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PUBLICADA EM FEVEREIRO DE 2023

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variar os valores apresentados.
EDITORIAL

“WHOEVER BLUSHES
IS ALREADY GUILTY;
TRUE INNOCENCE
IS ASHAMED OF NOTHING”
Jean-Jacques Rousseau

CM

MY

The age of innocence


CY

Não sei até quando durou a minha... Na verdade, ninguém sabe... início da nossa vida, e isso é algo que todos os seres humanos têm
CMY

Afinal, a verdadeira inocência é a que nem tem noção dela própria, em comum. Os recém-nascidos não têm agenda, não estão cientes K

mas reconheço-a como algo que me desarma, que baixa qualquer de jogos ou de manipulação, só nos querem fazer saber se estão
defesa, como uma memória doce de algo distante: quando estou com fome, cansados ou desconfortáveis. São a personificação da
junto a um bebé, no olhar puro da minha cadela, ou quando olho confiança, que nos permite amar sem pretensões, promessas ou
para alguém a dormir, abandonado num sono profundo... Porque defesas. Somos atraídos pelo começo e pela novidade da vida, pelos
aí, mesmo o pior vilão é um retrato puro de inocência indefesa. sonhos e por todas as possibilidades em aberto.
Fernando Pessoa dizia: “Tudo o que dorme é criança de novo. Tal- A inocência pueril encontra alegria nas coisas mais simples,
vez porque no sono não se possa fazer mal, e se não se dá conta descobre a magia nas coisas que a maioria de nós acha óbvias ou
da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta, é sagrado, por até invisíveis. A inocência confia que tudo ficará bem. A inocência
uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e mostra-nos que o medo e a preocupação perpétuos não fazem
matar uma criança não conheço diferença que se sinta.” parte do nosso eu original. A inocência pode desaparecer, mas
A magia inocente, e consensual, que emana de um bebé, gera no nosso fundo continua guardada, como se esperasse indefini-
uma sensação de admiração, talvez pela sua chegada recente de um damente por um sinal de paz, uma bandeira branca, como uma
lugar desconhecido e divino. Há um elemento de mistério em torno trégua de esperança que todos buscamos neste mundo contur-
do nascimento e da expectativa sobre o futuro. Do nada, um ser bado. Na verdade, a tela branca continua a servir de base para as
minúsculo, novo e único, entra no mundo como uma tela em branco, nossas vidas, e a nossa esperança infantil nunca desaparece por
onde as cores e as texturas da vida ainda não se mostram. Há algo completo. Na maioria dos casos está trancada a sete chaves, como
de especial e precioso nele, e está relacionado com a inocência. Um forma de sobrevivência, num mundo demasiado hostil, e é algo
bebé lembra-nos que todos experimentamos esse estado puro no que podemos escolher a qualquer momento, é algo que a qualquer
altura podemos redescobrir e abraçar.
FOTOGRAFIA: EMMA KIM / GETTY IMAGES.

Se o preço da sabedoria é a inocência, à medida que nos tor-


namos mais sábios ficamos, tristemente, menos inocentes. Mas
à medida que envelhecemos talvez nos seja possível encontrar a
Sofia Lucas sabedoria que nos leva de volta à inocência, provavelmente como
Diretora da Vogue uma evolução e preparação natural, já que nos aproximamos do
regresso ao lugar desconhecido e divino de onde viemos. E volta-
mos a ser tocados por esse encantamento inocente, que nos deixa
voltar a ver o fundo bom que existe nos outros, em nós próprios
English version e a magia no mundo. l
Fevereiro
2023

136 As pure as snow.


Os eleitos do mês.
142 À prova de gelo.
Venha o frio, temos os produtos
perfeitos para o combater.
146 O que se passa na infância,
fica na infância? Há traumas
12 Editorial BELEZA que não desaparecem,
16 Ficha Técnica 108 Girls talk. Pestanas por mais que o tempo passe.
18 Backstage longas, lábios glossy, maquilhagem Por Pureza Fleming.
196 Hora do recreio.
280 To Be Continued branca. What’s not to love?
Há momentos para tudo.
112 Beauty of a lifetime. VOGUE
Este é o momento. Direção
IN VOGUE Produtos para todas 152 A (Matur)Idade da
criativa e styling de Olga Kasma.
22 Tendências. As temperaturas as fases da vida. Inocência. A idade é uma questão
Fotografia de Maria Magdalinou.
descem? Nós combatemo-las 118 Do tempo da Maria do espírito sobre a razão. Quem
210 A culpa é da Eva.
com branco, rendas e tudo Cachucha. A maquilhagem disser o contrário está enganado.
Parece mentira, mas as mulheres
o que esteja ligado ao ballet. pode ser uma coisa muito antiga, Fotografia de Branislav Simoncik.
continuam a não ter direito
28 Who’s afraid of virginal mas os hábitos de maquilhagem Styling de Samuel Drira.
a uma sexualidade plena.
white? O branco, em todo mudam (e muito) com o tempo. 168 Artigo 11.º. Porque
214 Sugar & Spice. Em plena
o seu esplendor. 122 Rainbow Room. Nesta sala é que associamos ingenuidade
cidade, duas amigas brincam
34 Shopping. Carteiras imaginária cheia de cores, tudo a inocência? E o que é isso de
com as inúmeras possibilidades
que parecem brinquedos pode acontecer... Fotografia de “perder a inocência”?
de um dia de sol. Serão elas anjos
e peças costuradas a renda: Ruo Bing Li. Styling de Jolene Lin. As respostas, aqui.
ou (pequenos) demónios?
long live innocence! Cabelos de Junya Nakashima. 174 Fluorescent Adolescent.
Fotografia de Sara Fabbri.
38 Aula de dança. Carteiras Maquilhagem de Kuma. A adolescência é quando
Styling de Dominico Diomede.
e sapatos no meio de quadros 132 Once upon a blush. um jovem quiser. Direção
criativa de Marie Dalmasso.
224 It’s a tulle thing.
de Degas? Sim, é possível. A história do blush, esse
A Moda e o ballet estão numa
48 In full bloom. As joias produto que nunca nos falha. Fotografia de Emma Picq.
relação, e não é complicada.
e os relógios que queremos Styling de Victoire Seveno.
usar em fevereiro. 122 Por Pureza Fleming.
228 Uma história simples.
56 Once upon a time...
Quando nos despimos do
Entrevista com Godefroy de
Virieu, diretor criativo do petit h.
196 acessório, tudo o que resta
é o essencial. Que é o que
60 Long live the queen of punk.
verdadeiramente importa.
Tributo à eterna rainha
Fotografia de Enric Galcerán.
do punk, Vivienne Westwood.
Styling de Beñat Yanci.
66 Chantilly lace. Lingerie
246 Caça às bruxas. As vítimas
em renda branca, o epítome
são sempre as mesmas, o ódio
da inocência.
é sempre igual: exame ao ódio
fomentado pelos tabloides
contra as celebridades mulheres.
250 White Lotus. Pureza
espiritual. É essa a mensagem
LIFESTYLE deste shooting – que ainda
70 Roteiro. nos consegue fazer sonhar.
74 Um mundo de hieróglifos. Fotografia de Clover Green.
Raio X ao filme Styling de Annie Hertikova.
A Idade da Inocência. 262 Marie & Marie.
78 What are you looking at? O filme esloveno Daises é a
A arte de Sally Hewett não inspiração para um editorial
deixa ninguém indiferente. que é um hino à rebeldia.
92 White balance. Porque é que
associamos o branco à inocência?
214 Fotografia de Koto Bolofo.
Styling de Aline De Beauclaire.
96 No princípio era o branco.
O que têm em comum estas peças
para a casa? São todas brancas.
100 Come a papa, Joana.
Era uma vez a comida mais
antiga do mundo: a papa.
Por Nuno Miguel Dias.

CAPA
Litay Marcus @ IMG Models usa blusa, camisa e saias, tudo HED MAYNER.
Headband, da produção. Fotografia de Branislav Simoncik. Styling de Samuel Drira. English version
SOFIA LUCAS Diretora PUBLISHED BY CONDÉ NAST

Redação Chief Executive Officer Roger Lynch


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Pedro Vasconcelos JORNALISTA Chief Content Officer Anna Wintour
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President, Condé Nast Entertainment Agnes Chu
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Chief Financial Officer Jackie Marks
paula.bento@light-house.pt
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Moda Chief People Officer Stan Duncan

TÊXTEIS
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Mariana Pimenta ASSISTENTE DE MODA Chief Product & Technology Officer Sanjay Bhakta
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Sofia Velez ESTÁGIO

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Gonçalo Castelo Soares TÉCNICO DE VÍDEO Américas, Glamour Mexico and Latin America, GQ Mexico and Latin America,
Produção de Moda Vogue Mexico and Latin America
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Eduardo Rosewood,. Emma Picq, Enric Galcerán, Jolene Lin, Junya Nakashima, Vanity Fair, Vogue, Wired
Koto Bolofo, Kuma, Maria Magdalinou, Marie Delmasso, Nuno Miguel Dias, Olga Kasma,
Pureza Fleming, Ruo Bing Li, Samuel Drira, Sara Fabbri e Victoire Seveno.
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BACKSTAGE

Tela em branco, versão rewind


Em 1953, o artista Robert Rauschenberg apagou uma tela de Willem de Kooning. Erased de INTENSIVE VITAMINE C2
SÉRUM
Kooning Drawing foi uma experiência de Rauschenberg que queria perceber se um desenho
apagado de um artista renomado poderia continuar a ser considerado uma obra de arte,
enquanto intervenção criativa, numa altura em que a vertente abstrata reinava – e o que pode
ser mais abstrato do que apagar um conteúdo, por completo, de uma tela? Estamos a falar
disto porquê? Porque se uma tela em branco pode significar inocência, este Erased de Kooning
Drawing podia simbolizar a perda da inocência e depois a sua recuperação. Isso é possível? DUPLA CONCENTRAÇÃO,
Ou sequer interessante fazê-lo? Tentámos, em parte, responder à questão no texto Artigo 11.º,
na página 168, sobre o que é isto da idade da inocência, o que a define e o que a prejudica. DOBRO DA EFICÁCIA

English version
Guilty as charge?
Há culpas que são totalmente
inocentes e a maioria dos
guilty pleasures também o são.
Entendam-se como guilty
pleasures aqueles que são
INOVAÇÃO
vistos pela sociedade como

-45%
condenáveis (no sentido em
que não são “fixes”, e não no
sentido de ilegalidade), e que,
por isso, não fazem mal a
ninguém. Gosta daquela música INTENSIDADE
“pimba” que os amigos estão
sempre a deitar a baixo? Ponha mais alto. Adora vídeos DAS MANCHAS*
de pimple popping? Faça o binge-watching para relaxar
em vez de sair numa sexta-feira à noite. Cereais do
mais infantil que há em vez de um jantar equilibrado?
Há coisas muito boas em ser-se adulto, nem tudo

+44%
são contas para pagar. Desfrute dos seus prazeres
“culpados”, sem culpa. Desde que não interfira com o
prazer dos outros, não vale a pena fazer-se de inocente.
Flower Power
As flores são, de uma maneira geral, pela sua LUMINOSIDADE**
delicadeza e romantismo, conotadas com
alguma dose de inocência – excetuando talvez
as rosas vermelhas, essas sedutoras, símbolo
da paixão e do amor. Mas diz-se por aí que
as gerberas (parecidas com as margaridas)
significam inocência e pureza. Disponíveis numa
multiplicidade de tons, independentemente
do seu significado, um ramo na sua
cor favorita vai bem com esta edição.

Porquê arroz?
FOTOGRAFIA: CHRIS RYAN / GETTY IMAGES.

Já ouviu falar do Rice Purity Test? É um teste com 100 perguntas elaborado nos anos 80 pela Rice University,
Houston, que testa o nível de inocência (leia-se, de experiência de vida em temas de sexualidade e
ilegalidades) de um indivíduo. Com perguntas como “Já alguma vez se masturbou?” ou “Já participou numa
orgia?”, este “teste de inocência” ganhou ressurgimento nos últimos tempos com a Gen Z, que, apesar
do questionário datado em contexto (há questões como “Já dançou com alguém sem deixar espaço para
Jesus?”) e nada atualizado para os parâmetros de 2023, se tem regozijado a fazer check (ou não) nos itens Disponível em Farmácias, Parafarmácias e em www.esthederm.pt
desta lista. O teste está disponível em ricepuritytest.com – ainda que a Internet tenha feito o spin-off com
uma lista pensada para o século XXI, emojis incluídos –, e a Vogue aconselha a fazê-lo como o próprio deve
ser entendido: um divertimento, um fait divers, e não como prova ou julgamento do que quer que seja.
Ninguém é mais ou menos puro, mais ou menos inocente, com base nos resultados deste teste.
*teste clínico, 30 voluntários com manchas e tez irregular, durante 42 dias, 2 aplicações diárias **teste clínico, 30 voluntários com manchas e tez irregular, durante 28 dias, 2 aplicações diárias

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ARTWORK: MIGUEL CANHOTO.

TENDÊNCIAS
SHOPPING
COMPORTAMENTO Pumps Hot Chick em pele, € 595, Christian Louboutin.
INVOGUE TENDÊNCIAS

ACT Nº1
GIAMBATTISTA VALLI
4

LANVIN
6
7

Prima ballerina
8

Só quem passou os últimos meses debaixo de uma pedra é que não sabe que a tendência mais tendência de todas
FOTOGRAFIA: D.R.

as tendências (passe a redundância) dá pelo nome de balletcore. Inspirada, como o nome indica, pelo mundo e pela Na página ao lado: Carla Fracci, bailarina, durante os ensaios de Giselle, Nova Iorque, 1971. 1. Vestido em algodão e acrílico, € 1.574,
estética do ballet, vai buscar tudo o que é tecidos (tule, chiffon), adereços (laços, tutus) e acessórios (sapatilhas ELISABETTA FRANCHI. 2. Brincos em ouro amarelo e ágata, € 400, LNB JEWELLERY. 3. Saia em algodão e poliéster, € 254, TWINSET.
4. Saia em nylon e poliamida, preço sob consulta, SIMONE ROCHA. 5. Mary Janes em tweed e pele, € 1.350, CHANEL. 6. Blusa em
de ponta, bodies) para transformar um guarda-roupa comum no de uma prima ballerina. E não é que conseguimos poliamida e algodão, € 1.650, ZIMMERMANN. 7. Meias em algodão, € 420, CHRISTIAN DIOR. 8. Sabrina em pele, € 690, MIU MIU.
falar de balletcore sem mencionar as famosas sabrinas Miu Miu? Ups… Realizado por Gloria Alafarga.

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INVOGUE TENDÊNCIAS

COACH
BALMAIN
4

CHANEL
5

I’m not that innocent 6

Os mais puritanos que se preparem, porque os próximos meses trazem renda, muita renda, e não é
FOTOGRAFIA: D.R.

propriamente aquela que víamos nos naperons na casa das nossas avós. Das cores exuberantes (alguém
disse néon?) aos detalhes inusitados (obrigada cortes a laser, que permitem corpetes de cortar a Na página ao lado: Natalie Wood, uma das maiores divas do cinema dos anos 60 e 70, fotografada com
uma camisa de noite em renda, circa 1960. 1. Saia em algodão, € 3.000, DIOR. 2. Soutien, € 49,90, e cuecas, € 15,90,
respiração), as rendas que vamos usar são tudo menos inocentes — e saltam da noite para o dia, Shine High Like Stars, INTIMISSIMI. 3. Blusa em seda, € 1.695, ERMANNO SCERVINO. 4. Vestido em algodão e viscose,
porque essa ideia de usar certas peças só depois de o sol se pôr ficou lá atrás, em 2008. € 7.500, VALENTINO. 5. Vestido em poliamida e viscose, € 2.300, ALAÏA. 6. Pumps em poliéster, € 155, GUESS.

vogue.pt 25
INVOGUE TENDÊNCIAS

ANDREAS KRONTHALER FOR VIVIENNE WESTWOOD

BOSS
3

COPERNI
5

Fifty shades of white English version


6

Durante muito tempo acreditou-se que usar branco total no inverno era um sacrilégio, um faux-pas,
FOTOGRAFIA: D.R.

um pecado quase tão grave como comer laranjas à noite. Depois, quase como que por magia, alguém
terá conseguido fazer com que a expressão “all white” se tornasse uma das mais procuradas por todas Na página ao lado: Terry Moore, atriz americana, fotografada com acessórios de neve em Los Angeles, 1949.
1. Chapéu Fedora em lã, € 88, FALCONERI. 2. Camisola em acrílico e lã, € 45,99, MANGO.
as trendsetters, que começaram a estudar os looks de Jackie O e Bianca Jagger, mulheres com altas 3. Casaco em caxemira e lã, € 919, MAX MARA. 4. Tote Bag em algodão e pele, € 775, MONTBLANC.
doses de pinta e que, claramente, nunca tiveram medo de se sujar com nódoas de vinho tinto. 5. Calças em algodão, € 45,99, PARFOIS. 6. Ténis Bradley Mid em pele, € 169, CLAE.

vogue.pt 27
INVOGUE TENDÊNCIA

Who’s afraid of virginal white?


Diz-se que a melhor solução para conquistar o medo é enfrentá-lo. No caso (não tão
pouco comum) do receio pela cor branca, o mundo da Moda fez-nos um enorme
favor. De passerelles a passadeiras vermelhas, não há como escapar ao impacto desta
tonalidade. De Pedro Vasconcelos.

gorafobia, aracnofobia, claustrofobia: existe um número infini-


to de fobias, mas nenhuma é tão transversal como a leukopho-
bia, o medo intenso, e irracional, da mais assustadora cor do
mundo da Moda, o branco. Faço parte dessa maioria. Assim
que vejo uma peça dessa tonalidade surgem-me memórias
de todos os raspanetes que levei por ter sujado a minha camisa
“boa” ou comentários maliciosos, típicos das aldeias portuguesas,
de “como é que ela se atreve a utilizar aquele vestido claro para
um casamento.” A cor tem tal domínio sobre mim que, fora a rara
t-shirt branca, evito-a totalmente. E, mesmo desconsiderando todos
os meus traumas, não há como negar: usar branco é sempre um
risco, o potencial para nódoas é avassalador. Não nos referimos
apenas à interpretação mais literal da palavra, os típicos salpicos
de café ou gordura possuem uma atração magnética à cor, mas
também todos os fashion faux pas associados à roupa branca. Existe
uma quantidade quase absurda de leis informais quando se trata de
usar branco: não se deve usar na estação fria, não se pode vestir
num casamento, nem num funeral, nem com sapatos pretos, entre Comecemos pelo inevitável: os vestidos de casamento. Não há
tantas outras. Mesmo se nos conseguirmos como abordar a importância desta cor na Moda sem mencionar
abstrair de todos estes cânones, a cor é difícil momentos como o vestido de noiva da Princesa Diana que, na década
de, como diriam os ingleses, pull off. É quase de 80, teve um impacto cultural semelhante ao do Renascimento
impossível pensar num vestido branco sem na Europa medieval. Passadas meras horas da divulgação das fotos FOTOGRAFIA: ISTOCK; D.R. ARTWORK: JOÃO OLIVEIRA.

que surja a imagem virginal de uma noiva. de casamento já se produziam réplicas para todas as mulheres
Mas, mesmo face a todas estas desvantagens, que queriam copiar Lady Di. As mangas de balão, a saia volumosa,
uma breve exploração das coleções recentes os laços, os folhos, não existe melhor exemplo que descreva as
dos titãs da indústria (Valentino, Jacquemus, sensibilidades da época de forma tão eficiente. Também o icónico
entre outros) indica que a Moda está pronta vestido de casamento de Grace Kelly cativou a atenção do mundo
para ultrapassar todos estes dilemas. Pa- inteiro e, ao contrário do de Diana, continua a inspirar noivas até
ra entender a justificação por detrás deste aos dias de hoje. Tal é o caso de outro membro da realeza britâni-
movimento temos de recuar no tempo para ca, Kate Middleton, que, aquando o seu casamento com o Príncipe
observar algumas das ocasiões em que o William, instruiu Sarah Burton, a designer que se encontra ao leme
branco se tornou sinónimo de fashionable. de Alexander McQueen, para se inspirar no vestido de Kelly.

vogue.pt 29
MEXICO
INVOGUE TENDÊNCIA

NÃO HÁ COMO ABORDAR A


IMPORTÂNCIA DO BRANCO NA MODA
SEM MENCIONAR MOMENTOS COMO
O VESTIDO DE NOIVA DA PRINCESA
DIANA QUE, NA DÉCADA DE 80, TEVE
UM IMPACTO CULTURAL SEMELHANTE
AO DO RENASCIMENTO NA EUROPA
MEDIEVAL. PASSADAS MERAS HORAS
DA DIVULGAÇÃO DAS FOTOS DE
CASAMENTO JÁ SE PRODUZIAM
RÉPLICAS PARA TODAS AS MULHERES
QUE QUERIAM COPIAR LADY DI.

inda que possamos passar páginas e páginas a conside-


rar todos os magníficos vestidos de noiva que influen-
ciaram a história da Moda, existem aqueles que pos-
suem a mesma autoridade exatamente porque atacam
a santidade da peça. Claro que é necessária coragem
para profanar o altar do vestido de casamento, mas
personagens como a Madonna nunca foram conhecidas
pela sua modéstia. Foi por meio da sua ousadia que a
cantora subverteu toda a inocência associada ao vestido
de casamento. Ao receber inúmeras críticas pelo seu
hit Like a Virgin, que acusavam Madonna de promover o
sexo pré-matrimonial, a artista decidiu pôr lenha na fogueira com
a sua performance na primeira edição dos VMA, em 1984. Começan-
do a atuação no topo de um bolo com um vestido de casamento,
a cantora continuou arrastando-se pelo chão enquanto simulava
masturbação ao som da letra “Been saving it all for you” (tenho estado
a guardar-me para ti). Também foi ela que, em 1994, inspirou o seu
então namorado, Dennis Rodman, a usar afasta da associação ao santo matrimónio. Ao
um vestido de noiva para o lançamento longo das décadas encontramos alguns ves-
da sua autobiografia. Justificando o outfit tidos cujo impacto é tão brilhante que ofusca
através do pretexto que ia casar consigo as ditas comparações. Nunca pensaríamos
próprio, o vestido de Rodman teve um em vestidos como o de Marilyn Monroe em
efeito semelhante ao de Madonna: agitou O Pecado Mora Ao Lado (1955) como perten-
as águas da opinião pública. cente a uma noiva. Ou nos macacões brancos
Mas, fora o seu imenso potencial face que Farrah Fawcett envergava no histórico
ao legado do casamento, quer seja para o Studio 54 como parte de um rito religioso.
honrar ou desonrar, um outfit branco é uma Mas nenhuma era separou tanto o branco do
faca de dois gumes. A ressonância do ves- casamento como os chamados naughties (a era
tido de noiva é tal que, qualquer look desta do Y2K como é conhecida hoje em dia) que,
cor, por mais simples que seja, encontra-se através de diversas passadeiras vermelhas,
automaticamente qualificado para se tor- consumaram este divórcio. Não nos referimos
nar passível de usar num casamento. É este aos aterradores conjuntos de túnicas e calças
um dos barómetros pelo qual julgamos de ganga que ainda nos assombram, mas sim
qualquer roupa da tonalidade: quanto se aos elegantes vestidos brancos que algumas
das mais importantes celebridades da época utilizaram.
De Angelina Jolie nos Óscares de 2004, num delicado vestido
branco de Marc Bouwer, à supermodelo Iman na Met Gala de 2003,
com um vestido de Calvin Klein inspirado em Billie Holiday, são
muitos os exemplos de irreverentes looks brancos que ficaram
para a história. Porém, talvez nenhum vestido branco tenha sido
tão impactante como o que Björk levou para a gala dos Óscares
de 2001, onde, numa verdadeira demonstração de camp, escolheu Maison de parfums d’intérieur
uma peça que imitava na perfeição o corpo de um cisne, com o seu
longo pescoço utilizado para adornar o decote da cantora islandesa. eu.baobabcollection.com
oje em dia, celebridades como Rihanna continuam a usar o branco

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INVOGUE TENDÊNCIA

TALVEZ NENHUM VESTIDO BRANCO


TENHA SIDO TÃO IMPACTANTE COMO
O QUE BJÖRK LEVOU PARA A GALA
DOS ÓSCARES DE 2001, ONDE, NUMA
VERDADEIRA DEMONSTRAÇÃO DE
CAMP, ESCOLHEU UMA PEÇA QUE
IMITAVA NA PERFEIÇÃO O CORPO DE UM
CISNE, COM O SEU LONGO PESCOÇO
UTILIZADO PARA ADORNAR O
DECOTE DA CANTORA ISLANDESA.

ihanna é só um exemplo do nível de sa-


bedoria que pretendemos atingir. Os
maiores do mundo da Moda nunca se
abstiveram do branco, nunca deixaram
que as suas ditas regras os assustassem.
Aliás, em anos recentes o número de marcas
que dedicaram desfiles inteiros à cor é sufi-
ciente para provar a ausência de qualquer
pudor. Pense-se na coleção outono/inverno
2022 de Jacquemus apropriadamente intitu-
lada de Le Papier, onde, ao longo de 61 looks,
se ilustrou a versatilidade do tom. Apresen-
tada numa mina de sal no Sul de França, a
coleção foi pensada por Simon Porte Jacque-
mus, como um novo começo para a marca.
Também Pier Paolo Piccioli, diretor criativo
da Valentino, demonstrou o potencial por
como declaração de intenções. Aliás, alguns dos seus looks mais detrás da tonalidade. Conhecido pelo seu gosto de cores garridas
icónicos instrumentalizam o branco. Pense-se nos seus apareci- (pense-se no tão popular Pink PP), o designer italiano descartou as
mentos na Met Gala, um evento que se tornou sinónimo da sua tonalidades que se associam ao seu estilo para a coleção de Alta
influência na Moda. Em 2014, com o tema Charles James: Beyond Costura outono/inverno 2020. Numa coleção monocromática,
Fashion em mente, a cantora usou um coordenado branco Stella Piccioli utilizou o branco como um comentário a um mundo que,
McCartney, onde as suas tatuagens foram realçadas pela simplici- para muitos, se encontrava desprovido de cor devido à crise pan-
dade da cor. Em 2018, Rihanna escolheu a tonalidade como base démica. Mas nenhum designer demonstrou o potencial do branco
para um outfit que não deve ser mencionado apenas como um como Alexander McQueen que, no desfile da coleção primavera/
dos melhores looks da artista, mas também da história da gala. verão 1999, intitulado No. 13, se serviu de um vestido branco para
Com a ajuda do prodígio que é John Galliano, a cantora ostentou criar um dos mais importantes momentos, de todos os tempos, da
um vestido, capa e mitra (o chapéu triangular utilizado por altos história da Moda. No final do desfile, Shalom Harlow, supermodelo
membros do clero, não nos deixemos enganar pelo coloquialismo) e ex-bailarina, surge com um vestido branco, sustentado por um
brancos adornados com milhares de cristais. cinto na zona do decote e, colocando-se numa plataforma rotativa
no centro do palco, começa a interagir com dois braços robóticos
que se encontravam na sua periferia. A certo ponto estes robots par-
tem para o ataque, disparando tinta amarela e negra sobre Harlow,
numa fusão deliciosa de performance e Moda. Face aos jatos de cor
disparados sobre a modelo, as nódoas de café deixam de ser uma
preocupação. Afinal, se McQueen entende a roupa branca como uma
tela vazia, porque não podemos nós fazer o mesmo? Não temos de
ter medo das nódoas, só temos de as orientar de forma artística
English version para criar a ilusão de intenção. l

Visite o site, aqui.

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INVOGUE TENDÊNCIAS

Nothing but a bag


“Acho que tenho demasiadas carteiras”, disse nenhuma mulher, em nenhuma parte do mundo, nunca, jamais, em
tempo algum. Se até há pouco tempo eram escassas as opções em termos de cores, formatos, padrões e tecidos
(ou então éramos apenas nós que estávamos presas na zona de conforto “preto, bege, preto”), agora o único limite
é a imaginação. Porque não ter uma clutch em forma de gato, ou de pacote de batatas fritas, ou de panda?
Os dias serão menos cinzentos e muito mais fun, isso é uma certeza. Realizado por Gloria Alafarga.

Na página ao lado: uma criança, de vestido amarelo e chapéu de palha, segura um coelho de louça e uma cesta com ovos de Páscoa, Los Angeles, 1949.
1. French Fries Rainbow em cristais, preço sob consulta, JUDITH LEIBER COUTURE. 2. Panda em pele, € 4.420, THOM BROWNE. 3. Bolide On Wheels em pele,
€ 11.000, HERMÈS. 4. Em pelo sintético, € 68, BIMBA Y LOLA. 5. Elephant Pocket em pele, € 620, LOEWE. 6. Heart Flowers em pele, € 595, MOSCHINO.
7. K/Choupette em poliuretano, preço sob consulta, KARL LAGERFELD. 8. Allegra em pele, € 145, FURLA.

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INVOGUE TENDÊNCIAS

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8

3
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FOTOGRAFIA: HULTON ARCHIVE / GETTY IMAGES; D.R.

Love stories
Altas doses de glamour, opulência delicada, sensualidade quanto baste. A poucas semanas do dia de São Valentim,
uma data para celebrar a sós ou acompanhado, eis uma tendência que é um misto de duas séries tão amadas
pelo público: The Gilded Age e Bridgerton. Na impossibilidade de trazer as carruagens e os gowns (vestidos
ultra-compridos) do final do século XIX para os nossos dias, ficamo-nos pelas sedas, pelos veludos,
pelas luvas, pelos folhos, e por tudo o que gritar romantismo e ternura.

Na página ao lado: Beijo de um jovem casal apaixonado, 1954.


1. Vestido em seda, € 1.715, RODARTE, em FARFETCH.COM. 2. Clutch Venezia Pasticcino em algodão, € 635, MAX MARA. 3. Sabrinas Très Vivier em
veludo, € 1.100, ROGER VIVIER. 4. Blusa em poliéster, € 590, VICTORIA BECKHAM. 5. Blusa em poliéster, € 59,99, H&M. 6. Sobretudo Grape em lã, € 220,
English version MARIA DE LA ORDEN. 7. Carteira Holli Spiga 50, € 2.455, ROSANTICA. 8. Vestido em viscose, € 5.231, SAINT LAURENT BY ANTHONY VACCARELLO.

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INVOGUE ACESSÓRIOS

Aula de dança
E se no meio de uma das mais relevantes pinturas do impressionismo, The Dance
Class (1874), de Degas, encontrássemos umas plataformas Vivienne Westwood, um
dos símbolos mais relevantes do universo punk rock que a designer inglesa trouxe
para a Moda? Estaríamos a sonhar, ou seria apenas a concretização de um desejo,
com a assinatura Vogue Portugal, onde este e outros acessórios (inesquecíveis) se
cruzam com obras-primas de outros tempos? Realizado por Gloria Alafarga. Artwork de João Oliveira.

FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; THE DANCE CLASS (1874), EDGAR DEGAS.

English version Sapatos em pele, € 855, VIVIENNE WESTWOOD.

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INVOGUE ACESSÓRIOS

BALLET REHEARSAL ON STAGE (1874), EDGAR DEGAS.

Bandolete Juno com cristais Swarovski, € 510, JENNIFER BEHR. Sapatos Degraginzbar em malha, € 1.195, CHRISTIAN LOUBOUTIN.

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INVOGUE ACESSÓRIOS

FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; THE REHEARSAL OF THE BALLET ONSTAGE, (CIRCA 1874), EDGAR DEGAS.
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; BALLET REHEARSAL ON THE SET (1874), EDGAR DEGAS.

Carteira Tina Minaudière em pele, € 1.420, MICHAEL KORS COLLECTION. Na página ao lado: carteira Alma BB em pele, € 2.110, LOUIS VUITTON X YAYOI KUSAMA.

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INVOGUE ACESSÓRIOS

FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; DANCE SCHOOL (1874), EDGAR DEGAS.

Sabrinas Tabi em pele, € 620, MAISON MARGIELA. Carteira Moon em pele, € 1.950, PRADA.

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INVOGUE ACESSÓRIOS

Pumps Love 100 em pele, € 1.195, JIMMY CHOO. Na página ao lado: Loafers Jordaan Flora em pele, € 690, GUCCI.
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; THE DANCE CLASS, (CIRCA 1873), EDGAR DEGAS.

FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; BALLET REHEARSAL ON THE SET (1874), EDGAR DEGAS.

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INVOGUE JOIAS & RELÓGIOS

In Full Bloom
Fevereiro é o mês perfeito para renovar o guarda-joias. A poucas semanas do início da
primavera, é tempo de atualizar os rubis e as esmeraldas (os que não vieram com o Pai
Natal, claro) e investir naquele relógio cravejado a diamantes (mais nunca é demais) com Da esquerda para a direita: relógio Bohème Day & Night 30 mm com caixa em ouro rosa e pulseira em pele com movimento
que sempre sonhámos. Só depois disso é que estaremos prontas — leia-se rejuvenescidas, automático, € 7.100, MONTBLANC. Pulseira Cactus em ouro amarelo, esmeraldas, rubis e diamantes, € 130.000, CARTIER. Relógio

plenas — para sair à rua. Como uma flor. Realizado por Gloria Alafarga e Carolina Nunes. Artwork de João Oliveira.
Master Ultra Thin com caixa em ouro rosa e diamantes e pulseira em pele com movimento automático, € 30.500, JAEGER-LECOULTRE.
Brincos Bouton d'or earrings em ouro rosa, cornalina, diamantes e madrepérola, € 30.600, VAN CLEEF & ARPELS.

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INVOGUE JOIAS & RELÓGIOS

FOTOGRAFIA: ISTOCK; D.R.

Da esquerda para a direita: relógio De Ville Trésor com caixa e pulseira em ouro Moonshine com movimento quartzo, € 25.600, OMEGA.
Brincos Serpenti em ouro rosa, diamantes e ónix, € 25.000, BULGARI. Anel Talisman em ouro amarelo e diamantes, € 10.600, DE BEERS,
em Farfetch.com. Relógio Égérie com caixa em ouro rosa, diamantes e pulseira em pele de jacaré com movimento automático,
€ 74.000, VACHERON CONSTANTIN. Pulseira HW Logo em ouro amarelo e diamantes, preço sob consulta, HARRY WINSTON.

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INVOGUE JOIAS & RELÓGIOS

FOTOGRAFIA: GETTY IMAGENS; D.R.

Da esquerda para a direita: tiara Joséphine Aigrette Impériale em platina e diamantes, preço sob consulta, CHAUMET.
Anel em ouro branco, rubi e diamantes, € 6.950, SUAREZ. Relógio Oyster Perpetual Day-Date 36 mm com caixa em ouro branco,
diamantes e pulseira President com movimento automático, preço sob consulta, ROLEX. Brincos Happy Hearts em ouro branco,
diamantes e madrepérola, preço sob consulta, CHOPARD. Anel Bean em platina e diamantes, € 4.300, TIFFANY&CO.

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INVOGUE JOIAS & RELÓGIOS

FOTOGRAFIA: ISTOCK; D.R.

Da esquerda para a direita: relógio Gondolo com caixa em ouro branco e diamantes e pulseira em ouro branco, diamantes e pérolas
Akoya com movimento manual, € 222.400, PATEK PHILIPPE. Relógio Takashi Murakami Sapphire Rainbow com caixa em cristal de safira
e pulseira em borracha com movimento automático, € 110.000, HUBLOT. Ursos Kris Set em cristais Swarovski, € 250, SWAROVSKI.
Relógio Carrera 36 mm com caixa em aço polido e diamantes e pulseira em pele de jacaré com movimento quartzo, € 4.200, TAG HEUER. English version

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ENTREVISTA INVOGUE

Once upon a time…


A sua criação, em 2010, significou uma nova era para a Hermès: foi este pequeno
laboratório criativo que transformou as sobras dos ateliers em obras de arte, e que
trouxe para a agenda da indústria do luxo, muito antes do esperado, palavras como
upcycling e sustentabilidade. Mas a intenção do petit h nunca foi outra a não ser a de lugar mágico onde através do diálogo constante entre criatividade e
manter viva a inocência da infância, esse período em que tudo parece ser possível. É habilidade artesanal se produzem objetos encantadores, todos eles
precisamente isso que defende o seu diretor criativo, Godefroy de Virieu. Por Ana Murcho. com um fim utilitário, a partir de restos de materiais (é interessante
utilizar esta palavra, “restos”, porque é precisamente isso que são,
coisas que “restam” de uma atividade qualquer, coisas que ficaram
para trás num processo, é também daí que vem a poesia desses
“restos”, tal como nas folhas rasgadas das mesas dos restaurantes
onde qualquer um de nós, em criança, perdeu horas a desenhar) ou
de produtos imperfeitos (fivelas de cinto, copos de cristal, pedaços
de pele que não passam no controlo de qualidade, rolos de seda
dormente). O resultado final, isto é, os objetos com a assinatura
petit h, que tanto podem ser aviões e barcos em miniatura como
carrinhos de supermercado com muitas semelhanças a carteiras
Kelly, são a prova de que a reciclagem criativa (ou aquilo a que, hoje,
se convencionou chamar de upcycling) é viável na indústria do luxo. E
demonstram, ao mesmo tempo, que é possível manter a qualidade e
a perícia dos artesãos, seja qual for o projeto em mãos — das gran-
des encomendas aos desafios mais discretos a nível de marketing. Há
muito que a sustentabilidade entrou no léxico da Hermès, e o petit
h é disso prova. E o seu diretor criativo, Godefroy de Virieu, sabe
que essa preocupação, a par de tantas outras, está desde sempre
no ADN da maison. Neste gabinete de curiosidades, o único limite é
a imaginação e a única regra é não existir nenhuma regra.

Estamos no início de um novo ano, que é sempre uma boa


altura para olhar em frente... mas também para pensar no que
deixámos para trás. Este será o seu quinto ano como diretor
criativo do petit h. Qual é a sua avaliação destes primeiros
anos, e quais são os planos para 2023 no atelier? Estou muito
orgulhoso do que fazemos no atelier. O petit h é um conceito único
de criação responsável baseado em materiais Hermès que estão
adormecidos e que merecem outra vida. Continuamos os nossos
esforços para assegurar que cada uma das nossas criações presta
homenagem aos nossos materiais, know-how e liberdade criativa.
Somos também adeptos da constante evolução, pesquisando novas
áreas de know-how, encontrando novas técnicas, sendo engenho-
sos e integrando novos materiais. Estamos a avançar com novas
explorações de matérias-primas que respeitam o nosso ambiente
e que combinamos com as já existentes. Estamos a explorar novos
Vasos Haiku em pele e porcelana. caminhos, como o vime, a terracota, o linho e o papel, que estamos
a incorporar nos nossos próprios materiais. Estes são projetos que
riação ao contrário.” Parece um palavrão, mas a expressão que nos entusiasmam!
melhor resume a filosofia por detrás do petit h é, na verdade,
uma metáfora do trabalho quase surrealista a que se dedicam
os seus designers, artistas e artesãos. Afinal, o que dizer de
um sítio onde os materiais (sempre inesperados, sempre sur-
preendentes) reinam sobre as ideias e onde qualquer convenção é
descartada em prol de uma nova (e inspiradora) história? Fundado
por Pascale Mussard, descendente de Thierry Hermès, em 2010, o
petit h foi pensado como um “laboratório e um lugar de inovação”,
FOTOGRAFIA: D.R.

algo em que obviamente se tornou — primeiro com a curiosidade


que suscitam os pioneiros, depois com o respeito que exigem os
vanguardistas aclamados pela crítica e pelo público. É em Pantin, nos
Caixa decorativa em couro e porcelana.
arredores de Paris, que se localiza o quartel-general do petit h, um

vogue.pt 57
INVOGUE ENTREVISTA

A sustentabilidade é agora uma das palavras mais repetidas


nos meandros da Moda, mas quando o petit h foi fundado, em
2010, o seu propósito ecoconsciente não era propriamente a
maior preocupação da indústria. Como é que o recente en-
foque global na sustentabilidade e no upcycling influenciou o
desenvolvimento do atelier? Para a Hermès, a sustentabilidade e
o upcycling não são um novo ângulo de marketing. Está firmemente
estabelecido nas raízes da maison ser sempre criativo, respeitar
sempre os materiais preciosos com que trabalhamos e o craftsmanship
altamente qualificado na criação destes objetos. Este é um elemento
muito forte do espírito da casa. Artistas e designers estão cada vez
mais preocupados com a origem e a escassez dos nossos recursos.
Há uma enorme consciencialização [a esse respeito] e é muito
bom que os materiais sejam valorizados e respeitados. Faz parte da
mentalidade de um artesão manter e pôr de lado as sobras de couro
ou seda, como pequenos tesouros. Temos de ser justos e razoáveis
na nossa utilização de materiais. Além de esta abordagem já estar
firmemente estabelecida na Hermès, o petit h conseguiu torná- la
um princípio evidente por si mesmo. Hoje, chegamos ao ponto de
explorar utilizações para as nossas próprias aparas de material,
levando a nossa abordagem aos seus limites (com o objetivo de
não deitar nada fora), tais como fazer fita adesiva a partir de aparas
de couro, ou transformar fragmentos de porcelana partida numa Em cima: Sleeping masks em pele
magnífica mesa de café em mosaico estilo Picassiette. de borrego, caxemira e seda.
Ao lado: retrato de Godefroy
Já afirmou, mais do que uma vez, que o método do petit h é de Virieu, diretor criativo do petit h.
“criação ao contrário.” Com isso em mente, é possível saber
qual será o resultado do processo criativo ou é sempre uma
surpresa? Isso significa que tem total liberdade criativa? O
que é fascinante é começar com uma intenção, uma faísca, um são-nos dadas carteiras. Foi assim que redesenhámos uma Birkin
impulso de entusiasmo em relação a um fragmento de material. É e lhe demos uma reviravolta, separando a sua parte danificada e
seguindo o trajeto desta criação ao contrário que o caminho pode reconstruindo-a com lona e rodas de skate. Foi rebatizada Roule-
de repente tomar várias formas. São estas trocas e ideias que po- -Birkin, com um certo humor!
dem ser a fonte de nova inspiração. Isto torna possível ramificar a O petit h lembra-nos, de certa forma, a nossa relação com as
criação. É toda esta viagem que é estimulante. Deixamo-nos guiar crianças: deixamos que brinquem com “sobras”, no seu caso
e não descartamos nada, e, de repente, tudo encaixa. O objeto toma nova vida, desviando-o do seu uso original. Ver a armação da sela materiais não utilizados ou excedentes. É esta ingenuidade,
forma. Os materiais estão lá, à espera, e esse pensamento pode ser transformar-se numa cadeira é um processo que apreciei particu- ou inocência, que torna o petit h tão especial? Estar na loja de
bastante arrebatador, como um escritor a olhar para uma página larmente, e que reflete muito bem a criatividade do petit h. Este materiais inspira sonhos e faz-nos sentir como uma criança a cons-
em branco, mas sei que uma pequena faísca virá quando chegar a exemplo evoca perfeitamente como, com o olhar de um artista e a truir uma toca. Trata-se de usar o que temos à mão. Os talentos dos
altura certa. Por exemplo, demos uma armação de sela obsoleta perícia de um artesão, somos capazes de criar objetos brilhantes, nossos artistas e artesãos são, contudo, o resultado de altos níveis de
a dez artistas. Começámos com cerca de sessenta armações de com diferentes usos, mas que oferecem uma parte da história da sensibilidade e experiência — uma compreensão natural do objeto
sela dos anos 60, originalmente do métier equestre, que nos foram Hermès. Também fiquei fascinado com a guitarra que concebe- e da nossa linguagem. O que parece ser o mais simples e o mais
cedidas pelo Conservatoire des Créations Hermès. A armação é o mos com Jérôme Cognet, um artesão-luthier com sede em Paris. óbvio é, por vezes, o que leva mais tempo a alcançar. A ingenuidade
esqueleto dentro da sela; é um objeto magnífico que é altamente Foi uma colaboração emocionante em que reunimos os nossos dos nossos objetos é uma fonte de prazer e humor. Gosto de ver
simbólico para a Hermès. Gosto de dar ao material ou objeto uma conhecimentos para criar uma magnífica guitarra feita a partir de os nossos clientes sorrirem quando descobrem as nossas criações.
uma armação de sela. Tivemos dez criações únicas, cada uma tão Concorda que os “defeitos” (como os pedaços de couro descar-
surpreendente como a seguinte: uma guitarra, uma cadeira, um tados, por exemplo) são as estrelas do petit h? Há quinze anos
baloiço, uma marreta, um cesto... seriam simplesmente deitadas fora nos principais ateliers Her-
O conceito por detrás do petit h é fazer peças (“objetos úteis”) mès, agora têm vidas novas e excitantes... Eu diria que as falhas
que possamos usar no dia a dia. Já lhe aconteceu, a si ou a ou defeitos não devem continuar a ser considerados como tal. Mas
algum membro da sua equipa, sentir uma súbita necessidade a estrela é, acima de tudo, o material. Com ou sem defeitos, deve ser
de criar uma versão atualizada de uma Kelly? O objetivo do petit respeitado, manuseado e transformado em algo. No petit h, elimina-
h é inspirar-se no material utilizado para fazer objetos com um twist, mos as falhas para que o material possa prosseguir o seu caminho e
objetos que criam surpresa porque são engenhosos, inesperados continuar a contar histórias Hermès. Os defeitos são nossos aliados
e engraçados, mas que continuam a ser úteis. Os materiais que — eles permitem-nos ser criativos.
English version recebemos provêm de todos os métiers Hermès, e ocasionalmente Se tivesse de resumir o petit h numa palavra, qual seria? SONHAR. l

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INVOGUE TRIBUTO

Long live the queen of punk


Dame Vivienne Westwood, designer, ativista, rainha do punk, morreu no dia 29 de
dezembro de 2022, aos 81 anos. Insurgente e revolucionária, Westwood foi o oposto
de um génio conformista. As suas coleções eram armas contra uma sociedade obe-
diente e adormecida. Os seus valores separavam-na de uma indústria dominada pelo
lucro. Guiada pela criatividade e rebeldia, a britânica fez da Moda uma ferramenta
política, transformando peças de roupa em gritos de justiça social, económica e
ambiental. À rainha, só nos resta dizer: rest in punk.
Direção criativa e ilustração Miguel Canhoto.

Protest Capitalism.
Top, outono/inverno 2019. Saia, Menswear primavera/verão 2018.
Headpiece, outono/inverno 1994. Brincos, primavera/verão 2019.

English version
Defend Human Rights. Vestido, outono/inverno 1994. Headpiece, primavera/verão 2018.

Stop War. Capa, outono/inverno 2014. Vestido e headpiece, outono/inverno 2018.


Vivienne Westwood. Casaco, primavera/verão 2018. Headpiece, outono/inverno 1994.

Halt Climate Change. Vestido, primavera/verão 2017.


Headpiece, outono/inverno 2017. Alfinete, outono/inverno 1993. Luvas, outono/inverno 2014.
INVOGUE RENDA

Chantilly Lace
Delicada, complexa, singela, romântica, recatada. É a renda na sua
tonalidade mais alva, esse epítome da inocência no que ao guarda-
-roupa diz respeito. Mas se a renda branca é isso tudo — delicada,
complexa, singela, romântica, recatada —, como é que, em simultâneo,
consegue ser também o epítome da provocação? Ilustração de Nuno da Costa.

erá possível personificar a sensualidade da inocência? Talvez a


resposta esteja na ideia da figura feminina de ar frágil, envolta
nesse rendilhado, com uma visão ingénua e imaculada do mun-
do — e, nessa ingenuidade subliminar, conseguir exalar uma
sensualidade pura. Já cantava Jerry Lee Lewis, em Chantilly Lace,
que “não há nada no mundo como uma rapariga a usar renda, de cara
bonita e com um rabo de cavalo”, colocando em composições com
clave de sol esta visão puritana e angelical da mulher, desenhando
uma imagem inocente e misteriosa que a torna invariavelmente
desejável. Não é segredo que a renda é tida como símbolo de sen-
sualidade no imaginário (masculino e não só), deixando pouco — e
muito, em igual medida — à imaginação. E não é à toa que, neste
tema, Lewis diga ainda que esta chantilly lace seja “capaz de fazer
os homens perder a cabeça e gastar dinheiro”, confessando, por
outras palavras, a magnitude deste poder feminino vestido a renda.
Talvez porque este ideal de mulher inocente, ingénua e doce seja
visto, pelas nossas convenções sociais, culturais e religiosas, como Chantilly, é conhecida pelo seu padrão delineado em cordonnet e
a reunião de uma checklist ideal, imposta pela sociedade como aquilo pelos seus detalhes abundantes. Delicada, geralmente feita de seda,
que pode ser percebido como wife material. revela e aflora os encantos do corpo feminino — o que encaixa que
A renda chantilly, que intitula este texto, serve de inspiração à nem uma luva nos contornos da lingerie que impulsiona este texto.
música de Jerry Lee Lewis e evoca ainda a doçura deste tipo de Assim como a dicotomia inocente/sexy, também esta renda consegue
material. Assim batizada pela cidade de onde é originária, a francesa transmitir sensações incongruentes. Apesar do seu aspeto frágil
e sensível, as transparências aqui e ali que a caraterizam revelam
timidamente os segredos da pele na medida q.b. para transformar
qualquer poster girl inocente numa potencial pin-up sexy. Não é por
acaso que a renda branca é, desde sempre, associada ao caráter vir-
ginal das noivas e ao desejo daí suscitado. Uma adenda interessante,
mas irrelevante: démure ou sedutora, inocente ou fogosa, a renda é
o que uma mulher quiser que ela seja. Porque, na verdade, somos
nós que a vestimos e lhe imprimimos atitude. Mas ajuda escolher a
certa — foi por isso que tomámos a liberdade de selecionar algumas
peças da Intimissimi para provar este ponto de vista. l

English version
FOTOGRAFIA: D.R.

Da esq. para a dir., quimono Pure Charme em seda e renda,


€129,90, combinação Eternal Love em seda e renda,
€119,90, soutien balconette Elena Pure Charme em renda,
€39,90, cinto de ligas Pure Charme em seda e renda, €19,90,
e cuecas Pure Charme em renda, €12,90, tudo Intimissimi. Soutien balconette, cinto de ligas e cuecas Pure Charme em renda, da coleção para o S. Valentim, tudo Intimissimi.

vogue.pt 67
ARTWORK: MIGUEL CANHOTO.

ARTES
LIVING
DESIGN
Jarras Blooming, a partir de € 66, Vista Alegre.
ROTEIRO LIFESTYLE

Livros, espaços e filmes


a não perder. Por Vogue Portugal.

Melancholic books
THE AGE OF INNOCENCE,
de Edith Wharton, McMillan
O que une todos estes livros é, mais do que Collector’s Library (2019), € 14.

a inocência, uma certa melancolia. De vidas


despedaças a maravilhosos paços de dança,
estas páginas são para ler agora e guardar
(na memória, no coração) para sempre.

THE STYLE ARTHUR ELGORT: BALLET, de


OF MOVEMENT, Arthur Elgort, Steidl (2020), € 31.
de Ken Browar e Deborah
Ory, Rizzoli (2019), € 49.
MOONLIGHT SCREENPLAY
BOOK, de Barry Jenkins,
A24 (2021), € 55.

THE GREAT GATSBY,


de F. Scott Fitzgerald,
Simon & Schuster
(2004), € 17,50.

GLASS LIFE,
de Sara Cwynar,
Aperture (2011), € 57.

SYLVIA PLATH: DRAWINGS,


de Frieda Hughes,
Faber & Faber (2022), € 14.

MY WINDOW,
de David Hockney,
Taschen (2022), € 100.
FOTOGRAFIA: D.R.

AUGURIES OF INNOCENCE, THE DIARY OF FRIDA


de Patti Smith, Harper Collins KAHLO, de Frida Kahlo,
Publishers (2008), € 16. Abrams (2006), € 25,63.

70 vogue.pt
LIFESTYLE ROTEIRO

Melancholic gardens Jardim do Palácio da Pena, Sintra


Não há nada tão cinematográfico como vaguear bucolicamente por um jardim. Se Sintra é a capital do misticismo, o Palácio da Pena é a joia
da coroa. As diversas cores do palácio são complementadas
Se ambiciona encarnar a fantasia de Bridgerton, preparámos as recomendações ideais. pelo verde da floresta que o rodeia. Como se saída de um
conto de fadas, os jardins do palácio encontram-se inseridos
na floresta de Sintra, frequentemente mergulhados
num misterioso nevoeiro.

Villa d’Este, Tivoli, Itália


A Villa d'Este, em Tivoli (a cidade italiana, não o fabuloso
hotel lisboeta), é um palácio e jardim renascentista exemplar.
Construído no século XVI, o jardim encontra-se numa
colina com vista para a vila italiana. Com centenas
de esculturas e dezenas de fontes, o jardim foi um milagre
de arquitetura na altura da sua construção.

Jardim de Claude Monet, Giverny, França


Qualquer amante de arte ir-se-á deleitar com a Casa de Giverny,
de Claude Monet. Se está familiarizado com o artista, prepare-
-se para encontrar as paisagens que inspiraram algumas das
suas obras mais famosas. Monet, para além de um pintor
conceituado, tinha também uma imensa paixão por jardinagem.
De jardins de flores a delicados arranjos de nenúfares, a estética
do impressionismo transparece em todos os detalhes.

Jardim Kenroku-en, Kanazawa, Japão


Considerado um dos três melhores jardins do Japão,
o Kenroku-en é um dos mais bonitos do mundo. O nome,
ainda que difícil de pronunciar, significa “o jardim que
combina os seis.” Clarifique-se: os seis atributos que
um jardim deveria ter de acordo com os standards japoneses:
Jardim da Quinta
da Regaleira, Sintra
privacidade, antiguidade, espaço amplo, sinais de habilidade
Jardim do Palácio da Pena, Sintra
humana, água e paisagens cénicas.
Jardim da Quinta da Regaleira, Sintra
Comece-se pelo óbvio. Poucos sítios no mundo, muito menos
em Portugal, têm o misticismo do Jardim da Quinta da Regaleira.
Ao longo de quatro hectares, o parque encontra-se repleto
de símbolos de alquimia, maçonaria e dos templários -
que, juntamente com o caraterístico clima de Sintra,
criam um ambiente enigmático.

Mata Nacional do Buçaco, Mealhada

TUOMAS A. LEHTINEN / NANDO PIZZINI / KATHRYN DONOHEW / GETTY IMAGES; D.R.


FOTOGRAFIA: FRANCESCO RICCARDO IACOMINO / MAIK HARTMANN / JOAO PIRES /
Mata Nacional do Buçaco, Mealhada
É um dos locais com mais história em Portugal. De local de
refúgio de monges a campo de batalha, a floresta é sinónimo
Jardim de Serralves, Porto
do passado da nação. Claro que não é apenas a riqueza histórica
que justifica a visita ao coração de Portugal. A sua fauna
e flora são suficientes para encantar qualquer visitante.

Jardim de Serralves, Porto


Se quando ouve Serralves pensa no museu, está a ignorar
o seu potencial da atração. Este jardim, localizado no mesmo
espaço, estende-se por mais de 18 hectares ao longo dos quais
encontrará uma quinta, um campo de ténis vintage, um jardim
de rosas e inúmeras obras de arte. Villa d’Este, Tivoli, Itália

Quinta das Lágrimas, Coimbra


Não há nada mais bucólico do que um jardim chamado
Quinta das Lágrimas. O local é um verdadeiro fóssil da história
portuguesa, tendo sido o cenário de uma das suas lendas
mais românticas. Localizado em Coimbra, foi palco
Jardim de Claude Monet, Giverny, França
do trágico amor entre D. Pedro e D. Inês de Castro. English version

72 vogue.pt
LIFESTYLE FILME

Um mundo de hieróglifos
É com estas palavras que Edith Wharton descreve a narrativa de A Idade da Inocência.
Mas só através da lente de Martin Scorsese é que estas se substanciam. Um mundo
onde nada é dito e tudo é implícito. Por Pedro Vasconcelos. Artwork de João Oliveira.

uando, em 1993, Martin Scorsese realizou a interpretação


cinematográfica da obra de Edith Wharton, A Idade de Ino-
cência (1920), a sua audiência ficou em choque. O realizador,
responsável por obras como Taxi Driver (1976) ou Tudo Bons
Rapazes (1990), tinha construído toda a sua carreira com base
em dramas violentos que exploravam o submundo do crime.
Compreende-se a surpresa do público quando foi anunciado que
seria ele a realizar a adaptação de um livro que detalha a alta so-
ciedade americana do século XIX. Como explicar que Scorsese, um
excelente retratista da sociedade underground, liderasse um filme
tão focado na sensibilidade do passado? Estas interrogações foram
feitas apenas por aqueles que não leram o livro de Wharton. Os
familiarizados com a narrativa da escritora americana entendiam
a escolha do realizador. As obras de Scorsese, ainda que intensas
e brutais, focam-se nas regras dos grupos de mafiosos pelos quais
ele, tão obsessivamente, se interessava. Não era apenas agres-
sividade sem propósito, existia uma preocupação em expor os
códigos de honra dos anti-heróis, as leis que estruturavam as suas
hierarquias de poder. Com esta noção em mente, nenhum outro
realizador estava mais habilitado para dirigir a versão cinemato-
gráfica de uma obra que retrata a (subentendida) agressividade
das leis da alta sociedade. A história, escrita em 1920 pela autora
americana, detalha os rumores que envolvem um escandaloso
caso entre dois distintos membros da sociedade nova-iorquina
do século XIX. Como noutros romances de Edith Wharton, a
narrativa é uma perfeita representação das grades sociais que
nos impedem de alcançar a felicidade.
A lente de Scorsese toca no mundo de Wharton de forma delicada,
amplificando tanto a sua beleza como a sua fealdade. Apesar de
ser um filme visualmente bonito, com uma direção de fotografia
impecável, não era esta a prioridade de Martin Scorsese. O rea-
lizador ambicionava retratar um mundo onde nada é dito, mas
tudo é subentendido. Todas as escolhas estéticas se encontram
integradas num objetivo concreto, respeitar a secreta opressão de
um mundo comandado pelo privilégio. Dos cenários à iluminação,
passando pelos adereços, tudo foi calculado meticulosamente pelo
realizador americano. Com o intuito de “enfeitar” os apartamentos

vogue.pt 75
LIFESTYLE FILME

O QUE DESTACA ESTE FILME COMO UM CLÁSSICO NÃO

ENTRE DOIS DOS MAIORES ARTISTAS DO SÉCULO XX.


SÃO AS SUAS PERFORMANCES. NÃO É A EXATIDÃO
HISTÓRICA. NEM MESMO O FABULOSO GUARDA-
ROUPA. É O FACTO DE SER UMA COLABORAÇÃO
onde o drama se desenrola, por exemplo, Scorsese encomendou
duzentas cópias de pinturas clássicas. J. M. W. Turner, John Singer
Sargent, William-Adolphe Bouguereau, as paredes dos cenários
encontram-se repletas de imitações de alta qualidade dos maiores
nomes da pintura ocidental. Estas não foram adquiridas por im-
pressão digital, mas sim pedidas a artistas legítimos, uma escolha
que acabou por custar mais de duzentos mil dólares à produção.
Esta decisão, como tantas outras, representa uma exímia atenção
ao detalhe, espelho da opulência da era retratada.

laro que não podíamos abordar A Idade da Inocência (1993)


sem mencionar o guarda-roupa. Não é por acaso que, de
todos as nomeações de Óscares que o filme recebeu, tenha
sido o Óscar de Melhor Guarda-Roupa que acabou por lhe
ser atribuído. O feito não é surpreendente quando se con-
sidera quem se encontrava encarregue desta função: a lendária
Gabriella Pescucci. Tendo trabalhado com nomes como Federico
Fellini e Giovanni Patroni Griffi, a figurinista italiana é uma das
mais conceituadas da indústria. O seu trabalho, para além de fiel
à época, é uma extravagante demonstração da Moda da Gilded Age.
A Met Gala devia ter exigido que os seus convidados vissem o
filme antes de pisar a passadeira vermelha da sua edição de 2022.
Pedimos desculpa pela amargura, mas o trabalho de Pescucci re-
lembra-nos o imenso potencial da época: as deslumbrantes peças
escolhidas foram instrumentalizadas para auxiliar a história de
Edith Wharton. Pense-se nas duas protagonistas femininas, as
primas que representam os opostos na narrativa, o bom contra o
perverso, a simplicidade versus a impureza. May Welland, a perso-
nificação da inocência, utiliza tons pastéis e variações de branco,
enfeitada com pérolas. Por outro lado, Ellen Olenska, a renegada
protagonista que acaba por seduzir o noivo da sua prima, enverga
roupa fortemente decorada. Cores como vermelho, índigos e verde
floresta, são acompanhadas de flores, penas e laços.
Se as tonalidades utilizadas por Pescucci ajudam a transparecer
a narrativa, as performances do elenco conferem-lhe substância.
Martin Scorsese escolheu o crème de la crème de Hollywood. As
primas mencionadas anteriormente, representadas por Winona
Ryder e Michelle Pfeiffer (adivinhe-se qual das duas a sedutora),
estimulam toda a narrativa. Ao contrário dos filmes de Scorsese
até 1993, em que o enredo é comandado por homens, A Idade da
Inocência passa no teste de Bechdel. Um facto surpreendente para
um filme produzido na década de 90. Mas o que destaca o filme
como um clássico não são as suas performances. Não é a exatidão
histórica. Nem mesmo o fabuloso guarda-roupa. É o facto de ser
O PRAZER DA LEITURA LONGA

uma colaboração entre dois dos maiores artistas do século XX. As


perspetivas de Wharton e Scorsese fundem-se, complementando-se
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pelas suas diferenças e reforçando-se nas suas semelhanças. Todo
o filme é uma conversa entre os dois e, enquanto espetadores,
sentimo-nos como que a ouvir uma conversa entre dois titãs. É
a união da delicadeza da prosa da escritora com a agressividade

English version
estética do realizador que faz com que, passados trinta anos, A
Idade da Inocência permaneça no panteão da sétima arte. l G Q : T H E J OY O F LO N G R E A D I N G
76 vogue.pt
LIFESTYLE PORTEFÓLIO

uando começou a licenciatura em Belas Artes, Sally Hewett


não sabia ao certo o que queria fazer. Sabia apenas que se via
mais como escultora do que pintora, e também que adorava
o corpo humano. A sua primeira peça com o corpo humano
como tema surgiu por mero acaso: um dia, para se distrair
do rigor da faculdade, decidiu bordar uma margarida num
bastidor. Ao bordar o centro da flor com linha cor-de-rosa, rapi-
damente viu um mamilo a emergir, apercebendo-se que o conjunto
total formava um seio. Foi nesse exato momento que soube o que
queria fazer dali em diante. Hoje, fascina e intriga quem se cruza
com as suas peças, não deixando ninguém indiferente. Por nos
ter impactado também a nós, falámos com a artista para que nos
explicasse tudo (ou quase tudo) sobre o seu processo criativo.

Os contrastes presentes nas suas peças são muito interessan-


tes. Aplica uma técnica perfeita em corpos “imperfeitos”. Qual
é o raciocínio subjacente ao seu processo criativo? Já que o
meu maior foco são corpos habitualmente considerados menos
perfeitos, acho que é importante que os pontos e o bordado sejam
irrepreensíveis. Quero retratar estes corpos, que adoro, da forma
mais perfeita e bonita que consigo, e isso não seria possível se a
minha técnica não fosse exímia. Além disso, a minha avó esperaria
que o fizesse de forma perfeita! Interesso-me muito pela forma
como vemos as coisas e como as interpretamos. Usar o bordado,
tipicamente considerado bonito ou dócil, para retratar um corpo
que é normalmente visto como feio, ou até sórdido, significa que Esta edição da Vogue Portugal relaciona-se com a inocência,
talvez o espetador consiga ver o que está representado de modo e há um paradoxo interessante entre este tema e a sua arte.
um pouco diferente. Da mesma forma, será que utilizar missangas A exposição do corpo está relacionada, precisamente, com
iridescentes para representar transpiração fará com que o espeta- uma ausência da mesma. O bordado está associado tradicio-
dor olhe para a peça de forma distinta, graças à beleza das pedras? nalmente com delicadeza e graciosidade, mas opta por criar
Talvez seja o caso para algumas pessoas. Na verdade, acho que a um grande contraste com a crueza da sua arte… Quando somos
transpiração não é sempre considerada algo feio ou nojento, hoje muito novos, somos, mais ou menos, completamente inocentes
em dia – é quase considerada sexy para algumas pessoas, especial- – levamos as coisas de forma muito literal. Somos visualmente
mente para entusiastas de ginásio. inocentes – uma cara é uma cara – os bebés não julgam o que
Quando cria estas peças, que sentimentos pretende suscitar observam. Não procuram significados adicionais ou conotações,
nos espetadores? Tenta, de algum modo, alterar o ideal de simplesmente tomam as coisas exatamente pelo que elas são. As
corpo “perfeito”? Não penso em mudar a perspetiva das pessoas crianças não veem algo como feio ou repulsivo. Pensar as coisas
acerca do que é um corpo “perfeito” – isso seria uma tarefa difícil! desta forma não acontece até estarmos submergidos pelas normas
Na verdade, nem sei se tenho alguma noção deste género quando sociais, até aprendermos a adaptar a nossa perspetiva a estas
começo a criar as minhas peças. Faço-as porque vejo alguém em normas. Depois é quase impossível deixar para trás as constru-
fotografias, online ou na televisão e há algo que me fascina e que me ções sociais e as normas entre as quais nascemos. Não penso, de
intriga. Quero criar uma peça sobre esse corpo, quero descobrir todo, que as obras que crio façam com que o observador saia do
mais sobre ele e fazer alguma coisa que reflita os meus sentimen- mundo das normais sociais e as veja, de repente, de forma dife-
tos acerca do mesmo. Só conheço a experiência de estar no meu rente; porém, talvez isto aconteça esporadicamente. Talvez este
próprio corpo, por isso quero imaginar e tentar perceber como desfasamento entre o meio e o sujeito deixe algum espaço para a
é estar num outro. A análise e a explicação só vêm depois de ter inocência visual. Espero que sim.
criado a peça; só em retrospetiva consigo ter algum entendimento Há algum facto escondido sobre a sua arte que gostasse de
Josephine (2012). Licra, enchimento de espuma, blusa, seda bordada, cabelo, bastidor.
acerca do que estava a fazer em determinada obra. partilhar? Em cada peça que faço, uso algo – seja tecido, linha,
botões, renda ou missangas – que herdei da enorme “arca do
tesouro” da minha avó. Ela era uma costureira e estofadora muito
talentosa. Foi também quem me ensinou a coser quando era ainda

What are you looking at?


muito jovem.
A sua arte é empoderadora. Tem algum feedback do público
que a tenha impactado de forma especial? Já ouvi coisas mui-
O fascínio por partes do corpo que muitas vezes desprezamos é o que move Sally to positivas como: “Obrigada. Fez-me ver o meu corpo de forma
totalmente diferente”, “obrigada por representar o meu corpo”,
Hewett a criar peças verdadeiramente empoderadoras. A sua arte choca os mais “obrigada por fazer desta condição uma bonita obra de arte”, ou
sensíveis e inspira os mais livres mas, acima de tudo, levanta uma questão: porque é “é tão revigorante, enquanto homem, sentir que os nossos traços
não são feios, agressivos ou negativos”. Mas também há opiniões
que continuamos a ter reações tão particulares quando nos deparamos com repre- negativas como “pura imundice!”, “devia ter vergonha” ou até
sentações do corpo humano? Por Maria Inês Pinto. English version mesmo “só faz isto para ter atenção. Patética.” l

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Know your lemons (2020). Licra, cetim Peau d'Ange, enchimento de espuma, seda bordada, bastidor. Camberwell Beauty (2013). Licra, acolchoamento, bordado de seda, bastidor.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Milkmaid’s Tale (2017). Licra, cetim Peau d'Ange, enchimento de espuma, bordado de seda, bastidor. Strictly (2013). Licra, renda elástica, cristais, enchimento de espuma, bastidor.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Sweaty (2020). Licra, cetim Peau d'Ange, enchimento de espuma, seda bordada, nylon, missangas iridescentes, bastidor. Pincushion (2019). Licra, cetim Peau d'Ange, enchimento, bastidor.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Pixeltits (2019). Licra, enchimento de espuma, seda bordada, bastidor. Mermuff (2021). Licra, enchimento, lantejoulas iridescentes, bastidor.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Sal’s Scar (2017). Licra, enchimento de espuma, seda bordada, bastidor. Stretched (2022). Licra, cetim Peau d'Ange, enchimento, bastidor.

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LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Rising Moons (2014). Licra, seda, enchimento de espuma, bordado de seda, cordão de seda, couro, bastidor. Plumped Up (2020). Licra, enchimento de espuma, bordado de seda, cabelo, bastidor.

vogue.pt 91
LIFESTYLE COR

White balance
É a cor da luz, da pureza, dos anjos e das noivas, da paz e da virgindade, até da tabula
rasa, aquela tela em branco que é ponto de partida para muita história, mas não
para este texto. O ponto de partida é: porque é que tendemos a associar o branco à
inocência? E será ele sempre contextualizado como inocência?
Por Sara Andrade. Arte de Ai Weiwei.

É por aqui que surge também o recurso ao branco para tudo


o que conotamos com limpeza e pureza —termos associados à
inocência: médicos, enfermeiros, chefs, cientistas, templos intei-
ros na Antiguidade revestidos a mármore branco, sacerdotisas
no Antigo Egito e Roma Antiga, envergavam o tom como espelho
desta conotação de ausência de mácula ou como reflexo de es-
terilização. O Papa, por exemplo, usa vestes brancas desde 1566
como símbolo de sacrifício e pureza, bem como os peregrinos do
Islão e da religião japonesa Shinto, e, diz o The Penguin Dictionary of
Symbols, os padres e druidas celtas também o faziam, sendo que só
os membros do Clero podiam usar o pantone (salvo o Rei). Falar de
o melhor pano cai a nódoa. Se for uma noiva vestida de branco é quase redundante. O que é curioso,
branco, então, está o caldo entorna- porque casar de branco, no Ocidente, era algo apenas reservado
do. Estas duas frases feitas/lugares- aos casamentos reais, sendo que a aristocracia e demais vestiam
-comuns podem parece inocentes, os seus melhores trajes, frequentemente noutras tonalidades,
mas não são: surgem porque, quan- por pragmatismo, porque o propósito era usar o visual noutras
do se pensa em branco-inocência, está alturas e não apenas uma vez — e a esperança média de vida de um
também subentendida, de certa forma, vestido branco, especialmente antes dos detergentes modernos,
a dupla: semântica-significado. O branco era bastante inferior aos demais. Foi a Rainha Vitória, com o seu
é, por norma, associado ao puro e ao in- vestido em renda, que acabou por disseminar a tendência quando
génuo (uma assunção corroborada pelo a cobertura do seu matrimónio com o Príncipe Alberto, em 1840,
dicionário, que clarifica o substantivo despertou a atenção da sociedade, que começou a adotar o bran-
como sendo sinónimo de “qualidade ou co gradualmente (primeiro, as noivas mais abastadas e, a pouco
estado de inocente; ignorância do mal; o pouco, todas as camadas sociais), depois exponenciado pela
pureza; simplicidade, ingenuidade; isenção associação da cor ao virginal, peremptório para muitas religiões,
de culpa”, segundo o Priberam) e, por isso, adicionando-lhe aqui também a camada de moralidade quase divina THE ARTWORK BLOSSOM, 2015, COURTESY OF AI WEIWEI STUDIO.
o branco acabou por se tornar não apenas e reforçando a dicotomia inocência/culpa, apanágio semirreligioso.
uma cor, mas um símbolo, um sinónimo A pomba branca, por exemplo, também é conotada com a pureza
deste rol de vocábulos. Como assim? As- e a paz e a santificação, ou o espírito imaculado: signo do Espírito
sim: antes de aparecerem anúncios com Santo na Bíblia, foi depois incorporada, pelo Cristianismo da Roma
claims como “é bom sujar-se” ou anti-nódoas a pregar “esqueça
as manchas”, era de facto difícil, manter o branco imaculado, por
isso, a tarefa hercúlea de o fazer acabou por se tornar metafórica
também de uma vida sem manchas, sem pecado, sem culpa; era
ser-se paralelamente imaculado (leia-se, inocente) em mais do que
uma dimensão. O resto, é associação de palavras, ou seja, a tal se-
mântica: limpo, imaculado, puro, intocado, tudo adjetivos que são Na página ao lado, close up da obra Blossom (2015), de Ai Weiwei,
reminescentes da ideia e significado de inocência, dirá o Priberam em porcelana, instalada no hospital dentro da Penitenciária
(e outros dicionários do género). Uma vez estabelecida esta ilação, de Alcatraz, contrapondo a inocência e delicadeza das flores
brancas com o peso da culpa inerente a uma prisão, por um lado
é também fácil de entender o significado da tal tela/página/folha metafórico, e em contraste com as paredes escuras e sujas,
em branco, ou seja, que não foi ainda escrita/manchada/profanada. noutro lado mais literal. Fotografia: Cortesia Ai Weiwei Studio.

92 vogue.pt vogue.pt 93
LIFESTYLE COR

divindade feminina associada à lua e que representa um tríptico de EM DESIGN E DECORAÇÃO, O todas as cores do vestuário do quotidiano. Similarmente, na Índia,
símbolos: é a virgem, a mãe e a idosa, cada uma com a sua cor. A BRANCO É MINIMAL, MAS UM ESPAÇO apenas as viúvas podem usar branco. Regressando à literatura, e
da virgem é a branca. A da mãe não, mas curiosamente, os antigos COMPLETAMENTE ALVO É POUCO OU contrapondo a ideia das heroínas virginais e inocentes, há vilões
gregos associavam o branco ao leite materno (porque na mitologia NADA ACOLHEDOR, PRINCIPALMENTE que também usufruem da conotação negativa do tom para fazer
E ATÉ PELA SUA CONOTAÇÃO À
grega, consideravam-no uma das quatro substâncias sagradas, a valer o seu caráter infame, com especial ênfase na sua frieza — ou
ESTERILIDADE DE UM HOSPITAL,
par com o vinho, o mel e a rosa), ligando o pantone a esta vertente melhor, na frieza do seu coração — ao serem associadas com o gelo
CLÍNICA OU CONSULTÓRIO MÉDICO. É
divina e não-profanada, mas também sugerindo a ideia de começo, A IDEIA DO INTOCADO TRADUZIDA POR e a neve, como a White Witch, do The Lion, the Witch and the Wardobe
nascimento, começar do zero — a tal tela em branco, ainda não “NÃO SE PODE TOCAR” — TRADUZIDO, (1950), de C.S. Lewis, ou a Rainha da Neve, da obra homónima Snow
profanada. Na Arte, o simbolismo repete-se: o pintor James McNeill POR SUA VEZ, NA AUSÊNCIA Queen (1844), de Hans Christian Andersen. Similarmente, esta ideia
Whistler (1834-1903), no quadro Simphony in White No. 1 - The White DE LIGAÇÃO E TOQUE HUMANO. de ausência de calor coloca o branco como uma cor que pode causar
Girl (parte de uma série de obras com títulos musicais em que sentimentos de isolamento e de falta de conforto: em design e deco-
usava determinada cor para criar um mood específico, tal como um ração, o branco é minimal, mas um espaço completamente alvo é
compositor faz nas suas sinfonias), usou esta cor delicada para vei- pouco ou nada acolhedor, principalmente e até pela sua conotação à
Antiga, na arte funerária, ilustrada com um ramo de oliveira ao cular a ideia de inocência e fragilidade, uma esterilidade de um hospital, clínica ou consultório médico. É a ideia
lado da palavra Paz. Mas o simbolismo não é apenas cristão: no simbologia transversal a muitas obras. Nos do intocado traduzida por “não se pode tocar” — traduzido, por sua
Brasil, a entrada no novo ano é feita envergando branco, para manuscritos, quadros e tapeçarias históri- vez, na ausência de ligação e toque humano.
auspiciar um ano de paz e pureza, uma tradição ligada à religião cos pós-clássicos, o unicórnio branco era
afro-brasileira Candomblé, na qual os fiéis usam trajes brancos um tema comum enquanto signo de pureza, liás, esta parafernália de conotações opostas e incongruentes
(tonalidade divina, de Oxalá) nos rituais, para promover a busca castidade e graciosidade, e o animal mítico alvo possível, uma prática que se populari- em relação ao branco é algo inerente ao próprio pantone: o
de purificação espiritual. A religião também coloca, tendencial- só podia ser capturado por uma virgem zou na aristocracia, mais tarde. No século branco é, simultaneamente, nenhuma cor e todas as cores.
mente, o branco como sendo espelho de luz e o negro de trevas, (recorrentemente, surgia na imagética ao XVIII, homens e mulheres da alta sociedade Por um lado, o branco existe enquanto pigmento, por isso, é
uma dualidade também explicada por um exemplo prático: à luz colo da Virgem Maria). Esta ideia de uma usavam este tipo de tinta, conforme conta um pantone em si. Por outro, no espectro de luz, o branco que
vemos tudo — aliás, o próprio tom exponencia-a, ao servir-lhe de imagem alva não corrompida foi também Maggie Angeloglou no seu livro A History of resulta da luminosidade (de um ecrã de televisão, por exemplo), não
refletor —, e é difícil haver segredos quando algo está iluminado, usada, sem surpresas, ao serviço do go- Makeup, para disfarçar todas as imperfeições tem um comprimento de onda específico, é antes a soma de todas as
enquanto que as trevas dissimulam, têm mistério, enganam o olhar, verno. Na Roma Antiga, quem concorria a da pele, uniformizando a tez no tom branco cores. Basta pensar no arco-íris e no facto de apenas se conseguir
promovendo o binómio de puro e impuro. Um de que a literatura lugares políticos públicos envergava bran- mais branco não há — uma emenda pior que ver as cores da luz do sol quando as gotas fazem a refração dos
muito se tem servido, usando recorrentemente o tom para fazer co, sendo que a palavra latina para a cor é o soneto, uma vez que a toxicidade desta raios solares e revelam o seu espectro (como acontece num prisma).
valer a componente virginal dos seus protagonistas, nomeadamente candidus (albus também é latim para branco, espécie de base de maquilhagem só piorava Aqui, o branco contém um equilíbrio, em igual medida, de todas
os femininos — o mais óbvio e popular sendo a heroína descrita mas refere-se a uma tonalidade menos lu- os problemas cutâneos e desencadeava uma as cores (o chamado white balance, uma afinação da temperatura
como pura e inocente, e batizada até com o nome Branca de Neve. minosa) - o que explica porque hoje usamos série de outras enfermidades, como anemia, cromática da imagem realizado antes de se fotografar ou gravar
Mas outros, mais subliminares, fizeram o mesmo: por exemplo, no o temo “candidato” para quem concorre perda de apetite, obstipação, dores de ca- digitalmente), representando, assim, tanto o aspeto positivo quanto
romance Tess of the d’Ubervilles (1891), de Thomas Hardy, a heroína a um cargo, porque já na altura, derivado beça, paralisia e podia resultar em morte. o negativo de cada cor. Mais ou menos como as associações que
homónima é conotada com o tom branco (é a tonalidade recorrente de candidus, era assim que estes políticos Essa consequência, conhecida ou não, era fazemos desta tonalidade alva, que mudam consoante o contexto.
das suas vestes) para sublinhar estes traços de bondade e pureza, eram denominados. Etimologicamente, a irrelevante, porque o desejo de estatuto falava Para o contexto desta edição subordinada à “idade da inocência”,
sendo que quando o co-protagonista Alec a viola, Hardy descreve palavra deriva de “cândido”, que significa mais alto — e branquear o rosto era afastar-se assuma-se este tom da cal como o seu mais ou menos consensual
Tess, que enverga um vestido em musselina branca, como “alva franco e honesto. Voltemos à semântica: do povo que, por trabalhar de sol a sol, tinha representante, mas que este texto sirva de disclaimer — não para a
como a neve.” O escritor Robert Graves, por sua vez, na obra sobre franco, honesto, puro, não-corrompido, tons bronze e longe do branco que a nobreza multiplicidade de significados do branco, mas para a multiplicidade
a gramática do mito poético, The White Goddess (1948), argumenta verdadeiro — inocente. podia exibir, no seu ócio protegido dos raios de cores da inocência, para evitar cair em clichês, lugares comuns,
que toda a poesia ocidental se inspira na figura da Deusa Tripla, uma solares. A História, de uma forma mais ou frases feitas ou preconceitos. l
as o branco, propositadamente ou não, nem sempre foi — menos subliminar, perpetuou esta ideia por ser interessante à classe
ou, melhor, nem sempre é — uma cor consensual no que diz dominante das sociedades ocidentais, mas a prática, hoje em dia,
respeito ao seu lado positivo e luminoso. Aliás, muita desta adotou um plot-twist: são poucos os que desprezam o ar saudável
corroboração literária do seu simbolismo é também reflexo que uma cor estival responsável pode trazer à face e ao mood. Aliás,
do background dos seus autores e consequentes referências. não é à toa que a palidez é associada à morte (descrita no Livro
Associamos a tonalidade à ideia de inocência como consequência das Revelações, enquanto um dos quatro Cavaleiros do Apocalipse,
de um contexto que, quando se altera, deita por terra muitas das a montar um “cavalo pálido”) e que os fantasmas são percebidos
premissas deste artigo. Por exemplo, nas culturas orientais, o branco enquanto espíritos num lençol branco, na cultura popular. Talvez
é conotado com o luto e com a tristeza — nas ocidentais, o costume numa espécie de referência ao vazio, no entendimento do branco
também vigorou até ao século XVI, as viúvas dos reis de França como uma “ausência de cor”, o tom também remete para a ausên-
usaram branco até Ana de Bretanha (1477-1514) —, e há quem sinta cia, a morte, o fim da vida. Em algumas culturas orientais, é ligado
no branco frieza e aborrecimento. O passar do tempo também tem à passagem para uma nova vida e conotado com má sorte. O que
mudado conotações: era comum, por exemplo, na Antiga Grécia, justifica também o facto de, na China, ao contrário do que acontece
usar tinta branca feita de chumbo para pintar a cara no tom mais no Ocidente, o luto ser feito em branco, porque traduz a remoção de English version

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LIFESTYLE SHOPPING

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FOTOGRAFIA: ALIAKSANDRA IVANOVA / EYEEM / GETTY IMAGES.

No princípio era o branco


Associado à pureza, à inocência e à calma, o branco é uma das cores mais procuradas no design de
interiores. Peças aparentemente simples, como mesas, candeeiros, ou sofás, revelam-se particularmente
impactantes quando posicionadas numa sala onde a luz reflete o brilho imaculado deste tom.
Como um elixir da juventude, são objetos intemporais, que nunca passam de moda. Por Eduardo Rosewood.

1. Mesa de centro Geo, preço sob consulta, Pimar. 2. Conjuntos de três candelabros LEVE, a partir de € 120, Birgitte Due Madsen para
MOR Design. 3. Candeeiro de mesa Torso, € 190, Menu em Castroseis.com. 4. Robe Bovisa, € 2.080, Loro Piana. 5. Almofada de caxemira,
€ 490, Brunello Cucinelli em Matchesfashion.com. 6. Caixa decorativa Niara, € 24, Kinda Home. 7. Vela White Pearls, € 110, Baobab.
8. Hope Issue, €10, Vogue Portugal em Shop.light-house.pt. 9. Centro de mesa Corais, € 140, Vista Alegre. 10. Poltrona Manta, preço
English version sob consulta, Roche Bobois. 11. Slippers de quarto, € 745, Manolo Blahnik em Net-a-porter.com. 12. Sofá Catena, € 2.299, Ferm Living.

vogue.pt 97
LIFESTYLE PARTNERSHIP

Feels like home Innocence é o reflexo da pureza da porcelana. As suas notas frutadas
de seiva de figo são complementadas pela elegância de um bouquet
de pétalas de jasmim e de íris branca, encontrando na madeira de
Haverá algum aroma capaz de descrever sensações tão sândalo o seu ponto de equilíbrio. É o aroma ideal para acompanhar
fortes como o mistério, o poder ou a inocência? A Vista momentos de silêncio e meditação, trazendo serenidade até ao
Alegre sonhou e três essências imperdíveis nasceram. coração do lar. Quem procura uma fragrância mais alegre e ener-
gética, irá encontrar o seu par junto de Pouvoir. As cores quentes
pintadas nas porcelanas deste conjunto intensificam a celebração
dos acontecimentos mais marcantes, quando as emoções são ex-
pressas sem medo ou vergonha. No campo olfativo, denota-se um
aroma poderoso, não fosse esse o nome que lhe dá vida. Notas de
óleo de conhaque são combinadas com extrato de carvalho, cortiça
e âmbar, acentuadas pela singularidade de especiarias e raízes de
vetiver. Antigas técnicas de fermentação inspiraram o nascimento
desta gama, relembrando objetos ilustres como os decantadores
em cristal da Vista Alegre. Há ainda a possibilidade de encontrar
um refúgio paradisíaco nos aromas facultados pela coleção Mystère.
Com o intuito de avivar as memórias passadas à beira-mar, quando
a brisa marítima flutua em nosso redor, esta fragrância é composta
por essências icónicas, como as pétalas de rosa, lírio do vale e
jasmim. Os tons azulados das suas porcelanas espelham o ponto
do horizonte em que céu e água se tornam num só.
As três essências da coleção Home Cosmetics foram criadas em
parceria com Stéphanie Bakouche, uma célebre perfumista francesa
que já colaborou com marcas conceituadas de alta perfumaria por
todo o mundo. A formação de Bakouche remonta ao Institut Supé-
rieur International du Parfum, de la Cosmétique et de l'Aromatique
Alimentaire e, hoje, é formadora na École Supérieure du Parfum,
em Paris. Apesar de ser um novo segmento da Vista Alegre, a Home
Cosmetics já recebeu os aplausos da crítica, e foi galardoada com o
prémio Silver nos Muse Design Awards. l

novar e, ao mesmo tempo, homenagear a História de Portugal,


parece uma tarefa difícil, mas é precisamente isso que, desde 1824,
e ano após ano, a Vista Alegre tem feito de forma exímia. O lança-
mento da coleção Home Cosmetics é o mais recente exemplo disso.
Partindo dos valores de excelência e saber-fazer que caracterizam
o longo percurso da insígnia nacional, este novo segmento combina
elementos de decoração do lar com o requinte da alta perfumaria,
procurando uma vivência aprimorada do espaço pessoal. As velas,
sabonetes e home sprays que compõem a gama de cosméticos do
lar conferem personalidade ao lugar onde se passam alguns dos
momentos mais marcantes da nossa vida. Enquanto objetos de
destaque, apelam aos sentidos olfativo e visual de quem procura
um sinal de paz no meio do rebuliço do dia a dia. De maneira a que
FOTOGRAFIA: D.R.

cada pessoa possa encontrar o aroma que melhor complementa o English version
seu espaço, a coleção Home Cosmetics divide-se em três fragrâncias
Da esquerda para a direita, as três linhas que compõem
inspiradas em sensações que habitam o núcleo do ser humano: a a nova gama Home Cosmetics: Mystère, Innocence e Pouvoir.
inocência, o poder e o mistério. À venda nas lojas da Vista Alegre e loja online.

98 vogue.pt
LIFESTYLE GOURMET

Come a papa, Joana


Nem imaginam há quanto tempo é que a papa é vital na alimentação
do homem. Mas, para que tenham uma ideia, talvez tenha sido ela
a responsável por termos chegado até aqui. Muitas colheradas de-
pois, continua a fazer as delícias de miúdos e graúdos. Por Nuno Miguel Dias.

abemus Pulticula e explico porquê… Porque se fosse Habemus Papa


era um trocadilho demasiado óbvio. Estou aqui para fornecer
um pouco de cultura geral, que nunca fez mal a ninguém. As-
sim, faça-se saber que o latim para “Já há Papa” ou, literalmente,
“Temos Papa”, o texto lido pelo Cardeal Protodiácono (o mais
idoso de todos eles), para anunciar que é designado um novo Sumo
Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana (enquanto que, cá
fora, na Praça de São Pedro, os comuns mortais só têm direito a
ver fumo branco a sair da chaminé), é Habemus Papam. Por outro
lado, na mesma língua morta, Habemus Pulticula significa que a papa
já está servida, ou seja, “Jorge Miguel larga o telemóvel e vem-te
sentar à mesa ó fáxavôre.” Pulticula era, pois, aquilo que o romano
de estrato social mais baixo comia enquanto os privilegiados consu- saberem, os primeiros passos naquilo que
miam o garum (garo), esse luxuoso condimento que consistia numa se convencionou denominar de “alimentação
salmoura de sangue, vísceras de peixe (e o melhor era o português, artificial de bebés.” Ou seja, posta a impos-
dizem as boas línguas). É um termo genérico que significa apenas sibilidade de alimentar um recém-nascido
“papa.” A sua abreviatura, puls, define o alimento base do romano com o leite materno de que tanto necessita
comum, que consistia numa mistura de cereais torrados, moídos, para o seu desenvolvimento, a solução durou
e posteriormente cozidos com água. A cevada era a variedade mais até 1860, o ano em se tornou disponível na
comum, mas o trigo e a espelta também eram bastante utilizados sua forma comercial. Foram encontrados
(a espelta não é agora denominada “cereal ancestral”?). Consumido vários recipientes, destinados à alimentação
ao jentaculum (pequeno-almoço), ao prandium (almoço) ou à cena de bebés, usados desde a Idade do Bronze. A
(jantar), substituía em muitos agregados familiares a carne, o peixe, literatura também o refere desde o médico
e até o pão, bens que não estavam ao alcance de qualquer um. No grego Sorano de Éfeso, no século II, pas-
caso das crianças, assim como de gente com mais posses, a água sando pelos primeiros livros impressos do
era substituída por leite de cabra ou de ovelha, desconhecendo-se século XV (onde clínicos e cirurgiões prova-
o que teriam contra o leite de vaca, sendo que ainda hoje lhes dura vam estar cientes dos riscos da alimentação
a teima ali para os lados da Campania, onde o queijo mozzarella (e o artificial) e até aos manuais do século XVII
seu derivado provola affumicata) é de búfala, ruminante com óbvias onde existem mesmo receitas. Durante o
diferenças para além do formato dos chifres. Estavam os nossos século XVIII, a consecutiva publicação da
primos afastados, criadores da civilização ocidental, a dar, sem temática evoluiu de mera preocupação de FOTOGRAFIA: HAROLD M. LAMBERT / GETTY IMAGES.

saúde pública para ideologia moral. Mais ou menos como o preser-


vativo nos dias de hoje. É claro que tudo isto ignorou as pressões
económicas, o que fez com que muitas mães encurtassem, ou até
ignorassem, o período de amamentação, levando não só a problemas
no desenvolvimento das crianças como a um “movimento cultural”
que os patrões, em plena revolução industrial, agarraram com unhas
e dentes, e que só seria ultrapassado com a Revolução de 1917 e a
criação, na URSS, da Baixa de Parto e Licença de Amamentação,
exemplos posteriormente seguidos por toda uma Europa que, no
século XX, viu no Estado Social um modelo que, hoje em dia, corre
sérios riscos. E não são poucos os sinais.

vogue.pt 101
LIFESTYLE GOURMET

seja bebido e não comido. A pap tem, na sua elaboração, uma gi-
gantesca influência colonial africana. Originalmente, é denominada
ugali, posho ou sima, mas cada país africano tem a sua denominação
(uma centena ou mais). Em Angola, por exemplo, é funge, o que faci-
litará a identificação por parte do leitor mais afoito a experimentar
comida exótica. Tradicionalmente, é feita com farinha de milho e
a sua consistência não permite ser bebida, ao contrário do gruel.
Os grandes responsáveis pelo facto de este ser o alimento trans-
versal aos humanos que habitam o mais belo continente do mundo
são, claro está, os portugueses, que trouxeram a maçaroca do
continente americano e, mais tarde, a mandioca e o arroz. Antes
disto, era o sorgo e o painço. Esqueçam as receitas que encontram
a partir daí que, até ao século XIX, surgem aqueles que na Internet, onde será apresentado como pouse, treze, catorze e meia, a coisa não está tão feia, dezasseis,
serão os primeiros exemplares de livros de puericultura. acompanhamento de mão de vaca (mazon- dezassete, mais um pingo no babete (homenagem ao saudoso José
Amplamente editados, são verdadeiros tratados onde, nos do), abóbora (ndebele) ou galinha (inkukhu). Barata Moura). É também a Conchita, a Lyuba, a Arjun, a Bomani, a
capítulos dedicados à alimentação, se curava sobre as vir- Nunca esqueçamos, romantizando algo que Ahmad ou a Mayumi. Em todo o mundo há uma papa que se desti-
tudes e perigos da sua vertente artificial, com receituário só existe no nosso ideal, que a esmagado- na a alimentar o humano nesse grande marco da sua vida que é a
específico para cada tipo de papa. Com isto, surgem as ra maioria dos africanos come funge (ou os passagem do leite materno para os alimentos que farão parte do
definições mais técnicas ainda hoje usadas. Em inglês, equivalentes busuma, chima, isishwala, mutuku, resto da sua vida e, paradoxalmente (ou não) quando estamos a
claro, faz-se a distinção entre papas, a saber: pap, uma sakoro, xima e etc.) porque não tem mais na- um passo de morrer, incapacitados de digerir grandes gourmandices
comida semissólida feita de farinha ou migalhas de pão da. Finalmente, a panada. Este tipo de papa e com a dentição a 10%.
cozinhadas em água, com ou sem leite (e que nos levou equivalerá àquilo que os lisboetas chamam
a denominar o mesmo género de alimento como “papa”, de açorda. O pão é rei e, quando passa aquele experimentou fazer molho branco (o outro termo para bechamel), m Portugal, o século XX foi determinante no consumo de
assim como chamamos “queque” a um cake). Gruel, uma papa mais estado em que já nem para torradas serve, sabe que os primeiros ingredientes, a farinha e a manteiga, têm de papas. Porque entrou a publicidade e fez com que a tão antiga
fina resultante da fervura de cereais em água ou leite (o termo ficou é reidratado naquilo que, dependendo da ter partes iguais. É o leite, adicionado depois, que dita a cremosidade e simples adição de amido de milho à água adquirisse contor-
e ainda hoje os ingleses se referem, de forma pejorativa, a qualquer região geográfica da sua confeção, será um do molho. Imagine-se, então, que se quer um pouco mais sólido. O nos muito mais requintados com a inclusão do cacau em pó
alimento com um aspeto aguado e pouco apetitoso como “what a caldo. Em Itália, mais exatamente na Tosca- que fazer? Exatamente: juntar mais farinha. A dificuldade está em e baunilha, ainda que em quantidades mínimas. Surgiram as
gruel”). Por fim, a panada, uma preparação de vários cereais ou pão na, as variedades acquacotta e ribollita são as evitar os mais que certos grumos. Boa sorte. farinhas. Mais especificamente, a 33 e a Amparo. Diferenças entre
cozinhados num caldo. Todas elas cabem na denominação comum mais populares e têm como base caldo de No tempo em que eu era criança, que já foi o século passado, não elas? Uma tinha malte, a outra não. Só foram destronadas pela
de porridge, ou seja, aquilo que para nós corresponde a papa ou vegetais, cogumelos e, no final, muito queijo ler livros da Disney era ser antissocial. Não seríamos admitidos Cerelac e pelo Nestum Mel. Entretanto, a textura de papa deixou
papas. O gruel pode obter-se da moagem de aveia, trigo, centeio ou ralado. Em França leva, claro, manteiga ou em metade das conversas na escola, por exemplo. Aquele universo de agradar ao palato das gerações mais recentes, que preferem
arroz (nas suas formas mais antigas podia ser de painço, cânhamo, natas. Na vizinha Espanha, a mistura é ligada onde Peninha, Urtigão, Maga Patalógica, Gastão, Morcego Verme- os cereais, esse perigoso americanismo com a mesma quantidade
cevada, castanha e bolota) aquecidos ou fervidos em água ou leite. com gema de ovo, à semelhança da nossa lho e Madame Min nos punham um sorriso na cara, tinha uma de açúcar numa tijela como a que deveríamos ingerir durante
Está associada, por preconceito, às comunidades mais rurais do açorda e, na Grã-Bretanha, leva passas, noz particularidade. Editados pela Abril Murumbi, eram redigidos em uma semana. E por falar em saúde, falemos também de ironia. Já
Reino Unido e à pobreza (tendo sido Charles Dickens, nos seus moscada e muito açúcar. Na alta cozinha, a português do Brasil. Que já dominávamos com tanto Chico Buarque alguém pensou que os humanos só descobriram os cereais e o seu
Um Conto de Natal e Oliver Twist, um dos principais responsáveis panada é um termo que define um acompa- e Caetano na aparelhagem e, na TV, Tieta do Agreste e Roque Santeiro cultivo quando se tornaram sedentários (deixando de ser nómadas
por essa ideia) e, por senso comum, à alimentação dos doentes ou nhamento que não é mais que um molho ao serão, Top Model e Vereda Tropical à hora de almoço e, ao sábado recoletores) e, entretanto, estamos em 2023 e é extremamente
como parte do processo de introdução dos bebés aos alimentos de bechamel com a densidade de um puré. Para de manhã, Sítio do Picapau Amarelo. Nessa musicalíssima variante perigoso ingerir cereais se tivermos uma vida sedentária? Não?
adultos. Muitas vezes, a sua consistência leva a que o seu consumo quem toca de vez em quando em tachos e já do português do outro lado do Atlântico, a palavra “mingau” era Bem me queria parecer. l
recorrente. Mais uma vez, relacionada com pobreza ou alimentação
para bebés. A título de mero exemplo, lembro-me de Zé Carioca,
papagaio favelado, “trapaçar” meio mundo para poder fazer uma
feijoada e não ficar assim condenado a comer apenas mingau. Só
EM TODO O MUNDO HÁ UMA PAPA QUE SE muitos anos depois, quando a Internet dava os primeiros passos,
DESTINA A ALIMENTAR O HUMANO NESSE soube o que significava aquele vocábulo. E significava, apenas,
GRANDE MARCO DA SUA VIDA QUE É A papa. Originário da língua tupi, na qual significa “o que alguém
PASSAGEM DO LEITE MATERNO PARA OS empapa”, o mingau pode ser de farinha, de amido de milho, de
ALIMENTOS QUE FARÃO PARTE DO RESTO fubá (mandioca) ou de arroz. É, também no Brasil, o primeiro
DA SUA VIDA E, PARADOXALMENTE (OU NÃO) alimento dos bebés e, como tal, é equivalente aos mais recentes
QUANDO ESTAMOS A UM PASSO DE MORRER,
Cerelac e Nestum, ou seja, aquele refúgio de memória do palato
INCAPACITADOS DE DIGERIR GRANDES
ao qual regressamos em dias chuvosos, com uma manta no sofá
GOURMANDICES E COM A DENTIÇÃO A 10%.
enquanto assistimos, pela enésima vez, ao Love Actually. Assim,
não é só a Joana que come a papa, um, dois, três, uma colher de
cada vez, quatro, cinco, seis, era uma história de reis, sete, oito,
nove, ainda nada se resolve, dez, onze, doze, à espera que a mosca English version

102 vogue.pt
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O U R R E A D E R S K E E P I N C R E A S I N G E V E R Y D A Y . T H A N K Y O U .

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SAÚDE
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CUIDADOS Máscara de Pestanas Pump 'N' Volume no tom 260 Blue, € 39,75, Dior.
BELEZA TENDÊNCIAS

Girls talk
Pergunta para um milhão de euros: do que é que as mulheres falam quan-
do vão à casa de banho? De muitas coisas, coisas essas que nunca serão
reveladas, porque se há algo que merece ficar no segredo dos deuses é o
mistério que cimenta a amizade feminina. Podemos, porém, desvendar
algumas indiscrições: a maquilhagem é um dos temas que vem sempre à
baila, nomeadamente as tendências mais quentes da estação. Por Eduardo Rosewood. 1 2 3 4 5

Glossy lips
Depois de quase duas décadas escondido no fundo do nécessaire, o lip gloss ressurgiu das cinzas e tornou-se um dos produtos de beleza
mais procurados dos últimos meses. Esteve em quase todas as passerelles, de Fendi a Victoria Beckham, passando por Blumarine,
FOTOGRAFIA: IMAXTREE; D.R.

uma das marcas que mais abraçou a estética Y2K. Nostalgia? Sim, mas não só. O brilho proporcionado por uma simples aplicação
de lip gloss é suficiente para completar o look minimalista que a tendência de maquilhagem pós-pandemia tanto procura alcançar.

Em cima: desfile Cos outono/inverno 2022. 1. Gloss Lip Injection Extreme no tom Clear, €34,99, TOO FACED, em SEPHORA.PT. 2. Gloss com colagénio Collagen
Lip Bath no tom Pillow Talk, € 32, CHARLOTTE TILBURY. 3. Máscara de noite para lábios Lip Sleeping Mask, € 25,45, LANEIGE, em LOOKFANTASTIC.PT. 4. Gloss Dior
English version Addict Lip Glow Oil no tom Pink 001, € 39,75, DIOR, em DOUGLAS.PT. 5. Gloss Bomb Ice Cooling Lip Luminizer, no tom Cold Heart'd, € 29, FENTY BEAUTY.

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BELEZA TENDÊNCIAS

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Fantastic lashes Branco mais branco


Não será propriamente groundbreaking afirmar que as pestanas longas, curvadas e definidas são um dos looks mais desejados Em meados de 2022, o TikTok foi inundado por uma trend inesperada: white blush. Uma “nova” estética inspirada tanto nos
cânones de beleza japoneses como nos sempre surpreendentes truques de maquilhagem das drag queens. O efeito final
FOTOGRAFIA: IMAXTREE; D.R.

por qualquer mulher – qualquer que seja a estação do ano ou a tendência do momento. Haverá sempre truques mais ou
menos infalíveis para conseguir aquele olhar de mulher fatal (se dissermos “Lolita” arriscamo-nos a ser cancelados, certo?), ilumina e realça as maçãs do rosto – o que, no fundo, é o que se pretende com qualquer blush. Nas passerelles a tendência
por isso deixamos alguns produtos que nunca falham quando o objetivo é um olhar fatal, perdão, fantástico. continuou, com eyeliners e sombras da mesma cor a comandarem as inspirações de várias marcas e designers.
Em cima: Desfile Yamamoto outono/inverno 2022. 1. Primer para sombras Eye Shadow Primer Pot, no tom White, preço sob consulta, NYX.
Em cima: desfile Moschino outono/inverno 2022. 1. Sérum de pestanas Multi-Peptide Lash and Brow Serum, € 15,10, THE ORDINARY. 2. Primer de pestanas 2. Lápis de olhos Colour Excess na cor Incorruptible, € 25, MAC, em LOOKFANTASTIC.PT. 3. Verniz no tom 715 White, € 30, GUCCI BEAUTY, em FARFETCH.COM.
La Base Mascara, € 38, CHANEL. 3. Concentrado para contorno de olhos Advanced Génifique Yeux Light Pearl, € 75,90, LÂNCOME, em SEPHORA.PT. 4. Eyeliner à prova de água Diorshow On Stage Liner no tom 001 Matte White, € 38,20, DIOR, em PERFUMESECOMPANHIA.PT.
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BELEZA SHOPPING

FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES. IMAGENS DA ATRIZ KATHARINE


HEPBURN AO LONGO DE VÁRIAS DÉCADAS.

Beauty of a lifetime A idade da aprendizagem


Muitas rotinas de skincare são iniciadas durante a adolescência, quando a pele começa a mostrar os primeiros sinais de
Dos primórdios da adolescência ao estágio de plena sabedoria, não há idade que desequilíbrio. Excesso de oleosidade, poros dilatados e borbulhas são algumas das preocupações que podem ser combatidas
dispense um bom cuidado da pele. Cada fase da vida merece ser acompanhada com os produtos de beleza apropriados. É imperativo manter a pele hidratada e incluir passos de limpeza eficazes.

de uma rotina que corresponda às necessidades do corpo e das mudanças que De cima para baixo: Espuma de limpeza Extra Gentle, € 27,30, CLINIQUE. Tratamento de correção de imperfeições Sébologie, € 18,60, LIERAC.
se dão no seu interior. Assim se vive a vida em beleza. Por Mariana Silva. Tónico Squalane + BHA Pore Minimizing, € 26,50, BIOSSANCE. Gel de rosto matificante My Clarins Re-Boost, € 24,30, CLARINS.

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BELEZA SHOPPING

A idade da prevenção A idade do cuidado


Com a chegada dos 20, a oleosidade deixa, na maioria dos casos, de ser uma das principais preocupações. A hidratação Os primeiros sinais de rugas são, muitas vezes, uma preocupação, ainda que sejam uma consequência inevitável da passagem
sobe na lista de prioridades, juntamente com a prevenção de rugas, adicionando uma pequena dose de retinol à rotina do tempo. Em vez de entrar em guerra com a pele, porque não corrigir outros problemas que acentuam a aparência das rugas?
FOTOGRAFIA: D.R.

diária. Porém, a melhor forma de prevenir o envelhecimento precoce da pele é com uma forte aposta na proteção solar. Flacidez, pele baça ou olheiras são algumas das caraterísticas que uma boa rotina consegue minimizar em poucas semanas.

De cima para baixo: Creme-óleo de limpeza hydracream fusion, € 23,58, MESOESTETIC. Protetor solar Oil Shield UV Defense SPF 50, € 37,80, De cima para baixo: Sérum de rosto antirrugas Sisleÿa L'Intégral Anti-Âge, € 444, SISLEY. Sérum de ácido hialurónico H.A. Intensifier, € 74,25,
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BELEZA SHOPPING

English version

A idade da mudança A idade da sabedoria


A menopausa tende a ser um período em que se alteram as necessidades da pele e, como consequência, os produtos Depois de tantas mudanças, rotinas e preocupações, os anos que se seguem à menopausa devem ser vividos com muita serenidade,
mais indicados para o seu cuidado. Redescobrir o que funciona pode ser um processo frustrante, principalmente no que diz respeito aos cuidados de beleza. Há que retirar proveito da sabedoria que foi recolhida ao longo da vida,
FOTOGRAFIA: D.R.

mas é por isso que se deve apostar em fórmulas eficazes, indicadas para esta fase tão particular da vida. optando por produtos que não só trazem prazer na sua aplicação, como resultados que correspondem ao nosso tipo (único) de pele.

De cima para baixo: Mist facial de ácido hialurónico, € 85, DR. BARBARA STURM. Creme de noite antirrugas age element, € 88,65, MESOESTETIC. De cima para baixo: Sérum antirrugas Capture Totale, € 110, DIOR. Tratamento de contorno de olhos e lábios Uniceyes Triple Action, € 52, UNICSKIN.
Sérum efeito lifting Resveratrol-Lift, € 49,90, CAUDALIE. Creme de rosto conforto reequilibrante Arkéskin, € 39,90, LIERAC. Sérum concentrado Le Lift Pro, € 150, CHANEL. Creme de rosto rico antirrugas Smart Clinical Repair, € 84,60, CLINIQUE.

vogue.pt 117
BELEZA MAQUILHAGEM MAQUILHAGEM BELEZA

esde a sua criação, duas grandes batalhas foram travadas na


Internet. A primeira foi iniciada por um vestido, mais preci-
samente pela sua cor. Azul e preto ou dourado e branco? As
opiniões dividiram-se, insultos foram deixados nas caixas de
comentários e, anos mais tarde, escreveram-se dissertações
académicas que puseram fim às dúvidas sobre o fenómeno (já
agora, os especialistas concluíram que o vestido era azul e preto).
A segunda grande batalha é, acima de tudo, geracional e parece não
ter fim à vista. Pessoas nascidas entre 1981 e 1996, mais conhecidas
como Millennials, e as que nasceram depois de 1997, membros da
Geração Z, parecem discordar em todo e qualquer assunto que surja
no mundo digital. Do nome dado às calças elásticas (leggings ou yoga
pants?) até ao verdadeiro detentor do título Y2K, são várias as dis-
cussões que separam o modus operandi destas duas gerações. E um
dos tópicos que tende a gerar mais controvérsia é a maquilhagem.
Aplicar a base com esponja ou pincel? Batom cabe a quem viveu os finíssimos anos 90
mate ou gloss? Delinear as sobrancelhas ou alertar os jovens de hoje para os perigos da
abraçar os pelos au naturel? Três questões no depilação extrema das sobrancelhas, essa já
meio de tantas que caraterizam os hábitos é uma história para outro dia. O que importa
de maquilhagem de cada geração. retirar deste exemplo é que, segundo Patrícia
Patrícia Lima, maquilhadora e colabora- Lima, a criatividade e o experimentalismo
dora regular da Vogue Portugal, reconhece que caracteriza a Geração Z está a propor-

FOTOGRAFIA: CONSTANCE BANNISTER CORP / GETTY IMAGES.


estas diferenças não só no seu atelier, mas cionar a criação de verdadeiros trendsetters.
no coração da sua própria casa. “Tenho uma “Há jovens muito à frente, e muito mais à
filha de 18 anos que é muito criativa, e as frente do que uma boa parte de nós, criativos
amigas dela, e ela, são para mim a maior maduros que trabalham nesta área. (...) Há
fonte de inspiração”, conta a especialista. uns anos era impensável. As jovens não se
“Por exemplo, agora começa outra vez a maquilhavam. Mesmo as mulheres adultas
aparecer a tendência dos anos 90. Já vemos maquilhavam-se muito pouco. Hoje não. Hoje
a Kate Moss numa campanha de sobrance- as jovens crescem já a experimentar maqui-
lhas finas, como ela usava nos anos 90, e nós lhagem”, comenta a maquilhadora.
ainda somos muito preconceituosos, porque O que estará por detrás desta adoção,
temos referências muito marcadas do que quiçá precoce, da maquilhagem? As redes
foram, para nós, os anos 90. Mas as amigas sociais tendem a ser apontadas como a causa
da minha filha passaram das sobrancelhas de qualquer comportamento distintivo das
descoloradas para sobrancelhas finas.” Se gerações que crescem com o mundo digital.
Todavia, neste caso, Patrícia Lima considera que a presença online
veio somente ampliar uma necessidade que já se verificava outrora.
“Acho que, agora, há uma preocupação maior em se inserir num
grupo. Perdeu-se alguma autenticidade, mas também existe uma
maior liberdade para se ser diferente. Existem estes dois lados,

Do tempo da Maria Cachucha


que eu acho que têm a ver com a educação, com a personalidade
das pessoas (...).” A proliferação de diferentes grupos sociais na
Internet veio, por um lado, aumentar o número de possibilidades
no que toca à pessoa que podemos ser. Mas, por outro, isso também
Leia-se, na expressão popular, algo “velho” ou “antigo.” Porque a maquilhagem é significa que, enquanto seres humanos, continuamos a utilizar a
precisamente isso: é do tempo da Maria Cachucha. Contam-se séculos desde que as nossa imagem para nos inserirmos numa determinada comunidade.
primeiras tintas foram aplicadas no rosto e, desde então, várias gerações moldaram Sejamos uma Wednesday ou uma Enid, uma coastal grandmother ou
uma baddie, existirão sempre cânones que definem a pertença a cada
os hábitos de beleza à sua medida. Mudam-se os tempos, muda-se a maquilhagem. grupo e muitos deles impactam os nossos gostos e preferências no
Por Mariana Silva. campo da maquilhagem.

vogue.pt 119
BELEZA MAQUILHAGEM

tilizar a maquilhagem como um fator de integração Claro que o debate sobre o que é “correto” “HÁ JOVENS MUITO À FRENTE, E MUITO
social não acontece apenas entre os mais jovens. Pa- na maquilhagem não é exclusivo das ge- MAIS À FRENTE DO QUE UMA BOA PARTE
trícia Lima acredita que, na verdade, este é o motivo rações acima referidas. Boomers (pessoas DE NÓS, CRIATIVOS MADUROS QUE
que explica muitas das tendências adotadas pelas dife- nascidas entre 1946 e 1964) e Geração TRABALHAM NESTA ÁREA. (...) HÁ UNS
rentes gerações. Tomemos como exemplo o contouring, X (de 1965 a 1980) foram responsáveis ANOS ERA IMPENSÁVEL. AS JOVENS NÃO
uma técnica de maquilhagem de aperfeiçoamento dos por revolucionar diversos aspetos da SE MAQUILHAVAM. MESMO AS MULHERES
ADULTAS MAQUILHAVAM-SE MUITO
traços do rosto. A crença popular dita que foram os beleza que hoje consideramos triviais,
POUCO. HOJE NÃO.” Patrícia Lima
Millennials quem difundiu a utilização do contouring, mas como a procura por cirurgia estética e,
a maquilhadora nota que a sua popularidade surgiu ao em particular, a aplicação de botox. Neste
mesmo tempo que um reality show que, embora não o momento, estas gerações são as maiores
queiramos admitir, moldou a sociedade em diversas consumidoras de produtos antienvelheci- existem preconceitos? Claro, os preconceitos são também do tempo
formas: Keeping Up with the Kardashians. Para além de técnicas de mento do mercado cosmético, e isso não da Maria Cachucha. Durante a minha pesquisa para este artigo, dei
maquilhagem – das quais o contouring é uma das mais proeminentes é exceção quando se fala de maquilhagem. por mim no meio de um campo de batalha geracional. Um vídeo,
– esta família popularizou um estilo de vida e, por isso, mais do “Normalmente, as pessoas com alguma publicado no YouTube, explicava as diferenças na forma como as
que a idade, é a procura por esse mesmo lifestyle que pode ditar a idade, já maduras, também em termos duas gerações digitais – Millennials e Geração Z – se maquilhavam,
adoção (ou abolição) desta e de outras técnicas de maquilhagem. de personalidade, estão mais vincadas a sem conseguir esconder a sua parcialidade face a uma das gerações.
Há outro fator a ter em conta quando abordamos os hábitos de uma determinada imagem. Não são tão Na caixa de comentários, cada pessoa, defendendo o seu ano de
beleza dos Millennials. Como conta Patrícia Lima, “as mulheres experimentalistas, não arriscam tanto. nascimento, proferia palavras como “certo,” “errado,” “bem,” e
que têm agora 20 e muitos, 30 anos, entraram numa fase de mu- (...) O maior receio [deste] público é que “mal”, e eu não conseguia deixar de pensar como esses termos
dança (...) no consumo da maquilhagem.” Por um lado, sentem a pareça mais velho ou que as marcas da não se enquadram na minha forma de ver a maquilhagem. O que
liberdade social de ir mais além no que toca às suas escolhas de pele se tornem mais realçadas”, explica mais me encanta neste mundo é poder explorá-lo sem acreditar
beleza, mas, por outro lado, estando já numa fase profissional, o Patrícia Lima, baseando-se na sua expe- que existem técnicas certas e erradas, passos bem ou mal feitos.
seu lado criativo pode ficar mais inibido. É por isso que, para a riência profissional. Para responder a Existem, sim, pessoas que agarram aos pincéis para exteriorizar
maquilhadora, o que reina nesta geração é a expressão da “perso- estes pedidos, a maquilhadora mune-se aquilo que de melhor habita no seu interior. Se queremos falar de
nalidade”, nomeadamente “se gostam de uma pele mais perfeita, de variadas técnicas que contribuem para “certos” e “errados”, falemos disso. Errado não é uma pessoa de 70
mais opaca, se gostam de uma pele muito natural, se são mais minimizar a aparência das rugas em peles anos usar batom vermelho para ir comprar pão. Erradas estão as
sexy, se gostam de um olho mais esfumado”, o que pode explicar mais maduras, e partilhou algumas das pessoas que veem um problema nisso. E essas podem ir conviver
a diversidade de estilos existente atualmente. mais importantes com a Vogue Portugal. com a Maria Cachucha. l
Comecemos pela base: “[é importante] Utilizar uma base e cor- alguns pontos, utilizar tons que sejam
retores de olheiras que não vinquem tanto e que tragam alguma mais frescos, mais quentes, como os ro-
frescura à pele. Normalmente são bases mais hidratantes, muitas sas ou os pêssegos, para trazer alguma
vezes com pigmentos refletores de luz (...). Quanto mais mate for frescura à maquilhagem.” Algumas destas
a base, mais a pele fica grossa e pesada em termos de ‘idade’.” Pa- técnicas podem também ser aplicadas em
trícia Lima continua a sua lista de sugestões, explicando que “tudo faces mais jovens, mas, nesses casos, Pa-
o que é irisado, isto é, que tenha partículas de brilho, acumula nas trícia Lima afirma que será uma questão
rídulas, nas rugas, e acaba por vincar mais.” Por isso, “sombras da “fisionomia do rosto,” não sendo tão
com brilhantes, iluminadores, blushes [com pigmentos irisados] importante em termos de adequação da
acabam por marcar muito mais a textura da pele.” Caso queiramos maquilhagem à idade.
oferecer alguma luminosidade à pele sem cair nestas armadilhas, Se existe uma lição a retirar, que essa seja que, embora existam
a maquilhadora aconselha a utilização de “produtos em creme”, técnicas de maquilhagem para enaltecer a beleza natural das várias
tendo em atenção a “quantidade, porque o creme também acumula.” gerações, isso não impede que cada pessoa posicione a sua indi-
Outro ponto que deve também ser tido em conta é a definição dos vidualidade em primeiro lugar. Mais do que a idade, Patrícia Lima
lábios. “Com a idade, perdemos alguma definição do contorno dos acredita que as preferências e gostos na escolha da maquilhagem são
lábios e as rugas acabam por fazer com que o batom fique man- impactados pela “forma como [cada um] se vê, enquanto pessoa,
chado com mais facilidade”, esclarece Patrícia Lima. Nesse sentido, na sociedade.” É por isso que, daqui a uns anos, alguns Millennials
a maquilhadora aconselha a “usar um lápis delineador, que ajude poderão adotar a tendência das sobrancelhas finas, tal como uma
tanto a dar forma como a proteger o batom” de manchar. A última parte da Geração Z, e de outras gerações, o fará. A idade é apenas
sugestão prende-se com as cores do look de maquilhagem: “Os tons um fator, entre tantos, que define a predisposição de uma pessoa
frios e escuros acabam sempre por pesar um pouco. Portanto é para preferir um certo look em detrimento de outro. Agora, se
English version importante que, na escolha dos tons, procuremos, pelo menos em

vogue.pt 1 21
BELEZA MOOD

Rainbow Room
Não o do topo do Rockefeller Center, mas antes aquela sala arco-íris que criamos
num imaginário pueril onde nos podemos refugiar. O paraíso de mil cores e cheio de
flores que maquinamos na mente, em criança, e que nos acompanha no âmago até
à idade adulta. Um Jardim do Éden à nossa medida, cada vez mais secreto ao longo
dos anos, onde a inocência da infância não se perde. E fechamo-lo a sete chaves, à
medida que os anos se apoderam que nem trepadeiras dos seus muros e que os
afazeres de um quotidiano de crescimento forçado enferruja o seu portão de ferro.
Mas deixamo-lo revelar-se numa fresta de inocência, sem ninguém saber… pintando
de todas as cores as pálpebras e os lábios e as pestanas, numa rainbow room que vive
à vista de todos, no nosso rosto.
Fotografia de Ruo Bing Li. Styling de Jolene Lin. Cabelos de Junya Nakashima. Maquilhagem de Kuma.

Base Studio Face and Body Foundation, no tom C1, € 49,50, e sombra de olhos,
no tom Humblebrag, € 23, MAC. Sombra de olhos Diorshow Mono,
no tom 573 Mineral, DIOR. Blush, no tom Deep Throat, € 35, NARS.
Pestanas postiças Fabulashes 3D Faux Mink, no tom C15, KARA BEAUTY.

English version
Vestido e camisola, MARC JACOBS. Base Studio Face and
Body Foundation, no tom C1, € 49,50, e sombra de olhos,
no tom Electric Eel, € 21, MAC. Sombra de olhos Diorshow
Mono, no tom 516 Delicate, DIOR. Na página ao lado: base
Studio Face and Body Foundation, no tom C1, € 49,50,
e sombra de olhos, no tom Humblebrag, € 23, MAC.
Sombra de olhos Diorshow Mono, no tom 573 Mineral, DIOR.
Blush, no tom Deep Throat, € 35, NARS. Pestanas postiças
Fabulashes 3D Faux Mink, no tom C15, KARA BEAUTY.
Top, KIM MESCHES. Base Studio Face and Body
Foundation, no tom C1, € 49,50, e batom Matte Lipstick,
no tom You Wouldn’t Get It, € 23, MAC. Sombra de
olhos Duo Cream Eyeshadow, no tom Burn it Blue, e
blush, no tom Orgasm, € 35, NARS. Na página ao lado:
vestido, ACNE STUDIOS. Base Studio Face and Body
Foundation, no tom C1, € 49,50, e sombra de olhos,
no tom Chrome Yellow, € 23, MAC. Sombra de olhos
Diorshow Mono, no tom 573 Mineral, DIOR. Blush,
no tom Torrid, € 35, NARS. Batom Le Marc Lip Crème,
no tom 248 Willful, MARC JACOBS BEAUTY.
Top, KIM MESCHES. Base Studio Face and
Body Foundation, no tom C1, € 49,50, e batom
Matte Lipstick, no tom Heroine, € 23, MAC.
Blush, no tom Behave, € 35, NARS.
Nas duas páginas: top e saia, ECKAHAUS LATTA. Base Studio Face and Body Foundation, no tom C1, € 49,50, sombra de olhos,
no tom Humblebrag, € 23, sombra de olhos Dazzleshadow Extreme, no tom Celebutante, € 24, e batom Matte Lipstick,
no tom Get the Hint, € 23, tudo MAC. Sombra de olhos Single Eyeshadow, no tom Matcha, € 23, e blush, no tom Liberté, € 35, NARS.
Fotografia: Ruo Bing Li @ Saint Luke Artists. Modelo: Ling Ling @ The Industry Model Management. Maquilhagem: Kuma @ Streeters. Produção: Heng Qing Zhao.
Casting: Marina Fairfax. Assistente de fotografia: Tianyao Wang. Assistente de styling: Yoyo Zhang. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
BELEZA HISTÓRIA

Once upon a blush


Fruto da procura por um ar mais inocente e pueril, a utilização do blush remonta
às mais elementares origens do mundo da maquilhagem. Ao longo da sua jornada,
já foi um símbolo de rebelião, de pobreza e até a causa de morte de centenas de
pessoas. Vitória, vitória, ainda há muito para contar sobre esta história.
Por Mariana Silva. Artwork de Miguel Canhoto.

m inglês, não há distinção. Blush é a palavra utilizada para des-


crever o produto de maquilhagem – aquele a que nos referimos
quando usamos este estrangeirismo, adotado de forma vasta
em Portugal – mas também para relatar o processo anatómico
comummente suscitado por uma interação social inespera-
da (digamos, um embaraço ou uma ação repentina, positiva ou
não). Este processo nada mais é do que a dilatação das veias que
povoam o rosto, resultando numa ligeira coloração avermelhada
das rechonchudas bochechas. E o blush – o produto de maquilha-
gem – reproduz tal aparência sem ser necessário passar por um
momento constrangedor. Há quem acredite que a sua utilização
dê azo a um aspeto mais jovem, infantil até, tal como existe quem
o considere um sinal de fertilidade ou de sensualidade (não fosse
um dos mais reconhecidos blushes da presente década denomina-
do Orgasm). Crenças que, para serem entendidas, merecem ser
integradas na longa, mas muito interessante, história do blush.
Não se sabe ao certo qual foi o primeiro produto de maquilhagem a
ser utilizado pela humanidade, mas o blush é um forte concorrente
ao título. No Antigo Egito, este pigmento, obtido da mistura entre
argila vermelha e gordura animal, contrastava com o intenso lápis
de olhos preto que tanto se associa a Cleópatra. Homens e mulhe-
res, desta e de outras civilizações, adotavam o look das bochechas
avermelhadas como sinal de saúde, recorrendo a minerais que, na
verdade, os deixavam doentes. Os romanos, por exemplo, utiliza-
vam para este efeito um pigmento vermelho extraído do cinábrio
(um sulfeto do mercúrio) que, séculos mais tarde, se soube ser
de elevada toxicidade. No século XVII, houve quem usasse este
conhecimento a seu favor. Giulia Tofana, natural de Palermo,
Itália, criou o Aqua Tofana, uma espécie de blush promovido junto
de mulheres que se sentiam presas no seu casamento. Quando
FOTOGRAFIA: D.R.

ingerido, este produto era um verdadeiro veneno, e estima-se que


tenha provocado a morte de mais de 600 homens. Talvez fosse essa
a mistura que estava no frasco de Romeu, quando este proferiu a
fatídica frase “Thus with a kiss I die.”

132 vogue.pt
BELEZA HISTÓRIA

NO SÉCULO XVII, GIULIA TOFANA, NATURAL DE PALERMO,


ITÁLIA, CRIOU O AQUA TOFANA, UMA ESPÉCIE DE BLUSH
PROMOVIDO JUNTO DE MULHERES QUE SE SENTIAM
PRESAS NO SEU CASAMENTO. QUANDO INGERIDO, ESTE
PRODUTO ERA UM VERDADEIRO VENENO, E ESTIMA-SE QUE
TENHA PROVOCADO A MORTE DE MAIS DE 600 HOMENS.

scusado será dizer que o blush nem sempre foi bem re-
cebido pela sociedade. Na Idade Média, a vermelhidão da
pele era um sinal de pobreza, associada a quem passava
muito tempo a trabalhar ao sol e, por esse motivo, entre as
classes mais altas, foram popularizados tratamentos opos-
tos, que disfarçavam o sangue que circulava no rosto. Um
dos mais radicais envolvia a utilização de sanguessugas.
Durante o reinado de Vitória do Reino Unido, entre 1837 e
1901, qualquer produto de tom avermelhado (como o blush
ou o batom) era considerado vulgar e inferior – até porque
nem é possível contar a história de qualquer produto de
maquilhagem sem relembrar as conotações pejorativas que, em
algum ponto da história, o associam à prostituição. Façamos como
as flappers, então, que souberam tomar o poder de volta. Durante
os loucos anos 20, este grupo vanguardista de mulheres aplicava
blush nos joelhos, já que era esta parte do corpo que estava visível
(e não escondida por uma saia comprida, como era socialmente
“correto”). Desde então, poucas foram as vezes em que o blush foi
usado como um meio de revolução social – uma dessas vezes deu-se
na década de 70, quando David Bowie fez deste produto uma arma
contra rígidos estereótipos binários de género – mas o seu papel
no mundo da maquilhagem manteve-se intacto.
Atualmente, o blush flutua no meio de uma roda viva de tendên-
cias, cada vez mais acelerada e diversificada. Nos anos 80 estava
in (muito in, talvez in demais) e, na década seguinte, já se dava
prioridade a tonalidades e pinceladas mais suaves nas bochechas.
Chegados ao século XXI, o estilo Y2K (leia-se, do início dos anos
2000) revitalizou este produto de maquilhagem, dando prioridade
às suas tonalidades mais rosadas. Mas, com a entrada na década
de 2010, a sua utilização começou a cair em desuso, à medida que
looks inspirados no estilo gótico ganhavam terreno. É difícil prever
POR SARA ANDRADE. FOTOGRAFIA: D.R.

que tendências vão ser relembradas sempre que, no futuro, nos


referirmos à época em que nos encontramos. Pela lógica que rege
a maquilhagem desde a sua industrialização, seria de esperar que,
nos próximos anos, o blush regressasse em força, com alterações
subtis que refletissem o espírito do tempo contemporâneo. Porém, No sentido dos ponteiros do relógio, a começar do topo: blush em stick Les Beiges de Chanel, no tom nº24, €45, CHANEL. Blush de Beauté, no tom 05 Rosy
as tendências de maquilhagem são agora um relâmpago volátil, Beige, €55, GUCCI BEAUTY, em FARFETCH.COM. Blush of Roses, no tom 410 Delight, €57, DOLCE & GABBANA. Blush mineral, no tom Peachy Keen, €25,
difícil de prever. Tão rápido vêm como vão. Todavia, uma coisa é INIKA, em THEVEGANIST.EU. Blush em pó compacto, no tom Orgasm, €19,99, NARS, em SEPHORA.PT. Iluminador de lábios e maçãs do rosto Pillow Talk, no
tom Dreams, €40,99, CHARLOTTE TILBURY, em SEPHORA.PT. Blush de contorno e iluminador Shade and Illuminate, no tom Peach Poison, €75,45, TOM FORD,
certa: por muito que o blush possa desaparecer temporariamente em LOOKFANTASTIC.COM. Conjunto de blushes Blushing Delights Pat McGrath Labs x Bridgerton, €64,99, PAT MCGRATH LABS, em SEPHORA.PT.
English version da história, nunca ninguém conseguirá tirar a história do blush. l Blush em pó compacto L’Orchidée, no tom 03 - Corail, €97,99, SISLEY. Blush em pó compacto Rose Hermès, no tom 23 - Rose Blush, €69, HERMÈS.

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BELEZA BEST OF

As pure as snow
Inspirámo-nos na neve que cai lá fora (pelo menos em alguns pontos do globo)
para selecionar os produtos que precisamos de ter na nossa beauty shelf de fevereiro:
todos imaculadamente brancos, ou não fosse esta uma edição dedicada à inocência.
Por Vogue Portugal. Artwork de João Oliveira.

FOTOGRAFIA: ISTOCK; D.R.

Loção iluminadora e refirmante


White Caviar Essence Extraordinaire, LA PRAIRIE
Não é possível voltar atrás no tempo mas, com tempo (e com os cuidados adequados), é possível ter uma pele mais jovem
e saudável. O White Caviar Essence Extraordinaire é um creme sumptuoso, infundido com Lumidose, uma extraordinária molécula
de luz identificada pelos cientistas da La Prairie, que ajuda a tez a alcançar novos níveis de luminosidade e uniformidade.
English version Depois de oito semanas de utilização constante, a pele fica suave e uniforme. Não é um milagre, embora pareça.
Loção iluminadora e refirmante White Caviar Essence Extraordinaire, € 390, LA PRAIRIE, em DOUGLAS.PT.
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BELEZA BEST OF

FOTOGRAFIA: ISTOCK; D.R.

Máscara de rosto multi-ação com tecnologia LED Gel hidratante Dramatically Different Hydrating Jelly, Clinique
Unicled Korean Mask, UNICSKIN Baixas temperaturas pedem texturas altamente hidratantes. O frio é um dos maiores inimigos da pele, por isso qualquer
A máscara de rosto com tecnologia LED é um dos produtos estrela da Unicskin. A Unicled Korean Mask já foi testada por produto cujos ingredientes consigam combater as agressões do meio ambiente são particularmente necessários nesta altura
celebridades como Kim Kardashian, Jessica Alba ou Kate Hudson, que deram o seu parecer positivo a este tratamento simples, do ano. É o caso deste gel da Clinique. Fortalecido com ácido hialurónico, a sua consistência gelatinosa penetra profundamente
altamente eficaz e não invasivo. As diferentes cores da luz LED têm diferentes funções (anti-manchas, anti-idade, firmeza, na tez e proporciona-lhe proteção e suavidade que duram até 24 horas. Um plus? Uma luminosidade incrível.
efeito relaxante, rejuvenescimento celular) e podem tratar, de forma abrangente, os problemas de pele mais comuns. Gel hidratante Dramatically Different Hydrating Jelly, €49,50, CLINIQUE, em LOOKFANTASTIC.PT.
Máscara de rosto multi-ação com tecnologia LED Unicled Korean Mask, € 315, UNICSKIN, em PERFUMESECOMPANHIA.PT.
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BELEZA BEST OF

FOTOGRAFIA: ISTOCK; D.R.

Sérum hidratante Hyaluronic Serum, Dr. Barbara Sturm Máscara revitalizante, iluminadora e refrescante Le Blanc, Chanel
É um dos (muitos) hits da linha de cuidados de pele assinada pela Dra. Barbara Sturm, um dos principais nomes da medicina Formulada com o precioso extrato da flor de Damasqueiro, um ingrediente natural e exclusivo com poderosas propriedades
estética a nível mundial. Com uma concentração ótima de moléculas hialurónicas de baixo e alto peso, proporciona antioxidantes, a máscara Le Blanc é o acessório perfeito para qualquer rotina de noite. Deve ser aplicada uniformemente
uma hidratação instantânea tanto à superfície como nas camadas mais profundas da pele. Quando aplicado regularmente, em todo o rosto, evitando o contorno dos olhos, atuando como um véu estimulante que revitaliza, ilumina e refresca a tez.
melhora a textura da tez e reduz a formação de rugas. Um must-have para experimentar agora e usar para sempre. O resultado é uma pele que respira saúde e beleza, profundamente hidratada.
Sérum hidratante Hyaluronic Serum, € 270, DR. BARBARA STURM, em SKINLIFE.PT. Máscara revitalizante, iluminadora e refrescante Le Blanc, € 76, CHANEL.

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BELEZA TEST DRIVE

À prova de gelo
Os termómetros estão como o nosso mood de domingo à tarde
(níveis de energia: baixíssimos; quantidade de paciência a usar
até chegar segunda-feira: menos três; valores de simpatia a
partilhar com outros seres humanos: zero), por isso vascu-
lhámos o armário da casa de banho à procura dos produtos
que conseguem proteger a nossa pele do frio que se faz sentir.
Por Vogue Portugal.

Promete: hidratar, fortalecer e regenerar a barreira cutânea da pele. Promete: nutrir, proteger e reparar a pele seca.
Palavra da Vogue: um ícone no universo da beleza, o The Moisturizing Palavra da Vogue: consta que, a cada 15 segundos, uma embalagem de Cicaplast
Cream, da La Mer, dispensa apresentações. Com uma textura suave e sedosa Baume B5 é vendida na Europa. Não é de estranhar, tendo em conta as variadíssimas
que combina dois ingredientes-chave, o exclusivo Milagre Broth™ e o Chá de funções deste produto-milagre, que nos últimos meses conheceu um hype gigantesco,
Lima antioxidante, este creme ultra-rico tem uma ação hidratante, refirmante nomeadamente no TikTok. O burburinho é merecido. Agora que as temperaturas atingem
e suavizante — como que por magia, o The Moisturizing Cream acalma a níveis mínimos, a pele tende a ficar irritada (há quem a sinta extremamente seca, outros
sensibilidade da pele, protegendo-a das agressões externas. A aplicação diária poderão estranhar a sua súbita “vermelhidão”) e é aqui que entra em cena este bálsamo
proporciona uma pele mais firme, reduz visivelmente as linhas e rugas e ultra-regenerador, que em menos de nada apazigua as áreas afetadas. Além de funcionar
confere à tez um aspeto mais elevado, rejuvenescido e apelativo. Num mundo como agente de proteção cutânea, o Cicaplast Baume B5 pode ser usado como máscara de
repleto de listas de “melhores do mês” e de “trending topics”, este é um daqueles noite. Em qualquer dos casos, o resultado final será sempre cinco estrelas.
produtos para durar uma vida. Creme hidratante The Moisturizing Cream, € 345, La Mer. Bálsamo reparador Cicaplast Baume B5, € 9,45, La Roche-Posay.

Promete: hidratar intensivamente peles secas e desidratadas.


Palavra da Vogue: para alguém com pele tendenciosamente oleosa,
uma máscara de hidratação intensa pode parecer assustador, mas nem as
peles mistas ou oleosas ficam indiferentes à desidratação. Na hydravital
mask, a ciência é simples. Os seus componentes oclusivos permitem que
a epiderme perca a hidratação de forma lenta, resultando numa pele
mais suave ao toque, e o ácido hialurónico com extrato de viola tricolor
permite uma hidratação homogénea e imediata. A sua utilização é fácil e Promete: nutrir e reparar a pele das mãos.
descomplicada: duas vezes por semana, durante 15 minutos, aplicar uma Palavra da Vogue: se os cremes de mãos fossem avaliados
FOTOGRAFIA: ISTOCK; D.R.

camada generosa de produto sobre a pele. Pro tip: é também um lifesaver apenas pelo cheiro, o Vinotherapist estaria certamente no topo desse
na altura do verão. Máscara hidratante hydravital mask, € 45,44, Mesoestetic. ranking. Ainda antes de se aplicar o produto, já é possível sentir o cheiro
cítrico intenso, mas desengane-se se pensa que este permanecerá, com a
mesma intensidade, ao longo de todo o dia. A pele fica hidratada, o aroma
desvanece e a suavidade nas mãos perdura — a textura cremosa e a rápida
absorção do creme permitem uma hidratação profunda, sem efeito oleoso.
É um creme vegan, com 98% de ingredientes naturais, protegendo a pele
da desidratação e das agressões diárias e fortalecendo, também, as unhas
English version e as cutículas. Creme reparador de mãos e unhas Vinotherapist, € 9,50, Caudalie.

vogue.pt 1 43
BELEZA LANÇAMENTO

Objeto de desejo
À primeira vista, parecem pequenas joias ou lucky charms que
queremos usar como um acessório mais. No entanto, os produ-
tos de maquilhagem que compõem a novíssima Herrera Beauty
são muito mais do isso: customizáveis e recarregáveis, refletem
o espírito da marca fundada em 1981 por Carolina Herrera e
trazem um olhar revolucionário sobre o universo da beleza.

radicionalmente, a maquilhagem é algo que se deixa escondido,


seja na prateleira da casa de banho ou no nécessaire. Mas esta
é uma forma inteiramente nova e revolucionária de abordar a
beleza.” As palavras de Carolina A. Herrera, diretora criativa
de beleza da Carolina Herrera, são o melhor ponto de partida
para conhecer Herrera Beauty, o novo lançamento da maison no-
vaiorquina. Com uma perspetiva inovadora e disruptiva, esta linha
de maquilhagem que agora chega a Portugal pretende esbater as
fronteiras entre make-up e joalharia – não é por acaso que as emba-
lagens dos seus produtos se assemelham a pequenas joias. Batons,
máscaras, pós compactos, cada uma das peças da coleção celebra a
mulher moderna, com um espírito livre e sofisticado, à semelhança
do que Carolina Herrera tem vindo a fazer no mundo da moda nas
últimas três décadas. “A Carolina Herrera é uma marca que celebra
a vida, a alegria e a beleza. Quando fazemos um rosa, é um rosa
fantástico, e claro que o nosso vermelho é o mais belo vermelho
do mundo.” A afirmação de Wes Gordon, diretor criativo da marca
desde 2018, resume o espírito por detrás de Herrera Beauty.
Pensada para ser usada (e ostentada) sem moderação, esta linha de fala como Carolina Herrera, e esta gama de batons é disso prova.
maquilhagem é a arma ideal contra o cansaço monocromático do Destaque para o intemporal, e arrojado, Carolina Red, que simboliza
dia a dia. Fiéis ao compromisso de Carolina Herrera com a susten- na perfeição o universo Herrera. Desenvolvidos com uma mistura
tabilidade, todos os produtos são refillable – um gesto que, além de de partículas ultrafinas, não-comedogénicas, os pós compactos são
gerar menos desperdício, está próximo do espírito da joalharia que adequados a todos os tipos de pele, incluindo as mais sensíveis. Com
inspira a coleção. O que faz, então, com que Herrera Beauty seja propriedades que matificam e iluminam, estão disponíveis em oito
tão especial? Comecemos pelos olhos, que se diz serem o espelho tonalidades, desde o tom mais claro, Spring Porcelain, até ao mais
da alma. Com duas fórmulas de máscara de pestanas inovadoras, escuro, Deep Dusk. Existem ainda surpreendentes acessórios (lucky
Herrera Beauty apresenta Fabulous Eyes e Smudgeproof. Já as som- charms) que complementam, de forma única, cada um destes produ-
FOTOGRAFIA: D.R.

bras Chico Mono existem em 20 tons distintos e três acabamentos tos. Herrera Beauty é, em suma, a personificação da elegância que
sensacionais – e prometem durar até doze horas. O portefólio da carateriza a maison, sem nunca perder a irreverência e a sofisticação
coleção contempla ainda 36 tonalidades de batons, divididas entre despreocupada que a tornaram famosa. l
English version 16 tons matte, 12 satins e oito sheer. Na linguagem da cor ninguém Os produtos Herrera Beauty estão disponíveis no El Corte Inglés, em Lisboa.

vogue.pt 1 45
BELEZA LADO B LADO B BELEZA

O que se passa na
infância, fica na infância?
Geralmente apelidados de gatilhos emocionais, refletem-se no quotidiano em si- oucas coisas são tão difíceis de dissecar como a mente e tudo o que esta
incorpora. Onde é que começam e terminam os traumas de infância quando
tuações onde traumas do passado são ativados. Ocorrem sem que haja qualquer queremos arranjar uma justificação para certo comportamento? E quando é
controlo — ou consciência — sobre os mesmos, sendo crucial reconhecê-los para que a personalidade entra em jogo? O que é que está enraizado em nós que
depois os resolver. Não sendo impossível, é difícil. Mas vale a pena o esforço: tudo nos faz agir “assim”? O que é apenas “mau feitio”, “fraqueza de espírito”, ou
uma “mania” entranhada? A linha que separa aquilo que é nosso, daquilo que vamos
em nome de uma existência mais serena. Por Pureza Fleming. adquirindo ao longo da nossa existência, através das experiências da vida, é ténue
e, muitas vezes, torna-se complexo identificar o que é o quê. Sempre mantive uma
curiosidade aguçada acerca dos assuntos da mente, assim como sempre considerei
que a melhor maneira de evoluirmos, enquanto seres humanos, é tentarmos entender
o que é que está “errado” dentro de nós, para o mudarmos e, quem sabe, sermos
conduzidos a uma vivência mais pacífica: connosco mesmos, com os outros, com o
mundo. Por estes e outros motivos, tenho passado a vida a fazer terapias de várias
ordens. Culminei na psicanálise, ramo clínico que se encarrega de ir aos meandros
do inconsciente, mas também a fase mais “lá atrás”, a infância, para escavar como se
não houvesse amanhã. E, então, de lá retirar o máximo de insights possível. Cumpri
durante algum tempo sessões semanais até que me cansei de explorar. A minha
resistência em continuar com as consultas prendeu-se (também) com o seguinte
pensamento: “Já percebi tudo, já sei que situação X ou evento Y lá atrás contribuíram
para o comportamento Z de hoje. Mas não chega de ‘bater no ceguinho’?” E dei
por terminada a minha tournée pelos confins da minha psique. “O trauma é muito
mais do que uma história sobre algo que aconteceu há muito tempo”, escreveu o
psiquiatra e autor Bessel van der Kolk no seu livro, The Body Keeps the Score (2014),
leitura que rapidamente se tornou referência máxima no assunto dos traumas
infantis e ligação destes à vida adulta. “As emoções e sensações físicas que foram
impressas durante o trauma são experimentadas não como memórias, mas como
reações físicas perturbadoras no presente.” A este propósito, escreve o The New
York Times: “O argumento central do livro é que as experiências traumáticas – tudo,
desde agressão sexual e incesto a abuso emocional e físico – ficam incorporadas
nas partes mais antigas e primitivas do nosso cérebro que não têm acesso à per-
ceção consciente. Tal significa duas coisas: primeiro, o trauma aloja-se no corpo.
Carregamos uma marca física das nossas feridas psíquicas. [...] O que obscurece as
memórias, convence-nos de que a vitimização é culpa nossa, ou encobre o evento
com vergonha para que não o discutamos.”
Marta Calado, psicóloga clínica e de saúde, esclarece: “A infância é uma fase com
grande influência na vida adulta porque as experiências vivenciadas quando somos
pequenos permanecem marcadas para sempre na nossa mente, e [as mesmas]
podem ser responsáveis pelos designados traumas de infância, sobretudo aquelas

FOTOGRAFIA: ROBERT YASKOVIC / EYEEM / GETTY IMAGES.


que não foram prazerosas e nos marcaram com emoções negativas.” O sistema
nervoso central de uma criança, sublinha, não filtra aquilo que é considerado
bom ou mau: “Uma criança não relativiza como o adulto e, desta forma, a criança
transporta na memória todos os acontecimentos, sem qualquer tipo de avaliação
sobre o que experienciou. Mais cedo ou mais tarde, os traumas acabam sempre
por se manifestar.” Avança que a negligência, o abandono ou a rejeição, a permis-
sividade ou o autoritarismo, os maus-tratos físicos e verbais, a ausência de afetos,
o bullying, causam danos emocionais com impacto no cérebro e na mente, o que
gera efeitos negativos na saúde mental do indivíduo. “As construções mentais
que vamos aprendendo e consolidando na nossa personalidade são denominadas
de crenças negativas e limitadoras, e manifestam-se na vida adulta trazendo pre-
juízos psicológicos como o medo de rejeição, a insegurança e outros problemas
de ansiedade, sem que o indivíduo tenha qualquer tipo de controlo próprio sobre
a sua manifestação.” A teoria do trauma surgiu na década de 60 do século XX, a

vogue.pt 1 47
BELEZA LADO B

partir de inúmeras áreas de preocupação social: reconhecimento da prevalência alguém que tenha tido uma infância difícil é mais propenso a fumar, beber, ou ter
da violência contra mulheres e crianças (violação, espancamento, incesto); iden- comportamentos que podem arruinar a saúde. “Isto não é ciência. É apenas ‘mau
tificação do fenómeno do transtorno de stress pós-traumático em veteranos de comportamento’”, pode-se dizer. Mas é precisamente aí que a ciência entra. Hoje
guerra (à época, do Vietname); e consciência das cicatrizes psíquicas infligidas entendemos, mais do que nunca, como é que a exposição precoce às adversidades
pela tortura e genocídio, especialmente no que diz respeito ao Holocausto. Não contamina o desenvolvimento do cérebro e do corpo das crianças. Afeta áreas
podemos obviamente falar em traumas e infância sem referir Freud. Embora o pai como o núcleo accumbens, o centro de prazer e de recompensa do cérebro que
da psicanálise nunca tenha negado a realidade do incesto nas histórias que ouviu está envolvido no processo de dependência química; inibe o córtex pré-frontal,
das suas primeiras pacientes, preferiu direcionar a sua atenção para o drama do necessário para o controle de impulso e da função executora, uma região crucial
conflito interno. Da mesma forma, os choques psíquicos e as desilusões sofridas para a aprendizagem. E, em ressonâncias magnéticas, constatam-se mudanças
pela Grande Guerra levaram-no a especular sobre os tipos de patologia (flashbacks, significativas na amígdala, o centro de reação ao medo, do cérebro. Em suma, há de
pesadelos recorrentes e comportamento repetitivo compulsivo) infligidos pela facto razões neurológicas que explicam o facto de pessoas expostas a altas doses
experiência do conflito. No entanto, a sua inclinação para uma grande narrativa de adversidade serem mais propensas a apresentarem comportamentos de alto
afastou-o de uma investigação de como a experiência traumática afeta os indivíduos risco. E mais: mesmo que não adotem comportamentos de alto risco, serão mais
em direção ao reino da teoria universal, culminando na sua formulação do “instinto propensas a desenvolver doenças cardíacas ou cancro. O motivo prende-se com
de morte” ou Thanatos – o conceito nasceu em oposição ao instinto de vida, ou Eros, o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, o sistema de reação ao stress do corpo e do
e foi definido como o gerador de impulsos inconscientes e excitação orgânica (ou cérebro, que comanda a reação de “luta ou fuga.”
seja, uma unidade), que aparece como a busca de voltar ao absoluto descanso da
não-existência. E Jung? O psiquiatra e psicoterapeuta suíço, fundador da psicologia maginemos que estamos numa floresta e que avistamos um urso. Imediatamente,
analítica, entendeu, por sua vez, que as experiências traumáticas são necessárias, o hipótalamo envia um sinal à glândula pituitária, que por sua vez envia um sinal
mas insuficientes em si mesmas, para produzir sintomas de resposta prolongada à glândula adrenal, que ordena: “Libertar hormónios do stress!” O coração acelera,
ao stress. De acordo com a sua visão, as experiências traumáticas impactam os as pupilas dilatam, as vias aéreas expandem-se, e fica-se pronto para lutar contra
processos psíquicos internos do ego e do self. o urso – ou, melhor ainda, para fugir deste. O problema é quando o urso aparece
todas as noites e aquele sistema é ativado repetidas vezes, deixando de ser adaptável
erante o mar de teorias que a sociedade moderna nos propõe em torno deste ou de salvar a vida, para ser um mal-adaptado ou prejudicial à saúde. As crianças
tema, torna-se urgente entender quem é que tem razão: afinal, os traumas são especialmente sensíveis a esta ativação repetida devido ao stress, porque os seus
ditam ou não sentenças de vida? A psicóloga Marta Calado assevera que, sen- cérebros ainda se estão a desenvolver. Altas doses de adversidades não afetam apenas
do as pessoas diferentes, há uma reação distinta a situações eventualmente a estrutura e as funções cerebrais, mas também o sistema imunológico e endócrino
traumatizantes: “Estamos a falar de traumas psicológicos, com repercussões em desenvolvimento e até a forma como o nosso ADN é lido e replicado. Marta Calado
emocionais, muitos dos quais tiveram a sua origem na fase da infância mas, ainda assegura que se torna realmente difícil manter uma vida tranquila na presença de cer-
assim, nem sempre os traumas de infância se relacionam apenas com ocorrências tos traumas, uma vez que estes desafiam o autocontrolo emocional, além de fazerem
de vida muito dramáticas, uma vez que não é a situação vivida que tem importân- o adulto refém de muitas situações onde estão alojados os gatilhos emocionais do
cia, mas sim a forma como cada pessoa reage à situação. É por esta razão que, por passado: “O adulto sente-se amarrado, sufocado e limitado nas suas ações. Em algum
vezes, não percebemos como é que determinado acontecimento afetou tanto certa momento, pode-se aperceber que muito daquilo que o trava nos dias de hoje pode
pessoa, e como é que outra passou ilesa a outro evento terrífico.” Acrescenta que ser oriundo de reflexos antigos, de dores não curadas. Nesse sentido, é tanto mais
existem pessoas que ficam como que estagnadas emocionalmente em determinados oportuno ‘escavar’ a infância, quanto mais as necessidades da intervenção psicoló-
acontecimentos da sua infância: “Em certos casos clínicos, por culpa ou vergonha, gica do indivíduo revelem essa utilidade, no sentido de restituir a sua qualidade de
negam-no ao longo de toda a vida, como por exemplo, quando um professor humilha vida e de lhe devolver a paz e o bem-estar interior.” É claro que para procurar ajuda
constantemente uma criança em frente à turma inteira, com nomes depreciativos, o adulto tem de reconhecer que precisa de ajuda, e muitos “só descobrem a origem
gozo esse que se estendia aos pares no recreio, e os pais nunca souberam devido ao de determinados traumas de infância através da relação terapêutica estabelecida com
medo do menosprezo se agravar.” Conduzido pelos médicos e pesquisadores Vincent um determinado especialista em saúde mental (“Finalmente encontrei uma Psicóloga
Felitti e Robert Anda, o estudo “Experiências Adversas na Infância” (EAI) reuniu 17.500 com quem me identifico.”), numa fase específica do seu percurso de vida (por exemplo,
adultos que foram questionados acerca do seu histórico de exposição àquilo a que divórcio, desemprego, maternidade, luto).” Lembra também que existem outros fatores
consideraram “situações desfavoráveis”, como violência sexual, física ou emocional; de proteção que podem moderar a influência de um acontecimento traumático na
negligência física ou emocional, doenças mentais, dependência química ou prisão infância: “A coexistência de experiências de vida positivas, a existência de figuras de
dos pais; separação ou divórcio dos pais; ou violência doméstica. Para cada “sim”, vinculação facilitadoras de reforço positivo, como irmãos ou avós, ou até determinadas
estes recebiam um ponto no quadro de EAI. Ao relacionar as pontuações de EAI e os caraterísticas de temperamento, como a tendência para a exteriorização das emoções.
resultados na saúde, concluíram o seguinte: primeiro, que as EAI são incrivelmente O que é certo é que há pessoas que conseguem superar os traumas de infância, mas
comuns – 67% da população tinha pelo menos uma EAI e 12,6%, uma em cada oito, há outras que ficam sempre presas ao passado.” Nas palavras de Carl Jung: “Aquilo a
tinha quatro ou mais EAI. A segunda descoberta concluiu que havia uma relação que se resiste, persiste.” O que é o mesmo que dizer que vale mais cortar o mal pela
dose-reação entre as EAI e os resultados na saúde: quanto maior a pontuação de raiz. De início até pode doer, mas não é preferível a agonia do confronto a viver uma
EAI, piores os resultados na saúde. Para uma pessoa com uma pontuação de EAI de vida inteira refém da própria sombra? l
quatro ou mais, o risco relativo de doença obstrutiva crónica dos pulmões era 2,5
vezes maior do que o de alguém com uma pontuação zero de EAI. Para hepatite,
também era 2,5 vezes maior. Para depressão, era 4,5 vezes maior e para o suicídio,
12 vezes maior. Uma pessoa com uma pontuação de EAI de sete ou mais apresentava
três vezes mais risco de morrer de cancro de pulmão. É claro que isto faz sentido: English version

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ARTWORK: MIGUEL CANHOTO.

MODA
FOTOGRAFIA
REPORTAGEM V em renda, Vogue.
Quem sublinha que a inocência tem faixa etária desconhece a intemporalida-
de de um estilo irreverente e bom guarda-roupa. Na candura de quem não se
preocupa com o que ditam as regras do conservadorismo, na sapiência dos que
olham para o vestuário como uma extensão do eu e não do número de anos
lunares que o cinto já contabiliza, na ingenuidade de quem vê datas, mas não vê
limitações, fica uma seleção de looks que cruza a diversão pueril com a sofistica-
ção da maioridade. Há blazers e folhos, transparências e meias curtas, há laços
aldrabados e recortes requintados, sedas e algodões que coexistem em silhuetas
justas e folgadas. Há simplicidade tanto quanto styling complexo e há, acima de
tudo, a pureza incondicional de um amor pela criatividade no vestir, olhando
para cada visual com o imaginário imaculado de uma criança.
Fotografia de Branislav Simoncik. Styling de Samuel Drira.

English version

Mika: casaco, LOUIS VUITTON. Headband, da produção.


Litay: capa e casaco, PRADA. Meias, FALKE. Sapatos, RORY WILLIAM DOCHERTY. Na página ao lado, Litay: colete, MICHAEL KORS. Chapéu, HIZUME. Headband, da produção.
Litay: casaco e vestido, LAUREN MANOOGIAN. Na página ao lado, Mika: vestido, CHRISTIAN DIOR. Chapéu, UMA WANG. Headband, da produção.
Mika: mangas, casaco, vestido e sapatos, tudo UMA WANG. Headband, da produção. Meias, FALKE. Na página ao lado, Mika: blusa, top e calças, tudo GIORGIO ARMANI.
Litay: top, casaco, vestido, choker e botas, tudo CALCATERRA. Headband, da produção.
Na página ao lado, Clothilde: top e bodysuit, MM6 MAISON MARGIELA. Headband, da produção. Colar, RORY WILLIAM DOCHERTY. Pulseira, CHANEL.
Litay: vestido, HERMÈS. Headpiece e flores, RORY WILLIAM DOCHERTY. Na página ao lado, Clothilde: camisa, calças, carteiras e sapatos, tudo LEMAIRE.
Litay: blusa, camisa e saias, tudo HED MAYNER. Headband, da produção. Na página ao lado, Mika: blusa, top, calças e sandálias, tudo GIORGIO ARMANI.
Mika: casaco e saia, CHANEL. Meias, FALKE. Headband, da produção. Na página ao lado, Mika: vestido, LANVIN. Chapéu, HIZUME.
Modelos: Litay Marcus @ IMG Models, Mika Nobles @ Metropolitan Models e Clothilde Sturtzer. Cabelos: Mayu Marimoto. Maquilhagem: Asami Kawai.
Casting: Chouaib Arif. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
ANÁLISE

ARTIGO 11º
É a cláusula sobre a presunção da inocência que figura na Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Aqui, presumindo-se a inocência legal, diferente, mas não
totalmente desligada, da inocência que tendemos a encaixar numa faixa etária —
e que queremos aqui abordar. No que diz respeito à idade da inocência, só somos
culpados de querer saber: porque é que é
associada à infância? O que é isso de “perder
a inocência”? Será ela sempre uma virtude?
E é uma noção igual para todos? Por Sara Andrade.

oda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se


inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente pro-
vada no decurso de um processo público em que todas as
garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.” O artigo 11.º
da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) refere-se à
inocência inerente à não prática de um ato criminoso, mas o termo
inocência tem mais camadas do que aquela que lhe é atribuída, de
forma concreta, judicialmente. Basta espreitar qualquer dicioná-
rio — ou viver alguns anos inserido numa sociedade (moderna e
não só) — para se perceber que o sentido lato tem uma dimensão
metafórica aplicável na prática. É que inocência, em termos de
conceito que vai além do âmbito legal, cruza-se com a ideia de
ingenuidade, de pureza, sem noção de maldade, não condicionado
pelas experiências insalubres da vida. É um termo, nesta vertente
mais abrangente, difícil de categorizar de forma estanque, embora
todos nós mais ou menos saibamos o que queremos dizer quando
adjetivamos alguém de inocente ou quando falamos de uma idade de
inocência. Talvez a melhor forma de o explicar seja parafraseando
Santo Agostinho, quando se referiu ao tempo: “Quando dele falamos,
compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que
nos dizem quando dele nos falam. (…) Se nin-
guém me perguntar, eu sei; porém, se o quiser conceito vasto, profundo, e transversal a uma diversidade de estu- DETALHE DE TWO HEADS OF CHERUBS (1800), THOMAS CHEESMAN.
explicar a quem me fizer a pergunta, já não dos da Psicologia”, contextualiza a psicóloga clínica Joana Janeiro,
sei.” Assim é similarmente a tarefa hercúlea corroborando a vastidão do termo ao mesmo tempo elucidando
de definir a “inocência”, essa em sentido lato as noções bases do mesmo e confirmando a sua ligação ao puro,
que normalmente associamos às crianças, imaculado, ingénuo, virginal, nesta ideia de ignorância do mal, uma
mas que também pode ser aplicada a um rol descrição que argumenta a favor do porquê se considerar a idade
de situações de indivíduos adultos; aquela que da inocência como uma reservada aos anos de vida mais precoces,
encontramos na palavra pureza um sinónimo, em que o contacto com informação danosa, malefícios, maldade é
mas que não se esgota nesse vocábulo; aquela escassa. O espírito e a mente está virgem, intocada, sem mácula. O
que associamos à ingenuidade, mas que não que não quer dizer que seja equivalente a ingenuidade, esclarece a
é equivalente à ingenuidade. psicóloga. “Normalmente apresentam-se como sinónimos, mas há
“A definição de inocência, que pode ser diferenças. A ingenuidade é entendida como simplicidade extrema,
consultada no Dicionário de Psicologia, ‘ca- credulidade excessiva e, por vezes, como infantilidade. Mas não tem
racteriza o estado mental de uma pessoa que associada a ideia da ausência do sentimento de responsabilização
ignora o mal (…) e que não se sente respon- pelas ações. E aqui ligamos com a ideia de culpabilidade. Um adulto
sável por qualquer dano’. É, no entanto, um pode ser ingénuo, mas terá uma responsabilidade ética, moral,

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ANÁLISE

legal, a não ser em casos excecionais, como em patologias graves. conhecimento, do bem e do mal. A um nível mais profundo, afrontou “A AUSÊNCIA DE CONHECIMENTO
Resumidamente, na ingenuidade, alguém não compreende/conhece a clara ordem dada pelo seu Criador. O pecado e a sua libertação, SOBRE ESTAS TEMÁTICAS [DE
as normas e, por isso, prejudica-se. Já na inocência, não é possível pode ser uma forma de perder e retomar a ideia de inocência, numa "CONHECIMENTO DIFÍCIL"] ESTÁ
ser atribuída uma responsabilidade pelo pensamento e/ou pela libertação de maldade e de culpa. O roubo da inocência, também SIGNIFICATIVAMENTE LIGADA AOS
ação”, o que justifica o porquê de a inocência não ser algo que acontece pela desconexão das crenças religiosas e determinados IDEAIS OCIDENTAIS DE INOCÊNCIA
INFANTIL E À SUA INTERSEÇÃO COM
associemos à vida adulta, ainda que possamos descrever, de forma acontecimentos de vida. Tal como a nível social e relacional, em
O DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO
metafórica, um adulto como “inocente” por ser demasiado crédulo ocasiões referidas anteriormente e pelo acesso lento ou acelerado de
INFANTIL, ENCARANDO-SE AS
em determinado momento. “A inocência começa a associar-se à informação factual, cultural, bem como à natureza das experiências CRIANÇAS COMO DEMASIADO
infância quando surge uma transformação social a partir do século de vida, adequadas ou não, a determinadas etapas do crescimento. NOVAS PARA LIDAREM EMOCIONAL
XVI. Nessa altura, a ideia de ‘casa’, com compartimentos distintos, Quando associado à psicopatologia, também se percebe uma relação E COGNITIVAMENTE COM ESTES
evidencia uma nova divisão do espaço social”, continua Janeiro. “A perturbada com a inocência, em estados delirantes — nas psicoses CONCEITOS, O QUE JÁ NÃO
família nucleariza-se, diferenciado-se da massa social. As gerações e esquizofrenias. Nas depressões patológicas, também assistimos à ACONTECERÁ COM UMA
dentro do espaço familiar estruturam-se e possibilita-se a preser- introjeção da culpabilidade num extremo, e à desresponsabilização PESSOA ADULTA." Maria João Cunha
vação da inocência, do pensamento e da ação próprios das etapas e vitimização, noutro polo.”
do seu desenvolvimento, com forte influência da nova moral dos
padres reformadores. Embora a inocência possa acompanhar-nos ão podemos, portanto, dissociar a ideia de ino-
ao longo da vida e nas suas várias esferas (relacional, profissional, cência das condicionantes sociais e morais que a
amorosa), é normalmente associada à infância. Encontramo-la com tabelam, porque as matérias que podem provocar
maior expressão e clareza na primeira infância, dos 0 aos 3 anos de a sua perda são, em parte, tabeladas também pela
idade. É atribuída, frequentemente, uma dimensão quase angelical comunidade: “Neste sentido, a ‘perda da inocência’
aos bebés. Desprovidos de intencionalidade ou de malícia, de culpa está relacionada com a exposição a estas temáticas da sexualidade,
ou de qualquer tipo de responsabilidade.” A psicóloga continua: “Em- da morte, da violência e da pobreza que constituem formas de "co-
bora a viagem durante a infância seja longa, construção de um ideal de infância que mantenha a inocência, como nhecimento difícil" (Britzman, 1998)”, confirma Maria João Cunha. e na relação com a mãe e os cuidadores, sepa-
atribulada e de muitas conquistas, encon- nos dizem vários autores (ex. Julie Garlen), sentindo os pais pressão “A ausência de conhecimento sobre estas temáticas está significa- ra-se progressivamente da experiência sim-
tra-se durante grande parte do tempo uma para fabricar ‘um período mítico de maravilhas de olhos arregala- tivamente ligada aos ideais ocidentais de inocência infantil e à sua biótica e começa a ter consciência da noção
imaturidade psíquica, emocional e relacional dos e momentos mágicos, uma noção perpetuada por pedagogos interseção com o discurso do desenvolvimento infantil, encaran- do Si, como Bernard Golse concetualiza, ou
própria, que ditam formas de pensamento, de corporativos como a Walt Disney’. Ou seja, existiria a necessidade do-se as crianças como demasiado novas para lidarem emocional e do Self, na definição de Donald Winnicott. As
relação e de ação, que são impunes de uma de cultivar cuidadosamente as condições da infância para preservar cognitivamente com estes conceitos, o que já não acontecerá com ‘angústias de separação’ e a ‘angústia do 8.º
atribuição de malícia, culpa ou de responsa- a inocência. Segundo outros autores, como Faulkner (2013), esta uma pessoa adulta. A inocência infantil tem sido assim, fortalecida mês’, marca o início de uma consciência de
bilização moral ou legal, como se interpreta ‘atrai uma grande atenção cultural e energia, tanto positiva como pela psicologia do desenvolvimento, mas também pela doutrina Si, ainda em esboço, atingindo uma maior
no universo adulto, ou da maioridade.” negativa’ como um ‘local privilegiado não só de preocupação, cele- religiosa e pela cultura popular. Revela a preocupação com um dos maturidade perto do 15.º mês de vida. Perto
Na sociologia, o discurso e referências con- bração e proteção, mas também de ansiedade’. Isto pode significar, grupos mais vulneráveis da nossa sociedade, cujos direitos humanos desta altura, surge o ‘Não’, e mais tarde, a
firmam-se: “No contexto contemporâneo, para alguns autores, que a fantasia da infância como uma época feliz estão particularmente em risco nas atuais condições de injustiça capacidade e necessidade de reforçar a sua
a construção da inocência está associada à de encantamento sem preocupações é uma poderosa construção social generalizada.” Joana Janeiro corrobora que a inocência está individualidade e de se diferenciar do outro,
infância”, atesta Maria João Cunha, socióloga, social, que cria uma expectativa sobre como as experiências das de facto ligada a uma série de desconhecimentos sobre as agruras com a proteção e defesa do que é seu: ‘é meu!’.
professora do ISCSP/ULisboa e investigadora crianças ‘deveriam’ ser e que pode levar inclusive a alguma ansiedade da vida e, portanto, perdê-la, está inerentemente ligada ao passar Comportamentos muitas vezes incompreen-
do CIEG (Centro Interdisciplinar de Estudos por parte dos pais, alimentada, em alguns, pela nostalgia da própria dos anos versus aquisição dessa informação que destrói a normal didos e/ou mal interpretados pelos adultos: ‘já
de Género). “Pode na verdade funcionar co- infância, e noutros pelo desejo de proteger os filhos dos traumas noção pueril de que a vida é cor-de-rosa e plena de arco-íris, desti- tem querer!’, ‘já tem personalidade!’. Mas são
mo um poderoso mito social que estrutura suportados. Esta ansiedade leva muitos pais a grandes esforços tuída de qualquer nuvem cinzenta. “Sim, a perda de inocência está marcos fundamentais do desenvolvimento
as relações sociais e a cultura das crianças, para proteger os seus filhos da tristeza, do stress, e mesmo de um associada ao crescimento e desenvolvimento psíquico, à aquisição psíquico e afetivo da criança. Níveis cada vez
enquanto simultaneamente informa sobre os desconforto ligeiro, que em casa e na escola se pode manifestar de informação e experiências. A Psicologia do Desenvolvimento e mais evoluídos na diferenciação eu/outro,
seus direitos e estatuto na sociedade. Aca- como um desejo de prolongar o desconhecimento das crianças a Psicanálise ajudam a pensar a noção de inocência e a sua perda mundo interno/mundo externo e no manejo
ba por existir até uma certa pressão para a das realidades sociais. A manutenção da inocência está portanto natural e progressiva. À medida que o bebé cresce individualmente da fantasia e da realidade. A fase dos medos
relacionada com a censura de temas como a sexualidade, a morte, também é outro marco de perda de inocência: quando o escuro
a violência e a pobreza.” Uma necessidade — esta de salvaguardar esconde os monstros debaixo da cama, o bicho papão, o mal, o
a inocência o mais possível, particularmente em tenra idade, pro- perigo, a morte e a finitude. Quando se descobre que o Pai Natal
tegendo a criança destes temas — prende-se com o contexto social não existe, e os pais foram cúmplices desta fantasia. A deceção
em que nos inserimos. Os arquétipos que se criaram para escudar quando a realidade se impõe e se vai conhecendo, dando conta,
os mais novos das adversidades ou de conteúdos considerados também, das falhas e imperfeições dos pais. A pouco e pouco, a
impressionantes são resultantes da nossa própria escala de valo- sublimação, a experiência e a vida cultural, permitem que a criança
res — morais, religiosos, sociais, de integridade física. “Sim, [as viva e constitua um Self submetido à realidade, e ao mesmo tempo,
nossas condicionantes sociais, religiosas e psicológicas também com capacidade de criação e espontaneidade”, explica a psicóloga,
condicionam a nossa inocência], pela forma como vivenciamos, acrescentando que “o choque do conhecimento ou da experiência
interpretamos e integramos essas condicionantes”, explica Joana também pode ser pensado pela roubo precoce da inocência. Quando,
Janeiro. “Se pensarmos na religião, Adão deixou de ser inocente por em casos patológicos, se percebe a ausência de fronteiras entre
ser informado das consequências de colher o fruto da árvore do gerações, ou uma interpretação projetiva por parte dos pais e/ou

170 vogue.pt
ANÁLISE

“NÃO SEI SE CONSEGUIMOS ignorância são felizes, mas não o sabem” e diz Caeiro que “amar é a noção de que, uma vez perdida, dificilmente pode ser recuperada.
RECUPERAR A INOCÊNCIA, OU SE NOS eterna inocência. E a única inocência é não pensar”. Mas, como em Ou não? “Não sei se conseguimos recuperar a inocência, ou se nos
INTERESSA, MAS PODEMOS MANTER tudo aquilo que se ignora — neste caso, a informação —, perdem-se interessa, mas podemos manter caraterísticas próprias da idade da
CARATERÍSTICAS PRÓPRIAS DA IDADE as amarguras tanto quanto as experiências positivas. Não é à toa inocência”, continua Janeiro. “A inocência é fundamental na infân-
DA INOCÊNCIA. (...) PODEMOS CRIAR que o poeta inglês Alfred Tennyson (1809-1892) cunhou a famosa cia. É necessária para constituir um terreno seguro, para o motor
ESPAÇOS INTERNOS, QUE ENCONTRAM frase “é melhor ter amado e perdido que nunca ter amado.” É que da vitalidade psíquica. Para sustentar as caraterísticas essenciais
LUGARES PRÓPRIOS PARA QUE O manter a inocência negando as experiências é também não evoluir. que configuram esta época de curiosidade, exploração, espanto,
PESO DA REALIDADE NÃO INTERFIRA.
É certo querer proteger uma criança dos temas fraturantes da desejo, no fundo, de crescimento. Sem prever ou conhecer o mal e
COMO NA CRIAÇÃO ARTÍSTICA,
NA LEITURA, NA MÚSICA." Joana Janeiro vida para preservar o mais possível essa capacidade tão inerente à as suas consequências. À medida que crescemos, vamos perdendo
inocência — à infância — que é a crença no irracional, o potenciar a inocência, mas podemos criar espaços internos, que encontram
o imaginário, é o conceber mundos e criaturas fantásticas, como lugares próprios para que o peso da realidade não interfira. Como
unicórnios e fadas e o Pai Natal — até a crença na perfeição dos na criação artística, na leitura, na música. Nestes lugares, deve ser
pais, sem defeitos, uns super-heróis, capazes de tudo (não é à toa cultivado um espaço para a inocência, seguro e protegido, para
que Janeiro relaciona a perda de inocência à descoberta desilusão alimentar um desejo, um ímpeto, de certa forma inconsequente,
de que os progenitores não são isto tudo) — e fazer perdurar esse onde se permite o erro como parte do processo de criação e de
dom, no tempo, o máximo possível. Porque a inocência é algo mais descoberta, e a procura do belo, da surpresa e do espanto. Um trecho
profundo que a ignorância, é uma espécie de operação inexplicável do poema Avarandado, de Matilde Campilho ilustra estas ideias: ‘E
da imaginação, esse lado que consegue criar universos dos quais apesar dos bofetões/Do tempo invertido/Apesar das visitas breves
se é excluído depois para sempre, sem hipótese de retorno. Mas do pavor/A beleza é tudo o que permanece’.”
fazer valer essa (ir)realidade é também fazer perder aprendizagens A inocência pode ter idade, portanto, mas não se extingue (to-
fulcrais para o desenvolvimento. Será assim tão negativo perder talmente) com ela. Esbate-se com os anos, com a maioridade, com
a inocência? Será ela uma virtude mesmo? Ou melhor, será im- o coming of age, por assim dizer, mas pode ser nutrida, com maior
adultos cuidadores, que confunde o conhecimento do mundo adulto portante, também, perdê-la, em determinada que nas últimas décadas, a expansão massiva dos meios digitais ou menor dificuldade, para que não pereça
com a intenção de fundo dos comportamentos das crianças. Desta altura? Sim, diz a psicóloga, “como expressão aumentou drasticamente o acesso à informação, alimentando ainda por completo. É importante não viver num
forma, pode ser imposta uma culpabilidade, numa ação inocente de desenvolvimento psíquico e emocional, de mais as ansiedades dos pais que desejam prolongar o estado de estado de inocência — leia-se, de ingenui-
da criança, que introjeta uma intencionalidade maliciosa ou sexual, consciência de si e do outro, da capacidade inconsciência ou ignorância dos assuntos que se relacionam com dade e ignorância — ad aeternum, porque a
por exemplo, que não lhe pertence. A Confusão de Línguas entre os de responsabilização. Reflete a possibilidade a sexualidade, a morte, a violência e a pobreza, e que se caracteriza sua praticabilidade nas sociedades modernas
Adultos e as Crianças é um trabalho notável de Sándor Ferenczi, que de um crescimento e de integração da ex- como inocência”, salienta a socióloga Maria João Cunha. “No fundo, não salvaguarda a proteção de adversidades
confere uma nova interpretação da Teoria da Sexualidade Infantil, periência. De conhecimento e compreensão a perceção do colapso do binário criança/adulto provocado pela que parece ser a benesse da ignorância. O
desenvolvida por Sigmund Freud. Tomemos o exemplo da criança progressiva de si e do mundo. Como afirma ‘corrupção’ de crianças com conhecimentos de adultos continua conhecimento pode ser uma maldição, tanto
que brinca com a ideia de conquistar o lugar do progenitor do mesmo Tim Bernardes na sua música Fases: ‘Trago a conduzir ao pânico moral sobre a segurança e bem-estar das quanto uma benção, o que importa é saber
sexo, para se tornar cônjuge do sexo oposto, apenas na imaginação marcas do caminho/Perdi a pureza da Infân- crianças na sociedade contemporânea. Como observa Faulkner equilibrar ambos os aspetos para maximizar
e no faz-de-conta. Existem já traços de amor infantil, que procuram cia/Trato as marcas com carinho/Elas já são (2010), ‘o sentimento dominante — frequentemente representado as vantagens da dicotomia. Um pouco no se-
na e pela brincadeira, usar a linguagem da ternura, não da paixão parte de mim’ “, refere Joana Janeiro. nos noticiários e na atualidade — tem sido o de que a inocência guimento da partilha acima da psicóloga e
madura. Se, no momento dessa fase de ternura, é interpretado e O que não quer dizer que essas aprendi- infantil é imperiosa’. Outros autores têm salientado as formas citando Pablo Picasso, “Todas as crianças são
imposto à criança um amor diferente do que exprime e procura, zagens não possam ser adiadas para que como a cultura popular capitaliza a sexualização das crianças. Por artistas. O problema é manterem-se artistas
carregado de uma intencionalidade adulta, poderá provocar uma se desfrute da idade da inocência de forma exemplo, vários anunciantes capitalizam a retórica da protecção, quando crescem”, vale a pena acrescentar que
pré-maturação, com consequências patológicas, num lugar que prolongada, uma tarefa dificultada pela emer- quer trabalhando contra ela, tirando partido da agência infantil a tarefa pode ser difícil, mas não é impossível.
ainda é, e deveria permanecer, inocente e imaturo.” gência e viralização da Internet, em parti- como consumidores e influenciadores parentais, quer reforçando-a Basta presumir-se inocente no que à capaci-
cular, da disseminação das redes sociais, através de produtos e experiências que respondem às ansiedades dade de maravilhar-se diz respeito — sem
a famosa frase Eternal Sunshine of the Spotless Mind, que que expõem, sem filtros, os temas sensíveis dos pais que procuram prolongar a inocência infantil, como as prejuízo para os conhecimentos adquiridos
dá título a um filme mas que originalmente pertence supracitados — a sexualidade, a violência, férias na Disney. Esta tem sido até criticada pela agressividade com a exposição às situações e características
a uma estrofe do inglês Alexander Pope (1688-1744), o etc. — a públicos cada vez mais jovens. “Claro usada na comercialização tanto para as crianças como para os pais menos inocentes da vida. l
poeta inscreve esta expressão de “mente imaculada em perpétua ao afirmar-se como um refúgio da idade adulta. Neste contexto de
luz” num contexto no qual equipara a virgindade de conhecimento consumo contemporâneo, as crianças tornaram-se um alvo lucrativo,
à felicidade. No poema Eloise to Abelard, a estrofe “How happy is the o que tem também aumentado as preocupações sobre a exposição
blameless vestal's lot!/The world forgetting, by the world forgot./ Eternal e o acesso ao conhecimento ‘adulto’, com a consequente perda da
sunshine of the spotless mind!/Each pray'r accepted, and each wish resign’d”, dita ‘inocência’.” Por sua vez, a psicóloga Joana Janeiro alerta ainda
o autor refere-se à felicidade de uma blameless vestal, uma virgem que a Internet “pode acelerar a perda de inocência pelo excesso de
casta sem pecados que esqueceu o mundo e de quem o mundo se informação. Este acesso pode desrespeitar o ritmo das experiências
esqueceu e, por isso, mantém uma mente inocente, sem conheci- naturais, culturais e relacionais, bem como a sua compreensão
mento das agruras de uma vida (amorosa, no caso). A inveja que e integração adequada. Sobretudo se trouxer com este excesso,
o autor manifesta desta castidade que advém da ignorância surge uma carga extra de conteúdos/conhecimentos inapropriados à
porque “coração que não vê, coração que não sente.” Fernando maturidade psíquica, causando o tal choque, o trauma, e exigindo
Pessoa, nomeadamente através da poesia do heterónimo Alberto uma maturação precoce, na maior parte das vezes, patológica”.
Caeiro, expõe igual analogia. Diz Pessoa que “só a inocência e a English version Mas mesmo que não se chegue a extremos, é importante ter a
Pintar o cabelo, quebrar as regras do guarda-roupa, vestir mil e uma personagens
num só dia, num só look, de uma assentada só. Tops curtos, vestidos justos, inter-
pretar o sexy em modo Lolita, e rebelar-se nos teens porque ainda nos estamos a
descobrir. Não sabemos quem somos, mas sabemos que não somos os adultos
que nos impõem. Não sabemos o que queremos, mas sabemos que não queremos
as regras que parecem vigorar nos círculos sociais. Não sabemos do que é que
somos culpados, mas sabemos que já não somos inocentes. E talvez a rebeldia
de que tanto nos acusam e nos rotulam, como teenagers inconsequentes, não seja
contra os pais ou as figuras de autoridade ou até o sistema. Talvez essa rebeldia
seja apenas um luto pela perda iminente da inocência.
Direção criativa de Marie Dalmasso. Fotografia de Emma Picq. Styling de Victoire Seveno.

English version

Yulia: top, CHANEL.


Nas duas páginas, Yulia: top, ISA BOULDER. Saia, DIESEL.
Marie: casaco, SERGIO TACCHINI. Calças, LACOSTE. Chapéu, ÉTUDES STUDIO.
Na página ao lado, Yulia: top e saia, TRANSE. Cuecas, VIVIENNE WESTWOOD. Collants, FALKE. Meias, LACOSTE. Anéis, tudo LA MANSO. Ténis, ASICS.
Nas duas páginas, Yulia: vestido, GCDS. Meias, FALKE. Sapatos Tabi, MAISON MARGIELA.
Yulia: casaco, THE NORTH FACE. Vestido, ALEXANDRE VAUTHIER. Marie: top, UPCYCLE SOLUTION POWERED BY VEEPEE.
Soutien, VIVIENNE WESTWOOD. Saia, SERGIO TACCHINI. Na página ao lado, Yulia: casaco e calções, VERSACE. Soutien, LA FETICHE.
Marie: soutien, SEHNSUCHT ATELIER. Saia, luvas e cinto, tudo ACNE STUDIOS. Carteira, SOLID.
Na página ao lado, Marie: casaco, PRADA. Top, LARUICCI. Choker, VIVIENNE WESTWOOD. Meias, ÉTUDES STUDIO. Ténis, ASICS.
Marie: casaco, SERGIO TACCHINI. Soutien, FIFI CHACHNIL. Calças e meias, LACOSTE. Chapéu, ÉTUDES STUDIO. Choker Mindy, JUSTINE CLENQUET.
Ténis, LOUIS VUITTON. Na página ao lado, Yulia: casaco, LACOSTE. Calças, CHRISTIAN DIOR.
Yulia: Casaco, VERSACE. Soutien, LA FETICHE. Na página ao lado, Yulia: top e calções, JOHANNA PARV. Meias, MAISON J SIMONE. Ténis, ASICS.
Yulia: top, CHANEL. Cuecas, FIFI CHACHNIL. Meias (por cima), SERGIO TACCHINI. Meias (no meio), FALKE. Meias (por baixo), SIMONE WILD. Sapatos, PRADA.
Na página ao lado, Yulia: corset e cuecas, VIVIENNE WESTWOOD. Meias, ÉTUDES STUDIO. Sapatos, THE NORTH FACE.
Nas duas páginas, Yulia: casaco e calções, VERSACE. Soutien, LA FETICHE.
Yulia: top e calções, JOHANNA PARV. Meias, MAISON J SIMONE. Ténis, ASICS.
Fotografia: Emma Picq @ Kaptive Agency. Styling: Victoire Seveno @ Kaptive Agency. Modelos: Yulia e Marie Maite @ Hakim Model Management.
Cabelos: Sachi Yamashita @ ASG Paris. Maquilhagem: Louisa Trapier @ ASG Paris. Manicure: Adrienne @ B Agency. Produção: Candice Carcaillon.
Assistentes de fotografia: Jean Sebastien Bubka e Jean Patrick. Assistente de styling: Eloise Roncone. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal. Fashion film
Nas cores vibrantes de uma infância que perdura indefinidamente, numa multi-
plicidade de texturas que veiculam o faz-de-conta e nas linhas delicadas de um
guarda-roupa quase-pueril, vibra uma idade da inocência que, na verdade, não
pertence a nenhuma faixa etária. Ou pertence a todas elas: pela comunhão com
a natureza, pela tolice de uma tarde de ronha, pelas brincadeiras nonsense, pelo
marasmo de se estar, apenas, de se fantasiar em todas as tonalidades do arco-íris.
Quando se trata de canalizar o que há de mais puro, pouco se compara a esses
momentos de ócio ao ar livre numa tarde de outono.
Direção criativa e styling de Olga Kasma. Fotografia de Maria Magdalinou.

English version

Saco de cama, da produção. Ténis, ACNE STUDIOS.


Na página ao lado: poncho, ETRO. Vestido, MOLLY GODDARD. Meias, JOHNSTONS OF ELGIN. Botas, ASH.
Nas duas páginas: colete, CHLOÉ. Saia, ANDERSSON BELL. Botas, MACKINTOSH.
Na página ao lado: vestido, MOLLY GODDARD. Botas, ASH.
Na página ao lado: casaco, MOLLY GODDARD. Gorro, ALANUI.
Saco de cama, da produção. Vestido e casaco, ambos GANNI.
Camisola, RAG & BONE. Na página ao lado: casaco e vestido, MOLLY GODDARD.
Meias, JOHNSTONS OF ELGIN. Sapatos, ASH.
Modelo: Liu Liu @ D Models. Cabelos e maquilhagem: Sofia Maroudi. Assistente de fotografia: Eirini Pappa.
Assistente de styling: Kelly Sarigianni. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
REFLEXÃO

Adam; Eve (circa 1520), Giuliano di Piero di Simone Bugiardini.

A CULPA É DA EVA
Desde tempos imemoriais que as mulheres são acusadas de um crime que nunca “A lista de gajos com quem já esteve é maior do que sei lá o quê.
É uma promíscua do pior que há.” Chocado/a? É suposto. No dia
prescreve, cujas bases legais foram criadas pelas mesmas mentes retorcidas que de- a dia nem damos por isso, mas a facilidade com que uma mulher
ram origem a fábulas como a de Adão e Eva: ela sucumbe aos encantos da serpente ganha este tipo de rótulos é mais simples do que parece. Basta
e entrega-lhe o fruto proibido, condenando-o, a ele e a todos nós, mortais, a uma aparentar ter uma vida sexual livre e aberta, sem tabus, e é meio
caminho andado para comprar uma guerra com as mentes puri-
eternidade de sofrimento e redenção. Em pleno século XXI, o sexo feminino con- tanas — que habitam em quase todo/as nós. É triste. É revoltante.
tinua a pagar por este pecado, ao ser constantemente julgado pela sua vida sexual. É a verdade. Experimente fazer este exercício: recue até aos anos de
liceu e pense: quantas raparigas eram conotadas de “puta”, “vaca”,
Mudam-se os tempos, não se mudam as mentalidades. Por Ana Murcho. “cabra”? De certeza que haveriam, pelo menos, umas cinco ou seis.
Foi, e ainda é, assim em todos os liceus do mundo, independente-
mente da geografia ou estrato social. A menina que, inocentemente,
beijou mais meninos no jogo do “bate pé.” A Joana e a Matilde
quela tipa? É uma cabra”, “Não te metas nisso, é uma que, na dança da vassoura, insistiam em “se roçar” nos rapazes, Nove. É no número de parceiros sexuais que, em média, uma pessoa
vadia”, “Aquela não é para casar. Já correu mais de qua- provocando-os. A Vanessa, que quando brincava ao quarto escuro tem ao longo da vida. O site World Population Review refere que
renta, e isso é o que ouvimos dizer, imagina quantos não dava (demasiados) beijinhos ao António. Todas elas acabaram por inquéritos sobre este tema começaram a ser feitos com regularidade
devem ser”, “É nojenta, dorme com todos.” Se estas frases o chocam, ser conotadas de qualquer coisa pouco simpática, todas elas viram em 2005, mas que os resultados podem oscilar significativamente
não continue a ler. É possível que ainda não esteja preparado/a as suas vidas do avesso porque deram azo aos seus instintos mais de país para país, uma vez que as “as normas culturais podem ter
para se confrontar com este tipo de ofensas que, provavelmente, básicos — que, naquela altura, ainda eram apenas isso, básicos. um impacto significativo sobre o número de pessoas com quem
já pronunciou — vários estudos mostram que quase todo/as nós Todas elas foram vítimas de slut-shaming (“slut”, vadia, e “shaming”, alguém tem relações sexuais.” As normas culturais e, acrescentamos,
FOTOGRAFIA: ISTOCK; D. R.

já o fizemos, mesmo se a intenção de magoar a vítima em causa do verbo “to shame”, envergonhar), amplamente reconhecido como a verdade. Uma mulher tenderá, quase sempre, a reduzir/omitir
não era consciente, mesmo se, por imaturidade ou influência de o ato de condenar uma mulher pelos seus comportamentos sexuais o número de parceiros sexuais, já um homem costuma exagerar
um sentimento de “matilha”, nos deixámos arrastar para conver- e a sua posterior punição social por esse mesmo comportamento. esses “valores.” Assim provou um estudo realizado em 2015 pela
sas de café que acabam com alguém como bode expiatório, sem Como numa distopia macabra, o slut-shaming não se aplica aos Organização Mundial de Saúde, que deixava no ar duas importan-
noção dos danos que esses diálogos incendiários podem causar. homens. Eles não são, nunca foram, acusados de nada. Bem pelo tes questões: estarão as mulheres a ocultar algumas experiências
“Puta, é uma puta”, “É uma vaca, se ficas com ela apanhas doenças”, contrário. Este é um crime só delas. sexuais com receio do julgamento social? Ou são os homens que

vogue.pt 21 1
REFLEXÃO

MASCULINIDADE A MULTIPLICAÇÃO DE PARCEIRAS SEXUAIS


pecam pelo excesso, com vista sublinhar a sua masculinidade? s diferenças são claras, e todas elas estão à vista A palavra a Bernardo Coelho: “Em primeiro lugar, importa regis-

PRODUTORAS DA IDEIA DE QUE SE VIVE UMA SEXUALIDADE


Em qualquer dos casos, o problema é intrinsecamente social. Está — de todos nós. “Para os homens será honrado tar as profundas mudanças na forma como as mulheres vivem

HIPERATIVA (O TÍPICO CASO DOS GABAROLAS). POR SEU


tudo errado desde a raiz, desde o início. Elas são condenadas, eles e terá efeitos identitários positivos na definição e expressam a sua sexualidade nas sociedades contemporâneas

MULHERES, OBLITERA A SUA AGÊNCIA SEXUAL, DIMINUI


ganham palmadinhas nas costas. Eles são aclamados de “heróis”, da sua masculinidade (e na adequação dessa ocidentais. Essas mudanças têm ocorrido no sentido da construção

TURNO, O DUPLO PADRÃO MORAL/SEXUAL APAGA AS


“PARA OS HOMENS SERÁ HONRADO E TERÁ EFEITOS

A SUA CONDIÇÃO DE CIDADÃS-SEXUAIS.”Bernardo Coelho


elas são umas valentes “piranhas.” Muito resumidamente… Por- masculinidade ao arquétipo) a multiplicação da igualdade e no rompimento com visões mais estritas do duplo

OU, PELO MENOS, A CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS


quê? Foi a pergunta que lançámos a Bernardo Coelho, sociólogo, de parceiras sexuais ou, pelo menos, a construção de narrativas padrão moral/sexual. Basta termos como referência a forma como
investigador e professor universitário. “O fenómeno de que falas produtoras da ideia de que se vive uma sexualidade hiperativa (o a sexualidade feminina era percebida em meados do século XX — e

IDENTITÁRIOS POSITIVOS NA DEFINIÇÃO DA SUA


torna-se mais compreensível partindo da ideia de que a sexualidade típico caso dos gabarolas). Por seu turno, o duplo padrão moral/ as reivindicações que isso originou nos movimentos feministas da
é uma esfera importante da nossa vida quotidiana (como o trabalho, sexual apaga as mulheres, oblitera a sua agência sexual, diminui a sua segunda vaga – com a realidade vivida nos dias de hoje. […] Neste
a escola, a família, as amizades, etc.), cujo eixo de estruturação condição de cidadãs-sexuais (isto é, pessoas capazes de decidirem, sentido, a visão, a conceção e a experimentação da sexualidade
mais fundamental será o género. […] Os efeitos do género sobre escolherem e expressarem os seus desejos e/ou não desejos de ca- torna-se mais semelhante, mais igual e igualitária, entre homens
a sexualidade tornam-se evidentes através de um duplo padrão rácter erótico-sexual). É precisamente isto que está em causa quando e mulheres.” Ainda assim, é coerente afirmar que estamos a anos-
moral/sexual. Sendo este duplo padrão moral um efeito do género a forma de experimentar a sexualidade passa a ser um insulto para -luz de pensar que chegámos lá, que está tudo bem? Infelizmente,
na organização da sexualidade, ele torna evidente a hierarquização as mulheres: a ‘puta’ ou a ‘cabra’. É o medo desta acusação/insulto/ sim, assente Bernardo. “Se individualmente cada uma das mulhe-
e a desigualdade de género. Deste modo, produz uma sexualidade humilhação que está em causa quando as mulheres não querem ou res poderá viver numa lógica de igualdade e de cidadania sexual,
masculina legitimamente expansiva, experimentalista, hiperativa, têm medo de revelar a forma como vivem ou desejariam viver e não deixa de ser verdade que a matriz cultural de avaliação dos
controladora (em controlo de si, da outra pessoa e do curso dos experimentar os seus corpos e a sua sexualidade.” Como é sabido, comportamentos sexuais dos homens e das mulheres persiste (se
acontecimentos num encontro erótico-sexual). Em contraponto, as consequências desta dualidade podem ser devastadoras. Além de não de forma consciente, pelos menos de forma não consciente)
esta dupla moralidade apresenta às mulheres uma sexualidade que, menosprezar e desconsiderar as necessidades da mulher enquanto nos contextos por onde circulamos e entre as pessoas com quem
para ser legítima, deve ser contida (poucos parceiros), emocional ser humano, esta dualidade anula-a, muitas vezes, enquanto agente interagimos. Basta interrogarmo-nos se as mulheres, vivendo a
(ter lugar no contexto de relações afetivas/amorosas), passiva, ativo do jogo sexual. Se a isso acrescentarmos a objetivização social sexualidade numa lógica igualitária e cidadã, partilhariam essa sua
expectante (não demonstrativa de iniciativa).” — que pode ser fatal — é imperativo ver o slut-shaming não como visão ou relatariam as suas experiências a todas as suas amigas/
uma “tradição secular” sobre a qual não há nada a fazer mas antes os, irmãos/ãs, pais e mães. Talvez, talvez não. Talvez não o façam,
ames Bond (007). Don Draper (Mad Men). Tony Soprano como um problema sério, que deve ser tratado. precisamente, porque percebem a persistência do duplo padrão
(Os Sopranos). Nenhum destes personagens foi questio- Será assim tão estranho que tudo isto aconteça? Afinal de contas, moral na cabeça e nos olhos de outras pessoas. Neste sentido, a
nado pelas suas investidas sexuais, pelos seus avanços as meninas (ainda) são ensinadas, desde cedo, a terem maneiras, experimentação da sexualidade das mulheres continua a ser vivida
inesperados, pela sua longa lista de conquistas amorosas. Bem a portar-se bem, a não sujar os vestidos brancos, a não dizer as- de forma desigual. […] Porque é que isto é desigualdade? Porque
pelo contrário. Todos eles são aplaudidos pelo seu “carisma” (uma neiras, a não falar sobre coisas “feias e impuras.” A não pecar. Os os homens nunca viveram, nem vivem, nenhuma destas pressões.”
das palavras mais usadas para caraterizar o machismo) e pela sua meninos não. Os meninos já nascem fortes e invencíveis, dotados Tal como Adão nunca será culpado de ter comido a maçã — a culpa
“masculinidade” (outro termo ótimo quando o que está em causa de um bilhete mágico que lhes permite fazer tudo. Na adolescência, é de Eva, no fundo — os homens nunca saberão o que é calçar os
é uma clara falta de controlo sobre o membro inferior). Vamos deixam os carrinhos de brincar para se gabarem do caderninho sapatos de uma mulher que é chamada, repetidamente, de “puta.” E,
por partes: nem Bond, nem Draper, nem Soprano deveriam ser negro onde escrevem as suas conquistas. Elas não. Elas conti- enquanto não acontecer nenhum milagre, nada mudará. Como su-
escorraçados por viverem a sua sexualidade ao máximo — ou pelo nuam a ser vistas como seres celestiais, reduzidos à cozinha e blinha Bernardo, “como é mais duro sujeitarmo-nos ao julgamento
menos Bond, que sempre foi solteiro, já Draper e Soprano saltaram à lida da casa. Os desejos são apagados à nascença. No entender e à potencial acusação e insulto, como há mais ganhos simbólicos
a cerca pelo menos uma vez. Não é isso que está em causa. Onde a do paradigma conservador que ainda persiste, as raparigas que no cumprimento dessas normas ou moralidade de género aplicada
porca torce o rabo é no duplo standard para com as suas congéneres demonstrem interesse em explorar o sexo, que falem abertamente à sexualidade, tendemos a persistir em práticas que reproduzem o
femininas: Samantha Jones (O Sexo e a Cidade), Hannah Horvath dos seus (vários) parceiros, são umas putas. Sem aspas. É isso que, que delas é estereotipadamente / conservadoramente esperado.”
(Girls), Edie Britt (Donas de Casa Desesperadas) raramente receberam sorrateiramente ou nas suas costas, lhes continuam a dizer todo/ Mesmo que elas estejam erradas. Mesmo que elas deem força a
aplausos, tanto na ficção como fora dela, quando partilharam as as os/as frustrados/as que não conseguem ver que a liberdade um crime que não tem força nem sustentação legal. Infelizmente,
suas façanhas sexuais. Casual sex, one night stands? Elas não tinham sexual de uma pessoa termina onde começa a liberdade sexual de em pleno século XXI, o adágio ainda perdura: “Boys will boys, girls
“vergonha na cara”, eles apenas apreciavam tudo o que o sexo outra. Mas porque será tão difícil romper com esta lógica desigual? will be sluts.” l
casual tem para oferecer. Bernardo Coelho explica: “A desigual-
dade na conceção e experimentação da sexualidade acompanha
a sistemática e estrutural desvalorização das mulheres (em todas
as esferas da vida: do mundo do trabalho à família, do desporto
à participação política), a definição do lugar das mulheres como
o outro menorizado, a construção sistemática e permanente da
ideia de que as mulheres são passivas e frágeis, o apagamento das
mulheres enquanto protagonistas sociais, enquanto indivíduos,
enquanto cidadãs, enquanto autoras das suas vidas e da sociedade,
enquanto donas dos seus corpos. Ou seja, o duplo padrão moral
prescreve o que deve ser uma mulher e um homem adequado no
quadro da sexualidade. O incumprimento destes preceitos norma-
tivos e morais tem/pode ter como consequência o julgamento, a
perda de honra, o desprestígio, a humilhação, a desvalorização.” English version

vogue.pt 21 3
And everything nice. Mesmo quando o cenário tem 50 sombras de cinza. Mesmo
quando o background inspira ao preto e branco. Mesmo quando as redondezas
respiram o seu quê de decadência, o lado mais puro e colorido da inocência ainda
tem espaço para singrar, para crescer, para existir. Como uma flor que irrompe
pelas frestas de um passeio em cimento, ou o calor do sol que aquece o rosto
num dia gélido. Ou como aquela letra de Leonard Cohen, que pode até parecer
um lugar-comum e que, ainda assim, tem muito valor para além do seu (aparente)
rótulo de cliché: “There is a crack in everything. That’s how the light gets in.” Quando o
mundo trouxer os limões, vamos confitá-los a todos.
Fotografia de Sara Fabbri. Styling de Domenico Diomede.

English version

Polly: vestido e brincos, MIU MIU. Botas, CASADEI. Denise: vestido e sapatos, MIU MIU. Colar, RADÀ. Meias, NA-KD.
Nas duas páginas, Polly: casaco, vestido e sapatos, tudo MICHAEL KORS COLLECTION. Bandolete, BONFILIO HATS. Brincos, RADÀ. Meias, ERES.
Denise: casaco, vestido e sapatos, tudo SPORTMAX. Brincos, LALALAND. Carteira The Arc Edge, LA FESTIN.
Nas duas páginas, Polly: vestido, DES PHEMMES. Gancho, RADÀ. Carteira Woo Yoo, LA FESTIN. Meias, NA-KD. Sapatos Rock, CASADEI.
Denise: top, saia e sapatos, tudo DEL CORE. Colar, LALALAND. Pulseiras, tudo RADÀ. Collants, PUCCI.
Denise: vestido e collants, VIVETTA. Camisa, SAINT FLEUR. Alfinete, RADÀ. Meias, NA-KD. Sapatos, CASADEI.
Na página ao lado, Polly: casaco, saia, carteira e sapatos, tudo PRADA. Balaclava, STEFANO BRUZZONE. Meias, MAISON CLOSE.
Fashion film

Nas duas páginas, Polly: camisola, saia, brincos, colar, carteira, pulseira e sapatos, tudo VERSACE. Modelos: Polly Domashych @ Select Model e Denise van den Bos @ Why Not Models. Cabelos: Alessandro Firenze. Maquilhagem: Arianna Scapola.
Denise: vestido, ALEXANDER MCQUEEN. Gorro, WARM-ME. Luvas, LALALAND. Meias, NA-KD. Sapatos, GUISEPPE ZANOTTI. Assistentes de fotografia: Rocchina Del Priore e Vanda Di Giovanni. Assistentes de styling: Erica Fierro, Simona Perfetto, Giulia Capone e Maria Luisa Memi.
Assistente de cabelos: Simone Martiradonna. Assistente de maquilhagem: Marco Roscino. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
TENDÊNCIA

IT’S A TULLE THING


Calçado inspirado em sapatilhas de pontas, saias em tule, vestidos
romantizados e penteados à la bailarina… O ballet regressou às
ruas do mundo inteiro para consumar uma declaração de femi-
nilidade descaradamente forte. Queremos uma Moda mais leve,
mais suave, mais otimista. É, pois, tempo de adotar o máximo que
nos for possível desta tendência tão cheia de graça. Por Pureza Fleming.

az mais ou menos um ano que resolvi ingressar numa escola


de dança para começar a ter aulas de ballet clássico. Trinta e
muitos anos depois, voltei a enfiar-me num maillot e a calçar
umas sapatilhas de ballet (ainda não me considero merecedora do
tutu em tule). Já andava a matutar sobre esta ideia há algum tempo,
mas foi o último espetáculo de O Lago dos Cisnes (um dos bailados
mais famosos de sempre, que creio dispensar apresentações), a
que tive o prazer de assistir, que me levou à decisão de, finalmente,
voltar às aulas de ballet. Alguém que começa a dançar aos 40 anos
não pode ter nenhuma ambição profissional. Então porquê fazê-lo,
ainda para mais tendo em conta que o ballet é uma disciplina tão
dura e tão exigente? A resposta é simples: porque esta arte, e tudo
o que a rodeia, é uma das criações humanas mais belas de que há
memória. E, tal como nos confirma a Moda dos dias de hoje, umas
das mais intemporais, superando todas as noções de belo que o
belo foi conhecendo ao longo dos tempos, passe a redundância.
Logo numa primeira impressão, não é difícil entender porque é que
a Moda e o ballet podem ter tanto em comum: a beleza e a graciosi-
dade que ambos carregam é inquestionável aos olhos de qualquer
um. Digamos que tanto o ballet quanto a Moda podem ser um caso as manequins do costume por algumas das estrelas da Royal Ballet
sério de cortar a respiração, de embasbacar quem os contempla. School — Fumi Kaneko, Katharina Nikelski, Sae Maeda ou o bailarino
Por isso mesmo têm, desde há séculos, uma conexão que lhes é de origem portuguesa e guineense, Marcelino Sambé. Ainda assim,
intrínseca. Itens essenciais como os bodies (ou maillots), as saias quando pensamos na ascensão do balletcore, é o desfile outono/
FOTOGRAFIA: DAVID SACKS / GETTY IMAGES.

em tule, as leggings, as perneiras ou as delicadas sapatilhas de ballet, inverno 2022 da Miu Miu que vem à mente. E não é de estranhar:
têm inspirado a Moda num vaivém que é simultaneamente cíclico como ficar indiferente àquelas sabrinas, inspiradas no ballet, inde-
e certo — certo que, mais dia menos dia, voltará a ser tendência. pendentemente da nossa inclinação para a modalidade? Porém, é
Considerem-se as passerelles do ano de 2022, e as referências ao mesmo Simone Rocha a grande responsável pela proliferação desta
ballet podem ser sentidas palpavelmente: os vestidos-tutu em tule tendência, tudo graças à sua sensibilidade exacerbada para o roman-
de Simone Rocha, os looks de Molly Goddard, a designer londrina que tismo, bem patente nas suas silhuetas ultrafemininas, de tom ousado
é maioritariamente conhecida pelos seus vestidos em tule ou seda; e levemente gótico. Há ainda as saias tipo tutu, cortesia da Lanvin,
ou a homenagem (bastante literal) de Michael Halpern, o criador e os vestidos volumosos e repletos de folhos, de Giambattista Valli.
que, para a primavera/verão 2022, optou por uma apresentação Até a Zara, em 2021, colaborou com o New York City Ballet para
digital, realizada no âmbito da London Fashion Week, onde trocou apresentar uma coleção que foi uma autêntica devoção ao universo

vogue.pt 225
TENDÊNCIA

da dança clássica. Além disso, é impossível ignorar o influxo de disciplina, muita, que jamais deve ser visível em palco. “O ballet

ENQUANTO OBJETO DE MODA ASSUMIDO, REMONTAM


REZA A HISTÓRIA DE QUE AS SAPATILHAS DE PONTAS,

DESIGNER CLAIRE MCCARDELL, AO NÃO ENCONTRAR


sapatilhas de ballet, que têm gerado inúmeros debates acerca do não é natural, ninguém nasce com ‘aqueles pés’, ou com ‘aquele’
regresso desta trend: seja através da hashtag #balletcore, em alta no equilíbrio e flexibilidade… Ninguém!”, nota o bailarino. “Nos nossos
TikTok, onde a Geração Z mostra como é que se interpreta esta treinos temos de mudar e moldar os nossos corpos para transfor-

À DÉCADA DE 40: TUDO ACONTECEU QUANDO A

CALÇADO QUE SE ADEQUASSE À SUA COLEÇÃO,


estética; ou então através das estrelas do American Ballet Theatre, marmos a dança em qualquer coisa fantasiosa, linda e totalmente
que têm deixado a sua marca bem vincada naquela plataforma. Seja fora do quotidiano.” David J. Amado menciona o designer Rick Owens

RESOLVEU INCORPORÁ-LAS NO SEU DESFILE.


como for, o veredito final é que não resta espaço para dúvidas: o como alguém que representa bem o universo do ballet — mesmo
ballet está mesmo a renascer para uma nova geração. que, numa primeira instância, tal nos pareça improvável: “As suas
botas plataforma dão aquela sensação de se estar mais elevado,
s primeiras manifestações de ballet aconteceram em Itá- s figurinos do ballet clássico são a verdadeira Haute Cou- no ar, o que é algo muito ballet. Muitas vezes na dança parece que
lia e remontam ao ano de 1500 — o termo “ballet” deriva ture”, sugere David J. Amado, bailarino, realizador, coreó- os pés nem tocam no chão.” Há, na Moda inspirada no ballet, um
da palavra italiana “ballare”, que significa “dançar.” Foi, grafo e professor de ballet para adultos, numa conversa romantismo e uma graça irresistíveis. Vemos alguém com umas
contudo, quando Catarina de Médici se casou com o rei Henrique com a Vogue Portugal . Nascido na Jamaica há 34 anos, recorda que sapatilhas de ballet ou com uma saia em tule e imaginamos airosas
II que os primeiros estilos de dança começaram a surgir na vida dançava desde pequeno ao som de videoclipes de Janet Jackson. e delicadas bailarinas ou, porque não, parisienses über chiques. A
da corte francesa. Tal acabou por influenciar Luís XIV de França Com 12 anos rumou a Nova Iorque onde começou a dançar ballet realidade tem-se revelado um bocadinho dura, ultimamente. E há,
que, em 1661, resolveu inaugurar a Académie Royale de Danse contemporâneo e dança moderna. “Senti que a dança clássica não nestas peças, um certo sentimento de escapismo, que é, por vezes,
(Academia Real de Dança), uma instituição artística cujo intuito era para mim, por ser homem, negro… ‘Isso é coisa de menina rica’, tudo aquilo de que precisamos nas nossas vidas — nem que seja só
era treinar dançarinos profissionais para que estes animassem pensava eu.” Facto é que o lendário coreógrafo, George Balanchine, um pequeno apontamento. l
a sua corte. Já a estreia não-oficial do ballet na Moda remonta à chegou a afirmar: “Ballet é mulher.” E, verdade seja dita, poucas
década de 1830. “A grande bailarina da era romântica das décadas formas de arte são tão decididamente femininas quanto o ballet
de 1830 e 1840, Marie Taglioni, era uma estrela tão grande na Eu- clássico. Contudo, aos 16 anos David ingressou na The Ailey School,
ropa que tecidos e espartilhos recebiam o seu nome, bem como o em Nova Iorque, onde viu outros homens, negros, a dançar clássico,
do seu mais aclamado papel, em La Sylphide”, desvendou Patricia dando então início ao seu trajeto na dança clássica. A sua mãe, que
Mears, deputy director do FIT (Fashion Institute of Technology) fazia figurinos e nutria um enorme interesse por Moda, tentou a sua
e curadora da exposição Ballerina: Fashion’s Modern Muse, numa sorte em Paris, mas em vão: “Estávamos nos anos 80, 90, alguém do
conversa com a revista W. La Sylphide é considerado, ainda hoje, terceiro mundo, e negro, não tinha muitas oportunidades na Moda,
um dos bailados mais importantes do século XIX: foi a primeira principalmente na Alta Costura.” David cresceu, assim, debaixo das
peça a ser desenvolvida e coreografada propositadamente para máquinas de costura, enquanto servia de modelo para as criações
as sapatilhas de ponta, demonstrando toda a leveza da bailarina. da mãe. Em paralelo, viu também crescer uma paixão pela Moda
Mears credita ainda os Ballets Russes, companhia de ballet fun- associada ao ballet: “Tal como na dança, eu gostava da fantasia, da
dada em Paris no início do século XX pelo russo Serge Diaghilev, beleza da Moda… E a dança clássica é Moda pura: a fantasia, a beleza,
como sendo a primeira popularização do ballet enquanto fonte o detalhe, as texturas, os tecidos, as cores…” Para David, o bailado
de inspiração para vários criadores de Moda. Os Ballets Russes mais icónico é o célebre Lago dos Cisnes, mas também refere o La Vie
ficaram conhecidos por serem uma das companhias de ballet mais en Rose ou Raimunda que, sublinha, “tem tutus bem lindos.” No ballet
influentes do século passado “graças às colaborações com copio- tudo tem a ver com a estética: “Tudo tem de ser muito lindo. Muito
sos artistas/designers proeminentes da época, entre eles a designer bonito, mesmo.” Recorda também que a dança clássica assistiu ao
Coco Chanel”, acrescenta Mears. Acredita-se que o bailado Cotillon seu boom em tempos de guerra, e não foi por acaso: “[Assistir a
Ballet (1932), de George Balanchine, o mesmo que apresentou a um bailado] era uma maneira de as pessoas se abstraírem da vida
bailarina Tamara Toumanova (1919-1996) ao mundo, tenha servido real, pois esta era muito dura, bruta, triste e assustadora, também.
de inspiração para os vestidos em tule com a assinatura Chanel E, quando criamos algo, desejamos que vá além do dia a dia, que
lançados naquela época. A produção de A Bela Adormecida, com os transporte as pessoas para outro mundo, um mundo de beleza e de
seus figurinos em azul bluebird e lilás, foi por sua vez responsável fantasia.” Considera, portanto, que o clássico está “na moda” por
por inspirar Elsa Schiaparelli a criar a sua segunda cor assinatura: estarmos, novamente, a viver num mundo duro, assustador: “Que-
o sleeping blue (azul adormecido). Reza a história de que as sapati- remos ver alguma coisa que nos leve para outro mundo, mais belo,
lhas de pontas, enquanto objeto de Moda assumido, remontam à mais seguro, um mundo mais absoluto também — porque na dança
década de 40: tudo aconteceu quando a designer Claire McCardell, clássica, no Lago dos Cisnes, por exemplo, o cisne branco é bom, o
ao não encontrar calçado que se adequasse à sua coleção, resolveu cisne negro é mau. É tudo bastante definido e absoluto, não há espaço
incorporá-las no seu desfile. O seu “fornecedor” era a Capezio, uma para confusão. No nosso mundo atual é tudo muito confuso, nada é
loja especializada em ballet que, por sugestão de Diana Vreeland, preto no branco”, conclui. À semelhança da Moda, o ballet sugere uma
acabou por produzir versões dessas sapatilhas para o comum beleza tal que raramente deixa transparecer o trabalho por detrás
mortal usar na rua. dessas obras estonteantes. Mas nem tudo são rosas. O ballet requer English version

226 vogue.pt
Sem artifícios. Um regresso aos básicos para fazer valer o lado mais puro do
guarda-roupa. Aquele casaco em lã que é tão versátil quanto quente. Aquelas cal-
ças de linhas retas que primam pela intemporalidade. As malhas que parecem de
criança mas não têm idade e os vestidos que são luvas para a silhueta feminina.
Quando o mundo parece pervertido e pecaminoso, voltar ao conforto do que
nunca é datado, do que será sempre imaculado, é trazer ao de cima uma inocên-
cia que parecia perdida à superfície, mas que é inabalável no âmago. E mais fácil
de comprovar quando nos despimos da civilização para voltar aos habitat mais
naturais e inóspitos, (quase) intocados.
Fotografia de Enric Galcerán. Styling de Beñat Yanci.

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Casaco, AMERICAN VINTAGE. Top e calças, GISELLE MATAMALA.


Casaco, AMERICAN VINTAGE. Na página ao lado: camisola, ALDO MARTINS. Cuecas de biquíni, DOLORES CORTÉS.
Nas duas páginas: vestido, FERNANDO ALBERTO ATELIER.
Casaco, EÑAULT. Calças, MAX MARA. Na página ao lado: camisola, ALDO MARTINS.
Nas duas páginas: vestido, GLITTEARS.
Casaco, AMERICAN VINTAGE. Top e calças, GISELLE MATAMALA. Na página ao lado: cachecol (usado como top), THE ARTELIER. Calças, FRED PERRY.
Top, EÑAUT. Saia, BIBIAN BLUE. Na página ao lado: balaclava, THE ARTELIER.
Casaco, EÑAULT. Lenço vintage da produção. Na página ao lado: macacão e top, CUSTO BARCELONA.
Vestido, FERNANDO ALBERTO ATELIER. Na página ao lado: colete, THE ARTELIER. Calças e mangas, JUAN VG.
Modelo: Estella Gomez @ Uno Modelo. Cabelos e maquilhagem: Susana Sanchez, com produtos Dior Beauty e Mr. Smith Haircare.
Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
COMPORTAMENTO

CAÇA ÀS BRUXAS
Equipara-se o frenesim dos tabloides às fogueiras do passado. As bruxas são subs-
tituídas pelas celebridades do presente, mas o ódio fomentado por alguns meios de
comunicação queima tão persistentemente como qualquer fogo.
Por Pedro Vasconcelos. Artwork de João Oliveira.

o século XVII, as sociedades puritanas viviam com medo Dia após dia, a história (os sucessivos fait-divers, leiam-se) repete-
das bruxas, mulheres acusadas de colaborar com o diabo -se ao ponto de se tornar demasiado frequente para ser ignorada,
para desviar a integridade moral de uma comunidade. uma conclusão que tem tanto de irritante como de frustrante.
Comandadas pela devoção religiosa, estas sociedades eram antros Uma celebridade feminina é catapultada para o estrelato: não se
de suspeita para a população feminina, que vivia sob vigilância pode ouvir rádio sem lhe escutar a voz, usar o Instagram sem
constante. Tendo em conta a gravidade do crime, o processo de lhe ver a cara, abrir uma Vogue sem a reconhecer na publicidade
acusação era surpreendentemente leviano. Falar com outras mu- de uma marca de luxo. É quando a jovem mulher atinge este pico
lheres, o número de animais de estimação, ter um sinal na pele de celebridade que surgem sussurros maliciosos. À medida que
particularmente “estranho.” Os indícios de que uma mulher era a sua glória se esmorece, esses burburinhos elevam-se, tornam-
bruxa formavam um guia de conduta impossível de seguir. Se as -se vozes fixadas em analisar todos os pequenos erros que esta
acusações eram simples, o processo de provar se estas eram ver- pessoa comete, ou cometeu, ou virá a cometer. “Quão proble-
dade era bem mais criativo. Inspirando-se em técnicas de tortura mático é este comportamento?”, “O que é que ela está a usar?”,
medieval, surgiram provas como o “teste do mergulho.” Neste, uma “O sucesso subiu-lhe à cabeça.” Se estas críticas surgem como
mulher era desprovida da sua roupa e atirada a qualquer corpo de observações isoladas, rapidamente crescem, impulsionando uma
água profundo o suficiente para a submergir. Para além do risco nova expetativa comum: a queda pública da dita figura pública.
latente de hipotermia, o propósito do teste era, em si, mortal: se Menciona-se o Instagram e comentários em redes sociais, mas
uma mulher flutuasse era bruxa, se se afogasse era porque estava o fenómeno em muito antecede qualquer noção de vídeos de
inocente. O problema aqui é óbvio: independentemente do que Youtube ou TikTok. Este padrão comportamental é observado há
acontecesse, a mulher estava condenada à morte. Se há muito que séculos em mulheres em posições de poder, e não nos referimos
abdicámos de métodos tão bárbaros para provar a inocência de uma apenas às bruxas. Leve-se a título de exemplo Catarina, a Grande,
mulher, enquanto civilização continuamos à procura de argumentos que, a despeito de toda a sua proficiência enquanto monarca, é
para vilanizar a população feminina. Pense-se nas celebridades fe- lembrada pelo grotesco rumor de que teve relações sexuais com
mininas como ilustrações do escrutínio que todas as mulheres, no um cavalo. Este boato, refutado por simples leis da física, era uma
geral, têm de tolerar. Já não se acusam bruxas, mas destronam-se das muitas formas através da qual os seus inimigos procuravam
celebridades com o mesmo fervor. atacar a sua credibilidade.
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES.

vogue.pt 247
COMPORTAMENTO

“AS CELEBRIDADES SÃO MEROS


REFLEXOS E DRAMATIZAÇÕES DO QUE
É VIVER ENQUANTO MULHER NUMA
SOCIEDADE PATRIARCAL.” Milly Williamson
ão é necessário recuar séculos para encontrar esta Lohan, Miley Cyrus, Christina Aguilera, Selena Gomez, Britney da proteção da celebridade, escolhendo ao invés fomentar a con-
história repetida de uma ou de outra forma. Aliás, Spears. Seria provavelmente mais fácil enumerar a quantidade de trovérsia para a reintroduzir no público como uma mulher sexy
se tentássemos sumarizar todos os casos em que jovens mulheres famosas que não foram forçadas a passar por este e rebelde.” Esta estratégia de marketing é executada a despeito
algo do género aconteceu com uma celebridade, bizarro ritual. da saúde mental da celebridade, em detrimento da qual passa a
não teríamos espaço suficiente. Os casos são tão Podíamos passar o resto deste artigo a descrever todas as for- fazer parte da narrativa. Assim que a investigadora disseca esta
diversos que a única relação percetível entre estas mulheres é a mas como estas celebridades foram escrutinadas pelo público, abordagem, duas palavras escapam-nos dos lábios: Britney Spears.
sua fama. Considere-se Amy Winehouse, uma das mais importan- mas a dúvida persiste: o que se encontra por detrás deste ciclo? A cantora é o expoente máximo de uma vítima deste ciclo verti-
tes cantoras de soul deste século que, independentemente do seu A nossa perplexidade é equiparável à da população puritana do ginoso de bullying. De ataques à sua inteligência a interrogações
talento, era dissecada pelos meios de comunicação devido à sua passado. Porém, ao contrário destes, apelamos à lógica em vez de à sobre a sua promiscuidade, a então jovem artista foi sujeita a um
toxicodependência. O seu caráter idiossincrático (era profundamen- providência celestial. Milly Williamson, vice-presidente de Estudos escrutínio incessante. A sua reação a esta pressão mediática não
te honesta, mesmo quando confrontada com a violência dos flashes Culturais na Universidade Goldsmiths, substitui as soluções ditas foi suficiente para a travar, foi aliás utilizada como gasolina para
dos paparazzi) fazia com que fosse amada tanto pelo público como divinas de antigamente. A investigadora, que foca a sua pesquisa o fogo da história que os tabloides vendiam. A custódia dos seus
pelos media. Mas, com o tempo, a suposta ternura foi substituída na análise dos meios de comunicação, disseca o problema de duas filhos, o regime de tutela a que estava sujeita, a perda de controlo
pelo escrutínio agressivo da sua vida privada. O seu peso, os seus formas, remontando a primeira ao nosso contexto cultural e ideo- sobre a sua própria vida, Spears tornou-se a materialização dos
relacionamentos, a sua família, qualquer tema era usado pelos ta- lógico. Como a mesma indica, “as celebridades são meros reflexos efeitos nocivos do ciclo da fama feminina. O mundo mudou e a
bloides, que procuravam formas de justificar os seus problemas, sem e dramatizações do que é viver enquanto mulher numa sociedade illiamson não nos permite esquecer a segunda razão justiça favoreceu Spears que, após duas décadas, se viu vindi-
nunca exibir qualquer réstia de empatia para com ela. Claro que não patriarcal.” A resposta, anteriormente tão quimérica, é elucidada que indicou como sendo principal perpetuadora deste cada perante o público pela primeira vez. A atenção mediática
é necessário que uma mulher exiba comportamentos preocupantes pela académica em entrevista à Vogue Portugal. “Num patriarcado, ciclo vicioso: o interesse económico. “Há mais de du- que angariou criou a expectativa de mudança, uma esperança
para ser assediada, muitas vezes os meios de comunicação tratam, uma mulher é uma impossibilidade, forçada a existir de forma zentos anos que se vendem jornais com a história das vidas pessoais de que, daqui em diante, as celebridades mulheres não serão ex-
eles próprios, de encontrar (arranjar?) os ditos problemas. Tome-se sexual, mas sancionada pela ausência de inocência”, explica. O jar- das celebridades, mas o atual modelo de negócio dos tabloides online ploradas da mesma forma. Se esta é uma perspetiva otimista do
a título de exemplo Billie Eilish, a jovem cantora que ascendeu ao gão académico pode ser intimidante, mas Williamson não permite eleva este problema.” No mundo da Internet, a fórmula para se fazer futuro, Milly Williamson categoriza-se como realista, refutando
sucesso global com dezassete anos com o álbum When We Fall Asleep, que a confusão perdure, simplificando-o através de uma analogia: dinheiro é simples: quanto mais visualizações e cliques se tem, mais a hipótese de que o caso de Britney Spears afete a geração futura
Where Do We Go?. Com um estilo alternativo, mas uma familiaridade “Considere-se o peito de uma mulher. Em termos fisiológicos este dinheiro se faz. É exatamente devido a esta equação elementar que, de artistas. “A forma como os meios de comunicação, mais uma
do pop mainstream, a cantora americana tornou-se rapidamente uma existe como forma de alimentar os seus filhos, mas, ao mesmo como indica a investigadora britânica, se “constroem histórias.” A vez, formaram uma narrativa, a inocente mulher versus o seu pai
estrela. Se a hype durou até ao lançamento do seu segundo álbum, a tempo, é sexualizado pela perceção masculina.” A metáfora reme- investigadora elabora: “Ao colocar as celebridades num pedestal perverso, ilibando-se de qualquer culpa pelo caminho, é prova
sua sorte acabou pouco após a saída deste. Um vídeo de quando a te-nos imediatamente para a estranha sexualização que mulheres para depois as derrubar, os meios de comunicação criam narrativas, suficiente de que os mesmos não estão focados em mudar a sua
cantora tinha catorze anos, onde Eilish ofende parte da população que amamentam em público têm de tolerar, acusadas de indecência verdadeiras novelas nas quais a sua audiência pode participar.” atitude predatória,” explica a investigadora britânica. Se o caso de
asiática, foi escavado dos confins da Internet e incendiou as tochas enquanto cumprem o propósito básico desta parte do seu corpo. É Designar os tabloides como os únicos perpetuadores deste sistema Britney Spears, que tão dolorosamente demonstra como a fama
de multidões enfurecidas. Logo após a sua divulgação, surgiram através deste exemplo que Williamson elabora o que acusa de estar seria reduzir a complexidade da questão ao nível das narrativas que pode arruinar a vida de uma pessoa, não é suficiente, então o que
dezenas de alegações, cada uma mais rebuscada do que a outra: na raiz do problema, a “dicotomia virgem/prostituta”. “Uma mulher os mesmos tentam vender. Os meios de comunicação são apenas será? Para Williamson a resposta é clara: “Qualquer progresso tem
de acusações de queerbaiting (o ato de se fingir que se é queer para é suposto ser inocente, modesta e virginal, mas é-lhe pedido que uma das peças deste cruel puzzle. Williamson introduz-nos outro de vir de fora da celebrity culture.” A investigadora elenca alguns
criar especulação), a “preocupações” da diferença de idade com o esteja sexualmente disponível para o prazer do homem,” explica a protagonista, as agências e os estúdios que “protegem” a imagem de dos mais recentes movimentos que alteraram a cultura moderna,
seu namorado da altura, os tabloides estavam dedicados a derrubar professora catedrática. De acordo com a mesma, é deste paradoxo uma celebridade. Segundo a académica, existem verdadeiras equipas tal como o #MeToo ou o Black Lives Matter, para justificar a sua
Billie Eilish do pedestal em que a tinham colocado. A lista de moti- que se origina todo o ódio que se vê em relação às celebridades de pessoas focadas em controlar a forma como o público pensa posição. “A celebrity culture amplifica o que se está a passar na
vos crescia de dia para dia, com alegações cada vez mais ridículas femininas. Se uma mulher famosa não revela o seu corpo não é acerca de uma pessoa famosa. Mas, como seria de esperar, não é o sociedade, é a natureza da indústria do entretenimento.” Para a
e argumentos cada vez mais fracos, levando a jovem artista a fazer interessante, afinal apenas o sexo vende, mas se decide exibir a sua altruísmo que motiva estas agências, mas sim a venda da imagem académica britânica, a solução encontra-se num esforço comum:
comunicados de imprensa semanalmente para abordar o seu mais sensualidade é promiscua e obcecada com a atenção mediática. Tal da dita celebridade, muitas vezes feita de forma independente ao “Não podemos tomar o progresso por garantido, se o clima polí-
recente “escândalo.” Mencionamos Winehouse e Eilish, mas tantos como as “bruxas” do passado, as mulheres famosas encontram-se bem-estar da mesma. “Basta pensar na maioria das mulheres que se tico mundial nos diz alguma coisa é que a mudança só acontece
outros nomes poderiam ser elencados. Ariana Grande, Lindsay condenadas ao falhanço antes de o julgamento sequer começar. tornaram celebridades quando eram crianças.” Um bom exemplo são quando a fazemos acontecer.” l
as chamadas “crianças Disney”, infames por entrarem em espirais
de descontrolo assim que atingem a maioridade. A investigadora
concretiza: “Pense-se em Miley Cyrus, uma estrela de televisão in-
fantil que, enquanto criança, não tem uma presença sexual, e que,
especialmente através de Hannah Montana, é suposto representar
este ideal de não sucumbir aos pecados da fama. Mas quando esta
entra na sua vida adulta esta narrativa é inviável para os ‘criadores’
da sua imagem, que necessitam da sua sexualidade para poderem
continuar a vender o seu nome. O que é suposto fazerem?”
Não nos deixamos enganar pela interrogação, a académica tem
English version a resposta para a sua questão: “Estas equipas de pessoas abdicam

vogue.pt 2 49
Numa produção de moda caiada de branco, é também nesta delicadeza e in-
genuidade que se traduz a ideia de inocência. No lado incólume do ser, nos
elementos naturais do planeta, na felicidade imaculada de se estar ao ar livre…
como uma flor que desponta aos primeiros raios de sol, sem condicionantes
ou preconceitos, na sua mais pura condição. Não é à toa que, no Oriente, a flor
de lótus significa pureza espiritual. No simbolismo budista, mais concretamen-
te, este espécime está relacionado com a pureza do corpo e da mente, com o
desapego aos prazeres carnais, simbolizados pela água lodosa onde flutua o
lótus, numa metáfora sobre a busca de luz e elevação do espírito. Que é mais ou
menos o que sentimos quando folheamos este editorial onde a tela em branco
é o ponto de partida e o ponto de chegada.
Fotografia de Clover Green. Styling de Annie Hertikova.

English version

Molly: vestido (por cima), JIL SANDER. Vestido (por baixo), TALIA BYRE. Calças, JOSEPH. Botas, SPORTMAX.
Molly: top (por cima), MAX MARA. Top (por baixo), MOLLY GODDARD. Cachecol, KHAITE. Na página ao lado, Saliou: top, JIL SANDER. Calças, S.S.DALEY.
Saliou: colete, PRADA. Camisola, FENDI. Kilt e cinto, DANIEL W. FLETCHER. Calças, S.S.DALEY.
Balaclava, RUSLAN BAGISNSKIY, em MYTHERESA.COM. Sapatos, LEMAIRE.
Molly: casaco, COPERNI, em MYTHERESA.COM. Camisa, RAQUETTE.
Na página ao lado, Saliou: casaco, STEFAN COOKE. Camisa, DIOR HOMME. Calças e sapatos, LEMAIRE.
Carteira Goji, JIL SANDER. Na página ao lado, Saliou: camisa, SIMONE ROCHA.
Saia, STEFAN COOKE. Calções, DANIEL W. FLETCHER.
Saliou: casaco e camisa, CRAIG GREEN. Na página ao lado, Molly: casaco, COPERNI, em MYTHERESA.COM.
Camisa, RAQUETTE. Casaco (usado na cintura), A.W.A.K.E. MODE. Saia, REJINA PYO. Botas, SPORTMAX.
Modelos: Molly Merland @ The Hive Management e Diagne Saliou @ Next Management. Cabelos: Anastasia Gryniuka.
Maquilhagem: Claire Urquhart. Produção: Clover Green, Hanna Rouge e Tom Durston. Retouch: Hanna Rouge.
Assistente de styling: Frankie Chartsuwan e Charlie Torode. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.

Fashion film
A dupla de protagonistas – e o enredo – do filme checoslovaco Daisies (1966) ser-
ve de rastilho para um editorial de moda que é uma ode à contra-corrente. Neste
caso, corre contra o crescer à força, as normas vigentes, a perda da inocência, o
abrir mão do child’s play. Na película assinada por Věra Chytilová, as personagens
Marie (Jitka Cerhová) e Marie (Ivana Karbanová) são o duo responsável por uma
série de partidas estranhas, numa clara afirmação e defesa do divertimento em
detrimento de uma vida condicionada por regras. Nesta espécie de sátira de uma
burguesia decadente, que se tornou uma bandeira do movimento New Wave
checoslovaco, a longa-metragem é considerada uma crítica ao autoritarismo,
comunismo e patriarcado. As páginas que se seguem, por sua vez, só advogam
uma coisa: a obediência total à (liberdade) da idade da inocência.
Fotografia de Koto Bolofo. Styling de Aline De Beauclaire.

English version

Flo: vestido, SCHIAPARELLI. Sapatos, SHANG XIA.


Jessica: vestido, CEM CINAR. Saia, CHANEL. Flo: vestido, SINI SAAVALA.
Flo: vestido e headpiece, ALEXIS MABILLE ALTA-COSTURA.
Na página ao lado, Jessica: top, LARUICCI. Cuecas, FIFI CHACHNIL. Headpiece, LILY GRIFFITHS. Sapatos, AREA.
Nas duas páginas, Flo: vestido, LOEWE. Máscara, CARINA SHOSHTARY.
Jessica: top, ELIE SAAB. Soutien e cuecas, FIFI CHACHNIL. Sapatos, MELISSA X UNDERCOVER. Flo: vestido, macacão, soutien e anéis, tudo BURBERRY.
Sapatos, SINI SAAVALA X LEMARIÉ X HANNE JURMU. Na página ao lado, Flo: capa, soutien e calções, tudo CHRISTIAN DIOR. Sapatos, IINDACO.
Jessica: vestido, FENDI. Calças, LARUICCI. Colar, LILY GRIFFITHS. Sapatos, MELISSA X UNDERCOVER.
Na página ao lado, Flo: top e saia, JEAN PAUL GAULTIER BY OLIVIER ROUSTEING ALTA-COSTURA. Sapatos, CHANEL.
Jessica: anéis, BURBERRY. Na página ao lado, Jessica: vestido e sapatos, PRADA. Headpiece, LILY GRIFFITHS.
Jessica: bodysuit, BURBERRY. Soutien e cuecas, FIFI CHACHNIL. Sapatos, SINI SAAVALA X LEMARIÉ X HANNE JURMU.
Na página ao lado, Flo: vestido, macacão, soutien e anéis, tudo BURBERRY. Sapatos, SINI SAAVALA X LEMARIÉ X HANNE JURMU.
Jessica: top, ELIE SAAB. Soutien e cuecas, FIFI CHACHNIL. Sapatos, MELISSA X UNDERCOVER.
Fashion film

Flo: chapéu, BONFILIO HATS. Na página ao lado, Flo: top e saia, ALAIA. Chapéu, BONFILIO HATS.
Fotografia: Koto Bolofo @ Art Sphere. Modelos: Flo Fleming @ Elite e Jessica Luostarinen @ Brand Model Management.
Cabelos: Cyril Laloue @ Wise & Talented com produtos Christophe Robin. Maquilhagem: Maria Olsson @ Wise & Talented com produtos Charlotte Tilbury.
Set design: Alison Reid. Artwork: Jessica Luostarinen. Casting: Lylia Bokele @ Ikki Casting. Digital operator: Daniele Sedda.
Assistentes de fotografia: Mathieu Boutang e Hugo van Manen. Assistente de styling: Yousra Boutejdir. Assistente de set design: Clémence Althabegoïty.
Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
TO BE CONTINUED

KIDCORE: UMA ESTRANHA ODE À LIBERDADE IF YOU LIKED IT


PRE-ORDER
O fenómeno do kidcore ainda causa alguma estranheza, e é natural que assim
seja. Afinal, ver adultos vestidos de forma infantil levanta inúmeras questões,
especialmente para adeptos das explicações da psicologia. Contudo, acabou por
se tornar uma tendência e invadiu as lojas, o feed do Instagram e, para surpresa

THE NEXT ISSUE


de muitos, os nossos próprios armários. Freud teria muito a dizer sobre isto…

FOTOGRAFIA: ISTOCK. ARTWORK: MIGUEL CANHOTO.

Saiba mais sobre esta tendência em Vogue.pt. Y O U C A N B U Y H E R E V O G U E . P T/ S H O P

280 vogue.pt S E G O S T O U P O D E FA Z E R A P R É - E N C O M E N D A D A P R Ó X I M A E D I Ç Ã O D A V O G U E P O R T U G A L

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