por Maria Nunes. e, simultaneamente, refinado, duas características que estão pre-
sentes em qualquer peça da maison francesa. Este modelo, lançado
inicialmente para o público masculino, trazia um mostrador com
um diâmetro maior do que era normal para a época. Foi essa a sua
grande revolução, tal como o facto de as mulheres se renderem, personalizável, com opções de diferentes braceletes, para servir
rapidamente, à sua estética. Em menos de nada, o Pasha de Cartier diferentes propósitos, e que se adaptam facilmente a uma variedade
tornou-se num dos modelos mais procurados de sempre. Por to- de situações. E tem, como embaixadores, nomes bem conhecidos
dos os géneros. É assim que chegamos a 2020. Anunciado como que têm em comum algo muito valioso: zero medo de errar.
unissexo, renova-se um clássico e a Cartier aposta no relançamento É a junção perfeita de passado, presente e futuro. Ou dito de
de um relógio que nunca esteve “fora de moda.” O relógio é agora outra forma, do savoir-faire da Cartier, da irreverência de uma
nova geração, e de ícones que se sabem eternos. Se não, vejamos:
tribuir as causas de um erro ao tempo é fácil. Exemplo? Rami Malek, Maisie Williams e Willow Smith são três das mais
Dizer que algo falhou porque o timing não era o melhor. promissoras estrelas de Hollywood. Os atores juntam-se nesta
No entanto, ironicamente ou não, também é preciso nova campanha Pasha de Cartier, que combina o arrojo da juventude
haver tempo para errar. Porque, já diz o ditado, a per- com o requinte de uma peça intemporal. Todos eles arriscaram,
feição não existe, mesmo que, ao nosso dispor, estejam sem medo de falhar, e o timing foi, em qualquer dos casos, o melhor
todas as horas, de todos os relógios do mundo. Então, decisor. Veja-se Maisie Williams, que inicialmente não queria ser
em que ficamos? Devemos explorar o erro e não ter atriz, mas bailarina, e que decidiu fazer uma audição para Game Of
medo que aconteça? Ou evitar agir, com receio de um Thrones porque queria comprar um computador novo. Pelo sucesso
eventual outcome negativo? O tempo é, ao mesmo tempo, da série pode concluir-se que esta escolha de Williams não foi
uma limitação e uma oportunidade. Escolher enfrentar um erro de casting, antes um bom acaso do destino. Willow Smith
as memórias passadas como forma de aprendizagem também admitiu que os trabalhos de atriz, que fez inicialmente,
para o futuro pode ser a melhor forma de fazer uso da passagem do não lhe trouxeram as melhores experiências, e que por isso decidiu
tempo. A Cartier fez isso mesmo. Pegou num clássico intemporal, enveredar pelo o mundo da música, por sua própria conta e risco.
o Pasha de Cartier, juntou-lhe todas as memórias da sua (já icónica) Agora diz estar a explorar todas as suas inúmeras possibilidades,
história, e acrescentou-lhe uma série de renovações que resultam e irradia uma energia contagiante. São apenas alguns casos, de
FOTOGRAFIA: D.R.

num modelo que respira frescura e modernidade. Numa altura em sucesso, que atestam a certeza de que o tempo, tal como o erro,
que, mais do que nunca, cada objeto é medido pelo seu significado, sendo impossível de controlar, é passível de ser domado. Princi-
e duração, a longo prazo, o “novo” Pasha de Cartier é, sem sombra palmente se os nossos ponteiros baterem de acordo com o ritmo
de dúvidas, à prova de erros. English version Três dos novos modelos do relançado Pasha de Cartier. de um Pasha de Cartier. l

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INVOGUE ACESSÓRIOS

English version

Just say no
“Não uses meias pretas com vestidos brancos”. “Não vás para a rua com calções
muito curtos”. “Hoje não é quarta-feira, não uses cor de rosa”. “Não faças de uma
clutch um top”. “Não uses essa carteira como cinto”. Não ligue. Os visuais mais
criativos surgem de desafiar todas as vezes que lhe disseram "não". Nem todos
serão um sucesso. Quase todos serão questionados. Alguns serão copiados. Mas
todos serão perfeitos na sua imperfeição. Fotografia de Ruo Bing Li. Styling de Xuyuner (Abby) Qi.

Camisola em malha de lã, saia em denim, óculos em acetato, brincos e anel em metal, tudo BALENCIAGA. Carteira The Tall Story em pele,
ALEXANDER MCQUEEN. Na página ao lado: capa, camisa e saia em tafetá de seda, tudo JIL SANDER. Brincos em metal e carteira Le Chiquito
(usada como cinto) em pele e vime, ambos JACQUEMUS. Belt bag em pele e metal, PRADA. Botas em pele, ALEXANDER MCQUEEN.

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Camisola em malha de lã, óculos em acetato e brincos e anel em metal, tudo BALENCIAGA. Carteira em pele, SIMONE ROCHA.
Na página ao lado: blazer e cuecas em lã fria, ambos AREA. Brincos em metal, MASLO. Carteira em pele e metal e sapatos em pele e PVC, ambos PRADA.

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INVOGUE ACESSÓRIOS

Macacão em malha de lã, CHRISTIAN DIOR. Anéis em metal, ACNE STUDIOS. Carteira e belt bags em pele, todas
PRADA. Botas em pele, BALENCIAGA. Na página ao lado: vestido e calças em veludo e sapatos em pele envernizada,
tudo ACNE STUDIOS. Brincos em metal, UNCOMMON MATTERS. Colar em ouro amarelo, LUZ ORTIZ.
Vestido em lã e organza de seda e botas em pele, ambos ALEXANDER MCQUEEN. Brincos em metal, PETER DO. Carteira BV Whirl em pele, BOTTEGA VENETA.
Na página ao lado: top em malha de lã e calças em lã fria, ambos PETER DO. Brincos em resina, JACQUEMUS. Sapatos em pele e PVC, PRADA.
Fashion film

Top em malha de lã, saia em crepe de seda com cristais e mules em pele envernizada com cristais, tudo MIU MIU. Carteira BV Fringe Crisscross em pele, BOTTEGA VENETA.
Fotografia: Ruo Bing Li @ Saint Luke Artists. Modelo: Jennae Quisenberry @ Muse. Cabelos: Takayoshi Tsukisawa @ Streeters.
Maquilhagem: Liset Garza. Casting: Olivier Duperrin. Produção: Heng Qing Zhao. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
INVOGUE HISTÓRIA

Tales of Imperfection
Muito se tem falado acerca daquilo que se acredita ser uma recente tendência
nas principais passerelles de todo o mundo: o feio. Explana-se a respeito do
enfado a que a Moda chegou, justificando-o com um simplista “já foi tudo
feito.” Acontece que não há nada de novo nesta ode ao erro. Por Pureza Fleming.
Em baixo: detalhe da Ao lado: "Sarabande", nome dado à
Ao lado: o último desfile
apresentação de Alta-Costura apresentação primavera/verão 2007. Em baixo:
de Martin Margiela,
outono/inverno 2020. Ao lado: coleção outono/inverno 2009, apelidada
apresentado em Paris,
um dos looks da coleção couture "Horn of Plenty" e dedicada à mãe do designer.
em setembro de 2008,
da estação fria de 2011.
com as propostas para
a primavera/verão do ano
seguinte. O criador retirou-
-se da indústria, e a Maison
Margiela é hoje comandada
por John Galliano.
Em cima: um dos looks
da primavera/verão 2007.

Ao lado: um dos coordenados da coleção


Alta-Costura 2017 da Vetements.
Em cima: look da apresentação
prêt-à-porter para o outono/inverno 2018.

IRIS VAN HERPEN ALEXANDER MCQUEEN MARTIN MARGIELA DEMNA GVASALIA


Depois de ter estudado de Björk, Tilda Swinton, ou “Eu não quero fazer uma do belo coexiste, muitas Escrever e pensar em Martin cujo visual era o menos Primeiro estranha-se, depois, é, repetidamente, disruptivo,
na prestigiada ArtEZ Art Lady Gaga. “Os seus interesses cocktail party. Prefiro que as vezes, com a definição de Margiela (Genk, Bélgica, 1957) convencional possível. Digamos muito depois, entranha-se. “disoriented” (como referiu a
Academy, Iris van Herpen são singulares, mas ela tem pessoas saiam dos meus finitude, de caos, de terror. é escrever e pensar sobre que os tradicionais padrões Assim são percebidas, para edição americana da Vogue),
(Wamel, Holanda, 1984), uma grande visão do mundo”, desfiles e vomitem.” Foi com “Eu quero que as pessoas uma entidade anónima. E de beleza não estiveram, tantas pessoas, as criações mas sempre — sempre —
estagiou com Alexander revelou Sarah Schleuning, a esta afirmação – perentória, tenham medo das mulheres”, talvez essa seja umas das mais nunca, no seu horizonte. de Demna Gvasalia (Sucumi, estranhamente maravilhoso.
McQueen, em Londres, onde curadora de Iris van Herpen: sim, extrema, sim, mas que costumava dizer. A propósito marcantes particularidades do Batizado pela impensa com Geórgia, 1981). O iconoclasta “Eu acho muito interessante
foi apresentada ao enredado Transforming Fashion, exposição resume melhor do qualquer do livro biográfico, Alexander fundador da Maison Martin o termo (por si rejeitado) fundador do coletivo a definição de feio. Também
trabalho manual que pode ser que esteve patente no High outra o seu propósito e as McQueen: Blood Beneath The Margiela, casa que fundou em de “desconstrutivista”, facto parisiense Vetements (que, considero muito curioso
testemunhado, hoje, em todas Museum of Art, em Atlanta, suas intenções – retirada de Skin (2015), a jornalista 1988, em Paris. Para além da é que as suas coleções são, entretanto, abandonou), conseguir encontrar-se essa
as suas criações. Diríamos nos EUA, entre 2015 e 2016, uma entrevista dada à Time Véronique Hyland comentava sua invisibilidade, claro – a invariavelmente, o resultado e atual diretor criativo da linha onde o feio se torna
que só o convívio com o à Fast Company. “Existe um Out, em 1997, que Alexander que McQueen havia adotado sua imagem não é conhecida de uma abrupta colisão de maison Balenciaga, onde está bonito ou onde o bonito se
“hooligan of fashion” (como era balanço entre ter uma visão McQueen (1965-2010) se a feiura como ponto de do grande público. Nunca materiais. E de ideias. E de desde 2015, não chegou, viu torna feio. É um desafio de
apelidado pelos franceses) e uma voz singulares e, ao assumiu definitivamente partida, ao invés da beleza: deu uma entrevista ao longo conceitos. O que, à primeira e venceu para ser apenas que gosto. Acho que isso
bastaria para que tudo o que mesmo tempo, estar aberta como o “enfant terrible” “Ele não era um designer que da sua carreira – criou uma vista, poderia parecer mais um designer como tantos faz parte do que a Moda
de si saísse, fosse, no mínimo, a colaborar e a partilhar da Moda. Para ele, nada quisesse ser [considerado] aura de mistério à sua volta desarmonioso, para Martin outros. Na realidade, ele representa e gosto que
groundbreaking. Coleção após ideias. E não são as pessoas era demasiado provocador bonito.” Por outro lado, que o tornou imensamente mais não era do que um foi uma espécie de agente as pessoas pensem que as
coleção, a designer encaminha esperadas – são cientistas, ou demasiado chocante. havia quem defendesse que desejado. Mas não é só à pala ressuscitar de peças às quais catalisador de uma mudança minhas roupas são feias.
a plateia até mundos nunca grandes pensadores em Ou impossível. As suas McQueen estaria, através das desse enigma que se cose conferia uma nova forma, que a indústria há muito Eu acho que isso é um
antes desbravados, que diversos campos”, rematou. coleções, onde a roupa suas criações, a “trabalhar” o seu êxito. Sem retirar os de uma maneira pouco (ou necessitava – e ansiava. elogio”, confessou numa
fundem a última tecnologia nunca era a personagem os seus demónios interiores merecidos louros aos designers nada) convencional, e em Primeiro, quando resgatou entrevista. Provocador
com o tradicional artesanato principal, antes uma — uma tese que levanta já mencionados, se houve, combinações de materiais peças básicas do dia a dia, as f***, Gvasalia faz-nos
da Alta-Costura: van Herpen forma de transmitir uma dúvidas, já que o suicídio na Moda, espaço para a pouco (ou nada) usuais. tais como a sweatshirt de questionar o nosso gosto,
é conhecida pelo seu rasgado mensagem, são disso acabou por acontecer, em imperfeição brilhar, o grande Exemplo desse amor pela capuz ou os daddy trainers, o nosso arrojo, o nosso
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; IMAXTREE.

desinteresse perante tudo exemplo. Desde a primeira, fevereiro de 2010. Seja propulsor desse feito foi imperfeição “que se vê”, seria o tornando-os itens high estilo — ou a falta dele.
o que é mundano. Nas suas em 1993, apelidada Taxi como for, não se pode negar Margiela. Conta- caso de partes de roupa, como fashion, altamente desejáveis. E é precisamente isso
coleções já deambularam Driver, onde introduziu as que McQueen não tenha -se que, desde terna idade, são as costuras ou o forro, que Depois, este facto foi-se que se quer da Moda.
exoesqueletos de insetos agora icónicas bumster, até concedido às mulheres o belga teria particular passavam a ficar do lado de fora confirmando, criação após
ou armaduras de Samurais à derradeira, Platos Atlantis, necessárias doses extra de admiração por mulheres de — e bem à vista — tornando-se criação — mesmo à frente de
do século XV. As mesmas apresentada semanas após confiança e de segurança. nariz grande — algo que, nas características-chave da uma honrada casa como é o
são idolatradas por o seu desaparecimento. Ainda que, para tal, tivesse mais tarde, se confirmou peça em questão. E que, como caso da Balenciaga. É que o
personalidades igualmente No seu todo, formam um de deixar os restantes nas suas passerelles, por num passe de magia, se tornava resultado de tudo o que surge
excêntricas, como é o caso compêndio de que a noção seres pálidos de medo. onde desfilaram manequins perfeitamente imperfeita. com a assinatura de Gvasalia

vogue.pt 4 9
INVOGUE HISTÓRIA

Em baixo: um dos looks da coleção


Gold Label para o outono/inverno 2013.
Ao lado: desfile outono/inverno 2014
da mesma linha, realizada em parceria
com o marido, Andreas Kronthaler,
que é também o seu braço direito na
direção criativa da marca.
Ao lado: a imperfeição mais-
que-perfeita de Dries Van
Noten, num dos coordenados
Em baixo: um inesperado
para o outono/inverno 2020.
momento de cor no desfile
Em baixo: A mistura de
primavera/verão 2019.
padrões, uma das imagens de
Ao lado: o clássico preto
marca do criador, presente na
Yamamoto foi a tónica para a
coleção outono/inverno 2016.
coleção outono/inverno 2020.

Ao lado: o exuberante
mundo de Rei Kawakubo,
traduzido na coleção outono/
inverno 2018 da Comme
des Garçons. Em cima: um
dos maravilhosos looks do
outono/inverno 2016.

YOHJI YAMAMOTO REI KAWAKUBO DRIES VAN NOTEN VIVIENNE WESTWOOD


Quem feio ama, bonito e, por norma, pintado a tons Falar de Yamamoto e não humano é o pavor que este Podemos estar perante uma cor de que não gosto’… Corria a temporada feíssima.” E, de um momento
lhe parece. Mais ainda se escuros como a noite. Nas mencionar, logo de seguida, tem relativamente à ideia um traço partilhado por E as minhas assistentes outono/ inverno 2012 para o outro, a grande dame
estivermos a falar do designer suas coleções encontram- Rei Kawakubo (Tóquio, da mudança”. A génese criadores de nacionalidade dizem: ‘Ok, se não gosta quando Vivienne Westwood da ousadia estava de volta.
japonês Yohji Yamamoto -se, invariavelmente, as Japão, 1942), seria um erro das criações da mentora belga. Ou pode ser apenas de lilás significa que, nesta (Tintwistle, Reino Ouvindo estas constatações
(Tóquio, Japão, 1943). Para falhas propositadas, a tremendo — um erro que, da Comme des Garçons pura coincidência. Porém, estação, tudo será em torno Unido, 1941), rainha do de Vivienne, desatamos a
o criador nipónico, a feiura desordem, o caos instalado ressalve-se, não vamos assenta, assim, na forma e Dries Van Noten (Antuérpia, do lilás’”. Elucidava ainda que punk, ministra do caos, questionar o que é, no fim de
é fundamental. Yamamoto, e a distorção. Nada é claro querer cometer. Porque se na estrutura das peças que Bélgica, 1958), a par do desvendar as respostas em anarquista das anarquistas, contas, o belo. E o que seria,
que idolatra o preto, venera como a água. E tudo é intenso há criadora que faz exímia (des)constrói, bem como que sucede com o seu redor deste tipo de “porquês”, e proprietária do cabelo então (ainda mais de acordo
a opulência das formas, e e obscuro — tal como são as justiça ao conceito do erro, nas suas (des)proporções. compatriota, Margiela, não seria, precisamente, o que mais fogoso do fashion world, com as suas palavras), o
coloca o corte de uma peça complexidades da vida. As do não-belo, da sublime Tão audaciosas quanto a adora “aparecer”. Lá está, o divertia no contexto da apresentou as propostas feio. Dúvidas restassem, a
no mais alto pedestal — suas peças, podemos afirmar, imperfeição, essa artista sua autora é recatada, estas prefere que o foco sejam as criação. Admirando as suas da sua linha Red Label na rainha do punk-couture estaria
em oposição ao sistema das irão ser sempre mostras (algo que não se considera, exploram o espaço onde suas criações e não ele. Mas coleções, torna-se difícil Semana de Moda de Londres. aqui para nos confirmar
tendências imposto pelo de arte que não estão ao sublinhe-se) é, também, a Moda termina e a arte há mais semelhanças entre compreender o seu amor ao Aquilo a que se assistiu que a Moda e o belo jamais
fashion world —, o conceito alcance do entendimento de Kawakubo. Para a designer e começa. Como sublinhou ambos. É que para Van Noten feio — para nós, é tudo lindo foi, ao contrário do que é serão sinónimos. Westwood,
de feio integra, também, todos — mais uma vez, tal fundadora da maison francesa em tempos Andrew Bolton, não há nada que seja tão demais. Como é possível habitual na designer, a uma que por diversas vezes se
a mais verdadeira essência como não está a vida. E as Comme des Garçons, “uma curador do Costume Institute maçador “como uma coisa existir imperfeição, ou falhas, coleção depurada, quase autointitulou como sendo
daquilo que é a perfeição. suas criações, intemporais, coisa não tem de ser bonita, do Metropolitan Museum que seja linda.” O desabafo nas propostas de Dries “certinha”, em que todos, “um caos”, tem-se destacado,
Como defende com afinco: imperfeitas, únicas e… feias. para ser considerada linda”. of Art, “temporada após deu-se numa das suas raras Van Noten, o homem que ou quase todos os looks, ao longo do seu percurso,
“Quando toda a gente diz Sim, se Yamamoto assim o E vai mais além naquela que temporada, coleção após aparições, em março de 2012, apaixona críticos e público eram passíveis de usar no por todos os motivos.
que algo é belo, eu não desejar, é dessa forma que as é a sua noção de beleza: “Se coleção, Kawakubo altera-nos no French Institute Alliance com a mesma intensidade, dia a dia. Estaria Westwood, Todos, menos pelo encanto
gosto.” E esta sua posição vamos reputar: como feias. eu fizer algo qu acredite que o olhar, enquanto muda Française, uma organização como se tudo o que fizesse cuja carreira é um hino ao evidente e a beleza óbvia das
poderia muito bem ser uma Ainda que, na nossa humilde seja novo, tal terá de ser a forma como percecionamos sem fins lucrativos em Nova soasse à mais bela das inconformismo, a seguir um suas criações. O que pouco
posição apenas “do contra”. linguagem, tal signifique, de incompreendido. Porém, se a beleza”. Sim, Rei é rainha Iorque, no âmbito de uma partituras? Sem uma resposta caminho diferente? Onde ou nada importa, quando
Só que não é. A postura certa forma, o mais justo e as pessoas gostarem, ficarei a concretizar essa proeza. fashion talk para a qual foi um certeira, resta-nos o epílogo: estavam as suas mensagens por detrás de cada T-shirt
do criador, talentosíssimo, honesto sinónimo daquilo desapontada, pois isso dos oradores convidados: “Eu tal como a arte, a Moda é políticas, os seus manifestos, escangalhada ou de cada par
carismático, e distante dos que se pode considerar lindo. significará que não puxei prefiro coisas feias, que sejam para ser apreciada, e não as suas peças tão out of de jeans esfarrapado está
FOTOGRAFIA: IMAXTREE.

meandros da indústria, tem por elas o suficiente. Quanto surpreendentes.” Confessava necessariamente entendida. the box que extravasam o uma ideia fortíssima, uma
uma aparência a condizer: mais o público detestar que, geralmente, começava próprio conceito out of the mensagem influente ou,
o cabelo e a barba longos e [a novidade], maior é, na a desenhar uma coleção box? Nada disso. No final do até, um destemido “ataque”
negros, que fazem um pandã minha opinião, o sentido identificando as cores de que desfile, e em declarações ao sistema. Será caso
perfeito com o seu estilo de ‘novo’". E arremata: “O não gostava e que, então, aos jornalistas, a criadora para dizer: God Save
desafogado, descomplicado principal problema do ser English version as punha a uso: “‘Aqui está desabafava: “A Moda atual é Vivienne Westwood. l

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INVOGUE TENDÊNCIA

m novembro de 2017, o conceituado jornal Financial Times


publicava um artigo cujo título, “Why Is Fashion So Ugly?” não
deixava margens para dúvidas. O texto, assinado por Lou
Stoppard, que não era propriamente uma novata nestas
andanças, arrancava com um resumo do (suposto) estado
de calamidade da indústria: “Formas estranhas, silhuetas
gigantescas, sapatos desajeitados e acessórios de cabeça
esquisitos. O hediondo está tão hot right now.” A ilustrar a
dissertação – uma entre as centenas que enchem a Inter-
net sempre que o tema é ugly-pretty, esse termo cunhado
para resumir o misto de feiura e boniteza que primeiro
se estranha e depois, com alguma sorte, se entranha, e que nos
últimos anos tem tomado de assalto as principais passerelles de todo
o mundo – estava um dos looks da coleção primavera/verão 2018
da Gucci, revelada poucas semanas antes. Adenda: nem era dos
mais insólitos. A jornalista, que assumia ela própria possuir roupa
“bastante feia”, concluia que muitos dos coordenados apresentados
nos desfiles para a estação quente de 2018 eram “deliciosamente
horríveis.” Eis parte do seu desalento: “Christopher Kane, o designer
responsável por reabilitar as Crocs como uma declaração de esti-
lo, no ano passado, ofereceu sapatos que pareciam esfregões de
limpeza.” Dito assim parece pavoroso, de facto. Mas eis que surge
em seu auxílio Paul Surridge, à época diretor criativo da Roberto
Cavalli, com uma explicação para tanto nonsense: “A moda prospera
na provocação. Ela prospera na novidade. Essa epidemia de peças
deliberadamente feias ou estranhas é sobre desafiar essa obsessão
com um estilo de vida artificial. É um sinal dos tempos, quando o
que parece atual é algo que não é tão perfeito e não é tão insípido.”
Será que a indústria, e os seus mais importantes criadores, foram
acometidos por uma crise de desleixo? Ou será que esta aparente

FOTOGRAFIA: IMAXTREE. NA PÁGINA AO LADO: FINAL DO DESFILE PRIMAVERA/VERÃO 2019 DA GUCCI.


onda de peças menos bonitas (e o conceito de belo é tão lato como
o de amor, por isso se o combinado mum jeans + dad trainers pode
ser uma espécie de visão do inferno para uns, ele também pode
significar o supra-sumo do coolness, para outros) é apenas reflexo
do estado mental do consumidor, que está cansado de artifícios
e que pretende, cada vez mais, encontrar um estilo próprio, seu,
único, individual?
De acordo com Stoppard, há uma teoria de longa data que defende
que a feiura e a inovação andam de mãos dadas – como se uma não
existisse sem a outra. Relembremos as palavras de Miuccia Prada,

Ugly is the new pretty


sua majestade, rainha de tudo o que é não-bonito, mas ultradesejável,
proferidas em 2012: “O feio é atraente, o feio é emocionante. Talvez
porque seja mais recente.” Se há alguém que nunca teve receio de
pisar o risco é precisamente Miss Prada, que tem noções bastante
claras sobre o que deve ser uma coleção de pronto-a-vestir. Desde
estampados improváveis a tecidos aparentemente kitsch, a criadora
Tempos houve em que usar umas Crocs de duplo salto com um vestido de italiana nunca receou espezinhar ou ultrapassar os limites do good
lantejoulas era considerado impensável, digno de multa por essa instituição taste. O mesmo poderia ser dito de Paul Poiret, o couturier que, no
início do século XX, rivalizava com Coco Chanel, e que se mante-
invisível chamada “polícia da moda." Not anymore. Esse look pode até nunca ve fiel à sua estética, mesmo quando a reação às suas primeiras
vir a fazer parte dos manuais de estilo, pelo menos dos mais tradicionais, obras foi pior que má: “What are these ugly experiments?” (“Que raio
de experimentações são estas?”), comentou-se na House of Worth,
mas tornou--se tão banal como ir às compras de calças de pijama, sweatshirt uma das casas francesas mais antigas de Alta-Costura. A História
carcomida de borbotos e botas de pelo. Ok, quase tão banal. Por Ana Murcho. da Moda está repleta de exemplos do género, porém, estes dois

vogue.pt 5 3
INVOGUE TENDÊNCIA

de Terra de Oz seria uma loucura. “Tento sempre, de forma muito


delicada, juntar coisas que estão sujas com coisas que estão com-
pletamente limpas, coisas da burguesia e coisas que pertencem ao
gueto, coisas que estão completamente danificadas com coisas que
estão bem feitas.” Assim explicava Michele, naquela entrevista, o
seu modus operandi. E continuava: “Nunca sinto necessidade de dizer
algo novo. É novo só pela forma como o digo. É novo porque ocorre
no momento certo. Se eu ler um poema à tua frente, agora, mesmo
bastam para concluir algo bastante simples: de todas as vezes que “TENTO SEMPRE, DE FORMA MUITO um muito antigo, seria novo para nós, embora não o seja. […] Arte
algum designer surge com um pensamento (leia-se, coleção) que DELICADA, JUNTAR COISAS QUE é conexão. Nenhum artista ‘de verdade’ deseja fazer uma peça e
vai contra o sistema, é muito provável que a primeira reação seja ESTÃO SUJAS COM COISAS QUE fechá-la numa caixa para que ninguém toque nela. Da mesma forma,
pensar que aquilo que ele/ela está a fazer é estranho. E, em última ESTÃO COMPLETAMENTE LIMPAS, a moda tem a ver com conexão. Já não é suficiente fazer roupas
COISAS DA BURGUESIA E COISAS
instância, feio. Pouco importa se são os bonés Von Dutch que Paris chiques e colocá-las numa boutique. A moda deve estar viva. Ela vem
QUE PERTENCEM AO GUETO, COISAS
Hilton usava nos anos 2000, e que vão regressando de mansinho, QUE ESTÃO COMPLETAMENTE das ruas, da música, dos clubes.” É por isso que, atualmente, até os
as sandálias de samaritano usadas com meias, que agora calçamos DANIFICADAS COM COISAS QUE espectadores mais desatentos reagem com apreço à sua ousadia.
sem vergonha, os calções de ciclista, que tentamos a todo o custo ESTÃO BEM FEITAS.”ALESSANDRO MICHELE Seja na linha de prêt-à-porter, que apela a uma noção genderless, seja
incluir no nosso #ootd, as botas Ugg, que servem de uniforme tanto na mais recente Gucci Beauty, que é um hino à beleza imperfeita e
a Sienna Miller como a Kate Moss. Voltando às Crocs, que ganharam natural, a sabedoria de Michele está em saber ler, muito antes de
estatuto high-fashion graças a Kane e, posteriormente, à Balenciaga outros pares, os sinais dos tempos. As mulheres continuam a que-
(pelas mãos de Demna Gvasalia), e tal como referia Joelle Firzli, rer usar stilettos nude e vestidinhos pretos. Os homens continuam
historiadora, em entrevista à versão digital da CR Fashion Book, a desejar ter, no seu guarda-roupa, pelo menos um fato clássico,
“a moda está a forçar as regras ao extremo e a jogar no limite do de bom corte. Só que isso não os impede de (quererem) explorar
que é considerado bonito, porque, bem, porque pode. […] O que é outros níveis do seu universo estético e sensorial, e ousar, aqui e ali,
relevante é que todos nós reagimos a ela. A feiura na moda torna com peças que, à partida, não fariam qualquer sentido até alguém
a moda relevante." lhes mostrar que existe um novo caminho a seguir. E esse caminho
poder-se-á chamar, para nosso deleite, ugly-pretty.
o dia em que Alessandro Michele se sentou para conversar apenas uma coisa? Num momento podes sentir-te uma pessoa, e O termo remonta a 2014, quando a indústria ficou à beira de um
com Nick Haramis, diretor da icónica revista Interview, uma hora depois és outra pessoa. Estava a pintar as minhas unhas ataque de nervos com uma (supostamente nova) tendência “feia-bo-
em finais de 2018, tinha duas unhas pintadas de vermelho. no outro dia…” E foi aqui que o diretor criativo da Gucci, cargo que nita”, que apelava à mistura de tudo o que, até então, estava “certo” e
Isto é relevante, porque prova que o designer é um praticante ativo ocupa desde 2015, foi interrompido: “But why just two of them?”, atirou “errado” na moda. Pelas passerelles surgiram vestidos ultradelicados
desse chaos magic que rodeia todas as suas criações. A dada altura, o jornalista. Porque, além de ter um fraquinho por verniz desde combinados com sandálias e sapatos que eram uma afronta à noção
a entrevista centrou-se, precisamente, sobre a inspiração, sobre criança, vermelho é a cor que a mãe de Michele usava e, segundo de elegância, viram-se enfeites kitsch costurados em tudo o que eram
aquilo que leva alguém a inventar, e a criar, algo novo. “Mas afinal ele, “é punk.” E também porque, a dada altura, ficou sem unhas para blusas e camisolas de malha, a mistura de padrões reapareceu, num
o que é que significa inspiração? Nada. Como é possível que seja pintar, já que estava a escolher tons para a maquilhagem de um mix and match que magoava a vista dos mais sensíveis, e as defuntas
desfile. “E então percebi como era fofo eu ter estas mãos enormes parkas, que pensávamos ter enterrado nos idos anos 80, ganharam
com duas unhas pintadas de vermelho. Isto fez-me sentir tão feliz as proporções do símbolo da Michelin. Primeira reação: os deuses
e chique porque é tão errado. Acho que não fiz um trabalho muito devem estar loucos. Segunda reação: o mais espetacular dessa
bom, no entanto. Estou a ficar velho e não consigo ver se não minirrevolução foi encorajar o público e, em última instância, o
tenho os meus óculos.” De acordo com os cânones tradicionais da comprador, a romper com as suas noções previamente concebidas
moda, as propostas de Michele são, à falta de melhor expressão, sobre o que significa ser “feio", e a não ter medo de brincar com
“inesperadas.” Começaram por ser etéreas, depois tornaram-se essas novas peças – estrambólicas, sim, mas que no fim de contas
extravagantes, agora são simplesmente surreais. Ou freaks, como surgiram para o fazer arriscar um pouco mais. Para abalar os seus
decidiram os jornalistas presentes no seu desfile outono/inverno preconceitos. Para o fazer sonhar. É isto, sobretudo, que sustenta e
2018, onde alguns modelos seguravam réplicas das suas cabeças… justifica esta obsessão pelo ugly-pretty – a sua capacidade para nos
cortadas, enquanto outros carregavam pequenos dragões ou cobras fazer sonhar. Até porque, como é sabido, nos sonhos somos todos
– a não ser que tenha estado debaixo de uma pedra nos últimos dois maravilhosamente, magicamente, belos. Mesmo com umas Crocs
anos e meio, é impossível não saber ao que nos referimos. A roupa, English version de duplo salto. Principalmente com umas Crocs de duplo salto. l
no essencial, era uma maravilhosa trip de ácidos que aglutinava, no
mesmo espaço, influências de várias épocas e de várias culturas.
Era isso e muito mais. Só não era “bonita.”
Como se isso fosse um problema… Numa indústria onde convivem
nomes como Rick Owens, Gareth Pugh ou Vivienne Westwood,
cuja originalidade não vive sem uma certa extravagância, ligar a
sirene porque o italiano decidiu transformar a Gucci numa espécie

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INVOGUE MODA INVOGUE ARTIGO

Erro épico
As próximas páginas inspiram-se em Auguste Rodin, escultor
francês reconhecido pelas linhas realistas do corpo humano, capaz
de transformar um bloco de argila no mais fidedigno humano inerte.
É precisamente por isso que o leitor poderia perguntar: “Porquê
Rodin numa edição sob a égide da beleza do erro?" Ah, mas caro
leitor, é aqui que erra, porque a perfeição para ser perfeita tem de
nascer da tentativa e erro. E poucos compreenderam tão bem esse
aperfeiçoamento da figura humana, na Arte, como Auguste.
Fotografia de Julien Vallon. Styling de Darcy Backlar.

Vestido em tafetá de seda, CHANEL. Brincos em madeira, MONIES.

FOTOGRAFIA: D.R.

English version

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INVOGUE MODA INVOGUE ARTIGO

Camisa em nylon, REJINA PYO. Calças em


denim, LA FÉTICHE. Chapéu em algodão
e lã, JULIA HEUER. Sapatos em tela de
algodão, RENAISSANCE RENAISSANCE.
FOTOGRAFIA: D.R.

FOTOGRAFIA: D.R.

Na página ao lado: vestido em tule de seda


e vinil, LOUIS VUITTON. Corset em algodão,
CHLOÉ. Brincos em madeira, MONIES.
Collants em rede de nylon, WOLFORD.
Sapatos em pele, FLAT APARTMENT.

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INVOGUE MODA INVOGUE ARTIGO

Blazer em algodão e calças em veludo,


FOTOGRAFIA: D.R.

FOTOGRAFIA: D.R.

ambos ACNE STUDIOS. Brincos em


madeira, MONIES. Na página ao lado:
top em jacquard de lã, calças em algodão
e sapatos em pele, tudo JIL SANDER.
Brincos e pulseira em madeira, MONIES.

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INVOGUE MODA INVOGUE ARTIGO

FOTOGRAFIA: D.R.
FOTOGRAFIA: D.R.

Vestido em crepe e tule de seda e sapatos em


pele, ambos MAISON MARGIELA. Na página ao
lado: vestido em chiffon de seda, MAISON RABIH
KAYROUZ. Brincos em metal, PATOU.

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INVOGUE MODA INVOGUE ARTIGO

FOTOGRAFIA: D.R.

FOTOGRAFIA: D.R.

Vestido em tafetá de seda, CHANEL. Brincos em


madeira, MONIES. Na página ao lado: vestido em lã fria,
GIVENCHY. Brincos e pulseira em madeira, MONIES.

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INVOGUE MODA INVOGUE ARTIGO

Casaco em lã, ALEXANDRE BLANC. Corset em algodão


e calças em lã, ambos CHLOÉ. Chapéu em algodão
e lã, JULIA HEUER. Na página ao lado: top e saia com
cristais aplicados, ambos PRADA. Collants em rede
de nylon, WOLFORD. Brincos em madeira, MONIES.
Modelo: Oudey Egone @ Oui Management.
FOTOGRAFIA: D.R.

FOTOGRAFIA: D.R.

Cabelos: Mike Désir. Maquilhagem: Lloyd Simmonds.


Casting: Oliver Ress. Assistentes de fotografia:
Pablo Azevedo e Florent Vindimian. Assistentes
de styling: Célia Moutawahid e Sarah Gaouar.
Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.

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INVOGUE ANÁLISE

método de tentativa e erro é um procedimento funda- processo criativo, ou até da minha marca, no geral, é a experimen-
mental na resolução de problemas e consiste em repetir tação”, corrobora Entrudo. “Posso até dizer que a experimentação
vezes sem conta diferentes hipóteses até acertar numa para mim nem é uma fase, mas sim um mood constante porque, na
com sucesso – ou até desistir. Ou ainda, no caso da Moda maioria das vezes, mesmo depois de acabada e ‘apresentada’, a peça
de autor, até aceitar. É que este termo do behaviorismo, continua a ser apenas uma experiência para um projeto futuro.” No
ou seja, do comportamento observável enquanto caso processo criativo – de um modo geral, mas na Moda de autor em
de estudo para a psicologia, mostra que esta forma de particular – errar significa avançar. Seja para perceber os limites
um organismo aprender através de uma série de tenta- de uma ideia que quebra barreiras, seja para, numa próxima peça/
tivas falhadas até uma solução aceitável ou até esgotar coleção, esse processo estar dominado para dar azo a uma nova
soluções é um modo de obtenção de conhecimento. E experimentação, ou simplesmente para o elevar a outro nível. O que
no caso da sua aplicação em ateliers de corte e costura, significa que erro é sinónimo de aprendizagem, confirma Constança,
a dimensão é claramente notória. Certo dia, há muitos anos, na- tal como Moura: “Eu aprendo muito mais quando erro”, confessa
quela rua do Príncipe Real que toda a gente conhece e por onde Alexandra. “Mas isso em várias coisas na vida, nós aprendemos
toda a gente passa, à porta da loja de Alexandra Moura, que já não com os nossos erros, como se costuma dizer. Parece um clichê
existe (quem sabe um produto de tentativa e erro – a criadora mu- mas, de facto, aqui dentro, nós muitas vezes aprendemos muito
dou-se para um atelier maior e vende online), falava com a designer mais técnica da própria peça quando existe o erro. Ou porque o
nacional sobre o papel da experimentação no processo criativo. vais assumir assim e ficou incrível, ou porque vais ter de lhe dar a
Hoje, recuperámos essa conversa. Já não estávamos naquela rua volta para que ele se torne exequível. Portanto, há aqui uma grande
do Príncipe Real que toda a gente conhece reflexão sobre o erro e o erro acaba por ser sempre positivo. É sem
e por onde toda a gente passa; mas também dúvida uma aprendizagem.”
não estávamos, de acordo com os ditames E também pode ser sinónimo de sucesso: nem sempre um erro
modernos, numa zoom call. Por acaso, está- tem de ser corrigido; por vezes, muitas vezes, ele garante a inovação
vamos só ao telefone, esse aparelho quase da peça final. “Muitas vezes, aliás, na maioria das vezes”, garante
old school onde só se ouve a voz e nem se vê Entrudo. “Apesar das minhas coleções serem resultado de um
imagem. Não foi tentativa e erro: acertámos longo trabalho de pesquisa, não tenho por hábito desenhar peças
à primeira, na conversa. “A Moda de autor de roupa ou usar manequins. O meu processo passa por trabalhar
tem como princípio isso mesmo, a tentativa durante meses em têxteis e materiais que depois de alguma forma
e erro, a experimentação como base”, ratifi- se tornarão vestíveis/usáveis. Um exemplo de um ‘erro’ tornado
ca a criadora lisboeta. “Esta fase de experi- peça final é o Threads Top, uma das peças mais procuradas da minha
mentação, especialmente quando se trabalha marca, que surge da junção de dois testes de tecido que tinham

FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES. ARTWORK: JOÃO OLIVEIRA.


manipulação, quando se trabalha alteração sido ‘mal impressos’ por mim em fábrica. Sou um pouco scruffy,
de modelagem base, quando se trabalha uma como dizem os ingleses, e entusiasmo-me muito quando estou na
série de processos enquanto se está a criar e fábrica com o Paulo (especialista em impressão têxtil com quem
a tentar montar a ideia, seja em papel, seja em trabalho desde a faculdade). Esses dois fatores levam-me a cometer
busto, ou seja, já com tecido, essa tentativa muitos ‘pequenos erros’, tais como introduzir os tecidos na má-
e erro é essencial, porque muitas das vezes quina demasiado cedo, do avesso ou com a temperatura errada. Os
o que nós projetamos na nossa mente fica resultados desses ‘pequenos erros’ acabam sempre por fazer parte
melhor – ou pior – quando começamos a das minhas coleções.” “Não sei se aconteceu mais vezes o erro ter
experimentar, quando começamos a errar e dado uma peça final, ou se correu tudo bem à primeira, até porque
quando começamos a ser surpreendidos com há peças e há técnicas que são bastante claras na nossa cabeça”,
o próprio materializar da peça ou do proces- começa por explicar Alexandra Moura. “Outras, que tu consegues
so que estamos a desenvolver, no momento. ter um vislumbre do detalhe, da volumetria, do caimento, mas mui-
Portanto, é essencial”, explica Moura, cujas tas das vezes na sua construção, a coisa não é tão simples como

Erro de julgamento
silhuetas não obedecem a padrões expectáveis, pelo que é notório
o seu compromisso em constantemente inovar, explorar, superar-
-se, implicando, de forma subjacente, uma fase de tentativa e erro.
Algo que a colega de profissão, Constança Entrudo, também co-
nhece bem. Renomada pela irrelevância dos preconceitos associados
ao seu trabalho, a sua abordagem à criação passa pela liberdade da
Neste caso, achar que se errou e afinal se acertou. Case in point, imaginação, sem constrangimentos relativos a regras pré-existentes
a Moda de autor: por norma, não há arrependimentos na falha, ou enquadramentos comuns, optando consistentemente por criar
novas realidades através de um processo de pesquisa e experimen-
apenas lições. Quando o design dá para o torto, cose-se, tação. Não é por isso, de estranhar, que este seja o seu primeiro
por vezes (muitas vezes) com linhas direitas. Por Sara Andrade. comentário sobre este tema: “Eu diria que a base de todo o meu English version

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INVOGUE ANÁLISE VOGUE PARTNERSHIP

Ventos de
é o processo mecânico de a idealizares. Então, posso-te dizer que
se calhar é 50/50. Porque há aquelas muito mais assertivas, que já
sabemos por experiência da própria modelação porque já faz parte
da marca, mas a outra metade são aquelas muito mais experimentais,
do menos expectável. Quando tem alguma característica diferente
aqui e ali, isso para mim é a minha perfeição, sobre o erro ou a
imperfeição de alguém que é estereotipado de uma outra forma”,
explica, acrescentando que “é também um bocadinho ir contra a
Mudança
No vocabulário de uma mulher não existe
essas sim, muitas vezes é por tentativa e erro no próprio busto, ou maré para poder inovar… erro é inovação.” a pergunta “para quê comprar mais um
no tecido ou no próprio molde, e somos surpreendidos pelo erro.”
E continua: “Estas últimas coleções nas quais trabalho muito com ma filosofia largamente partilhada por Constança Entrudo:
par de botas?” Isso é coisa que jamais se
a desconstrução do próprio molde, e junto peças que à partida não “Apesar de ter um forte sentido de organização, sou uma questiona. Ainda para mais se, perante ela,
estariam juntas, só isso já é um ‘provocar do erro’. E depois só tens pessoa pouco perfecionista e com muita facilidade em estiverem as botas mais cool da estação.
é que ter a consciência de o provocar de forma a que ele seja exe- adaptar-me às circunstâncias, sejam elas boas ou más. A Mariuccia
quível de se vestir. Há as peças que estão propositadamente juntas, Mandelli [designer de Moda italiana, 1925-2015] dizia que ‘a Moda é
criando uma só, mas posso-te dizer que, por exemplo, esta última uma questão de humor’ e eu concordo. Levo a minha marca muito
foi derivada em layers, em camadas, e nós fomos deformar deter- a sério, claro, mas acrescento-lhe sempre um certo sentido de hu-
minadas peças porque tinham outras por cima que as deformavam mor. Não gosto de me levar demasiado a sério, acho uma seca. Tento
e criavam erros.” Então, errar não é só humano, é criativo? “Sem que a minha equipa também não o faça, que assumam os erros quando
dúvida. O ato de errar segue-se sempre de uma nova perspectiva. os fazem e que isso os ajude a serem melhores. Já trabalhei em marcas
E novas perspectivas são fundamentais para todos nós, especial- onde errar era quase proibido e nunca senti que isso fosse bom, aliás, empos diferentes pedem desejos diferentes. Sabores
mente para os criativos”, assegura Constança, aprendi, mas senti até que era um obstáculo à criatividade. E é por isso diferentes. Cheiros diferentes. Porém, há detalhes, ou
corroborada por Moura: “Errar é completa- que se torna tão difícil para mim categorizar algo como um ‘erro’. O pormenores, que nunca mudam. Exemplo? No guarda-
mente criativo. Ainda bem que nós criativos meu processo criativo é uma longa conversa entre mim e o material. -roupa de uma mulher moderna, ativa, há sempre (sem-
erramos no nosso processo criativo porque, A relação que tenho com os meus tecidos é algo muito pessoal, é uma pre) espaço para mais um par de sapatos. Se esse par de
lá está, muitas vezes sobre a base de um erro, constante resposta dos materiais à maneira como os manipulo. Ao sapatos tiver aquele je ne sais quoi que lhe dá uma dose
surge uma coisa nova e, por vezes, muito mais longo desse processo, passo por momentos de frustração, de euforia extra de confiança, e se ainda por cima acompanhar as
genial do que aquilo que achávamos que era ou de satisfação. No entanto, em momento algum interpreto essas tendências que desfilam nas passerelles de meio planeta,
quando [parecia] perfeito aos nossos olhos. frustrações como um erro. Sempre uma aprendizagem.” Julgámos melhor ainda. É aqui que entra a magia da ECCO SHOES,
Para mim, é claramente uma evolução e uma mal. Achámos que íamos falar de tentativa e erro e acabámos por que lança uma nova coleção totalmente irreverente: as
inovação. Quando ele é posto desta forma”, falar de tentativa e inovação. E de tentativa e lição: “Nenhum de nós botas ECCO TREDTRAY, um mix perfeito entre a estética
ressalva. “Não quando algo tem que ser reto e é perfeito quando fazemos as coisas. Eu tenho uma capacidade de rock’n’roll e as linhas depuradas a que a marca já nos habituou. A
saiu às curvas. É o erro quando ele funciona, olhar para as coisas e ter uma autocrítica e uma autoanálise e ‘O que inspiração é assumidamente “urban hiker”, ou seja, é para todas as
quando é orgânico, não enquanto erro de má é que eu faria agora de novo?’”, remata Alexandra Moura. “Eu acho mulheres urbanas que não viram as costas ao estilo – nem nas es-
qualidade ou pobre produção. Aí, eu sou muito que um criativo deve olhar para as suas coisas não como ‘fiz nascer tações frias. Dotadas da tecnologia Traytech, que combina a suave
perfecionista, aí já não admito esse erro. Não esta obra-prima e já não lhe tocava em mais nada’. Eu acho que é e anatómica construção FLUIDFORM™ Direct Comfort Technology Mudar de vida. Arriscar. Foi precisamente isso que Karl Toosbuy,
admito erros de desleixo.” uma insatisfação um bocadinho constante e sempre na busca do com a sola de borracha genuína que envolve um reservatório de sapateiro de formação, fez, em 1963, quando largou o seu emprego
Mais do que criativo, o erro assume muitas que é que tu podes fazer de diferente, que te traga algo de diferente, entressolas anatómicas PU, as botas ECCO TREDTRAY têm o melhor estável e decidiu perseguir o seu sonho: ter uma fábrica de calçado.
vezes, na Moda de autor, uma dimensão cons- nem que seja aquela peça que tens várias vezes numa coleção. Acho de dois mundos: peso reduzido e conforto aumentado, até porque o Esse legado está presente ainda hoje na ECCO SHOES, a empresa
ciente. Ele é propositado, em prol do design, que até nisso somos imperfeitos, porque nunca estamos satisfeitos. seu interior é forrado a lã e couro premium. Além disso, a tecnologia que fundou e que procura, a cada estação, unir um savoir-faire de
do inesperado, de fazer acontecer algo novo, O próprio criativo vive num estado constante de tentativa e erro.” de impermeabilização recém-desenvolvida pela ECCO, denominada décadas à mais avançada tecnologia. Só assim é possível garantir
explica Alexandra Moura. “Na Moda de autor, Proponho que se mude então a expressão de “errar é humano” para HM100K, permite que o couro seja totalmente saturado com agentes que todas as suas propostas, de todas as suas linhas, se guiem pela
abraçar o erro é muito consciente. E muitas “aprender é humano”. E a primeira aprendizagem é que, nesta tentativa especializados, oferecendo, em combinação com outras técnicas, qualidade elevada. É exatamente por se pautar pela inovação, pela
das vezes há o querer provocar o erro e querer de evolução, há sempre espaço para o erro, perdão, conhecimento. l qualidade à prova de água. Ventos de mudança, portanto. busca constante de novos materiais, pelo conforto e, no fundo,
assumir o erro. Porque, lá está, o próprio erro e a própria perfeição pela vanguarda, que a ECCO SHOES é, hoje, uma das marcas mais
são conceitos que se podem tornar abstratos na criatividade e para respeitadas do setor. Possui seis fábricas espalhadas um pouco por
quem olha. Muitas vezes, surgem erros, ou acontece estar a mexer todo o mundo e está presente em 99 países. Os sapatos ECCO são
numa peça que, sem querer, se alfinetou mal e aquele alfinetar mal vendidos em mais de 10.000 pontos de venda, 2.000 dos quais são
foi criar uma coisa nova. Portanto, eu acho que ao assumir, muitas lojas ECCO. Mais ainda, implantou há muito políticas que promovem
vezes, esses erros acabam por ser, para mim, coisas que ficam "ERRAR É COMPLETAMENTE CRIATIVO. a igualdade entre funcionários e é líder no que à ecologia diz res-
perfeitas. Isto acaba por ser tudo um bocadinho abstrato, o que é AINDA BEM QUE NÓS CRIATIVOS peito. Porque, na génese da ECCO SHOES, está a noção de que não
que é o erro e o que é que é o perfeito. Enquanto que outra pessoa ERRAMOS NO NOSSO PROCESSO existe mudança possível se as decisões tomadas no presente não
pode olhar e achar que aquilo é um erro, para mim a peça é perfeita CRIATIVO PORQUE, LÁ ESTÁ, MUITAS permitirem um futuro económica e socialmente sustentável. Pode-
por isso mesmo: por ter o erro. É perfeita por ser imperfeita. Até VEZES SOBRE A BASE DE UM ERRO, mos escolher um novo par de botas sempre que nos apetecer – elas
SURGE UMA COISA NOVA E, POR VEZES,
FOTOGRAFIA: D.R.

porque gosto sempre de fugir um bocadinho ao que são os estereó- nunca deixarão de ser um básico no nosso closet – mas caso o nosso
MUITO MAIS GENIAL DO QUE AQUILO QUE
tipos. Mesmo até ao nível de quando se escolhem modelos, quando olhar aponte para estas ECCO TREDTRAY, e é bem provável que isso
ACHÁVAMOS QUE ERA QUANDO [PARECIA]
alguém tem de dar a cara, eu gosto sempre de ir para os manequins PERFEITO AOS NOSSOS OLHOS." aconteça, estaremos a contribuir para mudanças com impacto que
‘menos perfeitos’ naquele idealismo do estereótipo da beleza. Gosto ALEXANDRA MOURA vão (muito) além de nós. Um pequeno passo para uma mulher... l

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LIFE
STYLE REALIZAÇÃO: ANA CARACOL. ART WORK: JOÃO OLIVEIRA.

ARTES
LIVING
DESIGN Cadeira Daisy em veludo de algodão, € 1.330, Munna Design.
LIFESTYLE ROTEIRO

O que ver, o que ler, o que fazer.


Pretérito
Por Ana Murcho.

mais-que-imperfeito: capítulo II
Estes filmes tinham tudo para ser obras de arte. E são.
Pretérito mais-que-imperfeito Ainda assim, estão cheios de erros. Não de uma ponta
Abram-se estes livros, leiam-se estas palavras, decorem-se estas imagens. à outra mas, como se diz na gíria cinematográfica,
Nestas obras, há um pouco de tudo o que o mundo tem, ou poderia ter, de errado. de um frame ao outro. Está na hora de carregar
E é precisamente por isso que os que queremos, a todos, nas nossas estantes. no botão de pause e encontrar a gralha mais flagrante.

BASQUIAT - 40TH BEAUTIFUL MISTAKES,


ANNIVERSARY de R.J. Avenira,
EDITION, de Eleanor CreateSpace Publishing
Nairne, Taschen (2018), € 13.
(2020), € 20. não conseguiu detetar uma falha - mas esta
bem mais flagrante - foi Mel Gibson, que
deixou que Braveheart (1995) estreasse com
a presença de uma carrinha branca numa
das suas cenas de batalha mais importantes.
Tendo em conta que o filme se passa no
século XIII, seria impossível ter no cenário
tal adereço. Se a sua intenção era inovar,
não conseguiu. O mesmo aconteceu, muitos
anos antes, em The Adventures of Robin Hood
(1938), cuja ação decorre em 1191. Também
aí - e note-se que falamos dos primórdios do
EINSTEIN’S cinema - algo impossível acontece: quando um
GREATEST MISTAKE: dos camaradas de Robin desce de um cavalo
THE DEATH OF A BIOGRAPHY,
BUNNY MUNRO, de David Bodanis, para ajudar um amigo, é possível avistar um
de Nick Cave, Houghton Mifflin automóvel no background. E já que falamos de
Canongate Books Harcourt (2017), € 14.
carros, porque não lembrar uma das maiores
(2014), € 14,25.
gafes do velhinho século XX? Em Commando
a última temporada de Game Of Thrones, a internet (1985), o filme que estabeleceu Arnold Schwarzenegger como
quase veio abaixo por causa de um copo de café (que herói definitivo das películas da ação, dá-se uma espécie de
os cibernautas imediatamente assumiram ser da extreme makeover paranormal: o Porsche do coronel John Matrix,
POSTMODERN famosa cadeia Starbucks) que se destacava em cima da mesa interpretado pelo ator, envolve-se num acidente que o deixa
ARCHITECTURE: LESS onde Daenerys Targaryen presidia a um dos mais importantes pronto para a sucata. Porém, momentos mais tarde, surge sem
IS A BORE, de Owen concílios da série. Erros do género, que no mundo da televisão e um único risco, como se nada lhe tivesse acontecido. Magia?
Hopkins, Phaidon
BEING WRONG:
(2020), € 39,95. do cinema são conhecidos como erros de raccord, por serem uma Isso é coisa da Terra de Oz, no Kansas. Aí, mesmo com magia,
ADVENTURES IN THE
BY NIGHTFALL: A NOVEL, MARGIN OF ERROR, falha da continuidade temporária e/ou espacial entre dois planos os lapsos, mesmo não sendo tão graves, também existem.
de Michael Cunningham, de Kathryn Schulz, consecutivos, abundam um pouco por todo o lado - mesmo sem Há uma sequência no icónico The Wizard Of Oz (1939) em que os
Picador (2011), € 12. Ecco (2010), € 34,88. darmos por eles. E acontecem porque, obviamente, um filme ruby red shoes de Dorothy se transformam nuns mais-que-banais
(ou uma série) não se grava "todo de uma vez”, na sequência sapatos pretos. Mais confortáveis, talvez? É estar atento ao
cronológica que define o argumento, mas de acordo com um momento em que “a árvore” começa a bombardear a personagem
DALÍ. LES DINERS DE
plano de rodagem. Será isso, talvez, a razão que justifique a de Judy Garland com maçãs. Igualmente subtil é o detalhe que
GALA, de Salvador Dalí, presença de buracos de balas na parede do apartamento onde as poderá escapar aos menos atentos, inclusive os que já perderam
Taschen (2016), € 50. personagens de Samuel L. Jackson e John Travolta se deslocam a conta às vezes que assistiram ao maravilhoso Goodfellas (1990).
para apanhar uma pasta, em Pulp Fiction (1994), ainda antes da Os críticos apontam uma série de "factual errors” a este clássico,
cena de tiros ter sucedido. Um pequeno detalhe, tal como o mas talvez o erro mais flagrante aconteça numa cena em que
facto de Vivian Ward, protagonista de Pretty Woman (1990), ser Jimmy (Robert De Niro) enrola bruscamente um fio de telefone
“apanhada” pela câmara a trincar um croissant que, no plano no pescoço de Morrie (Chuck Low) na parte de trás da loja
seguinte, se transforma... numa panqueca. Pior, pior, porque vem de perucas: o telefone está claramente fora do gancho, mas
do mestre do suspense - e que era assumidamente obcecado com começa a tocar… Mais? A lista podia continuar. O cinema é,
a perfeição - é o erro fatal de North By Northwest (1959). Numa afinal de contas, a arte do engenho, da perícia e do faz de conta.
cena passada num restaurante, a personagem interpretada por Consta que Apocalypse Now (1979), o épico sobre a Guerra do
FOTOGRAFIA: D.R.

Eva Marie Saint atira sobre Gary Grant, seu coprotagonista, e um Vietname, terá um total de 395 falhas. Esta afirmação oferece
BEIGE IS NOT THE BEAUTY MYTH, dos figurantes (uma criança) tapa os ouvidos para se proteger dois tipos de resposta: a) ateve-se a descobri-las todas?
A COLOR, de Carlos de Naomi Wolf,
Mota, Vendome Vintage Publishing
do barulho… antes do “boom” efetivamente soar. Algo inédito, b) se estamos perante uma obra-prima, é possível que parte
Press (2019), € 66. (2015), € 7,25. e que nem o próprio Alfred Hitchcock detetou. Quem também da sua beleza venha, precisamente, dos erros.

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LIFESTYLE ROTEIRO

Futuro Chama-se Muñoz Carmona Art & Gallery e nasce da paixão que Juan
Munõz Carmona, nascido em São Paulo, no Brasil, tem por Portugal - e
mais-que-imperfeito por Lisboa, para onde se mudou ainda jovem. Depois de desenvolver
A nossa vida social até pode estar uma série de projetos de âmbito cultural, juntou-se ao sócio, André
mais ou menos condicionada, mas Ribeiro, para abrir esta galeria, situada numa das zonas mais nobres da
cidade, o Chiado. A exposição com que abrem portas dá pelo nome de
isso não significa que as aberturas Natureza Morta / Steal Life, e tem curadoria de Deborah Harris, ex-diretora
de novos espaços culturais estejam do The Armory Show, em Nova Iorque. Só isso seria suficiente para
em stand by. Estas duas galerias, que sair de casa e ir conhecer o novo espaço de 50m2 que traz nova vida à
apresentam exposições que são um hino Rua do Alecrim, mas vale a pena saber que houve aqui um interesse em
pensar no “sentido de propriedade” e em fazer-nos questionar a nossa
à imperfeição, são disso prova. relação com a natureza, “uma forma de examinar o conceito do sentido de
apropriação intrínseco à condição humana.” Para ver até ao final do ano.
Mais informações em www.munozcarmonagallery.com.

Noé Duchaufour Lawrance é o homem por detrás da Made in Situ.


Noé Duchaufour Lawrance é um dos mais relevantes arquitetos da sua
geração - foi ele a mente criativa por detrás do icónico restaurante Sketch,
em Londres. Saber que Noé Duchaufour Lawrance vive em Lisboa,
e que decidiu abrir um estúdio (é assim que lhe chama) cujo manifesto
defende “uma dinâmica criativa de aperceção, enraizada nos tesouros
de um território, nos seus artesãos e nas suas ligações sistémicas com a
natureza”, é uma notícia que abafa qualquer possível estado de calamidade.
A primeira exposição do espaço, apelidada de Barro Negro, é inspirada
na Serra do Caramulo, e mostra uma série de peças “em três tipologias
únicas que incorporam as características dos rochedos tombados na
paisagem mística, a comunidade de pessoas” e a tradicional processo
de cozedura em soenga, que confere aos objetos um aspeto inacabado.
E maravilhosamente imperfeito. Mais informações em madeinsitu.com.

FOTOGRAFIA: D.R.

FOTOGRAFIA: D.R.

vogue.pt 7 7
LIFESTYLE ROTEIRO

Presente
mais-que-imperfeito
Era uma vez uma exposição com artistas
de todo o mundo que não pretendem
ser perfeitos, apenas únicos, e um teatro
imersivo que, sem pedir licença, Ao lado: A Rambling
Sack Of Mirrors, de
nos leva para o outro lado do espelho. Caroline Kolkman.
Em baixo: Acts
of Cassandra, de
Domonkos Varga.

Ao princípio, era um livro. Aliás, muito mais do que um livro, um


atlas. O Atlas Parallel é um coffee table book que junta todos os artistas
presentes na terceira edição do PARALLEL Review Lisboa, que abre
portas a 25 de novembro. Serão seis as exposições que, apresentadas
pela primeira vez fisicamente, mostram o trabalho de 23 fotógrafos e
seis curadores emergentes das mais diversas nacionalidades, desde a
Europa à China, passando pelo Irão ou pelos Estados Unidos. A marca
da multiculturalidade é uma das tónicas dos trabalhos apresentados no
Espaço Procur.arte, na Rua do Centro Cultural 11, em Alvalade. O que
os une a todos? A beleza imperfeita do mundo em que vivemos, em
todas as suas variantes e em todo o seu esplendor. Para descobrir até
dia 19 de dezembro. Mais informações em parallelplatform.org.

English version

O que está do outro lado do espelho,


aquele por onde Alice entrou - ou caiu?
Num espaço adaptado para a construção
de dois universos, habitado por dez
(maravilhosos) atores e um cenário
inteiramente reciclado, Alice O Outro

IMAGEM DA EDIÇÃO DE 178 DA GQ PORTUGAL


Lado da História, conta o outro lado da
história da menina loira de olhos azuis.
A verdade por trás do “país das
maravilhas” (que não era tão maravilhoso
assim...) cujo imaginário é transversal

C H A N G E
a todas as gerações, é finalmente
desvendada. Como? A história de Alice
Liddell, musa inspiradora de Lewis Carroll
para a sua mais conhecida obra,
A L B A B A P T I S T A
As Aventuras de Alice no Pais das Maravilhas,
é aprsentada nesta peça de teatro G Q ' S G L O B A L M A N I F E S T O “ C H A N G E I S G O O D ”
imersivo, cujo sucesso justificou a
extensão das suas apresentações até ao
final do ano. A experiência é para ser
vivida individualmente, ou em dupla,
FOTOGRAFIA: D.R.

n’ O Lugar de Cabo Ruivo, em Lisboa. Os


bilhetes, os que ainda restarem, podem ser APP LIGHTHOUSE PUBLISHING AR
comprados na Ticketline. Mais informações
Uma das cenas da peça Alice O Outro Lado da História. FAÇA O DOWNLOAD. APONTE O SMARTPHONE. DESCUBRA A MAGIA.
através de email reservasalice@p35.pt.

7 8 vogue.pt B R E V E M E N T E N A S B A N C A S A E D I Ç Ã O D E D E Z E M B R O . D E S C U B R A A S M U D A N Ç A S .
LIFESTYLE ARTE

O homem erra,
a obra (re)nasce
Fernando Pessoa, no seu génio incontornável, escreveu um dia
aquela que se tornou uma das mais emblemáticas frases de que há
memória na língua portuguesa: “Deus quer, o homem sonha, a obra
nasce. Neste verso de Mensagem, que parece resumir toda a existência
criativa em oito meras palavras, há uma pequena parcela, um
pormenor que fica por contemplar. É que, por vezes, o homem erra, e
é aí, precisamente, que a obra (re)nasce. Por Carolina Queirós. Artwork de João Oliveira.

monumentos de Itália” é, no mínimo, um fenómeno. É precisamente


o caráter peculiar e risqué deste monumento, que vai muito para
além da sua altura de 56 metros ou dos seus quase 300 degraus, e
que cativou o interesse do mundo e exige, até hoje, um lugar fixo
nas nossas bucket lists. Estamos a falar, claro, da sua algo indiscreta
inclinação. Os seus 3,99 graus de obliquidade tornam a imagem da
Torre de Pisa em algo muito difícil de esquecer. Mesmo considerando
a era pré-Instagram, a nossa memória remonta instantaneamente
aos muitos braços que já a seguraram, aos beijinhos, aos cones de
gelado na sua base, às acrobacias, alinhamentos mal conseguidos
e high-fives não planeados que este pedacinho histórico de arqui-
alar de arte é falar de pessoas. A inspiração que opera tetura já testemunhou. O erro deu lugar à
através do talento de cada artista e que se aplica à pin- curiosidade, mas este foi um mero fruto do
tura, escultura, design ou arquitetura, está na origem das acaso. Contrariamente ao que se dava como
mais belas obras-primas que hoje decoram os museus de adquirido durante o século IX, à data do co-
todo o mundo e as paredes da nossa imaginação. Quando meço da construção não estava considerado
confrontados com a beleza de todas estas formas de arte, em qualquer plano que esta fosse adquirir
absorvidos e maravilhados, esquecemos que foram, de um look prestes-a-cair. De facto, foi pensada
facto, mãos como as nossas que as criaram. E, como seres como qualquer outra torre: direita. O solo
humanos, nada melhor nos define e caracteriza como o onde foi edificada, por outro lado, é instável,
erro. Habituamo-nos desde sempre a pensar neste conceito arenoso e mal consolidado, condenando
como um desastre, como a base fundamental da ruína. Mas a Torre à sua tão característica inclinação
na arte, a beleza e o erro coexistem, andam de mão dada e criam desde o primeiro instante. Ao atingir valores
uma simbiose em que a primeira não existiria sem o segundo. Talvez que ameaçavam a obra-prima de um até hoje
a maior beleza do erro seja quando não o reconhecemos, quando desconhecido autor, um complexo projeto
nem sabemos que ele existe, por tão grande ser a perfeição da im- de nivelação do solo foi posto em prática
perfeição. Olhando para o produto final, tudo parece tão certo que durante os anos 90 de modo a reverter os
o erro se torna inconcebível. Talvez seja a nossa própria definição potenciais efeitos catastróficos da inclinação
de erro que está, afinal de contas, errada. de 5,5 graus verificada no início da mesma
E por falar em erros, ou melhor dizendo, em erros belos, é neces- década. Mas a força do erro foi mais forte.
sário também contabilizar quantos deles existem porque escolhemos A Torre de Pisa rejeitou o próprio solo de
lutar contra a nossa própria natureza, contra os elementos, contra onde se ergue, a sua base, o seu apoio pre-
os nossos alicerces. A Torre de Pisa é um caso modelo. Construído destinado e, recusando-se a cair por terra
há mais de 800 anos, o campanário que hoje podemos facilmente en- de uma só vez, paulatinamente, vai-se apro-
contrar em qualquer postal ou livro presente na categoria “grandes ximando. Lentamente, reclinada sobre a sua

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LIFESTYLE ARTE

perpetuidade, é como se descansasse de uma euforia rebelde, de foram, de facto, encontrados. Foi precisamente com este desfecho de Mona Lisa fica mais vazio. A sua expressão omo em tudo na vida, o fim é sempre uma espécie de
uma imperativa repulsa do que tem ou deve fazer. E assim fica a que poderia facilmente ter desencadeado um dos maiores desalentos enigmática, reforçada por este elemento em princípio e, assim sendo, é nossa obrigação encerrar um
ver o tempo passar... tal como nós. de todo o mundo artístico clássico, que Vénus de Milo consolidou o falta (mas não em erro), apenas contribui para artigo sobre história da arte com um dos seus maiores
Vénus ou Afrodite, as denominações diferem conforme quem seu status de obra-prima: o seu acabamento incompleto, fruto não a eterna discussão que caracteriza tanto esta capítulos, o incomparável Miguel Ângelo. Nascido a 6 de março de
coloca a questão, se Romanos ou Gregos – o tempo também tem do erro artístico, mas da decadência natural à qual nem as mais obra quanto as suas tonalidades em amarelo 1475 na Toscana, em Itália, o escultor, pintor, arquiteto e poeta é con-
destas coisas. Sendo um dos melhores exemplares da escultura belas criações escapam, conferiu-lhe uma beleza mais real, mais dourado: a Gioconda chora ou sorri? siderado um dos principais impulsionadores do período artístico que
Grega de que há registo, Vénus foi o nome escolhido para a mais imperfeita, e, arriscaríamos dizer, mais humana. Em questões de cor (e sobretudo no que a conhecemos como Alto Renascimento, e um dos artistas com maior
conhecida representação artística da deusa do amor e da beleza, a Como já antes concluímos, falar de arte é falar de pessoas. Quer amarelos diz respeito), Vincent van Gogh, o cé- projeção mundial de que há memória. Um perfeccionista até ao mais
estátua que hoje conhecemos como Vénus de Milo. São incontáveis considerando o sujeito artístico ou quem o imagina, a arte não é lebre pintor holandês que nos trouxe algumas ínfimo dos pormenores, a obra de Miguel Ângelo ecoa até aos dias
os livros repletos de imagens e figuras desta obra, descoberta na passível de se distanciar da experiência humana, incluindo mesmo das mais famosas obras de arte do século XIX, de hoje pelo seu conhecimento profundo da fisionomia humana em
ilha de Melos em 1820, que desde então é considerada como um os seus momentos mais obscuros, as suas obsessões e pontos sem é uma referência obrigatória. Nos seus poucos conjunto com uma sensibilidade artística extrema, qualidades que
ícone do seu período homólogo da história da arte, o Helenístico. retorno. E se o mundo alguma vez presenciou algum ponto de vira- mais de dez anos de atividade, produziu cerca lhe asseguraram o respeito de multidões, reis, papas e incontáveis
Seria demasiado imprudente descartar os vários mistérios que gem na história da arte, esse ponto foi Mona Lisa. Nunca um quadro de 860 pinturas a óleo, de entre os mais de figuras de autoridade. Por tudo isto, não poderíamos falar de arte,
giram em torno de Vénus de Milo, mais ainda considerando o quanto de 77 por 53 cm recebeu tantas cartas de amor, foi tão visitado, foi dois mil trabalhos, tragicamente cumprindo como agora a conhecemos, sem Miguel Ângelo. Nunca teríamos a
estes contribuíram para o fascínio que a obra espoletou desde sem- alvo de tão extensivas análises ou alguma vez possuiu uma apólice também todas as profecias que compõem o imagem d’A Criação de Adão tão limpidamente na nossa memória sem
pre junto das multidões, captando inclusive a atenção do rei Luís de seguro comparável ao da Gioconda de Leonardo Da Vinci, que destino de um génio romântico em sofrimen- Miguel Ângelo e, muito provavelmente, não teríamos os mesmos ideais
XVIII de França e de Napoleão Bonaparte. Como em todas as boas ocupa até hoje o primeiro lugar do Guinness World Records na cate- to. Girassóis, por exemplo, é um conjunto de de beleza que marcaram séculos de pintura e escultura sem Miguel
histórias, são os pequenos pormenores que ditam o rumo de cada goria, com um seguro avaliado em 100 milhões de dólares em 1962 duas séries de quadros a óleo, Paris e Arles, Ângelo porque sem ele, não teríamos David. A estátua que ditou o que
personagem, quer elas sejam feitas de carne e osso ou de pedra e (feitas as contas à inflação, falamos do equivalente a 660 milhões intituladas de acordo com o local onde foram gerações de artistas e admiradores preservaram como a obra humana
engenho. Desde o primeiro momento da sua descoberta no século de dólares em 2019). Aquele que é guardado como o arquétipo da pintadas. A segunda e mais conhecida das duas que mais se assemelha à beleza divina, David é a derradeira prova de
XIX, alegadamente por um camponês enquanto este desenterrava perfeição do Renascimento Italiano, o retrato séries, realizada entre 1888 e 1889, é a que hoje que a beleza do erro pode ser tão absoluta quanto determinante. O
destroços de outras ruínas, que a escultura tem sido alvo de espe- que se acredita ser da mulher de um nobre, Lisa mais facilmente associamos a esta que é uma bloco de mármore onde as mãos do artista trabalharam entre 1501
culação. Poderia argumentar-se que a sua delicadeza e graciosidade Gherardini, atrai milhares de pessoas todos os das obras preferidas do próprio Van Gogh, e e 1504 possuía, alegadamente, um defeito estrutural. Reza a história
transcendentes seriam razões mais do que plausíveis, mas o enigma anos até ao epicentro cultural e artístico do que foi talentosamente criada recorrendo ape- de que três outros conceituados artistas e pares do escultor italiano
e intriga prendem-se em relação a um aspeto em específico (ou dois, mundo, o Museu do Louvre, em Paris, de onde nas a três tonalidades de amarelo. Esta cor, e tentaram anteriormente usar o bloco colossal para esculturas suas
na verdade): os seus braços. Onde estão os braços da Vénus de Milo? a obra-mestra de Da Vinci chegou mesmo a ser todas as suas variações, que tanto fascinavam mas, não sendo bem-sucedidos, rejeitaram-no, condenando-o ao
Qual a posição original da ninfa sobrevivente do século II a.C.? Terá roubada, em 1911. A semelhança dos traços de o pintor, estão curiosamente na génese da esquecimento e abandono. Miguel Ângelo escolheu-o a dedo, preci-
o seu braço esquerdo estendido segurado mesmo uma maçã? As Mona Lisa aos que são recorrentemente asso- evolução cromática que se tem vindo a ob- samente pela sua história de recusa, como um desafio pessoal, para
questões amontoam-se e o mito persiste. Muitos anos mais tarde, ciados à imagem da Virgem Maria conferem servar nestes trabalhos. É que, na verdade, o se tornar a tela em branco de uma das suas obras mais consagradas
depois de todas as especulações se terem dispersado pelas linhas à pintura um carácter solene e quase espiri- amarelo dos girassóis está a mudar. Van Gogh – e que acabou por se transformar numa das mais preponderantes
do tempo, o Museu do Louvre, em Paris, onde a peça atualmente tual, mas há elementos da sua expressão que imaginou uma tonalidade pálida para as suas esculturas de sempre. Durante anos aquele pedaço de pedra negado
se encontra, afirmou que os braços originais – esses que poderiam provocam mais do que admiração – levantam flores preferidas, mais clara e límpida, mas a e defeituoso esperou, até que alguém visse para além do erro, e David
ajudar a revelar a pose e a permitir a interpretação aprofundada dúvidas. As suas sobrancelhas, ou a falta delas, natureza e o passar do tempo estão a contra- aconteceu. O resto, como se costuma dizer, é história. l
do episódio da mitologia onde se insere a insólita Vénus – nunca por exemplo. De facto, não estamos na presen- riar essa visão. A universidade de Antuérpia publicou um estudo
ça do erro artístico do século, Da Vinci terá no qual explica o processo pelo qual a tinta presente nos quadros
pintado sobrancelhas no rosto da Gioconda, tem vindo a oxidar devido à incidência da luz solar. “A Natureza
mas, segundo informação recolhida pelo en- está a escurecê-la”, afirma o doutorado Koen Janssens, líder da in-
genheiro parisiense Pascal Cotte, estas foram vestigação. O tom acastanhado que advém da reação química entre
obliteradas, vítimas de anos de tentativas de a luz e os pigmentos pode ser interpretado como uma corrupção
A TORRE DE PISA REJEITOU O PRÓPRIO restauro e conservação. Apesar das provas em natural da vontade do artista, mas, simultaneamente, deu lugar a
SOLO DE ONDE SE ERGUE, A SUA contrário, certos historiadores insistem até ho- um final muito mais feliz do que esse. Os girassóis estão menos
BASE, O SEU APOIO PREDESTINADO E, je que Leonardo Da Vinci não terá tido tempo pálidos e menos amarelos, sim, mas com essa errática oxidação,
RECUSANDO-SE A CAIR POR TERRA DE para acabar a icónica pintura. A única certeza, conquistaram uma aparência muito mais realista, como se o tempo
UMA SÓ VEZ, PAULATINAMENTE, VAI-SE neste caso, é que sem sobrancelhas, o rosto os tivesse tocado e colorido à sua vontade. English version
APROXIMANDO. LENTAMENTE, RECLINADA
SOBRE A SUA PERPETUIDADE, É COMO
SE DESCANSASSE DE UMA EUFORIA
REBELDE, DE UMA IMPERATIVA REPULSA
DO QUE TEM OU DEVE FAZER.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Surrealist
beauty
Julia Malkova começou a fazer collage há quatro anos. Totalmente por acaso.
Esta forma de arte não é a sua profissão, é apenas o seu hobby. Apesar de,
por esta altura, ter quase 80 mil seguidores na sua conta de Instagram, o
maior museu do universo, Malkova encara o seu trabalho como algo natural.
“Cheguei até este estilo quase imediatamente, porque gosto de coisas
vintage e de tudo o que é incomum.” Não, a artista russa não deu uma longa
entrevista à Vogue sobre os seus desejos e inspirações. “Não falo inglês, uso
um tradutor. Posso não estar a ser muito clara naquilo que lhe estou a dizer.”
E assim o criador apresenta, da forma mais pura, a sua criação.
Porque há mesmo imagens que valem mais que mil palavras. Por Ana Murcho.

English version

Na página ao lado: The Essence Of Everything, 2020.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Healthy Competition, 2020. Na página ao lado: Magic Dreams, 2020.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

The Trust, 2020. Na página ao lado: Stroll, 2020.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Duas imagens da série Who Are We, 2020. Na página ao lado: Inner World, 2020.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Free Spirit, 2020. Na página ao lado: Magic Dreams, 2020.

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LIFESTYLE FILOSOFIA

lém de salvar, ressalva. Ressalva qualquer imperfeição:


estética, de caráter, de lifestyle. Aliás, mais do que res-
salvar, abraça-o, aceita-o, aplaude-o. E, pensando bem,
o erro, aqui, também é salvo. Salvo de ser apagado em
prol de um preconceito de perfeição que não permite
nenhum desvio padrão. Tomemos Lisboa – ou Porto,
não há regionalismos aqui, o que se segue aplica-se a
ambas – como exemplo. Sempre que ouço elogios sobre
as cidades gosto de apontar um detalhe do qual me te-
nho vindo a aperceber ao longo dos anos. O charme de
cada um destes polos citadinos não vem da imponente
arquitetura ou incólume morfologia; vem antes da sua imperfei-
ção, de uma decadência que chega das rugas em fachadas, cantos
rachados, azulejos gastos pelo tempo. Sinais de uma cidade vivida,
que acumulou as experiências dos seus habitantes e que, em vez
de apagar pequenas imperfeições com uma nova demão de tinta,
as assumiu e as tomou como orgânicas. E é ver esses rasgos nas
paredes, calçadas desniveladas, estradas de paralelos inconstantes,
a protagonizar álbuns de férias, feeds de Instagram, memórias que se
guardam com carinho até ser hora de regressar. E é neste enalteci-
mento da imperfeição, quando olhamos para estes detalhes fora de
sítio, sentindo neles concentrada a beleza do enquadramento, que
reside esta ideia de wabi-sabi, um conceito que, tal como a nossa
“saudade”, não tem tradução nem explicação certeira. É algo que
se sente e não se explica.
Mas tentemos, ainda assim, fazer passar esta visão que deveria
virar um mantra dos tempos modernos, se ainda não o é: a imperfei-
ção é o princípio básico do wabi-sabi, a filosofia japonesa que insiste
na aceitação dos defeitos de qualquer vertente da estética – mas
não só – como algo belo, retirando dessa naturalidade imperfeita
o maior prazer possível. Traduzido de forma lata, “wabi” seria algo
como “a beleza elegante de uma simplicidade humilde” e “sabi” seria
“a passagem do tempo e a sua consequente deterioração”, ou seja,
em termos latos, apreciar o que é orgânico, natural, admirar a
passagem do tempo e o seu efeito em tudo o que nos rodeia, bem
como em nós próprios. Combinados, nomeiam um sentido que é
essencial na cultura nipónica e que é muito mais que esta pobre
tentativa de tradução, transparecendo em tantas outras artes ja-
ponesas, da arquitetura à decoração – como aquela do kintsugi, por
exemplo (onde os cacos da cerâmica são colados com uma resina
dourada, enaltecendo as suas falhas ao invés de as esconder) –, e
funcionando como uma forma de aceitação do curso da natureza
e do natural, inclusive naquilo que é fabricado pela mão humana. O
conceito tem origem no Taoísmo, tendo ganho depois a sua maior
ressonância no Budismo Zen, que chegou ao Japão, via China, pelas

Salvo erro
mãos de Eisai, um monge do século XII. O Zen, além de assentar
FOTOGRAFIA: DOWELL / GETTY IMAGES.

em sete princípios estéticos que também norteiam o wabi-sabi – a


simplicidade (Kanso), a assimetria ou irregularidade (Fukinsai), a
beleza do subestimado (Shibumi), o natural sem pretensiosismos
Ele não é salvo. Ele salva. Salva ansiedades e (Shizen), a graciosidade subtil (Yugen), a liberdade (Datsuzoku) e a
inseguranças. Preocupações e perfecionismos. tranquilidade (Seijaku) –, privilegia a austeridade, a comunhão
com a natureza e, acima de tudo, uma reverência pelo quotidia-
O primeiro passo é aceitá-lo, diz a antiga no como o verdadeiro caminho para se atingir conhecimento.
filosofia japonesa do wabi-sabi. Por Sara Andrade. Derivando destas premissas, o wabi-sabi moldou-se, assentando
numa tríade que é perfeita na sua imperfeição: para esta filosofia, a

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LIFESTYLE FILOSOFIA

interpretação do belo implica a sua aceitação enquanto imperfeito, onvém sublinhar que, embora as suas linhas ganhem indu-
impertinente e incompleto, uma aceção que deriva dos três pilares bitável aplicação enquanto filosofia emocional, a corrente
dos ensinamentos Budistas que defendem que a existência deve do wabi-sabi é originalmente ligada à estética, assumida em
abraçar a impermanência (anicca, aceitando que a vida avança com vertentes artísticas japonesas reconhecidas, como o já supracitado
toda a deterioração que esse avanço implica, e que isso é belo), o kintsugi ou kintsukuroi, mas também em artes como a Honkyoku (a
sofrimento (dukkha, aceitando que ele faz parte da vida e da sua música de flauta de bamboo dos errantes monges Zen, que a tocavam
evolução) e a ausência do eu (anatta, aceitando que o eu está em para atingir um estado de sabedoria), o Ikebana (a arte dos arranjos
constante mudança, ligando-o aqui ao conceito da impermanência, florais), o cultivo de bonsais (cujo design procura as irregularidades
mas numa vertente do indivíduo). Para o autor Richard Powell, da natureza em detalhes como o cascalho que o decora e as suas
“wabi-sabi é um estilo de vida que aprecia e aceita a complexidade formas orgânicas e imperfeitas de crescimento), ou os jardins Zen
ao mesmo tempo que valoriza a simplicidade”, tal como escreve (criados nos templos do Budismo Zen em Quioto, durante o período
no seu livro Wabi-Sabi Simple: Create Beauty. Value Imperfection. Live Muromachi, o seu propósito é imitar a essência da natureza numa
Deeply (2004). “Nada permanece, nada está terminado, e nada é ajuda à meditação sobre o verdadeiro significado da existência).
perfeito”, sintetiza. Dissecada, a referência é, na essência, uma Outras práticas do quotidiano primam pelo usufruto do wabi-sabi,
analogia que se inspira no próprio ciclo da natureza para ver beleza como a apreciação das cerejeiras em flor, fazendo piqueniques por
naquilo que é o curso normal de vida, sem correções, sem CTRL-Z baixo dos seus ramos, lentamente despidos das folhas que quase
(não é à toa que se diz que esta vertente nasceu porque, assolado automaticamente começam a cair após florir. É também apreciar o
recorrentemente por desastres naturais, o Japão precisava de envelhecimento de edifícios e da sua pintura, as falhas de um objeto,
encontrar aqui uma conotação positiva na natureza – assim, em a imperfeição de um arranjo floral, encontrando aqui um paralelismo
vez de lhe atribuir apenas características de destruição, a sociedade com a visão que temos de nós próprios e do nosso corpo – até da
nipónica enquadrou-a como uma fonte de beleza). nossa mente. Wabi-sabi é, na verdade, tudo o que a cultura desta era
sta ideia do enaltecimento da imperfeição, ou de ver beleza tecnológica e de produção em massa não é. Numa era de estandardi-
no erro, está também ligada ao seu contrário – o quão zação, em que se procura, incoerentemente o individualismo através
desinteressante pode ser a perfeição. De acordo com o da imitação, copiando o que de mais popular há nas redes sociais e
Taoísmo, uma vez que não existe mais crescimento ou desenvol- falsificando a imagem para aperfeiçoar uma existência considerada
vimento a partir da perfeição, atingi-la é um equivalente à morte. imperfeita, deixamos de aceitar o que é único para passar a fazer
Aquela busca incessante pela perfeição? Não é só impossível, é parte do massificado, gerando uma existência infeliz. Numa altura
também aborrecida. Todas as amolgadelas e arranhões que a vida em que nada parece ser tolerado e em que tudo parece ser julgado
traz são recordações de experiência, e apagá-los, ou corrigi-los, é em praça pública, por um júri sem autoridade – vivemos numa era de
ignorar as complexidades do viver. A antiga arte do wabi-cha, uma cyber-bullying e de culto da aparência, em que existem muito followers
espécie de cerimónia do chá estabelecida pelos mestres Murata mas poucos líderes e ainda menos opinion makers e role models – é altura
Juko e Sen-no Rykuo, no final do século XV e século XVI, é um de perceber, ou pelo menos questionar, porque é que a evolução nos
bom exemplo de wabi-sabi. Assim explicou o Prof. Tanehisa Otabe, trouxe tanta coisa, mas não o suficiente de wabi-sabi.
docente no Institute of Aesthetics, na Universidade de Tóquio, à O que é que aprendemos com este texto (além de uma série de
BBC, detalhando que, ao escolher cerâmica vulgar japonesa, com termos em japonês)? Que os dias de hoje precisam de mergulhar,
cores e texturas mais subtis, em detrimento da, na altura, popular em força, neste conceito, nesta forma de vida. Que ainda por cima é
(e tecnicamente perfeita) porcelana chinesa importada, cujas cores uma filosofia que não requer dinheiro, formação ou nenhum género
vibrantes e ornamentos complexos chamavam a atenção, o duo de competências específicas para ser aplicada ou para dela desfru-
desafiou as normas de beleza da época, colocando em foco linhas tar. Basta uma mudança de mentalidades para passar a apreciar a
que de outro modo seriam ignoradas. Procurar peças rústicas transitoriedade das coisas, para nos despirmos tanto literal como
e imperfeitas, continuou Otabe, significa “deixar alguma coisa metaforicamente e nos sentirmos bem com isso, fazer um slow down
incompleta e inacabada que dá asas à imaginação”, mas acima de e mudar o estado de espírito do “querer” para “ser”, do “apreciar”
tudo permite criar uma consciência em torno das forças naturais em detrimento do “aperfeiçoar”. O intuito do wabi-sabi, mais do que
por detrás da criação de cada peça, aceitar o poder da natureza, identificar imperfeições para nelas ver beleza, é aceitá-las como
e abandonar a crença de que estamos separados do ambiente que perfeitas na sua imperfeição. É, mais do que saber que as temos,
nos rodeia. Li, há uns tempos, uma afirmação de uma escultora ou que as vemos, estar gratas por elas. É andar pela Graça e ver as
que vai precisamente nesse sentido; ela assumia que sempre que TRADUZIDO DE FORMA LATA, “WABI” rugas da cidade à janela e fora dela. Ou pela Ribeira e apreciar que
uma criação sua tinha uma pequena falha, era ali que via a sua SERIA ALGO COMO “A BELEZA as cores outrora vivas daquelas fachadas agora ganharam algum
intervenção humana – enquanto ser capaz de errar, a peça ga- ELEGANTE DE UMA SIMPLICIDADE do cinza que pinta o solo e o céu. É reconhecer vida nas falhas, nas
nhava uma parte de si em todos os “altos não alisados” ou “linhas HUMILDE” E “SABI” SERIA “A fissuras, nas inseguranças. Porque enquanto as tivermos, estamos
irregulares”. “A estética do wabi-sabi abriu-nos os olhos para o PASSAGEM DO TEMPO E A SUA a viver, a experimentar, a usufruir. Como este texto, que poderia
quotidiano e trouxe-nos um método de lidar com o que é comum CONSEQUENTE DETERIORAÇÃO”, OU ser revisto e editado mais algumas vezes, e que ainda assim nunca
SEJA, EM TERMOS LATOS, APRECIAR O
num modo estético incomum”, elaborou o professor na entrevista estará perfeito no meu subconsciente, mesmo depois da sua ida para
QUE É ORGÂNICO, NATURAL, ADMIRAR
já mencionada, sublinhando a importância da aceitação na socie- A PASSAGEM DO TEMPO E O SEU a gráfica e de mil e um acrescentos e alterações. Mas aplique-se já a
dade japonesa, uma importância que deverá – ou deveria – ser EFEITO EM TUDO O QUE NOS RODEIA, teoria aqui na prática e assuma-se que ele tem algum wabi-sabi. Qual-
English version transversal a todas as sociedades. BEM COMO EM NÓS PRÓPRIOS. quer imperfeição que possa detetar é puramente natural. E bela. l

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(Im)perfections
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Mais relevante do que nunca, a filosofia do wabi-sabi devolve-nos, hoje,


aquilo que há muito tínhamos esquecido: nas imperfeições também
é possível encontrar beleza, história e prazer. Uma casa imaculada já
não nos diz nada, agora queremos ter à nossa volta materiais crus,
naturais, peças inacabadas e (im)perfeitas. Como diria Beyoncé
em Pretty Hurts: “Perfection is a disease of a nation.” Por Rui Matos.
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Na página ao lado: à esquerda, em cima do banco, escultura


Labyrinth, 2020, € 3,853.64; em baixo, cadeira Sculpted Chair, 2019,
€ 5,138.30, ambos Simone Bodmer-Turner. 1. Candeeiro Nipon,
€ 576, Dareels, em sal-shop.com. 2. Jarro Balck Round Jug, € 96,
Anna Wesrterlund. 3. Cadeira em madeira suar, € 129, Zara Home.
4. Escultura em cerâmica Big Crème, € 1.382,98, Joseph Skoby,
em 1stdibs.com. 5. Banco em madeira, € 861,30, em 1stdibs.com.
6. Coffee table em madeira asiática, € 5.526,82 , em Chairish.com.
4 7. Jarro, € 2.000, Jacques Blin, em Rubyatelier.com. 8. Conjunto
de taças em madeira e cobre Eclipse, € 281, em Sal-shop.com.

English version

FOTOGRAFIA: NEIGE THEBAULT; D.R.

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Error 404 –
Está delicioso fígado de maus-humores. Um daqueles lugares que Tracemos aqui os limites para a continuação de um erro bastante
“Ao que erra, perdoa-se uma vez, mas não três”, diz o ditado popular, mas nunca aconselhamos a turistas porque já sabemos comum e que, pessoalmente, me faz alguma “espécie”, para usar a
isto dos ditados populares, já se sabe, é só para rimar e fazer sentido uma que se podem cruzar com uma largada de touros e terminologia alentejana. Porque dita muita ingenuidade no palato e a
vez por ano, quando muito. Produtores, cozinheiros e barmans, errem muito, vinho de tasco e depois vão lá para fora dizer que
Portugal é um país de sanguinários e analfabetos
incapacidade de discernir sabores e as suas subsequentes sensações.
O termo “picante” só pode dizer respeito ao piripiri e à sensação
por favor. Está a correr muito bem, há muitos séculos. Por Nuno Miguel Dias. vínicos. Mas como estamos sempre a tempo de que este produz, que vai muito além do palato. Os brasileiros refe-
aprender mais uma coisinha ou outra e, depois, rem-se-lhe como “pimenta”. Não é. A “confusão” vem do facto de
dar a mão à palmatória, cá estou eu a dar conta as malaguetas (variedade picante) serem da espécie capsicum, assim
que, um dia, depois dessa grande festança que é a como os pimentos (variedade doce). A sua relação com aquilo a que
matança do porco, e inebriado como manda o uso chamamos pimenta (ou pimenta-do-reino), das espécies piper, é
e abuso de uma aguardente de medronho mistura- nula. Muito menos terá a ver com o wasabi, o condimento japonês
da com mel, decidi sair da Portela da Teira a pé e, que provém de uma espécie de rábano, muito mais intenso que o
claro, no sentido descendente, que era o possível. já de si intensíssimo horseradish, ou raiz-forte, em português. Para
A estrada serpenteava aquilo que me pareceu definirmos como “picante” aquilo que a pimenta ou o wasabi nos
ser, ao lusco-fusco, uma serra. Que mais tarde produz no palato, teríamos de incluir também o alho e a cebola. A
descobri ser a dos Candeeiros. Havia troços de pimenta dá sabor. Em excesso, acalenta o prato. O wasabi liberta uma
mato, isso posso asseverar. Até que cheguei a espécie de vapores que atuam nas vias nasais. O piripiri, por outro
outra festança. Numas salinas. De Rio Maior, in- lado, abre os sabores de um prato, tornando-o mais apetitoso. Em
dicava a placa. As únicas “interiores” existentes excesso, produz calor corporal, o que alguns consideram agradável e
em Portugal. E as únicas a funcionar em toda a outros não conseguem perceber como é que alguém que está a suar
Europa. A primeira referência à existência deste em bica pode tirar prazer disso. Garanto, podemos. E muito. Sofrer
lugar data de 1177, ainda Portugal era um fedelho. é engolir uma espinha ou engasgarmo-nos com um miolo de pão. O
Com o oceano a cerca de 30km, música popular picante traz sempre alguma alegria que não poderia existir sem ele.
ao vivo e rodeado de gente feliz, foi com maravi- Quando, por exemplo, decidimos consumir o fast food português,
lhamento que comi mais, bebi mais e, claro, com- vulgo frango assado (a receita original é de Goa e chama-se Frango
prei sal. Ou sal-gema, que é o nome técnico para Cafreal, posteriormente adaptada em Moçambique), e na churras-
aquele cloreto de sódio. Bastou-me uma confeção, queira nos perguntam se queremos “com picante”, dá-nos direito a
alguns dias depois, para cometer um erro bas- ficar tão irados como quando perguntam a um alentejano se deseja
tante comum. Nem é amador. Conheço grandes o seu pão fatiado. A substância que torna as malaguetas picantes é
cozinheiros que, de quando em vez, por distração a capsicina, um alcaloide cuja pungência é medida na escala de Sco-
ou lapso assumido, salgam em demasia. O que ville, que vai do zero (pimento, paprika) aos dezasseis mil milhões
eu desconhecia era que a sal-gema é muito mais (capsicina pura). Entre estes podemos encontrar as malaguetas
“salgada” que o sal marinho. Quando o percebi, mexicanas jalapeño (com uns humildes 8.000), a norte-americana
e ciente de que estaria na iminência de estragar carolina reaper (com uns consideráveis 2.000.000) ou a jamaican
um tachalhão de arroz de feijão para acompanhar hot pepper (com uns suportáveis 200.000). Esta é a parte em que
e me é permitido, e é porque este “se me é permitido” é umas pataniscas para dez convivas, recorri à “me- se refere que os responsáveis pela disseminação, pelo mundo, da
o mesmo que “se me dão licença”, que é o mesmo que zinha” de que toda a gente fala: cozer uma batata planta da espécie capsicum foram os portugueses, curiosidade que
dizer que a seguir se entra a matar, começo com uma na mistura. Errada, essa “lenda” de que a batata adquire contornos bem densos quando pensamos que a levámos
consideração linguística. “Tenho uma amiga minha” é absorve o sal de uma cozedura. E, no entanto, da América do Sul para a Índia, onde hoje é um porta-estandarte
aquele pleonasmo horrível que chega a arrepiar. Se se esta informação continua a ser propagada aos da gastronomia daquele subcontinente – e de toda a Ásia. O que
tem uma amiga, claro que é nossa. Logo, o que eu tenho sete ventos, como se de uma cura milagrosa para nos leva ao que considero um grande erro da Escala Scoville: a
é uma amiga, que por sinal também é amiga de outras a incúria se tratasse. Batata, sim, mas também ausência de uma das duas espécies angolanas, o jindungo cahombo
pessoas, mas só porque eu deixo, que tinha uma casa de outros vegetais, se possível cenoura, e, principalmente, mais água.
férias, à qual chamava Babaloo, no lugar mais imprová- E, no entanto, não é garantido. Garantido só o outro erro que me
FOTOGRAFIA: LEW ROBERTSON / GETTY IMAGES.

vel. Ou assim o julgava eu. Portela da Teira. Essa amiga obrigou a dar início a este texto desta forma. Saí daquele Ribatejo de
mudou-me a vida. Que é como quem diz, salvou-me. coração cheio. Conheci lugares do outro mundo e, principalmente,
Por duas vezes. Mas não é por isso que a adoro. É porque é uma gente boa, de braços abertos e peito largo, feito à medida de tudo o
edificação à perseverança, sempre com um sorriso pronto. Mesmo que as grandes almas sempre abarcam. Há ali uma humildade que
quando não pode ou, no mínimo, não deve. É uma daquelas mulheres os deixa preparados para tudo e todos. Era o que eu deveria ter
que levam um homem a escrever sobre elas. Como agora. Mais uma sido. Humilde o suficiente para nunca ter tecido juízos de valor e
razão para eu achar estranho que tivesse escolhido o mais profundo estereótipos que levam ao preconceito. Foi uma estalada de luva
dos Ribatejos para passar fins-de-semana. Mas o defeito é meu, que branca quase tão grande como a barrigada ao almoço no Cantinho
sempre tive uma “coisa” com o Ribatejo. Touradas, latifundiários que da Serra, a escassos dois quilómetros das Salinas, na localidade de
exploravam campinos e, principalmente, o vinho do Cartaxo, que Alto da Serra. Nunca experimentaram? Então façam os quilómetros
me enchia de vergonha alheia por Portugal inteiro e me acometia o que tiverem que fazer!

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(uma malagueta arredondada, com um característico cheiro a cabra tintas, retirando para isso as cascas aquando da primeira pisa. O multiplica a produção de frutos, por forma a inglês voltou de uma temporada na Índia e contratou dois químicos,
(kahombo significa “cabrito” em quimbundo) e o jindungo calequeta, precioso gás só se torna famoso no século XVIII, quando Luís XV garanti-la), mas o seu amadurecimento era de- John Lea e William Perrins, para recriar um tempero de que havia
uma malagueta mais pequena e pontiaguda, mas muito mais picante. permite o transporte do vinho em garrafas, mas mais de metade ficiente. O vinho era muito ácido e com baixo gostado durante a sua viagem. Lea e Perrins não gostaram de uma
Foi essa que um amigo me trouxe de Luanda. Ainda fresca e pronta das mesmas acabava por explodir. Foi o mestre da adega da Madame teor alcoólico. “O vinho verde é um acidente de das primeiras misturas que fizeram e esqueceram-se do frasco
a usar. Sugestionado pelo seu tamanho diminuto, piquei uma no Barbe-Nicole Clicquot Ponsardin, o alemão Anton von Müller que, três séculos, por isso considerado novo, mas numa adega. Anos mais tarde, redescobriram-no e perceberam
refogado de um arroz de marisco para seis pessoas “habituadas” em 1813, criou os pupitres de remuage, onde as garrafas são mantidas que condicionou muita coisa, e algumas delas que a fermentação havia dado todo um novo sabor à substância.
(porque é preciso sermos “educados” para o consumo do picante). com o gargalo para baixo e rodadas a intervalos regulares, por de importância fulcral, como a gastronomia”, E o que dizer da mundialmente popular cerveja, que nasceu na
Impossível. Estávamos à mesa como se de uma aula de spinning se forma a que o gás proveniente da fermentação seja lentamente são palavras da mais alta “entidade” do vinho invulgarmente fértil Mesopotâmia, na Península Arábica, entre
tratasse. Suávamos em bica. Bebíamos como se não tivéssemos libertado, tornando a bebida cristalina, tal como a conhecemos. Em português, o Exmo. Sr. Anselmo Mendes. De os rios Tigre e Eufrates, no atual território do Iraque? Quando ar-
de conduzir a seguir. A primeira medida para “amainar” o efeito relação ao conhaque, diz a lenda que Napoleão terá pedido, exausto, entre todos os vinhos verdes, o destaque óbvio mazenavam cereais em espaços húmidos, os seus grãos iniciaram
daqueles pequenos demónios foi secá-las. Sem hipótese. Ficaram um copo de “eau de vie” a um popular. Este, que pensava só ter um vai para o Alvarinho, ou o “Vinho Branco de uma fermentação espontânea, que resultou na primeira cerveja do
“piores.” A única solução foi encontrada pelo meu pai. Plantou-as no “brandy” estragado, ofereceu-o, para espanto do Imperador. Falso. Monção e Melgaço”, que para além do seu sabor mundo. Quem é que teve a coragem de provar o estranho líquido
quintal. E usou as sementes dessa colheita para plantar mais. E foi Até porque o vinho produzido na região de Charente era, para os característico, diverge dos outros pelo processo pela primeira vez? Não sabemos. Mas estamos-lhe muito gratos.
preciso repetir este processo quatro vezes para que se tornassem cânones franceses, que é malta assaz exigente, de batonnage, termo francês que define a retirada Joe Best, esse velho lobo dos mares, chef de sonho e de “vida
“suportáveis”. Mesmo assim, voltei a errar, desta feita com uma tão mau, de grau alcoólico tão baixo e de tão das “borras finas” dos “pipos” durante a sua errante”, como o definiram numa publicação, muito à pala de per-
massada de peixe. Decidi telefonar a quem me poderia fornecer a fácil deterioração, que os produtores resolviam fermentação. Isto mantém todas as leveduras correr Portugal a cozinhar entre aldeias, vilas e cidades, foi, há cerca
cura para aquele mal-estar generalizado à mesa, posto que beber destilar a maior parte da colheita. O objetivo em suspensão, para que o processo continue de uma década, convidado para um projeto que visava identificar,
chá ou leite, essa mezinha tão popular entre nós, não resultava. O era conseguirem exportar algo de elevadíssimo por forma à chegada ao objetivo final tão carac- produzir e comercializar uma alga de água doce que se alimenta
meu amigo Basílio, que foi proprietário do primeiro restaurante teor alcoólico que o consumidor final pudesse terístico, os aromas onde se sacrificam as frutas absorvendo dióxido de carbono. Visava esse programa reduzir a
goês em Lisboa, no Príncipe Real, riu a bandeiras despregadas consumir acrescentando-lhe água. Mas estas para a aquisição da complexidade dos minerais pegada ecológica de fábricas e refinarias, mas também que a tal
antes de me dizer: “Mastiguem folhas de coentro”. Para grandes intenções caíram por terra e o “brandy de vi- e dos cítricos. Perde-se em doçura, ganha-se em alga entrasse na cadeia alimentar como uma fonte alternativa de
males, alentejano remédio. nho”, destilado em alambiques de cobre, foi volume e outros termos que são muito usados proteína. “Eu estava longe de imaginar que ia falhar em grande. A
armazenado em barricas de carvalho. Foi então por enólogos, mas que não entendemos muito minha incumbência era aplicar a alga na gastronomia, domar o
magine-se que não atravessamos estes difíceis tempos que que se deu a magia. bem. Mas continuamos a provar. Avidamente. sabor da chlorella, que era de um perfume intenso, entre o estranho,
nos assolam e convidamos amigos para comer lá em casa. Na Mas não se pense que nós, portugueses, E há poucas coisas melhores. o maravilhoso verde que transporta e o torcer o nariz assim tal
versão mais descontraída, acordamos por volta das 6h para não temos os nossos enganos que deram cer- qual é, quando atinge o véu do palato”, esclarece. E explica o que
cozer as carnes que salgámos de véspera, só depois o feijão que to. Entre Douro e Minho, ali a começar num a sua autobiografia, Henri Charpen- aconteceu: “Aquele verde deu-me vontade de criar uma falsa stracia-
demolhámos 24h e às 8h já a feijoada ou o cozido de grão empres- monumento de Viana do Castelo denominado tier lembra aquele dia em que, com tella, na qual faria um trocadilho com chlorella. Puxei dos galões, de
tam à cozinha os seus primeiros aromas. À hora do repasto, alguém Fortinho da Vinha, está um daqueles tesouros apenas 14 anos, era um empregado alguma ajuda da ciência da gastronomia molecular, domei os aromas
aparece com um saco de KFC porque “não gosta de feijão.” Como de que nos orgulhamos à grande. Esse Vinho num café de Monte Carlo e preparava uns crepes com zest de limão verde, incorporei açucares techno, texturizei com
não nos cabe ensinar etiqueta e regras básicas de boa educação, Verde que é, afinal, feito de uvas maduras. Mas para a sobremesa do Príncipe de Gales, futuro goma xantana e bati albumina até ao seu estado mais cremoso, um
franzimos o sobrolho, mas prosseguimos. Servimos aquele vinho nos seus primeiros tempos, na verdade, as uvas Rei Eduardo VII de Inglaterra: "Foi por acaso. merengue de veludo. Juntei o chocolate em raspas, provei e pensei
guardado há anos, à espera de uma ocasião especial. Mas alguém não amadureciam. E isso devia-se ao facto de Enquanto eu trabalhava com o prato, os licores ‘Vou deixar tudo louco, que falsa mousse mais vibrante’. Guardei
lhe adiciona Coca-Cola, porque gosta de katembe. É tramado. São as videiras serem uma espécie de trepadeiras pegaram fogo. Pensei que estava arruinado. O no frio, para gelar até à hora de servir as sobremesas. Quando mais
erros que, no entanto, trazem toda a beleza que se encerra na mui selvagens que escalam, às três e quatro cepas, príncipe e os seus amigos estavam à espera. tarde abri a câmara dos doces, quem gelou fui eu. A minha mousse
lusitana expressão “Olha, mais fica”. Não obstante, há uma solução pelas árvores acima, até que os cachos ficam a Não podia começar tudo outra vez. Provei e desaparecera. Tal foi o verde-encanto da chlorella que me esqueci
para os erros dos outros. Chama-se requinte. Quando queremos coberto das copas do arvoredo. A produção era pensei: 'Isto é a mais deliciosa melodia de sa- que aquela aerificação das texturas ia ser toda comida por ela. Criei
brindar os convivas com toda a classe que achamos que merecem, invejável (a esmagadora maioria das plantas, na bores doces que eu já provei'". Nascia o crepe então a mousse autofágica.” Vida errante, diz ele. Mas é muito mais.
há foie gras, lavagante suado, e caviar. Está, à partida, instituído o iminência de poder não deixar descendência, Suzette. Os pratos que foram criados a partir Até porque eu já provei. l
respeito pelo repasto. O epítome do refinamento é quando o POP de um engano davam uma Bíblia da Beleza do Erro. Não há espaço
da garrafa de brut ecoa pela casa. O champanhe é, e será sempre, para tanto. Mas podemos dar uma garantia: são todos incríveis. Em
uma instituição. A sua origem, assaz acidental, tal como a do co- 1904, durante a Feira Mundial de St. Louis, um vendedor de gelados
nhaque, faz pensar que os franceses são dados a estes pequenos chamado Arnold Fornachou estava a vender tantas unidades que
erros que, afinal, acabam sempre em bem. O que poderia ser um ficou sem copos. Ernest Hamwi, um doceiro que estava a poucos
mero espumante é muito mais do que isso, porque é produzido na metros, veio em seu auxílio. Enrolou a massa dos seus waffles,
região vitivinícola de Champagne, uma das menores de França, criando assim um “cone” com a particularidade de poder também
com apenas 33 mil hectares divididos por 15 mil proprietários que ser comido. As chips de batatas fritas nasceram do acidente mais
estão proibidos de empregar máquinas, pelo que o processo, da O PIRIPIRI ABRE OS SABORES DE desagradável, que é aquele cliente muito chato que aparece sempre
vindima à pisa, é totalmente manual. A sua história está repleta de UM PRATO, TORNANDO-O MAIS na pior hora do serviço. Queixando-se da grossura das french fries
pequenas imperfeições. APETITOSO. EM EXCESSO, PRODUZ do estabelecimento, o chef nova-iorquino George Crum resolveu
CALOR CORPORAL, O QUE ALGUNS
Só no século XIII, pelas mãos dos monges beneditinos, é que as cortar as batatas numa fiambreira, com uma espessura tão fina
CONSIDERAM AGRADÁVEL E OUTROS
caves começaram a ser usadas para envelhecer o licor dos deuses. NÃO CONSEGUEM PERCEBER COMO que se tornaram quase translúcidas. O sucesso dura até hoje. E
Em 1668, na abadia de Hautvillers, Dom Pérignon começou a aplicar É QUE ALGUÉM QUE ESTÁ A SUAR EM os quilos a mais são muito difíceis de perder. Quem cozinha não
a técnica de assemblage, ou seja, a mistura de diferentes tipos de BICA PODE TIRAR PRAZER DISSO. pode passar sem o molho inglês, a denominação mais comum
vinho, produzindo, inclusivamente, vinho branco a partir de uvas GARANTO, PODEMOS. E MUITO. para o famoso Worcestershire Sauce. Este nasceu quando um nobre English version

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LIFESTYLE COMPORTAMENTO

Cara lavada
De rugas. De manchas, de papos, de
olheiras. Mas também de linhas e de
feições (ir)reconhecíveis. Com a quantidade
de aplicações para aperfeiçoar o rosto e o
corpo para uma imagem de social media
que parece sempre perfeita, será que
perdemos a nossa individualidade?
Por Sara Andrade. Artwork de João Oliveira.

era perfeita, era natural. E, na sua imperfeição, muito mais atraente.


E longe, muito longe do seu avatar Instagramado. I woke up like this?
A verdade é que nem ela tinha adormecido assim.
Num mundo onde se estima que cada pessoa tire, em média, mais
de 25 mil selfies ao longo da vida, não é de estranhar que a emergência
de apps como o Facetune tenha estandardizado algum ideal de beleza
– ou pelo menos, algum ideal de aperfeiçoamento. Em 2017, esta apli-
cação que limpa as alegadas “imperfeições” e até emagrece, aumenta
copas, alonga, afina, foi a app paga mais rentável da Apple Store e,
em 2018, cerca de 20 milhões de utilizadores tinham-na à distância
de um tap no smartphone. Promovido pela facilidade de agora ter um
photoshop-para-totós a baixo custo numa ferramenta que parece uma
á uns tempos, fui almoçar com uma amiga que não via extensão da mão (vulgo, telemóvel) e apoiado por influencers em todos
há quase um ano. Habituada a vê-la em selfies e stories de os pontos do globo – nomeadamente as Kardashians, que estavam no
Instagram com uma tez imaculada, na minha mente, a auge precisamente na mesma altura em que surgiu a app –, passou a
sua imagem foi dando lugar a essa versão afinada do ser fácil ter os olhos maiores, os lábios mais cheios, definir a jawline
seu rosto e corpo até ser tudo o que eu conhecia desta e aumentar o cheekbone, ao mesmo tempo que se diminuem cinturas
pessoa. Para mim, agora, a Gertrudes (nome fictício) e se alongam pernas, qual personagem de Manga trazida para os
era exatamente, na vida real, igual àquela persona com feeds de todo o mundo. De repente, podemos ser a nossa versão
um @ a preceder o handle de IG. E, no dia anterior ao mais perfeita – só que a nossa versão mais perfeita não somos nós,
nosso almoço, lá estava ela com os seus 15 segundos de antes uma ideia de perfeição visual que a sociedade nos ensinou a
#ootd: o look irrepreensível a tocar a descontração, mas ter, sublinhada por todas as personalidades que seguimos e que a
com sofisticação, aquele facelift pseudonatural, a silhueta perpetuam. De repente, a nossa persona nas imagens é diferente da
que parecia obedecer a todos os reptos da nutrição. Mas, quando
me encontrei com ela para o tal date das ladies who lunch, percebi que
ela tinha envelhecido uma década em 24 horas. Continuava linda,
continuava a miúda cool que me lembrava, fit e saudável, mas era
uma pessoa diferente: tinha rugas – aquelas da vida, que respiram
sabedoria – em vez da pele alisada como num photoshop exagerado,
e tinha também uma cara mais bonita e especial (mais larga, quase
retangular, como aquelas pessoas que encontramos com uma beleza
rara e que distinguimos de todas as outras no meio da multidão). Não English version

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LIFESTYLE COMPORTAMENTO

Há uma terceira capa. Oculta.


Faça o download.
Aponte o smartphone.
Descubra a magia
do espelho e, ao mesmo tempo que lidamos com um aumento de
confiança (pontual e vazia, sempre em busca de uma nova adrenalina
de likes, que será sempre incapaz de atingir um ponto de satisfação
plena), lidamos com as expectativas de corresponder na realidade, e
em sociedade, ao nosso eu digital. Isso gera uma série de ansiedades
e de síndromes relacionados com a aceitação do corpo, sobejamente
conhecidos e falados, como a síndrome de distrofia corporal, achando
que nunca estamos à altura dos (supostos) ideais de silhueta. Não
aceitamos os (supostos) “erros” do nosso corpo, porque tê-los é
uma espécie de handicap para o sucesso pessoal. Só que os “erros”
do corpo são fabricados pela mente, não são imperfeições, são
inseguranças; a perfeição é um conceito não universal – o que é no reino da anulação própria para atingir ideais de beleza que lhe
perfeito para mim pode não ser para a Gertrudes, e não é, eu achei-a foram incutidos, está aberta a discussão sobre a forma como lida
mais interessante ao vivo, ela ainda acha que tem de mascarar essa com isso: mexe consigo? Domina o seu estilo de vida? Determina
naturalidade –, por isso, tentar atingir esses padrões é irreal, uma o seu comportamento, o mood para o seu dia? Se é uma ferramenta
vez que a perfeição não é consensual. como outra qualquer no seu ecrã, usá-la é apenas mais uma extensão
Isso quer dizer que não se deve usar essas apps? Não. Como em da sua liberdade de entretenimento.
tudo na vida, a moderação é a palavra de ordem. Se a fizer sentir
melhor limpar aquele acne que teima em não sair, apesar de já ter as talvez em vez de mexer em apps que alegadamente
tentado todos os tratamentos, não há problema – afinal, também aperfeiçoam, habituando-a a ver-se numa versão sempre
vamos ao dermatologista tratar disso. Tirar aquelas olheiras? Seja imaculada, o melhor seja abraçar as rídulas e os sorri-
através do Photowonder ou Airbrush, é quase o mesmo que um concealer sos, as love handles e perceber que as reações dos followers vão ser
digital. Afinal, até nas revistas de Moda se melhoram sombras em ainda maiores – e mais honestas. Mudar as mentalidades é impe-
pós-produção. Na falta de uma melhor luz, mexe-se na barra dos rativo para que as apps de facetuning sejam apenas um recurso para
highlights da app. Melhorar o ar como quem coloca um blush para melhorar uma foto no todo, e não para se tornar naquilo que acha
dar saúde pode ser um boost de autoestima. E se usar uma app para ser a sua melhor “versão.” A sua melhor versão é aquela pela qual
exagerar de tal modo, tocando a distorção, assumindo-a, como forma trabalha e luta na vida real. O que não quer dizer que este género
de diversão e linha estética de feed, não para passar uma imagem de “brinquedos” deva ser ostracizado. Se sentir que é fácil cair na
“melhorada” sua, então ela cumpre o seu papel: entreter, ajudar, tentação do exagero, pode sempre ir pela via old school do “facetuning”:
servir de ferramenta, como um contouring bem feito. Quando entra o analógico. Se preferir, comece por usar apps de filtros que se
aproximam dos analógicos. Na altura da película, o grão retirava o
HD que hoje parece colocar em lupa todas as nossas inseguranças
e o resultado final old school é sempre um favorito das redes. “Câma-
ras” como a Retrica ou a Huji jogam com a luz e a sombra e as cores
para um filtro que é tão natural como a época que emula, como se
aquelas olheiras não existissem nos anos 80 e 90. Esta é sempre
uma boa opção para um feed que imortaliza memórias em vez de
perpetuar inseguranças. O facetune será sempre válido, desde que
usado com moderação e não criando problemas paralelos ligados à
psique. Não existe nenhum problema em querer colocar um pouco
de maquilhagem digital após uma noite mal dormida com a ajuda
de um filtro. Eu também o faço. Mas se nos pudéssemos aceitar tal
e qual como somos, “erros” e tudo, isso sim seria perfeito. l

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1 0 6 vogue.pt
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BELEZA TRATAMENTO

os últimos meses o cenário pré-saí-


da de casa consiste numa inspeção
minuciosa de bolsos e carteira para
nos certificarmos de que não faltam
as chaves de casa, o gel desinfetante
e a máscara. E estava tudo sob con-
trolo, no que concerne ao estado
da nossa pele, enquanto as saídas
de casa se limitavam a pequenas
idas ao supermercado e eventos
semelhantes, até porque podíamos
passar mais tempo com outro tipo de facemasks
(saudades do glow do confinamento). A verdade
é que esta nova normalidade veio para ficar não
se sabe bem até quando, e que o nosso regresso
às rotinas que antes tínhamos deve ser feito com
cuidados em forma de máscaras de proteção.
“Dada a situação atual, torna-se imperativa a uti-
lização da máscara. Esta utilização prolongada,
unida ao stress, tem efeitos colaterais, podendo
agravar patologias pré-existentes como a acne, a
rosácea, o eczema de contacto, a dermatite atópi-
ca e outra série de patologias cutâneas”, explica
Judite Pereira, dermatologista na CUF Belém.
Mas quando o problema começou a bater à porta de quem não o estado das cicatrizes: “As pessoas com certo grau de ansiedade
tinha uma pele problemática nos tempos a.C. (leia-se antes da CO- e nervosismo têm uma maior tendência a mexer e a espremer as
VID-19), começaram a ligar-se os pontos e tudo apontava para que borbulhas, produzindo uma maior irritação e aumentando o risco

FOTOGRAFIA: GEORGE MARKS / GETTY IMAGES; D.R.


a máscara pudesse estar a causar problemas de pele. E está claro do aparecimento de cicatrizes de acne”.
que não tardou a haver nome para o problema – e assim nasceu o Judite adverte que, nesta altura, devemos adquirir algumas rotinas
mascne. Este aparecimento de borbulhas na área que está em contacto de cuidados que tenham como missão principal limpar, hidratar
com a máscara (a meia-face, o nariz e o queixo) é produzido pelo e fortalecer a barreira cutânea e evitar tratamentos e ativos mais
atrito e fricção da própria máscara e pela oclusão do ar exalado agressivos como os esfoliantes químicos e o retinol, por exemplo.
ao falar e respirar, que cria um aumento do calor e da humidade Mas a primeira fase de cuidados deve começar mesmo com a máscara:
e, consequentemente, da oleosidade. “O ambiente húmido, o calor “Em primeiro lugar, é fundamental ter atenção ao tempo de utiliza-
e as bactérias que exalamos formam um microclima que altera o ção da máscara, que não deve exceder o indicado pelo fornecedor,
equilíbrio da nossa flora cutânea e da camada protetora da pele e é e retirar a máscara de forma regular é o ideal. É essencial antes do
este desequilíbrio que vai originar este acne que é friccional mas que uso da máscara e ao fim do dia, limpar e hidratar. Pelo menos duas
soma também outras causas”, conta a dermatologista, que acrescenta vezes ao dia o rosto deve ser limpo de forma suave e com produtos
ainda que o stress também possa provocar crises de acne e piorar adequados a cada tipo de pele, adaptados às imperfeições cutâneas,
neste caso a acne, que sejam bem tolerados e que protejam a barreira

Behind the mask…


cutânea – mas que também sejam eficazes nas borbulhas”. Com a
limpeza da pele em mente, devemos evitar ingredientes adstringentes,
procurar soluções neutras (ou seja, com pH entre 4,5 e 5,5, que é o
nível normal de uma pele saudável), e fugir de parabenos e fragrân-
cias. Na maquilhagem, fórmulas oil free e não comedogénicas (que
não bloqueiam os poros). “As águas micelares são ótimas soluções
…Está o mascne. O novo normal trouxe ansiedade, incerteza e porque limpam, desmaquilham e respeitam o filme hidrolipídico da
deixou-nos os níveis de stress nos píncaros. O novo normal também pele, que é o que nos dá proteção e não são deslipidantes”, explica a
especialista. “Existem também produtos com água termal, que são
trouxe máscaras. E as máscaras trouxeram acne. Diz-se que águas hipotónicas com efeitos benéficos para a pele e que dão uma
uma desgraça nunca vem só, não é? Por Ana Saldanha.Artwork de Mariana Matos. certa sensação de conforto”.

vogue.pt 1 1 1
BELEZA TRATAMENTO COMUNICADO

Ingredientes a ter em conta são a gluconolactona, que tem uma ação


anti-inflamatória e, como explica Judite, “a molécula da moda – e

Resveratrol—Lift
que eu acho que é ótima – que é a niacinamida (ou vitamina B3),
que tem várias ações”. A niacinamida pode ser uma aliada de peso
pelo seu efeito antioxidante, anti-inflamatório e seborregulador – a

reinventa o N°1 do
gama Sebiaclear da SVR, por exemplo, tem ambos os ingredientes
nas suas formulações. A centelha asiática – presente, por exemplo
na gama Cicapair da Dr.Jart+ – também possui efeitos calmantes,
regeneradores e antivermelhidão que podem dar muito jeito no
combate ao mascne. Para fortalecer a barreira cutânea e hidratar antienvelhecimento
em França
a pele em profundidade, procure hidratantes com ceramidas, que (1)
são proteínas lipídicas compostas por colesterol e ácidos gordos
uanto à hidratação, podemos procurar produtos com mul- que fazem naturalmente parte da barreira cutânea da pele, ácido
tiações que tenham efeitos calmantes, anti-inflamatórios hialurónico, que está presente na derme e epiderme e tem um con- O melhor colagénio? É o seu. Reforce-o.
e hidratantes, para apaziguar a irritação, seborregula- tributo essencial para a reparação de tecidos, produção de colagénio
dores e matificantes, para controlar a produção de sebo da pele, e e elastina. A própria máscara e o material de que é feita também tem Pioneira do Resveratrol, uma das moléculas mais
com uma ação antipoluição e antiexpossoma, que produzem uma a sua parte de culpa no aparecimento do mascne. Por exemplo, as eficazes e naturais contra as rugas, Caudalie
camada semelhante a uma segunda pele e que por isso impedem a máscaras cirúrgicas causam mais fricção que as máscaras têxteis,
associou-se à Harvard Medical School para criar Um creme caxemira refirmante e antirrugas, altamente
fixação de partículas na superfície da pele. É ainda importante que que se apresentam como uma alternativa mais sustentável – amiga da
uma patente de nova geração: Resveratrol + Ácido natural e « clean »
sejam produtos hipoalergénicos, formulados para peles sensíveis. pele e do ambiente. Judite Pereira esclarece: “Neste caso, a máscara
A dermatologista acrescenta ainda: “Não devemos esquecer, den- deve ser 100% algodão, não tingida (dado que algumas tintas também
Hialurónico + Potenciador de Colagénio Vegan. De
tro da nossa rotina diária de cuidados, a fotoproteção e nesta fase podem causar irritação na pele) e deve ser lavada com frequência, origem vegan e não animal, esta patente multiplica
devemos evitar cremes antienvelhecimento com retinol, vitamina com detergentes sem hipoalergénicos e sem perfume”. Em situação por 5 a produção natural de colagénio da pele, e por
C, alfa hidroxiácidos e esfoliantes que possam alterar a barreira de crises de acne mais severas, o uso de produtos adequados não 2 a de ácido hialurónico.(2)
cutânea – mas se for uma pele tolerante podem aplicar-se à noite, dispensa a consulta a um dermatologista para, caso seja necessário, Resultado? A pele fica mais firme, mais preenchida,
em dias alternados. No caso da pele oleosa com tendência acneica se aliarem os cuidados de skincare a medicação para tratamento do visivelmente mais jovem.
devemos ter em conta a concentração de ingredientes como o acne ativo e das cicatrizes e hiperpigmentação pós-inflamatória
peróxido de benzoílo. Esta substância, apesar de tratar o acne, é através de tratamentos como dermoabrasão e peeling químico. ●
Aumenta a produção Aumenta a produção
irritante, dependendo da sua concentração.” Para complementar os
natural de colagénio natural de ácido
cuidados de prevenção e tratamento do mascne podemos dar uso
ao único tipo de máscaras que nos deixa felizes, as facemasks. E não 5x(2) hialurónico 2x(2)
há melhor altura para experimentar – se ainda não o fez – a técnica

5x 2x
multimasking, em que se usam diferentes máscaras em diferentes 2,5
6
zonas do rosto, dependendo dos problemas que queremos tratar.
5 2
Neste caso, podemos usar uma máscara purificante de argila ou tea
tree na meia face e uma máscara hidratante nas outras zonas do rosto. English version 4
1,5
3
1
2
0,5
1

0 0
Célula grupo controlo Nova patente Célula grupo controlo Nova patente

95%
(3)
Pele refirmada
1. Gel de limpeza purificante com zinco, cobre e extrato probiótico
Normaderm Phytosolution, 200 ml, € 11,25, Vichy. 2. Água Termal
apaziguante e suavizante, 150 ml, € 8,77 La Roche-Posay.
3. Creme hidratante e matificante com fotoproteção fator 50,
Sebiaclear, € 15,90, SVR. 4. Gel Espuma de Limpeza com ceramidas,
ácido hialurónico e niacinamida, € 10,80, CeraVe. 5. Creme
suavizante, hidratante e nutritivo Cleanance Hydra, € 14,78, Avène.
6. Água micelar de limpeza purificante, indicada para pele
1 2 3 4 5 6 oleosa, mista e acneica Sébium H2O, € 24,18, Bioderma. EM FARMÁCIAS, PARAFARMÁCIAS E EM CAUDALIE.COM Fórmula bem cotada nas aplicações de scan de produtos(4)
IQVIA – PharmaOne – mercado dos cuidados antienvelhecimento rosto e olhos em farmácia em França - MAT Março 2020 - em valor.
(1) (2)
Teste genético in vitro. (3)
Estudo clínico, %
de satisfação, 42 mulheres, 56 dias. (4)Julho 2020.
BELEZA MAQUILHAGEM BELEZA MAQUILHAGEM

Stranger Things
Coisas mais estranhas já aconteceram do que a obsessão pela beleza
perfeita e as cirurgias plásticas. Num misto de Hollywood meets
Alfred Hitchcock, os pormenores bizarros de um vício que tanto
nos fascina como nos repulsa – aquele da busca do ideal de beleza
a qualquer custo – refletem-se através de um jogo de luzes,
cores e uma maquilhagem que tem tanto de perfeita como
de imperfeita. Já ousou olhar-se ao espelho, hoje?
Direção criativa de Marie DaImasso. Fotografia de Hilde Van Mas. Styling de Laurent Dombrowicz.

Kristin: camisa em organza de seda, FENDI. Base Soft Matte Complete, no tom Yukon, € 37,
e pó solto Soft Velvet, no tom Flesh, € 38, ambos NARS. Lápis de sobrancelhas Perfectly
Defined Long-Wear, no tom Gray, € 22,95, gel de sobrancelhas Waterproof Brow Shaper,
€ 24,50, e máscara de pestanas Smokey Eye, no tom Black, € 28.95, tudo BOBBI BROWN.
Batom Fetish of Fashion, no tom The Other Woman, € 80,44, MISS FAME BEAUTY.

FOTOGRAFIA: D.R.

English version

vogue.pt 1 1 5
BELEZA MAQUILHAGEM

Kristin: casaco em lã, AZZARO. Headpiece em tule de seda, SANDRINE BOURG. Base Touche Éclat
All-In-One Glow, no tom Porcelain Fair, € 38,45, lápis de sobrancelhas Dessin Des Sourcils, no tom Ash,
€ 24,95, lápis de olhos Dessin du Regard, € 26,30, máscara de pestanas The Shock, no tom Asphalt
Black, € 31,95 e paleta de sombras Couture Palette, no tom Tuxedo, € 52,45, tudo YVES SAINT
LAURENT. Na página ao lado, Kristin: soutien em cetim de seda e camisa em organza de seda,
ambos FENDI. Base Soft Matte Complete, no tom Yukon, € 37 e pó solto Soft Velvet, no tom Flesh,
€ 38, ambos NARS. Lápis de sobrancelhas Perfectly Defined Long-Wear, no tom Gray, € 22,95,
gel de sobrancelhas Waterproof Brow Shaper, € 24,50, e máscara de pestanas Smokey Eye,
no tom Black, € 28.95, tudo BOBBI BROWN. Batom Fetish of Fashion, no tom The Other Woman,
€ 80,44, MISS FAME BEAUTY. Verniz de unhas, no tom Big Apple Red, € 14,45, O.P.I..

1 1 6 vogue.pt vogue.pt 1 1 7
BELEZA MAQUILHAGEM

Kristin: vestido em crepe de seda com pérolas e missangas aplicadas, LANVIN. Luvas em
FOTOGRAFIA: D.R.

tule de seda, AGNELLE. Base Traceless Soft Matte, no tom Pearl, € 74,95, pó translúcido
no tom Alabaster Nude, € 70,45, lápis de sobrancelhas Brow Perfecting Pencil, no tom Espresso,
€ 36,45, lápis de olhos Emotionproof, no tom Dominateur, € 36,45, máscara de pestanas Extreme,
no tom Raven, € 42,95, batom Lip Color Matte, no tom Black Dahlia, € 47,37, e eyeliner
em caneta (usado nos lábios) Eye Defining Pen, no tom Deeper, € 52,45, tudo TOM FORD.

1 1 8 vogue.pt
BELEZA MAQUILHAGEM

Kim: casaco em veludo, DRIES VAN NOTEN. Pulseiras em ouro amarelo e cristais, JEAN
SCHLUMBERGER FOR TIFFANY & CO.. Base Dior Backstage, no tom Cool Rosy, € 41,90, pó solto Dior
Forever da coleção Golden Nights, paleta de sombras 3 Couleurs Tri(O)blique, no tom Smoky Canvas,
€ 49,95, eyeliner Diorshow 24H Stylo, no tom Matte Black, € 28,90, máscara de pestanas Diorshow
Pump'n'Volume HD, no tom Black Pump, € 37,90, batom Lip Tattoo da coleção Wild Earth, € 34,50,
e verniz de unhas no tom Massaï, € 27,95, tudo DIOR. Na página ao lado, Kristin: vestido em seda,
OLIVIER THEYSKENS. Corretor líquido Magic Away Concealer, no tom Fair, €30, lápis de olhos
Walk of No Shame, € 25, máscara de pestanas Full Fat Lashes, no tom Glossy Black, € 29, lápis de
sobrancelhas Brow Lift, no tom Perfect Brow, €30, batom Matte Revolution, no tom Scarlett Spell,
€32, e gloss Latex Love, no tom Video Vixen, € 26,42, tudo CHARLOTTE TILBURY.
FOTOGRAFIA: D.R.

1 2 0 vogue.pt
Kristin: colar Minerva em prata, BETONY VERNON. Base Soft Matte Complete, no tom Yukon,
€ 37, pó solto Soft Velvet, no tom Flesh, € 38, ambos NARS. Gloss Shimmer Gel Gloss, no tom
Toki Nude, € 26,95 SHISEIDO. Coleção de batons Stunna Boss Nudes, € 42,30, e eyeliner líquido
Flyliner, no tom Cuz I'm Black, € 21,90, ambos FENTY BEAUTY. Na página ao lado, Kristin: vestido
em cetim de seda, ALAÏA. Bandolete em cetim de seda, BENOIT MISSOLIN. Colar Josephine em
ouro branco com diamantes e rubis, CHAUMET. Base Soft Matte Complete, no tom Yukon, € 37,
pó solto Soft Velvet, no tom Flesh, € 38, ambos NARS. Gloss Shimmer Gel Gloss, no tom Toki Nude,
€ 26,95, SHISEIDO. Coleção de batons Stunna Boss Nudes, € 42,30, e eyeliner líquido Flyliner,
no tom Cuz I'm Black, € 21,90, ambos FENTY BEAUTY.

1 2 2 vogue.pt vogue.pt 1 2 3
BELEZA MAQUILHAGEM BELEZA MAQUILHAGEM

Kim: vestido em seda, ROCHAS. Base Dior Backstage, no tom Cool Rosy, € 41,90, pó solto
Dior Forever da coleção Golden Nights, paleta de sombras 3 Couleurs Tri(O)blique, no tom
Smoky Canvas, € 49,95, eyeliner Diorshow 24H Stylo, no tom Matte Black, € 28,90, máscara
de pestanas Diorshow Pump'n'Volume HD, no tom Black Pump, € 37,90, batom Lip Tattoo
da coleção Wild Earth, € 34,50 e verniz de unhas no tom Massaï, € 27,95, tudo DIOR.
Na página ao lado, Kristin: colar Minerva em prata, BETONY VERNON. Base Soft Matte Complete,
no tom Yukon, € 37, e pó solto Soft Velvet, no tom Flesh, € 38, ambos NARS. Gloss Shimmer
Gel Gloss, no tom Toki Nude, € 26,95, SHISEIDO. Coleção de batons Stunna Boss Nudes, € 42,30,
e eyeliner líquido Flyliner, no tom Cuz I'm Black, € 21,90, ambos FENTY BEAUTY.
FOTOGRAFIA: D.R.

Modelos: Kristin Drab @ IMG e Kim Peers @ Hakim Model Management.


Cabelos: Martyn Foss Calder @ Airport. Maquilhagem: Topolino @ Calliste. Manicure: Clara Benali.
Produção: Eva Poncet. Set Design: Marie Dalmasso. Retouch: Stephanie Winger.
Projeções e assistente de fotografia: Matthias Heschl. Assistente de styling: Timothe Grand Chavin.
Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal. Fashion film

1 2 4 vogue.pt
BELEZA PERFUME

A minha voz,
a minha força
Lady Gaga rima com liberdade, caráter, autenticidade.
Ícone de uma geração (ou seria mais correto escrever
“de várias”?), a artista assume agora o papel de
embaixadora de uma nova fragrância. Justificação
perfeita para falar com a Vogue sobre beleza, tempos
incertos, e esse conceito que há muito tenta promover:
o de “maravilhosa imperfeição.” Por Mathilde Misciagna.

como Lady Gaga amam, e muito, o mundo.


universo da perfumaria não era totalmente desconhecido É por isso que é importante que as suas vo-
para Lady Gaga. A cantora, compositora e atriz lançou zes sejam ouvidas bem alto. “A minha voz
o seu próprio perfume, Fame, há oito anos. Mas é como é aprendizagem, é ouvir, é expressar e por
rosto da fragrância Voce Viva, e da campanha pró-igual- vezes mudar. A minha voz pertence-me”,
dade que a acompanha, criação da casa de moda italiana acrescenta a cantora. Muitas vozes têm o
Valentino, que Gaga agora surge no exclusivo mundo da poder de impactar positivamente mas, nos
haute parfumerie. Os perfumes significam coisas diferen- tempos que correm, até as vozes menos
tes para pessoas diferentes. Alguns evocam emoções auspiciosas conseguem ser impactantes.
associadas ao nosso passado, outros carregam valor É por isso que o discurso de ódio é tão
sentimental, outros transportam-nos para lugares onde negativamente poderoso, e é por isso que
já estivemos. A artista não foge à regra: “O perfume de temos de preencher esse “espaço negativo”
um molho acabado de fazer, almôndegas e linguiça de porco. Quando com um discurso de esperança. Uma Voce
era pequena. Todos os domingos às duas da tarde, depois da igreja. Viva é uma voz que existe sozinha, é uma
Toda a família à mesa. As minhas memórias mais felizes com o força da natureza. Para Lady Gaga, procu-
mesmo cheiro todos os domingos”, recorda nostálgica Lady Gaga. rar a nossa voz é uma busca constante, que
A mensagem de Voce Viva é poderosa e forte. Convida as pessoas não tem fim. Aprendemos quem queremos ser ao mesmo tempo
a usarem a sua voz e a partilharem com o mundo os seus valores, que também desaprendemos coisas nas quais já não acreditamos. A
as suas diversidades e as suas crenças. “Acredito que descobrimos nossa voz vai e vem, garante a artista: “Diria a quem está à procura
a nossa voz quando nos descobrimos a nós mesmos”, observa Gaga da sua voz para a cultivar exatamente como deseja. Saiba que esta
em conversa com a Vogue. “Na verdade, foram as vozes de toda a pode ser forte e que lhe pertence.”
minha família que me inspiraram na minha vida pessoal e na minha Em 2020, quando vivemos tempos de incerteza, desafiantes, que
carreira. A atitude trabalhadora, de quem não desiste. A voz da mi- nos fazem temer pelo futuro, a ligação entre beleza e saúde mental
nha família sou eu.” Com a Valentino, a cantora tem em comum mais nunca foi tão óbvia. Na opinião da cantora, a beleza é um processo
FOTOGRAFIA: D.R.

do que as suas origens italianas – nascida Stefani Joanne Angelina pelo qual todos passamos, e engloba a forma como nos vemos. E
Germanotta, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, tanto a sua mãe isso pode ser complicado. Contudo, o desafio de nos amarmos é
como o seu pai têm ascendência italiana. Ambos defendem que ter a coisa mais bonita de todas. Lady Gaga confessa que se sente no
uma voz forte é essencial para amar o mundo. E tanto a Valentino auge da sua beleza logo depois de meditar. Isso relembra-lhe que a

vogue.pt 1 2 7
BELEZA PERFUME

beleza é um estado de espírito impossível de definir, porque vem no que toca ao seu esforço para ajudar a
de dentro. Ainda que trabalhar em nós mesmos a partir de dentro humanidade a aprender a importância de
seja crucial, a cara de Voce Viva também assume o poder da trans- cuidarmos de nós mesmos. Bondade, que
formação visual enquanto catalisador do modo como nos sentimos é um direito humano e algo a que todas as
por dentro... e por fora: “Acredito em rotinas de self-care como a pessoas, de todas as proveniências, deve-
melhor dica de beleza de todas. Se te preocupas com a tua mente, riam ter “acesso”, especialmente aquelas
corpo, pele, coração e cura, a tua abordagem ao conceito de beleza cujas circunstâncias de vida se revelam mais
é holística. Para mim, usar maquilhagem, assim como um perfume, difíceis. A música 911, pertencente ao seu
para transformar a forma como me sinto num determinado mo- mais recente álbum, Chromatica, lançado
mento também é importante.” Em 2019, estudos da Universidade em maio, contempla uma das letras mais
de Glasgow realizados em parceria com a empresa My Confidence pessoais que já escreveu – é um grito e uma
Matters concluíram que 79% das mulheres têm falta de confiança no celebração da aceitação de que “os desafios
seu trabalho, bem como noutras áreas da sua vida. “Eu tenho de dar mentais” fazem parte de si. Este álbum pre-
confiança a mim mesma para ser real”, atesta Gaga. “Estou sempre tende transmitir a mensagem de que a vida
a construir a minha confiança. Concentro-me nas competências que por vezes é dura, mas que mesmo assim
tenho e trabalho a partir delas. É como construir uma casa sem fim podemos “dance through it”; ter a coragem
à vista. E tento lembrar-me de que estas competências podem ser de lutar contra a dor e aproveitar cada dia
coisas simples.” Sempre que, ao longo da sua carreira, alguém lhe o melhor que conseguirmos.
disse que não era boa o suficiente, nunca deixou que isso tomasse
conta dela. Prometeu que sempre que ouvisse um “não”, esse “não” ara a campanha do perfume Voce
motivá-la-ia a trabalhar mais. Assim, a coisa mais ousada que fez Viva, que tem como lema a ex-
foi acreditar em si mesma. pressão “my voice, my strength” (em
Face à crise de saúde mental que presenciamos em todo o mundo, português, “a minha voz, a minha força”),
e tendo em conta a sua própria realidade e luta diária, a cantora o cineasta americano Harmony Korine fez
de Shallow fundou a Born This Way Foundation com o objetivo de uma curta metragem acompanhada de uma
incentivar uma mudança positiva e focar-se numa “agenda of kind- canção do novo álbum de Gaga chamada
ness”, como a própria explica. Ou não fosse essa a sua motivação e Sine From Above. No vídeo, a cantora surge
lema pessoal. Para Lady Gaga, é a bondade que leva à cura da mente, num fabuloso vestido cor-de-rosa desenha-
corpo e alma. Bondade, que revigora programas que são destemidos do pela histórica maison italiana, enquanto
a sua voz ecoa pela floresta. “Lembrou-me da minha liberdade e de
como tenho oportunidade de sentir esta magia, uma liberdade e
magia que gostaria que toda a gente tivesse oportunidade de sen-
tir”, garantiu a artista à Vogue. E acrescentou: “Esta música é sobre
a paixão que sinto quando manifesto os sons que ouço na minha
cabeça. Eles aparecem na forma de canções, mensagens, ideias e
amor. Esta é a minha força. Estes sons são a função que forma as
bases da minha voz. Eu ouço-os e depois uso-os. Eles são como eu
vivo, como eu amo, como eu prospero e como eu sobrevivo.” Força Imagens da campanha do novo perfume Viva Voce,
realizado pela o cineasta americano Harmony Korine.
é, de facto, coisa que não falta a esta mulher. A diva da pop deverá
entrar na próxima produção de Ridley Scott, onde contracenará com
FOTOGRAFIA: D.R.

Al Pacino, Adam Driver e Robert De Niro, cuja estreia está prevista


para o final de 2021. Nós, comuns mortais, continuaremos deste
lado a absorver não só a sua dádiva mais preciosa – a voz – mas
English version também o poder, e a força, das belas mensagens desta lenda viva. ●

vogue.pt 1 2 9
BELEZA MAQUILHAGEM

3
2

FOTOGRAFIA: ANDREAS ORTNER ; D.R. REALIZAÇÃO DE BIRGIT SCHOLOTTERBECK. CABELOS E MAQUILHAGEM DE PEGGY KURCKA.
7

10

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Woke up like this


Aquela beleza natural, aquele glow from the inside out, aquele look de que
English version
1. Editorial Onde o Céu Começa, por Andreas Ortner e Catarina Parkinson, publicado na edição de junho
de 2019 da Vogue Portugal. 2. Blush em stick On-The-Glow, no tom Fleur, € 24,50, Pixi. 3. Lápis de
sobrancelhas Brow Wiz, no tom Dark Brown, € 33,90, Anastasia Beverly Hills. 4. Primer Zero No Pigment
Foundation, € 38,90, Becca Cosmetics. 5. Óleo de lábios Lip Glow Oil, no tom Rosewood, € 36,90, Dior. 6. Base
de cobertura natural Les Beiges Fond de Teint, no tom B50, € 51, Chanel. 7. Sombra de olhos Phyto-Ombres,
Beyoncé falava: flawless. Porque as falhas só existem se lhes dermos poder no tom Sparkling Topaze, € 39,90, Sisley. 8. Bronzer em creme Cheeks Out, no tom Hunnie Glaze, € 32,90,

para tal e porque a beleza pode ser whatever the f*** we want. Por Ana Saldanha.
Fenty Beauty. 9. Base de cobertura leve Tinted Face Oil, no tom 06, € 37, Kosas. 10. Blush Líquido, no tom
Orgasm, € 35,90, Nars. 11. Iluminador Touche Éclat, no tom Luminous Vanilla, € 38,50, Yves Saint Laurent.

vogue.pt 1 3 1
BELEZA TEST DRIVE

Test drive
No meio de tantos antimanchas, anti-idade, antiacne e anti-imperfeições,
Promete: Uma limpeza profunda do couro cabeludo,
removendo até 96% mais partículas de poluição que um
champô normal. Enriquecido com ácido hialurónico, nutre
e hidrata o cabelo. Palavra da Vogue: É, como o nome
indica, um passo antes do champô. Tal como a double cleanse
decidimos ser antianti e lançar o desafio #NoActivesNovember. Por Ana Saldanha. que fazemos no rosto, em que o primeiro passo remove
maquilhagem, esta primeira lavagem tem como objetivo
remover produtos de styling, champô seco, e alguma
oleosidade. Deve ser aplicado no couro cabeludo molhado,
não havendo necessidade de o levar para as pontas,
Promete: Tal como diz na tampa: It heals, it soothes, it protects. Nutre e regenera massajar, passar por água e depois aplicar o champô.
a pele, repara as fissuras labiais, devolve o conforto e a elasticidade aos lábios, Combinei o produto com o champô da mesma gama, mas
e a sua textura suave e amanteigada cria uma película protetora contra as também com champôs de outras marcas e notei que, de
agressões externas. Palavra da Vogue: Que atire a primeira pedra quem não facto, o segundo produto já tinha o trabalho facilitado,
tem bálsamos de lábios perdidos no fundo das malas, em bolsos de casacos, nas acabando por ser bastante fácil fazer uma lavagem profunda
gavetas e na mesa de cabeceira. It’s a classic. E clássica também é a batalha do cabelo. Para quem, como eu, é adepto das duas passagens
Vaselina versus Carmex. Olhando para os ingredientes, os produtos da Carmex de champô, poderá ser interessante utilizar um produto que
tornam-se mais interessantes por combinarem o petrolato, o ingrediente principal é mesmo formulado para um sistema de dupla limpeza.
da Vaselina original, com manteiga de cacau, lanolina (cera de lã) e ácido salicílico, Pré-champô Pré-Cleanse Régénérant, € 36,90, Kérastase.
que contribui para uma leve esfoliação dos lábios, e o cheiro característico
a mentol combinado com a cânfora dá uma sensação de frescura. Quanto
ao que interessa, é o meu hidratante labial to go. Aplico uma boa camada antes
de dormir e há dias em que ainda acordo com algum produto. Dos três formatos,
sou team stick, mas pela casa há boião, há bisnaga, há original, há morango
e o novo lançamento: bisnaga com cor. Bálsamo Labial em boião, € 4,98, Carmex. Promete: Desmaquilhar rosto e olhos de forma confortável e dissolver
até os produtos mais teimosos sem deixar uma película oleosa.
Palavra da Vogue: Entre as alternativas mais sustentáveis para
remover a maquilhagem estão os bálsamos e os óleos desmaquilhantes.
Este é um óleo denso, levemente perfumado, composto principalmente
Promete: Ser um protetor por óleo de girassol, óleo de rícino e óleo de amêndoa doce.
solar diário leve que combina Depois de massajar o rosto e derreter a maquilhagem, o produto
hidratação e proteção contra emulsifica, quando lhe juntamos água, formando uma espécie de
raios UVA, UVB e agressores leite de limpeza. A pele fica confortável depois da utilização e a
externos como a poluição. maquilhagem de rosto é facilmente removida, havendo uma ligeira
Promete: Hidratar A textura leve serve como base resistência na remoção total de eyeliner e máscara de pestanas, mas
vigorosamente mãos ultra-secas.
de maquilhagem e o produto nada que um disco de algodão (reutilizável, please) e um bocadinho de
É o creme de mãos mais vendido
não deixa resíduos brancos produto extra não resolvam. Indicado para todos os tipos de pele, mas
da marca e é descrito como “não
na pele. Palavra da Vogue: especialmente adequado para quem usa maquilhagem leve ou pretende
oleoso, apenas hidratante.”
Sendo a Shiseido uma marca apenas limpar a pele. Para uma pele mista ou oleosa, é um bom
Palavra da Vogue: Uma japonesa, achei que este protetor primeiro passo para uma double cleanse. Óleo Desmaquilhante, € 16,80, Caudalie.
pequena ervilha deste poderoso
solar fosse trazer consigo a
creme hidratante dá para mãos
tecnologia da cosmética asiática
e unhas e ainda sobra para os
(neste caso, da J-Beauty). No
cotovelos. A little goes a long way,
entanto, o cheiro e a textura são
já que a textura é bastante rica
bem familiares e semelhantes à
mas, assim que o começamos
maioria dos protetores solares
a aquecer nas mãos, espalha-
que encontramos por cá. Hidrata?
-se com bastante facilidade. O
Sim. Protege? Também.
cheiro herbal não é o aroma mais
Mas leve não é. Uma pele mista, Promete: Uma fórmula leve que refresca e hidrata em profundidade e dá
agradável de sempre, porém,
por exemplo, pode até suprimir à pele um aspeto mais suave, preenchido e flexível. A tecnologia probiótica
dado que não é nada intenso,
o creme hidratante e passar patenteada (Jartbiome) aumenta a capacidade de retenção de humidade,
não incomoda – e mesmo que
diretamente para este FPS. estimula a produção de colagénio e promove um microbioma saudável.
incomodasse, a capacidade
O acabamento que deixa na pele Palavra da Vogue: A linha Vital Hydra Solution apresenta-se como um
de hidratação deste produto
é ligeiramente oleosa e sticky, shot de hidratação para reforçar a pele em profundidade. O creme tem uma
compensaria. Na minha casa é
podendo também fazer a vez textura extremamente leve e quando entra em contacto com a pele torna-se
creme para mãos, pés, cotovelos,
de primer. Protetor solar SPF50 Urban numa água refrescante que é rapidamente absorvida. E onde muitos cremes
joelhos e todas as zonas que
Environment, € 45, Shiseido.
precisam de ser hidratadas a com este tipo de texturas mais aquosas pecam, este não desilude: ainda
FOTOGRAFIA: D.R.

sério. Um must-have para curar os que leve, é realmente hidratante e nutritivo, sem nada da textura oleosa
males do gel desinfetante. que pode ser desagradável para certos tipos de pele. O ponto mais positivo
Creme de mãos Hard-Working Hand é que deixa a pele com um glow muito bonito e uma aparência de pele
Protector, 100ml, € 13, The Body Shop. English version descansada e saudável. Gel-creme Vital Hydra Solution Biome Water, € 35,90, Dr. Jart+.

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BELEZA MOOD BELEZA MOOD

(Imper)Feições
Um olho fora do sítio, um par de lábios deslocados, cabelos que
desafiam a gravidade e acessórios de beleza que não são acessórios
de beleza mas que são uma beleza. Quando o surreal se encontra
com a maquilhagem, tudo pode fazer sentido, mesmo no mais
imperfeito dos enquadramentos. Rostos fortes, inesperados e
maquilhagens que desafiam as normas para uma sequência de
imagens surreal. Dalí ficaria orgulhoso.
Fotografia de Maddalena Arcelloni. Styling de Lian Lubany.

Sylvia: blazer em lã fria, VERSACE. Base Liquid Foundation S, no tom PO10,


KESALAN PATHARAN. Pigmento Chromacake (usado nos olhos), no tom
Cyan, MAC. Paleta de lábios Dior Backstage, € 52,50, DIOR, em SEPHORA.PT.

FOTOGRAFIA: D.R.

English version

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BELEZA MOOD

Sylvia: vestido em renda de algodão, Nº21. Top em pele, ANGELOS FRENTZOS. Em todas as fotos, Sylvia usa: Base Liquid Foundation S,
no tom PO10, KESALAN PATHARAN. Paleta de lábios Dior Backstage, € 52,50, DIOR, em SEPHORA.PT.
Na página ao lado, Awa: blazer em lã e tafetá de seda, ANNAKIKI. Em todas as fotos, Awa usa: base Dior Backstage Face & Body,
no tom 9 Neutral, € 41,90, DIOR, em SEPHORA.PT. Eyeliner Eye Kohl, no tom Feline, e blush Powder Blush, no tom Film Noir, ambos MAC.

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BELEZA MOOD

Sylvia: calças em veludo, MAX MARA. Sapatos em pele, Nº21. Na página ao lado, Awa: blazer em lã fria e algodão, ARRABAL.

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BELEZA MOOD

Awa: top em seda, SAN ANDRES MILANO. Blazer em lã fria e calças em crepe de seda, KRIZIA.
Headpiece em metal, ILARIUSSS X GABRIELE PAPI.
FOTOGRAFIA: D.R.

1 4 0 vogue.pt
BELEZA MOOD

Sylvia: trench coat em sarja de algodão, top em licra e saia em pele, tudo ARRABAL. Calças em crepe de seda, KRIZIA.
Na página ao lado, Awa: casaco em lã, MIU MIU.

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BELEZA MOOD

Awa: capa em pele, SALVATORE FERRAGAMO. Calças em pele, MARNI. Brincos em metal, NATALIA CRIADO.
Sapatos em pele, JIL SANDER. Na página ao lado, Sylvia: máscara em metal, da produção.
FOTOGRAFIA: D.R.

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Sylvia: casaco e calças em algodão e sapatos em pele, tudo JIL SANDER. Chapéu em tela de algodão, ILARIUSSS.
Na página ao lado, Awa: casaco em lã, KRIZIA. Colar em feltro de lã, da produção. Sapatos em pele e metal, Nº21.
BELEZA MOOD

Sylvia: vestido em seda e top em algodão, ambos PRADA. Mangas em veludo, REAMEREI. Cinto em cetim de seda, da produção.
Meias em mousse, MAX MARA. Botas em pele, PRADA. Na página ao lado, Awa: vestido em pele, ANGELOS FRENTZOS.
Modelos: Sylvia @ Fabbrica e Awa @The Lab Models. Cabelos: Marco Braca @ Atomo com produtos May11 Hair Oil.
Maquilhagem: Michiko Ikeda @ Atomo. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
FOTOGRAFIA: D.R.

1 4 8 vogue.pt
BELEZA TESTEMUNHO

A pele que há em mim É nela que estão os sinais que se ligam e formam
constelações; as manchas que, por defeito ou feitio,
desenham mapas e marcam histórias; as linhas que
guardam alegrias e mágoas; as impressões digitais de todos
os toques, todos os encontros pele com pele de uma vida
inteira. A pele é o que somos. Por Ana Saldanha. Ilustrações de Nuno da Costa.

Graciosa passagem do tempo


Jean Woods, 83 anos. Ficou viúva de um casamento de 56 anos e para fazer parecer que o tempo não passa. O que pode haver é uma
perder a paixão de uma vida fê-la procurar amor noutros lugares. vontade de fintar o desalento e a ideia de que com o passar dos
Foi na Moda que se sentiu livre e foi a idade que lhe deu coragem anos devemos passar para segundo, terceiro, quarto plano, que nos
– aquela coragem de quem já percebeu que as vergonhas estão devemos apagar, que devemos ir ficando mais transparentes. “Tenho
na nossa cabeça. Em 2013 recebeu um convite para participar no 83 anos e sinto-me jovem, tenho um coração jovem”, conta Jean.
documentário Fabulous Fashionistas, do Channel 4, que juntou seis Na sua página de Instagram, onde a sua biografia é, simplesmente,
mulheres com mais de 70 anos e uma grande paixão pela Moda. A “Fashionista”, mostra também fotografias dos seus passeios, via-
par do documentário, também aceita alguns convites para partici- gens e caminhadas, gosto que partilha com os dois filhos (que são
par em publicidade, mas é no Instagram que tem 17 mil pessoas a maratonistas). “Quanto já não existirem restrições por causa da
segui-la para estarem a par do seu sense of fashion nada grandma – e COVID-19, quero voltar a viajar e a caminhar por aí fora, que é algo
o que seria de esperar de alguém que aponta Topshop e Urban que faço todos os anos – há uns anos fiz os Caminhos de Santiago,
Outfitters como algumas das suas lojas favoritas? Olhou para a vida até Santiago de Compostela, e foi maravilhoso.”
com uma força renovada, precisamente quando a vida lhe puxou À Vogue, e sobre beleza, conta que nunca
o tapete e os desafios superados trazem sabedoria consigo. Foi teve problemas com a sua pele. “Quando era
por essa razão que tivemos uma breve conversa com Jean sobre a miúda usava só sabão e água para lavar o
beleza de envelhecer. rosto, mas quando entrei nos vintes passei
“Estou completamente em paz com o facto de estar a envelhecer”, a usar um creme de limpeza – ainda que na-
começa por dizer. “Acho que sou uma mulher de sorte”, confessa. quela altura não tivesse muito por onde esco-
Depois, conta-nos que trabalha numa instituição de caridade dois lher… Agora faço questão de remover sempre
dias por semana e que nesses e nos outros dias corre 6,5 quilóme- a maquilhagem e usar um creme hidratante
tros, apesar de já ter feito duas operações ao joelho. Sim, ficámos todas as noites (mas nada muito dispendio-
todos a invejar e a chorar em procrastinação. Não há segredos so)”. Feliz com a pele que tem, o escudo de
batalha que enverga há 80 anos, não pensa
em retoques, mas não os condena, porque a
idade também traz a paz de não querer saber
o que se passa em rostos alheios. O contacto
com a juventude mantém-se bem vivo. Está
no corte de cabelo, branco com uma franja
curtinha e afiada que é ela mesma a cortar;
nos tons de batom, que oscilam entre o ver-
melho e o cor-de-vinho; no sorriso rasgado e
nas poses cândidas. Estas são as suas imagens
de marca e assim é Jean Woods, 83 anos e
vontade de viver para sempre.

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BELEZA TESTEMUNHO

Ter na pele um mapa


“A determinada altura pensei: não, acabou-se, para a minha cara. E eu não queria ser notada, não queria que
se isto me está a acontecer, eu não vou escon- olhassem para mim e isso incomodava-me. E sentia, muitas vezes,
der mais, estas manchas agora fazem parte necessidade de explicar o que eram as manchas”.
da minha pele e portanto eu vou aceitá-las e O momento de rutura deu-se quando se começou a aperceber que
aceitar que fazem parte de mim.” As manchas os olhares não traziam estranheza nem crítica, que não precisava
a que Margarida Jorge Silva, 37 anos, se refere de tentar educar quem a observava com curiosidade. “Apercebi-me
são vitiligo, uma perturbação da pigmentação disso uma vez, quando uma pessoa que estava constantemente a
da pele, de origem desconhecida, que causa olhar me disse ‘Desculpe dizer-lhe isto, mas as manchas à volta
manchas claras devido à perda de melanócitos dos seus olhos ficam-lhe lindamente'. E eu percebi, ok, se calhar as
da pele ou do cabelo. Calcula-se que a doença pessoas não olham para criticar, como eu acho que é, mas olham
afete perto de 1% da população mundial. As mais porque é diferente, têm curiosidade e gostam…”, desabafa.
manchas podem aparecer em qualquer par- Na pele ficam os desenhos irregulares, o contraste entre as zo-
te do corpo e em qualquer idade. A vitiligo nas mais claras e mais escuras. Mas não foi só a pele que mudou.
mais comum é a não-segmentar, que afeta o Com a vitiligo veio um ensinamento. “Ensinou-me que temos que
corpo inteiro e começa, normalmente, nas estar muito atentos ao nosso corpo, que aquilo que acontece no
mãos, pés ou rosto. No caso de Margarida, nosso corpo é o reflexo daquilo que se está a passar connosco e
foi aos 27 anos que lhe apareceu uma peque- da nossa interação com o mundo e que nós temos que nos pôr em
na manchinha na mão. Sem antecedentes na primeiro lugar no nosso dia a dia. E acho que me fez uma pessoa
família, achou que seria uma consequência mais tolerante com os outros e com as suas diferenças”. Diz que,
banal da cicatrização de uma ferida. Foi quan- se surgisse amanhã um tratamento que revertesse o problema e
do as manchas se começaram a alastrar para lhe apagasse todas as manchas, não passaria pelo processo. “Eu
outras zonas das mãos que decidiu levar o estou muito grata às minhas manchinhas por tudo o que fizeram
problema a um consultório, de onde saiu com por mim e por tudo o que continuam a fazer. Gosto muito de as
o diagnóstico correto. “Fiquei muito assustada ter e acho que me tornam numa pessoa ainda mais única. Já fazem
com a possibilidade de o meu corpo vir a ficar parte de mim”, remata, entre risos.
todo às manchas, a ideia da transformação
assustava-me muito. Nesses primeiros tempos
cheguei a fazer tratamentos, fui à Alemanha fazer um tratamento
mega inovador que tinha resultados em quase todos os casos e o
que aconteceu foi que não obtive nenhuma melhoria, as minhas
manchas continuaram a crescer e a aumentar”, conta à Vogue.
A doença não tem cura, não se sabe o que a causa e qual é a sua
origem, mas Margarida liga o aparecimento das primeiras manchas
a uma altura em que o tempo e a disponibilidade para ouvir o seu
corpo eram escassos. “Agora, olhando para trás, apercebo-me que
a vitiligo, as manchas, apareceram precisamente nessa altura como
reação a uma vida mais stressada. A médica com quem eu estive
na Alemanha disse-me que pode ter uma componente genética ou
uma componente ambiental, em que o stress tem um contributo
bastante elevado. O que é facto é que, para além de mim, existe uma
pessoa na minha família, um primo da minha mãe, que também tem
a doença e ela também se manifestou já em adulto, por volta dos
60 anos, e também num período de grande stress. Coincidência ou
não, temos os dois a doença, somos familiares, e ela manifestou-se,
tanto em mim como nele, em períodos de grande stress das nossas
vidas”, explica. Margarida refere que, apesar de o problema não se
ter manifestado na infância e adolescência, a vontade de se misturar
na multidão também lhe tocou: “Não queria que me olhassem de
forma diferente. E reparava que as pessoas ficavam a olhar muito

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BELEZA TESTEMUNHO

tentar tirar as sardas e tudo o que era remédios caseiros da altura


ela tentava... Eram épocas diferentes e hoje em dia ela fala do quanto
se arrepende e diz que as minhas sardas são lindas.” Mas entre
alegria e o (recém) amor com que Catarina fala dos pontinhos que
lhe decoram o rosto, chegam histórias menos boas que lhe fazem
tremer a voz e pausar o discurso. “Lembro-me de uma situação…
Eu tinha para aí 16 anos, estava na fase em que começava a aceitar
Pontos de luz as minhas sardas, começava a gostar delas e a usá-las como uma
Catarina Duarte tem 23 anos e o rosto salpicado de pontinhos, mais-valia. Estava numa peça de teatro e quando estava a ser ma-
sardas que podiam fazer constelações. Nem se lembra do único, e quilhada, notei que ela estava a carregar imenso na maquilhagem e
curto, período em que os sinais que lhe cobrem o rosto não faziam uma das meninas mais novas perguntou à maquilhadora, com um
parte de si. “Curiosamente, quando eu nasci, não tinha sardas, foram ar muito indignado, ‘Mas vai tapar as sardas dela?' e a maquilhadora
aparecendo ao longo dos anos e acho que chegaram ao seu máximo respondeu 'Não, infelizmente não temos tempo, tenho de fazer uma
quando eu tinha cinco anos, talvez”, começa por contar. “Quando coisa mais a disfarçar'. E eu lembro-me que só queria chorar. Foi
eu era mais nova, odiava ter sardas. Quando somos miúdos não super marcante para mim na altura. Era uma pessoa que maquilha-
é engraçado ser diferente, queremos ser só mais um… A minha va atrizes, era maquilhadora em programas de televisão, eu via-a
mãe diz que sempre que eu ia para a escola, voltava a dizer-lhe que como alguém que percebia muito de tudo o que fosse relacionado
queria ser como os meninos da cara limpa e coisas desse género”, com beleza... E ter uma pessoa assim a dizer que infelizmente não
explica, com um sorriso bem-disposto. Se para as crianças tudo o conseguia tapar as sardas... Foi um balde de água fria. Passei dias
que é diferente não é normal, a normalidade de Catarina fazia-se sem querer sair de casa”, relembra, com uma tristeza que lhe abala
de pessoas com o rosto pontilhado, tal como ela. “Venho de uma a voz – antes de falarmos da probabilidade de essa mesma maqui-
família em que, tanto na parte materna como paterna, toda a gente lhadora estar agora a desenhar sardas nas suas clientes.
tem sardas. O meu pai tem 14 irmãos e todos eles têm sardas. Ou Parece que o tempo a que Catarina se refere está a anos luz de
seja, eu vou para almoços de família e a minha normalidade é estar hoje, tempo em que as sardas são tendência e até se vendem pro-
com pessoas com sardas…” dutos específicos para as desenhar. “Quando eu tinha 18 anos as
Em miúda queria ser atriz e modelo e a confiança começou a sardas começaram a estar na moda, a Topshop começou a vender
ser-lhe mais familiar quando a abordavam na rua precisamente para lápis para fazer sardas, começámos a ver pessoas que queriam ter
falar das suas sardas, que chamavam a atenção de quem passava sardas, pessoas a tatuar sardas. Claro que isso me ajudou, porque
por ela. “Isso fez-me abrir um bocadinho mais os olhos e perceber começou a ser mais representado e porque comecei a perceber
que se calhar esta minha individualidade não que havia pessoas que desejavam ter aquilo que eu tinha a sorte de
era assim tão feia como eu achava que era. A ter naturalmente e isso acabou por me ajudar indiretamente. Para
questão é que ao mesmo tempo, na escola, ain- promover os tais lápis, começaram a haver várias publicidades com
da havia muito aquela coisa de eu ser a pessoa pessoas com sardas e começou a ser mais normal… Eu sinto que
diferente, a miúda que não tinha namorados e foi algo que me ajudou a ultrapassar um complexo que eu tinha e
que os rapazes não achavam bonita”, explica. nunca me senti chateada por agora toda a gente querer ter sardas
“Quando tinha 14 anos inscrevi-me num con- quando antes costumavam gozar comigo. Não olho para pessoas
curso da Central Models, porque sempre quis que fazem sardas ou tatuam sardas com desprezo, acho que cada
ser modelo, e na altura fiquei agenciada com pessoa se deve sentir bem à sua maneira, seja com algo verdadeiro
eles. Percebi que havia pessoas nessa área com com que nasceu ou algo que acrescenta para se sentir melhor”. l
interesse nas minhas particularidades. E hoje
em dia tenho noção de que se não fossem as
sardas eu provavelmente não teria nem metade
das oportunidades que fui tendo ao longo da
minha vida em sessões fotográficas, anúncios.
E isso fez com que a minha ideia mudasse um
bocadinho”.
Catarina estudou comunicação e ouve-se na
sua voz a boa disposição e a leveza da idade. “A
minha avó sempre teve sardas e sofreu muito
mais que eu. Ela chegou ao ponto de derreter
madre pérola com limão e esfregar na cara para English version

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BELEZA PORTEFÓLIO

Our body
is a wonderland
“Tenho em mim todas as formas do mundo.” É isto que gritam,
de forma suave, mas ao mesmo tempo impactante, as imagens de
Alina Gross. A fotógrafa, baseada em Bochum, Alemanha, celebra
a feminilidade, e o ato de ser mulher, no seu estado mais puro.
E mais cru. Mesmo que a censura e o puritanismo das redes sociais
tentem impedir a publicação das suas obras-primas. Por Ana Murcho.

DIREÇÃO DE ARTE E FOTOGRAFIA: ALINA GROSS. BODYPAINTING: VANESSA HITZFELF.

English version

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BELEZA PORTEFÓLIO

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BELEZA PORTEFÓLIO

oucos dias após o convite feito pela Vogue a Alina Gross


(Chernivtsi, Ucrânia, 1980) para a publicação do seu mais
recente trabalho, intitulado Follow The White Rabbit (apro-
veite-se a altura para frisar que a fotografia e a direção
criativas são suas, e que o bodypainting pertence a Vanessa
Hitzfeld) o impensável aconteceu. Ou melhor, o que seria
impensável naquilo que, em tempos, imaginámos ser
um admirável século XXI: a sua conta de Instagram, cujo
handle @alina.gross juntava mais de cinco mil seguidores,
foi removida. Apagada. Deleted, como se diz na gíria. Ali-
na, que tem por hábito fotografar mulheres (nuas), num
hino à beleza, sensualidade, e aceitação do corpo feminino, estava
habituada a que muitas das suas imagens fossem censuradas. Só não
estava consciente de que alguma vez seria “proibida” de as mostrar.
Por enquanto, os seus nudes (pun intended), que poderiam ser pinturas
de um qualquer renascimento pós-moderno, ficam “em exibição”
apenas no seu site pessoal. E nestas páginas, que não ocultam o que
de mais belo existe no universo: o corpo humano, em todas as suas
formas e em todas as suas cores.
Nesta série, Follow The White Rabbit, mostra uma combinação Quero criar um espaço na minha fotografia em que as mulheres
de pintura, cor e o corpo nu feminino. O que é que nos pode possam ser quem são sem sentir vergonha. Eu acredito no poder
contar mais sobre este projeto, e sobre a forma como o decidiu das imagens. As imagens podem, muitas vezes, influenciar decisões
abordar? Há muito tempo que trabalho o tema do corpo feminino. políticas. As imagens podem desencadear sentimentos, estimular o
O corpo após o nascimento, por exemplo, é um assunto muito sério. pensamento. Queria dizer isso com estas fotos: todos os corpos são
[Agrada-me] a representação da feminilidade em diferentes épocas, lindos, um seio que fica “pendurado” depois de um longo período de
e construir analogias entre uma e outra. Perguntei a mim própria que amamentação ou uma barriga enrugada.
imagens a nossa sociedade precisa agora. Pensei em ideias estereo- Onde é que encontra inspiração? Qual é o gatilho para querer
tipadas sobre beleza e quis trabalhar na direção oposta delas. Quis iniciar uma nova série? Uma das inspirações para esta série de fo-
mostrar a beleza na imperfeição. Uso habitualmente a pintura corporal tos foi [a fotógrafa] Joanne Leah, que também trabalha com pintura
para a representação de corpos e para estudos corporais. Desenhei corporal e faz representações do corpo. Gosto das suas cores trendy
um conceito baseado em três blocos de construção: imperfeição, e da sua diversão. A modelo alemã Veruschka dos anos 60, Vera von
pintura corporal e contos de fadas. Fiz uma parceria com a talentosa Lehndorff, foi também uma inspiração. Ela via-se como parte da
pintora Vanessa Hitzfeld, formada pela Art Academy Düsseldorf, na natureza e conectava-se com a natureza através da pintura corporal,
Alemanha, e trabalhei nessa rota ao longo de várias sessões. adotando as suas cores e as suas formas na pintura corporal.
Existe um lado muito íntimo no seu trabalho. Pode ser cru e Pouco antes da nossa conversa, tinha pensado perguntar-lhe
delicado ao mesmo tempo. E, claro, grande parte dele é sobre como encontra um equilíbrio entre ser constantemente cen-
mulheres – e sobre o que significa ser mulher. Porque é que surada pelas redes sociais (os seus posts são censurados com
este tópico é tão importante para si? Como mulher, é claro, tenho frequência) e, ainda assim, conseguir partilhar o seu trabalho
problemas femininos sobre os quais me questiono. O que é que está a com o mundo. Entretanto, a sua conta de Instagram foi remo-
acontecer ao meu corpo? Que processos estão a acontecendo [por] lá? vida. Como é que se sente com esta decisão? Já sabe o que vai
Como faço para alinhar o meu lado emocional com o meu lado sensível? fazer quanto a isso? O que gostaria de dizer às pessoas que a
Na sua opinião, qual é o papel do olhar feminino na fotografia seguiam até há poucos dias? Esta é uma pergunta muito boa. Para
de hoje? Será que as mulheres podem realmente ser empowered mim, o Instagram representa a feira das vaidades por excelência. Para
pelas lentes da fotografia? A feminilidade é e foi representada de participar na vida social da cena fotográfica, é preciso conseguir
formas muito diferentes na nossa cultura. Basta pensar nas mulheres entrar nela. As ações do Instagram afetaram-me muito. Tenho uma
de Rubens, que por muito tempo foram consideradas o ideal de beleza. relação ambivalente com isso. Por um lado, tive muitos momentos
ótimos no Instagram, mas também muitos momentos humilhantes.
Expomo-nos à arbitrariedade e vivemos com um medo constante de
sermos atacados ou apagados. Mas ainda não tenho uma resposta para
isso. Tenho tentado entrar em contacto com a assistência técnica, mas
até agora não obtive resposta. Espero que a conta seja reativada, mas
a cada dia a esperança vai desaparecendo. Ainda assim, as pessoas
podem contactar-me através da minha página pessoal ou via email. l

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BELEZA PORTEFÓLIO

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BELEZA PORTEFÓLIO

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BELEZA PORTEFÓLIO

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BELEZA

Melhor é
(Im)possível
Chame-os de perfecionistas, de minuciosos. Apelide-os
de “conas” (pardon my French). Só não se refira a
pessoas que têm a mania das arrumações de OCD.
Que, em português, se traduz em alguém
diagnosticado com Perturbação Obsessiva Compulsiva.
Porque essa é grave — essa é muito grave. Por Pureza Fleming.

algo que acontece, quotidianamente, no meu lar doce lar. Quase todos
os dias sou eu que arrumo a cozinha. Porque sou uma perfecionista, ao
ponto de ser obsessiva, prefiro ser eu a fazê-lo, pois sei que assim ficará
tudo muito mais arrumado — melhor é sempre possível, claro. Tudo pri-
morosamente disposto, ordenado, organizado. Quando era nova, e vivia
em casa dos meus pais, lembro-me de que, depois de se arrumar a cozinha
(calhava um dia a cada um dos quatro irmãos que somos), o meu pai ia lá,
à cozinha, abria a máquina da louça e reorganizava tudo o que havia sido
feito por um de nós. Ele sabia o que queria. E como queria. E, no fundo,
era mais forte do que ele não o fazer. Hoje, vejo que me tornei igual. E, o
mais curioso, é que divido a casa com uma irmã que é o meu oposto. Que
tem a “desarrumação” como nome do meio. Dei por mim, por diversas vezes, a
pensar se seria normal esta minha obsessão pela perfeita composição das coisas.
E a tentar entender porque é que me causa tanto nervosismo a falta dela. Porque é
que aquele prato que foi posto na máquina tem de estar naquele lado específico e
nunca “atirado” para ali, para aquele canto, o qual não me faz sentido nenhum. E,
tal como acontecia com o meu pai, mesmo que não seja suposto ser eu a arrumar
a cozinha, naquele dia, acabo sempre por ser eu a re-arrumar a cozinha, naquele
dia. E em todos os outros. Nunca aprofundei este tema, ainda que, por brincadeira,
tenha atirado para o ar, várias vezes, um achincalhado “Eu sou uma OCD (Obsessive

FOTOGRAFIA: CASPAR BENSON / GETTY IMAGES.


Complusive Disorder)” — porque em inglês fica muito mais cool.
Até este preciso momento, em que me encontro a escrever sobre Perturbação
Obsessiva Compulsiva (POC). E em que entendo que: primeiro, não, eu, felizmente,
não padeço desta perturbação; segundo: a coisa é bem mais grave do que parece.
E quem sofre com esta, atormenta-se, realmente. Não é para gozar, por mais graça
que achemos a Jack Nicholson, em Melhor É Impossível (1997), a andar pelo movi-
mentado pavimento da cidade de Nova Iorque, a afastar tudo e todos de perto de si,
porque se recusa a pisar os riscos no chão, enquanto evita tocar nas pessoas que o
rodeiam (facto: hoje, com a COVID-19, esta questão de as pessoas não se tocarem
já não nos causaria tamanha estranheza). “Há estudos a demonstrar que, pelo me-
nos, 80% das pessoas têm pensamentos intrusivos estranhos, fora de contexto e

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BELEZA

que lhes dão um calafrio. Mas apenas 1,2% têm POC”, esclarece, desde já, Madalena coisa bonita à qual me prendi”. O final do poema é desgostoso e, para qualquer alma
Lobo, Psicóloga Clínica e da Saúde, e CEO da Oficina de Psicologia. E mantém: “Estes com sensibilidade quanto baste, é visível o desespero de quem sofre com aquela
acontecimentos mentais não têm nada de voluntários. Aliás, as pessoas com POC perturbação. No caso concreto de Neil, o perigo que este transtorno representou
fazem de tudo para os evitar e os afastar o que, aliás, é um dos grandes problemas quando a obsessão passou das coisas e dos pensamentos, para uma pessoa real.
da situação, que faz com que se mantenha e piore. As pessoas com POC tendem a Uma pessoa que, quando deparada com a insanidade, fugiu. “Ter uma obsessão é,
ser como que alérgicos à incerteza natural da vida.” A especialista elucida à Vogue na prática e pela raiz latina (obsidere), estar sitiado, cercado – e poderíamos dizer,
que “a Perturbação Obsessiva Compulsiva é devastadora — representa um terceiro também, esmagado – por algo que, neste caso, é um acontecimento interno de na-
lugar na incapacitação em saúde mental. Quase pior do que isso é a vergonha intensa tureza cognitiva (por oposto ao emocional). São pensamentos, imagens mentais,
que, habitualmente, a acompanha. Os comportamentos e as ideias que se intrometem ideias, angústias, dúvidas, impulsos, ou uma combinação disto tudo, que aparecem
são bizarros, estranhos e quem sofre de POC nem consegue muito bem explicá-los vindos do nada, que se intrometem no plano de consciência, atingindo a pessoa com
perante si próprio, quanto mais perante os outros”. violência, com uma sensação de iminência, de verdade e de possibilidade”, esclarece
Não foi o que fez o jovem americano, de 30 anos, Neil Hilborn. Escritor e poeta, à Vogue Madalena Lobo.
Neil faz parte do grupo de poesia Button Poetry, e conta já com quatro livros publi-
cados. Mas não foi por esse motivo que ficou conhecido. O que o catapultou para o psicóloga continua: “Imagine o pior, o que mais impressão lhe faça, o que
sucesso foi antes a sua doença, a Perturbação Obsessiva Compulsiva, bem como a mais o possa encher de aflição – daquelas coisas que basta o início do
forma de como a expôs. Em 2013, Neil Hilborn publicou um vídeo, no YouTube, em pensamento para o fazer estremecer como que a tentar enxotar a ideia,
que relatava como que é que funcionava, para alguém que sofria de POC, o processo expurgá-la de si. Agora imagine que esse pensamento o toma de assalto várias
de se apaixonar. E de como é que a dor de uma rutura — que, em última instância, vezes por dia, ficando, às vezes, durante horas, colado na sua cabeça. Que tenta
surgirá sempre para o comum dos mortais — se converte em algo, não só incom- empurrar, afastar, esconjurar, sem qualquer resultado. Que o deixa preso na aflição
portável, mas quase impossível de se processar. Afinal, estamos a falar de alguém interminável, insuportável”. Não é fácil encontrar-se uma pessoa com esta pertur-
com um transtorno que inclui um termo familiar da palavra “obsessão”. O título bação. Isto porque, na maioria das vezes, ou a pessoa não tem noção que a tem,
do vídeo é, apenas, Neil Hilborn – TOC. E começa assim: “A primeira vez que a vi… ou porque, simplesmente, não o quer admitir. Estudos confirmam que, em média,
Tudo o que, por norma, se passa dentro da minha cabeça ficou mudo. Todos os tics, alguém com POC só procura ajuda 12 anos depois dos primeiros sintomas. O que
todas as imagens em constante loop, simplesmente, desapareceram. Quando se tem constitui um problema: “Salvo raras exceções, a POC tem tendência a agravar-se
Perturbação Obsessiva Compulsiva, estes momentos de quietude não acontecem. com a passagem do tempo sem tratamento eficaz. E também não é de admirar que a
Mesmo quando já estou na cama, não consigo parar de pensar: ‘Tranquei as portas? POC se faça acompanhar, muito frequentemente, por uma depressão maior – o que,
Sim’. ‘Lavei as mãos? Sim’. ‘Tranquei as portas? Sim’. ‘Lavei as mãos? Sim’”. E não, quando acontece, complica ainda mais o tratamento que, já em si, é tecnicamente
cara leitora, a repetição das perguntas não foi um erro de edição de texto. A cabeça complexo”, elucida a especialista.
de uma pessoa com aquela perturbação funciona exatamente assim: é cansativa, Tal como acontece com tantas doenças do foro psicológico, este é um transtorno
estafante, exaustiva, extenuante e mais um mar de adjetivos, porque uma só palavra que pode derivar de inúmeros fatores (mas também de nenhum deles): neurobioló-
não chega para retratar o cansaço que este transtorno provoca à cabeça de quem gicos, genéticos (há um estudo que refere que quem sofre de POC tem quatro vezes
convive com ele. E tudo o que são dúvidas e questões desenrolam-se deste modo mais probabilidades de ter um elemento da família também com POC), pode resultar
acelerado e obsessivo. Uma vez, duas vezes, três vezes. Dez vezes. Doentias vezes. de um desequilíbrio químico, ou ainda ter a ver com teorias comportamentais, psi-
Tantas vezes, quanto o nível de desespero que as acompanha. Porém, quando Neil canalíticas, e, claro, the good old stress, a par da depressão. Resumindo e baralhando:
Hilborn se apaixonou — e fazemos uma vénia ao amor que, uma vez mais, tudo (ou porque é que alguém tem POC? “Não se sabe ao certo”, assegura a psicóloga. E o
quase-tudo) resolveu —, a perturbação mudou um bocadinho de direção. Então, Neil tratamento não é linear. Passa por consultas “que são sobretudo momentos de
substituiu “as trancas das portas”, “as trancas das portas”, pela “curva dos seus lábios”, discussão conjunta, de explicação sobre aquilo que se passa, de exercícios e mo-
e pela “pestana na sua bochecha”, “pestana na sua bochecha”, e por ali continuou. nitorização dos exercícios que foram feitos entre sessões, de acordo entre cliente
No mesmo poema, o jovem soma que foi graças à sua perturbação — e à repetição e psicólogo sobre cada passo e resolução das dificuldades que vão aparecendo na
que a conduz — que conseguiu convencer a rapariga a sair consigo. execução desses passos.” E deixa a nota: “A POC é uma perturbação da ansiedade
Tanto bate até que fura: “Pedi-lhe [para sair] seis vezes no espaço de trinta se- com um grande nível de especificidade e tecnicamente muito exigente. É preciso
gundos”, proclamava, satisfeitíssimo. A jovem aceitou à terceira — as outras três que um psicólogo clínico e da saúde se tenha dedicado a esta perturbação, para
vezes seriam já a sua doença a falar mais alto, a ir mais longe. Até que — porque há, saber intervir nela – não basta ser um bom psicólogo, nem ter muita experiência
também e sempre, um “até que” no que toca ao amor —, a rapariga confessou a Neil geral.” Relativamente à linha que separa o ser-se diagnosticado com POC e o ser-se
que “tudo aquilo teria sido um erro”. No poema, o jovem explana acerca do amor e apenas consciencioso, organizado, escrupuloso, ou gostar de tudo muito limpo
assiste-se ao reerguer da doença, entretanto embalada pelos sentimentos, através com cheiro a sabão azul, Madalena Lobo faz-me, e às tantas pessoas com-a-mania-
das questões: “Como é que aquilo [a relação] poderia ter sido um erro, se eu não -das-arrumações, que por aí andam, respirar de alívio: “Significa apenas que [essas
precisava de lavar as minhas mãos a seguir a tocar-lhe?”. “Eu não posso, eu não pos- pessoas] têm preferências na vida e que têm um modo de funcionar mais assim do
so, eu, simplesmente, não posso [ficar sem ela]. Geralmente, quando obsesso com que assado.” Por via das dúvidas, questiono: “É mesmo?”. "É mesmo”, garante. “Mas
qualquer coisa, só vejo os germes a penetrarem-se na minha pele. E ela foi a primeira mesmo, mesmo?”. “Mesmo, mesmo”. l

English version

vogue.pt 1 7 1
MODA
FOTOGRAFIA
REPORTAGEM
VO
REALIZAÇÃO: ANA CARACOL. ART WORK: JOÃO OLIVEIRA.
GUE
Glitch do V, Vogue.
C H A R L E S , J A M E S C H A R L E S :
L I C E N S E T O B L E N D

But not blend in. É assim


que o influencer com
milhões de seguidores
distribuídos pelo Insta-
gram, Twitter, YouTube,
Tik Tok e pelo mundo
em geral se apresenta. E
não podia ser uma des-
crição mais perfeita.
Por Sara Andrade. Fotografia de Marcus Cooper. Styling de Olga Yanul.

Camisola em neopreno, BALENCIAGA. Ao longo de todas as imagens, James Charles usa: Primer Hydrogrip, MILK MAKEUP. Base Born This Way no tom Nude,
TOO FACED. Corretor Shape Tape Concealer, no tom Light Sand, TARTE. Pó solto translúcido, LAURA MERCIER. Paleta de contouring nas tonalidades Fawn,
e pó para sobrancelhas, no tom Medium Brown, ambos ANASTASIA BEVERLY HILLS. Blush em pó no tom Baddie on the Block, KYLIE COSMETICS.
Pestanas So Extra Miami, LILLY LASHES. Sombras em pó e highlighter no tom Face, tudo JAMES CHARLES X MORPHE. Pigmentos diversos nunca antes l
ançados, estreia da marca própria ainda por lançar, JAMES CHARLES ARTISTRY.

English version
Casaco em feltro de lã, camisola em algodão e nylon e calças em sarja de algodão,
tudo JIL SANDER. Sapatos em pele envernizada, LOUIS VUITTON.
Na página ao lado: top em malha de algodão, SPORTMAX.
esta espécie de slogan, “Blend, but not blend in”, que pode
sintetizar sem margem para erro aquilo que o jovem de 21
anos parece preconizar aos olhos do mundo: ele mistura,
todos os dias, tonalidades, produtos, estilos, géneros.
Mistura--se com marcas e mistura públicos – consegue
impactar o dobro das pessoas que veem a Fox News, a CNN
e a MSNBC juntas, referia um dos muitos artigos sobre a
personalidade, em 2019, se isso lhe der uma ideia da sua
influência, que, entretanto, se exponenciou em 2020. Mistura
plataformas sociais, como o youtuber, que lançou em 2015, e
mistura conversa com alguns dos mais reverenciados rostos
das Artes e do Cinema, tendo sido convidado para a restrita
MET Gala o ano passado, por exemplo. Mas não se mistura,
as in, não é só mais um entre a multidão. Destacando-se
pelo talento para a maquilhagem, com uma camada extra de das redes sociais pretende ser uma persona além daquilo que
atenção pelo facto de ser um rosto masculino a dar a cara ele é na sua essência, com mais ou menos maquilhagem – e
pela vertente de Beleza, ser mais um simplesmente é algo questionámos o nova-iorquino sobre o seu amor pela make
que não vai funcionar para o norte-americano que já sofreu up art, o significado que dá à palavra “imperfeição”, e o poder
tanto de popularidade como de bullying nas redes sociais, esmagador, tanto positivo como negativo, das redes sociais.
experimentando em primeira mão tudo o que a Internet The Beauty of Imperfection é o tema desta edição: acredita
na era dos social media tem de bom, de mau e de vilão. que há beleza na imperfeição? Sem imperfeições, seríamos
Foi vítima de difamação no YouTube, à conta de um todos iguais e isso é aborrecido. A imperfeição é impossível
vídeo publicado pela influencer Tati Westbrook, recheado de definir. O que uma pessoa pode achar "menos ideal", outra
de acusações danosas – nomeadamente, que “usava os pode achar completamente bonito, é realmente tudo uma
privilégios que tinha para jogar com as emoções das questão de perspetiva. A imperfeição é o que nos torna especiais
pessoas” – algo que o fez perder milhões de seguidores; o e únicos, e isso é o que há de mais lindo nos humanos.
YouTube repôs a verdade, a contestar a curta difamatória, A maquilhagem é um lifestyle para si. O que pensa sobre
só que demorou meses a recuperar do dano cibernético. o conceito de maquilhagem? Porque a abordagem é
Mas fê-lo. Pelo caminho, conquistou mais seguidores, sempre divertida e artística, nunca é algo que está lá
conquistou fronteiras (foi o primeiro homem a ser rosto para "aperfeiçoar" de acordo com os padrões sociais.
de uma marca de makeup, a CoverGirl, em 2016 (e tinha Sente que a beleza é mais para realçar características,
apenas 17 anos), conquistou públicos, enquanto anfitrião para nos divertirmos, ao invés de algo para “mascarar
do reality show Instant Influencer e, de uma maneira geral, imperfeições”? Não uso maquilhagem para cobrir imperfeições
conquistou um lugar ao sol da fibra ótica desse mundo ou sentir-me mais confiante; uso maquilhagem para me
paralelo com regras muito especiais chamado Internet. Hoje, expressar e para misturar, mas não para me disfarçar. Como
não temos dúvidas que irá quebrá-la com a sua primeira social media influencer, tenho responsabilidade acrescida em
capa de sempre, e que não podia ser melhor: a da Vogue. mostrar aos meus seguidores que a beleza não é fazer check
Não é uma, ou melhor, duas capas dadas à toa: os que veem numa lista, mas um sentimento que vem de dentro. Esse
um jovem a tirar partido do protagonismo, nós vemos um sentimento é confiança, e tento empoderar os meus seguidores
empreendedor, um empresário, um gestor, constantemente com essa confiança sempre que posso. A maquilhagem remove-
a fazer jogo de cintura entre os que o adoram e os que o se ao final do dia, é por isso que incentivo sempre quem me
querem detestar, os que o amam e os que o querem por segue a não ter medo de experimentar e encontrar o que faz com
interesse. Vemos um role model que sofreu na pele o assédio da que se sintam confiantes. Se quiseres usar lábios nude, usa lábios
Internet e que saiu por cima, não sem antes colocar o mundo nude. Se quiseres fazer um smokey eye em azul, faz um smokey eye
a questionar o impacto da cancel culture e a indagar onde é em azul. Se quiseres cobrir as sobrancelhas e pintar tudo em
que a justiça acaba e o bullying começa. Vemos um homem modo drag, força! A coisa mais importante, é ainda assim amares
que está sempre atento à manutenção da sua relevância, a tua tela em branco quando lavares o rosto de tudo isso.
trabalhando arduamente pelo conteúdo que melhor sabe Há sempre o seu quê de tentativa e erro quando
fazer – as maquilhagens que dia a dia (re)inventa e que publica experimenta novos looks. É uma parte natural do processo
nas suas plataformas de vídeo e de fotos – ao mesmo tempo criativo. Errar é humano – errar também é criativo? Toda a
que batalha por cumprir sonhos. Como o de ter a sua própria minha carreira com maquilhagem foi de tentativa e erro, e [isso
linha de maquilhagem. Que estreia nesta produção da Vogue, foi algo] que documentei nas minhas contas de redes sociais.
prometendo que está para breve, mas que ainda não pode Nunca retiro ou pratico looks de antemão, por isso, o meu rosto é
revelar muito. Misturámos a pessoa com o influencer – não foi sempre a minha primeira tentativa. Através da prática, fui capaz
realmente necessário, eles são um só, nada na sua imagem de me ajustar, experimentar novas técnicas e definitivamente
tornar-me um artista melhor. Mas isso é irrelevante, porque Apresenta o programa Instant Influencer, no YouTube É um dos os criadores mais seguidos em termos de "ACHO QUE A RAZÃO PELA QUAL AS
grande parte da diversão é simplesmente tentar coisas novas Originals. E o The Guardian disse sobre esta “nova social media. Qual é a maior imperfeição das redes REDES SOCIAIS PODEM SER BELAS
e aprender a transformar os erros numa obra-prima! competição para encontrar o próximo vlogger de sociais – e não queremos dizer de um modo belo? Acho É A MESMA RAZÃO PELA QUAL SÃO
PERIGOSAS: A FALTA DE PRIVACIDADE."
Como é que cada look de beleza lhe surge? De onde maquilhagem do YouTube” que “pode ser o reality que a razão pela qual as redes sociais podem ser belas é a
vem a sua inspiração? Nunca sei como responder a essa show mais transparente de 2020”. Acha que o mundo mesma razão pela qual são perigosas: a falta de privacidade.
pergunta. A inspiração vem de todo o lado! Inspira-me o precisa de mais programas como este? E vê-se cada Ao permitir que as pessoas entrem na minha vida, sou
mundo ao meu redor, os meus fãs, outros artistas incríveis vez mais neste papel de anfitrião? Digo sempre que criar, capaz de construir uma conexão forte com os meus fãs que
na comunidade de beleza e, mais frequentemente, os meus produzir e apresentar o Instant Influencer é o momento de as celebridades não eram capazes de fazer antes da era das
próprios pensamentos e sonhos. Criar novos visuais nem maior orgulho da minha carreira. Uma coisa é tornares-te redes sociais. Dito isto, nada na minha vida é privado. A cada
sempre é fácil, mas fazer o brainstorming para o próximo um influencer, mas ser capaz de estender essa oportunidade restaurante que vou, cada rapaz com quem converso, cada
mega momento de maquilhagem é sempre eufórico. a tantos artistas menos conhecidos que [também] merecem pessoa de quem sou amigo ou não amigo torna-se um tópico
Quando soube qual era o tema desta edição, que é um sentimento como nenhum outro. Era importante para de discussão e especulação. Torna-se difícil movimentares-te
looks de beleza pensou instantemente que podiam a minha equipa de produtores executivos e para mim que o quando o mundo é capaz de criticar cada movimento teu.
ser uma reflexão desse tema? The Beauty of Imperfection Instant Influencer fosse transparente porque é exatamente No seu entender, a cultura de cancelamento poderá ser
representa tudo o que defendo como criador. Eu diria assim que esta indústria é! Habilidade é apenas parte do um dos maiores erros decorrentes dos social media?
que sou um perfeccionista, porque me esforço trabalho. A dura realidade é que a comunidade de beleza E o seu efeito na saúde mental, também? Como lida com social media. Por mais que eu seja capaz de impactar os outros,
sempre por trabalhar muito e para ser a melhor é um espaço muito saturado e há um milhão de artistas isso? Já disse isto muitas vezes: a “cultura de cancelamento” a maior vantagem é, no entanto, os meus fãs impactarem-me a
versão de mim mesmo, mas estou constantemente a mostrar qualificados por aí. Não importa o quão talentoso possas ser, é um parasita. É completamente irónico pedir às pessoas mim. Ainda no outro dia, fiz retweet de um vídeo de um menino
aos meus fãs, dentro e fora das câmaras, que a perfeição é é muito desafiador ser notado e pavimentares o teu próprio que cresçam e aprendam com os seus erros enquanto, a dizer à mãe: ‘Eu quero ser como o James Charles e trabalhar
impossível de alcançar. Nos meus stories, faço atualizações caminho. Tornares-te um influencer de sucesso é realmente uma simultaneamente, lhes retiram a plataforma, privando- em maquilhagem!’. Ao ver o meu retweet, a mãe comprou-
em tempo real sobre as minhas emoções, o bom, o mau e questão de personalidade, construíres a tua marca e, o mais -os da oportunidade de mudar. Ninguém é perfeito e nós, lhe a minha paleta nesse mesmo dia. E ver o entusiasmo
o feio. Nos vídeos, cometo sempre erros e percalços, mas importante, quão bem és capaz de entreter e inspirar outras como sociedade, devemos ter mais empatia com os outros no seu rosto e poder seguir os looks que tem criado são as
depois explico como superá-los. Um retrocesso é apenas pessoas. Esse é o verdadeiro teste que queríamos colocar aos que estão dispostos a tornarem-se melhores. Para mim, é motivações pelas quais eu trabalho nisto todos os dias.
uma preparação para uma recuperação. Eu escolhi vários nossos artistas em vez de apenas focar a habilidade, e acho sobre a pessoa e se a sua intenção e o seu coração estão É mais difícil lidar com tudo isto, o bom e o mau, sendo
looks para esta edição que me guiam ao longo do meu que é isso que o tornou tão único. A maioria dos reality shows no lugar certo. Todos cometemos erros e um dia adoraria um jovem de 21 anos? O que é o mais difícil? Acho que
processo de maquilhagem do início ao fim. A começar nas foca-se no drama ou nas eliminações escandalosas (e não me ver esta empatia a ser a nossa primeira reação online. a minha idade é tanto uma bênção como uma maldição. É
minhas sardas naturais e pele nua, à qual lentamente vou interpretes mal, eu amo e vejo todos estes programas), mas Acredita que, numa época de redes sociais – incrível ter a mesma idade de muitos dos meus seguidores
adicionando maquilhagem até ter uma pintura completa queríamos concentrar-nos na educação e na transparência. ou melhor, de julgamento social, e sabe melhor que porque nos podemos identificar a tantos níveis, mas, ao
do arco-íris no meu rosto… Não importa quão “perfeita” Conseguimos dar a vários pequenos artistas plataformas que ninguém o que isso é –, não há espaço para erro, mesmo tempo, crescer sob os holofotes é muito difícil.
uma obra de arte final possa parecer, o processo de eles trabalharam arduamente para conquistar, mas também para se ser imperfeito? Está tudo à espera que cometa Relacionamentos são com certeza a coisa mais difícil de
criação dessa arte é imperfeito e isso é o que é bonito. educar milhões de espectadores com dicas e truques secretos um erro apenas para o julgar e condenar? Porque gerir. Nunca se sabe as verdadeiras intenções das pessoas,
A perfeição existe? E o que é "perfeição" para si, para terem sucesso como influencers, ao mesmo tempo que acha que isso acontece? A razão pela qual as pessoas por isso, tenho sempre tendência para me proteger. Aprendi
pessoalmente? A perfeição é um mito, um padrão encorajamos as pessoas a perseguir os seus sonhos. são tão rápidas em perceber as imperfeições dos outros isso da maneira mais difícil e, infelizmente, da maneira mais
impossível de se alcançar. Há um ditado popular que diz Desenvolveu alguns produtos com a marca de Beleza é porque elas não conseguem aceitar as suas próprias pública, mas tornei-me uma pessoa muito mais forte e mais
que se deve apontar para a lua e que, em caso de falha, Morphe. A próxima etapa será criar a sua própria imperfeições. Todos nós precisamos de nos concentrar inteligente quando se trata de namoros e desgostos.
se aterrará nas estrelas. Por mais que possa parecer um marca? Sempre adorei arte e negócios, por isso, desenvolver em ser empáticos para com os erros e elevarmo-nos uns É um modelo para muitos. Para milhões. Que tipo
clichê, é muito verdade. Eu aponto para a grandeza, porque as minhas paletas com a Morphe e ver todas as minhas aos outros, que é algo que tenho trabalhado e continuarei de influência se esforça para passar? E, se pudesse
isso me pressiona a trabalhar mais, mas é importante sisters (fãs) a libertar a artista dentro delas espoletou uma a trabalhar em mim mesmo. É nossa responsabilidade escrever o seu próprio legado, o que gostaria que ele
aceitar que podes conquistar algo que é imperfeito. faísca em mim para continuar a desenvolver produtos. usar as plataformas para trazer alguma consciência para dissesse? Eu quero encorajar cada pessoa que me segue a
Criar a minha própria marca de maquilhagem é o sonho as injustiças na sociedade moderna e fazer uma mudança ser ela mesma e a amar quem essa pessoa é. A vida é muito
absoluto. Não posso revelar muito, mas direi que sim, para o melhor, não nos destruirmos uns aos outros. curta para a desperdiçares a interpretar um personagem
está em andamento e trará consigo os meus valores como Os haters das redes sociais têm demasiado poder? e esconder quem realmente és. Eu estaria a mentir se
criador, o princípio de sempre seres fiel a ti próprio e de Se sim, quem acha que o está a permitir? Nós? Eles dissesse que não espero deixar um legado para trás, mas
misturares, mas não te deixares misturar na multidão. mesmos? Os haters de social media só têm o poder que lhes no final do dia, não me preocupo muito em ser uma lenda,
Foi o primeiro porta-voz masculino da CoverGirl, em deres. Infelizmente, algumas pessoas vão sempre regozijar-se preocupo-me em inspirar as lendas que hão de vir.
2016. Acredita que esse possa ter sido um momento com a queda dos outros. No início da minha carreira, sentia Projetos vindouros: o que nos pode dizer sobre o que tem
maior do que apenas uma conquista pessoal? Quando me sempre uma necessidade de me justificar e argumentar contra planeado e o que tem na wishlist, em termos profissionais?
ligaram a propósito da CoverGirl, eu jamais poderia imaginar o ódio, mas à medida que fui crescendo, aprendi a concentrar- Estou sempre focado em criar conteúdo interessante e inovador
o quão enorme se tornaria. Claro que fiquei honrado com a -me nos milhões de fãs que me apoiam, em vez do contrário. para o meu canal de YouTube, em tirar fotos giras para o
oportunidade, mas não percebi como o anúncio poderia Qual foi o maior dano colateral que as redes sociais Instagram, e em partilhar o que me vai na alma, no Twitter.
chocar o mundo. Sempre houve homens incríveis na beleza, tiveram na sua vida? E o que lhe trouxeram de melhor? tenho tantas coisas em andamento que gostava de poder
mas colocar essa realidade sob os holofotes e mostrar As redes sociais definitivamente tiveram um impacto positivo revelar mais, mas posso dizer que há algo em grande a chegar
ao mundo que os homens na maquilhagem podem ser na minha vida maior que o negativo. Através da minha para os meus apoiantes mais fervorosos, perto do Natal.
mainstream, foi um grande passo em frente. Maquilhagem não plataforma consigo chegar, impactar e inspirar diretamente A sua vida é perfeita? Nem de perto nem de longe. A minha
tem limites nem fronteiras. A maquilhagem é para todos. milhões de pessoas, e nunca teria tido essa oportunidade sem vida é perfeitamente imperfeita, e é assim que eu gosto. l
Produção: Tony Jay @ On The Map Creative. Set Design: Isaac Arron. Assistente de styling: Diana Melnikova.
Assistente de fotografia e iluminação: Alicia Prince. A Vogue Portugal agradece a Walter Young e ao L1N3
Studios todas as facilidades concedidas. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
ANÁLISE

da era, conotando-se com a natureza, a religião, Deus, o homem,


a arte… de acordo com o pensamento vigente, e dos opinion
makers da altura. Sem ser necessário entrar muito pela História
do mundo, não é novidade que os povos ao longo dos séculos
redefiniram prioridades e, com elas, o conceito de perfeição,
adaptando a sua definição às suas crenças e condicionantes.
Logo, a perfeição não é um termo absoluto, é um termo
relativo. António de Castro Caeiro, Professor de Filosofia na
NOVA FCSH e IFILNOVA, explica-o melhor que nós: “Perfeito!
É o que dizemos em diversas situações para descrever o que
nos acontece em relação a uma data de coisas, pessoas, dias,
obras, feitos, circunstâncias e situações.”, começa por contar
à Vogue. “Há tantas ‘perfeições’ quantas as coisas, quantos os
objetos, as pessoas, as vivências. Há algo que nos leva a dizer ou
a pensar ‘perfeito!’. Não precisamos de o dizer a outra pessoa.
Acontece até quando nos encontramos a sós connosco. O que
nos impressiona como perfeito sai para fora do que é normal,
habitual. É, pelo contrário, excecional, extraordinário. Se
quisermos explicar esse ‘algo’, falamos da beleza, que é também
diferente, consoante as coisas que dizemos serem belas. [...]
A perfeição corresponde ao grau superlativo com que um ‘ser’
se nos apresenta, ao grau máximo do desenvolvimento do que
quer que seja ou, como diz a filosofia, do seu ser. Não basta à
perfeição ser, tem de o parecer. Há, assim, na linguagem de todos
poiler alert: ela existe. Parece um pontapé de saída os dias, a expressão que pode ser dita de qualquer coisa que
controverso? Não vale a pena precipitar-se no julgamento, exista, de qualquer ‘ser’, qualquer coisa que vejamos ou saibamos
não há necessidade de contestação mental instantânea. que existe. X, Y e Z são perfeitos se, para além de existirem,
Tal como em tudo na vida, é preciso contexto. Ela existe, estarem aí, sobreviverem, revelarem-se num grau superlativo,
mas não do modo como está a pensar, não tangível e máximo, de ser. Isto quer dizer que olhamos para a realidade
palpável naquela forma universal como a tentamos incorporar e todas as coisas que acontecem como se fôssemos júris num
como objetivo último da nossa existência, não da forma qualquer concurso de beleza. Somos todos nós sem excepção
como a catalogamos como potenciadora de uma vida mais júris num concurso de perfeição em que todas as pessoas, todas
feliz e plena, não como a luz ao fundo do túnel, solução de as coisas, estão expostas ao nosso olhar crítico, preparado para
todos os males, como se a perfeição fosse uma salvação ver a cada instante imperfeições, graus de imperfeições, prontos
e um estado de permanência final imutável. A perfeição para anular, riscar e excluir do concurso o que quer que seja. E
existe, mas não enquanto conceito universal e permanente, não sem nos isentarmos à apreciação de nós próprios, ou porque
antes como atributo de uma situação, objeto, pormenor, não queremos ou não sabemos ou não conseguimos avaliar-nos
momento, antes como ideia e ambição; quiçá até ficção? sem conflito de interesse.” E continua, perspectivando o papel
Para atestar a sua existência incontestável e plena, enquanto da perfeição no quotidiano: “A perfeição e a imperfeição são

Per-ficção?
algo que por aí anda cheia de si, precisaríamos que a sua limites da nossa vida. Queremos conviver com o que é top e não
essência fosse definida consensualmente, e a perfeição ligamos nenhuma ao que não preenche os requisitos para se
tem diferentes acepções para diferentes pessoas, culturas, qualificar. Ou então reconhecemos que temos vidas aquém do
FOTOGRAFIA: RIEKO HONMA / GETTY IMAGES. sociedades, por isso, nunca é plena, sempre mutável e efémera. que esperávamos que fossem. Não viemos a ter o que queríamos
Tome-se a História como exemplo, que abordou a perfeição e a ter e pior do que tudo não viemos a ser quem queríamos ser.
Procura-se: a perfeição. Talvez hoje em dia de uma forma mais acentuada e dotou de diferentes explanações consoante as condicionantes Talvez, assim, a perfeição na vida seja uma noção com a qual
doentia que nunca. Mas estaremos numa caça aos gambozinos? Nesta busca sociais de época para época: a mais antiga definição do termo nascemos ou que se nos inculcou ao longo do tempo. A perfeição
data de Aristóteles, que, no seu Metafísica (Livro V - Delta), é uma possibilidade. A possibilidade é mais do que a realidade.
incessante por ela, sabemos ao menos se a perfeição existe? Por Sara Andrade. distingue três nuances no seu significado – perfeição é algo que Claro que a realidade é o que se é e o que se tem. Mas o ser
é completo, algo que é tão bom que mais nada consegue ser
melhor e algo que cumpriu o seu propósito. A tríade aponta
dois níveis na perfeição – um relativo a algo que é perfeito
em si e outro que serve perfeitamente um objetivo (dualidade
expressa também por Tomás de Aquino). Ao longo dos tempos,
o conceito foi ganhando camadas consoante a ética e a moral

vogue.pt 1 9 3
ANÁLISE

humano não se dá por satisfeito com o que tem nem com o que é. A PERFEIÇÃO EXISTE, ENTÃO, indivíduo e porque não é permanente, restringindo-se a contextos à perfeição ainda que orientado pela perfeição é compreendido
Queremos ter mais, somos movidos por uma noção de melhoria ENQUANTO CONCEITO INATINGÍVEL E ideais – mas também porque implica chegar-se a um estado de a fazer-se entre o princípio e o fim, como se fosse uma corrida
que queremos pôr em prática e ficamos frustrados ou tristes se PESSOAL, ENQUANTO IDEIA: SEMPRE plenitude, onde nada mais há para aprender, interrompendo o que fazemos como maratonistas ou sprinters. A metáfora é muito
BATALHAMOS PARA CHEGAR A UM
não realizarmos o nosso potencial ou tornarmos verdadeiros processo de evolução e deitando por terra a contínua tentativa antiga e põe um problema inicial. A pista faz-se à medida que o
ESTADO DE PERFEIÇÃO INCÓLUME,
os sonhos.” Será então a perfeição – assumindo-a como uma NUNCA REALMENTE CHEGANDO de obtenção de mais conhecimento. É sinónimo de estagnação. E caminho procede. Não está pronta. Há vários trajetos possíveis,
possibilidade – uma ideia, um conceito, que ajuda o homem a LÁ, PORQUE HÁ SEMPRE ESPAÇO, estagnar é um atributo imperfeito, nomeadamente no ser humano, várias velocidades, não há opositores porque tal como ninguém
melhorar-se ao sonhar com beleza e perfeição? E será ela um TEORICAMENTE FALANDO, PARA que está constantemente em mudança, nem que seja porque é pode verdadeiramente morrer por nós nem pagar as nossas
objetivo que nos faz tentar melhorar constantemente, mas apenas MELHORAR, E AO FAZÊ-LO, DESTRÓI-SE um observador do mundo que o rodeia e se deixa influenciar por promessas, também não pode viver a nossa vida. E somos
utópico? Assim sendo, a busca pela perfeição é uma tarefa à altura O ESTADO ANTERIOR, SIGNIFICANDO isso, encontrando-se numa permanente evolução, propositada ao mesmo tempo os outros competidores, juízes, directores
QUE ELE NÃO ERA PERFEITO.
de Sísifo (que carregava uma pedra montanha acima apenas para ou inadvertidamente. A sua existência é imperfeita porque ele da competição e espectadores. Errar é humano é entendido
a ver rolar novamente até à base quando estava quase a chegar ao está constantemente a (tentar) superar-se – e isso é (im)perfeito: habitualmente como ‘falhar’, ‘não acertar’, é humano. Mas o
cume), nunca compensadora, frustrante e, ainda por cima, distinta “Descobrimo-nos inacabados, imperfeitos, não apenas porque sentido inicial não é necessariamente negativo. Errare em latim
de pessoa para pessoa. A imperfeição é, por isso, realidade e a queríamos viver para sempre mas porque queríamos ser sempre quer dizer vagabundear, andar à deriva, sem rumo nem rota
perfeição é ficção? A imperfeição é realidade porque a natureza é jovens”, volta a explicar o professor de filosofia, acrescentando traçados. Mas diz Plutarco: ‘Navegar é preciso. Viver não é
imperfeita, o homem é imperfeito; e perfeição é ficção porque ela ainda que “somos uma partícula do perfeito, como diziam os preciso’. A ânsia de liberdade é uma compulsão, mas viver para
é uma construção humana, com todas as condicionantes que o velhos estóicos. O perfeito é a comunhão com todos os que ser livre, livrar-se de constrangimentos e libertar-se para si
Homem, enquanto ser social, encerra. “O que não encontra tempo amamos, com todas as coisas, com tudo o que existe, com o próprio é uma condição não negociável da existência humana.
para ser é absolutamente im-perfeito. O que é o tempo todo é tão perfeição, porque a perfeição implica o cumprimento de um mundo, com o universo. Queremos ser todas as coisas e existir Os iogis dizem que o ser humano vive para se libertar de si, para
perfeito que continua a ser. O que existe durante algum tempo é propósito – e sempre que o propósito muda, a sua noção também com todos os que amamos e amar mais e mais num mundo ao ser livre ao viver essa libertação, o descondicionamento da lei
entre a imperfeição e a perfeição absolutas. A vida humana tem muda. A perfeição só faz sentido, ou melhor, só existe de uma crepúsculo da vida. A vida é um só dia, desde que seja eterno.” da morte e a abertura para a eternidade. Testemunhar o milagre
os dias contados. Ela própria não é perfeita. Ser humano é estar perspectiva restrita, então? Não. Também existe enquanto da vida e o mistério da morte não é para espectadores. É para
exposto, ser vulnerável, ter os dias contados. Como é que um ideia, no imaginário, ainda que até possa ser inatingível. “O ser eitere-se o primeiro parágrafo: a perfeição actores. Não para figurantes, mas para os protagonistas da sua
ser, por definição efémero, pode ser perfeito? Por outro lado, humano nunca se deixou dominar pela ditadura do que é real e existe. Ou corrija--se: as perfeições existem, própria vida. E quando chegamos a becos sem saída, perdemos
testemunhamos a perfeição, mesmo que relativa, instantânea, que objectivo”, explica Caeiro. “Não se deixa ficar contente com o enquanto produto de diferentes mentes, tempos, oportunidades, vemos as imperfeições, a margem de manobra
seja.”, enquadra António de Castro Caeiro. O que não quer dizer que tem, quer mais, porque não vê apenas dos objetos a parte geografias, multiplicando-se no mesmo número vem da perfeição ainda quando fazemos ideia dela. Na sua
que a perfeição não existe: “Existir diz-se de muitas maneiras. que lhe aparece, vê o interior dos objetos, o lado de trás, o lado de propósitos e ideais que desafiamos para forma, sem se saber ao que corresponde, vem uma ordem ou um
Se como diz Kant, o impossível é o que não existe em tempo de baixo e de cima mesmo que não apareçam. […] É na relação nós mesmos e que tentamos continuamente, frequentemente, convite: começar de novo. Ser prestável, ser útil, ser competente,
nenhum e o necessário é o que existe durante todo o tempo connosco, com os outros, com tudo o que existe que esboçamos a frustrantemente, atingir. Mas a sua existência não implica a sua ser amiga, ser boa filha, mãe, neta e avó, ser boa profissional,
ou o que não se pode pensar sem existir, a existência, então, ideia de perfeição, projetamos ser melhores, por isso, habilitamo- conquista de forma absoluta, apenas relativa. Porque por mais apresentar-se na perfeição e ser perfeita, tudo se esfuma. É a
é o que existe durante algum tempo”, diz-nos o professor de -nos literariamente, inscrevemo-nos em ginásios, vamos ao que tentemos anular imperfeição atrás de imperfeição, isso não ideia de criar, fazer, produzir, de ser, que nos ‘acende’ a ânsia
Filosofia. Existe quando corresponde a essas condicionantes, médico quando não precisamos para melhorar performances, significa necessariamente que o estado de perfeição seja atingido: da viagem. Não regressa quem não parte e quem nunca partiu,
enquadrada num determinado contexto temporal e espacial. conhecemos pessoas e queremos viver com quem amamos, "Ao reconhecer a sua imperfeição pode tentar anulá-la. Anular a nunca foi. ‘Caminhante, não há caminho. Faz-se caminho ao
fazer o que gostamos, mais e melhor, como se estivéssemos imperfeição não é necessariamente ser perfeito, do mesmo modo andar’, afirmou António Machado”, remata António de Castro
ste é um bom ponto de partida para passar para a existência ‘viciados’ numa lógica de adição a tudo o que gostamos de que corrigir imperfeições do rosto ou do corpo com intervenções Caeiro. Proponho que se deixe de cair no clichê de indagar se
de perfeição: ela pode existir enquanto característica, mas fazer. A perfeição é a escalada exponencial da frequência, da cirúrgicas não fará de alguém Helena de Tróia ou Aquiles. a perfeição existe. A pergunta deveria antes ser: a perfeição é
sempre subordinada à perspetiva de um indivíduo e aos quantidade, da qualidade em vista da totalidade. [...] Podemos Podemos mover-nos em duas frentes, suprimir as imperfeições e interessante? Talvez o interessante mesmo seja o caminho que se
pormenores de uma determinada situação ou objeto – a já ter tudo e querer mais. Mas nunca seremos tudo. Se formos tentar aperfeiçoar-nos. [...] A perfeição é um eufemismo para a faz até ela. E esse, com todas as suas imperfeições, é perfeito. l
perfeição funciona se os parâmetros forem rigidamente o que somos queremos sempre continuar a ser mais e mais, eternidade. Queremos viver para sempre, como se continuamente
definidos. Se tem um projeto entre mãos e idealizou o resultado porque ficar como se é, estagna, deteriora, maça e frustra. [...] A vivêssemos os dias mais felizes das nossa vida, com as pessoas
de determinada forma e esse resultado correspondeu a esse ideia de perfeição é tão perfeita que torna a realidade perfeita.” mais queridas nos momentos em que o percebemos, cheios de
ideal, nesse momento, esse resultado foi perfeito – porque não A perfeição existe, então, enquanto conceito inatingível e esperança e alegria, sem nunca acabar como uma festa perfeita,
podia ser melhor do que aquilo, está completo. Mas noutro pessoal, enquanto ideia: sempre batalhamos para chegar a por ter sido perfeita ou por acharmos que foi perfeita”, diz Caeiro.
contexto ou perspectiva, o mesmo paradigma poderia não ser um estado de perfeição (considerando aqui a ambição e não a E se vivêssemos para sempre, interessaria que essa eternidade
interpretado dessa mesma forma. Na Física, por exemplo, os obsessão) incólume, nunca realmente chegando lá, porque há fosse sempre perfeita? Interessaria que isso servisse para atingir
corpos rígidos são descritos como perfeitos quando não são sempre espaço, teoricamente falando, para melhorar, e ao fazê- a “perfeição”? Ainda que ela fosse universal e estado último e ideal
deformados, quando lhe é aplicado algum tipo de força, mas um lo, destrói-se o estado anterior, significando que ele não era da nossa existência, permanecendo incólume para todo o sempre,
corpo plástico perfeito é aquele que é deformado infinitamente perfeito – ou melhor, foi durante o período e enquanto cumpriu seria sequer desejável tê-la? Deixar de descobrir novos estádios
através de um peso constante correspondente ao limite desse o expoente máximo do seu propósito. Ironicamente, a perfeição de conhecimento, absorver experiências e deixar-se mudar por
mesmo corpo plástico; e à medida que o tipo de corpo muda, é, então, um conceito profundamente imperfeito. Não só pelo elas, viver em constante aprendizagem e evolução, isso é sequer
para esta vertente científica, muda também a sua noção de acima exposto – porque não é consensual de indivíduo para algo com relevância para uma vida feliz? “O caminho em direção English version

1 9 4 vogue.pt
A S M Á S C A R A S Q U E U S A M O S
Não as descartáveis, as que nos vêm
de dentro. As que renovamos para
nos adaptarmos a cada situação,
aquelas que escondem o nosso eu,
mas revelam parte da sua origi-
nalidade. As que nos protegem,
mas que também nos sufocam.
As que crescem connosco, as que
ganhamos ao longo da vida e as que
deixamos no caminho, como er-
ros do passado. E desses erros na-
scem outras, como um aperfeiçoa-
mento do ser, imperfeições que
nos vêm de dentro e que carregamos
sozinhos, e libertamos em apar-
tamentos vazios como for-
ma de expressão do que so-
mos. Ou queremos vir a ser.
Fotografia de Branislav Simoncik. Styling de Nina Ford.

English version Vestido em pele, seda e metal e botas em pele, ambos MARNI.
Camisola em lã, ISSEY MIYAKE.
Colar em metal e cristais,
SCHIAPARELLI. Na página ao lado:
casaco e saia em pele, ambos FENDI.
Brincos em metal e cristais, FENDI. Na
página ao lado: blazer vintage em lã
fria e calças vintage em denim, ambas
TEXTILE HOUSE VINTAGE SHOP.
Casaco em camurça, ISABEL MARANT na
ALIZÉ FASHION HOUSE. Calças em lã fria,
NANUSHKA na ALIZÉ FASHION HOUSE.
Pulseira em metal e pérolas, SCHIAPARELLI.
Na página ao lado: top em cetim de seda, saia
em renda de seda e missangas e botas em
neopreno e cetim de seda, tudo FENDI.
Casaco em pele, SALVATORE FERRAGAMO. Óculos
em acrílico, IOKO & NA na IOKO. Luvas em látex,
da produção. Na página ao lado: casaco e calças
acolchoados em nylon, ambos ISSEY MIYAKE.
Vestido em malha de lã, ISSEY MIYAKE.
Vestido em crepe de seda, DAMSON na
VIRVAR STORE. Brincos em metal e cristais
e sapatos em neopreno, cetim e renda de seda,
ambos FENDI. Na página ao lado: macacão
em organza de seda, ISSEY MIYAKE.
Casaco em pele, SALVATORE FERRAGAMO. Óculos
em acrílico, IOKO & NA na IOKO. Luvas em látex, da
produção. Na página ao lado: top em algodão, GUCCI.
Camisa em organza de seda, da produção. Na página
ao lado: vestido em seda e metal, SCHIAPARELLI.
Na página ao lado: camisola em lã,
camisa em algodão, calças em lã fria
e sapatos em pele e cristais,
tudo CHRISTIAN DIOR.
Modelo: Stan Stanislavova @ Elite Prague.
Cabelos: Jan Molnar.
Maquilhagem: Katarina Kmecova.
Editorial realizado em exclusivo
para a Vogue Portugal.
ANÁLISE

Av a n ç a r
através do erro
Boa parte das pessoas que procuram ajuda psiquiátrica fazem-no
pelo medo de cometer erros, ou por não conseguirem evitar cometer
os mesmos erros de sempre. No entanto, é pelos erros que mais
aprendemos. É através dos erros que se descobrem soluções.
E se abrem novas dimensões para a vida. Por Rui Catalão. Fotografia de Rieko Honma.

aula Rocha dá aulas de história da música há 16 anos. as questões que o júri poderá colocar, é o escrutínio total. Há
Periodicamente também escreve notas de programas muitas comparações. Há tanta coisa bem feita que a possibilidade
musicais. Que são entregues no limite do prazo. Quando já de fazer pior é total.” Mas concede que o problema não se resume
soam as campainhas de alarme. Quando já não sobra tempo a comparar-se aos outros. Paula Rocha já colocou a hipótese
para a revisão. Quando a impressão do programa arrisca de nem acabar a tese: “Porque é que hás de colocar-te à prova?”
não chegar a tempo para a data do concerto. E, no entanto, a Para se livrar do estado de culpa, até já imaginou a possibilidade
nota estava pronta. O que tardou foi a entrega: “Quando escrevo de se aceitar a si mesma como uma falhada. O medo que tem,
um texto não consigo olhar para ele, fico com vergonha do que admite, é o de quem “recusa a possibilidade de errar”. Enquanto
escrevi. Não consegues conciliar-te com a mediania do que és”, professora, tem de ajudar alunos a quem reconhece problemas
remata, como se estivesse a falar ao espelho. Professora no semelhantes. Usa várias estratégias para os levar a terminarem
ensino artístico especializado, doutoranda em ciências musicais, os trabalhos. Descobriu-as a todas em si mesma: “Mesmo que
carrega mesmo assim um peso ainda maior: há 20 anos que falhes, vais ver que a dor não é assim tão grande” é uma frase
está a escrever uma tese de doutoramento. “Amanhã quero que funciona com os alunos. Só não funciona com ela. “Se não
trabalhar o dia todo na minha tese”, afirma. “Agora não tenho fosse tão rija já teria desistido. Mas o atraso é indesculpável.”
tempo para isto, que tenho uma tese para escrever”, costuma Conviver com o medo paralisante de errar, ou de repetir os
dizer, também, quando se envolve numa discussão. As férias, os mesmos erros, sem haver maneira de romper o padrão, são

FOTOGRAFIA: RIEKO HONMA / GETTY IMAGES.


fins-de-semana, os tempos livres, reserva-os para ler um novo duas das causas mais frequentes que levam as pessoas a iniciar
artigo, tirar notas de um livro que acrescentou à bibliografia, processos de psicoterapia, afirma Ana Teixeira, psicóloga clínica,
ou escrever mais umas páginas. É claro que nem sempre ocupa especialidade que exerce há 11 anos. “Evitam as consequências e
as folgas a escrever, mas quando não o faz a tese continua lá ao depois ficam bloqueadas na ação”, explica. “As que não evitam,
fundo. Faz-se notar. Impõe a sua presença. A observá-la. têm muita dificuldade em fazer a gestão do erro. Não têm
A julgá-la. A tese já tem 600 páginas prolixamente editadas, estratégias para lidar com a culpa, para aceitarem os erros que
reescritas e revistas. “Não é possível cobrir tudo, mas há sempre cometem.” A evolução do conhecimento, das civilizações, o
dois ou três artigos que podem enriquecer o trabalho e à medida próprio processo científico, faz-se por experiências de tentativa
que o tempo passa surgem mais artigos sobre o trabalho.... e erro, mas a cultura ocidental também se baseia no julgamento e
a pesquisa implica continuar a descobrir mais qualquer coisa.” na condenação, e essa possibilidade tem um efeito bloqueador. “A
Paula já deu a si mesma, e a todas as pessoas com quem facilidade com que aprendemos a julgar”, continua Ana Teixeira,
partilha este segredo com o rabo de fora, todas as justificações:
“Concebes uma coisa tão perfeita que depois não a consegues
executar. Vais adiando até não haver a possibilidade de corrigir
os erros, porque não há nada que não tenha erro.” Conviver com
a expectativa que impôs a si própria tornou-se uma tortura auto-
-infligida: “A tese é só a parte mais dolorosa e evidente. Tudo
o resto é um falhanço monumental na procura da perfeição.”
Quem é que lhe impôs semelhante nível de exigência? “Muitas
vezes estás a escrever e a imaginar a cara de quem está a ler,

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ANÁLISE

“leva-nos a ter dificuldade em aprender com os erros que MAIS DOLOROSO DO QUE SER a distinguir as estratégias que dão resultados favoráveis das que sucessos de uma personagem excecional, seja em que área
cometemos.” A consequência é “uma forma altamente DERROTADO, INTUI O DESISTENTE, falham repetidamente. A maior parte das coisas que aprendemos for, tendemos a ignorar os fracassos que também existem no
destrutiva de fazer esta aprendizagem.” Ou seja, ou se cometem É LUTAR POR ALGO E PERDER. O a fazer já foram descobertas. Podemos aprender com elas e depois seu percurso. Da ciência às artes, passando pelos negócios e
os mesmos erros, sem encontrar estratégias alternativas, LAMENTO, A DESCULPA, SÃO O fazê-las à nossa maneira. Mas há problemas que não têm solução pela política, aquilo que distingue uma pessoa com fama de
ou se evitam cometer erros, sem avançar com tentativas. CONSOLO DE QUEM NÃO OBTÉM à vista. Para seguir em frente, estamos condenados a incorrer bem-sucedida é a sua capacidade de superar os erros, e não de
AQUILO QUE DESISTIU DE PROCURAR.
“Se conseguissem gerir estes padrões de funcionamento no erro. A perfeição é apenas uma fórmula de repetir algo que já os evitar. Federer, para além de ser o campeão dos erros não
disfuncionais não precisariam de ajuda...” O truque está se sabe como se faz, mas a descoberta de algo diferente depende forçados, tem outra característica desconcertante: à medida
então em “treinar o cérebro” para encontrar outras formas de fatores aleatórios que não são controláveis. As maiores que vai envelhecendo, vai aumentando também o número de
de operar. O problema é que isso dá trabalho. Implica ganhar descobertas da ciência, assim como tantas outras do espírito erros não forçados. Seria de esperar que um atleta experiente
consciência do que se fez ou não se conseguiu fazer, já que humano, dependem de erros que acidentalmente se revelaram aprendesse a cometer menos erros do que quando era jovem.
“sem consciência a mudança não acontece.” Surge então outro soluções. O comportamento humano, no entanto, é avesso ao erro. Na verdade, Federer aprendeu! Os erros que comete atualmente
problema: a solução resulta de um processo de procura, e não são diferentes dos que cometeu no passado. Esses novos erros
necessariamente de algo que se descobre e que pode ser aplicado psicóloga Angela Duckworth, autora de escondem o seu pensamento estratégico. Em comparação com
imediatamente. Há que “deixar cair o pensamento” e “ter foco no Grit (tradução livre: “cerrar de os adversários mais jovens, ele está em declínio físico, mas isso
que se está a fazer.” Mas como fazer isso, quando se valorizam dentes”), encontrou no mistério de nos não o impede de evoluir noutros aspetos. E nisso segue uma
mais os resultados do que as ações e as etapas do processo de apaixonarmos o entusiasmo e a força para tradição de grandes figuras que conquistaram o prestígio na
mudança? Em situações pós-traumáticas, diz-nos Ana Teixeira, prosseguir. As coisas que desejamos são atos juventude, sem nunca deixarem de nos surpreender quando
“a possibilidade de aprender com os erros é tardia. O aparelho introspetivos, explica Duckworth, mas o interesse que temos chegaram a veteranos: Chaplin, Picasso, Einstein, Steve Jobs,
psíquico não lida com o sofrimento, dissocia, e há tarefas a nelas só se pode desenvolver quando interagimos com elas no Bill Gates, Churchill, Cristiano Ronaldo, Carlos Lopes...
cumprir que implicam a sobrevivência das pessoas.” Se é difícil mundo exterior: “Sem experimentar, não conseguimos prever A característica de um génio, quase se pode arriscar, é menos
aprender com os erros no momento em que são cometidos, ou livros de divulgação. Os autores de livros de autoajuda têm os interesses que se mantêm depois da atração inicial.” Mesmo o talento do que a capacidade de perseverar nos momentos em
também não é claro perceber o momento em que estamos por hábito encher páginas com truques para o sucesso, mas assim, sobra uma questão: porque é que acreditamos tanto que nada lhe corre bem. Em qualquer atividade competitiva o
preparados para os enfrentar e agenciar novas estratégias. Saujani incentiva as mulheres a errarem e a não terem medo no poder da paixão, mas não conseguimos perseverar nela? benefício depende do efeito surpresa. E isso implica arriscar.
Lidar com os erros, ou com a possibilidade de os cometer, de o fazer muitas vezes: “Se ainda não falhaste”, afirma ela, Duckworth devolve-nos ao pavor que temos de errar. Mas de que vale uma multidão de erros perante um momento de
implica uma relação com o sofrimento. Ora uma das frases “nem chegaste a tentar.” Saujani dirije-se a um segmento da É um medo tão paralisante que preferimos nem arriscar. Mais glória? O pianista americano Thelonious Monk (1917-1982) veio
mais usadas pelos pacientes de Ana Teixeira é: “Não me digas sociedade composto por jovens que ainda se vão sujeitando a doloroso do que ser derrotado, intui o desistente, é lutar por clarificar este casamento improvável entre erro e sucesso. Monk
que isso [lidar com o sofrimento] pode ser uma coisa boa.” estereótipos femininos, mas a cultura de memes, frases feitas e algo e perder. O lamento, a desculpa, são o consolo de quem foi o músico de jazz que compôs mais temas que são usados,
resumos de momentos altos sobrevaloriza os instantes em que não obtém aquilo que desistiu de procurar. E é por isso, diz ainda hoje, como standards da música americana. As composições
uando hoje lemos uma obra-prima como O Crime Do tudo corre bem, eliminando o processo para lá chegar, em que Duckworth, que reconhecemos génio em quem é bem-sucedido: que escreveu na sua juventude foram, inicialmente, consideradas
Padre Amaro, não imaginamos que Eça de Queiroz tenha quase tudo parece estar a correr mal. Os hábitos de consumo “Preferimos conviver com o mistério. Preferimos acreditar esquisitas, ou mesmo incompetentes, mas 70 anos depois de
convivido, em público, com os erros que cometeu. Quando valorizam a perfeição sem história, mas a história recorda-nos que a excelência surge por geração espontânea. Não queremos terem sido criadas ainda são tocadas – um pouco por todo o
o primeiro romance de Eça foi publicado por Antero que o ato de falhar e corrigir é que molda a nossa aprendizagem. acompanhar o processo de evolução que leva um amador a mundo. Os problemas que ele criou na sua música continuam a
de Quental, na Revista Ocidental, o próprio autor ficou Existe, por isso, uma corrente pedagógica de aprendizagem tornar-se num especialista.” O problema de quem não arrisca, estimular as novas gerações para os resolver. Ele chamava-lhes
apavorado: “Mando-te o borrão de um romance e tu pelo erro. O erro torna-se o suporte do desenvolvimento, na para Duckworth, é ser destituído de paixão. As pessoas que têm “erros certos”, que distinguia dos “erros errados.” No contexto
publicas o borrão”, escreveu ao amigo, a quem prometeu uma medida em que permite criar um processo de construção medo de errar só retiram prazer de serem bem-sucedidas, mas da música, a sua obra tem muitas afinidades com a do físico
bengalada por lhe ter queimado “a vaidade literária.” E de facto do conhecimento. Quando somos educados num sistema de “a paixão está no prazer que se retira daquilo que fazemos.” Einstein. Os erros que ambos cometeram foram uma fonte
o romance foi acusado de vários pecados, entre os quais o de proibições e obrigações, as nossas ações são julgadas por No ténis existe uma jogada a que é dado o nome de “erro não inesgotável de novas descobertas e inovações. Os erros certos
plágio, e logo pela maior figura literária da época: Machado de castigos e recompensas. O prazer deixa de estar no ato de forçado.” É uma pancada em que o tenista perde o ponto sem que são as pistas que se abrem para o futuro. O que hoje tomamos
Assis. Eça defendeu-se das críticas, mas veio mesmo a corrigir fazer e resume-se à recompensa final. O trabalho torna-se um o adversário lhe tenha causado dificuldades. Se os atletas que os por correto é possível que amanhã não tenha importância
muitos aspetos de construção apontados pelo romancista sacrifício. Mas, a partir do momento em que somos estimulados cometem fossem medíocres, os erros não forçados denunciariam nenhuma. Tal como disse Reshma Saujani, “se ficas à espera que
brasileiro. Até chegar à sua versão definitiva, O Crime Do Padre pelo processo, abrem-se alternativas, maneiras diferentes a incompetência do executante, incapaz de dar continuidade a as coisas se alinhem, quando isso acontecer já tudo acabou.”
Amaro foi crescendo, até ficar com o triplo das páginas da sua de fazer e pensar, que podem ser mais interessantes, mais uma jogada simples. Mas dá-se o caso de o campeão dos erros É nos erros que se abrem novas dimensões para a vida. l
edição original. “O que é que vai pesar mais nas tuas decisões, económicas, mais elegantes, mais eficazes. Mais divertidas. Ao não forçados ser Roger Federer, considerado por unanimidade
a nódoa provocada pelo falhanço ou o remorso do que podia tentar fazer de forma diferente podemos errar, mas podemos o maior tenista de todos os tempos! Num jogo em que cometeu
ter acontecido?” A frase é de Reshma Saujani, uma norte- também perceber o alcance das nossas ações. Acima de tudo, 81 erros não forçados, um jornalista perguntou-lhe como é que
-americana de ascendência indiana que em menos de dez anos invertemos a dinâmica competitiva: não se trata de fazer à explicava tantas falhas. Federer respondeu que o seu foco não
criou uma organização, Girls Who Code, que já formou quase imagem dos outros, mas de aprender a fazer melhor hoje estava na estatística, querendo com isso dizer que o seu objetivo
um milhão de raparigas em ciências computacionais, oferecendo o que tentámos fazer ontem. O amanhã abre-se como uma era ganhar e não contar o número de erros cometidos. E, de
novas oportunidades de carreira numa área tradicionalmente possibilidade de crescimento. A insistência de continuar a tentar facto, ele venceu o jogo. É aqui que o senso comum escorrega:
reservada aos homens. Saujani tem acompanhado este seu vai-nos recompensando, não por sermos bem-sucedidos, mas habituamo-nos a evitar cometer erros, mas um vencedor como
projeto com ações de campanha sob a forma de conferências porque nos aproximamos dos nossos objetivos. Aprendemos Federer não parece preocupar-se. Sempre que listamos os English version

2 1 8 vogue.pt
F A U X P A S
Dar um passo em falso no
guarda-roupa? Jamais. Não
há espaço para erros quan-
do a atitude é a certa. Não há
guarda-roupa incorreto quan-
do a imaginação domina. Não
há styling ideal porque o ideal
não existe. Não há looks per-
feitos, porque a suposta per-
feição é aborrecida. Não há
silhuetas imperfeitas, só mind-
sets equivocados. Faux pas só
mesmo o daqueles que não
veem que falso é não ser fiel
ao que se é. E só isso é errado.
Fotografia de Carolina Amoretti. Styling de Yosephine Melfi.

English version Oxana: vestido em tule de seda e cristais, GUCCI. Mangas em tafetá de seda, CHANEL. Pulseira em metal, PRADA.
Giulia: t-shirt em algodão, da produção. Cuecas em seda e calções em renda de seda, ambos ROSAMOSARIO. Cinto em metal e resina, CHANEL. Sapatos em pele e PVC, PRADA.
Na página ao lado, Tracy: blusa em renda de seda, FENDI. Arnês em pele, GUCCI. Giulia: vestido em crepe e renda de seda, ROSAMOSARIO.
Caterina: camisa em organza de seda, ROSAMOSARIO. Top em malha de algodão, PRADA. Choker em pele e metal, ABSIDEM.
Na página ao lado, Tracy: vestido em algodão, CORMIO. Gola em tule de seda, VÌEN. Botas em pele, ACNE STUDIOS.
Milena: camisa em organza de seda, CORMIO. Cuecas em organza de seda, ROSAMOSARIO. Meias em malha de lã, GUCCI.
Meias em licra, TYTM8. Sandálias em pele, FENDI. Na página ao lado, Giulia: vestido em tule de seda e vinil, LOUIS VUITTON.
Gola em renda de seda, ROSAMOSARIO. Lingerie em renda de seda, AGENT PROVOCATEUR.
Alpha: colete e calças em algodão, ambos ACNE STUDIOS. Na página ao lado, Paola: body em mousse, FANTABODY.
Corset em tule de seda, ROSAMOSARIO. Botas em pele, ACNE STUDIOS. Caterina: vestido em seda e sandálias
em pele, ambos PRADA. Corset em tule de seda, ROSAMOSARIO. Cachecol em malha de lã, FENDI.
Fashion film

Oxana: vestido em organza de seda, PRADA. Alpha: camisa em algodão, ACNE STUDIOS. Na página ao lado,
Oxana: vestido em organza de seda, PRADA. Vestido em tule de seda, LUISA BECCARIA. Luvas em vinil, GUCCI.

Modelos: Tracy @ Boom Models Agency. Alpha Ndoye @ IMG Model. Milena Podda @ The Lab Models. Giulia Ghezzi @ Next Models Milano.
Oxana, Paola Crudo e Caterina Pollicoro. Cabelos: Renos Politis @ EtoileManagement. Maquilhagem: Elena Gaggero com produtos Fenty Beauty.
Casting e produção: Alessandro Khalder @ Khalder Productions. Assistente de fotografia: Irene Guastella.
Assistente de styling: Anna Daprelà. Assistente de cabelos: Valentina Achilli. Assistente de maquilhagem: Gaia Dellaquila.
Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
CINEMA

Assim nasciam
as estrelas
Foi uma das mulheres mais sexy do século XX, mas Margarita
Carmen Cansino não estava à altura dos padrões estéticos de
Hollywood, por isso teve de fazer aquilo a que hoje apelidamos
de extreme makeover. O mesmo aconteceu com Norma Jeane
Mortenson, que nunca teria sido mais do que uma girl next door
se não tivesse alinhado nas exigências dos grandes estúdios. Nos
anos dourados do cinema, não bastava ter uma cara bonita ou ser
uma boa atriz. Era preciso ter “o pacote completo.” Por Ana Murcho.

do conhecimento geral que, para que os seus lábios período que se situa entre as décadas de 1920 e 1960, a indústria
parecessem mais cheios e carnudos, Marilyn Monroe (1926- cinematográfica viveu um dos seus momentos áureos, se não
-1962) utilizava cinco tons diferentes de batom – precedidos mesmo o mais áureo: as superproduções sucediam-se, o público
do obrigatório lápis, ou lip liner, já então uma ferramenta nas salas multiplicava a cada ano, os atores transformavam-se
indispensável na makeup bag de qualquer mulher – e que em estrelas, o marketing fazia entrar milhões nos cofres das
o processo só ficava concluído após a aplicação de várias maiores produtoras. Só existia um senão. Para que tudo isso
camadas de gloss, para criar um efeito tridimensional que deixava acontecesse, as falhas não eram permitidas. O que, no caso dos
qualquer um de olhos em bico. Também não é propriamente membros do sexo feminino, significava “play by the rules”, mudar
segredo que Alberto de Rossi, maquilhador pessoal de Audrey (tudo) o que fosse preciso, e só dar a cara quando alguém com
Hepburn (1929-1993) tinha por hábito colocar máscara de poder suficiente decidisse que tinham “the whole package."
pestanas na atriz e, depois, servir-se de um alfinete para as Reza a lenda que, quando o seu primeiro filme saiu, o estúdio
separar, uma por uma, até conseguir o “efeito Bambi” que a com o qual tinha contrato lhe comunicou que parecia “a fat
caracteriza até hoje. Nenhuma caixa de Pandora esconde a little pig in pigtails”, que é como quem diz, “um porco gordo com
obsessão de Sophia Loren (Roma, Itália, 1934) por azeite, que tranças” – o mimo é um trocadilho com o nome da película,
usava não só na sua dieta mediterrânica, mas em todo o seu Pigskin Parade (1936) e com a personagem que representa, uma
imponente corpo, o fetiche de Mae West (1893-1980) por óleo menina de cabelo curto, encaracolado… com tranças. Coisa
de coco, que dava à sua pele um glow eternamente jovem e agradável para se dizer a uma rapariga de 14 anos. Ainda para
natural, nem o truque de Grace Kelly (1929-1982), que décadas mais quando essa rapariga era uma das maiores estrelas em
antes de Kim Kardashian descobriu os poderes do blush para ascensão de Hollywood, nada mais nada menos que Judy
definir (atualmente o verbo correto é “to contour”, mas quem é Garland (1922-1968). Mas o que fazer quando o talento não
que quer saber disso quando foi uma princesa que inventou a correspondia aos cânones estéticos da época? Frances Ethel
técnica?) as suas mais-que-perfeitas cheekbones. Pelo contrário, Gumm (era esse o seu verdadeiro nome) tinha apenas 1,51m e a
é possível que nem todos os leitores, e espectadores, saibam sua doçura não refletia a personalidade das grandes movie stars
que Marlene Dietrich (1901-1992) tenha decidido retirar os de então. Charles Walters, realizador que com ela trabalhou
molares para acentuar (ainda mais) as suas maçãs do rosto e por várias vezes, afirmou a propósito: "Judy era uma máquina
que, de vez em quando, recorresse a adesivos cirúrgicos para de fazer dinheiro, um grande sucesso, mas era o patinho feio...
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES.

sentir os resultados de um face lifting provisório. Ou que Joan acho que isso teve um efeito muito prejudicial no seu [lado]
Crawford (1904-1977), após um dia de trabalho, tivesse por emocional por um longo tempo. Acho que durou para sempre,
hábito enfiar a cara dentro de água gelada 25 vezes depois de a na verdade.” E assim foi. Hoje sabemos que a vida de Garland
lavar, com o intuito de fechar os poros e estimular a circulação. foi tudo menos brilhante – depois de tentar o suicídio várias
E talvez, arriscamos, para camuflar as sardas que lhe cobriam vezes, morreu de uma overdose acidental aos 47 anos. Um final
parte da face - e que magicamente desapareciam sob inúmeras trágico que poderá estar ligado à forma quase ditatorial com
camadas de base e pó. Nos anos dourados de Hollywood, um que foi “forçada” a crescer. A MGM, à qual esteve ligada mais de

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CINEMA

como os mais belos do mundo. Por essa altura, já ela tinha sua autobiografia Ava: My Story (1990). Se muitas concordaram
um contrato com a Max Factor para promover os batons em abortar, ou até mesmo em não ter filhos, Loretta Young
Tru-Color e a gama de maquilhagem Pan-Stik. Apesar de ter (1913-2000), vencedora do Óscar de Melhor Atriz pela sua
entrado em mais de 61 filmes, foi sempre o seu aspeto físico performance em The Farmer’s Daughter (1947) foi mais longe:
que prevaleceu para o grande público. Como prova de seu católica rigorosa, manteve a sua gravidez em segredo, afastou-
estatuto de ícone, a quarta bomba atómica a ser detonada -se dos holofotes e, tempos depois, adotou a sua filha biológica,
num teste atmosférico em Bikini Atoll recebeu o apelido que era afinal fruto da sua relação (ilegítima) com Clark Gable
de “Gilda” e foi decorada com uma fotografia de Hayworth. durante a rodagem de Call Of The Wild, em 1935. A verdade só
De acordo com Orson Welles, segundo marido da atriz, ela foi conhecida após a sua morte, com a publicação das suas
uma década, manteve-a sempre sob rédea curta, orientando ficou furiosa por ter a sua imagem associada a tal processo. memórias. Bullying? Assédio? Perseguição? Está nas mãos de urante muito tempo foi uma pergunta quase
as suas decisões ao detalhe: era forçada a seguir uma dieta Como viria a afirmar mais tarde, numa entrevista, “Men go cada leitor dar a sua sentença. À época, Hollywood regia-se por tão intermitente como a que, até hoje, rodeia
onde as calorias não podiam entrar, e até o staff do refeitório to bed with Gilda, but wake up with me”. Que é como quem diz um “código de trabalho” chamado Lei De Havilland, implantado a sua morte: será que Marilyn Monroe se
estava instruído para lhe dar apenas canja de galinha até ela “Os homens vão para a cama com a Gilda, mas acordam em 1937. De acordo com as regras nele explicitadas, o contrato submeteu a operações plásticas? É sabido
atingir o peso certo – isto ao mesmo tempo que lhe enfiavam comigo”. Estaria a falar de Margarita Carmen Cansino? médio de um ator durava sete anos, período durante o qual que, pouco antes de fazer 20 anos, Norma
diet pills pelas goelas abaixo. De acordo com o seu primeiro deveria atuar em quaisquer filmes que o estúdio desejasse. Os Jean Baker, a jovem californiana de beleza natural que viria a
marido, David Rose, com quem se casou aos 18 anos (e sem té a diva maior, a incontestável, sofreu pressões para estúdios, por sua vez, tinham o direito de “emprestar” atores a transformar-se na mulher mais famosa do mundo, decidiu
o “consentimento da MGM”, o que mais tarde viria a ter estar dentro dos padrões exigidos pela indústria. Greta estúdios concorrentes sem o seu consentimento ou permissão, pintar os seus cabelos escuros, compridos e encaracolados
repercussões na sua vida pessoal, já que foi forçada a fazer Lovisa Gustafsson, que o mundo viria a conhecer como às vezes como punição ou por “mau comportamento” da parte de um louro curto platinado, com o intuito de conseguir mais
um aborto porque ser mãe, alegadamente, iria tirar-lhe parte Greta Garbo (1905-1990), “La Divina”, nasceu e cresceu na do ator. Todos os elencos era pensados de maneira tipificada. trabalhos de modelo. A resolução deu frutos já que, pouco tempo
dos seus fãs), a atriz era encorajada a fumar até 80 cigarros Suécia, e sempre soube que queria ser atriz. Começou por A aparência era extremamente importante. A manutenção do depois, foi abordada por um executivo da 20th Century Fox,
por dia para suprimir o apetite. Demasiado? A todos os fazer anúncios e, aos 17 anos, foi aceite na Dramatic Theatre peso era padrão em qualquer acordo, da personagem principal que acabou por lhe propor um contrato de seis meses.
níveis. Só que há mais. É sabido que a atriz, à semelhança Academy, onde conheceu o primeiro dos seus mentores, ao figurante. A aptidão física era rigorosamente aplicada. Em agosto de 1946, divorciou-se (era casada desde 1942) para se
de muitos colegas, consumia anfetaminas e barbitúricos em Mauritz Stiller. Foi ele que lhe mudou o nome e foi ele, também, O que não poderia ser resolvido era alterado cirurgicamente. concentrar totalmente na carreira de atriz e transformou-se em
doses mais do que recomendáveis – era a única forma de que a convenceu a perder nove quilos antes de lhe oferecer “Uma estrela é feita, criada; construída com cuidado e sangue- Marilyn Monroe. Terá sido por essa altura que, à semelhança de
conseguir manter o ritmo (frenético) de fazer uma produção um dos papéis principais no seu filme The Saga of Gösta frio a partir do nada”, terá afirmado Louis B. Mayer. “Tudo o Rita Hayworth, seguiu o já mencionado processo de eletrólise
atrás da outra. Os resultados não tardaram a chegar. No Berling (1924), que acabaria por chamar a atenção de Louis B. que eu sempre procurei foi um rosto. Se alguém me parecesse capilar – não porque tivesse origens latinas, mas para mudar
filme que marca a transição de “estrela adolescente” para Mayer, o patrão da MGM. O convite para voar até Hollywood bom, eu poderia testá-lo. Se uma pessoa parecesse bem na o formato da sua cara. E terá sido por essa altura, também, que
“atriz adulta”, For Me And My Gal (1942), onde contracena com não demorou. Nem o recado que Mayer deixou a Stiller: película, se fotografasse bem, nós poderíamos fazer o resto.” as crises de ansiedade começaram, porque Monroe nunca era
Gene Kelly, Garland está visivelmente mais magra, longe da “Na América, não gostamos de mulheres gordas.” suficientemente… nada. O álcool, os comprimidos, o desespero.
imagem de criança inocente que guardamos de obras como E assim foi. Garbo começou uma dieta de espinafres que durou Apesar de ser adorada por uma legião de fãs que nunca parou
The Wizard Of Oz (1939). As suas magníficas performances três semanas, perdeu o peso pretendido pelo estúdio, e ficou de crescer, a artista vivia numa luta constante consigo própria.
deram-lhe entrada direta na História do Cinema. Infelizmente, terrivelmente doente. Esse seu novo look, em que as curvas E com as exigências dos seus “patrões.” É por isso que a questão
nunca conseguiu usufruir desse estatuto de corpo e alma. foram substituídas por linhas invisíveis que escondiam um das suas supostas cirurgias nunca teve uma resposta. Até 2013,
Chegou à Terra do Tio Sam como uma mui latina Margarita corpo sem energia nem vitalidade, e em que as maçãs do rosto altura em que uma “coleção” com raios-X e notas pessoais do
Carmen Cansino e acabou na versão ultraglamorosa, e salientes atraíam a luz qualquer que fosse o ângulo, acabou por cirurgião Michael Gurdin, pertencentes ao período entre 1950-
ultratrabalhada, que deu pelo nome de Rita Hayworth permanecer durante toda a sua carreira cinematográfica. Ela 1962, chegaram à Julien's Auction House. Sim, isto quer dizer que
(1918-1987). A estrela de Gilda (1946) tinha potencial para tinha aquilo a que uma jornalista do The Guardian apelidou, alguém, algures, adquiriu documentos médicos que pertenceram
ser uma bombshell, mas quando aterrou em Hollywood era a propósito do seu centenário, em 2005, de “European ennui”, à atriz de Bus Stop (1956), nomeadamente os que datam de 7 de
tudo o que os chefões da sétima arte não queriam: segundo ou letargia, ou tédio, Europeu: “They had vamps, they had sex junho de 1962, apenas uma semana após seu 36.º aniversário e
a Columbia Pictures tinha um aspeto demasiado espanhol, bombs, but they'd never had existential depression.” Porque aquilo dois meses antes de sua morte, e que revelam que Monroe (sob o
por isso Cansino concordou em submeter-se a uma série que Garbo carregava, antes de mais, era uma solidão invisível pseudónimo de "Joan Newman") teve um implante de cartilagem
de “intervenções”, entre as quais a eletrólise capilar, que que nem todos os retoques podiam esconder. “Eles tinham feito por causa de uma "deformidade do queixo”, em 1950,
basicamente remove cabelos de zonas indesejadas (neste vamps, tinham sex bombs, mas nunca tinham tido [alguém] com enquanto um raio-X facial mostra que ela teve, igualmente, uma
caso, da testa, onde existiam para lá daquilo que a etiqueta uma depressão existencial.” E foi isso, mais do que tudo o pequena fratura no nariz, o que confirma as suspeitas de que
considerava correto) à base de choques elétricos, impedido- resto, que tornou a atriz sueca numa lenda sem comparação. English version Marilyn fez uma pequena rinoplastia no início de sua carreira.
-os de voltar a crescer. E como o tal ar “Spanish-y" não Harlean Harlow Carpenter, ou melhor, Jean Harlow (1911- O que é que tudo isto muda em relação ao mito? Rigorosamente
desaparecia com uns pequenos retoques, a atriz aceitou 1937), foi proibida de contrair matrimónio porque o facto de O CONVITE PARA VOAR ATÉ nada. Porque com ou sem a certeza dessas intervenções,
fazer um tratamento de “skin lightning”, algo que ainda hoje se tornar “esposa de” poderia mexer com os níveis do seu sex HOLLYWOOD NÃO DEMOROU. NEM Marilyn, ou Norma, será sempre Marilyn – e, acreditamos, cada
é considerado prática perigosa. Imagine-se há 80 anos… appeal. Devido a uma cláusula de moralidade com a MGM, o O RECADO QUE MAYER DEIXOU vez mais Norma, porque a distância, e o tempo, permitem-
Para completar a transformação, Cansino (ou deveremos estúdio pôde opor-se (leia-se, proibir) ao seu casamento com A STILLER: “NA AMÉRICA, NÃO nos ver que o seu brilho esteve lá, desde o início, com ou sem
dizer Hayworth?) pintou a sua rebelde cabeleira preta de William Powell. E quando a atriz ficou grávida do “amante”, GOSTAMOS DE MULHERES GORDAS.” extreme makeover. Tal como Barbra Streisand, a mulher que
E ASSIM FOI. GARBO COMEÇOU
um atraente castanho-avermelhado. Apelidada de “Love tudo foi tratado de forma discreta para que o seu aborto se recusou a “mudar o nariz” e se tornou na exceção à regra,
UMA DIETA DE ESPINAFRES QUE
Goddess” (deusa do amor) pela imprensa, em 1949 a American passasse incólume aos olhos do público. “A MGM tinha todo DUROU TRÊS SEMANAS, PERDEU O destruindo a velha crença de que, em Hollywood, só podia
Artists Professional League (uma associação que promove o tipo de cláusulas de penalização no que diz respeito às suas PESO PRETENDIDO PELO ESTÚDIO, E vingar quem tivesse “the whole package”. A partir de Streisand,
os artistas e os seus trabalhos) votou nos lábios de Rita estrelas terem filhos”, revelou Ava Gardner (1922-1990) na FICOU TERRIVELMENTE DOENTE. o talento passou a ser o ingrediente mais pesado do pacote. ●

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T H E P E R F E C T S U N D A Y
O domingo perfeito, o cenário
perfeito, o tempo perfeito.
A paisagem perfeita, o guar-
da-roupa perfeito, a casa per-
feita com a decoração perfeita.
A companhia perfeita, num
silêncio perfeito, em poses per-
feitas que se desdobram e mul-
tiplicam em passeios perfeitos
ou que se imortalizam na inér-
cia perfeita. O plano perfeito,
depois de uma noite perfeita, e
a preguiça perfeita no sofá per-
feito de uma tarde perfeita nas
nossas vidas imperfeitas. Per-
cebe? Percebo perfeitamente.
Fotografia de Yohann Truminski. Styling de Sergio Alvarez.

English version Rodrigue: camisa em flanela de lã, DRIES VAN NOTEN. Calças em lã fria, LEMAIRE. Botas em camurça, ADIEU PARIS.
Rodrigue: bomber em nylon e camisa em seda, ambos DIOR MEN’S COLLECTION. Calças em lã fria, LACOSTE.
Na página ao lado, Mayka: sapatos em pele, JEAN PAUL GAULTIER.
Na página ao lado, Rodrigue: camisa em seda, DIOR MEN’S COLLECTION. Calças em lã fria e meias em lã, ambas LACOSTE.
Sapatos em pele, CHRISTIAN LOUBOUTIN. Mayka: vestido em algodão, SEVALI. Sandálias em pele, CHRISTIAN LOUBOUTIN.
Na página ao lado, Rodrigue: camisa em seda e calças em lã fria, ambas LUDOVIC DE SAINT
SERNIN. Meias em algodão, LACOSTE. Maika: vestido em seda e algodão, ALEXANDER MCQUEEN.
Anéis em metal, BALENCIAGA. Na página ao lado, Mayka: casaco e saia em lã e sapatos e pele, tudo PRADA.
Rodrigue: casaco em lã e vinil, ARTHUR AVELLANO. Calças em lã, ANDREA CREWS. Botas em pele e metal, GIVENCHY.
Mayka: casaco e saia em lã, ambos PRADA. Na página ao lado, Rodrigue: casaco em lã, KUAN WANG.
Rodrigue: casaco em lã, PRADA. Na página ao lado: carteira em pele, BOTTEGA VENETA. Botas em borracha, AIGLE.
Rodrigue: poncho e camisola em lã, ambos ACNE STUDIOS. Calças em lã, STUDIO RICE. Lenço em seda, DRIES VAN NOTEN. Botas em pele, DIOR MEN’S COLLECTION.
Na página ao lado, Rodrigue: camisola em malha de lã e leggings em licra, ambos BALENCIAGA. Ténis em malha stretch e PVC, BALENCIAGA X VIBRAM.
Modelos: Mayka Merino @ The Claw Models e Rodrigue Durard @ M Management Models. Cabelos: Shaila Moran e Yumiko Hikage com produtos Leonor Greyl e Christophe
Robin. Maquilhagem: Lamia Bernad. Assistente de styling: Flavia Banchi. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.

Fashion film
PORTEFÓLIO

A Glória
do Abandono
Já foram majestosas mansões, imponentes castelos ou, até,
borbulhantes casinos onde a noite parecia não ter fim. Agora são
apenas lugares sem futuro, vestidos de imperfeições e saudade, à
espera que a lente de Mathias Mahling lhes dê uma nova vida. Por Ana Murcho.

FOTOGRAFIA: D.R.

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PORTEFÓLIO

Steampunk Greenhouse. Estufa abandonada a transbordar de glicínias, Itália. Na página ao lado: Left Behind.
Cena instigante numa vila abandonada, Itália. Na dupla anterior: Chairy Blossom. Conjunto de cadeiras num asilo abandonado, Itália.

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PORTEFÓLIO

isclaimer: o fotógrafo que assina as magníficas imagens


deste portefólio não é, na verdade, fotógrafo. Ou melhor, é,
mas não a tempo inteiro. Apesar de, nos últimos dez anos,
ter visitado cerca de 30 países, 500 locais “em ruínas”, e de
ter tirado um número incontável de fotografias, Mathias
Mahling, 42 anos, residente em Berlim, Alemanha, faz de tudo
isto o seu side job (no dia a dia, é designer de produtos digitais),
a sua forma de partilhar com o mundo a beleza imperfeita de
coisas que, de outra maneira, permaneceriam invisíveis para
sempre. Tal como afirma, é a combinação de solidão, tristeza Camboja, e Petra, na Jordânia, antes de “entrar” nos lugares
e encanto que o atraem para estes lugares abandonados que que agora fotografo para a minha arte. Alguns diriam que estão
começou a fotografar por acaso – é como se, com o passar abandonados, apesar de todos os dias ficarem cheios de turistas
do tempo, a natureza reclamasse o seu estatuto de criadora que os querem ver. O primeiro lugar em que entrei furtivamente
e, lentamente, se voltasse a impor em casas, palácios, igrejas, para tirar fotos foi um sanatório muito famoso perto de Berlim. É
museus, tantos outros sítios onde, durante muitos anos, a mão uma área enorme com dezenas de belos edifícios em decadência.
do homem insistiu em ter mais peso que a mão da humanidade. Adorei o local, incondicionalmente, e voltei lá inúmeras vezes.
É precisamente essa vitória, a da decadência sobre a perfeição, Como é que escolhe os lugares que vai fotografar? Melhor
que Mahling tanto gosta de captar com a sua câmara. ainda, como é que os encontra? Como faço para encontrar
Sempre quis ser fotógrafo? Tirar fotografias era uma os lugares – recebo essa pergunta com frequência. Depois de
paixão que acabou por se transformar num hobby a tempo realmente começares a procurá-los, acabas por perceber que não
inteiro? A minha mãe tinha uma pequena drogaria na minha são assim tão difíceis de encontrar. Só precisas de saber para
cidade natal. Ela costumava revelar fotos para os seus clientes onde olhar. Com o tempo, ficas cada vez melhor em encontrá-
numa pequena sala escura nas traseiras [da loja] e eu adorava -los. E, claro, também tenho amigos que estão a fazer a mesma
vê-la. Talvez seja por isso que entrei nisto. Tenho uma queda coisa e partilhamos as nossas descobertas. Definitivamente,
por tirar fotos desde que surgiram as câmaras digitais, mas há um tema para os lugares que prefiro visitar. Adoro lugares
só comecei a levar isto mais a sério há cerca de dez anos. com grandes salões, belos ornamentos e detalhes intrincados.
A maior parte das suas imagens são de lugares Quanto mais coisas sobrarem, melhor. E, claro, eles devem
abandonados. O que é que o atrai nesses sítios? Sempre estar abandonados há muito tempo e [num processo de] forte
tive uma queda por imperfeições. Eu não gosto de coisas degradação. Se um lugar é bonito, mas parece tão limpo como se
novas e perfeitas. Quando estão sujos e desgastados, são os proprietários pudessem voltar do almoço a qualquer minuto,
muito mais originais e têm uma história para contar. Quando não estou interessado. O auge da decadência para mim é quando
olho para a minha câmara antiga, lembro-me de todos os as plantas e a vegetação começam a recuperar a estrutura.
caminhos difíceis e todos os lugares incríveis que visitámos Isso faz-nos perceber que a natureza sempre prevalece.
juntos. Enquanto estive a morar no exterior por alguns meses, Essa edição aborda, de forma abrangente, a noção de
descobri um artigo sobre um salão de baile abandonado em "beleza do erro.” Será que esse conceito pode, de alguma
Berlim. Claro que fiquei imediatamente fascinado. O resto forma, estar relacionado com o tipo de fotografia que
do tempo [que estive] longe de casa, passei-o à procura de realiza? Frequentemente, as pessoas dizem que minhas fotos
mais lugares como esse, para que pudesse explorá-los quando as deixam tristes, perguntam-me se fico triste quando vou a
voltasse. Quando finalmente voltei e comecei a minha missão, esses lugares. Aos meus olhos, a decadência e a imperfeição
fiquei viciado muito rapidamente e não parei até hoje. tornam um lugar abandonado muito mais especial e bonito.
Ainda se lembra do primeiro lugar abandonado que Não me sinto triste pelos lugares, mas sim privilegiado, por
fotografou? Isso é um pouco difícil de dizer e depende da poder vê-los com essa camada adicional de beleza. Quero
definição de um lugar abandonado. Visitei Angkor Wat, no que as pessoas aceitem e abracem a transitoriedade de tudo
neste mundo, em vez de ficarem deprimidas com isso. Quero
que todos lidem com esse assunto de maneira positiva.
Então, sim, acho que meu trabalho se encaixa perfeitamente
no tema. A “beleza do erro” pode muito bem ser o nome de
um coffee table book com as minhas fotos. Atualmente estou a
trabalhar num livro, mas já tem um nome: Glory of Disrepair. l

Descubra mais sobre o trabalho de Mathias Mahling


no seu website oficial, www.gloryofdisrepair.com, e
English version na sua conta de Instagram, @glory.of.disrepair.
Family Heirloom. Alguns quartos de uma moradia abandonada, Itália.
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P O R T FE ÓF ÓL IL OI O ARTIGO

FOTOGRAFIA: D.R.

FOTOGRAFIA: D.R.

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PORTEFÓLIO

Bella Vista. Fresco único e delicado numa vila abandonada, Itália. Na página ao lado, em cima: Autumn is Coming. Pavilhão abandonado com uma
vista deslumbrante sobre um magnífico lago, Itália. Na página ao lado, em baixo: Fading Memories. Sala de estar de uma incrível vivenda, Portugal.
Na dupla anterior: Sunlight Sonanta. Maravilhosos raios de sol entram pelos vitrais de um antigo sanatório, Alemanha.

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PORTEFÓLIO

Triple Doors. Candelabro gigante no que resta de um antigo casino, Roménia.


Na página ao lado: Mystic Spiral. Escada em espiral, parte de um palácio abandonado, Polónia.

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REFLEXÃO REFLEXÃO

That’s how
the light
get’s in
Existe uma fenda em tudo, em todos os
lugares, em todos os seres, vivos e não
vivos. É por aí, por essa pequena fenda, que
a luz, por mais ínfima que seja, consegue
entrar. E assim transformar aquilo que era
um aparente erro num pormenor da mais
surpreendente beleza. Por Ana Murcho.

letra é, toda ela, um hino à redenção. Porque não é apenas


música, é poesia pura, daquela que, imaginamos, os deuses
seriam capazes de escrever. Anthem, faixa número cinco do
álbum The Future, lançado em 1992, demorou uma década
a ser composta. A canção é, à falta de melhores palavras,
uma obra-prima. E tal declaração é absolutamente redundante,
não fosse Leonard Cohen (1934-2016), o seu autor, um dos
maiores artistas de que há memória. Porque há uma linha muito
ténue que divide a excelência e a genialidade, e o canadiano
ultrapassou-a com uma candura que não é comum, graças às
suas palavras – um misto de filosofia, sussurro e oração – que
são, ainda hoje, dos mais nobres exemplos de empatia. Mas
voltemos a Anthem, e ao verso que aqui nos traz: “There is a
crack, a crack in everything / That’s how the light get’s in” (apesar de
comummente partilhado como “There is a crack in everything…”,
o original contempla a repetição da expressão “a crack”, o que
reforça a ideia do autor). Em português, uma das traduções
FOTOGRAFIA: RYAN MCVAY / GETTY IMAGES.

possíveis será: “Há uma fenda, uma fenda em tudo / É por aí que
a luz entra.” O alerta de Cohen não aponta na direção de uma
saída, mas da aceitação. A vida é imperfeita. Abracemo-la. Mesmo
nos momentos que parecem impossíveis, ou perante os cenários
mais desoladores, chegará o momento em que uma fissura (nos)
permitirá ver o sol. A metáfora serve para a beleza de todas
as coisas, porque o mundo é feito de uma série de entidades,
que nos circundam e nos envolvem e, na procura constante
de uma qualquer perfeição (ou justificação) para o que não se
enquadra no nosso entendimento, julgamo-nos atirados ao caos.
REFLEXÃO

COHEN, CAMUS, HANG E BUKOWSKI. mais imperfeito, para nós, humanos. Pouco antes de pôr termo
NADA DISTO FAZ SENTIDO. MAS HAVERÁ à vida, o fotógrafo chinês Ren Hang (1987-2017), um dos mais
CERTAMENTE UMA LUZ QUE PENETRA brilhantes da sua geração, partilhou: “If life is a bottomless abyss,
TODAS ESTAS PALAVRAS OCAS, OCAS when I jump, the endless fall will only be a way of flying”. A força das
PORQUE POBRES AO PÉ DE TÃO IMPONENTES
suas imagens jamais faria pensar que o desabafo (“Se a vida é um
CAVALHEIROS: A LUZ DA TENTATIVA, A LUZ
DO QUERER. NADA DISTO FAZ SENTIDO. abismo sem fundo, quando eu saltar, essa queda sem fim será
MAS, TAL COMO AS ESTRELAS, QUE PARA apenas uma forma de voar”) seria o prenúncio do que estava
NASCER NECESSITAM DO COLAPSO DE UMA para vir. Porque o seu trabalho gritava criatividade, energia,
NEBULOSA GASOSA, AQUI COLAPSAMOS sensualidade. Futuro. Muito futuro, tanto quanto o futuro se
PERANTE OS NOSSOS DEFEITOS E pode medir. E, contudo, nem isso bastou para que Hang, adorado
ACEITAMOS, DE BRAÇOS ABERTOS, O NOSSO
pela crítica e pelo público, fosse capaz de ver a tal luz, por mais
DESMORONAMENTO. ISTO NÃO É A NOSSA
DESTRUIÇÃO. ISTO É O NOSSO NASCIMENTO. pequena que fosse, essa luz que a voz rouca de Cohen ainda hoje
canta, em sussurro, aos ouvidos de todas as almas perdidas.

E esquecemos que o caos pode ter, também ele, um lado sublime, ue fazer quando tudo arde? Para onde olhar? Que caminho
pacificador. Em qualquer esfera, até mesmo no amor: “There’s a seguir? Quando é impossível ver a beleza das coisas,
blaze of light / In every word / It doesn’t matter which you heard / The mesmo a beleza imperfeita, a beleza decadente, a beleza
holy or the broken Hallelujah” (“Há uma chama de luz / Em cada que corrói – e aqui beleza serve como metáfora tanto
palavra / Não importa o que tenhas ouvido / O Aleluia sagrado para salvação como para assentimento – o que fazer?
ou o quebrado”). O repertório de Leonard Cohen daria para Ler Bukowski. O escritor, poeta e romancista americano,
compilar uma enciclopédia sobre a arte de enfrentar a crueza do natural de Andernach, na Alemanha, é o mestre por excelência
dia a dia com elegância e humildade. Porque o homem que nos do desassossego. Porque Henry Charles Bukowski Jr, ou
deixou há precisamente quatro anos nunca renegou a escuridão simplesmente Charles Bukowski, escrevia sem filtros, sem
nem a melancolia, mas preferiu combatê-las com doçura, pensar em reviews ou aplausos, e fazia-o sofregamente, como
graciosidade, e uma quase transcendente réstia de esperança. quem despeja o coração numa folha de papel que já está coberta
de sangue e lágrimas. Era aí que, acometido por um alcoolismo
e tivesse o dom da eternidade, Albert Camus que lhe transcendia o pensamento e lhe iluminava o espírito,
(1913-1960) poderia escrever, com a precisão se rasgava em pedaços, se punha à prova, se mutilava. As
e a ambiguidade que o tema exige, um tratado suas obras são a prova dessa vivência no limite, dessa corrida
sobre a existência humana. Se tivesse o dom contra o tempo, dessa batalha constante entre a mortalidade
da eternidade, sublinhamos, porque a razão de do homem que, através da sua genialidade, tenta ser imortal,
estarmos aqui, o seu significado e os seus limites, implicariam e do cosmos que o contempla, indiferente, com os planetas e
mil e uma vidas, vividas de forma intermitente, para que as estrelas e as galáxias em constante rotação. The Laughing
fosse possível sugar, de forma clara, ou pelo menos evidente Heart, um dos seus poemas mais acarinhados, é reflexo de
a olho nu, os dilemas que afetam a consciência do homem, do inquietação e a revolta são essenciais à experiência do homem tudo o que foi, e ainda é, Bukowski. “Your life is your life. / Don’t
nascimento até à morte. Camus, que foi um dos mais jovens enquanto ser pensante, porque a sua experiência, qualquer let it be clubbed into dank submission. / Be on the watch. / There are
recipientes do Prémio Nobel da Literatura – precisamente que seja, é relativa – não há duas pessoas iguais, portanto ways out. / There is a light somewhere. / It may not be much light but
pela forma “clarividente e séria” como a sua obra “iluminou” a jamais existirão duas formas de pensar, sentir, no fundo, viver, / It beats the darkness. / Be on the watch. / The gods will offer you
sociedade do seu tempo – foi exímio em (tentar) estabelecer iguais. A razão está algures entre o bom senso e a liberdade. chances. / Know them. / Take them. / You can’t beat death but / You
um paralelismo entre a complexidade do universo e o absurdo Tudo o resto é suscetível ao erro. É ele que nos define, porque, can beat death in life, sometimes. / And the more often you learn to do
de nos rendermos ao facto de nunca obtermos respostas finais mesmo sem darmos por isso, o erro é algo que está, e estará, it, / The more light there will be. / Your life is your life. / Know it while
sobre esse mesmo universo. O seu ensaio The Myth Of Sisyphus, constantemente à nossa volta – porque ele está, também, dentro you have it. / You are marvelous. / The gods wait to delight / In you.”
lançado em 1942, abre com uma das mais arrebatadoras frases de nós. Mas é precisamente esse erro, essa fissura, que nos deixa Numa edição que celebra o lado belo do erro, quão grave será
sobre o paradoxo de estar/ser vivo: “I draw from the absurd three contemplar a claridade, e a beleza, de tudo o que nos rodeia. deixar um dos mais belos textos sobre a imperfeição humana
consequences, which are my revolt, my freedom, and my passion”, uma Podem vir mil e uma guerras. Mil e uma explosões. Mil e um na sua forma original, sem a ousadia da tradução – que não
afirmação magnífica que se traduz da seguinte forma: “Retiro do vírus de origem desconhecida. Mil lockdowns. Mil furacões. Este tem outra forma senão castrar os sentimentos e as emoções do
absurdo três consequências, que são a minha revolta, a minha lugar que habitamos, e a que chamamos casa, o Planeta Terra seu autor? O Google está à distância de um clique. É a ele que
liberdade, e a minha paixão.” Algo notável, se pensarmos que o – ele e todas as suas histórias e segredos – será até ao último nos socorremos para grande parte dos nossos compromissos,
escritor produziu parte significativa do seu trabalho em plena ponto final, incessantemente, apesar de tudo, venha o que vier, como tentar homenagear, na mesma partitura, Cohen,
Segunda Guerra Mundial, um dos períodos mais negros do imperfeito, errático, incompreensível. A sua magia advém tanto Camus, Hang e Bukowski. Nada disto faz sentido. Mas haverá
século XX, onde pouco espaço existia para a esperança – ou das suas rugas como dos seus rios de água límpida, chega- certamente uma luz que penetra todas estas palavras ocas, ocas
para a luz que parece entrar pela tal fenda, por mais pequena que -nos tanto das suas crateras escuras como dos seus campos porque pobres ao pé de tão imponentes cavalheiros: a luz da
seja. Foi também ele que, anos mais tarde, declarou (num livro em flor. O seu encanto é um misto de dúvida e clareza, de tentativa, a luz do querer. Nada disto faz sentido. Mas, tal como
que seria publicado a título póstumo, Lyrical And Critical Essays) diamantes e rochas, de casas em ruínas e gloriosos palácios, de as estrelas, que para nascer necessitam do colapso de uma
que não é possível ter amor na vida sem um certo desespero nascimentos e mortes, de começos e finais. Nada se perde, tudo nebulosa gasosa, aqui colapsamos perante os nossos defeitos
pela vida: “There is no love of life without despair of life.” No seu se transforma, ad eternum, num retorno a que nunca poderemos e aceitamos, de braços abertos, o nosso desmoronamento.
todo, a mensagem de Camus é mais simples do que aparenta. A chegar. E isso também é uma forma de perfeição – no sentido English version Isto não é a nossa destruição. Isto é o nosso nascimento. l

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I M A G I N E T H E R E ’ S N O E R R O R
Quando a imaginação domina, o
erro não existe. Quando questiona-
mos o correto, não perdura o errado.
Quando somos confrontados com o
desconhecido, errar não é falha; er-
rar é experimentação. Como quando
entramos no guarda-roupa da nossa
mãe com 13 anos e descobrimos um
mundo de peças que não imaginaría-
mos; quando colocamos os saltos al-
tos com o casaco de cabedal que nos
fica como um vestido, quando a saia
plissada nos serve de capa, quando
um chapéu vira uma foto de infân-
cia para a vida… Quando nos per-
demos na imaginação, abraçamos
o erro. E ele deixa de existir como
erro. Passa só a existir como certo.
Fotografia de Martina Keenan. Styling de Elly Mcgaw.

English version Veronika: vestido em seda, ANN DEMEULEMEESTER. Brincos em prata banhada a ouro, ALIGHIERI. Aamito: vestido em lã, JIL SANDER.
Veronika: colete em pele e camisa e calções em camurça, tudo DSQUARED2. Cinto em metal, LAURA LOMBARDI.
Na página ao lado, Aamito: casaco em lã, DSQUARED2. Colar (usado na cabeça) e brincos em metal, ambos SCHIAPARELLI.
Aamito: soutien em metal e flores, da produção. Na página ao lado, Veronika: top e calças em seda, ambos MARCO.
Veronika: vestido, top e saia em seda, tudo ANN DEMEULEMEESTER. Brincos em prata banhada a ouro, ALIGHIERI.
Na página ao lado, Aamito: vestido em malha de lã e sapatos em tweed e cristais, ambos SIMONE ROCHA.
Aamito: top e collants em malha de algodão, saia em lã e choker em seda, missangas e cristais, tudo PRADA.
Na página ao lado, Aamito: vestido em seda, JIL SANDER.
Veronika: blazer em lã e lantejoulas, MARC JACOBS. Na página ao lado, Aamito: top em malha de nylon, MARCO. Chapéu em feltro de lã, ERIC JAVITS.
Aamito: vestido em lã, JIL SANDER.
Modelos: Aamito Lagum @ Heroes Models e Veronika Vilim @ The Lions. Cabelos: Taichi Saito. Maquilhagem: Akiko Owada. Produção: Sonia Kovacevic.
Retouch: Valeria Funes. Set Design: Izzy Garcia. Assistente de fotografia: Raina Brie. Assistente de styling: Amber Rose Smith. Assistente de set design: Dena Winter.
A Vogue Portugal agradece ao Prospect Studios todas as facilidades concedidas. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
N A T U R A L X A R T I F I C I A L
Regressa-se às origens, ao orgâni-
co, à natureza. Aplaude-se o suste-
ntável, os tons terras, as cores bio.
Mas há espaço para isso tudo e mais,
porque a sustentabilidade tam-
bém não tem de ser sempre e, ape-
nas, um reflexo do mundo natural.
Numa artificialidade que não vem
do falso, mas antes do artifício, ex-
ageram-se ombros, disformam-se
silhuetas, planeiam-se texturas fu-
turistas para colocar o “erro” de
forma intrusiva no guarda-roupa
da estação. Se a perfeição é overrat-
ed, a imperfeição, aqui, é exagera-
da. E está perfeito assim mesmo.
Fotografia de Marco Cella. Styling de Woo Lee.

English version Blazer em lã fria, ALEXANDER MCQUEEN. Calças em malha de nylon, AUNÉ.
Vestido em vinil, SAINT LAURENT BY ANTHONY VACCARELLO. Brincos em metal, BALENCIAGA. Na página ao lado: casaco em lã, BALENCIAGA.
Vestido em pele e algodão, FENDI. Botas em vinil, THE ATTICO.
Casaco em vinil, THE ATTICO. Top em malha de nylon, 2000 ARCHIVES. Brincos vintage em acetato, BALENCIAGA.
Collants em microfibra e seda, KIMMY.J. Na página ao lado: vestido em veludo e carteira em pele, ambos MELITTA BAUMEISTER.
Bandolete em cetim de seda, FLAPPER. Colar em pele, VIVETTA. Pumps em pele, JASWANT.
Vestido em algodão e seda, brincos em metal e botas em pele, tudo BALENCIAGA. Na página ao lado: brincos em metal, BALENCIAGA.
Modelo: Greta Futura @ Badd/Monster Agency. Cabelos: Simone Prusso @ Julian Watson Agency
Maquilhagem: Anna Maria Negri @ Julian Watson Agency com produtos Nars Cosmetics. Casting: Camilla Tisi @ The Moon Studio.
Assistentes de styling: Valeria Mediani e Jisu Kim. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.

Fashion film
HISTÓRIA

Errar é Belo.
E é Humano.Bastariam dois livros de Umberto Eco para termos um tratado de toda a
Civilização Ocidental. E bastariam os seus dois títulos para percebermos do
que trataremos adiante. Em inglês, On Beauty e On Ugliness. Em português,
decidiram-se os editores por História da Beleza e História do Feio. Está mal.
Por uma questão de coerência, ou seria História do Belo e História do Feio
ou História da Beleza e História da Fealdade, que é uma das palavras mais
bonitas da nossa língua. Paradoxal? Nem por isso. Feio é um adjectivo.
Fealdade é a qualidade do que é feio. E tudo isto é belo. Sem margem para erro.
Apresentamos, pois, a História da Beleza do Erro. Por Nuno Miguel Dias.

ara que fique bem explícito, em caso de dúvidas referentes a comprido, que usa para extrair as larvas dos troncos das não, belo. A beleza é algo tão relativo que só mesmo nós para
edições passadas ou que venham a existir no futuro, faça-se árvores? Só mesmo para incutir o pânico sobre as gentes de não percebermos que, afinal, somos os maiores produtores de
saber que, por vício de imparcialidade e feitio benfazejo, Madagáscar, que ainda hoje creem que o pobre animal entra nas fealdade. Começa a ser óbvio que O Homem está cá a mais. Esta
nas considerações deste autor abarcam-se todas as crenças, casas durante a noite para perfurar os corações das suas vítimas mania de nos julgarmos os reis e senhores do meio, com todo
sem exceção. É pois sem grande espanto que, já de seguida, com o seu terrível dígito. E o que dizer do rato-toupeira-nu o planeta à nossa disposição para dele fazermos o que bem nos
e fazendo bom uso do Princípio de Tudo, que segundo a Bíblia (Heterocephalus glaber), um horrível animal africano cego, pelado, apetece, já chateia. Se não fomos um erro na criação, fomo-lo
era O Verbo (ou A Palavra, para seguirmos um caminho menos que vive a vida inteira no subsolo sob um regime em que só uma de casting. E um pingo de humildade não nos faria nada mal.
lírico) tratarei daquilo que, na minha opinião, terão sido alguns fêmea é que se reproduz e todas as outras tratam da manutenção Passemos então, por oposição à crença judaico-cristã de
erros n’A Criação. Antes de mais, uma ressalva: não ponho da colónia, como se de vulgares formigas se tratassem? Qual que tudo isto foi feito Por Obra e Graça do Espírito Santo, para
em causa o cansaço que terá levado Deus a ter a necessidade o propósito? Um castigo para não poder desfrutar das outras uma abordagem mais Evolucionista da coisa. É o epítome da tal
premente de descansar ao sétimo dia. Compreendo-o, até. magníficas criações sagradas, como o sol, a lua e o mar? humildade que tanto e cada vez mais faz falta ao Homem. Porque
É uma estafa, criar tudo e todos. Mas julgo que, à semelhança da Mas não será necessário irmos para latitudes tão exóticas parte do princípio de que tudo isto que agora veem (excepto
malta com profissões mais exigentes, devia ter feito pelo menos ou fazer buscas no Google para verificar a hedionda aparência se morarem num T0 do Cacém), tudo o que nos rodeia e tudo
FOTOGRAFIA: HENRIK SORENSEN / GETTY IMAGES.

uma sestinha a meio da semana. Afigura-se-me que, lá para o destes animais. Aqui, à nossa volta, observai e respondei: para exageremos. O bicho vive na Austrália e não se pode pedir muito o que de mais fascinante já vimos em documentários da BBC
quarto ou quinto dia, já era notório que o Pai de todos nós estava que servem as baratas? E mesmo que me provem que não de uma localização geográfica que encerra os mais estranhos, Vida Selvagem, nas páginas da National Geographic ou mesmo
a precisar de, pelo menos, uma pausa para café. E um cigarro. foram um erro na criação, arquivem-nas, por favor. Ou servem venenosos, mortíferos e perigosos animais. Como quem envia aquelas paisagens de cortar a respiração que testemunhámos
De contrário, expliquem-me o que terá passado pela cabeça do de alimento a pequenos roedores noturnos, que por sua vez uma mensagem muito simples: este lugar não é para habitar. aquando daquela viagem a um lugar paradisíaco, nasceu afinal do
Senhor para criar, por exemplo, o ornitorrinco (Ornithorhynchus alimentam predadores tão graciosos como uma majestosa Mas o império britânico achou por bem que aquele seria o lugar maior erro da história do planeta, o Big Bang. Alegoricamente,
anatinus), um mamífero (embora sem tetas), que nasce de um coruja? E que tal pensarmos que o rato-toupeira-nu consegue perfeito para os condenados a crimes menores pelo sistema alguém foi tão incompetente a ponto de cometer um erro que
ovo, com bico de pato, cauda de castor, garras com membranas sobreviver sem oxigénio libertando frutose na sua corrente judicial de Her Majesty, para gáudio das viúvas-negras, víboras, radicou no mais épico dos acidentes. É como se, numa escala
interdigitais e um espigão venenoso? Para quê? Para sofrer de sanguínea, para além de ser imune a quase todas as doenças, medusas e outra bicharada com a qual toda a gente no seu muito menor, alguém encarregasse um pirómano de limpar a
bullying na Arca que o Criador encomendaria, dali a uns aninhos, incluindo o cancro? Assim como o aie-aie esconde, afinal, um perfeito juízo espera nunca se cruzar. À exceção desta exceção, floresta de Monsanto. Esta abordagem mais científica nasceu
ao marceneiro Noé? E o aie-aie (Daubentonia madagascarienses), não tão feio sexto dedo, descoberto por cientistas há bem e afinal, há beleza na criação. Em qualquer uma. Até porque não no século XIX, com aquele senhor que teve o desplante de
esse primata malgaxe, aparentado dos lémures, todo ele de um pouco tempo, com a sua própria impressão digital e capaz de depende de nós, que fomos feitos de barro (para já não falar dizer que o homem descendia do macaco, Mr. Charles Robert
aspeto tão horrível como o seu dedo médio, invulgarmente suportar todo o seu peso. E quanto ao ornitorrinco? Bem, não de quem foi feita da nossa costela, ‘tadinhas) dizer o que é, ou Darwin. Que no capítulo inicial do livro A Origem das Espécies,

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HISTÓRIA

na altura considerado um erro para hoje ser a Bíblia dos a história universal recente, houve dois medicamento que supostamente, tratava a hipertensão e a
Cientistas no Geral e dos Biólogos em Particular, intitulado erros crassos que acabariam por conduzir angina. As medições começaram por ser apenas inconclusivas
Variação das espécies no estado doméstico, refere, no tomo Seleção à Liberdade, essa que dizem ser a coisa mais mas depressa se percebeu, através de exames completos, que a
Inconsciente: “Os bons criadores modernos, que prosseguem bela. O primeiro é protagonizado por Marco nova droga, de seu nome Sildenafila, era ineficaz nos tratamentos
num fim determinado, procuram, por uma selecção metódica, Licínio Crasso, esse general romano que, cheio a que fora proposta. Para piorar a situação, Mr. Smith queixava-
criar novas castas ou sub-raças superiores a todas aquelas de si após a vitória sobre a revolta dos escravos liderada por -se de algumas dores de cabeça, rubor facial, congestão nasal,
que existem no país. Mas há uma outra maneira de seleção Espártaco, decidiu abandonar as táticas de combate romanas hipersensibilidade à luz, palpitações e distúrbios visuais.
muito mais importante, no ponto de vista de que nos ocupa, contra os partos, e acabou por sofrer uma derrota esmagadora, Por outro lado, Mrs. Smith andava visivelmente radiante, de
seleção que poderia chamar-se inconsciente; tem por com 20 mil soldados mortos e mais de 10 mil presos. Sim, humor muito mais ligeiro e gargalhada fácil, bem disposta
móbil o desejo que cada um experimenta possuir e fazer foi ele mesmo que deu origem ao termo “erro crasso”, hoje como nunca. “Já nem se queixa das limpezas”, exclamava Mr.
produzir os melhores indivíduos de cada espécie. Assim, banalmente usado. O segundo tem como personagem principal Smith, olhos semicerrados porque a luz do estúdio era muito
quem quer possuir cães de caça procura naturalmente obter Hitler, criatura aparentemente inteligente, que no fim dos seus forte, mas de sorriso maroto na cara. Estava descoberto o
os melhores cães que pode; em seguida, faz reproduzir os dias de glória decidiu incorrer no mesmo erro que já ditara Viagra. A história está repleta de invenções que, por erro ou
mesmos unicamente, sem ter o desejo de modificar a raça o fim de Napoleão (mesmo munido das calóricas conservas acidente, mudaram para sempre o nosso mundo, tornando-o
de uma maneira permanente e sem mesmo nisso pensar. portuguesas que Salazar lhe fornecia, sob o termo técnico de um lugar muito melhor. Charles Goodyear deixou ao lume,
Todavia, este hábito, continuado durante séculos, acaba Se há algo que não toleramos são as birras dos filhos dos “não-alinhado”). Para ele foi o princípio do fim, para o mundo por engano, uma mistura de borracha, chumbo e enxofre, o
por modificar e melhorar uma raça qualquer que seja.” E dá outros. Os nossos também as fizeram. Envergonharam- um novo, e maravilhoso, recomeço. Mas a grande machadada material que ainda hoje constitui os pneus ou a sola de muito
exemplos de gado bovino que passou a pesar o dobro em -nos num corredor de hipermercado qualquer. Felizmente, foi dada com o início da invasão de França ocupada pelos Nazis, calçado, a borracha vulcanizada. Em 1945, o engenheiro Percy
menos tempo, do cavalo de corrida inglês que se tornou mais remetemos o episódio para um daqueles compartimentos o famoso Dia D. Era certo que este aconteceria. Só não se sabia Spencer trabalhava para a Raytheon, fabricante de electrónica
rápido que o árabe e até do pombo-torcaz que entretanto da memória que só voltamos a abrir se o psicanalista nos quando nem onde, razão pela qual Hitler deixou incumbido da para armamento e equipamentos militares. Numa das muitas
se tornara um excelente carteiro, porventura melhor do obrigar. Mas as dos filhos dos outros… Ah, essas… são tarefa de o descobrir o seu grande estratega Erwin Rommel. Só experiências, percebeu que as ondas electromagnéticas emitidas
que a maioria dos moços dos CTT desde que começou esta intoleráveis. Principalmente quando o fedelho bate à mãe. É que este confiou, levianamente, nos serviços de meteorologia da por um radar derreteram uma barra de chocolate, esse alimento
malfadada pandemia, sendo que estamos a falar de pombos feio. E no entanto, eis um resumo do nascimento de Portugal. Luftwaffe que, no começo de junho, previam fortes tempestades primordial norte-americano, que estava no seu bolso. Depois de
e do longínquo ano de 1859 (a Guerra do Ópio acabara há D. Afonso Henriques, puto mimado, defrontou a própria mãe, durante 15 dias. Achando que, naquelas circunstâncias, o mais algumas experiências, estava criado o forno microondas.
pouco tempo e Portugal, reinado por D. Pedro V, andava a D. Teresa, na Batalha de São Mamede, a 24 de junho de 1128. ataque nunca se daria, Rommel ausentou-se do seu posto em Três anos antes, o cientista Harry Coover tentou criar uma
negociar com a China a soberania de Macau). Serve isto para Vencedor, prendeu a progenitora, a quem terá aplicado uns França para ir celebrar o aniversário da mulher em Berlim. substância para ser utilizada como uma lente de alta precisão.
dizer que esse “erro”, ou essa mania que o homem tem de bons tabefes, prometidos desde a morte de D. Henrique, seu O general norte-americano Dwight Eisenhower, que pretendia Para além do tremendo insucesso da sua criação, ainda colava,
“brincar a Deus” resulta, segundo Darwin, nos mais belos pai, em 1112. D. Teresa, humilhada, lançou-lhe uma maldição: fazer a maior invasão marítima da história da humanidade no de forma irreversível, a qualquer coisa com a qual entrasse em
exemplares. O que o naturalista britânico não sabia (ou “Que as tuas pernas sejam partidas por ferros”, o que veio dia 5 de junho, com milhões de homens e muitas toneladas de contacto. Nascia a super-cola. Robert Chesebrough queria um
se calhar sabia mas não era assunto que lhe interessasse a ser feito, quando o nosso primeiro rei tentou conquistar material militar em várias praias da Normandia, reuniu-se na lugar na promissora indústria do petróleo, que tanta riqueza
abordar), é que na tentativa de apurar raças, os criadores Badajoz. Aqui está o primeiro grande erro da nossa História véspera com James Stagg, chefe da equipa de meteorologistas produziu na Pensilvânia do século XIX. Não foi bem isso que
(principalmente de cães) acabam por “produzir” animais que que radicou neste que é, convenhamos, um belíssimo país. da Royal Air Force, que lhe deu conta da previsão de ventos encontrou. Quando os operários das grandes perfuradoras
estão condenados a um sofrimento atroz. Atrofiamento a Outro erro bastante comum é aquele que diz que Cristóvão fortes, mar agitado e nuvens baixas, o que só exigia que se se queixaram de uma espécie de cera que estava a inibir as
vários níveis, caixa torácica demasiado pequena para que Colombo seria português, confundindo-se através dos séculos adiasse o Desembarque na Normandia em 24 horas. E assim máquinas de funcionar em pleno, Chesebrough recolheu uma
respirem com normalidade, cérebros que crescem para lá da o descobrimento de Cuba, a Caribenha, com o seu nascimento foi. Onze meses depois, a Alemanha saia derrotada de um amostra e, em Nova Iorque, isolou-a do petróleo, descobrindo
capacidade do crânio, resultando em paralisias e convulsões em Cuba, a Alentejana. Também se diz que era um espião em conflito que fez de 60 a 85 milhões de mortos. Mas que, não uma substância que curava cortes e arranhões, entre outras
que se vão tornando tão assíduas como se torna urgente Espanha ao serviço de Portugal. E que terá engendrado o seu fosse o lapso do führer, poderiam ter sido muitos mais. utilizações mais lubrificantes. A sua crença na vaselina era tanta
a necessidade de abater o animal. Aviso à população: não “projeto” nos anos em que viveu em terras portuguesas Mr. Smith (nome fictício), 72 anos, indivíduo introspectivo e que comia uma colher todos os dias até morrer (pasme-se) aos
é bonito. Bonito é adotar um cão que foi abandonado. (1476-1485). Mas as provas disso são altamente duvidosas pouco falador, tinha problemas de liquidez. Foi por isso que se 96 anos. Até apetece gritar Eureka e brindar com um copo de
Tornar, pois, o erro de alguém em algo infinitamente belo. e reduzem-se às biografias escritas pelo seu filho Fernando sujeitou a ser “cobaia” dos Laboratórios Pfizer para um novo Vasenol, comprovados que estão os malefícios do álcool. l
Colombo e Henriques e por Bartolomeu de Las Casas.
Importante para aquilo que aqui se trata está o sobejamente
conhecido erro que radicou na descoberta das Américas
quando, afinal, o genovês Cristoforo Colombo (era esse o seu
nome em italiano) pretendia chegar à Índia. Na verdade, o
erro foi ainda mais épico e cometido ainda antes da partida.
Estabelecera, mediante cálculos próprios, que o Japão estava A HISTÓRIA ESTÁ REPLETA DE INVENÇÕES
a cerca de cinco mil quilómetros da costa espanhola. Qualquer QUE, POR ERRO OU ACIDENTE, MUDARAM
pessoa no seu perfeito juízo não teria sequer dado início à PARA SEMPRE O NOSSO MUNDO,
demanda. Porque na verdade, ao não existir outro continente TORNANDO-O UM LUGAR MUITO
a meio da viagem, no qual acabou por esbarrar, as hipóteses MELHOR. CHARLES GOODYEAR DEIXOU
AO LUME, POR ENGANO, UMA MISTURA
de sobrevivência era nulas. Por outro lado (muito menos belo),
DE BORRACHA, CHUMBO E ENXOFRE, O
tanto ele como os seus homens acabaram por transmitir, sem MATERIAL QUE AINDA HOJE CONSTITUI
o saberem, algumas doenças (como a varíola) aos nativos, OS PNEUS OU A SOLA DE MUITO
English version causando uma mortandade nunca antes vista por aqueles lados. CALÇADO, A BORRACHA VULCANIZADA.

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O S I N A D A P T A D O S
Inconformados, inadequa-
dos, incomuns. Fora da caixa,
fora do normal, fora… bem,
fora, muito fora. Mas ir con-
tra a corrente, num mundo
em que tudo parece seguir só
o que está #trending, é a coisa
mais certa que pode fazer. Do
guarda-roupa aos acessóri-
os, da beleza à personalidade,
aqui o facto de ser diferente
no modo como se veste, pen-
sa, ou se comporta está longe
de ser aquele clichê do ser
do contra. É só ser original.
Fotografia de Frederico Martins. Styling de Francesca Parise.

English version Top em tule de seda bordado a missangas, CHANEL. Calças em feltro de lã, PALOMO SPAIN. Botas em pele envernizada, MANOLO BLAHNIK.
Corset em cetim de seda, ALICE PONS. Camisola em malha de lã, HERMÈS. Calças em crepe e tule de seda, AABHA DHOLE
para ISTITUTO MARANGONI. Botas em pele, AMINA MUADDI. Na página ao lado: cardigan em malha de lã e saia em crepe
de seda, ambos VERSACE. Top em mousse e plumas, GEORGE KEBURIA. Collants em mousse, FALKE.
Nas duas páginas: casaco em lã, calças em linho e seda e camisa em algodão, tudo BOTTEGA VENETA.
Corset em cetim de seda, ALICE PONS. Scarpins em cetim de seda e cristais, AMINA MUADDI.
Body em malha de lã, MIU MIU. Collants em mousse, FALKE. Na página ao lado: casaco acolchoado em nylon, CHLOÉ. Lenços
(usados como top), MICU. Calças acolchoadas em algodão, BLUE MARBLE. Botas em camurça e lã, MANOLO BLAHNIK.
Corset em cetim de seda, ALICE PONS. Camisa em algodão, VICTORIA BECKHAM. Calças em veludo e seda, ACNE
STUDIOS. Na página ao lado: top em malha de lã, MM6 MAISON MARGIELA. Calças em pele, ISABEL MARANT.
Blusão em denim e lã, CHRISTIAN DIOR. Camisa
em algodão, MATÉRIEL TBILISSI. Saia em
camurça, LARUICCI. Botas em pele envernizada,
MANOLO BLAHNIK. Na página ao lado: top em
tweed de lã, saia em bouclé de lã, carteiras em
pele e lã, tudo CHANEL. Sandálias em pele e
pelo, STEPHANIE UHART.
Fashion film

Vestido em seda, NERVI MILANO. Top em tafetá de seda, LARUICCI.


Stylist: Francesca Parise @ Trouble Management. Modelo: Cynthia
Arrebola @Next Models. Cabelos: Laurie Zanoletti @ The Wall Group.
Maquilhagem: Marion Robine @Calliste Agency. Produção e retouch:
Lalaland Studios. Assistente de fotografia: Pedro Sá @ Lalaland
studios. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
P O S E R
A postura pode nem sempre ser
a perfeita, mas o mood será sem-
pre divertido, seja pela silhueta,
as cores, os padrões, os sorrisos,
os desequilíbrios em saltos al-
tos, as sobreposições de peças…
É na diversidade que se encon-
tra a beleza. Este guarda-roupa
não olha a tamanho ou feitios,
a tons de pele ou cores de cabe-
lo. Apenas à boa disposição para
fazer destas páginas uma se-
quência de posters para a rique-
za das múltiplas personalidades
deste vestuário. E não há imper-
feições, só diferentes feições.
Fotografia de Anthenor Neto. Styling de Carol Oliveira.

English version Lohany: casaco em lã fria e organza de seda, LUCAS LEÃO. Colar em metal, GIA ACESSÓRIOS. Collants em mousse, LUPO. Mules em pele, ROCIO CANVAS.
Talytha: casaco em lã, MAX MARA. Vestido em organza de seda, LUCAS LEÃO. Brincos em metal e cristais, GIA ACESSÓRIOS. Collants em mousse, LUPO.
Na página ao lado, Chelfa: casaco em algodão, ROCIO CANVAS. Vestido em chiffon de seda, HELOISA FARIA. Calças em crepe de seda, BOSS.
Carteira em cetim e organza de seda, GIA ACESSÓRIOS. Cinto vintage em PVC e pele, MINHA AVÓ TINHA. Mules em pele, ROCIO CANVAS.
Chelfa: macacão em licra, HELOISA FARIA. Anel Flor em ouro branco e diamantes, MONICA BOTELHO. Na página ao lado, Talytha: macacão em feltro de lã, JOAO MARASCHIN.
Chelfa: vestido em veludo e cetim de seda,
ALESSANDRA RICH, na MARES. Brincos em metal
e pérolas, ROSE BENEDETTI. Anel Wanda em prata
banhada a ouro, ametista e lápis-lazúli, ELISA
PARPINELLI. Collants em mousse, LUPO.
Na página ao lado, Talytha: vestido em licra e mules
em pele, ambos EMILIO PUCCI. Cinto em metal,
ROSE BENEDETTI. Collants em mousse, LUPO.
Betina: soutien em licra, HOPE. Calções em crepe de seda, PAIR. Colar em metal, ROSE BENEDETTI.
Chelfa: vestido em linho, JOAO MARASCHIN. Brincos Rachel em prata banhada a ouro, pérolas, ametista e iolita, ELISA PARPINELLI.
Pulseira em ouro branco, diamantes e turmalina Paraíba, MONICA BOTELHO.
Modelos: Iohany Alves @ Way Model; Chelfa Caxino e Talytha Pugliesi @ Allure Mgt; Betina Korbes @ Ford Models.
Cabelos e maquilhagem: Branca Moura com produtos Mona, Shiseido e Bad Head. Manicure: Dani Trigas.Set Design: Marcelo Jarosz e Ana Arieti.
Assistente de fotografia: Edu Malta. Assistentes de cabelos e maquilhagem: Mayara Aleixo e Lita Filie. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
REPORTAGEM

The Ice Queen


A noite cai e a luz fria do inverno escorre de um
céu cor de aço coberto de nuvens. Em breve, a curta
tarde escandinava dará lugar à noite. Nem uma
única rajada de vento move os ramos do pinheiro;
nem uma única folha ondula a superfície da água
no lago. Nada perturba esta extensão infinita de
árvores, gelo e neve envolta num silêncio absoluto.
Por Matteo Fagotto, em Heinola, Finlândia. Fotografia de Elina Manninen.

FOTOGRAFIA: D.R.

vogue.pt 3 2 3
REPORTAGEM

Na página anterior: Johanna Nordblad concentra-se antes de mergulhar no


aqui, num simples chalé de caçador situado lago Sonnanen, na Finlândia. Ao lado: Nordblad, de 44 anos, prestes a abrir
nas margens do Lago Sonnanen, 170 km a um buraco no gelo, que lhe permitirá chegar à profundidade necessária para
nordeste de Helsínquia, capital da Finlândia, praticar mergulho livre. Em baixo: a premiada desportista já debaixo de água.

que a mergulhadora livre Johanna Nordblad e


a sua irmã e fotógrafa pessoal, Elina, passam
a maior parte do seu tempo livre. Com os ritmos urbanos
deixados para trás, os seus dias são passados a remover a neve
da estrada, a juntar lenha para a lareira e, longas horas após o
jantar, a conversar à luz das velas colocadas à volta do jardim de
inverno. “A Elina e eu vimos aqui sempre que podemos. Adoro
este cenário natural, estes lagos…”, explica Nordblad. “Muitas
pessoas não gostam de praticar mergulho livre na Finlândia
porque a água é negra nas profundezas, mas é exatamente
por isso que gosto tanto. Lá em baixo não há cores, nem sons.
Não há nada... estás completamente sozinha contigo mesma.”
Nordblad é fascinante e versátil, uma mulher capaz de fazer e, desde então, Nordblad tem conquistado sucesso após sucesso.
mil coisas e uma atleta mundialmente famosa que conseguiu Em 2004, estabeleceu o recorde mundial feminino de mergulho
transformar um grave acidente numa oportunidade para deixar livre dinâmico com barbatanas e manteve-se consistentemente
a sua marca numa nova modalidade, na qual ainda detém classificada entre as melhores mergulhadoras livres do mundo.
o atual recorde mundial. “Mergulhar nunca foi um problema”, Foi então que, em 2010, um grave acidente lhe mudou a vida.
diz, enquanto posiciona cuidadosamente alguns pedaços de “Estava a andar numa bicicleta de declive, por um caminho
madeira na lareira. “Na cidade onde cresci, tínhamos uma grande escorregadio e confuso, numa colina, quando de repente comecei
piscina aberta de quatro metros de profundidade. Lembro-me de a escorregar”, conta. “A queda não foi particularmente perigosa,
mergulhar até ao fundo e de me virar para ver todas as pessoas mas não tive sorte e bati numa pedra. Os pedais não abriram
que nadavam na superfície. Daquela distância, eles pareciam mais e a minha perna esquerda foi esmagada em mil pedaços, como
peixes do que seres humanos.” Quando Nordblad tinha seis anos, um galho torcido." Levada à pressa para o hospital, Nordblad
recebeu o seu primeiro conjunto de barbatanas. Estava tão feliz foi submetida a uma delicada cirurgia destinada a evitar
que dormiu com elas. Em 1999, após anos de mergulho, deu o desenvolvimento de uma necrose na sua perna. O inchaço
o seu primeiro mergulho livre. A sensação de leveza imediata e as fraturas expostas eram tão graves que os médicos só
revelou-se libertadora. Ser capaz de nadar sem o peso puderam suturar a perna e fechar as feridas dez dias depois.
do equipamento conquistou-a instantaneamente A reabilitação foi dolorosa e complexa e durou mais de um ano
e meio, consumindo todas as suas energias. Designer gráfica
de profissão, decidiu vender a sua agência e dizer adeus às 13
pessoas que trabalhavam para ela. Depois de outros 12 meses,
conseguiu finalmente andar sem muletas, mas os nervos da sua
perna estavam tão danificados que a dor, profunda e persistente,
continuou a ser a sua companhia constante. “Foi aí que o meu
médico recomendou que eu tentasse terapia com água fria”,
continua Nordblad. “A primeira vez que coloquei a minha perna
dentro de água a quatro graus só consegui mantê-la por um
minuto, mas o alívio foi imediato. Finalmente não sentia dor."
Com o passar dos meses, Nordblad habituou--se tanto ao frio
que percebeu que não poderia viver sem ele. Começou então
a imergir a outra perna também, depois todo o seu corpo e,
finalmente, até a cabeça. “Gostei da sensação. Foi aí que tive
a ideia de mergulhar debaixo do gelo.

3 2 4 vogue.pt
REPORTAGEM

ue melhor lugar para experimentar do que a Finlândia?”


Enquanto a irmã prepara o jantar, Nordblad senta-se no
pequeno cais de madeira que vai da margem até ao lago,
ocupada a quebrar a fina camada de gelo que se formou à
superfície nos últimos dias. Depois de empurrar algumas
secções para debaixo de água, acende uma série de velas
para iluminar as escadas de madeira que nos levam até ao
lago. Em poucas horas poderá dar o primeiro mergulho da
temporada. Está à espera deste momento há semanas, e isso
desperta emoções que ela considera difíceis de esconder. “Adoro
mergulhar, sentir a água correr entre os dedos... Quando se
está lá em baixo, não há margem para erro. Só precisas de
confiar em ti mesma. Tens de estar relaxada e com tudo sob
controlo ao mesmo tempo”, explica. “O mergulho livre exige
esforço físico, mas a disciplina mental é ainda mais importante.
Ir o mais fundo possível não é suficiente; tens de mergulhar
sem entrar em pânico ou perder a cabeça.” O recorde pessoal
de Nordblad para apneia estática é de 6 minutos e 35 segundos,
uma eternidade para meros mortais. “O mais difícil é ver os
segundos passarem. Depois de dois ou três minutos, a tua mente
começa a listar todos os motivos pelos quais deverias voltar
à superfície em vez de ficar debaixo de água. Quanto mais o
tempo passa, mais difícil fica. É preciso muito autocontrolo.”
Na apneia realizada debaixo do gelo, onde o mergulhador
se deve mover horizontalmente, percorrendo uma distância
pré-definida entre dois buracos cortados no gelo, as sensações
são consideravelmente diferentes. Após uma fase inicial de
Johanna Nordblad fotografada debaixo de uma espessa camada de gelo.
Nas páginas seguintes: a atleta finlandesa, uma das adaptação provocada pelas baixas temperaturas, surge uma
melhores mergulhadoras livres do mundo, no seu habitat natural. sensação de grande paz. Em 2015, Nordblad estabeleceu o
recorde mundial nesta disciplina particular, nadando 50 metros
REPORTAGEM

EMBORA SEJA DIFÍCIL DE


ACREDITAR, NORDBLAD TEM
MEDO DA PROFUNDIDADE. CADA
VEZ QUE FAZ MERGULHO LIVRE
E NADA ATÉ AO LAGO FINLANDÊS,
A SUA CABEÇA LEMBRA-SE
DOS MONSTROS MARÍNHOS E
CRIATURAS DESCONHECIDAS
a usar nada mais do que um simples fato de banho e óculos de QUE POVOAM O ABISMO.
proteção. A temperatura da água mal chegava aos dois graus
centígrados. “Até ao último momento eu temia que a minha
cabeça, a parte do corpo que mais sofre durante os mergulhos
a baixa temperatura, não aguentasse”, confessa, “mas na
realidade as coisas foram mais fáceis do que eu esperava.”

ergulhar debaixo do gelo tem outras armadilhas.


A visibilidade é uma delas, já que a espessa camada de
gelo e neve na superfície da água frequentemente reduz
a visão a níveis mínimos. É fácil ficar desorientado,
tanto que as autoridades estendem cordas de segurança
entre os buracos. “Às vezes nem consigo distinguir as minhas
próprias mãos. Isso é o quão escura a água consegue estar. No
caso de uma emergência real, o meu plano de segurança é nadar
seis metros abaixo da superfície. Essa é a única maneira de ver há muito que evoluiu para algo mais do que um desejo de
a luz entrar pelos dois orifícios e descobrir por onde posso “vencer” os seus adversários. “Se estiveres a competir com
sair.” Embora seja difícil de acreditar, Nordblad tem medo da essa mentalidade, não estás a aproveitar o momento. Não
profundidade. Cada vez que vai fazer mergulho livre e nada até nego que pensava assim quando era mais jovem, mas agora
ao lago finlandês, a sua cabeça lembra-se dos monstros marinhos já não gosto.” Hoje, Nordblad é uma mulher de 44 anos que
e criaturas desconhecidas que povoam o abismo. “O ponto mais pode permitir-se experienciar o mergulho e a apneia como
profundo que alcanço corresponde aos limites extremos da algo mais do que um dever. “Quando ganhas, as expectativas
minha capacidade de dominar os meus medos. Caso contrário, das pessoas à tua volta aumentam automaticamente”, refere.
eu poderia ir muito mais fundo”, diz ela com um sorriso. “Abrem-se tantas janelas de oportunidades diferentes à tua
Bem-disposta, enérgica e curiosa, é uma mistura incomum de volta que tens de ser boa a descobrir o que é que queres
atleta de sucesso e de mulher cujos sonhos e fantasias ganham da vida e o que realmente desejas deste desporto.”
vida no momento em que ela entra em contato com a natureza. Em 2006, Nordblad ganhou uma de apenas três ajudas do
Assim que pode, gosta de deixar o ritmo diário, o trabalho e Governo reservadas para atletas finlandeses não olímpicos.
os compromissos familiares para trás (é mãe de um rapaz de Nem por acaso, esse foi o ano em que ela treinou menos.
18 anos) e passar um tempo precioso com Elina, a sua melhor “Ir para a piscina simplesmente já não era divertido. Estava
amiga e ajudante de confiança. Apesar de ainda deter o recorde a perder a motivação. Adoro apneia porque acho mais
de mergulho debaixo de gelo, para Nordblad, o mergulho livre estimulante do que passar horas a olhar para o ecrã do
computador, mas percebi que estava a transformar isso num
trabalho como qualquer outro”, explica. “Um dos períodos
mais bonitos da minha vida foi logo após a minha reabilitação.
Passei dois anos ao ar livre: pegava no meu caiaque e saía para
explorar as ilhas à volta de Helsínquia. Existem centenas delas,
e tudo que precisas de fazer é remar durante cinco minutos
antes de ficares completamente perdida na natureza.” Este
inverno, Nordblad tentará a enésima conquista da sua já notável
carreira: bater o recorde mundial masculino de mergulho livre
no gelo (atualmente com 76,2 metros e conquistado por Stig
Severinsen, quatro vezes campeão mundial de mergulho livre
dinamarquês) mergulhando debaixo do gelo a 81 metros. Ela
aceitará o desafio com calma, quase como se fosse um jogo.
English version Às vezes, é assim que realizações notáveis são conseguidas. l

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REPORTAGEM

Ao lado: o exato momento em que Johanna Nordblad


mergulha nas águas gélidas do lago Sonnanen, na Finlândia.

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U M A M A Ç Ã P O R D I A ...
…Mal sabiam eles o pecado que lhes
traria. E com ele, a experiência, a
insegurança, a imperfeição, o erro.
Mas também aprendizagem, ousa-
dia, evolução, coragem. No fruto
proibido, encontraram uma forma
de constantemente renovar conhe-
cimento, deixando a ingenuidade
num jardim imaculado para entrar
numa versão dark do Éden que tem
tanto de crescimento como de con-
quista: de sabedoria, de guarda-rou-
pa, de conexão. “Só a inocência e a
ignorância são felizes, mas não o
sabem”, advogava Fernando Pes-
soa. Mas o pecado e o conhecimento
têm um vestuário mais apetecível.
Fotografia de Emmanuel Giraud. Realização de Larissa Marinho.

English version Rodrigue: casaco em algodão, BALENCIAGA.


Anamaria: camisa em algodão, CHLOÉ. Saia em organza de seda, NINA RICCI. Pulseira em metal, ALEXANDRE MCQUEEN.
Cinto em metal, DINO ALVES. Rodrigue: casaco em camurça, ACNE STUDIOS. Calças em seda, KOCHÉ.
Na página ao lado, Rodrigue: top em lamé de seda e calções em lã, ambos LOEWE. Sapatos em pele envernizada, ADIEU.
Rodrigue: blazer em lã fria, LOUIS VUITTON. Calças em lã fria, DINO ALVES. Sapatos em pele envernizada, MAISON MARGIELA.
Na página ao lado, Anamaria: vestido em crepe de seda, LOEWE. Botas em pele, CHRISTIAN LOUBOUTIN.
Anamaria: camisola em veludo, ACNE STUDIOS. Vestido em malha de lã, JIL SANDER. Cinto em camurça e metal, PACO RABANNE. Sandálias em pele
e veludo, NODALETO. Rodrigue: vestido em rede de algodão com cristais, H&M. Calças em camurça, ACNE STUDIOS. Mocassim em pele, ROCHAS.
Anamaria: top em PVC e cristais, CHRISTOPHER KANE. Saia em vinil, RONALD VAN DER KEMP.
Na página ao lado, Rodrigue: casaco em algodão, BALENCIAGA. Calças em látex, ARTHUR AVELLANO.
Anamaria: vestido em organza de seda e PVC, LOUIS VUITTON. Soutien em lã e missangas, LOU DE BÈTOLY. Cuecas em algodão envernizado, INTIMISSIMI. Botas em pele
envernizada, ANN DEMEULEMEESTER. Na página ao lado, Anamaria: vestido em cetim e tule de seda com missangas, MIU MIU. Botas em pele, CHRISTIAN LOUBOUTIN.
Anamaria: vestido em cetim de seda bordado a missangas, BALENCIAGA. Na página ao lado, Rodrigue: colete em algodão, KUAN WANG.
Anamaria: vestido em cetim de seda bordado a missangas, BALENCIAGA.
Na página ao lado, Rodrigue: casaco em cetim de seda, DIOGO MIRANDA. Calças em veludo, ANN DEMEULEMEESTER.
Fashion film

Anamaria: top em lã bordado a missangas, LOU DE BÈTOLY. Na página ao lado, Rodrigue: top em seda, HELMUT LANG.
Calças em sarja de algodão, HERMÈS. Anamaria: vestido em algodão e tule de seda, QUETSCHE.
Fotografia: Emmanuel Giraud @ Artsphere. Modelos: Anamaria Cioboata @ Makers. Rodrigue Durard @M Management Models.
Cabelos: Yumiko Hikage @ Saint Germain Agency. Maquilhagem: Hugo Villard @ Saint Germain Agency.
Set Design: Felix Gesnouin @ WSM. Casting: Alexandre Junior Cyprien @ Creartvt Agency. Assistentes de fotografia: Bertrand Dussart e Jean Marie Nasri.
Assistentes de styling: Gloria Flores Fernandes, Chlóe Fortunato, Dione Occhipinti e Flávia Rauen. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
TO BE CONTINUED

Vai mesmo fazer


essa desfeita?
E se pudesse “desfazer” alguma coisa? Se a vida tivesse um atalho ao género
do Ctrl-Z? Se pudesse fazer undo a um “erro” do passado? Se pudesse
voltar atrás e mudar alguma coisa que preferia não ter feito ou ter feito
de outra forma? Fá-lo-ia? Mesmo sob pena de não ser a pessoa que é
agora, ou estar no sítio onde está agora? Se tivéssemos um botão de undo,
teríamos vidas perfeitas? Talvez. Mas seriam elas assim tão interessantes?

Entrada gratuita
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES.

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