Você está na página 1de 198

P UBLI C ADA E M M ARÇO D E 2 0 2 0

A R T
I S
N O T
A
P R E T T Y
I M A G E
P UBLI C ADA E M M ARÇO D E 2 0 2 0

A R T
I S
N O T
A
P R E T T Y
I M A G E
P UBLI C ADA E M M ARÇO D E 2 0 2 0

A R T
I S
N O T
A
P R E T T Y
I M A G E
P UBLI C ADA E M M ARÇO D E 2 0 2 0

A R T
I S
N O T
A
P R E T T Y
I M A G E
louisvuitton.com
TODS.COM Tod’s Boutique Lisboa - Avenida da Liberdade, 196 - Tel 919 508 520 • Tod’s Boutique Porto - Avenida dos Aliados, 107 - Tel 913 520 247
SHARED MOMENTS*
IUCATÃO, MÉXICO

*Momentos compartilhados

DESCUBRA A HISTÓRIA DE PRIMAVERA-VERÃO ’20


EM MANGO.COM
ASCOISASPELONOME.PT
EDITORIAL

“I think everything in life is art. What you do. How you dress.
The way you love someone, and how you talk. Your smile and
your personality. What you believe in, and all your dreams. The
way you drink your tea. How you decorate your home. Or party.
Your grocery list. The food you make. How your writing looks.
And the way you feel. Life is art.” Helena Bonham Carter

e a vida é arte, todos somos artistas. Apesar da riqueza de imagens e da diversidade artística patentes ao longo da edição,
a capa espelha uma imagem simples e minimal, clara na mensagem. Uma imagem,
Talvez toda esta "viagem" não seja so- quatro capas diferentes, na quadricomia CMYK (Cian, Magenta, Yellow e Black) a
bre nos tornarmos grandes pintores, base cromática das Artes Gráficas e da própria Pintura que, junto com a cor branca,
escritores ou designers. Talvez se trate permitem a criação quase ilimitada de tons, tão ilimitada quanto a nossa imaginação.
Assim é a Arte. Assim é uma revista, que a cada edição começa sempre como uma tela
de encontramos uma ferramenta, algo em branco. A modelo Ola Rudnicka, fotografada por Guillhaume Roemaet, faz parte
que dê um sentido ao lado mais sombrio da de um dos shootings de Alta Costura, realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
vida, algo que possamos lançar de volta ao
universo de forma a sentirmos que impor-
tamos, que fazemos alguma diferença. Mas,
no final, talvez seja apenas sobre estar vivo,
sobre realmente ousar viver – não apenas para passar o nosso tempo E é inevitável um sentimento de orgulho ao ver Portugal citado como
aqui, mas para o cantar, pintar, dançar ou escrever, para o transfor- referência ou fonte – na abertura de um noticiário em prime time na
mar na nossa própria obra-prima. Criar move-nos. Ninguém que crie RTL ou em grande parte dos late light shows nos Estados Unidos, em
pode permanecer estagnado. E um dia de cada vez, dos pequenos aos jornais, revistas e centenas de sites de todo o mundo, ou até pelas
grandes gestos, a Arte pode invadir a nossa vida, de formas mágicas, imensas partilhas nas redes sociais de fotos de leitores com a revista
que tanto nos fazem atravessar os campos de batalha mais contur- nas mãos, nos quatro cantos do mundo. A quantidade crescente de
bados como servem de porto de abrigo, onde podemos descansar. mensagens, que nos chegam dos mais variados países, a perguntar
Enquanto esta edição da Vogue Portugal se centra no tema Arte, como podem ter acesso à Vogue Portugal, levaram-nos a criar a
cada uma das outras edições, e os seus respectivos temas, são sem- nossa Vogue Store [vogue.pt/store], onde agora todas as edições em
pre pensadas, tratadas e desenhadas com um fio condutor, maior do banca, números anteriores e edições limitadas, podem ser pedidas
que o próprio tema – a arte e a criatividade de todos os que fazem e entregues em qualquer ponto do planeta, à distância de um clique.
parte de cada número. Da fotografia ao styling, do design à escrita, da Perceber que uma revista, escrita em português, ultrapassa tantas
maquilhagem à ilustração, da direcção criativa à forma como é vista, das fronteiras que seriam previsíveis faz-me ter a certeza de que o
e lida, existe um elo comum – a necessidade de criatividade, de uma caminho e a linguagem artística são universais, que o poder das capas
linguagem artística nas nossas vidas, que ultrapasse as fronteiras e das imagens criadas, por todos os talentos, jovens e consagrados,
linguísticas, geográficas e culturais, é tão universal como as emoções envolvidos em cada edição, são a ponte. Que a arte e a criatividade são
que nos definem como seres humanos. embaixadoras de Portugal, as verdadeiras influencers num planeta que
Quando a LightHouse relançou a Vogue Portugal, há exactamente precisa de muito mais do que imagens bonitas vazias de conteúdo.
30 edições, o grande desafio, a responsabilidade maior, foi estar à Porque a Arte nem sempre é sobre coisas bonitas, ou só uma imagem
altura destas duas palavras: Vogue e Portugal. E torná-las numa só, fiel bonita. É sobre quem somos, sobre o que nos acontece, sobre a forma
a si mesma e ao ADN de cada uma. A herança de um título histórico e como as nossas vidas são afetadas. A vida é experiência e a Arte é a
internacional como a Vogue não se poderia limitar a ser uma revista expressão dessa experiência.
local. Esta Vogue, feita em Portugal, por uma equipa portuguesa, tem
essa responsabilidade acrescida. E tem também um imenso orgulho P.S. E porque a riqueza e a criatividade das palavras também não
no talento nacional e internacional que fazem dela muito mais do que merecem fronteiras, a partir de agora, e já ao longo desta edição, vai
uma revista mensal, mas sim uma plataforma artística e intemporal, encontrar vários artigos com QR Code, assinalados com "English
nos dois sentidos que mais sentido fazem: mostrar ao mundo o que version" para que a maioria dos textos possam ser lidos por grande
de melhor se faz em Portugal e o que de melhor se faz no mundo, parte da nossa audiência que não consegue ler em Português. Ainda. ●
em Portugal. Menos de dois meses após esse relançamento, a Vogue
Portugal começou a afirmar-se internacionalmente, com uma grande
circulação no Brasil, a esgotar em Londres, Paris, Milão, a conquistar Sofia Lucas
assinantes em toda a parte do mundo, Espanha, Alemanha, Russia, Diretora da Vogue
China, Japão, Austrália, Estados Unidos.
Capas, produções de moda, reportagens e entrevistas feitas pela
Vogue Portugal são destaque nos media internacionais, mês após mês.
English version
KENDALL JENNER

Março
2020

LIFESTYLE
1 0 2 Roteiro. O que ouvir,
onde comer, o que fazer.
1 0 8 High heels allowed.
Solas há muitas, mas vermelhas
só as de Christian Louboutin.
Visita guiada à exposição que
o mestre inaugurou em Paris.
2 4 Editorial 1 1 4 Ctrl-X, ctrl-V. Lola,
3 0 Ficha Técnica Lola Dupré. A mulher que
transforma a vida em collages.
3 2 Backstage
1 2 6 Who runs the (art) world?
1 5 6 E-shop
A História da Arte tem
3 8 4 To be continued ignorado as mulheres, mas nós
não vamos deixar que

IN VOGUE
isso continue a acontecer.
1 3 0 Arte e facto. Este programa
de mecenato garante que
3 6 Tendências. Rocócó em nenhum talento fica longe
vestidos compridos? Cubismo em das luzes da ribalta.
casacos estruturados? Bauhaus
1 3 4 Artes em partes. Chama-se
em carteiras geométricas?
Melides Art, mas também
Diz que sim, que esta
se poderia chamar microcosmos
primavera se usa tudo isso.
de produção artística.
4 6 Shopping. As semelhanças 1 4 6 Guggenhome. Não é só
entre esta lista de compras
o Musée d’Orsay que pode ter
e alguns dos mais relevantes
obras de Monet. A sua casa
movimentos artísticos
também pode. Quando se cansar
não é pura coincidência.
delas, substitua por um
5 6 Fashion, meet Art. Salvador Dalí ou um Picasso.
Este texto é para todos os que
1 5 2 Em Prata que é uma Arte.
ainda pensam que a Moda não
Poema em prosa à arte de
é Arte, e que a Arte não é Moda.
empratar. Por Nuno Miguel Dias.
6 2 Backstage. Tudo o que

256
está por detrás da inspiração
de um génio criativo está nestes 8 4 Tela em branco. É a junção
still lifes - em forma de acessórios de todos os outros tons.
que queremos ter. A cor da luz. O branco
7 2 Para além da tela. é a razão de ser destas páginas.
Alguns artistas têm armários 8 6 Chiuri & Chicago: a
tão ou melhores que as suas conversation. Duas feministas
obras. Como estes. convictas, um desfile
7 6 O contador de histórias. de Alta-Costura. A arte
Fabien Baron, “o diretor criativo é quem mais ordena.
mais procurado do mundo”, 9 0 A Academia da Musa.
em discurso direto. A obra não vive sem um criador.
8 0 De cor e salteado. O criador não vive sem a obra.
Lamentavelmente, nem toda a Mas nenhum deles vive
gente sabe o que é um vermelho- sem inspiração. Fotografia
Valentino ou um azul-Tiffany. de Brendan Freeman.
Aqui está a solução. Styling de Kat Ambroziak.

LISBOA | PORTO
LONGCHAMP.COM
Março
2020

BELEZA
1 6 8 Ginástica artística.
Limpem-se os pincéis,
porque a nova estação traz
uma série de looks que vamos querer
experimentar.
1 7 4 Quando vier a primavera. 2 7 0 Alexandre, o Grande. Para
Pele sedosa, cores memoráveis, Alexandre de Betak, “o Fellini
mãos cuidadas, flores frescas. dos desfiles”, impossible is nothing.
As texturas e os cheiros 2 7 6 Art-Couture. É a expressão
que importa conhecer. máxima da Moda enquanto Arte.
Fotografia de Pedro Ferreira. A Alta-Costura passou por aqui.
1 7 6 Going once, going twice. Fotografia e direção criativa
E se lhe disséssemos que usar de Guillaume Roemaet.
um só perfume de cada vez Styling de Joana Dacheville.
é completamente démodé? 2 9 2 The Bolton effect. Poucas
1 7 8 Arte Nova. Os quadros, agora, pessoas sabem tanto de Moda,
também se usam nos olhos. E na e de Arte, e da combinação
boca. E nos lábios. Fotografia de das duas, como Andrew Bolton.
Maddalena Arcelloni. Styling de 2 9 8 Formas de Expressão.
Veronica Bergamini. Se não encontrar traços de Calder
1 8 8 Inspiração divina. e Kandinsky nestas páginas...
Se o título makeup artist cola bem volte atrás. Fotografia de The
com alguém, essa pessoa é Jo Baker. Bardos. Styling de Gaelle Bon.
1 9 2 Estado da Arte. Cada semana 3 1 6 Monumental Paula Rego.
é lançada uma nova marca de Provavelmente, a maior
maquilhagem. Esta, por seu lado, artista portuguesa ainda viva.
demorou anos a ser pensada. 3 2 2 Arts & Crafts. A arte é
1 9 6 Ask na Expert. À sua volta como o amor, está em todo o lado.
pululam tantos mitos como os fios

VOGUE
Basta olhar. Direção criativa
que tem. O cabelo com coloração, de Michelle Landazuri.
segundo quem sabe tratar dele. Fotografia de Jaime Pavon.
1 9 8 Seleção natural. A arte 2 1 0 Quando a vida imita Styling de Manuela Montenegro.
de fazer crescer e multiplicar a arte... Ou será que 3 3 6 Surrealismo poético. Se o
pestanas e sobrancelhas. é ao contrário? ilustrador polaco Rafal Olbinski
2 0 0 Pintado de fresco. Três talentos Fotografia de Hilde van Mas. fosse Moda, seria isto. Fotografia
emergentes da maquilhagem cujo Styling de Thomas Reinberger. e direção criativa de Alessandro
trabalho respira #makeupgoals. 2 2 8 The Art of Fashion. Esposito. Styling de Pablo Patanè.
2 0 3 Test drive. Porque também É a pergunta de um milhão 3 5 8 Couture Renaissance.
arranjamos desculpas para ir de dólares. Qual pergunta? A Alta-Costura (não) está morta.
ao ginásio, fomos experimentar Vai ter de ler este texto. Viva a Alta-Costura.
novas formas de ficar em forma. 2 3 2 Blue is the warmest colour. 3 6 2 Fashion(art)ista.
2 0 4 Lado B. O ideal de corpo Se fosse possível replicar a obra Se estas imagens não forem Arte,
feminino mudou tantas vezes de Helena Almeida (e não é) então não sabemos o que isso é.
ao longo dos tempos, que esta seria a produção a fazê-lo. Fotografia de Branislav Simoncik.
fizemos uma revisão da matéria. Fotografia de Ricardo Santos. Styling de Lisa Jarvis.
2 5 0 Crítica Desconstrutiva da
Crítica de Arte. Leitores cheios
de opiniões sobre tudo e alguma
coisa, nomeadamente Arte:
uni-vos! Por Nuno Miguel Dias.
2 5 6 No limiar do (in)consciente.
Ou outra forma de dizer: a Arte
é o que vemos nela. Fotografia

362 de Roberto Greco. Realização


de Laurent Dombrowicz.
ELISABETTAFRANCHI.COM
SOFIA LUCAS Diretora PUBLISHED BY CONDÉ NAST
Moda
Ana Caracol EDITORA DE ACESSÓRIOS Chief Executive Officer Roger Lynch
Larissa Marinho ASSISTENTE DE MODA Chief Operating Officer & President, International Wolfgang Blau

WWW.JUSTFASHION.PT - GENERAL@JUSTFASHION.PT
Eduarda Pedro ASSISTENTE DE MODA Global Chief Revenue Officer & President, U.S. Revenue Pamela Drucker Mann
Beatriz Mafra e Bárbara Nunes ESTAGIÁRIAS DE MODA U.S. Artistic Director and Global Content Advisor Anna Wintour
Redação Chief of Staff Samantha Morgan
Ana Murcho CHEFE DE REDAÇÃO Chief Data Officer Karthic Bala
Mónica Bozinoski JORNALISTA Chief Client Officer Jamie Jouning
Joana Moreira EDITORA DE BELEZA
Alda Couto REVISÃO DE TEXTO
Érica Cunha e Alves TRADUÇÃO CONDÉ NAST ENTERTAINMENT
Paula Bento ASSISTENTE DE REDAÇÃO President Oren Katzeff
paula.bento@gq.light-house.pt Executive Vice President–Alternative Programming Joe LaBracio
Arte Executive Vice President–CNÉ Studios Al Edgington
João Oliveira DIRETOR DE ARTE Executive Vice President–General Manager of Operations Kathryn Friedrich
Mariana Matos DESIGNER
Nuno da Costa ILUSTRAÇÕES
CHAIRMAN OF THE BOARD
Fotografia e Vídeo Jonathan Newhouse
Branislav Simoncik DIRETOR DE FOTOGRAFIA
Ismael de Jesus DIRETOR DE VÍDEO
WORLDWIDE EDITIONS
Catarina Almeida e Eduardo Gonçalves EDIÇÃO DE VÍDEO
France: AD, AD Collector, Glamour, GQ, Vanity Fair, Vogue,
Produção de Moda Vogue Collections, Vogue Hommes

PORTO – RUA PEDRO HOMEM DE MELO, 264


Helena Silva SNOWBERRY PRODUCTION Germany: AD, Glamour, GQ, GQ Style, Vogue
Online India: AD, Condé Nast Traveller, GQ, Vogue
Rui Matos JORNALISTA – rui.matos@vogue.light-house.pt Italy: AD, Condé Nast Traveller, Experienceis, Glamour, GQ,
Mathilde Misciagna JORNALISTA – mathilde.misciagna@light-house.pt La Cucina Italiana, Vanity Fair, Vogue, Wired
Ana Catarina Machado ESTAGIÁRIA Japan: GQ, Rumor Me, Vogue, Vogue Girl, Vogue Wedding, Wired
Colaboradores Mexico and Latin America: AD Mexico, Glamour Mexico, GQ Mexico and
Alessandro Esposito, Brendan Freeman, Gaelle Bon, Guillaume Roemaet, Hilde van Mas, Latin America, Vogue Mexico and Latin America Spain: AD, Condé Nast
Jaime Pavon, Joana Dacheville, Kat Ambroziak, Laurent Dombrowicz, Lisa Jarvis, College Spain, Condé Nast Traveler, Glamour, GQ, Vanity Fair, Vogue,
Maddalena Arcelloni, Manuela Montenegro, Michelle Landazuri, Nuno Miguel Dias, Pablo Patanè, Vogue Niños, Vogue Novias Taiwan: GQ, Interculture, Vogue
Pedro Ferreira, Ricardo Santos, Roberto Greco, The Bardos, Thomas Reinberger, Veronica Bergamini. United Kingdom: London: HQ, Condé Nast College of Fashion
Publicidade & Marketing and Design, Vogue Business; Britain: Condé Nast Johansens,
Ana Melo e Castro COMMERCIAL & MARKETING DIRECTOR AT LARGE anamcastro@vogue.light-house.pt Condé Nast Traveller, Glamour, GQ, GQ Style, House & Garden,
Laura Sena ADVERTISEMENT SENIOR ACCOUNT – laura.sena@vogue.light-house.pt LOVE, Tatler, The World of Interiors, Vanity Fair, Vogue, Wired
Sofia Amaral Coelho DIGITAL & SPECIAL PROJECTS – sofia.coelho@gq.light-house.pt United States: Allure, Architectural Digest, Ars Technica, basically,
ITALIAN OFFICE: MIA srl Bon Appétit, Clever, Condé Nast Traveler, epicurious, Glamour,
GQ, GQ Style, healthyish, HIVE, Pitchfork, Self, Teen Vogue, them.,

LISBON – AVENIDA DA LIBERDADE, 38 GALERIA DIREITA


Publicist
The New Yorker, The Scene, Vanity Fair, Vogue, Wired
João Belo joao.belo@gq.light-house.pt
Assinaturas
PUBLISHED UNDER JOINT VENTURE
assinaturas@light-house.pt • Tel. 218 294 102
Brazil: Casa Vogue, Glamour, GQ, Vogue
Impressão Russia: AD, Glamour, Glamour Style Book, GQ, GQ Style, Tatler, Vogue
LIDERGRAF SUSTAINABLE PRINTING
Rua do Galhano, 15, 4480-089 Vila do Conde
lidergraf@lidergraf.pt • Tel. 252 103 300 PUBLISHED UNDER LICENSE OR COPYRIGHT COOPERATION
A Vogue Portugal é impressa em papel com origem em florestas Australia: GQ, Vogue, Vogue Living
com gestão florestal sustentável e fontes controladas. Bulgaria: Glamour
China: AD, Condé Nast Center of Fashion & Design,
Distribuição
VASP – Soc. de Transportes e Distribuição, Lda. Condé Nast Traveler, GQ, GQ Style, Vogue, Vogue Film, Vogue Me
MLP: Media Logistics Park – Quinta do Grajal Czech Republic and Slovakia: La Cucina Italiana, Vogue
Venda Seca – 2739-511 Agualva-Cacém Germany: GQ Bar Berlin
Email: geral@vasp.pt Greece: Vogue
Distribuição de assinaturas Hong Kong: Vogue
LIDERGRAF SUSTAINABLE PRINTING Hungary: Glamour
Iceland: Glamour
Korea: Allure, GQ, Vogue
LIGHT HOUSE – EDITORA, LDA. Middle East: AD, Condé Nast Traveller, GQ, Vogue,
Administração JOSÉ SANTANA, SOFIA LUCAS Vogue Café Riyadh, Wired
Conselho Editorial BRANISLAV SIMONCIK, JAN KRALICEK, JOSÉ SANTANA, SOFIA LUCAS Poland: Glamour, Vogue
Detentores do Capital JOSÉ SANTANA (25%); SOFIA LUCAS (25%); JAN KRALICEK (12,5%); Portugal: GQ, Vogue, Vogue Café Porto
BRANISLAV SIMONCIK (12,5%); PURE LISBON HOSPITALITY, LDA. (25%) Romania: Glamour
Diretor de Estratégia Criativa JOSÉ SANTANA Russia: Tatler Club, Vogue Café Moscow
Diretora de Novos Projetos SARA ANDRADE sara.andrade@light-house.pt Serbia: La Cucina Italiana
Commercial & Marketing Director At Large ANA MELO E CASTRO anamcastro@vogue.light-house.pt South Africa: Glamour, Glamour Hair, GQ, GQ Style,
Departamento Financeiro PATRÍCIA PÃO DURO patricia.paoduro@light-house.pt House & Garden, House & Garden Gourmet
Informática PEDRO CARGALEIRO – Micropastilha Thailand: GQ, Vogue
The Netherlands: Glamour, Vogue, Vogue Living,
Sede: Redação, Publicidade Rua Rodrigues Sampaio, 18, 2.º, 1150-280 Lisboa – geral@vogue.light-house.pt
Sede Editor Rua Rodrigues Sampaio, 18, 2.º, 1150-280 Lisboa – geral@vogue.light-house.pt Vogue Man, Vogue The Book
Turkey: GQ, La Cucina Italiana, Vogue
A Vogue Portugal é publicada com o license agreement Ukraine: Vogue, Vogue Café Kiev
da Condé Nast International, Ltd. – Advance Magazine Publisher Inc. por:
Propriedade/Editora Light House – Editora, Lda. Condé Nast is a global media company producing
Capital Social € 100.000 • C.R.C. 513 529 977 • Contribuinte 513 529 977 premium content with a footprint of more than 1 billion
Depósito Legal 185.525/02 • E.R.C. nº 124.106 • Tiragem Média 40.000 exemplares consumers in 31 markets. condenast.com

A Vogue Portugal é uma revista mensal, independente e livre, direcionada para o público feminino, também
com uma plataforma online. A Vogue Portugal foca-se em Moda, mas aborda temas de interesse transversal,
como Beleza, Cultura e Lifestyle, mantendo uma forte aposta no jornalismo de investigação. A Vogue
Portugal compromete-se a apoiar editorialmente a moda e a cultura portuguesa. A Vogue Portugal nunca se
deixará condicionar por interesses partidários e económicos ou por qualquer lógica de grupo, assumindo
responsabilidade apenas perante os seus leitores. A Vogue Portugal coloca a liberdade no centro das suas
preocupações e acredita que pode desempenhar um papel importante ao nível da sensibilização social,
promovendo uma sociedade mais informada e igualitária. A Vogue Portugal privilegia um design atrativo,
revelando um cuidado com a imagem e o grafismo que deverão contribuir para o equilíbrio do título.
A Vogue Portugal dirige-se a um público de todos os meios sociais e de todas as profissões.
A Vogue Portugal estará sempre atenta à inovação, privilegiando as redes sociais
e os formatos digitais, e promovendo a interação com os seus leitores.
A Vogue Portugal assegura o respeito pelos princípios deontológicos
e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa fé dos leitores.
BACKSTAGE
Behind the scenes,
de Blue is the Warmest
Colour, um dos editoriais
de Moda publicados

Corrida de São Silvestre


e que é um tributo à
incontornável Helena
Almeida, p. 232.
Trabalhar numa edição da Vogue é como uma
maratona: temos de organizar o conteúdo para
garantir que chegamos ao final com a qualidade que
defendemos e dentro do nosso melhor tempo. Mas
nem sempre a corrida é feita sem algumas pedras no
caminho e há, por vezes, percalços que vêm por bem.
Como este mês, em que um editorial de 20 páginas
acabou por não entrar no line-up final, mesmo em
cima de fechar a edição, abrindo espaço para outros
editoriais que enriqueceram uma secção já de si rica
para admirar com vagar a partir da página 210.

Efeitos colaterais
O coronavírus também afetou o mês da Vogue, que viu inúmeras viagens e projetos cancelados
à conta do COVID-19. Nenhum elemento da equipa se viu afetado pela epidemia, mas ficou
impedido de aceder a diversas apresentações por precaução. Aproveitámos para aprimorar um
número de arte que se publica em março e fica para sempre. A começar em 3… 2… 1…

Sabia que…
…o quadro que mais vezes foi roubado é o Retábulo de Gante, um
políptico composto por 12 painéis criado por Hubert van Eyck e,

ALDOSHOES.PT
diz-se, executado pelo seu irmão mais novo, Jan van Eyck? A peça
foi roubada, no seu todo ou em partes, num total de 13 crimes ao
longo dos seus seis séculos de existência e o painel Os Juízes Justos,
agora exposto como cópia, está em parte incerta desde 1934.
…Salvator Mundi, de Leonardo da
Vinci, é o quadro mais caro alguma No sentido dos ponteiros
vez, até agora? Qualquer coisa do relógio: escultura
Dressed Head, retrato
como 450 milhões de dólares foi
da Rainha Isabel II, por
o que custou a Badr bin Abdullah Arnold Machin, 1967.
Al Saud, Ministro da Cultura da Obra Salvator Mundi,
de Leonardo da Vinci,
Arábia Saudita, em 2017, quando o circa 1499. O Retábulo
comprou num leilão da Christie’s. de Gante, por Hubrert e
…a obra mais reproduzida de todos Jan van Eyck, na St Bavo
Cathedral em Gante, 1829.
os tempos não é a Mona Lisa? De
acordo com o site Artsy, nem todas
as t-shirts, canecas e posters do FOTOGRAFIA: HERITAGE IMAGES / JACK TAYLOR / GETTY IMAGES; D.R.
mundo batem as 220 mil milhões
de cópias em selos do perfil da
Rainha Isabel II. Criado pelo
escultor britânico Arnold Machin,
há mais de 50 anos, para ser
adotado pelos Correios Ingleses.

3 2 vogue.pt
IN
VOGUE FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES.

TENDÊNCIAS
SHOPPING
COMPORTAMENTO Câmara escura: vestido em seda estampada da coleção SS20, Moschino.
INVOGUE TENDÊNCIAS

Rocócó
Folhos, armações, laços, flores, brocados, rendas, cetins, acessórios, arabescos, flores, fruta…
respira. Ou não respira, graças aos corsets. É usado tudo ao mesmo tempo, querem-se em tons pasteis
e na mais perfeita harmonia. É assim o estilo Rococó, um desdobramento do barroco,
numa vertente mais lúdica e prazerosa, com mais luz. Este verão, a moda revisita a aristocracia
do período de Luís XIV, com ancas largas desconstruídas, tops a substituir corpetes e mini bolsas
em materiais tecnológicos. Nobreza, luxo, formas curvas e elementos decorativos, conchas,
sensualidade discreta, festas ao ar livre – isto é verão, século XVIII e XIX ou não.

1. Quadro Archduchess Marie Antoinette Queen of France, 1778.


2. Carteira em malha de seda, € 900, The Row, em Net-a-porter.com.
3. Vestido em seda selvagem, € 4.950, Rosie Assoulin, em Modaoperandi.com.
4. Vestido em algodão, € 1.890, Marni, em Farfetch.com.
5. Cinto em pele e renda de algodão, € 850, Loewe, em Mytheresa.com.
6. Sapatos em pele e cetim de seda com cristais, € 595, Rochas.
7. Chapéu em seda e rede de nylon, Merve Bayindir.

REALIZAÇÃO: ANA CARACOL E LARISSA MARINHO ASSISTIDAS POR EDUARDA PEDRO. FOTOGRAFIA: FINE ART IMAGES/HERITAGE IMAGES/GETTY IMAGES; IMAXTREE; D.R.
LOEWE

THOM BROWNE
ANDREAS KRONTHALER FOR
VIVIENNE WESTWOOD

5
DINO ALVES

FOTOGRAFIA: D.R.
RICK OWENS

2 3 4 6 7

3 6 vogue.pt vogue.pt 3 7
INVOGUE TENDÊNCIAS

Impressionismo
Deixemos o realismo e a representação neutra e desapaixonada para trás, deixemos os seus
preconceitos e o apontar o dedo ao academismo. O impressionismo veio trazer humanidade, emoção e
experimentação aos artistas e é com base nesta filosofia que a Moda se rege. Esta estação, os designers
uniram-se à chamada Belle Époque e trouxeram-na para as passerelles. O resultado deste impressionismo no
século XXI foi impressionante: peças estampadas com a perceção de luz e do movimento das pinceladas
soltas do pintor, paisagens e elementos da natureza, looks totais em tons naturais, o privilégio da cor em
detrimento das formas, a representação da impressão visual da realidade. Christopher Kane, Jacquemus,
Burberry e outros mais, vieram reavivar-nos a memória ao fazerem-nos recordar a obra que
deu expressão e vida ao impressionismo – Impressão: Nascer do Sol (1872), de Claude Monet.

RICHARD QUINN
1. Quadro Bridge Over a Pond of Water Lilies, Claude Monet, 1899.
2. Sandálias em pele e algodão, € 480, No 21.
3. Vestido em cetim de seda, € 2.490, Balenciaga.
4. Carteira em pele e seda, € 550, Dries Van Noten.
5. Saia em jacquard de algodão, € 590, Marni.
6. Trench coat em algodão, € 2.200, Acne Studios.

REALIZAÇÃO: ANA CARACOL ASSISTIDA POR EDUARDA PEDRO E LARISSA MARINHO. FOTOGRAFIA: UNIVERSAL IMAGES GROUP/ GETTY IMAGES; IMAXTREE; D.R.
JACQUEMUS
CHRISTOPHER KANE

1
FOTOGRAFIA: D.R.

2 3 4 5 6
BURBERRY

vogue.pt 3 9
INVOGUE TENDÊNCIAS INVOGUE TENDÊNCIAS

Cubismo
Não vale a pena ser quadrado: nesta vertente, as geometrias são sinónimo de beleza. As dimensões
em 2D com manias de três dimensões assaltam as telas de esboços dos principais designers para
se materializarem em guarda-roupas de ideias disformes, fracionadas, desconstruídas. Perfeitas.
Tão perfeitas como Les Demoiselles d’Avignon, de Picasso, 1907, que em todo o seu cubismo ganham
formas reais. Assimetrias, aberturas, estampagens e divertimento nas silhuetas foi o resultado
dos looks de marcas como Balmain, Versace, Moschino, que pensaram fora da caixa.

1. Quadro Les Demoiselles d’Avignon, Pablo Picasso, 1907, em exposição no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.
2. Trench coat em lã, € 1.750, Michael Kors.
3. Mules em pele, € 660, Bottega Veneta, em Net-a-porter.com.
4. Carteira Snatched em pele envernizada, € 1.290, Maison Margiela.
5. Body em jersey de algodão, € 1.242, Balmain, em Modaoperandi.com.
6. Vestido em tela de algodão, € 2.195, Moschino.
7. Vestido em lã fria, € 3.053 p. ap., Monse, em Net-a-porter.com.

PYER MOSS
BALMAIN

REALIZAÇÃO: ANA CARACOL ASSISTIDA POR EDUARDA PEDRO E LARISSA MARINHO. FOTOGRAFIA: STAN HONDA/AFP VIA GETTY IMAGES; IMAXTREE; D.R.
DAVID KOMA

3
YOHJI YAMAMOTO

FOTOGRAFIA: D.R.

2 4 5 6 7
VERSACE

4 0 vogue.pt vogue.pt 4 1
INVOGUE TENDÊNCIAS INVOGUE TENDÊNCIAS
1

Surrealismo
Parece impossível, parece estranho, parece qualquer coisa que não é, mas existe, nem que seja
na mente de um qualquer mestre desta corrente. É o surrealismo a dar cartas que pairam no ar
enquanto caras derretidas as olham incrédulas. O absurdo belo desta Arte – vanguardista e muito
à frente das mentes da sua época – veio provar que o irreal e o inconsciente têm muito mais para
RICHARD MALONE

dar e fazer sonhar. E o sonho que comanda a vida também comandou os criadores para a estação
que agora chega, colocando-os a imaginar elementos subconscientes em peças materiais.

1. Quadro Les Cygnes se Refletant en Elephants, óleo sobre tela, Salvador Dali, 1937.
2. Brincos em resina e metal, € 650, Balenciaga.
3. Clutch The Big Wave em acrílico reciclado, € 1.755, Benedetta Bruzziches.
4. Saia em algodão, € 1.290, Bottega Veneta.
5. Top em malha de algodão e brocado de seda, € 598, Dries Van Noten.
6. Sandálias em pele e acrílico, € 950, Alexander McQueen.
7. Carteira Tabi Ballerina em pele e madeira, € 820, Maison Margiela.

ANA CARACOL ASSISTIDA POR EDUARDA PEDRO E LARISSA MARINHO. FOTOGRAFIA: DEA/ G.DAGLI ORTI/ GETTY IMAGES; IMAXTREE; D.R.
BALENCIAGA
NOIR KEI NINOMIYA
EMILIA WICKSTEAD

2 4
FOTOGRAFIA:REALIZAÇÃO:
FOTOGRAFIA: D.R.

D.R.

3 4 5 6 7

vogue.pt 4 3
INVOGUE TENDÊNCIAS
1

Bauhaus
Hora de voltar para a escola. Mas não uma escola qualquer: uma inovadora e funcional, uma das mais
importantes no design e na arquitetura, fundada por Walter Gropius – que quis mudar o mundo com
uma nova estética e produzir o cenário da modernidade, a Bauhaus. Tal como ela, unam-se as artes e
as energias em prol de um guarda-roupa surpreendente, daqueles de fazer inveja às invejosas. Como
cúmplices, contabilize-se a Balmain, a lembrar os quadros de Kandinsky, ou Proenza Schouler, a assinalar
os quadros dessa mesma escola. Vamos geometrizar a vida e dar-lhe cor, é o slogan para o manifesto
que aqui se lança. Com manchas de azul, preto, amarelo e vermelho – no seu tom mais vibrante.

1. Quadro Composition 8, óleo sobre tela, Vassily Kandinsky, 1923.


2. Saia em crepe de seda e algodão, € 512,15, Solance London, em Net-a-porter.com.
3. Fato de banho em malha de seda e lurex, € 260, Oséree.
4. Carteira Puzzle em pele, € 2.100, Loewe.
5. Óculos em acrílico, € 39,99, H&M.
6. Mules em pele e madeira, € 474,05, Rejina Pyo.
7. Blazer em lã fria, € 908, Matériel, em Farfetch.com.

MUGLER

REALIZAÇÃO: ANA CARACOL ASSISTIDA POR EDUARDA PEDRO E LARISSA MARINHO. FOTOGRAFIA: DEA PICTURE LIBRARY/GETTY IMAGES; IMAXTREE; D.R.
BALMAIN

5
PROENZA SCHOULER

TORY BURCH

FOTOGRAFIA: D.R.

2 3 4 6 7

4 4 vogue.pt vogue.pt 4 5
INVOGUE SHOPPING

RICK OWENS
Balde de
CHLOÉ
água fria
3

Para refrescar os dias


quentes de verão, as bucket
bags, inspiradas nos sacos
que os nómadas usavam
Smurfy day
às costas, têm tanto de Podiam ser da família
design como de funcional. daqueles pequenos seres
4
azuis que nos recordam a
PRADA

infância, pelo seu diminuto

VERSACE
tamanho, mas esta
seleção de minicarteiras 3 4

multiplicam-se em muitos
mais azuis – e verdes e
rosas e amarelos…

REALIZAÇÃO: ANA CARACOL. ASSISTENTE DE REALIZAÇÃO: EDUARDA PEDRO. FOTOGRAFIA: IMAXTREE; D.R.
5
MIU MIU

TOD’S
1

5 6

1. Vanity Mini em pele, € 550, Marc Jacobs, em


1. Cannes em pele, € 21.500, Louis Farfetch.com. 2. Gate Pocket em pele, € 590, Loewe.
Vuitton. 2. Em pele, € 1.550, Marni. 3. Pico Baguette em missangas e pele, € 590, Fendi.
LANVIN

3. 1955 Horsebit em pele e metal, 4. Mini Pochette em pele, € 795, Proenza Schouler,
€ 1.590, Gucci. 4. 5AC em pele, € 990, em Farfetch.com. 5. Le Nani Micro em pele,
Maison Margiela, em Mytheresa.com. € 250, Jacquemus, em Mytheresa.com. 6. AirPods
5. Balloon em pele, € 2.250, Loewe. em pele, € 350, Prada, em Net-a-porter.com.
2 1

CELINE
2

vogue.pt 4 7
INVOGUE SHOPPING

ERDEM
Último
andar 3 3

LANVIN
Este verão, os telhados
vão ser pouco para nos
sentirmos nas alturas: os
sapatos da estação são de
Raiz
SIMONE ROCHA
chegar às nuvens em mais
Quadrada
4

do que um sentido. Os saltos 4


querem-se altos, muito
altos, em versão plataforma, A Moda escreve certo
chunky heels e compensados. por ângulos retos: os
sapatos quadrados à

NO.21
frente estão de volta
5

e vão ficar por uma 5

temporada. Se não
é fã, esconda-se em
casa. Porque este é um
daqueles casos em que

REALIZAÇÃO: ANA CARACOL. ASSISTENTE DE REALIZAÇÃO: EDUARDA PEDRO. FOTOGRAFIA: IMAXTREE; D.R.
GIAMBATTISTA VALLI

não vai conseguir,


vai juntar-se a eles.
6
6

STELLA MCCARTNEY
1

1. Sandálias em pele e madeira, Stella


DRIES VAN NOTEN

McCartney. 2. Botas em pele, € 1.198,


Saint Laurent, em Farfetch.com. 3. Mules

BOTTEGA VENETA
em pele, € 490, Simon Miller, em Farfetch. 1. Sandálias em pele, € 470, A.W.A.K.E Mode,
com. 4. Sandálias em pele, veludo e em Net-a-porter.com. 2. Pumps em pele
madeira, € 570, Marni, em Farfetch.com. envernizada, € 650, Prada, em Net-a-porter.com.
5. Sandálias em pele e cortiça, € 850, 3. Sandálias em pele e madeira, € 850, Givenchy.
Gabriela Hearst, em Mytheresa.com. 4. Sandálias em pele, € 1.291, Proenza Schouler.
6. Sandálias em tela de algodão e pele, 5. Mules em pele e metal, € 750, Gucci. 6. Mules
2 € 690, Miu Miu, em Mytheresa.com. 2
em pele, € 375, Wandler, em Mytheresa.com.

vogue.pt 4 9
INVOGUE SHOPPING

SAINT LAURENT
GUCCI
1

DOLCE & GABBANA


MARC JACOBS

Avózinha... 4

Porque é que tens uns olhos tão


grandes? É para usar os óculos Jogo

REALIZAÇÃO: ANA CARACOL. ASSISTENTE DE REALIZAÇÃO: EDUARDA PEDRO. FOTOGRAFIA: IMAXTREE; D.R.
do lenço
da estação. E não vale a pena
STELLA MCCARTNEY

cobri-los com capuchinhos 5


vermelhos ou de qualquer 3

outra cor: estes protagonistas Regras: procurar nos

CELINE
do rosto querem-se em versão baús das avós pelos
XL e tonalidades vibrantes. quadrados em seda
Para se verem melhor. 6 estampada de outros
tempos. O primeiro
a encontrar o lenço,
leva vantagem.
Só ganha quem souber
a forma mais original
2 de usá-lo na cabeça. 4

1. Em acetato, € 750, Linda Farrow.


2. Em acetato, € 170, Emilio Pucci.

MISSONI
3. Em acetato, € 435, Calvin Klein, na 1. Em seda, € 340, Valentino.
André Opticas. 4. Em acetato, € 350, 2. Em seda, € 390, Bulgari.
Loewe. 5. Em acetato, € 340, Fendi. 3. Carré WOW em seda, € 490, Hermès.
FENDI

3 6. Em acetato, € 220, Sportmax. 4. Em seda, € 370, Christian Dior.

vogue.pt 5 1
INVOGUE SHOPPING

7
3

Retratos de família
Da família Vogue para o mundo: estes são os brincos e os colares
que vão fazer furor não apenas esta estação, mas de geração em 1. Brincos Idylle Blossom em ouro branco, amarelo e rosa com diamantes, € 6.750, Louis Vuitton. 2. Brincos Stay Lucky, Stay Happy em prata
geração. E como a família não se escolhe, escolha antes as joias que de lei vermeil e ametista, € 75, Tous. 3. Brinco Idylle Blossom em ouro rosa e diamantes, € 3.450, Louis Vuitton. 4. Brincos Maillon L em ouro
branco e diamantes, € 3.200, Dinh Van. 5. Colar Magnitude Theia em ouro branco com diamantes, esmeraldas e onix, Cartier. 6. Brincos Eternal
vai querer partilhar com a sua. Realização: Ana Caracol. Ilustrações: Eduarda Pedro. em metal banhado a ouro amarelo e prata com cristais Swarovski, € 249, Swarovski. 7. Brincos Malha em prata, € 93, Liliana Guerreiro.

vogue.pt 5 3
INVOGUE SHOPPING

2 8

10

De mãos dadas
Partilhamos momentos, sentimentos, pessoas, espaços... 1. Anel Fiorever em ouro rosa com diamantes, € 8.420, Bulgari. 2. Anel Cactus em ouro rosa com diamantes, € 4.500, Cartier. 3. Relógio Nautilus com caixa
e bracelete em ouro rosa e movimento mecânico, € 44.290, Patek Philippe, na David Rosas. 4. Relógio Classic Fusion com caixa e bracelete em ouro
Assim sendo, porque não haveremos de partilhar joias? rosa com diamantes e movimento automático, € 37.300, Hublot. 5. Relógio Day-Date 36 com caixa e bracelete em ouro rosa e diamantes e movimento
automático, € 37.550, Rolex. 6. Anel em ouro branco, rubi e diamantes, Chopard Alta Joalharia. 7. Anel Clear Heart Solitaire em prata de lei e zircónia,
Estas usam-se de mãos dadas, para partilhar com € 45, Pandora. 8. Anel Diamant Évanescent Camélia em ouro branco com diamantes, Chanel Alta Joalharia 9. Relógio Reverso Classic Small Duetto com

a sua cara metade. Realização: Ana Caracol. Ilustrações: Eduarda Pedro.


caixa e bracelete em aço, mostrador em guilloché e movimento mecânico, € 9.250, Jeager LeCoultre, na Torres Joalheiros. 10. Relógio Conquest Classic
com caixa e bracelete em aço, mostrador em madrepérola com diamantes e movimento quartzo, € 1.180, Longines, na Boutique dos Relógios.

vogue.pt 5 5
INVOGUE HISTÓRIA

Fashion, meet Art  


Jean Paul Gaultier,
primavera/verão 1998.

Quando os designers se deixaram inspirar por artistas, pintores


e escultores, a passerelle transformou-se numa galeria onde
a cor de Yves Klein coexistia com o surrealismo de Picasso.
Quando os designers se deixaram inspirar por pintura,
escultura e fotografia, a arte transformou-se em arte.
E o nosso guarda-roupa nunca mais foi o mesmo. Por Mónica Bozinoski.

Modelo com um vestido Viktor & Rolf, Alta-Costura


de Balenciaga, 1956. outono/inverno 2015.

Santa Casilda, Francisco


de Zurbarán, circa 1635.

La Primavera, Comme des Garçons,


Giuseppe Arcimboldo, 1563. primavera/verão 2018.

GIUSEPPE ARCIMBOLDO À NOITE NO MUSEU Jean Paul Gaultier,


Algures entre 1590 e 1591, o Há quem olhe para uma primavera/verão 1998.
italiano Giuseppe Arcimboldo pintura e a imprima num
pintou a famosa obra sobretudo. Há quem olhe para
Frida Kahlo, 1931.
Vertumnus, na qual o imperador uma fotografia e a estampe
Rodolfo II assumia a forma de numa camisa. Há quem
Vertumnus, o deus romano da olhe para uma escultura e a FRIDA KAHLO
metamorfose na natureza e replique num vestido. E depois Da riqueza da cor à roupa “A influência [de Frida Kahlo] o designer francês decidiu
na vida. Para simbolizar que o há a coleção Alta-Costura como mensagem, do espírito também esteve presente nos transformar Kahlo em musa e
reinado de Rodolfo II seria um outono/inverno 2015 de Viktor feminista à alma revolucionária, corações vermelhos brilhantes, homenageá-la com uma coleção
de abundância e harmonia, & Rolf, justamente batizada de da identidade orgulhosa à nas rendas e nos padrões composta por 80 coordenados.
Arcimboldo – conhecido pelos Wearable Art. Mais do que um imagem autêntica, é impossível hortícolas de Dolce & Gabbana, O resultado foi não só
A PINTURA ESPANHOLA seus retratos surrealistas de desfile, a estação fria da dupla negar o quão central Frida e no hot pink visto nas passerelles uma dedicatória à imagem
Da La reina María Luisa filho de um país forte, cheio figuras humanas compostas de designers foi uma verdadeira Kahlo continua a ser na de Balenciaga e Burberry. O inconfundível da artista – não
con tontillo de Goya a Las de estilo, cores vibrantes e por objetos como vegetais, performance piece – look atrás de cultura popular – e, claro, tailoring quadrado e masculino faltaram referências às suas
Meninas de Velázquez, sem uma história rica”, e “as suas livros, plantas, utensílios de look, os casacos, coletes, saias, na indústria da Moda, onde – um look chave da estação sobrancelhas unidas e à sua
esquecer as cores de El Greco inspirações vinham das praças cozinha, frutas, criaturas vestidos e capas usados pelas a figura da artista mexicana – em Céline [na altura ainda preferência por flores no
e os volumes de Francisco de touros, dos bailarinos de marinhas, animais e raízes – modelos, uns como telas em continua a ser interpretada e tinha acento] e Isabel Marant cabelo, saias até aos pés, tons
de Zurbarán, foram várias flamenco, dos pescadores nas cobriu o rosto do imperador branco e outros como pinturas reinterpretada ao mais ínfimo lembram um retrato de família vibrantes e joias – mas também
as obras-primas da pintura suas botas e blusas soltas, da com flores e frutas de todas as mais elaboradas, rodeadas pormenor. Como notou Ellie de 1926, no qual Kahlo está a à sua obra e à sua mensagem
espanhola que inspiraram glória das igrejas e dos airosos épocas e criou a imagem que, por uma espécie de moldura Violet Bramley no artigo Frida usar um fato do pai.” Apesar – numa clara referência à obra
Cristóbal Balenciaga e as claustros e mosteiros. Ele passados mais de 400 anos, dourada desconstruída, iam Kahlo: feminist, selfie queen, queer de tudo, um dos exemplos The Broken Column de 1944, a
silhuetas que o couturier pegou nas suas roupas, nos viria a ser recuperada por sendo pendurados por Viktor icon and style muse of 2017, mais notáveis deste romance parte de cima do quarto look da
nascido em Espanha viria a seus cortes, e depois decorou- Rei Kawakubo na primavera/ Horsting e Rolf Snoeren como publicado no The Guardian duradouro entre mentes coleção consistia numa série
criar durante a sua carreira. -os ao seu próprio gosto.” verão 2018 da Comme des quadros num museu ou galeria em outubro desse ano, “no criativas tinha acontecido de fitas pretas apertadas por
Como descreveu em tempos Em 2019, o impressionante Garçons. Para além dos de arte. No final dos vinte que diz respeito à high fashion, há algumas estações, mais fivelas. “A beleza, a força e a dor
Diana Vreeland, citada por diálogo entre Cristóbal dois vestidos volumosos coordenados – uma evolução a influência de Kahlo pode ser precisamente na primavera/ que emanam das suas obras
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; D.R.

Hamish Bowles num artigo Balenciaga e a Arte deu origem estampados com retratos harmoniosa do processo sentida na estética maximalista verão 1998 de Jean-Paul tocaram-me profundamente”,
da edição norte-americana à exposição Balenciaga and do pintor italiano, a coleção criativo, de espaço em branco de Alessandro Michele para a Gaultier. A história foi mais disse Gaultier à Vogue, citado
da Vogue, Balenciaga “trouxe Spanish Painting, no museu incluía outras referências a florais estonteantes –, Gucci. No outono/inverno 2017 ou menos assim: depois de ter pela plataforma Google Arts
o estilo de Espanha para as Thyssen-Bornemisza, em artísticas, entre elas os a questão “A Moda é arte?” isso traduziu-se em padrões conhecido as obras da artista & Culture. “A Frida representa
vidas de todas aquelas que Madrid, onde as mais diversas florais de Abraham Mignon, foi respondida com um florais e laços arrojados, folhos mexicana por intermédio de alguém sem medo, e alguém
vestiam as suas criações”. criações de Balenciaga as paisagens pixelizadas de E simples “A Moda pode e clashing, mantendo o amor Madonna, e de ter sentido atemporal. Eu sempre gostei
Para a lendária editora, o coexistiam com exemplos Boy, e os desenhos anime de ser tudo. Incluindo Moda. de Kahlo pelo excesso; anéis, o seu espírito na casa da da diferença, e a Frida não teve
English version couturier era “o verdadeiro maiores da pintura espanhola. Macoto Takahashi. E arte também”. flores e bordados”. E continua: cantora, na Cidade do México, medo de ser diferente.”

vogue.pt 5 7
INVOGUE HISTÓRIA Yves Saint Laurent, Alta-Costura
primavera/verão 2002.

Composition in
blue, red and
yellow, Piet
Mondrian, 1921.

Calvin Klein 205W39NYC,


Versace, primavera/verão 2018. primavera/verão 2018.

Niki de Saint Phalle com uma


das suas “Nanas”, circa 1965.

Pablo Picasso, 1957.


Versace, primavera/verão 1991.
PIET MONDRIAN
Cores primárias. Valores
Moschino, primavera/verão 2020.
primários. Direções primárias.
Modelo com um chapéu Salvador Dalí, circa 1900. Christian Dior, primavera/verão 2018.
Com três elementos apenas se
PABLO PICASSO de Elsa Schiaparelli, 1949.
escrevem (pintam?) algumas
Existe uma série de curiosidades NIKI DE SAINT PHALLE das mais famosas obras do
sobre Pablo Picasso que “Não me importo de usar pintor holandês, pioneiro da
poderiam inspirar qualquer botas de salto alto ou uma arte abstrata e fundador do
coleção de pronto-a--vestir dos flor no meu cabelo se estiver neoplasticismo. Em 1965, as
tempos modernos – entre os nesse mood. Acho que a roupa linhas horizontais e verticais, as
muitos pedaços de trívia sobre devia ser um statement. As formas preenchidas a vermelho,
o artista espanhol estão os seus minhas são. São aquilo que amarelo e azul, e o uso do
23 nomes, a coincidência da sua eu sinto.” A frase pertence a preto e do branco como fios
primeira palavra ter sido “lápis” Niki de Saint Phalle, a modelo condutores, levaram Yves Saint
ou a ironia de não ter sido um franco-americana que decidiu Laurent a criar aquilo que hoje
aluno brilhante nos seus tempos dedicar-se à arte e dar ao se conhece simplesmente como
de escola – mas foi a história da mundo uma série de esculturas The Mondrian Collection. Apesar
acusação de Picasso ter roubado exuberantes e coloridas – Andy Warhol, 1973. da coleção de Alta-Costura ter
a Mona Lisa do Louvre, em 1911, entre elas as famosas Nanas, sido composta por mais de
que levou Jeremy Scott a gritar que contemplavam os papéis ANDY WARHOL 80 coordenados – dos quais
art attack na primavera/verão da mulher na sociedade – e É difícil imaginar a indústria a primavera/verão 2013 da apenas seis faziam referência
2020 da Moschino. “É isso que SALVADOR DALÍ uma outra série de pinturas da Moda – e o mundo da arte, Prada; antes de colaborar com a obras de Piet Mondrian – e
o torna tão interessante”, disse Ninguém sabe ao certo como foi definida por Schiaparelli abstratas que ganhavam vida claro – sem o génio criativo a The Andy Warhol Foundation do artista holandês ter sido
Scott à edição norte- se conheceram, mas todos e pelo seu estabelecimento através de um método pouco de Andy Warhol, o homem for the Visual Arts e estampar uma inspiração last minute para
-americana da Vogue. “Quando sabem aquilo que aconteceu na Place Vendôme, a criadora ortodoxo – num protesto que trabalhou como ilustrador diversas imagens icónicas de Yves Saint Laurent – como o
achas que já sabes tudo o que há quando os caminhos do olhava para o surrealista como contra o patriarcado e a rigidez, da Harper’s Bazaar (fun fact: a Warhol na coleção primavera/ próprio confessou à revista
para saber, ele surpreende- mestre surrealista Salvador uma das suas maiores fontes de a artista colocava sacos cheios então editora Diana Vreeland verão 2018 da Calvin Klein France Dimanche na altura, a
-te.” Quem também surpreendeu Dalí e da brilhante couturier inspiração. De uma fotografia de tinta no topo das suas telas chamava o artista de Andy 205W39NYC, Raf Simons ideia só surgiu quando abriu
foi o designer norte-americano, Elsa Schiaparelli se cruzaram, de Dalí com um sapato na e alvejava-os. Não é, por isso, Paperbag) antes de criar as incorporou uma série de um livro sobre Mondrian que
que reinterpretou alguns pela primeira vez, no início cabeça nasce o famoso “shoe surpresa que Maria Grazia famosas telas impressas com desenhos de sapatos feitos pelo a mãe lhe tinha oferecido no
dos maiores clássicos do dos anos 30, em Paris. hat”, um chapéu preto e Chiuri tenha olhado para a as latas de sopa Campbell’s artista nos anos 50 na coleção Natal – os vestidos geométricos
fundador do cubismo com a “No sentido artístico, rosa em forma de sapato, vida, obra e guarda-roupa de e se transformar num ícone outono/inverno 2013 da Dior; e coloridos criados pelo couturier
também clássica estética kitsch partilhavam uma ousadia de Schiaparelli; da ironia de Niki de Saint Phalle para a da cultura pop. Apesar da sua Gianni Versace concretizou a francês tornaram-se num dos
Moschino – representações muito real”, defendeu Hank ambos nasce o famoso Lobster primavera/verão 2018 da Dior, forte ligação com a Moda, foi sua paixão por Andy Warhol mais famosos (e copiados)
artísticas de touradas deram Hine, diretor executivo do Dress, de 1937, que oitenta anos transformando-a, uma vez nos anos 80 que Andy Warhol na primavera/verão 1991, na ícones de estilo da Maison. Mais
origem a casacos e calções ao Dalí Museum, ao site Artsy. mais tarde é reinterpretado mais, em musa da Casa francesa verdadeiramente tomou de qual surge o famoso vestido do que isso, marcaram o início
estilo matador, as guitarras de “Partilhavam esta vontade na coleção de Alta-Costura – curiosamente, a artista assalto a passerelle, cortesia da estampado com imagens de um diálogo entre Moda e
Picasso foram transformadas de criar coisas estonteantes, primavera/verão 2017, com nutria uma forte amizade primavera/verão 1984 de Jean- de Marilyn Monroe e James Arte, que viria a definir uma
em vestidos com dimensões que fossem capaz de chocar Bertrand Guyon ao lema da por Marc Bohan, em tempos -Charles de Castelbajac, na qual Dean, um ícone recuperado e parte considerável da carreira de
surpreendentes, e pinturas e encantar.” Juntos, Dalí e Casa francesa; e de um desenho diretor criativo da maison, e foi a modelo Inès de La Fressange reinterpretado por Donatella Saint Laurent e dos coordenados
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; D.R.

como Les Demoiselles D’Avignon, Schiaparelli criaram as bases do pintor de uma mulher com uma fiel admiradora e cliente surgiu com um vestido em na primavera/verão 2018 da criados como tributo aos
Le Marin e Femme au beret et da colaboração entre artistas um vestido transparente, que da etiqueta. O resultado foi forma de soup can. Daí em Casa italiana; e Jeremy Scott artistas que admirava – para
a la robe quadrille inspiraram e designers, e o trabalho deixava à vista a caixa torácica uma coleção com inúmeras diante, o trabalho de Warhol permanece um dos nomes além de Piet Mondrian, nomes
coordenados que podiam, muito que partilham é uma prova e os ossos das ancas, nasce o referências a de Saint Phalle, foi uma referência constante mais influenciados pelo estilo como Andy Warhol, Henri
literalmente, ter saído de um extraordinária do mútuo de 19 Skeleton Dress de 1938. das Nanas aos corações para inúmeros designers – de Warhol e pelo seu fascínio Matisse, Vincent Van Gogh,
qualquer museu.  respeito e admiração – E, depois de tudo isto, multicolor, os dragões, a árvore Miuccia Prada inspirou-se nas pelo consumismo, tanto Pablo Picasso e Georges Braque
enquanto Dalí escrevia que a Arte e Moda nunca mais do amor e o Tarot Garden, na Flowers do mestre da figura na sua marca homónima foram fontes de inspiração para
segunda metade dos anos 30 foram as mesmas. Toscana. incontornável da Pop Art para como na italiana Moschino. o couturier ao longo dos anos.

vogue.pt 5 9
INVOGUE HISTÓRIA Capa do álbum Sonic Nurse,
dos Sonic Youth, 2004.

Prada, primavera/verão 2018. Alexander McQueen,


primavera/verão 1999.

Jackson Pollock, 1953.

A capa do Comic Book Miss


Fury No. 3, de Tarpe Mills.
Louis Vuitton, primavera/verão 2008.

RICHARD PRINCE
Nos seus dezasseis anos
como diretor criativo da
Louis Vuitton, Marc Jacobs
não poupou qualquer tipo de
Untitled Anthropometry louvor à arte e aos artistas
Céline, primavera/verão 2017. Ant 110, Yves Klein, 1960.
BANDA DESENHADA JACKSON POLLOCK que a concretizam – primeiro
Os trabalhos ilustrados de Uma das primeiras referências com uma colaboração com
YVES KLEIN Brigid Elva, Jöelle Jones, à arte de Pollock no universo Stephen Sprouse, em 2001,
“Um dia, percebi que as minhas Stellar Leuna, Giuliana da Moda acontece em 1951, que injetou uma série de
mãos, as ferramentas com as Maldini, Natsume Ono, Emma na edição de março da Vogue tons vibrantes ao até então
quais manipulo a cor, já não Rios, Trina Robbins, Fiona US, pela lente de Cecil Beaton, sagrado monograma da Casa
eram suficientes. Precisava de Staples e os arquivos de Tarpé num editorial com diversos francesa; dois anos depois
pintar telas monocromáticas Mills, a criadora da primeira vestidos usados em frente a com Takashi Murakami, cujo
com as modelos.” E foi super--heroína, Miss Fury. pinturas do artista. Seguiram- monograma multicolorido,
precisamente isso que Yves Para a primavera/verão de -se muitas outras referências, estampado numa série de
Mary Katrantzou, Poster de Joost Schmidt para
Klein fez, em 1960, com a série Robert Mapplethorpe, 1969. 2018, foram estas as mulheres como o outono/inverno 2007 a exposição da Bauhaus em Weimar, 1923. carteiras como telas em
outono/inverno 2018.
Anthropometries, que herda o e artistas que Miuccia Prada da Dior Homme, a primavera/ branco, se transformou num
nome do estudo das medidas – uma verdadeira apaixonada verão 2011 de Dries Van símbolo dos anos 2000; e
do corpo humano. Com as aquando da apresentação da por arte, em todas as suas Noten ou a primavera/verão BAUHAUS mais tarde com Yayoi Kusama,
suas modelos transformadas primavera/verão 2017 da sua formas – trouxe para a 2014 de Vivienne Westwood, “Enquanto escola, a Bauhaus Mary Quant, sem esquecer Jil que emprestou o seu icónico
em “pinceis vivos” e marca homónima – uma coleção passerelle da Casa homónima, todas elas com diversas é o epítome da forma Sander, cujas raízes, como o polka dot a carteiras, vestuário
unicamente cobertas com o concretizada em colaboração numa coleção empoderadora interpretações do trabalho como os designers pensam próprio disse a Suzy Menkes e acessórios da maison em
seu patenteado Azul Klein, o com a Robert Mapplethorpe (como sempre, claro) onde de Pollock – fosse com sobre o design no mundo numa entrevista de 2017, estão 2012. Mas um dos encontros
artista criou uma sequência de Foundation, que convidou o os cartoons e a manga (e borrões de tinta em blazers atual. Penso que a Moda, no movimento Bauhaus, a mais memoráveis entre Louis
obras monocromáticas – para designer belga a mergulhar as questões feministas, ou diretamente aplicados na enquanto disciplina de abordagem interdisciplinar da Vuitton (via Marc Jacobs) e
Klein, a pintura com um só nos arquivos e criar uma claro) foram os melhores pele das modelos. Apesar design, tem de encontrar um escola alemã foi várias vezes a Arte aconteceu no desfile
tom era o equivalente a “uma Raf Simons, primavera/verão 2017. impressionante homenagem ao protagonistas, não só dos de todos estes exemplos, equilíbrio entre o criativo e interpretada pela indústria da primavera/verão 2008, num
janela aberta para a liberdade, fotógrafo. Escusado será dizer coordenados criados por a imagem mais icónica do o comercial; deve olhar para Moda – incluindo Katrantzou, piscar de olhos ao trabalho
à possibilidade de ser imerso que o desafio foi perfeitamente Miuccia como do cenário pintor norte-americano na a funcionalidade do design, ao primeiro na primavera/verão de Richard Prince. Para além
na imensurável existência ROBERT MAPPLETHORPE superado: para além dos mais envolvente. “Encontrei passerelle surgiu na final do mesmo tempo que comunica 2011, e mais tarde no outono/ das carteiras apresentadas,
da cor” – que serviram de “Queria que [o desfile] fosse de cinquenta looks estampados inspiração nesta ideia de desfile primavera/verão 1999 algo para o nosso tempo. inverno 2018, onde com um monograma “lavado”,
inspiração à primavera/verão como uma apresentação num com imagens da autoria de que consegues contar a do genial Alexander McQueen. Isso é tão relevante hoje incorporou posters da Bauhaus e estampadas com a série
2017 de Phoebe Philo para a museu, ou uma apresentação Mapplethorpe, das suas flores tua história [de vida] com Num momento inesquecível como era antes.” As palavras em diversos coordenados. Jokes do artista, Jacobs fez
Céline. Tal como Klein fez no numa galeria de arte. Tudo aos seus retratos, a coleção um lápis na mão”, contou de mulher versus máquina, são de Mary Katrantzou “Na coleção outono/inverno referência às famosas pinturas
seu tempo, a designer e então isto já foi feito com o trabalho estava recheada de referências a designer à edição norte- Shalom Harlow transformou- à edição norte-americana 2018, a Bauhaus representou Nurse (uma das quais deu vida
diretora criativa da etiqueta do Mapplethorpe. A Cindy ao fotógrafo, das cores aos americana da Vogue. E essa se na mais perfeita das da Vogue, num artigo que a pureza da forma, a natureza à capa do álbum Sonic Nurse
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; D.R.

francesa usou a tela imaculada Sherman fez isso, o David materiais, sem esquecer os inspiração traduziu-se em bailarinas, posicionada no explora a influência dos cem pragmática do design e a dos Sonic Youth) de Prince
de dois vestidos brancos para Hockney também. Mas modelos (segundo Simons, cada fatos desconstruídos, vestidos centro de uma plataforma anos da Bauhaus na Moda forma como isso se traduz – uma alusão concretizada
dar vida às figuras femininas sempre numa galeria. Eu um deles é “uma representação baby-doll com um twist punk, giratória enquanto dois braços – e, se dúvidas restassem, diretamente na Moda. por doze modelos, entre elas
pintadas com o azul do artista sou um designer de Moda. O de um dos trabalhos” de casacos oversized e peças mecânicos pulverizavam tinta a influência da escola Graficamente, olhámos para Naomi Campbell, Stephanie
francês nos anos 60, numa maior desafio foi fazer isso Mapplethorpe, ao invés de ilustradas dos pés à cabeça – preta e verde num vestido conhecida pelas suas formas muitos posters da Bauhaus, Seymour, Eva Herzigova,
espécie de reinterpretação no meu próprio ambiente.” um doppelgänger) e os muitos e numa vontade de mudar o branco – uma clara alusão, se geométricas, linhas fortes e e para a utilização da Nadja Auermann, que abriram
moderna do corpo feminino As palavras foram ditas por piscares de olhos ao próprio mundo, especialmente dúvidas restassem, à técnica pops de cor, é impossível de geometria, que traduzimos o desfile da Casa francesa
como arte – e liberdade. Raf Simons à Vogue Runway, estilo do fotógrafo. para as mulheres. do pintor norte-americano. negar. De André Courrèges e através das malhas.” vestidas como enfermeiras.

vogue.pt 6 1
INVOGUE ACESSÓRIOS

Backstage

Arrombámos a porta do mundo das artes para descobrir o que está para Carteira 1955 Horsebit, em pele, € 2.400, Gucci. Na página ao lado: vestido em jersey de seda estampada, € 1.700, Moschino.

além da obra e do artista. Resultado: um universo onde todos os pormenores,


detalhes, e acessórios - esses que a rotina nos habituou a ver como banais
e corriqueiros - ganham vida, graças a um olhar mais visionário, que
transforma o normal em excecional. Fotografia de Pedro Ferreira. Realização de Ana Caracol.
vogue.pt 6 3
INVOGUE ACESSÓRIOS

Carteira em pele e metal, € 795, Moschino. Na página ao lado: carteiras em pele, tela estampada e bambu, € 1.800 cada, Miu Miu.

vogue.pt 6 5
INVOGUE ACESSÓRIOS

Carteira 19, em seda estampada, pele e metal, € 4.300, Chanel. Na página ao lado: slingbacks em pele, € 550, Tod’s.

vogue.pt 6 7
INVOGUE ACESSÓRIOS

Ténis Arclight, em pele e tela, € 850, Louis Vuitton. Na página ao lado: ténis em pele, € 490, Alexander McQueen, na Stivali.

vogue.pt 6 9
INVOGUE ACESSÓRIOS

Saco em pele, € 2.200, Fendi, na Stivali. Na página ao lado: Clutch em pele e metal, € 895, Moschino.
A Vogue Portugal agradece a José Loureiro por todas as facilidades concedidas.

vogue.pt 7 1
INVOGUE ESTILO

iz o ditado que não há duas sem três e o mundo da arte


parece confirmar esta crença popular de que, por vezes,
os trios são (mesmo) melhores do que as duplas. Vamos

FOTOGRAFIA: ISTOCK. BETTMANN/ EXPRESS NEWSPAPERS/ JACK MITCHELL/ GEORGE STROUD/ SANTI VISALLI/ TONY VACCARO/ GETTY IMAGES.
aos factos. Não há Pablo Picasso sem chapéus, Breton tops
e sobretudos oversized. Não há Andy Warhol sem casaco
de pele preto, camisolas de gola alta e óculos com lentes
que ora eram transparentes, ora eram escuras. Não há
David Hockney sem cabelo loiro, óculos redondos e cores
infinitas. Não há Frida Kahlo sem androginia, herança e
maximalismo. Não há Lee Miller sem calças com um corte
masculino, trench coats e botas de combate. Não há Geor-
gia O’Keeffe sem fatos à medida, vestidos longos e quimonos. Diz o
ditado que não há duas sem três porque, na verdade, não há artista
sem guarda-roupa distinto, sem look de assinatura, sem acessório
inconfundível. Os chapéus de René Magritte. Os fatos de Jeff Koons.
Os óculos de Yoko Ono. O cabelo de Yayoi Kusama. Cada pormenor tão
revelador como uma qualquer pincelada oculta num qualquer quadro
que já foi observado vezes sem conta – mas que continua a carregar
em si mais significado do que aquele que alguma vez se imaginou ser
possível. Cada pormenor tão influente como uma qualquer imagem à
qual voltamos vezes e vezes sem conta – mas que continua a carregar
em si relevância, atualidade e pertinência. O high and low de Jean-Michel
Basquiat, que coordenava de forma harmoniosa uma peça de designer
com um par de calças de ganga rasgadas e um par de ténis que eram dita, é sempre mais do que uma camisola às riscas. Continuamos a
tudo menos uma tela em branco. O workwear de Jackson Pollock, vê-los porque nos sentimos ligados a eles. A todas as partes deles.
concentrado num ciclo de t-shirts pretas ou brancas, macacões Levi’s Mas se dúvidas restassem de que o guarda-roupa de alguns dos nomes
e jeans Lee. O surrealismo de mãos dadas com a Moda de Salvador mais influentes da história é tão impressionante como a sua obra, a
Dalí, uma personalidade mítica que fundiu o mais extravagante e o autora Terry Newman tira-as todas em Legendary Artists and the Clo-
mais clássico. Ícones de estilo nos seus próprios termos, ícones de thes They Wore (Harper Collins, 2019), um livro com mais de quarenta
estilo não conformes com tendências, ícones de estilo dotados de um perfis que exploram a relação entre o guarda-roupa de nomes como
entendimento da Moda que vai além da sua camada mais superficial, Salvador Dalí, Jackson Pollock, Piet Mondrian e Niki de Saint Phalle,
cada um destes artistas influenciou a forma como a indústria e os seus as suas próprias manifestações artísticas e a indústria da Moda. Como
mais brilhantes criativos pensam e constróem. Continuamos a vê-los explica Newman, que conversou com a Vogue Portugal por email, na
nas ruas e nas passerelles. Continuamos a vê-los quando a autenticidade introdução desta sua segunda obra (a primeira, Legendary Authors and
fala mais alto do que qualquer moda passageira. Continuamos a vê-los the Clothes They Wore, explora o estilo de alguns dos maiores nomes da
quando vestimos um fato de proporções oversized, um sobretudo literatura), “pode parecer um pouco simplista ou rebuscado examinar
assoberbado ou uma simples camisola às riscas – que, verdade seja a arte através da Moda – olhar para as roupas que os artistas usavam e
para o trabalho que criaram como duas partes de uma mesma equação.
Contudo, explorar o guarda-roupa destes artistas pode ajudar-nos a

Para lá da tela
compreender as suas formas de expressão profundas.” E continua,
dizendo que “a história de um artista pode ser contada através das
roupas que usou”. “O carisma dos grandes artistas é algo que resiste.
Os seus guarda-roupas, ainda que mais efémeros, mas tal e qual como
a sua obra, foram cuidadosamente escrutinados pelos olhos curiosos
O que têm em comum Jean-Michel Basquiat, Yoko Ono, Robert Mapplethorpe, dos designers, e as mensagens que carregam têm sido incorporadas
na inconstante narrativa da Moda.” Nós dissemos que não há duas
Louise Nevelson, Salvador Dalí e Louise Bourgeois? Um guarda-roupa Na página aolado, da esquerda para a direita: Georgia O’Keeffe, sem três: nem arte sem artista, nem artista sem guarda-roupa. Mas
que é tão digno de museu quanto as próprias obras. Por Mónica Bozinoski. Andy Warhol, Keith Haring, Frida Kahlo, David Hockney e Pablo Picasso. quem melhor para o explicar do que Terry Newman?

vogue.pt 7 3
INVOGUE ESTILO

Quem foram os artistas que a influenciaram durante a in- era mais nova. Nas palavras dela, “nos anos 70, quando as artistas não encaixava com aquilo que era a última tendência. Em vez disso,
fância? Quando era miúda, a Yoko Ono sempre me pareceu o auge usavam batom vermelho e verniz nas unhas e qualquer coisa que era um reflexo das suas vidas e dos seus interesses. A Frida Kahlo,
do chic esotérico, e contemplava o guarda-roupa dela com uma mi- se relacionasse com Moda, eram olhadas com repugnância, como que está na capa do meu livro, encapsula isto na perfeição.
nuciosidade tão aguçada como a obra estranha e maravilhosa dela. se fossem mesmo más artistas”. Mas depois de ela ter percorrido a A Moda tem uma longa relação com a arte e ainda é, nos
Quando estava na universidade, no final dos anos 80, apaixonei-me Grande Muralha da China, tomou a decisão consciente de se divertir dias de hoje, influenciada por obras e artistas de igual mo-
pelo mundo nova-iorquino de Keith Haring e Jean-Michel Basquiat, a e usar peças de roupa de designers. Hoje, a Marina já foi capa de mais do. Qual é a razão deste fascínio duradouro? Ambas são áreas
fusão entre hip hop, streetwear e high-fashion no trabalho deles. Eles eram revistas do que algumas supermodelos, a usar o seu batom verme- criativas que expressam identidade e emoção. Foi Pierre Bergé quem
outsiders, mas criaram a sua própria cena, que dominou o mainstream lho de assinatura, e colaborou com designers de Moda, incluindo o em tempos disse que “a Moda não é arte, mas a Moda não consegue
com aquilo que eles vestiam e aquilo que eles faziam. Riccardo Tisci. viver sem arte”. Penso que isto é verdade, mas também acredito que
Foi uma das editoras da revista i-D nos anos 90. Como era Moda e Arte são muito pessoais, e ambas se relacionam a arte também não consegue viver sem a Moda. Hoje, os impérios da
a relação entre Moda e arte nessa altura? A i-D nos anos 90 era com a nossa identidade, personalidade e ideias. De que forma Moda e da Arte andam de mãos dadas e produzem ideias que podem
um sítio especial; era uma revista que abraçava verdadeiramente o é que o estilo dos grandes artistas que explora no seu livro ser companheiras bastante felizes e a relação, por vezes, fica menos
novo e o intrépido, e os fotógrafos, a Moda, as modelos e os criativos influenciou as obras que criaram? A Louise Nevelson disse que clara com uma ingenuidade estilosa – por exemplo, a instalação
eram pessoas brilhantes que normalmente não se encaixavam com “a arte e a vida são a mesma coisa para mim, e a Moda é uma parte da Double Club cor-de-rosa e iluminada por néon de Miuccia Prada, em
aquilo que se via noutros editoriais. Esta visão inclusiva significava vida. Sinto-me feliz quando uso roupas bonitas, joias incríveis. Estou colaboração com o artista Carsten Holler, primeiramente exibida
que a Moda se fundia facilmente com a arte – o estilo e a identidade constantemente a criar. Porque é que devia parar quando se trata de em Londres, no ano de 2008. No passado, também se fundiu de uma
eram desconstruídos e mesclados com uma individualidade artística mim?” Na minha opinião, aquela espécie de colagem cacofónica que forma bastante orgânica. Quando a artista suíça Meret Oppenheim
que designers como Margiela, McQueen, Chalayan e Galliano levavam era o estilo dela espelhava as culturas que ela criou. Aquela justa- conheceu Schiaparelli, em 1936, e propôs uma pulseira de pelo para
até à passerelle. As suas coleções eram inspiradoras e visionárias em posição estranha de peças de roupa dissimilares coalescia de uma a coleção de inverno da designer, acabou por ser impulsionada a
diversas formas artísticas. forma única e convincente quando ela as misturava e, similarmente, os revestir uma chávena e um pires com pelo animal, criando um dos
Antes de escrever Legendary Artists and the Clothes They Wore, materiais inúteis da vida que ela juntava nas suas esculturas evocavam seus trabalhos mais famosos: Le Déjeuner em fourrure.
publicou o livro Legendary Authors and the Clothes They Wore. sentimentos intensos, ao mesmo tempo que transmitiam harmonia. Foram vários os momentos em que Moda e Arte se encontra-
Como foi todo este processo? Sempre me senti muito fascinada A ideia de tempo tem sido cada vez mais explorada pela ram. Tem algum de eleição? Os meus favoritos são quase sempre
pela noção de estilo pessoal: para mim, o carácter está diretamente indústria da Moda, seja através do tempo de vida de uma peça algo relacionado com o trabalho de Yves Saint Laurent, pela sua beleza
ligado àquilo que uma pessoa veste, e era uma miúda que se interes- para todos aqueles titãs da literatura e da arte através das roupas de vestuário ou da sustentabilidade de materiais. De todos os transparente – por exemplo, ele adorava Matisse e homenageou a
sava muito por livros, roupa, Moda e Arte. Por isso, fazia bastante que usavam deixou-me um pouco nervosa no início – especialmente artistas que explora em Legendary Artists and the Clothes They pintura de 1940, La Blouse Roumaine, recriando a blusa da modelo
sentido pesquisar estas ideias e escrever um livro sobre elas. Quando porque comecei com o Samuel Beckett no meu primeiro livro, e pa- Wore, quem tem o estilo mais intemporal? Uma das razões que de uma forma muito idêntica nos anos 80 e apresentando-a com
olhas para as peças de roupa de alguém que te inspira, ganhas uma recia um conceito bastante audaz. Mas resultou. Também encontrei me levou a escrever este livro foi defender a ideia de um estilo in- uma saia de veludo azul safira, tal como no retrato. Também gosto
perceção extra do porquê dessa pessoa se comportar da forma como muitas ligações entre a indústria da Moda, a Arte e a Literatura, o temporal, ao invés de estar on trend. A ideia é que a tua personalidade muito do cut-out inspirado em Matisse do outono/inverno 2012-13
se comporta. que desenvolveu a minha ideia ainda mais além. está entrelaçada com as roupas que vestes, e todos os artistas no de Comme des Garçons, porque parece tão simples, mas, ao mesmo
Quando falamos em estilo, o que é que mais distingue os O livro Legendary Artists and the Clothes They Wore explora o meu livro refletem isso de uma forma ou de outra. Muitas das artis- tempo, é muito avant-garde e arrojado. O final à la Jackson Pollock da
autores dos artistas? A ideia de que os artistas se vestem para o estilo de uma série de artistas, de Niki de Saint Phalle a Andy tas ainda são musas nos moodboards de designers nos dias de hoje. As primavera 1999 de Alexander McQueen, quando o vestido de Shalom
trabalho que têm, porque é esperado que assim seja, enquanto os Warhol, de Yoko Ono a Cindy Sherman. Tem algum favorito? peças de vestuário que a Lee Miller usava, por exemplo, inspiraram Harlow foi borrifado com tinta por dois robôs enquanto ela girava
autores ficam o dia todo em casa de pijama é um tanto cliché, e aquilo Adoro-os a todos mas, se tivesse que escolher apenas um, seria a uma coleção da Phoebe Philo para a Céline, e a Georgia O’Keeffe foi a numa plataforma, foi um momento único entre arte e Moda. Tive a
que quis fazer foi explorar esses preconceitos e testar a minha teoria Georgia O’Keeffe, visto que o estilo dela é exatamente aquilo que eu engenheira de estilo de campanhas e desfiles de Maria Grazia Chiuri sorte de me sentar muito perto da front row e nunca me irei esquecer
de que as pessoas interessantes vestem roupas interessantes. Olhar gosto: um pouco empertigado e severo, mas prático, e um pouco para a Dior. O estilo delas resiste porque era original no seu tempo e do quão espetacular foi ver esse momento. l
utilitário com um twist feminino.
Na introdução do livro, escreveu que “a história de um artis-
ta pode ser contada através das suas peças de roupa”. Quais
foram as melhores histórias que descobriu durante a sua
investigação? Estava encantada com as histórias de todos estes
artistas, e todas elas eram realmente envolventes. A Cindy Sherman,
por exemplo, cuja obra explora a identidade, começou a mascarar-se "A IDEIA DE QUE OS ARTISTAS
em criança – ela era a mais nova de cinco crianças, a crescer em New SE VESTEM PARA O TRABALHO
QUE TÊM, PORQUE É ESPERADO
Jersey, e disse em tempos que pensa que a sua compulsão para fazer QUE ASSIM SEJA, ENQUANTO OS
isso surgiu do facto de ter que relembrar aos pais que estava ali. A AUTORES FICAM O DIA TODO
atitude que a Marina Abramovich tem em relação à Moda nos dias de EM CASA DE PIJAMA É UM
English version hoje é completamente diferente do modo como ela se sentia quando TANTO CLICHÉ " TERRY NEWMAN

vogue.pt 7 5
INVOGUE ENTREVISTA

oram precisas mais de três décadas para que se decidisse um todo; uma espécie de manifesto da minha filosofia de design.
a lançar uma monografia. E podia tê-lo feito antes, muito As pessoas conhecem-me através do meu trabalho comercial, das
antes, porque o volume, e a qualidade, do seu trabalho revistas, da publicidade, dos filmes, do design de produto, etc., mas
facilmente se prestam a esses coffee table books de edição nos últimos 30 anos tenho feito as minhas próprias “obras de ar-
limitada que o século XXI aprendeu a adorar. Em vez disso, te”, e parte desse trabalho é mostrado no livro pela primeira vez.
aguardou. Esperou que o instinto falasse mais alto, que a Acumulei um arquivo bastante grande e só agora é que me sinto
curiosidade se aguçasse, que o fulgor criativo atingisse confortável em publicar algumas dessas coisas.
novos picos. E então resolveu-se a partilhar connosco, que No que diz respeito a questões mais práticas, como o formato
o acompanhamos ao longe, Fabien Baron: Works 1983-2019, e a escala do livro, qual é a estética que os une? Antes de mais,
uma biografia visual que olha tanto para o passado como queria que o livro fosse um objeto e que a impressão fosse algo cui-
para o futuro. Não está tudo aqui, seria impossível, mas dado. Era importante para mim mostrar o trabalho num contexto
o que está chega, e sobra, para nos fazer acreditar no impossível. diferente daquele de onde veio originalmente. [...] Trabalhei com
Fabien Baron (Antony, Hauts-de-Seine, França, 1959) não vê as a Sue Medlicott no lado da produção, impressão, escolha de papel,
mesmas coisas que nós. O sítio onde se encontra balança algures encadernação, etc. Sue foi absolutamente incrível, ela fez tudo acon-
entre o real e o imaginário, um lugar mágico onde se inventam tecer de uma forma que eu nem podia imaginar, e entregou um objeto
sonhos de todas as cores. Alguns desses sonhos têm apelidos co- [final] bonito. Trabalhar com a Phaidon também foi um sonho. Eles
nhecidos: Calvin Klein, Giorgio Armani, Burberry, Givenchy, Yves entenderam imediatamente o nível [de exigência] para fazer este livro.
Saint Laurent, Fendi, Guerlain, Dior. Outros escrevem páginas que É diretor de arte. A seu ver, qual é definição correta de diretor
ocupam lugares de honra na nossa memória: Vogue Itália, Vogue de arte, hoje em dia? É difícil dizer, já que toda a gente é criativa
Paris, Interview, Harper’s Bazaar, Arena Homme Plus. Por detrás em alguma coisa. Portanto, o título é meio sem sentido. Na verda-
de todos eles, garantindo que não se perdem no éter das ideias que de, nunca trabalhei com um título em mente e tentei experimentar
nunca chegam a acontecer, está um homem cuja vida se confunde tudo o que se relacionava com comunicação, revistas, filmes, livros,
com as imagens mais marcantes daquilo a que costumamos chamar produtos e publicidade. A minha abordagem sempre foi a mesma,
cultura pop.  seja qual for o meio: pensar como um contador de histórias. Não
Fabien Baron: Works 1983-2019 é a sua primeira monografia. complicar demasiado o que tenho a dizer, apenas contar a histó-
Porque é que demorou tanto tempo a lançar um livro deste ria. E depois, claro que é preciso solucionar o problema para ter
género? Na verdade, assinei um contrato com a Phaidon há muitos sucesso. Essa é provavelmente a minha definição do que é ser um
anos, mas montar o livro parecia esmagador e demorado. Sabia bom creative director.
que não queria o livro por ordem cronológica, por isso, a grande Trabalha com revistas há mais de 30 anos. O que é que, na
questão era como juntar todo o trabalho para que fizesse sentido sua opinião, as torna tão atraentes? O que mais gosto nas re-
como um todo. Isso levou algum tempo e foi só no ano passado que vistas é o ritmo a que temos de trabalhar. O facto de precisarmos
me senti totalmente certo da direção a seguir. Uma vez definido, o de criar tantos conteúdos num prazo tão apertado é empolgante.
livro foi projetado em seis meses. Eu gosto de ter pouco tempo para tomar decisões. É importante
Como decidiu quais dos seus trabalhos deveriam ser incluídos usar a espontaneidade. Nunca existe uma edição perfeita, mas
e quais ficariam de fora? Sentiu-se “sobrecarregado” ao vascu- existe sempre o próximo número em que podemos melhorar. É um
lhar o arquivo? Examinar o arquivo foi francamente trabalhoso, mas processo sem fim que nos mantém no limite.
o que demorou mais tempo foi preparar todo o trabalho de forma a Acha que, à semelhança do que muitos dizem, a imprensa es-
que cada peça estivesse pronta para impressão. A seleção final foi mui- crita está morta? As revistas ainda são relevantes? Acho que o
to natural e definiu o conceito do livro: dez capítulos representando papel acabará por sobreviver, mas as revistas terão de repensar o seu
dez aspetos diferentes da minha visão e do meu ponto de vista. Um conteúdo, em grande parte, se quiserem ser sustentáveis no futuro.

O contador
autorretrato, algo do género. Uma contradição entre caos e ordem. Se algumas revistas perderam a razão de ser é porque oferecem
O que pretende com este livro? Mistura trabalhos mais co- conteúdos medíocres ou porque tentam “copiar” o digital de forma
merciais com coisas mais pessoais. Isso tem um propósito? desesperada. Elas vendem para os anunciantes. As revistas carecem
O livro existe para abrir uma janela para o meu trabalho como de um ponto de vista sólido e de uma verdadeira conexão com o leitor.

de histórias
Pode não saber o seu nome, pode até não distinguir o seu rosto, mas
Na página ao lado, à esquerda: Dispersal Series, fotografia, 2008. À direita: Fragments Series, desenho vetorial, 1999.
Em baixo, da esquerda para a direita: Interview, direção criativa, 1990, fotografia © Herb Ritts/Trunk Archive.
Calvin Klein Jeans, direção criativa, 1993, fotografia de David Sims.
Vogue Paris, tipografia, 2007 (à esquerda). Interview, fotografia, 2011, cabelos, Guido (à direita).

de certeza que conhece o seu trabalho. A campanha de publicidade do


icónico CK One, nos anos 90? É dele. O livro Sex, de Madonna? É dele.
FOTOGRAFIA: STEPHEN BRAYNE.

A revolução visual da Vogue Itália? Idem. Em mais de 30 anos de carreira,


este francês de olhos serenos foi responsável por alguns dos momentos
mais memoráveis da história da Moda. Fabien Baron, no entender da
Vanity Fair “o diretor criativo mais procurado do mundo”, relembra
um percurso onde a arte é, sempre, quem mais ordena. Por Ana Murcho.
vogue.pt 7 7
INVOGUE ENTREVISTA

É muito difícil fazer uma boa revista que as pessoas queiram comprar. "O QUE MAIS GOSTO NAS
E com o digital nas mãos de toda a gente, é fácil ignorar as revistas. REVISTAS É O RITMO A QUE TEMOS
Redesenhou a Vogue Itália e a Vogue Paris. Como foi trabalhar DE TRABALHAR. O FACTO DE
nestas publicações? A Vogue Itália com a Franca Sozzani era bas- PRECISARMOS DE CRIAR TANTOS
CONTEÚDOS NUM PRAZO TÃO
tante revolucionária, nessa época. Nós, de certa forma, quebrámos
APERTADO É EMPOLGANTE."
as regras. Eu era jovem, pronto a experimentar, o meu instinto FABIEN BARON
falava. Foi um grande momento, de criatividade total. Depois veio
a Interview, os grandes anos na Harper’s Bazaar e, finalmente, a
Arena Homme Plus. A Vogue Paris surgiu mais de 20 anos depois
da Vogue Itália. Os tempos não eram os mesmos, nem o eram o
diretor e a própria Moda. Já tinha acumulado muita experiência
ao longo dos anos, por isso o meu trabalho com revistas era mais
refinado ou, de certa forma, calculado. Trabalhar com Carine Roitfeld
foi emocionante e francamente divertido. Ela estava num grande
momento e eu fiz parte disso.
Menciona a necessidade de “imitar” o digital… Como é que a
transição para uma comunicação (mais) digital influenciou
a forma como aborda o seu trabalho? Para dizer a verdade, eu
fiquei realmente entusiasmado com essa nova ferramenta. A minha English version
mente está habituada a adaptar-se às mudanças, e como mergulhei
em muitos campos e media diferentes, quando o digital surgiu, era provavelmente, os clientes mais gentis com quem se pode trabalhar.
como adquirir um novo conjunto de lápis de cor para brincar. Nunca O que é que faz com que um vídeo, ou uma campanha, sejam
tive receio que as coisas mudassem ou seguissem em frente. É assim autênticos? O conceito é sempre a chave de tudo, e tem de ser ori-
que a vida caminha, para a frente. ginal, caso contrário basta copiar e colar. Hoje em dia toda a gente
Por outro lado, tem uma longa relação com a Moda. O que trabalha com moodboards, o que é bastante prático para descrever
é que ainda o entusiasma na indústria, depois de tantos uma ideia, mas tem as suas armadilhas. Podemos acabar a duplicar
Em cima: Interview, fotografia, 2013, cabelos, Guido. À esquerda:
anos? A Moda, para mim, será sempre algo entusiasmante. Está uma ideia ou a sermos demasiado influenciados por alguma coisa, Fabien Baron, retrato de Mert Alas & Marcus Piggott. Ao centro:
em constante mudança e adapta-se aos tempos. É um barómetro e acho que é por isso que há cada vez menos trabalho autêntico. capa do livro Fabien Baron: Works 1983-2019, editado pela Phaidon.
da vida. Estar sentado num bom desfile, a ver algo novo – essa é Muitas pesquisas no Google e no Pinterest, muito copy/paste, e Em baixo, à esquerda: Calvin Klein CK One, design de produto, 2003,
tipografia, Futura, fotografia de Frederik Lieberath (à esquerda).
a razão pela qual faço o que faço. Se consegui um pequeno lugar pouco trabalho com o cérebro. No fim de contas, a ideia é a única Tipografia, 2008 (à direita). Em baixo, à direita: Interview, direção
na Moda é porque tenho um estilo muito distinto, e um ponto de coisa que interessa. criativa, 2010. Fotografia de Mert Alas & Marcus Piggott. Interview,
vista específico, e nunca tive medo de os usar. Ao longo dos anos, Consegue folhear uma revista, ou ver um anúncio, sem julgar direção criativa, 2008. Fotografia de Mert Alas & Marcus Piggott.

o meu trabalho foi “imitado” por muitos, e sinto-me bem com isso. a sua estética? Sinceramente, acho que é quase impossível não ter
A Moda é, em grande parte, um processo colaborativo. Kate uma opinião. Não que queira criticar ou diminuir o trabalho das
Moss, Madonna, Franca Sozzani, Steven Meisel... Trabalhou outras pessoas, mas é demasiado fácil, para mim, ver através de
com todos. Com quem se sentiu mais conectado? Tive muita tudo, ver a forma como as coisas foram feitas, e preciso de muito
sorte, e sim, trabalhei em todos os campos com os melhores da para ficar impressionado. 
indústria. A Franca Sozzani era extraordinária, era dura, sabia o Quais considera serem os pontos altos da sua carreira? Se
que queria e nunca desistia de nada. Tenho ótimas lembranças dela. tudo correr bem a minha carreira ainda está em andamento, ou
De Liz Tilberis [histórica editora da Harper's Bazaar] também, era pelo menos é assim que encaro as coisas: para a frente. Nunca
um anjo com quem trabalhar. penso sobre isso. Sou uma espécie de bulldozer. Gosto de trabalhar
O público recorda o seu trabalho para a Calvin Klein, mais e depois passar para o projeto seguinte com o mesmo entusiasmo.
recentemente algumas campanhas da Dior, mas há outro Acho que foi por isso que demorei tanto tempo a tomar uma decisão
lado mais comercial, onde encontramos marcas como a Zara. sobre o livro. Só a ideia de olhar para trás, para todo esse trabalho,
Como passa de um ponto ao outro sem perder o seu ponto dava-me dores de cabeça. Se o livro parece mais intemporal do que
de vista? O meu ponto de vista é importante, claro, e faz sempre nostálgico, é porque o encarei como um novo projeto, e não como
parte do mix quando desenvolvo conceitos para as marcas. Conhecer um estudo sobre a minha carreira. Todas estas justaposições de
o cliente, entender o que ele precisa e entregar um trabalho de alta trabalhos novos e antigos dão-lhe um toque moderno, um novo olhar. 
qualidade, “no alvo”, está sempre em primeiro lugar. Depois de mais O que é que vem a seguir? Já sentiu vontade de deixar tudo,
de 30 anos na indústria tenho muita experiência, por isso não caio e descansar, ou tem outras coisas que deseja explorar, como
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES; D.R.

nas armadilhas fáceis da Moda; em vez disso, aplico regras estritas fazer uma longa-metragem? Na verdade, tenho tentado trabalhar
que aprendi e que pratiquei ao longo do caminho. Mas há outra parte cada vez mais no cinema. Há algo a ser feito neste momento, um
do sucesso que tem muito a ver com a equipa com quem se traba- filme. Além disso, dedico cada vez mais tempo real ao meu trabalho
lha. Para a Dior, lidar apenas com a Maria Grazia Chiuri, o Olivier pessoal, a publicá-lo e a mostrá-lo. É tudo muito emocionante. Tive
Bialobos e o Laurence Despouys ajuda a criar uma certa confiança e muita sorte, e estou muito agradecido por estar num lugar tão bom.
permite que sejamos mais criativos. Um pequeno comité é sempre Esta edição é dedicada à arte. A seu ver, a Moda pode ser
melhor. No caso da Zara, é o mesmo. Trabalho com a Marta Ortega uma forma de arte? Tudo, qualquer coisa é arte. Depende da
e o João Pedro da Silva Rebelo de forma bastante direta. Eles são, forma como se pinta. ●

vogue.pt 7 9
INVOGUE COR

De cor e salteado
Conseguimos ditar os seus nomes de coração e reconhecê-las a
quilómetros de distância. Não precisamos que ninguém nos diga a quem
é que elas pertencem e aquilo que elas significam. Mas qual é o verdadeiro
impacto de uma cor distintiva para uma marca de Moda? Por Mónica Bozinoski.

a sua fonte, se servir qualquer outra função significativa”. Questão:


é mesmo possível que uma só cor seja assim tão importante? “A
cor desempenha um papel importante na identidade visual de uma
marca, na medida em que ajuda a garantir uma distinção única.
Marcas como a Tiffany & Co., a Hermès e a Christian Louboutin,
que incorporam de forma sistemática as suas cores únicas no seu
marketing e nos seus produtos, criam uma associação muito clara
entre a marca e a cor da mesma”, defende Pressman. “Claro que
isto é muito conveniente para uma marca, especialmente para uma
marca de luxo, visto que realça a posição no mercado e promove a
força da casa e o valor de fazer estes produtos altamente cobiçados,
seja uma compra original ou de revenda. Isto também é útil para os
ntes de o mundo morrer de amores pelo millennial pink e consumidores, especialmente para aqueles
cair nas graças do cor-de-rosa Glossier, esse pigmento que querem ser associados com a imagem e
suave estampado em produtos de culto e pouches com o mantra de uma determinada marca, tendo
uma aura bubbly, já Elsa Schiaparelli tinha transformado em conta que estas marcas fizeram os seus
o Shocking Pink no seu tom de assinatura. Altamente produtos altamente identificáveis e fáceis
vibrante e impossível de passar despercebido, o tom de reconhecer no mercado.” A ideia da vi-
predileto da designer italiana ajudou não só a distinguir ce-presidente do Pantone Color Institute
as suas criações das paletas restritas que dominavam a é corroborada por Danilo Venturi, diretor
Moda nos anos 30, mas também a alterar a perceção que da Polimoda e brand management expert. “A
as pessoas tinham em relação à cor, particularmente em cor é muito importante para definir a iden-
relação ao cor-de-rosa. Apesar de maravilhosamente tidade de uma marca de Moda, e quando
chocante, o caso de Schiaparelli e do pigmento magenta que viria uma determinada cor faz parte do ADN
a associar-se para sempre à sua marca não é o único que nos faz da marca, torna-se fundamental”, começa
questionar o impacto que uma só cor consegue ter numa Maison por contar num e-mail. “A cor alavanca
e no reconhecimento da mesma, esteja ela a que distância estiver. sensibilidades psicológicas individuais e
Azul? Tiffany. Laranja? Hermès. Vermelho? Valentino. “Um dos coletivas e, portanto, liga a marca à per-
motivos pelos quais a cor é tão essencial à Moda é o facto de ser ceção que os consumidores têm dela. Esta
uma forma de expressão, que desempenha um papel fundamental importância deriva do facto da Moda ser
na forma como nos apresentamos ao mundo”, começa por explicar Moda quando traz um valor intangível ao
Laurie Pressman, vice-presidente do Pantone Color Institute, à Vogue utilizador, caso contrário é só roupa. As
Portugal. “Sem a cor, ou sem a distinção da cor, teríamos todos a marcas ajudam a definir a identidade dos
mesma aparência. Numa altura em que todos procuramos ser únicos, consumidores e, visto que a marca também
a cor é um ingrediente indispensável.” Tão indispensável que pode tem a sua própria identidade, é importante
chegar mesmo a representar uma marca registada – no início dos que ambas se reflitam uma à outra como
anos 90, a cor foi convidada a comparecer em tribunal para resolver um espelho, seja de uma forma idêntica ou
a disputa legal entre duas empresas norte-americanas, sendo que complementar. É por isso que introduzo a
FOTOGRAFIA: ISTOCK.

uma delas acusava a outra de ter criado os mesmos produtos no utilização de arquétipos no master course de
mesmo tom que o dos seus; no final, a justiça ditou que “a cor por Fashion Brand Management da Polimoda.
si só, em algumas circunstâncias, pode ir ao encontro dos requeri- Ser um Brand Manager na Moda significa
mentos legais básicos para uma marca registrada. Pode agir como compreender o subconsciente primeiro,
um símbolo que distingue os bens de uma empresa e que identifica como é traduzido para a superfície e, só

vogue.pt 8 1
INVOGUE COR

“A COR É MUITO IMPORTANTE PARA


DEFINIR A IDENTIDADE DE UMA
MARCA DE MODA, E QUANDO UMA
DETERMINADA COR FAZ PARTE
DO ADN DA MARCA, TORNA-SE
FUNDAMENTAL” DANILO VENTURI
no final, como produzir, distribuir, comunicar e vender.” Mas qual Chanel e o little black dress andam de mãos dadas, tal como a Max nisso; mas tal não significa que as marcas
é o verdadeiro impacto de uma marca se associar a uma cor distin- Mara e o sobretudo camel, mas também temos de considerar que tenham de ficar presas num estilo particular
ta? “A identidade é individual”, defende Danilo Venturi. “Escolher estas marcas têm muito mais para oferecer”, defende Pressman. e que não se possam reinventar a si mesmas
uma cor e a marca associada significa, primeiro, descartar todas “Ainda assim, estas peças fundamentais são um símbolo forte ou, pelo menos, atualizarem a sua persona”,
as outras, isto é, estabelecer aquilo que tu não és. Tendo em conta de cada uma delas. Quanto ao debate entre ausência de cor (por defende a vice-presidente do Pantone Color
que os seres humanos vivem em sociedade, definir a sua relação exemplo, mais monocromático) e um tom mais vivo e arrojado, Institute. “Se voltarmos aos casos da Chanel
com os outros e o conceito amplo de alteridade é fundamental. Na penso que é bom para uma marca ter um estilo de assinatura ou e da Max Mara, sim, são conhecidas pelo
sociedade, a cor associada a uma marca ajuda o consumidor a jogar um visual de assinatura, visto que isto também ajuda a construir a LBD e pelo sobretudo camel, mas, em cada
ao jogo da inclusão e exclusão, relacionado com um estatuto, com identidade e a equidade da marca.” Para Danilo Venturi, a questão estação, apresentam uma visão que vai muito
uma tendência ou com a ideia de ser trendy.” E continua: “O mesmo pode ir ainda mais além. “O camel é um pigmento que, a começar além, e penso que é por isso que continuam
se aplica à originalidade. Quando a cor que usas é similar àquela pelo seu nome, te faz pensar em camelos, por isso é uma cor total. a ter sucesso. Estas marcas sabem quem são,
de uma marca, mas não necessariamente igual, isso significa que De acordo com a teoria de Moda, deviam existir apenas duas não constroem-se com base nisso e brincam à
tu também não és. Por último, a cor está associada ao storytelling, cores, que são o preto e o branco. Mas isto é apenas uma teoria”, volta – o que as mantém relevantes. A Gucci
não só da marca, mas também do imaginário visto que é completamente natural e que não envolve a utilização diz o diretor da Polimoda. “Na prática, depois de Stanley Kubrick, e a Prada são bons exemplos disso, e até a
social. Por exemplo, se eu disser Fifty Shades de tintas. Por outro lado, a utilização de uma cor particular por o branco pode ser uma cor muito violenta e, quando um pigmento Louis Vuitton, que certamente encontrou
of Grey, o que é que te vem à cabeça? Dirias parte de uma marca pode mudar a nossa perceção. Por exemplo, te faz pensar em alguma coisa, então é uma cor. Se considerarmos formas interessantes de apresentar um novo
que o cinzento, tão longe do óbvio vermelho, quando a Hermès começou a usar o seu tom de laranja, este não o preto, hoje também conseguimos ter diferentes tipos de preto. O look e, ao mesmo tempo, manter a sua he-
poderia tornar-se num sinónimo de sensuali- era considerado como uma cor luxuosa. E, mesmo hoje, não é co- preto de Versace é religioso, o de Dolce & Gabbana é um de postais rança.” Sobre a mesma questão, o diretor da
dade? E, mais uma vez, se o cinzento se tornar mum considerar um laranja, especialmente um laranja vivo, como antigos, o de John Varvatos é punk e o de Yohji Yamamoto é um dos Polimoda explica que, “no passado, quando
a cor da sensualidade por causa de um filme, uma cor luxuosa. Mas a Hermès ajudou a criar isso.” Para Danilo elementos que define o avant garde dos anos 80 e 90. Na verdade, a a sociedade era definida por dualismos (por
o que acontece ao vermelho?” Venturi, “o luxo e a Moda podem cruzar-se, mas, intrinsecamente, Moda japonesa tentou considerar uma espécie de preto saturado exemplo, homem/mulher, verão/inverno,
são duas coisas diferentes”. Como explica o brand management expert, como uma não cor, criada para haver mais foco na peça de roupa cidade/campo, ordem/desordem) era cer-
se este vermelho – ou este cinzento, “a Moda relaciona-se com a mudança e o luxo com a estabilidade. enquanto conceito. Mas assim que começámos a associar esse preto tamente assim. Formas clean e tons neutros
quem sabe – for sinónimo de sen- As cores tradicionais do luxo são o preto, o branco, o dourado e o dessaturado ao avant garde, esse preto tornou-se numa cor também. coincidiam com o minimalismo, enquanto o
sualidade, poderá algum dos tons roxo, e todas elas vêm dos trajes religiosos. De facto, o luxo requer Mais recentemente, se olhares para softwares de retoque de fotografia, exagero e as cores vivas coincidiam com o
que imediatamente associamos aos pilares um certo nível de rituais, algo que também é típico dos ambientes o preto e o branco são considerados como alternativas à cor. Para maximalismo na Moda. Mas a Moda sempre
da indústria ser sinónimo de luxo? “Podía- religiosos. Dito isto, muito mais lentamente que a Moda, os valo- mim não é assim, tens apenas duas cores em vez de teres a paleta refletiu a sociedade e a sociedade de hoje,
mos defender que algumas cores se tornaram res que definem o luxo na sociedade também podem ser alvo de inteira. Por isso, se me perguntares se a ausência de cor é boa ou depois do fim das ideologias, da globaliza-
sinónimas do conceito de luxo. Tons metá- mudança.” E continua com um exemplo. “Se eu falar do sidereal grey má para uma marca, a minha resposta é que não é boa nem má, é ção e do advento da Internet, já não é sobre
licos e, claro, o preto, são bons exemplos de ou do rose gold, o que te vem à cabeça? A tecnologia de luxo, porque simplesmente impossível.” dualidades, mas antes sobre contradição,
cores ou acabamentos que entendemos como estas são as cores introduzidas por uma marca de tecnologia cujo paradoxo e sincretismo”, defende Danilo
caras. Em tempos, os vermelhos e os roxos estilo e qualidade é considerado superior quando comparada com ão é difícil perceber esta impossibilidade de viver sem Venturi. “Uma das primeiras marcas a compreender e interpretar
também eram consideradas cores luxuosas outras. Ainda assim, muitas pessoas acreditam que a introdução cor. Seja a preto e branco ou numa paleta cromática que estas mudanças foi a Prada. Se olhares para o vermelho da Marni,
devido aos custos dos seus ingredientes”, de cores coincidiu com o decréscimo da exclusividade dessa mar- desafia todo e qualquer limite, a cor faz-nos sonhar mais é o contrário do minimalismo das suas formas, e se olhares para
defende Laurie Pressman, antes de apresen- ca. Muito antes da introdução desses novos pigmentos, que essa alto. Mais do que isso, como defende Danilo Venturi, “a cor, tal o rosa da Gucci, é o contrário do seu maximalismo. Pessoalmente,
tar o outro lado da questão. “Contudo, não marca tecnológica se tornou popular com o branco, a sua própria como a silhueta, os volumes, o corte e as decorações, é um dos prefiro esta nova forma, oferece mais possibilidades criativas, mais
sei se faria esta afirmação de que as cores cor icónica, de tal forma que influenciou a indústria dos carros de elementos que, partindo de uma peça de vestuário icónica ou de opções para a diversidade a um nível humano. Certamente que pre-
podem simbolizar o luxo, visto que as cores luxo. Consegues lembrar-te de um mundo sem carros brancos?” É uma coleção completa, pode causar mudança.” Não só pode causar cisamos de mais educação para compreender o belíssimo caos que
refletem a cultura e aquilo que consideramos possível que nenhum de nós se consiga lembrar de um mundo sem mudança como pode causar emoções, sensações e reações – mas a Moda é hoje, mas é precisamente por isso que as escolas de Moda
ser luxuoso hoje pode ser bastante diferente carros brancos, da mesma forma que também é possível que nenhum será que podemos afirmar que o tipo de cor usada por uma marca, existem.” Uma coisa parece-nos bastante certa: nesse belíssimo
daquilo que pode acontecer no futuro. Hoje, de nós se consiga lembrar de ícones como o vestido Chanel ou o numa coleção ou numa peça, altera a perceção que temos da mes- caos que é a Moda, nesse complexo sistema que é a indústria, nesse
muita gente pode considerar a ausência de sobretudo Max Mara – dois ícones que, apesar de não terem uma ma? “Numa primeira instância sim, podemos dizer que as cores incrível universo criativo em constante mudança, nesse mundo
cor como luxo, devido à sua aparência mi- cor altamente distintiva, se associam a tons chave como o preto e que uma marca usa nas suas coleções podem influenciar a forma que gira para nunca mais parar, existirá sempre cor. E essa cor,
nimalista e homenagem ao meio ambiente, o camel. Poderá a “ausência” de cor ser boa para estas marcas? “A como olhamos para elas, e de certa forma existe algum conforto independentemente da sua natureza, será sempre impactante. l

vogue.pt 8 3
INVOGUE SHOPPING

1 2 3 4

5 6 7 8

REALIZAÇÃO DE ANA CARACOL, ASSISTIDA POR BEATRIZ MAFRA. FOTOGRAFIA: ISTOCK.


9 10 11 12

13 14 15 16

Tela em branco
Kazimir Malevich foi o primeiro artista a reduzir a pintura à pura abstração 1. Carteira Niki, em pele e metal, € 1.890, Saint Laurent, em Mytheresa.com. 2. Blazer em algodão, € 186,90, Fracomina.
3. Túnica em rami, € 59,95, Salsa. 4. Blusa em algodão, € 791,53, Alexander Wang, em Net-a-porter.com. 5. Blazer em algodão
geométrica. A sua obra Quadrado branco sobre fundo branco (1918) pode até parecer e seda, € 149, Massimo Dutti. 6. Carteira em pele e metal, € 879, Max Mara. 7. Vestido em algodão e organza de seda, € 3.700,
Valentino, em Net-a-porter.com. 8. Camisa em algodão, € 79,90, Guess. 9. Camisola com capuz em algodão e seda, € 197,
uma utopia, mas é a prova de que a arte pode ir até onde a imaginação nos levar. Falconeri. 10. Casaco em pele, € 1.500, Longchamp. 11. Carteira em pele, € 59,99, Cortefiel. 12. Body em modal e algodão,

E não há nada melhor que começar do zero, a partir do branco, rumo ao infinito.
€ 80, Agolde, em Net-a-porter.com. 13. Sandálias em pele, € 39,99, Mango. 14. Carteira em pele, € 475, Jacquemus.
15. Cinto em pele e metal, € 195, Polo Ralph Lauren. 16. Ténis em pele, € 395, Golden Goose, em Net-a-porter.com.

vogue.pt 8 5
INVOGUE COLEÇÃO

Chiuri & Chicago:


a conversation
“E se as mulheres governassem o mundo?” Foi esta questão,
lançada pela icónica artista americana Judy Chicago, que serviu
de mote à apresentação das propostas primavera/verão 2020
Alta-Costura da Dior. O repto original, “What if Women Ruled the
World?” podia ler-se em vários elementos que deram vida à visão
criativa de Maria Grazia Chiuri, que volta a trazer para a arena da
Moda um dos temas centrais do século XXI: o feminismo. Por Ana Murcho.

Propostas da coleção primavera/


o final de janeiro, os jardins do Musée Rodin, em Paris, As colaborações estão na génese de tudo o que Chiuri faz enquanto
verão 2020 Alta-Costura da Dior.
foram ocupados por uma gigantesca estrutura branca - primeira mulher à frente da centenária Casa francesa. Das agora virais
cerca de 15 metros de altura – que serviu de palco para a t-shirts “We should all be feminists” (frase retirada ao ensaio de Chima-
apresentação da coleção de Alta-Costura da Dior para a manda Ngozi Adichie) da sua primeira coleção, em 2016, passando
primavera/verão 2020. Apropriadamente apelidada The pelas camisolas que estampavam o título de um ensaio publicado por
Female Divine (numa tradução livre, o divino feminino), Linda Nochlin em 1971, Why have there been no Great Women Artists?, um
a instalação foi especialmente projetada por Judy Chi- ano depois, e pelas “nanas” (enormes esculturas femininas feitas em
cago, emblemática artista americana que ao longo de lã) de Niki de Saint Phalle, que inspiraram a coleção primavera/verão
uma extensa e bem sucedida carreira se tem batido pela 2018, a italiana tem sabido alinhar ativismo e Moda, numa dança
emancipação feminina. É um santuário, antes de mais, constante entre o que é belo e supérfluo, e o que é real e necessário.
porque representa uma homenagem a todas as mulheres “Acho que a roupa, em Moda e num sentido mais geral, é uma ferra-
e ao seu poder ancestral – não é por acaso que bebe da figura de uma menta que usamos para vestir os nossos corpos, mas também para
deusa que Chicago projetou na década de 1970 e que nunca chegou refletir sobre nós próprios. Acredito que através do meu papel [como
a construir. Talvez tenha sido por isso que a inspiração para esta designer] posso contribuir para a consciencialização das gerações
temporada tenha partido do título de uma exposição do MoMa, em mais jovens de mulheres, e para o surgimento de um novo processo
1994, assinada precisamente por Judy Chicago: “What if Women Ruled de emancipação ou, melhor ainda, de igualdade na diferença.” Maria
the World?” (à letra, e se as mulheres governassem o mundo?). Foi essa Grazia, que à altura desta entrevista estava em plena Semana de Moda
questão que serviu de fio condutor ao processo criativo de Maria Grazia de Paris, assume que "esta coleção nasceu de um encontro entre a
Chiuri, creative director da maison francesa, que mostrou vestidos de força intelectual e a harmonia estética. Cada uma das técnicas usadas
noite que piscam o olho às túnicas que as mulheres da Grécia Antiga conta uma história, que para mim representa a expressão mais alta da
usavam, no longínquo ano 500 a.C. (peplos), drapeados que seguem as feminilidade contemporânea.” Em termos práticos, é uma nova forma
curvas do corpo, e casacos cujo corte acaricia a silhueta. É um allure de entender tanto a Alta-Costura como as necessidades das mulheres:
de modernidade intemporal, que mistura representações clássicas das “Quando aplicado em tecidos deslumbrantes, o ouro simboliza o
divindades, em particular Athena, deusa da sabedoria, com a inter- poder exaltado da criatividade feminina. É isso que eu celebro nesta
venção em problemas mais amplos da sociedade, tornando-se numa coleção para a Dior, que honra um vínculo especial com o poder e
espécie de manifesto – como, de resto, tem sido recorrente desde que a majestosidade da cor; os brilhos dourados também iluminam as
Chiuri assumiu o leme da Dior. “Tenho uma certa responsabilidade no faixas na decoração [concebida por] Judy Chicago para este desfile.”
meu papel como primeira mulher a chefiar a Dior”, assume a designer As palavra-chave, aqui, são força intelectual e harmonia estética.
à Vogue. E acrescenta: “Gosto de colaborar com artistas. Às vezes,
é importante colaborar com um artista que nos possa dar outros
pontos de vista sobre o nosso trabalho.” Nesse sentido, a decisão
de escolher Chicago não foi casual: “Sempre acompanhei com muito
FOTOGRAFIA: SARAH BLAIS.

interesse o trabalho de Judy Chicago, uma artista importante não


apenas na história da Arte contemporânea, mas também pelas suas
ações em prol do empoderamento das mulheres. Dialogar com ela foi
incrível, porque ela não tem limites e pensa sempre de uma maneira
incomensurável. Ela não impõe limites a si mesma, o que é algo que
todas nós, mulheres, devemos fazer.” 

vogue.pt 8 7
INVOGUE COLEÇÃO

“LI MUITAS CRÍTICAS FEMINISTAS


SOBRE MODA E SOBRE COMO ELA
PODE OPRIMIR AS MULHERES. ESTAVA
CURIOSA PARA SABER SE ISSO
PODERIA SER ALTERADO; SE A MODA
PODE EMPODERAR AS MULHERES.
NISTO, ACREDITO QUE MARIA GRAZIA
E EU ESTAMOS ALINHADAS. "
Mas dê-se a palavra à americana que ficou conhecida, entre outras, JUDY CHICAGO
pela série Atmospheres, que inclui Orange Atmosphere (1968), Purple
Atmosphere (1969), Immolation e Smoke Bodies (1972), onde se serve de
explosões pirotécnicas para criar jogos de cor que são, na verdade,
um grito para a condição feminina. “Este projeto proporcionou-me
uma das maiores oportunidades criativas da minha vida. Agradeço
a Maria Grazia, Olivier Bialobos e à Dior por este presente. Embora
tenha exigido meses intensos de trabalho para mim e para o Donald,
ficámos emocionados com a oportunidade, e o desafio, que este pro-
jeto significou.” O facto de a diretora criativa da Dior colaborar com
artistas femininas tornou-se um aliciante extra. "A Maria Grazia está
claramente a utilizar a sua posição como primeira diretora criativa
da Dior para ajudar as mulheres. Designers anteriores colaboraram
com artistas, mas nenhum, que eu saiba, trabalhou com mulheres construir. Os espectadores entraram, literalmente, no corpo dessa
artistas da forma como ela o faz. Além disso, sei que ela apoia muitas deusa e, tanto eles como as modelos, estavam envolvidos na luz
instituições em todo o mundo que ajudam mulheres, como a escola quente e dourada da sua divindade. O jantar [cuja decoração também
de bordados Chanakya School of Craft, em Mumbai, na Índia, mas esteve a cargo de Chicago] realizou-se após o desfile de Alta-Costu-
o mais importante é que as suas roupas parecem estar libertas de ra, que realmente aconteceu, em contraste com a minha instalação
formas distorcidas e de sapatos de salto alto, que muitos designers monumental no Brooklyn Museum, que é uma história simbólica Em cima, à esquerda: vista geral do cenário que recebeu
masculinos infligiram às mulheres em nome da liberdade criativa.” das mulheres na civilização ocidental. Projetei as chapas usando as a apresentação da coleção primavera/verão 2020
No entanto, Chicago assume que, até recentemente, desconhecia quatro cores básicas da instalação: roxo, magenta, vermelho e verde, Alta-Costura da Dior, concebido em colaboração com a
artista Judy Chicago. Em cima, à direita: Judy Chicago e a
o trabalho de Maria Grazia. “Conheci a Maria Grazia quando ela que eram as cores básicas do motivo dos mille fleurs – a íris roxa; diretora criativa da maison francesa, Maria Grazia Chiuri.
trouxe o meu marido, o fotógrafo Donald Woodman, a Paris, em magenta para violetas e verde para a folhagem. Essas cores foram
julho passado, para discutir uma possível colaboração. Antes disso, realizadas durante toda a instalação e também no design dos vestidos.
tornei-me consciente do seu trabalho quando fui contactada pela re- O desenho da espiral e da concha repetia os motivos na grande faixa
vista Frankfurter Allgemeine Quarterly sobre um artigo sobre ela que e que eram os primeiros símbolos da deusa.” Nenhum detalhe foi
envolvia dez mulheres que a tinham influenciado. Fiquei emocionada deixado ao acaso, nem mesmo o tableware do jantar, que em breve
e honrada ao perceber que era uma delas. Desde então, reunimo-nos estará disponível nas lojas da Dior. Será isso mais uma prova de que
três vezes para discutir a nossa colaboração; uma vez quando ela e a Moda e Arte estão interconectadas? Sobre isso, Chicago tem uma
sua equipa vieram ao Novo México para trabalhar connosco, e duas posição clara: “Não penso em arte em termos de mensagem. Penso em
em Nova Iorque para examinar o andamento do trabalho.”  termos de significado. O desfile de Alta-Costura [aconteceu] dentro
do corpo de uma deusa. Trata-se de contribuir para mudar as nossas
omo foi o processo criativo? De onde veio a ideia de ape- percepções sobre as mulheres. É sobre empoderar as mulheres. Tra-
lidar a tudo isto The Female Divine? “Propus um conceito ta-se de transformar a Moda de um veículo de opressão a um veículo
a Maria Grazia: a 'divina mulher', uma vez que há muito de empoderamento. E está a demonstrar que pode haver uma fusão

FOTOGRAFIA: KRISTEN PELOU; MORGAN O’DONOVAN; INES MANAI.


tempo me interesso em transformar a forma como as mulheres são entre arte e Moda.” E acrescenta: “Li muitas críticas feministas sobre English version
vistas – e, de facto, muitas mulheres consideram-se secundárias aos Moda e sobre como ela pode oprimir as mulheres. Estava curiosa
homens. Na década de 70 criei The Dinner Party, uma obra monumental para saber se isso poderia ser alterado; se a Moda pode empoderar
que simboliza a história das mulheres na civilização ocidental e que as mulheres. Nisto, acredito que Maria Grazia e eu estamos alinhadas.
percorreu o mundo, foi vista por mais de um milhão de pessoas e Fiquei particularmente impressionada por ela ter decidido bordar
agora está em permanência no Brooklyn Museum. Restaurar essa os banners [que caíam das paredes] numa escola da Índia que já
divindade para as mulheres era um dos objetivos do The Dinner Party mencionei, que está a ensinar as mulheres para serem bordadeiras
e era um dos meus objetivos para a minha colaboração com Maria profissionais. Este é um exemplo perfeito de como a Moda pode ter
Grazia. O interior da estrutura era como uma capela, com um brilho um efeito positivo no mundo, nas roupas que são desenhadas e na
dourado e uma série de faixas em francês e inglês que levantavam forma como a Alta-Costura é apresentada.” Afinal, o que aconteceria
uma série de perguntas começando com ‘E se as mulheres governas- se as mulheres governassem o mundo? A resposta de Maria Grazia
sem o mundo?’ e explorar isso tornaria o mundo um lugar diferente, é peremptória: “Penso que se as mulheres governassem o mundo, o
mais equitativo.” Depois disso, foi pôr mãos à obra. “Fizemos uma significado de ‘poder’ seria muito diferente. As mulheres têm uma À esquerda, um dos banners idealizados por Chicago, onde se lê a frase
"What if Women Ruled the World?", em referência a uma exposição da
estrutura insuflável [em forma de] deusa com base numa escultura relação diferente com o poder, temos uma atitude mais comunitária.” artista, de 1994, com o mesmo nome. Em cima: A monumental escultura
que eu projetei na década de 70, e que nunca tive a oportunidade de Esta colaboração é apenas mais uma prova disso. l "The Female Divine", em pleno Musée Rodin, autoria da americana.

vogue.pt 8 9
INVOGUE MODA

A Academia da Musa
Obra de arte e artista. Objeto e criadora. Neste atelier, não há musa e
pintor, a musa é o pintor: fonte de inspiração e executante inspirador, foco
e ponto de vista, tela e pincel, ser criação e criar… os termos confundem-se
num corpo artístico que não acaba no sujeito nem começa no ilustrador;
o artista e a musa continuam incessantemente um no outro. Porque a obra
não vive sem o seu criador, e o criador não cria sem a sua inspiração.
Eles são unos. Como nestas páginas. Fotografia de Brendan Freeman. Styling de Kat Ambroziak.

Top em chiffon de seda, Acne Studios. Camisola em chiffon de seda, Alexandra Larrabure. Colar em cobre revestido a ródio, Moya.

vogue.pt 9 1
INVOGUE MODA INVOGUE MODA

Na página ao lado: casaco em camurça, Acne Studios. Saia em chiffon de seda, Alexandra Larrabure.
Calças em malha de lã e missangas, Kenzo. Brincos em madre pérola e prata, Mutter.

vogue.pt 9 3
INVOGUE MODA

Casaco em lã fria, Maison Margiela. Saia em jersey de algodão, Lecavalier. Sandálias em pele, Valentino.
Brincos em prata, Mutter. Anel em metal e quartzo, Acne Studios. Meias em algodão, da produção.
Na página ao lado: cardigã em lã, Miu Miu. Top e saia em crepe de seda, Jil Sander. Sapatos em pele e acetato,
Kiko Kostadinov x Camper. Brincos em cobre revestido a ródio, Moya. Meias em algodão, da produção.

9 4 vogue.pt vogue.pt 9 5
INVOGUE MODA INVOGUE MODA

Vestido em algodão e alfinete-de-ama em metal, ambos Louis Vuitton. Botas em pele,


Maison Margiela. Brincos em prata, Mutter. Na página ao lado: vestido em linho, Salvatore Ferragamo.

vogue.pt 9 7
INVOGUE MODA INVOGUE MODA

Na página ao lado: casaco em pele, Marni.


Modelo: Martina Boaretto @ Viva Model Management. Cabelos: Maki Tanaka. Maquilhagem: Yae Pascoe. Set Design: Kimberley Harding.
Assistente de set design: Ava Asaadi, Leah Freeman-Harding. Assistentes de fotografia: Tom Ortiz e Kristos Giourgas.
Assistentes de styling: Federica Murgia e Andrew Demetry. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.

vogue.pt 9 9
LIFE
STYLE
ARTES
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES.

LIVING
DESIGN Câmara escura: cenário do desfile SS20, Chanel.
LIFESTYLE ROTEIRO

O que visitar, o que ler, o que fazer. Por Ana Murcho.

A arte está... em exibição nos melhores museus do mundo, de Londres

FOTOGRAFIA: YAYOI KUSAMA / CORTESIA DA TATE PHOTOGRAPHY; CHRISTO 1963 /CHRISTIAN BAUR, BASEL; KATRIN BAUMANN / NIKI CHARITABLE FOUNDATION; 2020 THE ANDY WARHOL FOUNDATION FOR THE VISUAL ARTS, INC; TOMIO OHASHI; D.R.
Foi um dos maiores artistas do final do século XX. Ainda hoje
a Nova Iorque, de Paris a Lisboa, via Düsseldorf. Estas são as exposições que não continua a influenciar gerações, tanto pelas suas obras como
pela persona que criou para si. Agora a Tate Modern, em Londres,
pode perder, ao longo do ano, seja porque ver as Marilyn’s de Andy Warhol nunca apresenta Andy Warhol, uma monumental retrospetiva do
é demais, ou porque os objetos que ocupam as nossas casas são mais do que americano que transformou latas de sopa Campbell e garrafas
simples peças decorativas – têm uma identidade que transcende a História. de Coca-Cola em peças de arte. Patente de 12 de março a 6 de
setembro. Informações sobre horário e bilhetes em tate.org.uk.

Portrait empaqueté,
de Jeanne-Claude, 1963. “As nossas casas são uma expressão da forma
como vivemos, elas moldam as nossas rotinas
diárias e afetam profundamente o nosso bem--
estar.” É este o mote para Home Stories – 100 Years,
20 Visionary Interiors, no Vitra Design Museum,
em Weil am Rhein, Alemanha, uma mostra que
pretende reabir a discussão entre o interior
privado contemporâneo (aka o nosso
lar) e a sua evolução. Os trabalhos
expostos falam por si. Aqui se
encontram obras de arquitetos como
Adolf Loos, Finn Juhl e de designers
como Elsie de Wolfe. Até 23 de
agosto. Saiba mais em design-museum.de.

Detalhe da instalação Infinity Mirrored Room-


– Filled with the Brilliance of Life, 2011/2017

Muito antes de o mundo ter descoberto, via


Instagram, as maravilhosas instalações e
pinturas de Yayoi Kusama, a artista japonesa já Em 2019, o mundo
contava com uma longa, e profícua, carreira – despediu-se de Peter
de nove décadas, para sermos precisos. Yayoi Lindbergh, o fotógrafo
Kusama: Infinity Rooms é a maior surpresa da alemão que, com as suas
Tate Modern, em Londres, para 2020. Teremos fotografias a preto e branco,
de esperar até maio para a abertura transformou a Moda num
Green Coca-Cola Bottles, 1962, Whitney
das portas, mas vai valer a pena. Os curiosos Museum of American Art, Nova Iorque. lugar etéreo. Agora é tempo
podem ir desvendando detalhes em tate.org.uk. de celebrar o seu legado,
numa exposição organizada
pelo próprio. A Kunst Palast,
em Düsseldorf, Alemanha,
acolhe até 1 de junho Peter
É uma das novidades do Lindbergh: Untold Stories,
Photo de la Hon repeinte, 1979. Detalhe da exposição Meet Vincent
MoMA PS1 para o calendário Van Gogh, criada pelo Van Gogh uma retrospetiva dos
cultural deste ano: uma Museum, em Amesterdão. seus melhores trabalhos,
retrospectiva da obra de retirados de publicações
Niki de Saint Phalle, artista, Em 1975, Christo e Jeanne-Claude, um dos como a Vogue, a Interview
feminista, ativista e visionária. casais de artistas mais reputados do século ou a Rolling Stone.
Niki de Saint Phalle: Structures XX, desenvolveram a ideia de envolver a Informação completa em
for Life abre a 5 de abril e fica Pont-Neuf, em Paris, numa tela de poliamida kunstpalast.de/em/home.
até 7 de setembro, atuando dourada, que cobria os lados e as abóbodas dos
como (mais uma) justificação 12 arcos da ponte, os parapeitos, as bordas e as
para voarmos até Nova Iorque. trilhas. Agora, a exposição Christo and Jeanne-
Todos os detalhes em moma.org. Claude Paris! passa esse projeto em revista,
e relembra o período parisiense da dupla,
entre 1958 e 1964. Para ver no Centre
Se ainda não voou até ao Terreiro das Missas, em Lisboa, para viver
Pompidou, entre 18 de março a 15 de junho.
Horários e preço de bilhetes em centrepompidou.fr. esta experiência na primeira pessoa, não hesite. Tem até ao final de
maio para mergulhar na magia de Meet Vincent Van Gogh. Resultado
de uma parceria com o Museu Van Gogh, em Amesterdão, esta é uma
viagem imersiva e multissensorial através da história de um dos mais Querelle Jansen,
conceituados pintores de sempre. Mais detalhes em meetvincent.com/lisbon. Paris, 2012.

1 0 2 vogue.pt vogue.pt 1 0 3
LIFESTYLE ROTEIRO

A arte está... na estante da sala, na mesa de cabeceira,


espalhada pelo chão e pelos recantos mais inesperados – no armário
da casa de banho, quem nunca? Os livros são a forma mais fácil
de acedermos ao mundo dos outros e estes falam-nos de mundos
tão alternativos, e especiais, que não os podemos deixar escapar.

BODIES OF LIGHT, SPECTRUM 26: ART: THE DEFINITIVE ROTHKO: THE


de Rob Woodcox, THE BEST IN VISUAL GUIDE, COLOR FIELD
Thought Catalog CONTEMPORARY de Andrew Graham- PAINTINGS, de Dore
Books (2020), € 55. FANTASTIC ART, Dixon, Dorling Ashton, Chronicle
de John Fleskes, Kindersley Ltd (2018), Books (2017), € 37.
Flesk Publications € 32,57.
(2019), € 45.

BETAK: FASHION ARCHITECTURAL


DAVID HOCKNEY,
SHOW REVOLUTION, 1000 RECORD DIGEST AT 100: A
A BIGGER BOOK,
de Alexandre de COVERS, de Michael CENTURY OF STYLE,
de David Hockney,
Betak e Sally Singer, Ochs, Taschen de Architectural
Taschen (2016),
Phaidon (2017), (2019), € 15. Digest, Abrams
€ 2.500.
€ 89.95. (2019), € 93,41.

INTERVIEW, 50
YEARS, de Bob
Colacello, Assouline
(2019), € 250.
CHRISTO AND
PABLO PICASSO: JEANNE-CLAUDE. ZAHA HADID.
THE IMPOSSIBLE TEMPORARY WONDERFUL COMPLETE WORKS
COLLECTION, PROJECTS, ETERNAL THINGS, de Tim 1979-TODAY. 2020
de Diana Widmaier IMPRESSIONS, Walker, Victoria & EDITION, de Philip
Picasso, Assouline de Paul Goldberger, Albert (2019), € 25. Jodidio, Taschen
(2019), € 820. Taschen (2019), (2020), € 50.
€ 150.

PETER MARINO -
ART ARCHITECTURE
(THE LUXURY
COLLECTION), de Brad
Goldfarb, Phaidon
(2016), € 300.

HENRY TAYLOR,
FOTOGRAFIA: D.R.

CHRISTIAN de Rachel Zaadi ART & QUEER


CINDY SHERMAN, LOUBOUTIN, THE Ghabsah, Zadie CULTURE,
de Erika Balsom e EXHIBITION[NIST], Smith, Sarah Lewis de Catherine Lord
Magda Keany, Rizzoli de Eric Reinhardt, e Charles Gaines, e Richard Meyer,
(2019), € 42,20. Rizzoli (2020), € 49. Rizzoli (2018), € 60. Phaidon (2019), € 35.

vogue.pt 1 0 5
LIFESTYLE ROTEIRO
Concebido como um espaço multicultural, aqui os eventos têm,
normalmente, um caráter imersivo, ou seja, tudo pode acontecer.
A ideia é colaborar, de forma estreita, com artistas e designers

A arte está... em pequenos espaços no coração da cidade, uns mais conhecidos nacionais e internacionais, promover o artesanato local e os
produtores, seguindo uma agenda onde a sustentabilidade tem a
que outros, todos em permanente ebulição. As galerias são a forma mais prática de primeira palavra. Sebastião Lobo inaugurou o local, em outubro
descobrir novos artistas, e de nos apaixonarmos por manifestações do inconsciente passado, muitos se lhe seguirão. Boa Lab, Rua da Boavista, 73, Lisboa.
tão maravilhosas que, por vezes, apenas precisam de uma parede onde se expor.

A história remonta a 2012, quando esta


galeria começou a apresentar projetos
expositivos em diferentes espaços O trabalho de Joanna Piotrowska
culturais da capital. Anos depois, em 2017, ocupava até há dias neste espaço,
assentou arraiais em Marvila e tornou-se ocupando paredes onde já estiveram
um dos destinos mais cobiçados daquela
zona da cidade. Vasco Araújo, João Pedro
Adrián Balseca, Rodrigo Hernández
Cortes, Tris Vonna-Michell e Carla Filipe ou Belén Uriel. Desde que abriu portas
são alguns dos nomes que já tiveram as em 2016, através da crença do italiano
suas obras por estas paredes. Adrien Matteo Consonni e do português
Missika é o senhor que se segue. Galeria
Francisco Fino, Rua Capitão Leitão, 76, Lisboa.
Gonçalo Jesus, todo um
mundo aconteceu, incluindo
uma primeira presença na
Arco Madrid, no ano seguinte. O conceito que motivou esta galeria
Galeria Madragoa, Rua Machadinho, 45, Lisboa.
é, em si mesmo, inovador. Porque
esta é uma plataforma online de arte
contemporânea, onde artistas e público
partilham inspiração. Fundada pelo
premiado curador Darko Stanic, tem
competições mensais onde é possível
explorar a arte em todas as suas
vertentes – vender, comprar,
descobrir, e alargar horizontes.
Galeria Art Room, Pátio do Tijolo, 1, Lisboa.
Benjamin Gothier é a mente por detrás deste
espaço. O arquiteto francês apaixonou-se por
Lisboa e decidiu mudar-se de armas e bagagens com
o intuito de promover o trabalho de artistas, tanto
portugueses como estrangeiros. Até final de março,
é possível ver Just Before We Begin, de Hugo Cantegrel.
Galeria Foco, Rua da Alegria, 34 R/C, Lisboa.

Há mais de cinco décadas que esta galeria, fundada por


Manuel de Brito, promove a apresentação de exposições de
um alargado conjunto de artistas nacionais e internacionais Por aqui respira-se arte. Pintura, escultura, vídeo, instalação...
– além de colaborar com instituições públicas e privadas na A representação e gestão de jovens artistas, em início de carreira, é
FOTOGRAFIA: D.R.

divulgação da arte portuguesa contemporânea. Os trabalhos de uma das mais-valias desta galeria, onde agora se expõe Out of Sight Out
Cristina Lamas, João Leonardo, e Alexandre Conefrey já por ali of Mind, de Hugo Brazão. Para maio, está prevista uma mostra coletiva,
passaram, até final de março é tempo de ver o que vai na alma prova de que a descoberta de talentos não encerra nem mesmo quando
de Pedro A. H. Paixão. Galeria 111, Rua Dr. João Soares, 5B, Lisboa. as luzes se apagam. Galeria Balcony, Rua Coronel Bento Roma, 12 A, Lisboa.

1 0 6 vogue.pt
LIFESTYLE VISITA GUIADA

om, na verdade, o melhor mesmo será optar pelos mais espaço que me é muito querido desde tenra idade”, explica-nos, para
confortáveis, porque o Palais de la Porte Dorée tem 1.300 contextualizar como é que esta celebração do seu trabalho começou
metros quadrados e mais de uma dezena de salas, quase a materializar-se. Depois de se envolver na restauração do espaço
todas tomadas de assalto pela criatividade de Louboutin que lhe era tão caro, a evolução até chegar à exposição em nome
e companhia, cada uma mais elaborada do que a outra. próprio foi orgânica – e conta com espólio seu, mas também fruto
O melhor é libertar a agenda – e vai perceber porquê ao de colaborações ou simplesmente de outros artistas. “A exposição
longo desta tour guiada pelo próprio designer. “O facto é sobre a minha viagem enquanto criador – o antes, o durante e o
da exposição ser feita naquele museu não é um acaso. depois, sendo que o depois se prende com o trabalho que tenho feito
Devo-lhe muito”, conta-nos, numa das suas frequentes com artistas e artesãos, etc., mas definitivamente há muitos sapatos
visitas a Lisboa, quando nos encontramos na moradia dos meus 30 anos de carreira, acho que são cerca de 400 ou 500 pares
palaciana que ocupa largos meses por ano para os lados ou um sapato único. Alguns, é a primeira vez que estou a mostrá-los a
do Castelo de S. Jorge. “As primeiras vezes que fui [em jovem], co- quem quer que seja, alguns foram inclusivamente criados só para esta
mecei a reparar que havia um pequeno cartaz com um perfil de um exposição, por isso, nunca existiram antes. Outros vêm do meu ateliê
sapato num esboço a negro e com uma cruz a vermelho, por cima. em Paris, que são os que estou a imaginar e a criar neste momento,
E, como criança nos anos 70, não conseguia entender porque é que e outros são exemplares que já deves ter visto ou ouvido falar.” E
aquele desenho estava ali. E depois percebi que o que mostrava era continua: “quando eu comecei a pensar na exposição, apercebi-me de
um salto alto, que eu nem sabia que existia, e isso fez-me pensar: ‘é que, por causa do local, era um projeto muito pessoal, falava do meu
assim que tudo começa – com um desenho. Podes desenhar algo que trabalho, mas também de mim próprio. Por isso é que a exposição
não existe, que é um produto puramente da tua imaginação. Alguém se chama L’Exhibicion[niste], porque ser um ‘exibicionista’ significa
desenhou um sapato pontiagudo, com um estranho salto na parte que te mostras e revelas muita coisa. Não é só aquela ideia de ser um
de trás e este sapato não existe.’ Eu não tinha consciência, na altura, show off… É uma exposição que definitivamente fala de mim, do meu
que este era o perfil de um clássico pump dos anos 50. E acabou por trabalho, mas também das minhas influências, da minha infância, da
se tornar na génese da minha obsessão por sapatos.” Um pontapé minha família… eu nunca fui a um psiquiatra nem nada do género,
de saída tão frutífero que, hoje, a carreira deste senhor que dispensa mas de certa forma é uma análise de mim próprio, e eu acho que não
apresentações já acumula quase 30 anos de vida e não vê reforma havia maneira de contornar o facto de ser feito numa morada que
à vista. É por isso que Christian Louboutin | L’Exhibicion[niste], a estava intimamente ligada à minha infância. E muitas coisas estão
exposição que é uma porta de entrada no mundo e no imaginário de definitivamente ligadas à minha infância, até o meu trabalho.”
Christian Louboutin, e que abriu a 26 de fevereiro, “é uma celebração Cada tema/sala é resultado de um trabalho colaborativo, um aspeto
do meu trabalho e não uma retrospetiva, porque eu ainda estou no que não podia deixar de existir numa exposição com Christian: “uma
processo de criação, de trabalho, eu não estou a terminar o processo. das coisas que estou sempre a fazer é a colaborar e trabalhar com
Representa o passado, o presente e, de certa maneira, leva-te até ao diferentes artistas e artesãos, por isso queria muito que esta expo-
futuro”. Aliás, a temporalidade mistura-se de uns tempos para os sição também celebrasse aqueles que não tens necessariamente de
outros, a começar pela morada que acolhe este projeto massivo com conhecer, mas são pessoas que são muito importantes para mim. O
treze áreas pensadas em modo go big or go home: “Praticamente tudo o meu trabalho sempre foi uma série de acidentes felizes. Eu sempre
que fiz enquanto crescia, este museu ficava no caminho. Por isso, antes trabalhei dessa forma, nunca fui muito decisivo no sentido de dizer
de sequer entrar no edifício, eu já o conhecia, física e visualmente. que quero fazer as coisas desta forma ou planeio fazê-las daquela
Quando finalmente decidi entrar… – porque é um edifício massivo maneira. Por isso, ao longo da minha jornada, acabei por conhecer
de 1931, deslumbrante e imponente, e, quando és miúdo, é um pouco coisas que me pareciam interessantes e que eu desconhecia, e essa
intimidante. Foi um amigo mais velho que me disse: ’vais adorar, série de encontros, viagens, amizades, que mexem com o teu trabalho,
tens uma série de coisas para ver, há peixes e aquários…’, por isso a tua mortalidade, o teu modo de pensar, basicamente, com quem tu

FOTOGRAFIA: PHILIPPE GARCIA.


eu comecei a ir por causa dos aquários. E depois, a pouco e pouco, és, tornam-te melhor, tornam o teu trabalho melhor, mas tornam-te
deixei de ter medo de entrar no edifício, ia sozinho e cada vez mais acima de tudo uma pessoa melhor.” É por isso que a exposição ganha
aventureiro. Foi quando comecei a explorar o piso superior. Na altura, não só dimensão verdadeira enquanto reflexo do modo de trabalhar
chamava-se (…) Museu de Arte Africana e Oceânica e tinha todas estas de Christian, mas também uma dimensão rica, com estes convidados
coleções de arte. Nunca tendo viajado para fora de França, esta era a de Louboutin: “A decisão de ter estas pessoas tem diferentes pro-
minha porta de entrada [a seguir aos livros do Tintim, confessa-nos] pósitos. Alguns artesãos, eu adorava os seus trabalhos, e o meu pai
para mundos diferentes, culturas diferentes. Por isso, este é um era artesão, por isso sempre fui curioso com os objetos devido ao

High Heels Allowed


meu pai, e é verdade que nunca lhe dei os devidos créditos, porque
ele era um homem muito silencioso, por isso, sempre creditei mais a
minha mãe pelo modo como ela era feliz, sólida, sem me aperceber o
quão o meu pai me influenciava. Porque quando as pessoas são mais
Quando tinha 10, 12 anos, Christian Louboutin viu, no museu que caladas, enquanto criança, nunca pensas que o seu silêncio te está a
fazia parte das suas commutes diárias, um aviso ilustrado com um pump influenciar, achas que és mais influenciado pelo sol do que pela lua,
mas hoje toda a gente sabe que a lua também influencia os vegetais,
censurado. O alerta “no heels allowed" traria para a sua vida, para sempre, as marés, é apenas mais discreta. Por isso, enquanto miúdo, eu acre-
os saltos altos, e aquele museu tornar-se-ia palco de uma mostra que é ditava mais nesta influencia visível do sol, realizando, entretanto,
que eu sou uma mistura da minha mãe enquanto sol e do meu pai
muito mais que a história contínua das solas vermelhas. Para ver já – em enquanto lua. Dito isto, tudo o que tem a ver com artesãos tem sido
Paris – e levar os Louboutin mais vertiginosos que tiver. Por Sara Andrade. importante para mim, porque eu vejo que me liga ao meu pai. Há

vogue.pt 1 0 9
LIFESTYLE VISITA GUIADA

alguns artesãos incríveis com quem tenho trabalhado e que tenho e objetos de arte religiosos. “Para o topo desse bastidor ao qual nem todos têm acesso: “quando trabalhas em Moda,
encontrado, por isso quando chegou a altura de construir determi- palanquim, criei um sapato de cristal, que é uma ficas com a impressão de que toda a gente conhece o teu trabalho, mas
nadas peças, eu simplesmente não consegui deixar de pensar nestas escultura gigante e inacabada, que representa o a indústria da Moda é apenas uma ínfima parte do mundo de pessoas
pessoas que foram importantes e, além disso, a arte da manufactura sapato, mas também o futuro, porque o meu sapato que gostam de Moda. Eu ainda tenho consciência dessa realidade.
sempre foi um grande laboratório para mim, onde crias algo que não preferido é sempre aquele que eu tenho em mente Pensa que podemos viver uns dos outros, mas se olhares para esta
consegues repetir. É bom criares algo que não dá para duplicar. Vai e que ainda não terminei.”, revela. “Esta grande indústria, ela é basicamente 2.000 ou 3.000 pessoas com acesso a
levar-te a outro lugar e nunca é desperdício de tempo fazeres algo escultura representa também o sapato enquanto desfiles e showrooms… e achas que toda a gente já viu as tuas coisas?
que é único. Por isso, na exposição, vais encontrar parte do meu ícone, daí a ideia de tê-lo num palanquim. Porque Ninguém viu as tuas coisas. Esta exposição é também dedicada às
trabalho que consegui multiplicar, mas também algumas que foram aquilo que me tenho apercebido é que os sapatos pessoas que adoram Moda, mas que não são profissionais da área
feitas apenas uma vez – há peças que nunca foram vistas, porque se têm tornado, não só pequenos objetos de desejo, e que gostariam de saber mais sobre o processo, mas que não têm
foram apenas um teste em laboratório, coisas que tenho construído ou símbolo de status, mas também motivo de ado- necessariamente acesso a isso”, defende. “Por isso, quero muito que
e que me ajudaram a fazer outras coisas. Mas o primeiro passo, a ração. O que fiz foi, do palanquim, remover tudo esta exposição seja uma exposição popular, mas com um nível de
criação tridimensional, depois do esboço, colocou-me numa direção o que eram referências religiosas, como cruzes e qualidade elevado. As pessoas por vezes associam a popularidade
para fazer outra coisa. Então, é essa parte do processo que também outros símbolos religiosos, mas mantive a aura, a a uma qualidade baixa, mas os conceitos não são mutualmente ex-
mostro na exposição.” energia, de algo a que as pessoas prestam adoração.” clusivos. Tenho consciência que as pessoas estão interessadas no
Christian Louboutin | L’exhibixion[niste] está aberto ao público A acompanhar a liteira, Louboutin pediu ainda ao trabalho, mas não apenas no visível, querem saber como foi feito e
desde 26 de fevereiro, mas, antes de ir a Paris, pode fazer a visita seu amigo Sabyasachi Mukerjee, de Calcutá (Índia) porquê, daí esta divisão chamada L’Atelier, onde podes ver, de uma
guiada com o exibicionista, ele próprio – Christian Louboutin. Ladies um designer de moda com quem costuma colaborar forma engraçada, como se criam os sapatos. Então, tudo isto está
and gentlemen, right this way. Watch your step. e que conheceu numa viagem ao país, depois de ter nesta exibição para que as pessoas possam entrar no cérebro, mais
ficado deveras impressionado com a arquitetura do que ver os bastidores do trabalho, de uma pessoa que não está
Early Years “A primeira sala chama-se Early Years e diz da sua loja em Mumbai, para criar os bordados limitada a algo tão pequeno como um sapato”.
respeito aos primeiros dez anos da minha carreira”, começa por que adornam o palanquim nesta Sala dos Tesou-
explicar o designer francês. “A maioria das salas tem uma espécie de ros. E “em torno de tudo”, acrescenta o criador, Suggestion & Projection “Há uma sala que
tema ou uma história; por vezes, é em torno de uma palavra, outras “pedi a um ótimo e jovem arquiteto egípcio, Tarek é uma abordagem ao trabalho de um fotógrafo francês chamado
em torno de uma ideia. E começa com esta primeira década, e, nessa De cima para baixo: sinalética que deu Shamma, que tem vindo a construir uma espécie Pierre Molinier, sempre adorei o trabalho dele. Mas o Molinier foi
secção, apercebi-me que a minha obsessão, ao longo desse tempo origem à obsessão de Louboutin por de templo neo-azteca redondo onde haverá sapatos muito controverso e, mesmo que ele tivesse uma boa relação com
sapatos. Christian Louboutin com 2 anos,
– e que tem sido contínua em todo o meu trabalho –, é a mesma na Avenue Daumesnil, em Paris, e com em exposição. Há outro artesão com quem tenho os surrealistas, até os mestres do surrealismo, como André Breton,
coisa: o primeiro amor que tive pelos meus sapatos, e o porquê, e a 14 anos, à saída do colégio. Christian trabalhado: um fantástico pintor chamado Imran mantinham a sua distância.” É assim que começa a sua descrição da
inspiração por detrás deles teve sempre a ver com entertainers, com o Louboutin no Palais de La Porte Dorée. Qureshi, de Hyderabad, Paquistão, fez uma peça, divisão Suggestion & Projection. “Ele fazia incríveis fotografias, com
entretenimento, com tudo o que tem a ver com viagens, com tudo o digamos assim, em que pega num sapato e cria uma uma demarcada tendência fetichista, que sempre adorei, porque são
que tem a ver com couture e pequenos objetos, tudo o que tem a ver sala em torno dele – dessa forma, o sapato deixa uma forma de collage, mas aquilo que vejo é o efeito caleidoscópico;
com o feito à mão e o artesanato, inovação… todos estes temas já lá de ser um objeto e passa a ser uma personagem. não necessariamente o assunto da imagem, mas a forma e a profundi-
estavam nos primeiros anos. E estão simbolizados através de vitrais.” E é esta escultura em que quase que parece que o dade. Por isso, esta sala fala da forma, da profundidade e do quanto as
É a Maison du Vitrail que faz as honras de convidado e enumera, sapato ganha vida – é difícil de explicar, mas lindo pessoas, frequentemente, quando olham para o trabalho de alguém,
nestes painéis em vidro pintado que, imponentes, colocam no espaço de se olhar”, explica, deliciado. estão a julgá-lo. Mas só o julgas de acordo com as tuas aceções, com o
um ambiente quase de catedral, os suportes criativos de Louboutin. que achas sobre ti próprio, por isso, essa sala chama-se ‘Sugestões e
Fundada em 1973, é a única companhia em França a trabalhar com Nudes Mesmo que não conheça o trabalho Projeções’. A ideia por detrás disto é que tenho feito muitos sapatos
vitrais de forma tradicional e chegaram até ao designer de acessórios de Louboutin a fundo, deve ter ouvido, pelo menos, que têm sido considerados muito sensuais, quase bondage, por isso
porque Christian quis representar sete pilares da sua criatividade. “Eu que o criador lançou já uma coleção em todos os as pessoas tendem a olhar para mim como alguém que está muito
tinha estado a trabalhar no desenho destes vitrais e foi esta Maison tons de pele em cabeçal envernizado. Não é por ligado à sexualidade no seu extremo. É um ponto de vista, mas na
que se responsabilizou por executá-los.” A vontade de usar técnicas isso de estranhar que Nudes não seja apenas uma realidade eu nunca fui muito virado para isso. Por exemplo, a minha
tradicionais e o savoir-faire centenário para criar estes sete murais tonalidade, é também um conceito para uma sala in- paixão pela pele vem maioritariamente das artes decorativas. Mas não
trouxe a Maison du Vitrail para dentro do Palais de la Porte Dorée, teira: “tenho colaborado com dois incríveis artistas me faz diferença que as pessoas tenham essa visão. Está tudo bem.”
agora exibida lado a lado com os primeiros sapatos que Christian britânicos, Patrick Whitaker e Keir Malem (Whitaker & Malek) e eles
Louboutin desenhou antes de fundar a marca homónima. têm trabalhado em fibra de vidro e cabedal, por isso são os respon-
sáveis pelas lindas e sensuais esculturas criadas a pensar na ideia
FOTOGRAFIA: BERNARD FAUCON; CHRISTIAN LOUBOUTIN.

Salle des Trèsors “Depois, na sala seguinte”, con- do cabedal, que imita os tons da pele.” A dupla criou seis esculturas
tinua, olhando para o teto como se imaginasse as áreas daquele que representam uma parte deste espectro de tonalidades e a ligação
palacete na sua mente e as percorresse virtualmente. “Trabalhei com ao criador francês passa pela admiração de ambos pelo trabalho de
um espanhol de Sevilha, para o palanquim, que contactei através da Allen Jones, escultor que os inspira e com quem Whitaker Malek já
sua casa, a Orfebreria Villareal, que é um negócio de família que tem trabalhou. Nesta sala, vai poder ver de perto a mestria do seu corpo
fabricado palanquins e objetos em prata, mas principalmente aquelas de trabalho, antes de entrar numa área que mostra de perto a mestria
liteiras tradicionais da Semana Santa.” – diz “Semana Santa” num do processo de criação de Christian Louboutin.
português quase perfeito. O palanquim, neste caso, inteiramente
criado e esculpido à mão, é um objeto das cerimónias religiosas que L’Atelier Há um artesão central que importa falar e, claro,
sempre fascinou o parisiense e é uma especialidade dos artesãos dedicar uma sala: Christian Louboutin. O lado artesanal da criação
em Sevilha. A obra comissionada para a exposição foi criada em do sapato coloca também a sua marca no espectro da tradição e,
conjunto, entre Louboutin e os artesãos da Orfebreria Villareal, por isso, uma divisão dedicada a esse processo de manufatura era
uma das mais conceituadas em Espanha pelo trabalho com liteiras incontornável. Além de ser uma vertente óbvia do seu trabalho, é um

vogue.pt 1 1 1
LIFESTYLE VISITA GUIADA

Théâtre Bhoutanais de ter uma biografia… e ela criou uma bela peça, que é esta tela pa-
Se até agora não lhe passou pela cabeça todo norâmica com 12 metros de comprimento, que acabou por não ser
o trabalho e iniciativa megalómana que se uma biografia em si, o que para mim está tudo bem. O importante
encontra em exposição, esse pensamento é que ela se inspirou numa parte de mim que conhecia, numa parte
acontece em 3… 2… 1…: “há uma sala onde do meu trabalho e combinou-os nesta reverie [sonho], como lhe
todos os sapatos apresentados foram criados chamou. Eu depois acabei por incluir uma biografia de uma forma
a pensar em artistas, entertainers, ou pessoas mais tradicional, que abre caminho para este trabalho de Reihana”.
com as quais tenho colaborado – dançarinos,
atores, toda a gente, todo o mundo do entrete- Le Pop Corridor É já na reta final da exposição que
nimento, que tem tido uma grande influência “surge o chamado Pop Corridor, que é um espaço com uma série de
em mim. E esta divisão foi completamente coisas, não só fotografias, mas também pequenos elementos que se
criada nas montanhas do Butão, em Thimphu, prendem com o facto de eu estar associado, há já algum tempo, à
a capital. E trouxemo-la depois fisicamente cultura pop”, elucida. “Na música, no cinema, há muitos documentos
até Paris, por isso, do Butão, desceu das mon- através dos quais eu tenho participado ou onde o meu nome e o
tanhas até Calcutá, depois de barco fez toda meu trabalho têm sido mencionados, absorvidos”, conta, instigando
a costa até à Índia, depois subiu para norte, a ideia de um corredor com uma miscelânea de referências suas,
até ao Paquistão, depois desceu até à costa de quase como um patchwork de clippings que colocam as suas obras de
Moçambique apenas para subir até ao canal arte nas bocas do mundo.
do Suez. Depois, quando chegou a França,
tínhamos greves, claro, por isso foi parada, e Fetish “Colaborei com o David Lynch, em 2007, 2008, numa
teve de ir para a Holanda e depois da Holanda exposição, em Paris (depois tornou-se itinerante e viajou pelo mun-
foram preciso dois camiões massivos para do), e chamava-se Fetish. Por isso, pedi ao David que fotografasse
finalmente seguir para Paris, onde foi levada sapatos que eram muito ligados ao fetiche. E ele disse logo que sim e
para o Museu, local onde agora a estamos a perguntou-me que sapatos ia fotografar. E eu disse, ‘bem, eu tenho-os
reconstruir.” Façamos uma pausa para digerir. na minha cabeça, mas se me dizes que sim a fotografá-los, eu vou
Afinal, esta exposição não toca só o tema das criá-los’. Foi assim que fizemos”, explica sobre a concretização de As icónicas solas vermelhas pelo ponto
de vista artístico de Jean-Vincent Simonet.
viagens, as próprias obras são passageiros uma sala cujo nome recorda de imediato as formas dos seus sapa-
frequentes. O resultado é impressionante, tos de salto alto. É Lynch que remata também as colaborações com
mas não se esgota apenas na estrutura física: outros artistas e artesãos, antes de entrarmos no museu imaginário
“esta sala é um grande teatro, quase como de Louboutin, um compêndio de peças por si selecionadas que estão
um cabaré chinês dos anos 30, uma versão ligadas a fontes de inspiração para o criador.
de Hollywood, com um grande palco, onde
terás dois espetáculos com hologramas, ou Un Musée Imaginaire É a “segunda parte da
seja, olhas para um show de imagens que desaparecem para depois exposição: vais ver peças diferentes que vêm de coleções privadas por ele [facilitando o empréstimo de peças].” E confessa que “o E eu dou-te um exemplo, (…) há um medalhão da Wedgewood na ex-
mostrar o rol de sapatos que dedico às artes do entretenimento.” um pouco de todo o mundo, outras vêm de museus… mas é verdade processo de seleção das obras surgiu de forma muito natural, eu posição [marca que sempre adorou], datado de 1787, (…) e o Joshua
Um dos espetáculos planeados é sobre um street artist chamado Iya que às vezes senti que havia ali alguma peça em falta e pensava, ‘ah, comecei por pegar numa caneta e escrever tudo o que adorava e/ou Wedgewood, da segunda geração da família Wedgewood, costumava
Traore, um “futebolista, artista, trapezista… há um show com ele e a adorava ter uma estátua de um determinado período porque isto que tinham tido um impacto no meu trabalho, e tentei – a lista era distribuir um pin quando fazia vendas, um lindo objeto nas cores da
sua bola de futebol”, coreografado pela atriz, realizadora, dançarina ou aquilo’, por isso, acabei por comprar. Assim, de facto, há itens muito grande – editá-la até ficar só com o essencial, coisas que me marca, pela abolição da escravatura. Por vezes, as pessoas que gostam
e coreógrafa Blanca Li, que trabalha como coreógrafa nos filmes de que vêm da minha coleção particular e um dos grandes motivos trariam à memória de forma imediata histórias, esse foi o processo.” de objetos, de decoração, de arte, são consideradas fechadas no seu
Pedro Almodóvar e é amiga de Christian Louboutin. O outro espe- impulsionadores foi ‘ok, é para a exposição’. Sempre que queria mundo, como se não se interessassem por mais nada ou como se
táculo é com a dançarina burlesca Dita Von Teese, amiga de longa comprar alguma coisa, justificava-me, ‘Ok, não é para mim, é para a O Livro Mesmo que passe o dia no Palais de la porte Dorée, o fossem desatentas. E, para mim, este medalhão prova exatamente o
data do designer e com quem já trabalhou em diversas ocasiões. Ali, exposição’.” Para esta secção, em muito contribuiu a recruta do amigo rol de informação e conhecimento com que sai é tal que vai precisar contrário: aqui tens esta família super proeminente e que foi uma das
naquele teatro butanês num palácio parisiense, a artista sediada em Olivier Gabet, curador do Musée dés Arts Décoratifs: “A exposição é de uma cábula para o fazer perdurar na sua mente. Para tudo o que mais relevantes na luta contra a escravatura. E é por aqui que acho
Los Angeles, “atuará, versão holograma”, numa performance que mostra engendrada por um curador muito credível e deveras interessante, não ficar gravado na sua alma – será pouco, provavelmente –, há que a conversa foi muito além do meu trabalho.” O livro acaba por
“Dita a transformar-se noutra coisa”. E mais não diz. que é o Olivier Gabet, que é o diretor do Musée des Arts Décoratifs, aquele souvenir que será em si uma obra de arte: um livro escrito por encerrar em si uma nova camada de aprofundamento deste mundo
ou seja, a especialidade dele não é Moda, mas ele sabe muito de Moda. Eric Reinhardt, editado pela Rizzoli, que inclui uma capa lenticular e que é a mente criativa de Christian Louboutin e que não se esgota
Biographie A sala da Biographie “queria que fosse um Graças ao Olivier, toda a parte do Musée Imaginaire foi orientada três conceitos nas suas páginas – uma visão do autor sobre algumas nas curvas com que desenha um Pigalle nem na tonalidade escarlate
filme de uma artista neozelandesa, Lisa Reihana”. A primeira vez das peças escolhidas por Louboutin para o Musée Imaginaire e a sua que denuncia a sua assinatura nas solas de cada um deles. É uma obra
que Louboutin descobriu o trabalho de Reihana foi quando a artista ligação com o espólio da marca; imagens artísticas de uma seleção que complementa a exposição, mas que vive por si própria, como um
representou a Nova Zelândia na Biennale de Veneza, em 2017. Na de solas vermelhas captadas pelo fotógrafo Jean Vincent Simonnet; pedaço do museu que leva consigo para casa.
FOTOGRAFIA: JEAN-VINCENT SIMONET.

altura, Christian viajou propositadamente para Auckland, para a e cinco pequenos livros focados nos Nudes, na cápsula Fetish, nos
conhecer, e propôs-lhe participar na exposição onde agora assina vitrais, no palanquim e nos padrões inspirados em Pierre Molinier. Volte sempre “Eu já me apercebi que sou muito influen-
um mural digital com uma curta-metragem que recria a vida de “Reinhardt, quando falámos a primeira vez, disse-me que queria ciável. Quando alguém me diz alguma coisa, eu tendo a ouvi-la. Mas
Christian e alguns momentos-chave da sua carreia. O duo chegou falar de objetos, porque sempre que falávamos – e conheço o Eric não no meu trabalho. Quando estás a criar algo, tens de ter cuidado
mesmo a viajar para o Egito, Portugal e Champgillion para registar há muitos anos – de objetos, eles iam parar ao meu trabalho. E eram para não ser tão influenciado, ou ficas diluído. Eu não sou um control
alguns dos locais mais queridos para o criador. “Quando trabalhas esses momentos que ele queria apanhar, os momentos primários, da freak, mas controlei tudo, sim, discutindo questões com as pessoas,
com artistas, podes dar-lhes umas diretrizes, mas depois cabe-lhes inspiração e o que sai daí, sobre o que está na minha cabeça, acima de mas quando se tratava de tomar uma decisão, foi sempre minha.” E
a eles transformarem-nas nas suas próprias formas de expressão; eu Visite L’Exhibicion[niste] em mais imagens. tudo, a viagem que começa na cabeça e que acaba por se tornar num a decisão de visitar L’Exhibicion[niste] também está tomada. Porque
nunca lhe disse quero isto ou quero aquilo, só lhe disse que gostava Also, see the video for the english version. design. (…) De certa forma, de algo físico, queria perceber o momentum. nós somos fracos e já fomos influenciados por esta tour verbalizada. l

vogue.pt 1 1 3
LIFESTYLE PORTEFÓLIO

ctrl-X, ctrl-V
Lola Dupré dedicou a vida ao corte e à cola para as suas collages
artísticas. Seja através da forma tradicional, tesoura, papel
e cola, fosse através de atalhos no computador, usando os
recursos digitais contemporâneos, o resultado são imagens
surrealistas capazes de fazer cair o queixo, multiplicar os olhos
e trocar os membros a qualquer mestre dadaísta. Por Sara Andrade.

Em cima: Marie Bashkirtseff. Na página ao lado: Hari Santana With Joao Miguel Santana.

vogue.pt 1 1 5
LIFESTYLE PORTEFÓLIO

ste texto podia começar de uma forma biográfica, mencio- percentagem delas. Uma grande fonte de inspiração, para mim, é
nando o seu local de nascimento, data, filiação… Mas no caso colaborar com fotógrafos em projetos conjuntos. Isso dá vida extra
de Dupré em particular, essa informação é residual numa e entusiasmo ao trabalho.
vida passada a saltitar entre países e a absorver as suas Li que está ou já esteve sediada em Portugal – é verdade?
culturas. Lola Dupré é uma original do mundo e intemporal Como é que Portugal se tornou um local de trabalho e em
nas suas criações, ao imaginar cenários que podiam ser tão que cidades esteve? Passei algum tempo em Coimbra e no Porto,
contemporâneos de Dalí como do século XXI, como, adivi- também no centro – Lousã, Gois, Vila Nova do Ceira… nas montanhas,
nhamos sem reservas, de um novo milénio que ainda estará mas também em cidades. Eu morei em Espanha, França, Portugal,
para vir. É engraçado, porque fala com doçura e sapiência, Irlanda, agora estou na Escócia, mas não para sempre. Eu penso em
mas emprega frequentemente com alguma delícia adjetivos voltar para Portugal um dia, se conseguir.
como grotesco e bizarro. É surreal – daquele que nos capta Conte-nos mais sobre todas essas viagens e essas origens.
o olhar e rapta a imaginação. Porque o que não é estranho em Lola Como se tornou assim uma cidadã do mundo e como é que
é que, de todas as viagens que fez e lugares que visitou, o mais belo esses itinerários influenciaram o seu trabalho? Eu agora estou
mundo é o que cria nas suas collages. na Escócia, mas viajei imenso quando era jovem, também. Acho que
Como é que começou a interessar-se e a fazer este tipo de estar ciente de que há diferentes sítios no mundo onde as pessoas
arte? Como é que tudo começou? Eu sempre adorei coisas belas e vivem de formas diferentes me tem ajudado em todos os aspetos da
incomuns, coisas lindas e estranhas para olhar e experienciar. Quando vida, não só no profissional. Para o trabalho, acho que me ajudou muito
era jovem, os prints de arte que os meus pais expunham em casa foram a compreender “o que é normal” e o que é que é apenas particular a
uma grande inspiração para mim. Eu queria criar obras lindas que determinada cidade ou país. Apreciar as diferenças ou semelhanças é
chocassem, fossem até aterradoras. Eu costumava fazer esculturas compreender melhor o nosso lugar no mundo.
bizarras e desenhava também pequenos e chiques monstros engra- Tem alguma peça sua que lhe diga mais ou que tenha algum
çados no meu bloco de notas, a partir de recortes, como uma collage. significado especial para si? Nem por isso. Eu sou uma espécie de
Isto rapidamente se tornou o meu foco.  workaholic, estou sempre a trabalhar. Normalmente prefiro a peça mais
Li que se inspira em movimentos como o dadaísmo, o surrealis- recente que fiz, depois tento esquecê-la e seguir em frente.
mo e que os combina com as técnicas digitais contemporâneas. Já alguma vez criou uma peça que decidiu que nunca iria vender?
Que referências tem desses géneros artísticos e o que lhe apelou Nunca, está tudo para venda. Fiz milhares de collages e acho que só
tanto neles? Eu amo coisas estranhas, o surrealismo em geral e a tenho umas 15, de momento. Tudo o resto vendi, ofereci ou, por vezes,
louca justaposição do Dada mexeu com o meu âmago. O surrealismo se não estou contente com o resultado, destruí. Tudo está disponível
mostrou-me que a arte podia ser chocante, sensual, e parecia-me ser para compra porque preciso de comer e alugar casa. Mas também
um espaço onde a Arte se podia cruzar com a Moda e a Literatura. porque estou muito feliz e lisonjeada por poder partilhar o meu tra-
O mundo moderno é perfeito para aplicar a collage, se é em papel ou balho com o mundo.
digital, é indiferente. O conteúdo na imagem é relevante. O mundo está Costuma comprar obras de arte de outros artistas? Qual foi
cheio de imagens artísticas, de publicidade, de intervenção. Eu trabalho o último que comprou? Já há alguns anos que não compro, tenho
sempre com papel, mas é só o caminho que a vida traçou para mim. uma pequena coleção de peças de amigos que colecionei ao longo do
O que acha que o digital e as técnicas contemporâneas trou- tempo. Mas de uma maneira geral tento não colecionar muita coisa,
xeram de novo às collages? Acho que o meio não interessa, é-me quero viajar de forma leve. Não quero imensas possessões porque
indiferente se é feito digitalmente ou em papel, importa-me se é belo dificulta as viagens.
e interessante. Eu na verdade adoro o mundo digital e a arte digital e Qual é a sua peça de arte favorita, uma que gostaria de ter,
o modo como a arte é partilhada um milhão de vezes em social media. se o dinheiro ou acesso não fossem uma questão? Adoro
É uma libertação de ideias. o trabalho grotesco e bizarro de Bosch, Arcimboldo.. Algo dark,
Fale-nos um pouco do seu processo criativo e de produção. floral e lindo deles seria ótimo… Não tenho assim uma peça em
Quanto tempo demora a ter uma obra feita? Bem, eu só uso papel particular que me venha à mente. ●
e cola, tudo o que faço é feito com papel. Encontro uma imagem que me
Hammerhead after Rosalba Carriera.
inspire e corto-a como se não houvesse amanhã. Eu tento criar uma
nova imagem, mas que de certa forma ainda te faça lembrar a versão
original. Todas as peças têm um tempo de produção diferente. Mas
o tempo interessa? Acho que o tempo que leva não interessa. Como
cortas o papel é o que é importante.
Quais são os principais protagonistas nas suas collages e o que
pode inspirá-la a criar uma nova obra? Eu inspiro-me muito na
Moda, em [coisas] vintage, noutros artistas. Para ser franca, tudo
me inspira, na verdade, a inspiração é como o ar que respiro. Tenho
tantas ideias na minha cabeça, mas só consigo fazer uma pequena English version

vogue.pt 1 1 7
LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Em cima: Untitled Portrait With Tre And Elmaz. Na página ao lado: Yma Sumac.

vogue.pt 1 1 9
LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Em cima: Vivien Leigh. Na página ao lado: Untitled Portrait, Lola Dupre & Tre Koch.

vogue.pt 1 2 1
LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Em cima: Wake Up St Pancras. Na página ao lado: Chica Desnuda En La Playa.

vogue.pt 1 2 3
LIFESTYLE PORTEFÓLIO

Em cima: After Serge Lutens. Na página ao lado: After Kensai Yamamoto Aw 1979 1980 Worn By Sayoko Yamaguchi By Paul Van Riel.

vogue.pt 1 2 5
LIFESTYLE HISTÓRIA

Who run the


(art) world?*
Em 2009, a crítica de arte do jornal britânico Observer escreveu, a
propósito de uma exposição na Ikon Gallery, em Birmingham: “Carmen
Herrera é a descoberta do ano – da década... Como é possível termos
perdido estas composições brilhantes?” A jornalista referia-se à extensa
(e desconhecida) obra da artista cubano-americana, que vendeu o primeiro
quadro em 2004. Na altura tinha 89 anos. Hoje tem 104 e é unanimemente
considerada uma das vozes mais brilhantes do minimalismo e do
abstracionismo. Infelizmente, a sua história não é única. Por Ana Murcho.

uando abriu as portas da sua casa, em downtown Manhattan, deu-lhe razão. Na imprensa, a primeira referência ao seu trabalho
para uma conversa com o The Guardian, Carmen Herre- surgiu em 1998, uma pequena review de uma mostra coletiva dedicada
ra já era um nome estabelecido no panteão das artes. O à arte latino-americana. Quando finalmente vendeu um quadro, em
reconhecimento tardou a chegar (a repórter relembra, a 2004, teve direito a uma nota de rodapé no The New York Times. E
dada altura, que se não tivesse vivido “tanto tempo” nunca depois a sua carreira explodiu.
poderia ter aproveitado o sucesso), mas por aqueles dias a Catharina van Hemessen. Lavinia Fontana. Artemisia Gentileschi.
mulher, natural de Havana, Cuba, falava com uma segurança Anne Seymour Damer. Louise Elisabeth Vigée Le Brun. Berthe Morisot.
quase indiferente às opiniões alheias. Este é o seu período Lyubov Popova. Hannah Höch. Luchita Hurtado. Procure estes nomes
de maior integridade artística, sugerem os entendidos em qualquer conversa de café, e o mais provável é que as reações sejam
com uma convicção que desafia o século de vida da artista de estranheza. Afinal de contas, o mundo esqueceu que foi Catharina
– aquando da entrevista tinha 101 anos; em maio, e se o (1528-1587) a primeira artista a fazer um autorretrato de um criati-
destino continuar a desafiar a eternidade, fará 105. Ela, por vo em plena ebulição – acabou por se tornar uma das artistas mais
seu lado, ironiza o facto de as suas obras se venderem por milhares de famosas do seu país, para o que muito contribuiu o apoio da rainha
dólares. “Bom trabalho”, afirma, “é que não é barato envelhecer.” Feroz regente da Holanda – e que Lavinia (1552-1614) foi a primeira pintora
opositora de Picasso (“Não gosto de Picasso, ele é perigoso. Matisse é italiana a trabalhar fora de um contexto religioso, isto é, das paredes
uma boa pessoa”), garante que o seu percurso, que aparenta um final de um convento. E foi o mundo, também, que apagou das parangonas
mais-ou-menos-feliz, não é uma inspiração (“Não sou uma professora. o facto de Artemisia (1593-1624), apelidada de “Caravaggio, versão
Um exemplo, talvez; uma professora não”) e que os homens sempre feminina”, ter sido a primeira mulher a fazer parte da Accademia di
controlaram “tudo”. “Eles eram melhores do que eu a perceber as Arte del Disegno, em Florença. E que ignorou a proeza de Anne (1747-
regras do jogo, o que fazer, e quando o fazer. Eles perceberam [como 1828), um dos primeiros vultos da escultura, normalmente renegada
funcionava] o sistema das galerias, o sistema dos colecionadores, o para os homens devido à força necessária para manipular materiais
sistema dos museus, e eu não tinha essa personalidade.” A história e ferramentas, de Louise (1755-1842), retratista oficial de Luís XVI e
de Marie Antoinette, e de Berthe (1841-1895), primeiro membro do
sexo feminino a ser aceite nos circuitos impressionistas. Tudo isto
era suficientemente trágico, mas o mundo também desdenhou Lyubov
(1889-1924), para muitos a fundadora do construtivismo russo, e Han-
nah (1889-1978), feminista assumida e uma das criadoras da técnica
de fotomontagem. E assim chegamos a Luchita, 99 anos, recipiente de
uma exposição retrospetiva no Lacma, em Los Angeles – a primeira que
Persimmon, Andrea Torres Balaguer.
lhe oferece a dimensão internacional que nunca conseguiu em 80 anos

vogue.pt 1 2 7
LIFESTYLE HISTÓRIA

"NÃO HÁ MULHERES EQUIVALENTES


PARA MICHELANGELO OU
REMBRANDT, DELACROIX OU
CÉZANNE, PICASSO OU MATISSE,
NEM MESMO, MAIS RECENTEMENTE,
PARA DE KOONING OU WARHOL.”
LINDA NOCHLIN

de carreira. Em 2018, na mostra “Made in L.A.”, patente no Hammer ‘porque é que não houve grandes artistas mulheres?’, que é apenas “a tenha de ser refletido no seu trabalho. Houve uma altura nos EUA, milhões dados por The Scream, de Edward Munch e para os 80 milhões
Museum, alguns visitantes perguntaram aos curadores se a data de ponta de um iceberg de más interpretações e equívocos; debaixo dele durante a década de 70, em que algumas feministas acreditavam que que valeu, em 2010, La Belle Romaine, de Amedeo Modigliani. Será o
nascimento de Hurtado estava correta, tendo em conta a contempo- existe um vasto e sombrio leque de ideias sobre a natureza da arte e a todo o trabalho feito por mulheres era facilmente identificável – porque dinheiro o melhor barómetro para decidir a qualidade, e o génio, de
raneidade da sua obra. “É impossível que a pintora que dá pelo nome sua situação concomitante, sobre a natureza das habilidades humanas havia uma tendência para usar cores pastel, ‘centros abertos’ (como alguém? O caso de Carmen Herrera é paradigmático: como podemos
de Luchita Hurtado tenha nascido em 1920.” E, no entanto, é verdade. em geral e da excelência em particular, e o papel que a ordem social vaginas) e dava-se muito ênfase à delicadeza [das proporções]. Mas, ignorar pessoas tão talentosas, independentemente do seu sexo?
“O problema não reside tanto no conceito que algumas feministas desempenha em tudo isso.”  de facto, sempre houve obras de arte pastel/com centros abertos, “Como refere, Carmen Herrera é um excelente exemplo de uma artista
têm do que é a feminilidade, mas antes no equívoco – compartilhado delicadas, feitas por artistas de todos os géneros, e há excelentes feminina maravilhosa que só recebeu reconhecimento significativo
com o público em geral – sobre o que a sua arte é: a ideia ingénua de ancy G. Heller é professora de História de Arte Moderna e exemplos de trabalhos sem nenhuma dessas características, feitos muito tarde na vida. Mas não acho que possamos realmente dizer
que a arte é a expressão direta, e pessoal, das experiências emocionais Contemporânea na School of Critical Studies, University por mulheres, desde o século XVI.” Basta pensarmos na obra de que o sexo dela foi a única razão para esse infeliz atraso. Parece-me
do indivíduos, uma tradução da vida pessoal em termos visuais. A arte of the Arts, em Filadélfia, e autora do livro Women Artists: Georgia O’Keeffe ou Bridget Riley para que o argumento da delicadeza que existem muitas razões diferentes, muitas delas ilógicas e possi-
quase nunca é isso, a grande arte nunca é. A criação de arte depende An Illustrated Story. É com a sua ajuda que tentamos perceber como se caia por terra. Ainda assim, o mundo da arte parece estar cada vez velmente desconhecidas, para que um determinado trabalho alcance
[da existência] de uma linguagem autoconsciente da forma, que é mais justifica o esquecimento a que têm sido renegadas as mulheres artis- mais receptivo a artistas mulheres. “Com base no que li, e observei, fama generalizada e sucesso financeiro. Nos Estados Unidos, entre os
ou menos dependente, ou livre, dadas as convenções, os esquemas e tas. “Julgo poder falar principalmente sobre a situação nos Estados diria que o mundo da arte (novamente nos EUA e na Europa) está, de artistas da Pop Art, por exemplo, Marisol Escobar foi bem-sucedida
os sistemas de notação temporariamente definidos, e que têm de ser Unidos e na Europa, onde diria que a fonte do problema é cultural – e facto, mais female-friendly do que em épocas anteriores… Mas o campo e bem conhecida no início dos anos 60 (talvez, em parte, porque
apreendidos ou trabalhados, seja por meio do ensino, da aprendizagem envolve, inevitavelmente, questões de género. Ao longo da minha vida está longe de ser igualitário. O melhor índice de que as coisas estão a era sofisticada e glamorosa, e não apenas porque era uma criadora
ou de um longo período de experimentação individual. A linguagem observei, e fui afetada, pela tendência que a maioria das instituições melhorar, e de quão longe ainda têm de chegar, pode ser encontrado inteligente de sátira original), enquanto Dorothy Grebenak teve al-
da arte é, em termos materiais, incorporada em tinta e linha, em tela (criadas e administradas por homens) têm de subestimar firmemente no site The Guerrilla Girls, um grupo de artistas anónimas que, desde gum sucesso nos anos 60, mas desapareceu da memória da maioria
ou papel, em pedra ou argila ou plástico ou metal – não é uma história o trabalho realizado por mulheres em várias esferas, incluindo as ar- 1985, coleciona dados exatos nesse ponto, e os divulga através de da pessoas, pouco depois – provavelmente, porque trabalhava com
triste nem um sussurro confidencial.” As palavras pertencem a Linda tes. Um exemplo infame nos EUA é a Mary Boone Gallery, um espaço posters, manifestações políticas, livros, filmes e palestras.” tapetes com ganchos (considerados ‘menos importantes’ do que a
Nochlin e ao seu ensaio Why Have There Been No Great Women Artists?, de prestígio, em Nova Iorque, onde se vende arte contemporânea de pintura ou a escultura) e porque depois do seu marido morrer, em
publicado em 1971, onde a historiadora americana refletia sobre os valores consideráveis. Ao longo dos anos 80, Boone [fundadora da s números não são animadores. Savaldor Mundi, de Leo- 1971, se mudou de Nova Iorque para Londres. Além disso, devemos
obstáculos institucionais, em oposição aos pessoais, que impediram galeria] foi questionada, repetidas vezes, porque é que não apresentava nardo da Vinci é, tanto quanto se sabe, o quadro mais caro lembrar-nos que a grande maioria dos artistas, homens, mulheres
as mulheres de atingirem a excelência no mundo da arte. Nesse texto, trabalhos de artistas mulheres. Ela respondeu: ‘Porque o trabalho alguma vez vendido. Por ele foram pagos, em novembro ou não-binários, raramente obtém sucesso com o seu trabalho, por
considerado leitura fundamental do paradigma feminista que explodiu das mulheres não vende.’ Ela, claramente, não podia vender obras de de 2017, cerca de 450 milhões de dólares. O top dos artistas mais bem mais maravilhoso que seja. As tendências, a economia, a geografia
no final do século XX, Nochlin relembra: “O facto é que não existem artistas mulheres se não as exibisse, e a sua atitude (como uma das cotados inclui velhos conhecidos (Van Gogh, Picasso e Andy Warhol e a pura sorte também conta nessa equação.” No final da conversa
artistas mulheres extremamente grandes, tanto quanto sabemos, mulheres mais poderosas e influentes da área) causou danos terríveis surgem mais do que uma vez) mas empurra para o fim da lista as mencionada no início deste texto, realizada quando a entrevistada
embora existam muitas interessantes e muito boas, que permanecem por muito tempo.” Recordamos-lhe o ensaio de Nochlin. Queremos mulheres – as que se podem dar ao luxo de pertencer a este clube ainda tinha “apenas” 101 anos, a jornalista aproveitou para pergun-
insuficientemente investigadas ou apreciadas. […] Não há mulheres saber se continua pertinente. “O ensaio de Nochlin, que entretanto se de cavalheiros. Neste campeonato, Georgia O’Keeffe sai claramente tar a Carmen Herrera quem era a sua artista preferida de todos os
equivalentes para Michelangelo ou Rembrandt, Delacroix ou Cézanne, tornou um clássico, sugeria que embora existissem várias ‘boas’ mu- vencedora. A sua obra Jimson Weed/White Flower No.1 foi adquirida pelo tempos. “Carmen Herrera”, respondeu. “Sim, a Carmen Herrera é a
Picasso ou Matisse, nem mesmo, mais recentemente, para de Kooning lheres artistas, nenhuma se qualificava como ‘grande’ – precisamente Crystal Bridges Museum of American Art, em 2014, por qualquer minha preferida.” Nem mais. l
ou Warhol.” Por isso, refere a autora, há que repensar a pergunta porque a definição de ‘grande’ artista exigia que o indivíduo fizesse o coisa como 48 milhões de dólares. Uma diferença abissal para os 133 * Men. Os homens. Mas, espera-se, não será por muito tempo.
que a maioria das mulheres não podia fazer (por exemplo, ser admi-
tido e estudar numa academia nacional de belas artes; passar anos a
trabalhar com modelos nus). E depois, é claro, como muitas mulheres
escolhem casar e ter filhos, as exigências com a sua criatividade, e com
o seu tempo, têm sido historicamente maiores do que as impostas nos
homens, ou nas mulheres, sem filhos. Por outras palavras, o problema
está na palavra ‘ótimo’, não nas mulheres artistas.” 
Faz sentido, então, afirmar que o trabalho artístico das mulheres
é na sua génese, e obrigatoriamente, diferente do trabalho feito por
English version homens? “Pessoalmente, nunca acreditei que o género de um artista

vogue.pt 1 2 9
LIFESTYLE MECENATO

Arte e facto
Arte: atividade humana com um cunho estético e/ou comunicativo que se
manifesta sob uma variedade de linguagens como a arquitetura, a escrita,
a música, a dança, o cinema, entre outros. Facto: o programa Mentor & Protegé
da Rolex tem enriquecido a Arte em todas as suas linguagens. Por Sara Andrade.
seu apelido sobreviver aos séculos e gerar o conceito de mecenato. O é feita de forma muito orgânica – muitas vezes,
termo revolve em torno da ideia do incentivo e patrocínio de pessoas o Conselho já tem uma relação próxima com a
e atividades artísticas e culturais, sendo que o mecenas será, portanto, pessoa e agiliza o contacto. Depois de seleciona-
aquela pessoa cujo poder e dinheiro permite apoiar financeiramente dos, trabalham de perto com a Rolex para traçar
as artes sob que forma for. O Renascimento (séc. XV, mais século, um perfil de protegido que é então passado a um
menos século) pôs e dispôs do seu significado e foi provavelmente a painel de nomes da área – anónimos para garantir
época áurea da valorização das artes, criando obras que ainda hoje imparcialidade – para propostas de potenciais
são cartazes para a importância do setor na vida humana. A Rolex, protegés. O protegido é selecionado finalmente pelo
através do seu programa Mentor & Protegé, reavivou esta ideia de apoio mentor (muitos dos protegés, quando contactados
cultural que vai além de um aplauso sentido – é um investimento pela primeira vez, julgam que é uma partida e
visível para a sua manutenção e procriação. não acreditam, revela Rebecca Irvin, diretora do
Regressemos ao séc. XXI, onde, desde 2002, a iniciativa já forjou Rolex Institute), e a interação entre os dois envol-
dezenas de ligações e outras tantas sagrações artísticas. O compro- ve, por norma, ainda que não obrigatoriamente,
misso a longo prazo da Rolex com as artes e a cultura globais faz um projeto específico por parte do protegé, feito
parte do legado de visão e valores do fundador Hans Wilsdorf, um sob a alçada e consultoria do mentor. As duplas
empreendedor e filantropo cujo propósito, desde o primeiro dia, são depois convidadas a apresentar o dito pro-
foi adotar excelência, performance e contínua melhoria em todas as jeto num fim de semana dedicado às Artes que,
atividades da marca, sendo que a transmissão de conhecimentos é este ano, aconteceu na Cidade do Cabo, África
vertente primordial para a casa, seja na manufactura relojoeira, seja do Sul, ocupando o Baxter Theatre como palco,
no apoio à atividade artística. Conhecendo este background, é fácil de agora gerido por Lara Foot, uma outrora protegé
perceber que o Mentor & Protegé era um projeto fadado a acontecer. A de Teatro (2004/2005).
ideia por detrás do programa (um spin off do Rolex Awards for Enterprise, A temporada de 2018/2019 acolheu as discipli-
que apoia cientistas e exploradores, e já conta com mais de quatro nas da arquitetura, dança, literatura e música, mas
décadas de existência) é promover a passagem de conhecimento de as linguagens podem variar de temporada para
uma geração de artistas para a próxima, acreditando que a Arte é uma temporada, incluindo ainda uma categoria aberta
constante em crescendo, um acumular de experiências que inspiram as para uma mentoria que pode acontecer noutra
gerações vindouras. Através deste projeto, a marca dá continuidade à área não contemplada pelo curriculum delineado
sua dedicação de longa data em apoiar a excelência e a descobrir novos pela Rolex. No ciclo que agora se fecha, o arquiteto Sir David Adjaye,
talentos, seja em que área for. Nesta iniciativa, os nomes dos mentores que detém um OBE e é uma referência na arquitetura contemporânea,
são de topo, os dos protegidos para lá caminham, e o privilégio de orientou Mariam Kamara no desenvolvimento de um projeto em Ni-
interagir com um estabelecido artista acontece ao mais alto nível de ger, o seu berço, cujo intuito é criar espaços de empoderamento da
acto também é que nada neste artigo é uma campanha. Nem intimidade – um para um. A experiência não tem preço – em todos os comunidade, com estruturas e tipologias inovadoras que trabalhem
pelo fator novidade, nem por estarmos a falar de uma mar- sentidos. Ao longo dos dois anos em que a marca apoia estes protegés em prol da sustentabilidade, da aproximação de classes, da igualdade; a
ca – isso é secundário. Aquilo que a Rolex ganha com esta – durante os quais, ambos devem passar, pelo menos, seis semanas bailarina Crystal Pite, que já coreografou mais de 50 performances para
iniciativa, que já tem quase duas décadas, tem tudo a ver com juntos, mas por norma o tempo de troca excede em muito este mínimo reputadas companhias de dança e dirige a sua própria companhia, Kidd
a riqueza de saber que consagrou mais um – ou dois ou três obrigatório –, é a Rolex que suporta toda a logística, seja em termos Pivot, serviu de guia a Khoudia Touré, uma figura incontornável da
ou dezenas de – talento(s) no mundo artístico e pouco ou financeiros seja em termos organizacionais, para garantir que este street dance urbana, vencedora de inúmeras competições e fundadora
nada com a riqueza que se coloca em cofres. Nenhum destes espaço temporal de partilha acontece da forma mais confortável e da SUNU Street, uma iniciativa nascida em 2014 que disponibiliza
artistas cedeu royalties à marca suíça ou lhe deu uma percen- produtiva possível, para ambos os lados. E é importante frisar que o formação em dança para jovens com poucos recursos, no Senegal;
tagem dos seus ganhos. Nenhum destes artistas assinou um termo chave, aqui, é troca, e não passagem de conhecimento: nesta o indiano Zakir Hussain, um dos mais reverenciados músicos dos
contrato sobre potenciais direitos de autor partilhados ou iniciativa, todos ganham – mentor e protegido. tempos que correm, ajudou o inovador baterista Marcus Gilmore a
qualquer acordo do género. Mas, seguramente, todos esta- FOTOGRAFIA: D.R. Os mentores – dos quais já fez parte o português Álvaro Siza Vieira completar a sua primeira peça de orquestra; e o aclamado escritor
rão eternamente em dívida com a marca, dívida essa paga com uma (coincidentemente, integrou a estreia da iniciativa e foi mentor nas Colm Tóibín foi fulcral para Colin Barrett, exímio nas short stories, a
sucessão de conquistas na área. Voltemos um pouco atrás – ainda Artes Visuais, antes da marca ter colocado a arquitetura como uma dis- escrever o seu primeiro romance. “Nunca foi uma coisa de eu dizer
antes de 2002, ano em que a iniciativa Mentor & Protegé se lançou. Vol- ciplina separada, em 2012) – são sugeridos por um Conselho rotativo ao Colin o que fazer, foi sempre muito mais uma discussão de como o
temos ao ano 70 a.C., quando nasce Caio Cílnio Mecenas, um cidadão de especialistas ligados às artes. A escolha e contacto dos mentores formato conto passaria a romance, o quanto colocar, o quanto deixar
romano que hoje em dia poderia ter sofrido algumas represálias na Em cima: Sir David Adjaye e Mariam Kamara, Mentor e Protegée da
de fora, como lidar com as personagens… Em suma, eu ouvia o Colin
escola, pelo nome peculiar, mas que eventualmente se vingaria pelo disciplina Atquitetura. © Rolex/Thomas Chéné. Em baixo: Colin Barrett tanto quanto ele me ouvia a mim”, confessa Colm Tóibín, ratificando
papel proeminente no governo – na altura, enquanto conselheiro de com o mentor Colm Tóibín, da área da Literatura. © Rolex/Bart Michiels. uma das premissas da iniciativa que passa pelo facto de a mentoria
confiança do imperador Augusto. A devoção ao seu círculo literário ser uma partilha, em que não há uma figura mais preponderante na
de amigos, que patrocinou também com bens materiais e proteção passagem de conhecimento. “Nunca julguei que isso fosse acontecer,
política, sustentando a sua produção artística, bem como as vezes mas ainda assim perguntei-me como lidaria se ele me quisesse dizer
em que representou o imperador enquanto orador e patrono, fez o o que fazer”, confirma Colin Barrett sobre esta possibilidade de o

vogue.pt 1 3 1
LIFESTYLE MECENATO

serve de mentor: o realizador, um dos mais proeminentes nomes no


mentor ser uma pessoa autoritária. “E a única coisa que ele me disse panorama atual, orientará na próxima temporada o nativo-america-
foi: ‘eu não vou ser o teu editor. Tu tens um editor. Eu estou aqui para no Kyle Bell, cujo corpo de trabalho se tem focado no povo indígena
quando precisares de ajuda.’ E ele tinha este lado de intuição, esta sen- americano – o seu. No teatro, é Whitney White, uma das jovens ence-
sibilidade de estar lá, estar disponível, mas mantendo a sua distância. nadoras mais procuradas no âmbito dos palcos norte-americanos, que
Ele não podia escrever isto por mim, por mais que eu gostasse. Foi terá o privilégio de partilhar conhecimentos com Phyllida Lloyd, que
a coisa mais generosa que fez por mim: tratou-me como igual, não tem entre as suas produções galardoadas peças como Mamma Mia! e
como autoridade.” Não é a única dupla a expressar esta sensação de The Iron Lady. Nas artes visuais, a multidisciplinar Carrie Mae Weems
igualdade. “Só o tê-la ali ao lado enquanto trabalhava nos meus dife- junta-se à realizadora e artista visual colombiana Camila Rodríguez
rentes projetos foi a melhor maneira de levar a cabo esta função de Triana. Na “categoria aberta”, o protégé ainda por anunciar beneficiará
mentora, não a tratei de uma maneira diferente do que trataria qualquer da experiência de Lin-Manuel Miranda, responsável por criar e atuar
bailarino da minha companhia de dança, ou colegas”, revela Crystal no afamado musical Hamilton, da Broadway, e galardoado com vários
Pite sobre o acompanhamento de Khoudia Touré. “Nunca senti que prémios, dos Emmys aos Tonys.
precisasse de averiguar o que é que ela estava a aprender. Também Até agora, o programa contou com 54 mentores (de luxo, acrescen-
não achei que esse controlo me competia. É interessante porque ao te-se, como Alfonso Cuarón, Martin Scorsese, Margaret Atwood, Mario
início ganhas esta oportunidade e pensas, ‘ok, o que é que eu tenho Vargas Llosa, Gilberto Gil, William Kentridge, entre outros) e outros
de fazer?’ É uma responsabilidade tão grande quanto a oportunidade tantos protegidos (um dos quais o português Vasco Mendonça, na área
que é.” O crescimento pessoal e profissional ao longo da temporada é da música, que foi protegido do compositor finlandês Kaija Saariaho),
absolutamente patente, confirma Khoudia: “Conhecer a Crystal fez-me em prática e a absorver aprendizagens, mas também porque podem mas também com cerca de 1.200 nomeados ao longo do processo e
avançar muitos passos na minha formação em dança, colocou-me em depois apresentar essa obra no fim de semana de artes que a Rolex ainda mais umas centenas de proeminentes figuras que serviram de
contacto com novos nomes na área.” E continua, acrescentando que promove depois de cada ciclo terminar: “Uma das coisas mais genero- conselheiros ao programa. Apesar de durar um par de anos, as relações
a sua oportunidade não termina em si: “Uma das coisas do programa sas nesta mentoria”, começa Mariam Kamara, protégé na arquitetura, forjadas entre os dois intervenientes resultam em amizades duradouras
é a possibilidade de aprender a usar ferramentas, como a improvisa- “e no modo como o David [Adjaye] quis estruturá-la é que, como ele e trabalhos conjuntos que vão muito além da temporalidade do ciclo.
ção, de um modo ainda melhor, saber controlar estas ferramentas. queria trabalhar nos meus projetos, isso permitiu-me expressar a Por vezes, antigos protegidos podem vir a tornar-se mentores ou a
(…) Esta mentoria chegou numa altura em que procurava sabedoria. minha voz e ele ajudou-me ao longo do caminho. Continuou a ser o participar de forma indireta no projeto, um dos efeitos colaterais da
Ao estar disposta a perder-me, procurava ser desafiada e descobrir meu próprio instinto.” Os protégés que vêm a integrar o programa já iniciativa. O impacto de uma oportunidade deste nível é game changer,
novos pormenores sobre o meu corpo. Mas também queria absorver têm algum CV e provas dadas de talento em cada área, mas o progra- A TEMPORADA DE 2018/2019 pode mudar o rumo de qualquer dos selecionados. Os comentários
conhecimento para poder depois passá-lo aos bailarinos que não ma pode ser – ou melhor, é – um ponto de viragem para qualquer ACOLHEU AS DISCIPLINAS mais recorrentes são o aprofundamento de noções sobre a disciplina
DA ARQUITETURA, DANÇA,
podem viajar como eu pude.” um dos talentos, muitos deles com um background de batalha só para na qual atuam, o incremento da confiança em si próprios, pensar fora
LITERATURA E MÚSICA, MAS AS
chegarem a patamares muito abaixo deste da Rolex: “Eu quis ser LINGUAGENS PODEM VARIAR DE da caixa, promover um perfil internacional e estabelecer uma rede de
iajar faz parte do processo. A maioria arquiteta desde muito cedo, confesso”, conta Mariam à Vogue. “Mas TEMPORADA PARA TEMPORADA contactos inigualável. Muitos deles acabam por singrar solidamente,
dos duos vem de países diferentes e pre- acabei por não estudar arquitetura, porque não conseguia conceber sendo que os benefícios da sua participação não se esgotam no pe-
cisa de colecionar escalas para fomentar seguir uma carreira artística. Sentia que era quase indulgente escolher ríodo de mentoria. “Também senti que a beleza deste programa é a
os encontros – a Rolex promove esses rendez-vous seguir algo relacionado com as Artes, colocar os meus pais a pagar oportunidade de estabeleceres relações humanas além de tudo o resto
com uma única expectativa de retorno: o enri- propinas e a ir para longe, terem de ser feitos sacrifícios… parecia-me e isso é incrível, simplesmente te conectares além da parte formal, sem
quecimento profissional (e pessoal), seja de que obsceno, um desperdício. O que fazia sentido era ser médica ou advo- fazer parte do dever, é só uma ligação humana, que definitivamente
lado for. “Eu senti que tínhamos muita liberdade gada ou engenheira. Por isso, decidi-me pela última e fui engenheira irá evoluir com o tempo, porque sei que fiz uma amiga para a vida”,
[da parte da Rolex] para decidir onde queríamos informática durante muitos anos. Mas aquele desejo de ser arquiteta finaliza Khoudia. E contra estes factos, não há argumentos. l
encontrar-nos e como, senti que estavam aqui para nunca me deixou. Por isso, larguei tudo da noite para o dia, voltei à
dar apoio em logística e questões organizacionais”, arquitetura.” “Há outro fenómeno que acontece”, corrobora Sir David
explica-nos a dançarina do Senegal. “Em termos Adjaye, “que é esta ideia de que, se o continente é pobre, só te podes
de produção, acho que pode ser intimidante, no comprometer com determinados assuntos. E isso foi uma lengalen-
início, ter acesso a tamanha riqueza, por isso eles ga que a nossa geração teve de engolir. És pobre, por isso tens de
deram muito apoio moral e fizeram tudo para que fazer algo que é percecionado como útil, tipo, tens de ser médico ou
nos sentíssemos confortáveis, mas nunca inter- engenheiro, não podes ser artista. Na verdade… não é bem assim. A
feriram no espaço criativo. Não há prazos nem arte é tão importante como as engenharias, porque ambos acarretam
pedidos para um retorno específico…”, diz Khoudia. conhecimento nos seus sistemas.” “Sim”, acrescenta Mariam, que
Crystal Pite ratifica: “Sim, é deveras extraordinário. hoje pode gabar-se de ser um exemplo para colegas e conterrâneos,
Pensar que fazem um investimento destes e não mostrando que é possível contrariar estes dogmas. “É obvio que é
pedem nada em troca em termos de um produto importante construir diques e ser médico, mas eu também posso
específico… não há cobrança. Eles confiam em nós querer ir ver uma peça de teatro. Não é algo exclusivo a uma porção
para fazermos o que fazemos e que vamos fazê-lo do planeta”. “A criatividade nunca teve a ver com a quantidade de
com rigor e clareza e compromisso.” “Eles nem dinheiro que tens, tem a ver com a tua expressão.”, remata David. E
sequer ditam a duração ou formato do que vais é isso que a Rolex recompensa, não olhando a origens ou credos dos
apresentar. Foi de facto extraordinário ter essa seus selecionados. O mais importante é escolher valências e empa-
FOTOGRAFIA: D.R.

liberdade.”, remata Khoudia. relhá-las da melhor maneira. Este ciclo foi mais uma prova de que o
Apesar de não serem obrigados a tal, por nor- conseguem – e o próximo promete dar continuidade ao repto com Em cima: Zakir Hussain com o "discípulo" de Música, Marcus Gilmore.
ma, as duplas trabalham num projeto na área da estas parelhas. Para 2020/2021, as disciplinas serão cinema, teatro, © Rolex/Bart Michiels. Em baixo: Khoudia Touré em performance, sob o
olhar da mentora de Dança, Crystal Pite. © Rolex/Tina Ruisinger
sua excelência. Primeiro, porque ajuda a colocar rtes visuais e uma “categoria aberta”. No cinema, é Spike Lee quem

vogue.pt 1 3 3
LIFESTYLE CASA

Artes
em partes
Mas não em parte incerta. Melides Art é a morada
que serve de ponto de partida para um conceito
ligado à criação artística que não tem endereço ou
ponto geográfico. Um conjunto de ecossistemas
que nem sequer tem fronteiras – apesar de
encerrar em si diversas disciplinas e performances
culturais num determinado tempo e espaço. Só
que elas não se esgotam nessa temporalidade, vão
além de um encontro numa agenda. Porque, aqui,
o todo é de facto maior que as partes. Por Sara Andrade.
primeira vez que me cruzei com o Miguel Carvalho, o
nome por detrás destes ecossistemas, foi nas casas que
vê nestas páginas. Ainda o outono/inverno não tinha
chegado, a rentrée não se fazia sentir e o sol estival aque-
cia bem demais qualquer impromptu road trip até Melides,
como aquela que fizemos nessa sexta-feira, 30 de agosto
de 2019. Queríamos ver de perto esta iniciativa que servia
de palco a uma multiplicidade de disciplinas e linguagens
artísticas e conhecer o homem que – nunca sozinho,
defenderá o próprio – fervorosa e incansavelmente as
promovia e fazia acontecer. Tinha um panamá de palha
que viríamos a constatar ser um trademark tão icónico quanto a sua
farta barba. Recebeu-nos descalço (ou algo nessas linhas) e ratificava
essa noção de descontração enquanto nos mostrava os recantos à casa
e à zona. Comentava o quão pesadas eram as portadas, a primeira
vez que lhe invadimos o espaço, porque “a ideia é mesmo ter um
ritmo diferente daquele que temos na cidade. É suposto ser pesado.
É suposto demorar”. É suposto pararmos para olhar, para deambular
devagar: num ambiente que se pinta a bege mas que não é baunilha
– no senso aborrecido que às vezes se diz que a baunilha tem – a
tranquilidade de uma paleta cromática harmoniosa é só perturbada
(e bem) pelas obras de arte que se destacam nas paredes largas e
átrios imponentes q.b.. Umas serão temporárias, outras serão prata
da casa. Todas são e serão as eternas protagonistas – naquele dia e
sempre: “a etiologia desta ideia eu não consigo dissecá-la, porque a
minha vida é uma sequência de acontecimentos e estão todos ligados
entre si.”, diz Miguel, já em 2020, quando nos voltamos a encontrar
a propósito desta edição da Vogue. O fundador refere-se a isto que
se chama Melides Art, mas que não é um hotel nem um conjunto de
moradas, nem alojamento local, nem refúgio de fim de semana – ou é
tudo isso, mas mais além, é uma espécie de meca para as Artes, mesmo
que num microcosmos (em sistemático crescendo, assinale-se). Aqui,
expõe-se arte nas paredes, pelos vastos hectares, e em performances
na sala e no quintal. “Esta ideia”, continua o seu autor, “no fundo, é
o resultado de uma intenção, de uma inquietação permanente em
relação à vida, de procurar oportunidades de criação. E de o fazer de
uma forma que seja viável e sustentável. A base é uma inquietação
perante a vida e uma busca pela criatividade em que a criatividade
e a arte são repositórios de respostas existenciais e de esperança.
Isso é a ideia de Melides. Até mesmo na aceção: é um conceito que
não tem espaço físico nem limites conceptuais. Não tem localização
física – quer dizer, é um hotel rural, com unidades de alojamento e
as pessoas podem comprar essas unidades, mas isso é meramente
instrumental, porque Melides existe enquanto ideia, é uma intenção
de abordar e de se relacionar com o mundo e com os outros de uma

vogue.pt 1 3 5
LIFESTYLE CASA

FOTOGRAFIA: D.R.

1 3 6 vogue.pt vogue.pt 1 3 7
LIFESTYLE CASA

certa forma. Pode acontecer em qualquer lado, eu espero que aconteça dunas (parece que as casas nasceram das dunas, quais castelos de
em qualquer lado, que esta ideia seja infeciosa e inspiradora e que se areia) como usou um espectro muito limitado de materiais. Todos os
replique, e isso é o que Melides pretende ser.” E essa ideia é a de um estúdios no interior e exterior foram revestidos a um único material,
sistema de trocas a diferentes níveis que promove encontros abertos que é uma espécie de um barramento industrial, altamente resistente,
ligados às diversas linguagens artísticas, bem como viabiliza a criação exatamente para poder receber pessoas e poder servir de atelier, para
artística – é esta a maior especificidade em termos de definição que não se danificar. E depois no resto usou poucos materiais: usou pi-
o termo permite, porque a abertura para se criarem e viabilizarem nho, que é um material da região, o vidro… Os interiores, pelo James
projetos, desde que ligados à produção, criação, arte, é inesgotável. Waterworth, levam a um nível ainda maior de refinamento, aquilo
Tudo o que tentar detalhar sobre este conceito – que já viu concertos que são os interiores dos estúdios”. Porquê estúdios e não casas ou
acústicos numa sala repleta e grupos corais ao ar livre, exposições a moradias? “Um estúdio, na sua origem, é uma palavra inglesa que pode
céu aberto e residências artísticas – será sempre redutor. significar um lugar de criação, um lugar de habitação, com uma certa
Apesar da ideia não ter espaço físico ou limites concetuais, ela tem tipologia, portanto, tem uma certa ambiguidade. E nós estamos nessa
um ponto de partida, uma morada que a vê nascer e crescer, indicada ambiguidade. Somos um espaço no qual as pessoas podem pernoitar,
no GPS como Melides Art, mas dissimulada se explorar a vista satélite mas é um espaço de criação e é um espaço de encontro. Por isso é que
do Maps. É que o planeamento das estruturas que Miguel apelida de nós chamamos de forma intencional estúdio porque queremos que
estúdios foi totalmente pensada em harmonia com os arredores: “A estes espaços sejam tudo isso. E também um espaço de exposição e
arquitetura foi feita pelo atelier do Toni e Tomeu Esteva [Esteva i Este- de apresentação e residência artística. E de permanência. Temporária,
va], um atelier de pai e filho que fez uma série de projetos emblemáticos mas a ideia também é essa”.
no meio da hotelaria a nível mundial. E pareceram-me os arquitetos
ideais por várias razões”, lista Carvalho. “São artistas, que depois en- icar maravilhado pela arquitetura e espaços interiores e exte-
contram na arquitetura uma forma de vida viável e de expressão. O pai riores é natural – e encorajado –, mas deixar que a admiração
foi escultor, por isso, eu conseguia exprimir esta ideia e ele entendia se fique por aqui é não entender o propósito de Melides
o que nós pretendíamos. E o que nós pretendíamos era que o espaço enquanto ideia (atrevo-me a dizer, antes, enquanto movimento). É
fosse um estúdio, com uma volumetria generosa para receber muitas que a sua beleza não está na incrível combinação das madeiras com a
pessoas, para poder receber peças de arte e performances, mas que fosse tonalidade das estruturas, ou das piscinas que parecem ser namoradas
ao mesmo tempo um espaço invisível, que não se impusesse ao terri- pelas árvores, está na iniciativa, no almejo, no querer ser um espaço de
tório, à paisagem belíssima de pinheiros que pontuam dunas de areia, troca criativa, com intervenientes que facilitam essa troca e cedem os
e isso parecia uma proposta impossível, quer dizer, como é que eu ia seus espaços, conhecimentos, contactos em prol de fazer crescer isto
ter edifícios inteiros generosos, com uma volumetria generosa, mas que é Melides Art – seja ali, seja em qualquer parte do mundo. E o lado
invisíveis? E que promovam uma relação permanente entre o interior humano deste espaço físico é o âmago de um projeto apenas limitado
e o exterior, em que muitas vezes as pessoas se perdem sem saber pelos limites da imaginação – e todos sabemos que a imaginação não
se estão no lado de dentro ou de fora. E a solução que ele encontrou tem limites: “Todas as ideias, se tiverem uma expressão física, serão
do ponto de vista arquitetónico foi uma estrutura muito minimal de mais fáceis de assimilar. E mesmo o processo de criação, se tiver ao
linhas e ângulos retos que se desenvolve num espectro cromático seu dispor uma estrutura física, também oferece novas oportunida-
muito estreito – não só o edifício tem uma cor muito similar à das des para os seus criadores. Melides, enquanto espaço físico, procura
ser isso, um local onde os artistas e os criadores se possam cruzar
naquilo que é uma rede informal de troca espontânea, e nessa troca
espontânea de ideias surgem novas ideias. Essa plataforma física
só existe porque as pessoas que, no fundo, participam no projeto,
quando decidem participar dele, também aceitam expandir esta ideia,
através da sua rede de contactos, através da sua energia e capacidade
de realização.” E acrescenta: “Uma das grandes alegrias que tenho,
ao olhar para este projeto, é que ele vive mesmo das pessoas que
participam nele. Elas fazem tanto ou mais do que eu. Posso dar um
exemplo de 2019 – eu não gosto de lhe chamar evento, porque um
FOTOGRAFIA: D.R.

evento passa a ideia de entretenimento, estes são mais encontros em


que os artistas apresentam a sua arte e exploram cruzamentos da sua
arte com outras artes, que podem ser do mesmo género ou doutro
tipo, como um poeta que atua com um violoncelista ou quando um

1 3 8 vogue.pt
LIFESTYLE
CASA

FOTOGRAFIA: D.R.

FOTOGRAFIA: D.R.

vogue.pt 1 4 1
LIFESTYLE CASA

bailarino decide encontrar-se com um músico ou com um cineasta vista para a natureza, cada obra que o cativou de um qualquer artista
ou com um poeta. E esses encontros, que são em si uma performance, que agora é um amigo para a vida. “Não há uma estrutura formal de
Em cima: The Humans, por Olaf Breuning. são abertos às pessoas, podem-se inscrever, podem-se propor a ir, curadoria no Melides Art, uma das propostas que nós trazemos é
Ao lado: Colorful Monsters, de Robert Melee.
Em baixo: The Autumn Bear, da autoria
não é um clube privado, que é aquilo em que eu acho que o mundo se ser realmente uma rede, ou melhor, um ecossistema aberto, porque
de Marnie Weber, no Melides Art. está a transformar – um espaço aberto onde as pessoas se cruzam uma rede não pressupõe uma troca de energia nem tem um objetivo
de uma forma contínua e desregrada. O ano passado, nós tivemos comum que é a sobrevivência.” começa por explicar sobre a forma
tranquilamente mais de 50 encontros. Alguns com 800 pessoas, ou- como tudo acontece e evolui. “Uma rede pode ser uma realidade fixa
tros menores com 50 pessoas, 100 pessoas. Só nos meses de verão e imóvel. Pode implicar uma troca, mas o ecossistema prevê todo o
tivemos dois por semana, só aí são cerca de 24. Depois tivemos mais tipo de trocas – é a expressão correta para aquilo que estamos a fazer.
espalhados”. E isto é apenas a ponta de um iceberg que não derrete Nós estamos a tentar construir um ecossistema que se inicia num
sob influência nenhuma, enquanto houver vontade e paixão pelas local físico, que tem uma estrutura física, mas que não se limita, nem
artes. Aliás, o próprio espaço de Miguel Carvalho, um de muitos é, aquela estrutura física.” Por isso, falar em curadoria não faz muito
num terreno que projetou 34 residências de 600 m2, tem sido palco sentido, porque à medida que o ecossistema cresce e se desenvolve
recorrente para as mais variadas manifestações artísticas, sejam de e funciona da melhor maneira, essa curadoria acontece. E continua:
um serão apenas ou prolongadas no tempo. É esse o seu propósito, “A ideia de ecossistema é a de uma estrutura de agentes biónicos e
afinal, garante: “Eu não tenho nada ali [no seu estúdio]. Eu ocupo um abióticos que se organizam numa rede de troca de energia tendente
espaço, sou um visitante regular e estou envolvido na promoção de à sua sobrevivência. A sociedade é um ecossistema. Mas também há
um projeto. Mas esse estúdio já teve várias residências (e os outros ecossistemas criativos e ecossistemas de criação e de futuro e de
também, é preciso que se diga). Nós não divulgamos todas as resi- inovação. E isso é o que eu tento criar. Melides é isso. E como é que
dências porque as residências são um espaço de recolhimento, mas se sustenta esse sistema? É aí que os estúdios ganham relevância
posso dizer que tivemos alguns dos expoentes máximos da pintura porque são elementos que são vitais para o ecossistema funcionar. É
mundial, do cinema, da poesia contemporânea, este ano vamos ter da que os agentes de um ecossistema, normalmente, não são idênticos.
dança contemporânea… pessoas que ninguém viu, mas que estiveram A diversidade e a heterogeneidade dos elementos de um ecossistema
lá a criar. De uma forma mais pública, posso divulgar porque ele já é que lhe dão vitalidade e beleza. E, portanto, o meu interesse é o
divulgou, esteve lá o Salvador a preparar recentemente o concerto do da criação de um ecossistema, porque ele é sustentável, é diverso,
Jacques Brel, esteve com um naipe de músicos de excelência, e vi que é criador, renova-se, é tudo aquilo que o Melides Art pretende ser.”
ele já falou em entrevistas e que sintetiza muito bem a experiência que
nós queríamos que as pessoas tivessem lá. Que é poderem sentir-se uvir Miguel falar de todos os detalhes que compõem este
em casa e estarem num espaço completamente focados na criação, mas ecossistema que nasceu na sua mente e se materializou
num espaço que é inspirador, tranquilo, e que não perturba a criação, das suas mãos e relações pessoais e profissionais, qual
antes a potencia. (…) Eu acho que Melides é um contributo modesto, obra criativa de que área for, é assumir que a sua ligação à arte tem
mas não deixou de ser importante para a realização desse projeto.” sido de natureza íntima – e tem, mas não da forma como julga. O seu
Conhecer o conceito por detrás de Melides Art é assumi-lo como background é muito diferente do de alguém que estudou as disciplinas
um projeto altruísta, mas Melides [Art] é puramente egoísta, tanto da área e que hoje é pintor, escultor, etc. “O meu pai era diplomata e,
quão belo o egoísmo pode ser. É que Miguel Carvalho vibra no limiar na fase da carreira dele em que eu nasci, esteve sempre no estrangeiro;
da transcendência com cada quadro que lhe passa pelas paredes, cada eu não vivi em Portugal. Portanto, quando me tornei jovem-adulto,
escultura que lhe ocupa o terreno, cada nota que lhe invade a sala com também fiz a minha vida fora de Portugal. Tive várias atividades, na
indústria, na tecnologia, sempre fui empresário, sempre fui apoiado
por investidores que acreditaram nos projetos que eu promovia e esses
projetos que eu fiz na área empresarial foram projetos interessantes
que também me levaram a ter as competências para poder chegar
aqui e ter os recursos de gestão e de organização para poder levar
a cabo este ecossistema. E eu sempre tive uma grande afeição pelas
ideias, pela capacidade transformadora das ideias e pela longevidade
das ideias. Porque nós temos um prazo de validade incerto, mas curto,
FOTOGRAFIA: D.R.

FOTOGRAFIA: D.R.

mas as ideias não. Se formos pensar como é que as ideias têm 100,
500, 1000 anos e ainda nos ocupam, ainda nos dirigem, ainda nos
promovem enquanto pessoas, isso é fascinante. Também me fascinou a
revolução que o Duchamp trouxe à arte, através do ready-made, o valor

vogue.pt 1 4 3
LIFESTYLE CASA

conjunto de pessoas, de artistas, como o Johannes VanDerBeek, com


quem tenho uma relação próxima, que me fizeram ver que a arte tem
um relevo fundamental na vida das pessoas. Que não é um elemento
decorativo, que não é um pretexto de reunião social; objetivamente,
a criação artística é fundamental na existência do Homem.”

ão é de estranhar por isso que os hectares que se estendem


pelo horizonte contemplem, além dos estúdios, um Art Park
que pontua os caminhos ao longo da extensão e ainda um
Art Pavillion – e pavillion surge em inglês porque é o termo estrangeiro
que melhor o define, enquanto, de uma forma simplista e como diz o
Oxford Dictionary, “temporary building used at public events and exhibitions”.
“O pavillion”, conta-nos, “é a primeira estrutura (não é a única, há um
conjunto de estruturas coletivas destinadas à criação, vamos fazer
um estúdio de gravação de música, um estúdio de pós-produção de
Art Pavilion cinema, e queremos ter espaços que funcionem não só como espaços
de exposição, mas também como espaços de criação). Além do Art Pa-
villion, Melides tem um conjunto de propostas culturais, um deles uma
exposição permanente de esculturas; e tem uma segunda exposição
que se chama Transformer. Foi uma proposta do Marc-Olivier Wahler,
que foi diretor do Palais de Tokyo e diretor do Broad Museum, de
Michigan. Quando eu o convidei para fazer um parque de esculturas,
ele disse-me que tinha todo o interesse, desde que fosse uma coisa
da intenção e do contexto, e como é que os contextos são capazes de nova, porque ele não faria mais nenhum onde elas fossem colocadas
ditar o significado do seu conteúdo. E, eu acho importante dizer isto, de forma inerte na natureza, que no fundo é a realidade da maior par-
porque ninguém nasce órfão, este projeto evidentemente radica naquilo te das esculturas. Se fores lá múltiplas vezes, não vais ver o mesmo
que é a energia que a minha mãe sempre pôs em tudo aquilo que faz. cenário. Ele queria uma intervenção artística que se transformasse,
Que é uma empreendedora, sempre foi uma grande organizadora de daí ter-lhe chamado Transformer, em que houvesse uma relação de
iniciativas de caráter social, uma grande dinamizadora e promotora tensão entre a criação artística e a natureza.” E conseguiu. Entre os
da imagem de Portugal e eu vi isso na primeira pessoa. E o meu pai estúdios, há obras de Marnie Weber, Robert Melee, Olaf Breuning, que
sempre foi uma pessoa intimamente ligada à poesia e à filosofia e ele se apresentam diferentes a cada dia que nasce, tão distinto do anterior,
transmitiu-me esse interesse. Mais tarde, cruzei o meu caminho com como podem comprovar os visitantes e moradores: “As pessoas que
aquele que é um grande amigo meu e que eu admiro imenso por aquilo participam neste ecossistema, mais do que vizinhos, são pessoas que
que ele já fez na arte contemporânea enquanto promotor de artistas vêm de todo o mundo e que à sua maneira acreditam nesta ideia. E é
e pensador, e é uma pessoa que respirava de forma constante aquilo por isso que estão lá. E são pessoas que, à sua maneira, de uma forma
que são os modelos da Arte e os mecanismos do comércio da Arte e empenhada, têm tudo feito para que esta ideia progrida. As semelhan-
dos Museus, que é o Stephen St. Claire. O Stephen é um amigo meu da ças que têm é que viveram pelo mundo, que tiveram algum sucesso
adolescência, com quem eu passei bastante tempo nos Estados Unidos, profissional em determinada área e que viram neste ecossistema um
em Los Angeles. Mas mais tarde na vida cruzámo-nos e decidimos de canal para abordarem a vida de uma forma diferente. Como acedem
uma forma espontânea iniciar um projeto de apoio a um artista que e como participam na criação de arte, porque há também aqui uma
queria fazer um projeto que era de difícil viabilização. Como eu tinha ideia de cocriação, sem elas seria completamente impossível esta ideia
experiência industrial e ele vinha do mundo da Arte, tínhamos esta materializar-se como tem vindo a materializar-se. Nem todas, tendo
FOTOGRAFIA: ANABELA SOARES.

vontade de nos juntarmos e ajudar este artista. E juntos, idealizamos ligação às artes, têm essa vontade de ter e veem nisto um caminho.
muitos projetos para um grande número de artistas que ajudamos e Mas são pessoas que, de alguma forma, foram inovadoras na sua área.
viabilizamos realizar exposições em museus, em galerias, no espaço Entraram numa realidade com sistemas pré-estabelecidos e criaram
público. E ver o entusiasmo dele e o comprometimento que ele tem um novo sistema. São pessoas que têm uma ligação à inovação. E a
com as suas ideias e com a prática dos artistas foi muito inspirador e inovação, por definição, está ligada à criação, percebem que esta pro-
foi, de certa forma, um modelo que eu depois vim a seguir de forma posta que parece etérea, de facto tem muito valor. E isso, para mim, é
autónoma na minha relação com os artistas em diferentes áreas. Há um o mais importante”. Para o mundo das artes também. l

1 4 4 vogue.pt
LIFESTYLE TENDÊNCIAS LIFESTYLE SHOPPING

Rocócó
Com os olhos postos naqueles que apreciam uma decoração sumptuosa, mas
ao mesmo tempo elegante, leve, e um tanto ao quanto intimista, o Rococó pode não
ser uma escolha óbvia mas, depois de entrarmos neste jogo, é go big or go big.

1. The Large Hall, por Francesco Chiarottini.


2. Cadeira GG em jacquard, € 4.900, Gucci. 3. Estátua Apollo em gesso, € 179, HKliving.
4. Relógio Antique French Gilr Bronze Roco Mantel Clock, circa 1893, € 5.360,14, em 1stdibs.com.
5. Espelho de mão em prata, € 980, Gucci. 6. Armário em madeira, € 3.401,24 (aproximadamente), Pamono.com.

FOTOGRAFIA: MAURO MAGLIANI / ELECTA / MONDADORI PORTFOLIO / GETTY IMAGES.

Guggenhome 3
4

Que atire o primeiro pincel quem nunca quis levar consigo, debaixo do braço, 5

o Les Demoiselles d’Avignon, de Pablo Picasso – que está no Met, em Nova Iorque,
para quem se quiser arriscar. Mas, para que a arte nunca saia da nossa casa,
e para evitar penas de prisão, fomos buscar inspiração aos principais movimentos
artísticos para um lar doce lar mais artístico. Afinal, com a primavera a bater
à porta, não é só o guarda-roupa que pede um upgrade. Por Rui Matos. 2
6

vogue.pt 1 4 7
LIFESTYLE TENDÊNCIAS

1 1

Impressionismo Cubismo
Claude Monet, o expoente máximo do Impressionismo, costumava afirmar que só é possível Tentar representar objetos em três dimensões, numa superfície plana, sob formas
conhecer plenamente um objeto se for possível experimentar toda a gama de possibilidades geométricas e com o predomínio de linhas retas? Pablo Picasso e Georges Braque
e impressões que ele provoca. E se Monet o diz, quem somos nós para refutar. provaram que é possível. O resultado é digno de uma hashtag millennial: #goals.

FOTOGRAFIA: ASHMOLEAN MUSEUM / HERITAGE IMAGES / GETTY IMAGES; FINE ART IMAGES / HERITAGE IMAGES / GETTY IMAGES.
1. The Tuileries Gardens, Rainy Weather, 1899, Camille Pissaro. 2. Mala de viagem Almond Blossom, € 479, Samsonite. 1. Nature Morte Au Pain. Encontrado na coleção do museu Sprengel Museum Hannover.
3. Puzzle Monet Bridge and Water Lilies, € 18,34 (aproximadamente), em Metmuseum.org. 2. Prato Dayo em cerâmica, € 95, Ferm Living. 3. Vaso Love Handles em cerâmica, € 377, Anissa Kermiche,
4. Armário Club Ocean Lacquer em madeira, Armani Casa.. 5. Cache-Pot Médio em grés fino, € 10,50, Le Jardin, Costa Nova. em Matchesfashion.com. 4. Máscara Masque Abstrasso VII, € 199, Umasqu, em Felux.com.
6. Almofada Winterthur em algodão acetinado, € 297, Missoni. 5. Cadeira Vondom Faz Lounge Chair, € 1.067,74, em Milanclick.com. 6. Tapete em lã, € 393,62 (aproximadamente), Alex Rocca.

3 5 3
5

2 2
6 6

vogue.pt 1 4 9
LIFESTYLE TENDÊNCIAS LIFESTYLE SHOPPING

1 1

FOTOGRAFIA: DESMOND MORRIS COLLECTION/UNIVERSAL IMAGES GROUP / GETTY IMAGES; VIEW PICTURES / UNIVERSAL IMAGES GROUP / GETTY IMAGES.
Surrealismo Bauhaus
Sonhos, fantasias, inconsciência e ausência de lógica, estas são as bases das criações No início do século XX, quando se fundou a Escola de Arte Bauhaus, o objetivo era inovador:
surrealistas. Essas são também as bases da nossa mente, que se perde em devaneios romper com o ensino clássico da arte. O resultado foi de tal forma promissor que, mesmo
e se junta aos mestres desta arte: Salvador Dalí, Joan Miró e René Magritte. 100 anos depois da escola ter fechado, o Bauhaus mudou completamente o design moderno.

1. Limbo, Desmond Morris. 2. Vaso Fish Design, € 427, Gaetano Pesce, em Yoox.com. 1. Bauhaus Dessau 1925/26, Dessau, Alemanha. Walter Gropius Office, interior com cadeiras Tubular e secretária em madeira.
3. Vaso Crumpled Salmon Powder, € 237,19, em 1stdibs.com. 4. Espelho Pond Mirror, € 269, Ferm Living. 2. Candeeiro de mesa Coulisse em aço, pele, madeira de bambu e papel colorido japonês, € 4.900, Tomàs Alonso para Hermès
5. Cadeira Kolho Lounge Chair, € 3.610,72 (aproximadamente), Matthew Day Jacksin for Made by Choice, Maison 3. Candeeiro Eclisse, € 150, Vico Magistretti, em Yoox.com. 4. Cadeira Exploded Chair em madeira e acrílico, Joyce Lin.
em Thefutureperfect.com. 6. Mesa Bonnie & Clyde em mármore, € 17.139, Dooq. 5. Espelho Half Moon Mirror, aproximadamente € 4.996,71, Bohinc Studio. 6. Mesa Concrete Coffee Table, € 1.175, em TH2 Studio.

4 4

3 5
3
5

2 2
6 6

vogue.pt 1 5 1
LIFESTYLE GOURMET

Em Prata que
é uma Arte
Que os olhos também comem já todos sabemos.
Também sabemos que esta é uma expressão
antiquíssima. Então porque não colocámos a
porventura óbvia hipótese de ser tão ancestral
quanto a arte de empratar? É que, visto deste
prisma, cai a teoria do "Oh, isso são tudo
modernices". A aparência da composição de
um prato é, desde sempre, um dos pilares que
sustenta a restauração. Pelo menos, a que
apetece comer. Só de ver. Por Nuno Miguel Dias.
primeiros tempos num navio de cruzeiro, onde o
brio era obrigatório, os olhos habituados a outras
paragens e o less is more que lhe vinha do âmago
alentejano (umas ervinhas aqui, dispostas assim
sobre uns sumarentos nacos de borrego assado
no forno) casavam na perfeição com a sapiência
da minha mãe no que toca a tempos de cozedura
e pontos de caramelo. Chegavam-nos à mesa uns
belíssimos pratos (que ainda hoje existem) onde a
comida era depositada tão ordeiramente quanto
se comia, previamente, com os olhos. E nariz,
é Dias começou a trabalhar aos 12 anos como copeiro num também. Um dia, ouvi do meu pai a coisa mais
navio de cruzeiro. A única fotografia que lhe conheço sem ofensiva de sempre, tão díspar da sua personali-
bigode é aquela que lhe tiraram, num dos poucos dias de dade, só que estava relacionada com aquilo que
folga, à secretária do camarote do pai, espaçosos aposentos o apaixonava. Felizmente, foi dita em surdina,
de despenseiro, a redigir uma carta de saudades para a sua num restaurante. O empregado traz-nos Rancho
mãe (a minha avó) e irmãs (as minhas tias, pois claro). A Beirão. Ele fita a mistura de grão-de-bico, couves,
melhor parte do itinerário do Príncipe Perfeito, esse "pa- massa cotovelinhos, cenoura e carne de porco.

FOTOGRAFIA: DEA / G. DAGLI ORTI / GETTY IMAGES.


quete" que era um verdadeiro gigante dos mares e, logo, Franze o sobrolho, depois sorri e declara: "Deus
orgulho nacional, contava-me ele com aquele brilho nos me perdoe, mas isto parece o que lá na terra se
olhos que assoma quando nos recordamos de quando éra- deitava no masseirão para os porcos. Vou pedir
mos meninos, era aportar em Cape Town e correr até à loja um bitoque". Encantador, Zé Dias. Encantador.
da Cadbury's, um lugar mágico onde os chocolates tinham passas e Sim, as nossas omeletes nunca ficam iguais às
avelãs e casca de laranja e coisas ainda mais inimagináveis do que que vemos nos programas de culinária, o carrê
tentarmos hoje regredir a um tempo em que Portugal tinha muito de borrego nunca se queda tão suculento como o
pouco. Não ali, em África. "Lourenço Marques continua a ser o lugar da foto da revista da Bimby e nem o aveludado de
mais bonito que eu já vi", confessava já nos seus 60, marinheiro feito, abóbora aguenta os croutons à superfície como na-
meio mundo na bagagem da memória, algumas mazelas de tanto quele spot publicitário. É uma luta inglória. Muitos
trabalho e aquela necessidade quase diária de "ir ver o mar", fosse à foram os que pereceram nesse afã, abandonando
Caparica, ali a dois passos, ou à Milfontes da sua meninice. Para se para sempre o fogão lá de casa e todos os utensílios que compraram
tornar despenseiro (responsável pelo aprovisionamento do navio em com tanto entusiasmo, entregando-se para sempre aos despiciendos
Still life, de Georg Flegel (1566-1638), óleo sobre madeira, 22x28 cm.
termos alimentares), cargo que assumiu o resto da vida laboral, tirou pratos do dia do snack-bar lá da rua, bacalhau com grão à segunda,
o curso de hotelaria. O que é que uma coisa tem a ver com a outra? pernas de frango no forno à terça, bacalhau à brás à quarta, vitela
Quase nada. A não ser a paixão que nunca mais o deixou, aplicada estufada à quinta e arroz de pato à sexta, todas as santas semanas.
a frigideiras, panelas, sertãs e panelinhas. Lá em casa, a minha mãe Mas, pior do que isso, muito pior, oh inclemência, oh ignomínia, oh vã
tinha o condão, o meu pai a arte. Era o molheiro de serviço, o crítico esperança, é sabermos que até temos algum jeito para a cozinha, que
e o empratador, o fim da linha de uma criativa cozinha para apenas conhecemos os truques mais eficazes para um Bacalhau à Gomes de
quatro clientes habituais, mas exigentes. Habituei-me mal, portanto. Os Sá perfeito, o tempo exacto do salmonete na grelha, o segredo para

vogue.pt 1 5 3
LIFESTYLE GOURMET

um polvo tenro mas não mole e, quando chega a hora de empratar e entre as 9h e as 12h e os nobilíssimos vegetais quedar-se-ão entre tentado a sentar-se no sofá? Agora concebam-na arrumada. São os
fazer um brilharete naquele jantar lá em casa, é a queda no precipício. as 0h e as 3h. Porquê? Supostamente, é assim que o nosso cérebro mesmos elementos, mas ordeiramente dispostos. Não soa a algo
Temos ralador para o queijo pecorino (parmigiano é para meninos), reconhece o devido valor ascético daquilo que, em breve, irá comer. mais confortável?
pinça para que nenhum espargo fira de transversalidade o paralelismo Há, claro, variações artísticas que grandes chefes têm como suas No empratamento, existem leis que são invioláveis. Muitas vezes,
da composição e até uns dedos afilados para conseguir espetar aquela interpretações, mas isso levar-nos-ia mais três edições subordinadas tão óbvias como ninguém imagina que, numa cozinha, sejam man-
mínima folha de salsa no topo do risotto. Mas depois afastamos o olhar a este tema. Os detalhes, como o de não deixar muito espaço vazio damentos. A limpeza dos pratos, por exemplo… Uma simples mancha
e... desastre! É por isso que a velha técnica de deixar os convivas com (deve escolher-se o tamanho perfeito do prato para a quantidade a pode gerar o caos lá, na cozinha que nos é inacessível e, por isso
uma garrafa de branco monovarietal Bical da Bairrada, que nos abre servir), a escolha de produtos sazonais para que o mesmo se torne mesmo, ninguém imagina o quão exigente é manter um ambiente de
um apetite de Perca do Nilo, sem qualquer entrada, resulta sempre. mais festivo, o contraste das cores entre os vários elementos e o trabalho ordeiro. Depois, há a questão dos timings... Quantos de vocês
Famintos, à chegada do prato à mesa os convivas dão uma primeira equilíbrio como um todo (nenhuma secção deverá "pesar" mais que consideram que, num prato de três elementos, preparado por três
garfada de forma tão urgente que ninguém sequer se lembrará de a outra em termos visuais) também são fatores importantíssimos. diferentes pessoas em três estações de preparação distintas, as coisas
fazer uma story para o Instagram. Graças não a Deus mas ao engenho Havendo molho ou caldo da proteína principal, este deverá ser espa- têm de estar todas prontas ao mesmo tempo por forma a chegarem
inequívoco do cozinheiro, tudo acaba por correr bem. À excepção do lhado pelo prato em forma de gotas desiguais. As formas também são com a mesma temperatura à mesa? E o equilíbrio entre a variedade
empratamento, essa arte para poucos. tão importantes porquanto deverá procurar-se, sempre que possível, de ingredientes e o seu contraste? De como as texturas combinam?
emprestar alguma "altura" ao prato que contraste com a costumeira Para nós, comuns mortais que ficamos na sala de refeições à espera
fiabilíssima Universidade de Oxford fez um estudo no qual e enfadonha horizontalidade. do pedido, tudo parece simples. Transposta aquela porta basculante,
comprova, por A (30 homens) mais B (30 mulheres), que No que toca aos estabelecimentos de restauração da nossa praça, o mundo é outro. E espelha uma tendência tão antiga como a nossa
um prato apresentado artisticamente sabe de facto melhor. e para quem os visitava pela primeira vez, antes, era a completa in- civilização. Os romanos, por exemplo, aplicavam todo o seu cuidado
O prato era uma salada, o que só por si é de dificílima apresentação. cógnita. Ou isso ou aquelas saloiíssimas fotos dos pratos no menu. decorativo na sala de refeições (triclinium). Mosaicos e murais, es-
Servida de três formas distintas: ora replicando uma famosa pintura, Ou pior, expostas por traz do balcão, no cimo das prateleiras das culturas e mobiliário nobre serviam de cenário a banquetes festivos
ora na sua forma comum (tossed salad, que poderíamos traduzir como bebidas, retroiluminadas e descoloradas por via dessa mesma luz onde cada um dos três pratos (entrada, prato principal e sobremesa),
"naquela malga de onde todos tiram para o prato"), ora de uma forma fluorescente. Entretanto, criaram-se as redes sociais e nunca mais eram trazidos até junto dos convivas ao
mais "arrumada", com cada um dos elementos (ingredientes) separado se descansou. Um estabelecimento de restauração pode ter as mais som de trompetas. Há, inclusivamente, omo curiosidade, chamamos a atenção para um fenómeno
no prato. Pediu-se então que os sujeitos da experiência avaliassem, apelativas fotos no seu website oficial, pagas a peso de ouro ao melhor relatos de episódios em que o impera- que parece ter transposto já as fronteiras do Japão, onde foi
de 1 a 10, a "salinidade" e a "doçura". Aqui, todas elas receberam food stylist e fotógrafo de gastronomia. Mas tem de contar com o facto dor Cláudio deitava flocos de folha de inventado (tinha de ser, certo?). As Bento Boxes (ou “caixas”
pontuações semelhantes. Mas quando indagados acerca do "sabor", de, hoje em dia, toda a gente achar que é fotógrafa, só pelo facto de ter ouro sobre ervilhas. Mas foi na Euro- Bento) são um fenómeno nipónico que, não seguindo nenhuma lei con-
a salada "arrumada" recebeu, no geral, a melhor pontuação. Melhor um telemóvel e alguns filtros no Instagram. E são precisamente esses pa Medieval que os reis começaram a vencionada no empratamento contemporâneo, acabou por criar uma
ainda, todos os sujeitos concordaram que esta versão era aquela pela que publicam fotos a rodos nos Zomatos e nos Tripadvisors. Ninguém contratar artistas para que criassem tendência. Não passam de vulgos tupperwares (passo a publicidade) ou
qual pagariam mais, muito embora lhes tivesse sido revelado que os escolhe um restaurante na net se a apresentação dos seus pratos não complicadas esculturas a partir dos ali- “tápáruéres”, como diziam as nossas avós, e alguns colegas de trabalho
ingredientes eram absolutamente os mesmos, servidos nas rigorosa- for minimamente apelativa. Ou seja, estamos nos tempos em que o mentos que iriam ser consumidos no ainda hoje) ou, como agora se convencionou denominá-las, lancheiras
mente iguais quantidades. De notar ser claramente óbvio que toda a empratamento dos chefs tem de ser tão exímio que é anti-instagrammer banquete, por forma a encantarem os ou marmitas. Aqui, usaram-se no advento fabril do século XX (eram de
gente conclui que este tipo de preparação requer um cuidado maior de flash ligado. É um trabalho inglório, moroso, duro e, convenhamos, convidados. Não raras eram as empadas alumínio com a tampa rosa) e, com o surgimento do novo-riquismo,
e, como tal, há valor acrescentado. desanimador. Tenho a certeza de que todos os que estão a ler isto e os bolos que libertavam pássaros ao caíram em desuso. Desde a crise de 2011, contudo, os “marmiteiros”
Nas escolas de hotelaria, a tendência natural é a de que os novos têm lá na repartição um Zé Carlos qualquer que adquiriu o novíssimo primeiro corte. Contemporaneamente, a voltaram em força e hoje já passam modelos nos transportes públicos,
alunos procurem que os seus pratos tenham tão boa aparência como Huawei topo de gama com lente Leica e que fotografa tudo o que mexe, tendência é suprimir o fosso entre ricos com padrões lindíssimos e alças néglige. Só que o que está lá dentro é
sabor. Como se esta nova vaga de chefs soubesse que cada cliente é conseguindo a inacreditável proeza de não tirar uma só foto de jeito. e pobres no que toca ao design da comi- que conta. Pelo menos, para os japoneses. Tradicionalmente, as Bento
um potencial instagrammer com mais de mil likes por cada foto. Para Sim, é esse mesmo. Não o convidem para jantar. Obrigado. da. Hoje pode consumir-se um hambúr- Boxes têm arroz, carne (ou peixe) e vegetais. Mas o cuidado com que
quem quer fazer um brilharete, temos algumas dicas. Atentai: sendo Não se enganem. Na mais Alta Cozinha, o sucesso de um determi- guer cuidadosamente empratado num são dispostos no interior da caixa é impressionante. Hoje, é mais do
que a prioridade num prato é encontrar o equilíbrio perfeito entre nado prato depende tanto do seu sabor como da sua apresentação. estabelecimento de cinco estrelas, assim que isso. Preocupadas com a falta de qualidade dos produtos usados
sabor, textura e estímulo, é melhor ter em conta alguns dos princípios A arte de um chefe reside tanto na sua capacidade de elaborar uma como há produtos exóticos, empratados na confecção das cantinas escolares, as mãezinhas japonesas procu-
básicos da apresentação de um prato. Ponto número um, imaginar o criação que é um verdadeiro fogo de artifício para o palato como com arte, em restaurantes de bairro. A ram que os seus filhos comam de forma mais saudável e nutritiva.
prato como um relógio. Já está? Ok. Agora é dividi-lo em três secções: na aptidão para o transportar, na perfeição, do recipiente onde foi Alta Cozinha francesa foi a responsável Para os encorajar, aproveitam para demonstrar todo o seu amor e
o espaço entre as 0h e as 3h e as 9h e as 12h. A maior secção é, assim, confecionado para o prato que irá para a mesa. Não são poucos os pela ruptura com a ostentação e pelo dedicação em esculturas geniais. O arroz é um panda, ao que ajuda
a que está entre as 3h e as 9h. É aí que ficará a proteína principal, seja que não vingam por falhar num dos passos. Imagine-se uma sala seguimento da linha less is more que hoje, as formas recortadas de nori (alga seca) ou outro animal “fofinho”
carne ou peixe. Arroz, batatas, ou quaisquer hidratos ficam no espaço onde tudo está espalhado num inacreditável caos. Alguém se sentirá pode dizer-se, é transversal. qualquer, que pode ter bracinhos de cenouras ou perninhas de aipo.
A este tipo muito particular de Bentos deu-se o nome de “Kyaraben” e
são já uma tendência mundial de pais em cuidados com a alimentação
dos seus rebentos. Seguem a tradição antiquíssima do empratamento
NINGUÉM ESCOLHE UM japonês, que tem o seu epítome nos Kaiseki (refeições de alta cozinha
RESTAURANTE NA NET SE A com 14 pratos cuidadosamente empratados) servidas em pequenos
APRESENTAÇÃO DOS SEUS PRATOS estabelecimentos de Quioto e com a presença de geishas. Claro que tudo
NÃO FOR MINIMAMENTE APELATIVA.
OU SEJA, ESTAMOS NOS TEMPOS EM isto é relativíssimo em Portugal. Pelo menos enquanto nos sentirmos
QUE O EMPRATAMENTO DOS CHEFS tentados a optar, de entre tantos pratos mais ou menos apetecíveis
TEM DE SER TÃO EXÍMIO QUE É ANTI- no menu, por uma alheira com um ovo estrelado por cima e batatas
-INSTAGRAMMER DE FLASH LIGADO. English version fritas em volta. Assim não vamos lá, meus amigos. ●

vogue.pt 1 5 5
AS O VM I E R UV SI R CU AS N A BR E E CC OO OO L L
OO UU RR RR EE AA DD EE RR SS KK EE EE PP I I NN CC RR EE AA SS I I NN GG EE VV EE RR YY DD AA YY . . TT HH AA NN KK YY OO UU . .

WW EE AA RR EE WW OO RR LL DD WW II DD EE
A
A PP II EE CC EE O
O FF A
A RR TT
UU MM AA OO BB RR AA DD EE AA RR TT EE TT OO DD OO SS OO SS MM EE SS EE SS PP OO RR 44 EE UU RR OO SS
YYOOUU CCAANN BBUUYY HHEERREE. . VVOOGGUUEE. .PPTT/ /SSHHOOPP EEDDI IÇÇÃÃOO DDEE MMAARRÇÇOO CCOOMM TTRRÊÊSS CCAAPPAASS. . EESSCCOOLLHHAA AA SSUUAA, , J JÁÁ NNAASS BBAANNCCAASS. .
V I S I TA
G U I A D A
À E D I Ç Ã O
D E M A R Ç O
D A G Q
P O R T U G A L
CAPA
Diogo Amaral com o seu cão Lobo. Esta é uma de três capas. As outras duas são
com os seus filhos Mateus e Oliver. No interior, mais uma edição a não perder.
158 GQPORTUGAL.PT DEZEMBRO 2019 / JANEIRO 2020 DEZEMBRO 2019 / JANEIRO 2020 GQPORTUGAL.PT 159
ALPS RESORT REPORTAGEM
Se gosta de lugares abandonados acompanhe o nosso enviado a Gangwon-do, uma província remota da Coreia do Sul, Tashkent, capital do Usbequistão, um lugar cheio de segredos e tabus.
e descubra um enorme resort abandonado há mais de uma década, onde tudo ficou parado no tempo. Pela lente de Matilde Gattoni e texto de Matteo Fagotto. Leitura obrigatória.
160 GQPORTUGAL.PT DEZEMBRO 2019 / JANEIRO 2020 DEZEMBRO 2019 / JANEIRO 2020 GQPORTUGAL.PT 161
JOÃO PESTE MUSA
“Estava sempre tudo com a música portuguesa, a música portuguesa, e eu tentei explicar que aquilo que andávamos a fazer, não só nós, mas Ana Ventura, modelo e artista, numa produção fotográfica ilustrada com entrevista, ou vice-versa.
outros, como o Rui Veloso, talvez não fosse música portuguesa – podia ser cantada em português.” Entrevista ao mentor dos Pop Dell'Arte. Fotografias de Branislav Simoncik.
Retratos de Estelle Valente.
162 GQPORTUGAL.PT DEZEMBRO 2019 / JANEIRO 2020 DEZEMBRO 2019 / JANEIRO 2020 GQPORTUGAL.PT 163
DEBATE MODA
Já cancelou alguém hoje? O fenómeno que invadiu as redes sociais visto à lupa. Quem disse que Moda não é Arte?
Nesta edição dedicamos mais de 40 páginas às novas tendências.
164 GQPORTUGAL.PT DEZEMBRO 2019 / JANEIRO 2020 DEZEMBRO 2019 / JANEIRO 2020 GQPORTUGAL.PT 165
BE
LEZASAÚDE
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES.

MAQUILHAGEM
CUIDADOS Câmara escura: make up do desfile SS20, Prada.
BELEZA TENDÊNCIAS

Ginástica
Artística
FOTOGRAFIA: D.R.

Entre o entusiasmo pela arte apresentada nos desfiles e a confiança O grito


nas fórmulas já conhecidas que nos salvam todas as manhãs está... Os olhos sobrepõem-se. Dizem coisas, transmitem sensações e, acima de tudo, causam impacto. Mistura-se
o equilíbrio. Numa altura em que se discute cada vez mais anos 60 com 80, dá-se a Twiggy um toque de punk e cá estamos, em pleno desfile de Ralph & Russo em 2020.
Como usar: O que a mestre Val Garland fez será difícil de replicar. Para manter o efeito e facilitar a
a relevância das tendências, a Vogue mostra como, com ginástica competência num look que não se quer messy, aposta-se numa boa máscara de pestanas, e num eyeliner preto
e criatividade, se pode elevar a beleza desta estação. Por Joana Moreira. líquido, para desenhar pelo menos a linha superior que ocupa o osso da sobrancelha.

Máscara de pestanas Le Volume Strech de Chanel, € 36, Chanel.

vogue.pt 1 6 9
BELEZA TENDÊNCIAS BELEZA SHOPPING

O Nascimento de Vénus O Jardim das Delícias Terrenas


Onde há nascimento, há felicidade, e onde há felicidade há blush, que esta estação regressa em força, sobretudo O universo botânico continua a inspirar-nos – não que flores na primavera sejam, como
em tons alaranjados e corais – e sem planos de parar nas maçãs do rosto. Como usar: Em Erdem, se sabe, groundbreaking. Mas, que mais não seja, pelos aromas. Sim, se é certo que teremos
FOTOGRAFIA: D.R.

usava-se batom nas maçãs do rosto. Fora de Erdem, poder-se-ia fazer o mesmo, não fosse o mercado sempre Paris, também é certo que teremos sempre um floral ao qual voltar na primavera.
já ter percebido que havia ali alguma coisa. Os produtos multifunções vieram diretamente até nós Como usar: Uma vez que as flores no rosto dificilmente se livram da teatralidade
com a promessa (cumprida) de sticks que servem para blush, batom e o que nos apetecer. Tudo aplicado e excentricidade, resta-nos optar por uma fragrância que nada tem de propriamente
à mão, para que o pobre pincel nunca mais possa ser culpado de um “estou a usar demasiado blush”. novo senão o conforto dos sítios (e das flores dos sítios) onde já fomos felizes.

Stick de cor para lábios e bochechas, no tom Perk, € 22,90, Milk, na Sephora. Água de colónia Agua Flores, 125 ml, € 90, Claus Porto.

vogue.pt 1 7 1
BELEZA TENDÊNCIAS

A maja nua O beijo


Abraçar a pele nua é um mote: deixá-la com o seu aspeto de pele – cuidada, muito hidratada e Gucci, Richard Quinn e Balmain foram só três dos desfiles em que as modelos surgiram com lábios brilhantes,
com um brilho típico de quem respeita a sua rotina de limpeza e cuidados. Afinal, “a tua pele cheios e simultaneamente polidos. O brilho (sem glitter, apenas brilho) podemos encontrá-lo nos lábios,
FOTOGRAFIA: D.R.

está ótima” não é o elogio mais cobiçado dos últimos tempos? Como usar: Esquecer olhos ou noutras zonas do rosto para um aspeto mais visceral e futurístico. Como usar: A forma
a base e os produtos de tez por um minuto e escolher um bom creme de rosto, que garanta mais fácil de interpretar a tendência é na boca, com glosses de fórmulas confortáveis, e acabamentos
hidratação para todo o dia (se tiver proteção solar, melhor), e que não seja totalmente transparentes ou com muito pouco pigmento – a ter, que seja do tom mais próximo do tom natural
absorvido pela pele ao ponto de não deixar sequer um rasto de luminosidade. dos lábios. Convém só garantir uma aplicação frequente para manter o tão desejado efeito glossy.

Creme hidratante de rosto Eight Hour Great Daily Defense SPF 35, € 44,95, Elizabeth Arden. Gloss para lábios Dior Addict Lip Glow Oil, no tom 001 Pink, € 36,90, Dior.

vogue.pt 1 7 3
BELEZA MOOD

Quando vier
a primavera
As flores florirão da mesma maneira*. Até lá, mudam-se as fragrâncias,
vestem-se as unhas de novos tons e redescobre-se a importância dos
cuidados com a pele. Por Joana Moreira. Fotografia de Pedro Ferreira. Realização de Ana Caracol.

Pele sedosa
Ter o corpo suave é uma busca permanente. Particularmente depois dos meses frios,
viramo-nos para os óleos, que, por oposição a outros produtos, têm a capacidade
de não só hidratar a pele como de a deixar com um rasto de luminosidade difícil de
igualar com uma textura cremosa. Esta novidade, da portuguesa Benamôr, tem o
aroma quente da canela e deixa a pele macia e confortável. Óleo seco Nata, € 19,90, Benamôr.

Cores memoráveis
“Estava à procura de algo poético, como uma memória”, diz Lucia
Pica, maquilhadora global da Chanel, sobre a inspiração para Éclat
Du Désert, o nome dado à coleção de maquilhagem para a primavera-
-verão da marca francesa. De acabamento opaco, este Mirage é nada
mais do que um malva ligeiramente leitoso, que resulta numa cor que
reúne o equilíbrio perfeito entre o discreto e o capaz de suscitar
a pergunta: “que verniz está a usar?”. Verniz Le Verniz, no tom Mirage, € 26, Chanel.

Mãos cuidadas
Àparte da manutenção da manicura, é fácil esquecer o cuidado com as mãos, que
estão sempre expostas e tantas vezes em contacto com outros elementos. Um
bálsamo ou um óleo para a zona das unhas e cutículas pode ser o elemento em
falta para restaurar a hidratação natural e devolver um aspeto cuidado. Basta aplicar
algumas gotas e massajar na zona das unhas, insistindo nas cutículas. Este óleo
tem ainda uma deliciosa fragrância a frutos secos (à conta da predominância do óleo
de amêndoas doces na lista de ingredientes). Óleo Specialist Hand Oil, € 25, ComfortZone.

Flores frescas
O sol descobre-se e, com o mesmo entusiasmo que afastamos
as malhas, rendemo-nos às fragrâncias que emanam todos os
aromas da estação. Para os que, no seu guarda-roupa olfativo, não
dispensam as flores, o novo perfume criado por Jacques Cavallier-
-Belletrud tem a elegância de um bouquet requintado, salpicado com
toques de framboesa. Para usar com a mesma facilidade que um
vestido de corte perfeito. Perfume Heures d'Absence, 100 ml, € 210, Louis Vuitton.

*verso de “Quando vier a Primavera”, Alberto Caeiro, in Poemas Inconjuntos

vogue.pt 1 7 5
BELEZA PERFUMES

também é partilhada pela Jo Malone London, uma das marcas pio-


neiras deste conceito, batizado pela mesma como Fragrance Combining
(em português, e numa tradução livre, “combinação de perfumes”).
“Existem muitas formas de criar um aroma único. Na Jo Malone Lon-
don, gostamos muito de combinar as nossas fragrâncias”, explicam
Alba Jiménez de la Rosa, Field Educator, e Maria Angeles Cepeda San
Jose, Communication Manager. Como esclarecem as duas representantes
da marca na Península Ibérica, “o Fragrance Combining é o processo
de sobrepor aromas”, e resulta na criação de “uma marca aromática
absolutamente única”.
Mas como se cria, afinal, esta marca aromática? “Tudo é possível.
A regra é combinar notas simples”, defende Sonia Constant. “Eu
recomendo a sobreposição de fragrâncias que tenham sido espe-
cialmente criadas para serem utilizadas em conjunto, visto que cada
uma delas tem uma assinatura que deverá combinar bem uma com a
outra.” E continua: “As fragrâncias com almíscar combinam muito
izem que é uma arte praticada há séculos pelas mulheres bem com rosas, flores brancas ou notas amadeiradas. Os orientais
no Médio Oriente. Como qualquer técnica artística, nasce funcionam bem com notas cítricas, e as notas frutadas com as notas
da vontade de criar algo singular, pessoal, único. Como florais. As notas amadeiradas e as notas cítricas também são uma
qualquer obra-prima, começa com uma tela em branco, à boa combinação.” Para Alba e Maria, quando o tema é combinar fra-
qual se acrescenta, tipicamente, uma base de oud oil – um grâncias, os limites não existem. “Todas as opções são permitidas.
aroma raro e poderoso, proveniente da madeira de ágar –, Vai tudo depender daquilo que queremos da fragrância, e daquilo
seguida de uma fragrância mais leve, seja ela mais cítrica que queremos sentir quando a usamos.” E na Jo Malone London
ou mais floral. Por outras palavras, e se quisermos simpli- não faltam exemplos para corroborar a teoria. “Se quisermos uma
ficar a história, a técnica a que hoje chamamos de layering fragrância floral com um toque amadeirado, podemos aplicar o
é tudo menos recente – mas isso não significa que não Peony & Blush Suede Body Crème e um toque da fragrância Wood Sage &
continue a fascinar perfumistas e marcas de igual modo. Sea Salt, de modo a conseguirmos um floral opulento, envolto num
Case in point: em 2018, no seguimento do sucesso massivo da Huda calor amadeirado, luxuoso e com um toque de camurça. Também
Beauty, as irmãs Huda e Mona Kattan aventuraram-se pelo mundo podemos combinar o Oud & Bergamot Dry Body Oil com a Cologne
da perfumaria com Kayali, uma espécie de submarca da gigante de Lime Basil & Mandarin, para criar uma opulenta fragrância amadei-
maquilhagem composta por quatro aromas distintos, pensados es- rada com toques cítricos, que aportam uma frescura que ilumina a
pecificamente para serem combinados entre si. “A Mona sempre foi profundidade fumada da madeira preciosa.”
obcecada por perfumes. Assim que ela me introduziu ao layering de Apesar da sobreposição de duas ou mais
fragrâncias, soube que queria transformar isto num estilo de vida”, fragrâncias ser a forma mais “comum” de
explicou Huda à edição britânica da Vogue. “Com a Kayali, aquilo que layering, não faltam alternativas para encon-
queremos é ensinar aos consumidores esta forma de layer, educá-los trar aquele aroma de assinatura. “Podes so-
sobre os aromas e as várias famílias olfativas, os diferentes ingredien- brepor uma loção de corpo perfumada com
tes e o modo como notas distintas se podem complementar umas uma fragrância, ou uma fragrância concen-

FOTOGRAFIA: IMAGNO / GETTY IMAGES.


às outras”, defendeu Mona na mesma entrevista. “É uma forma de trada com uma [água de] colónia”, explica
empoderar os consumidores no que diz respeito à perfumaria, para Constant. “No Médio Oriente, é frequente
que possam criar uma combinação própria e única.” adicionar oud oil a uma fragrância ocidental,
As irmãs Kattan não estão sozinhas nesta arte. No ano passado, de modo a que esta encaixe melhor no gosto
por exemplo, a Chloé lançou Atelier des Fleurs, uma coleção de nove de cada pessoa.” O conselho é partilhado
fragrâncias especialmente criadas para serem sobrepostas em com- pelas representantes da Jo Malone. “Exis-
binações de duas ou três, de modo a criar uma assinatura floral única, tem muitas formas de conseguir um layering
enquanto a marca Narciso Rodriguez expandiu a família For Her com personalizado com os produtos da linha de

Going once,
For Her Pure Musc, uma eau de parfum inspirada no layering e criada para corpo. Podemos começar por aplicar o Body
ser combinada com as restantes assinaturas olfativas da linha. “Há Crème ou o Dry Body Oil para ter uma base
uma certa liberdade de expressão quando combinas uma fragrância delicada, e realçá-la com uma fragrância.
com outra, visto que é uma forma de personalizares o teu próprio Outra opção é pulverizar uma cologne por

going twice
aroma e criar a tua própria assinatura”, defende Sonia Constant, uma cima de um creme de corpo. Em casa, por
das perfumistas da marca, sobre esta forma de combinar duas ou exemplo, também podemos fazer layering –
mais fragrâncias. “Quando criei o For Her Pure Musc, a minha intenção para criar um ambiente único, basta acender
foi desenhar uma fragrância com base num coração de almíscar, que duas velas de aromas complementares no
é muito querido para Narciso Rodriguez. Construí todas as facetas mesmo espaço.” No fim do dia, como dizem
das restantes fragrâncias de modo a realçar ao máximo o coração Alba e Maria, a melhor forma de layering é
Como qualquer génio incompreendido, o ato de combinar de almíscar. Desta forma, a fragrância foi criada para ser misturada aquela que fizer sentido para cada pessoa.
duas fragrâncias na mesma tela (perdão, pele) pode torcer com todos os perfumes For Her. Quando combinada com outras fra- “Põe-na. Mistura-a. Cria um novo aroma.
grâncias For Her, o For Her Pure Musc realça a assinatura do almíscar Correto, incorreto. Sim, não. Experimenta
alguns narizes. Mas no mundo da perfumaria (e da arte) o grito que está presente em todos os perfumes desta linha.” A intenção de uma combinação. Depois experimenta ou-
pessoal do sold é aquele que fala sempre mais alto. Por Mónica Bozinoski. construir perfumes que funcionam tão bem a solo como em dupla tra. Faz com que seja tua.” l

vogue.pt 1 7 7
BELEZA MAQUILHAGEM

Num universo paralelo em que o corpo é a tela, a Moda a moldura,


Arte Nova
e a Beleza a obra, jogamos com referências, elevamos conceitos e
questionamos, uma vez mais: somos nós que inspiramos a Arte ou
é a Arte que nos inspira a nós? Fotografia de Maddalena Arcelloni. Styling de Veronica Bergamini.

Hey: casaco em nylon e macacão em licra, ambos 0 Moncler Richard Quinn. Corset em nylon, Salvatore Vignola.
Base Studio Waterweight, € 36, corretor Conceal and Correct Palette, € 41,40, lápis de sobrancelhas Eye Brows
Styler, € 19,50, e iluminador Strobe Cream, € 33,50, tudo MAC. Iluminador Strobe Gel, € 15,50, Zoeva.

1 7 8 vogue.pt
BELEZA MAQUILHAGEM BELEZA MAQUILHAGEM

Base Studio Waterweight, € 36, corretor Conceal and Correct Palette, € 41,40, lápis de sobrancelhas Eye Brows Styler,
€ 19,50, e iluminador Strobe Cream, € 33,50, tudo MAC. Iluminador Strobe Gel, € 15,50, Zoeva. Sombra de olhos da paleta
12 Flash Color Case, € 90, Make Up For Ever. Na página ao lado, Hey: casaco e calças em veludo cotelê e camisola em
malha de algodão, tudo Annakiki. Brincos em acetato, Sylvio Giardina. Base Studio Waterweight, € 36, corretor Conceal
and Correct Palette, € 41,40, lápis de sobrancelhas Eye Brows Styler, € 19,50, e iluminador Strobe Cream, € 33,50, tudo MAC.
Iluminador Strobe Gel, € 15,50, Zoeva. Sombra de olhos da paleta 12 Flash Color Case, € 90, Make Up For Ever.

1 8 0 vogue.pt vogue.pt 1 8 1
BELEZA MAQUILHAGEM BELEZA MAQUILHAGEM

Bronte: casaco em lã fria, Salvatore Ferragamo. Brincos em acetato, Sylvio Giardina. Base Studio Waterweight, € 36,
corretor Conceal and Correct Palette, € 41,40, lápis de sobrancelhas Eye Brows Styler, € 19,50, e iluminador Strobe
Cream, € 33,50, tudo MAC. Iluminador Strobe Gel, € 15,50, Zoeva. Sombra de olhos (usada na cara) da paleta 12 Flash
Color Case, € 90, Make Up For Ever. Sombra de olhos (usada na cara) da paleta Chiarissimi, Neve Cosmetics. Na página
ao lado, Bronte: camisa em organza de seda, Greta Boldini. Calças em denim, Ganni. Base Studio Waterweight, € 36,
corretor Conceal and Correct Palette, € 41,40, lápis de sobrancelhas Eye Brows Styler, € 19,50, e iluminador Strobe Cream,
€ 33,50, tudo MAC. Iluminador Strobe Gel, € 15,50, Zoeva. Sombra de olhos (usada na cara) da paleta 12 Flash Color
Case, € 90, Make Up For Ever. Sombra de olhos (usada na cara) da paleta Chiarissimi, Neve Cosmetics.

1 8 2 vogue.pt vogue.pt 1 8 3
BELEZA MAQUILHAGEM BELEZA MAQUILHAGEM

Base Studio Waterweight, € 36, corretor Conceal and Correct Palette, € 41,40, lápis de sobrancelhas Eye Brows
Styler, € 19,50, e iluminador Strobe Cream, € 33,50, tudo MAC. Na página ao lado, Bronte: vestido em crepe
e tule de seda, Davorin Cordone Maison. Base Studio Waterweight, € 36, corretor Conceal and Correct Palette,
€ 41,40, lápis de sobrancelhas Eye Brows Styler, € 19,50, e iluminador Strobe Cream, € 33,50, tudo MAC.
Pigmento colorido (usado nos olhos, lábios e sobrancelhas) Pigment Colour Powder, no tom Pure Gold, MAC.

1 8 4 vogue.pt vogue.pt 1 8 5
BELEZA MAQUILHAGEM BELEZA MAQUILHAGEM

Bronte: laço em latex, Yezael by Angelo Cruciani. Base Studio Waterweight, € 36, corretor Conceal and Correct Palette,
€ 41,40, lápis de sobrancelhas Eye Brows Styler, € 19,50, e iluminador Strobe Cream, € 33,50, tudo MAC. Iluminador Strobe
Gel, € 15,50, Zoeva. Sombra de olhos da paleta Chiarissimi e blush da paleta Blushissimi, ambos Neve Cosmetics.
Modelos: Bronte Coates @ Next Management e Hey Yeon @ MP Management.
Cabelos: Renos Politis @ Etoile Management. Maquilhagem: Martina Bellinato. Produção: Khalder Productions.
Assistente de styling: Michela Isola. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.

1 8 6 vogue.pt vogue.pt 1 8 7
BELEZA ENTREVISTA

Inspiração divina
Inspira-se em movimentos artísticos como o Renascimento, College of Fashion, onde fiz um curso de maquilhagem bastante
mas também em gatos, botões, telhados, compota ou pickles de básico, esta experiência prática foi fantástica. Não só aprendi muito
rápido como encontrar as cores certas para qualquer etnia de forma
gengibre. Esta é a maquilhadora que se inspira, literalmente, em perfeita, como também li imenso sobre as diferentes tendências
tudo para criar looks de cortar a respiração. Se o rosto da atriz Lucy culturais e tradições relacionadas com maquilhagem. Por exemplo,
algumas mulheres queriam uma base que fosse claramente mais
Boynton ocupa a sua pasta de “guardados” no Instagram, deixe a clara que o seu tom de pele. Outras eram extremamente fãs de estar
Vogue apresentá-la à responsável por isso: Jo Baker. Por Joana Moreira. cheias de bronzer e excessivamente bronzeadas. Foi uma educação
incrível, observar o comportamento humano e a psicologia com
a arte, àquele ritmo. Aprendi a ouvir, a respeitar e a navegar pelas
ferramentas para ajudar as mulheres a chegarem aos resultados que
omo era a Jo em miúda? Já fanática por maquilha- desejavam. É um momento muito íntimo e até vulnerável para uma
gem? Era uma adolescente super ativa, andava a cavalo, mulher ver um estranho num balcão de maquilhagem e discutir com
participava em corta-matos, aprendi a pilotar pequenos ele as suas inseguranças e imperfeições, como cobrir uma cicatriz,
aviões na RAF Air Cadets. Experienciava o lado verdadei- por exemplo. Sentia-me inspirada para fazer as pessoas sentirem-se
ramente aventureiro da minha personalidade. Isto para na sua melhor versão com a maquilhagem que tinha à minha frente,
dizer que estava muito ocupada, mas a arte estava sempre era muito recompensador!
à frente de tudo. Adorava arte, aguarelas, desenhar com Também chegou a fazer desfiles, a dada altura. Como é que
carvão, giz, pinturas a óleo, acrílicos... Adorava tudo! No foi essa experiência? Eu estava hipnotizada pela Moda e belo buzz
meu primeiro ano da escola secundária, fui apanhada a pôr dos desfiles até ter experienciado trabalhar em alguns.... Descobri
cola de glitter nos lábios de um amigo só porque queria ver que havia um mar de bancadas de maquilhagem, uma atmosfe-
como ficava. Naturalmente, com o interesse em arte e em ra frenética que era alimentada por uma pressão para que toda a
rostos... veio a maquilhagem. Lembro-me de me sentar em frente ao gente fosse perfeita. Horas de preparação e espera nos bastidores
espelho de pernas cruzadas durante horas a usar a maquilhagem para rapidamente se convertiam nuns passos rápidos numa passerelle e
esculpir e sombrear as partes do meu rosto de que eu não gostava, depois acabava tudo. Naquele momento, ao estar só a assistir e não a
através da iluminação. Insegura, jovem e a querer sentir-me bonita desenvolver o show ou a desenhar os looks, sentia-me um bocadinho
enquanto adolescente, acabei por descobrir quão valiosa era a ma- vazia depois. Ninguém conseguia distinguir a minha maquilhagem
quilhagem para aumentar a minha confiança e me ajudar a passar por de todas as outras, o que suponho que seja o objetivo [num desfile
aqueles anos estranhos. Praticava em todos os meus amigos, usava de Moda]. Pensei que se não podia mostrar o meu trabalho, o meu
glitter turquesa e fazia aquele olho azul fosco. Crescer em Londres estilo, então estava só a criar a visão e as ideias de outras pessoas,
contribuiu para uma grande parte do meu desenvolvimento criativo. o que não me satisfazia.
Sentia-me influenciada por tudo o que estava à minha volta. Tudo O Usher foi o seu primeiro grande cliente, e serviu de entrada
desde a cultura pop à música, arquitetura, história, o movimento para o universo de Los Angeles. Como é que isso aconteceu?
punk, gótico, grunge, as Spice Girls, os guardas da rainha e os seus Um amigo meu, fotógrafo, estava a fotografar o Usher para a Smash
uniformes, as árvores, o tempo tipicamente inglês. Basta dizer que Hits Magazine UK e perguntou-me se eu estava disponível e queria
está tudo arquivado no meu cérebro como tendo tido um efeito em fazer a maquilhagem. O Usher tinha uma energia incrível e elogiou
mim. A diversidade multicultural fazia de Londres uma cidade muito o meu estilo e a minha abordagem. Depois da sessão pediu ao seu
vibrante visualmente, com toda a sua autoexpressão e Moda de todo manager para me contratar para tudo aquilo que ele estivesse a
o tipo. Costumava ficar colada nos quiosques a vibrar com a i-D, a fazer. Antes de conseguir sequer respirar já estávamos a viajar
Dazed & Confused, a Spoon Magazine, a Pop Magazine, a Vogue pela Europa fora a promover o seu novo single na altura, o Yeah, e o
Itália, e maravilhada com os editoriais longos com styling, cabelo e
maquilhagem loucos, com nomes dos meus ídolos, Pat McGrath, Val
Garland, nos créditos! Estava viciada e sabia desde logo que era isso
que queria fazer.
FOTOGRAFIA: INSTAGRAM @MISSJOBAKER.

Começou por trabalhar num balcão da MAC. O que é que se


aprende a maquilhar pessoas tão diferentes todos os dias?
Era o balcão da MAC no Selfridges London, na altura era a MAC mais
ativa do mundo. No momento em que as portas se abriam, um mar
de caras aparecia a pedir para encontrar o tom de base certo, fazer
um novo look, testar batons, descobrir o pó perfeito ou perceber a
preparação ideal para ajudar com os problemas de pele. Era inten-
so e aprendi imenso lá. A MAC encorajava os nossos trabalhos de
freelancer, por isso era um sítio seguro para os artistas aprenderem,
crescerem e construírem uma reputação! Tendo vindo da London

vogue.pt 1 8 9
BELEZA ENTREVISTA

Hoje faz muitas passadeiras vermelhas, mas com uma aborda- vestido e discutimos opções para cabelo e “A MAQUILHAGEM É O MEIO, MAS O
gem à maquilhagem muito fora da caixa. Quão fácil é convencer maquilhagem. A chave para isto resultar é MEU CÉREBRO É DEFINITIVAMENTE
os clientes a fugir ao óbvio e a correr riscos? É mais fácil do estar sempre preparada para tudo... Por isso INSPIRADO POR TUDO AQUILO EM
que costumava ser, isso é certo! As mulheres que eu maquilho são se for preciso ter pequenas luas cor de rosa QUE TOCO E VEJO TODOS OS DIAS”
mais experimentais hoje em dia e os meus clientes ao longo dos anos com pérolas coladas na pálpebra... Tenho de
aprenderam a confiar nas minhas ideias mirabolantes. As pessoas saber que elas estão no meu kit ao lado de
veem como eu e a Lucy [Boynton] nos divertimos e acho que isso outro tipo de contas, brilhos, papel, glitter,
lhes dá confiança para tentar coisas e não levar a maquilhagem tão sombra, em todas as cores possíveis, tudo
a sério. Acho que as mulheres estão cada vez mais a sentirem-se preparado para ser colado no sítio. O meu
menos obrigadas a jogar pelo seguro no que diz respeito a cabelo kit é relativamente pequeno... Mas a mala do
e maquilhagem e a usar isso como ferramenta para mostrar a sua meu carro está completamente cheia, com um
personalidade, estilo e gosto. Cada momento na red carpet é uma arquivo de diferentes kits extra. E isto inclui
álbum Confessions. Ele explodiu assim ao nível Elvis [Presley]. Passei oportunidade para um novo alter ego emergir... Com um ótimo styling, desde glitter em todas as cores do arco-íris Para aqueles que normalmente jogam mais pelo seguro com
um ano e meio na estrada a viajar pelo mundo com o Usher e a sua cria-se um momento ideal para a diversão e um pouco de fantasia – é até paletas em todas as sombras muted, até a maquilhagem, o que é que aconselharia para começar? Os
equipa, a quem chamo a minha primeira família americana... Fazer sobre isso que se trata nesta indústria! Tender para combinações de néons vibrantes ou cores muito metálicas. tons pastel podem ser uma ótima forma de experimentar usar cores!
uma tourné, aprender sobre maquilhagem para atuações ao vivo, o cores audazes, com acabamentos editoriais na pele, formas poucos Precisam de estar prontos e disponíveis pa- Aqueles tons doces e suaves parecem inocentes e podem facilmente
negócio, como viajar com maquilhagem... Fiz isso tudo ali. Sinto que usuais e inesperadas e têxteis dramáticos podem trazer uma mo- ra que qualquer look que eu imagine possa adicionar uma doçura e um toque feminino a toda uma aparência.
foi o meu curso de base para a indústria do entretenimento e estava dernidade à passadeira vermelha, que tem estado parada no modo ser executado de imediato. Não há tempo Foram muito usados no ano passado e acredito que vão continuar a
completamente viciada em toda essa magia. glamour clássico há décadas. Estou supercontente por estar na frente para “se eu tivesse brilhantes azul pastel...”. aparecer em força este ano porque ficam bem em qualquer tom de
Acabou por fazer grooming e maquilhar praticamente apenas de tudo isso – a respirar nova arte e ideias num palco para o mundo!   Já tenho isso e está pronto a agarrar, o que pele e em qualquer idade! A maquilhagem pode ajudar a mostrar ao
homens durante muito tempo. Quando é que se decidiu focar Foi sempre assim? Mudou muito nos últimos anos. Passámos de ajuda a estar completamente envolvida em mundo os diferentes moods em que se está, seja o primeiro dia num
nas mulheres? E quão diferentes são esses dois universos? querer ser iguais aos nossos ídolos e estar o mais bonitas possível criar ideias que são fora da caixa! trabalho novo, ou um encontro romântico, um enorme pitch ou um
Estava só a fazer grooming e a trabalhar com clientes masculinos até uma mensagem muito mais desenvolvida. Há toda uma nova Como é que conheceu a Lucy Boynton dia normal no tribunal. A maquilhagem pode ser uma forma subtil
porque eles pareciam ligeiramente mais fáceis para começar. As onda de liberdade e autoaceitação. As mulheres não querem só ser e como é trabalhar com ela? A Lucy e eu de conseguir o tom certo.
suas exigências eram simples e desde que os fizesse ficar com bom bonitas. Queremos destacar-nos, sentir-nos mais fortes, inteligentes, conhecemo-nos num editorial, há cerca de No Instagram vemos que muitas das suas ideias vêm dos
aspeto toda a gente estava feliz... menos eu. Eu nunca quis ser uma únicas, enquanto celebramos quem somos de uma forma positiva três anos, e lembro-me de ter adorado estar sítios mais aleatórios. É seguro dizer que a Jo se inspira
groomer masculina, mas estava entusiasmadíssima por ter tantos e saudável! Em vez de aspirarmos à imagem da beleza publicitada, com ela desde o primeiro dia. Duas miúdas em literalmente tudo? Grande parte da minha carreira é passada
talentos gigantes a trabalhar comigo e com quem podia aprender estamos agora a celebrar a beleza e o corpo em todas as formas e de Londres que adoram arte, Moda, música, em corredores, aeroportos, trânsito, e parques de estacionamen-
sobre a indústria. Lembro-me que estava a trabalhar com várias tamanhos, de todos os backgrounds étnicos, o que – e acho que toda a cinema, criatividade. Tornámo-nos amigas to. Ando sempre de olhos abertos e acabei por começar a olhar
produtoras de música e depois de alguns anos tinha um batalhão gente vai concordar – é um sinal de alívio. Finalmente podemos ser muito rápido! Na verdade, na segunda sessão mais profundamente para diferentes objetos. Por exemplo, estou
de estrelas masculinas comigo. Mas ser uma boa groomer masculina todos bonitos e encorajados a sentirmo-nos bem connosco mesmos fotográfica que fizemos juntas, lembro-me a olhar para uma parede de cimento, mas como é que sabemos que
tornava-me invisível para as artistas femininas com quem eu queria e não com aquilo que nunca vamos ser! Estamos no meio de uma de lhe pôr uma sombra de olhos cor-de-rosa é cimento? O tom, a textura, a crueza e o acabamento industrial...
desesperadamente trabalhar. Foi uma transição difícil, mas para ser revolução na beleza... Por isso, a chave é mesmo deixar de tentar néon ao longo da pálpebra e imensa máscara Até a temperatura ao toque nos diz que aquilo é cimento. Comecei
levada a sério enquanto maquilhadora tinha de parar de trabalhar pertencer e mais tentar destacar-se! de pestanas para o look e é como se não tivés- a estudar tudo, a querer perceber a sua composição e perceber o
com os meus clientes homens, de vez, e mostrar às pessoas a minha Li que não planeia nenhum look, nem para a gala do MET. É semos parado de nos divertir desde então. Ela que é que usar este material podia trazer para a estética, design ou
verdadeira criatividade, para sair do estereótipo em que estava a ser verdade? Sim, é verdade, nem sequer para a gala do MET! Nem nunca é um sonho para se trabalhar, divertimo-nos praticidade. Outro exemplo é o pão com compota, que me lembra
colocada. Os clientes achavam que eu só podia fazer o que eles me testei um look ou pratiquei algo com antecedência. De alguma forma, mesmo muito a trabalhar juntas! desde logo a minha infância em casa em Inglaterra, por isso esses
viam a fazer, por isso concentrei-me em qualquer cliente feminina as ideias acabam por fluir e ganhar vida enquanto olhamos para o Ao olhar para os seus trabalhos e looks, tons usados de certa forma conseguem trazer nostalgia, memórias
que me quisesse e as coisas rapidamente evoluíram quando comecei vemos que há algo de muito experimental, mas que, ao mesmo e bons sentimentos... Portanto, a maquilhagem é o meio, mas o meu
a ganhar confiança criativa. tempo, mantém uma elegância. Como é que se encontra esse cérebro é definitivamente inspirado por tudo aquilo em que toco e
E a ganhar liberdade criativa. Foi um alívio enorme... Fui do equilíbrio? Estudo o equilíbrio natural do rosto, percebendo o que vejo todos os dias. Às vezes estamos num sítio escuro e húmido a
Usher, Kanye, 50 Cent, Eminem e Robin Thicke até ao George Cloo- quero evidenciar nesse dia e o que quero que passe mais desperce- fotografar às quatro da manhã, e em vez de me sentir aborrecida
ney… E até artistas mais desconhecidos como a Robyn que estava bido, o equilíbrio é a chave para todos os meus looks. Nunca quero encontro inspiração em como a luz está a incidir sobre a poça suja
a estrear-se na América. E eu pensava “como é que posso trazer que a maquilhagem ofusque o vestido ou o cabelo. Quero que tudo ao lado do caixote do lixo. É nestes momentos mais azedos que
mais visibilidade à Robyn?”. Ela deixou-me fazer um eyeliner louco se complemente perfeitamente. É também importante para mim muitas vezes encontramos os tons mais bonitos de cinzento, lama,
nela e ambas adorámos. Genuinamente, senti um alívio por ter a que o look favoreça, já tive muitos maridos e namorados das minhas toupeira, uma mancha de óleo na água, as muitas cores do petróleo
oportunidade de trabalhar com mulheres talentosas cuja música clientes a elogiar os looks que eu criei e a dizer que é bom ver maqui- quando está numa superfície macia. É tudo muito bonito quando
era tão inspiradora e estava a despontar. De repente, os looks e a lhagem tão diferente e que parece tão cool. O que é um enorme elogio, nos damos esse tempo para o observar. 
criatividade não tinham qualquer tipo de limites. Com os videoclipes quando um casal aparece lado a lado. Muitas pessoas preferem os Agora, sente algum tipo de pressão para criar os próximos
e as fotos de álbuns, senti que estava de volta ao caminho certo companheiros sem maquilhagem em vez de em demasia. Por isso, looks? Sim, mas só a pressão saudável que ponho em mim mesma.
para trabalhar com gigantes da indústria como a Melina Matsou- tenho sido bastante consciente em criar looks com um balanço que Quero criar looks para os meus clientes que são entusiasmantes e
kas, com quem trabalhei numa série de videoclipes, com briefings acaba por não ser demasiado ao ponto em que pode parecer teatral. diferentes do que já fiz antes. Gosto do desafio e da expectativa para
épicos e criativos, a Fatima Robinson, que é uma diretora criativa e Quero que as minhas miúdas pareçam e se sintam cool, por isso ter dar às mulheres com quem trabalho algo novo! Tenho algumas coisas
coreógrafa lendária... Estava rodeada pelo tipo de pessoas que põe o fixe do marido ou das namoradas ou amigas é super significativo no meu kit que estou morta para usar... Por isso, preparem-se que há
simplesmente energia criativa em ti e te ajuda a sério! Maquilhadora Jo Baker. e faz-me sentir que esse balanço está perfeito! mais arte e criatividade a caminho! l

vogue.pt 1 9 1
BELEZA LANÇAMENTO

Estado da Arte Na sombra do ritmo frenético da “fast beauty”, uma das


maiores casas de luxo do mundo ergue-se com um novo
métier: La Beauté Hermès. A Vogue foi a Paris conhecer
o coletivo artístico que durante três anos se dedicou a
criar o que pretende ser a Birkin dos batons. Por Joana Moreira.

ali Barret senta-se com rapidez no chão e abre uma capa de primeira vez. Porém, Jérôme assegura: “O matte é superconfortável.
arquivo recheada de páginas de cores. Qualquer hipótese Não ficas com os lábios secos”, graças a uma boa percentagem de
de formalismo termina ali, com a diretora artística do cera de abelha, cera de candelila e manteiga de karité.
universo feminino da Hermès sentada no chão, a folhear
com um sorriso as muitas referências de sedas coloridas A devoção pela cor
do arquivo da marca. Afinal, é o entusiasmo pela cor e “Começámos pelas cores porque sentimos que tínhamos legitimidade
pelo que é belo que junta, numa tarde de novembro, em no campo da cor, graças à generosidade e à cultura da cor que está na
Paris, uma equipa de jornalistas de beleza dos quatro Hermès há muito tempo. Por isso, começámos pelos livros de cores
cantos do mundo. dos lenços de seda. Temos 75 mil, por isso esta é uma biblioteca
Sente-se um friozinho na barriga, e não é da tempe- enorme. Começamos a escolher cores com o Jérôme e lentamente
ratura da capital francesa. Todos os presentes sabem a fomos editando, testando em batom e finalmente encontrámos as
importância do momento que estão a presenciar: a inauguração de tais. Foi um longo processo, mas é tão entusiasmante. Foi muito
um novo métier na casa Hermès. A Beleza faz agora parte, no seu interessante enquanto experiência”, descreve Barret, sobre a coleção
estado mais literal, do universo da marca com 183 anos. O início está emblemática (e permanente) de 24 cores, 10 de acabamento matte e
aqui, nestas páginas, e chega às lojas em março – em Portugal a loja 14 acetinadas, cuja inspiração vem da própria maison. Se as cores são
única localiza-se no coração de Lisboa, em pleno Largo do Chiado. inspiradas pelas sedas, os acabamentos são pelas peles da marca. Para
Mas voltando a Paris. Estamos numa sala com os três elementos ser mais específica, os batons de acabamento matte são inspirados
que, sob a liderança do diretor artístico da marca, Pierre-Alexis Du- pela pele Doblis, suave e quase empoeirada, e os de acabamento satin
mas, compõem o coletivo artístico que há três
anos prepara a chegada da Beleza da Hermès:
Bali Barret, diretora artística do universo femi- Jérôme Touroun
nino, Pierre Hardy, diretor criativo de calçado,
Fine Jewelry, Haute Bijouterie Collections e de-

FOTOGRAFIA: JOAQUIN LAGUINGE; ALEXANDRE NICOLAS.


signer de objetos de Beleza, e Jérôme Touroun,
diretor criativo de Beleza. Juntos acabam de criar
a primeira coleção, Rouge Hermès, uma coleção
de batons, entre vermelhos frios, vermelhos
quentes e, claro, um vibrante laranja – como
não poderia deixar de ser. Mas Jérôme Touroun
Bali Barret
garante: “a beleza da Hermès está também na
fórmula, mesmo no que não se vê”. De facto,
não conseguimos ver para lá dos tons altamente
pigmentados, que deslizaram de forma impres-
sionante quando os testámos nas costas da mão
há uns meses com o entusiasmo de crianças
a ver algo novo (na altura ainda secreto) pela
Pierre Hardy

vogue.pt 1 9 3
BELEZA LANÇAMENTO

"O BATOM É UM OBJETO marca com a longevidade das peças é visível, bem como o seu apreço
QUE SÓ COM UMA pelo tempo. Aliás, o tempo parece ser a estrela-guia da equipa de
APLICAÇÃO CONSEGUE criadores. Não há relógio. Não há pressas. Há tempo. “Ter tempo para
FACILMENTE REVELAR criar produtos dá-te tempo para pensar realmente no que é impor-
UMA PERSONALIDADE."
JÉROME TOUROUN
tante, no que realmente queres e precisas. É uma virtude”, acredita
Bali Barret. “Quando cheguei à Hermès era muito impaciente. Foi aí
[que me debati com isso pela primeira vez] Quando alguma coisa
era difícil ou demorava tempo, diziam-me ‘fazemos isso na próxima
estação’. E eu dizia ‘o quê?!’. Punha-me doida. Mas hoje percebo.
Aprendi a ser paciente e percebi o porquê. É uma grande virtude
porque podes pensar muito bem sobre o que queres, como o queres
fazer, porque o queres fazer, é muito interessante. Dá profundidade
ao projeto e às ideias”.
Mas no ritmo alucinante a que a beleza caminha (corre?), que re-
levância ganha uma Hermès a ir a jogo? A democratização da beleza
A coleção Rouge Hermès inclui 24 batons, um está aí, e com ela mil marcas, ofertas e produtos. “A democratização
bálsamo de lábios (Lip Care Balm), um batom
para dar brilho (Poppy Lip Shine), um lápis é uma coisa boa. Mas toda esta onda da fast beauty, o que foi interes-
de lábios (Universal Lip Pencil) e um pincel de lábios. sante porque criou dinamismo e entusiasmo e tal, tinha muito a ver
são reminiscentes da luminosa pele Box. Mas há mais referências com quantidade, quantidade e renovação de cores, produtos que
aos arquivos da marca que podem passar despercebidas aos olhares substituem outros... Nós [Hermès] temos uma abordagem diferente,
mais desatentos. Pierre Hardy não se coíbe de admitir: “A parte de e uma abordagem diferente ao tempo”, diz Jérôme. “Em vez de só nos
cima [do batom] é uma autocitação (risos). Porque há alguns anos focarmos em quantidade, focamo-nos muito na qualidade, porque a
Cada batom da coleção Rouge emblématique
desenhei o frasco do perfume Jour e a parte de cima era exatamente Hermès é sobre alta qualidade. E provavelmente uma miúda nova,
tem o custo de € 62. Os sazonais, lançados este branco com este selo e com esta curva, e queríamos manter esta que começou com a fast beauty, vai acabar por querer outra coisa,
de seis em seis meses, pertencem à Rouge continuidade neste vocabulário (...), mas não há muitas referências, e isso não quer dizer que tenha de deitar fora essas coisas de fast
édition limitée e têm o custo de € 68.
A recarga é possível nas lojas por € 38. porque é um métier completamente novo na casa, por isso criámos beauty, mas acho que vai ser diferente, algo complementar, algo que
tudo do zero. A textura, a cor, a forma, tudo.” vai querer começar com um [batom], e vai ser um progresso... A
Entre as cores, havia uma óbvia, evidente e incontornável: cor indústria está a mover-se, e acho que há necessidade de uma visão
de laranja. Cor de laranja Hermès. “Claro que queríamos ter um mais elevada da beleza.”
laranja, mas só se, no final, fosse favorecedor”, diz Jérôme. “E foi
esse o caso. Ficámos muito felizes, mas foi onde demorámos mais Porquê um batom?
tempo até encontrar a cor certa, porque tem de ser surpreendente, Pierre Hardy desafia-nos: “Porque é que comprarias uma camisola de
audacioso, mas também tem de favorecer, e esse é o caso”, remata. gola alta preta da Hermès? Há tantas golas altas pretas em qualquer
lado. Mas sabes que ao usares esta há detalhes, texturas, diferen-
Sustentabilidade e bom senso ças que fazem toda a diferença.” E as diferenças estão lá: no fecho
Já o responsável pela forma do objeto tinha uma missão: luxo sus- magnético, na embalagem elegante, no aroma suave com notas de
tentável. Mas não foi fácil encontrar materiais, assume Pierre Hardy. arnica, sândalo e angélica – sim, a perfumista Christine Nagel criou
“Querer manter a ideia de luxo [num objeto] elimina logo uma a fragrância que perfuma a bala do batom. Mas se estes deliciosos
série de texturas e materiais, como plástico, etc. Temos de pensar detalhes justificam o desejo por um batom Hermès, algo continua
FOTOGRAFIA: JOAQUIN LAGUINGE; REMY-LONVIS.
também que funcionem com os produtos, as cores, etc. Por isso, no sem justificação aparente: porquê escolher um batom para primeiro
final, é uma questão de ver o que existe e como pode ser usado da item de maquilhagem da marca? “Acho que o batom é um objeto
melhor forma para produzir o objeto mais bonito. E, lidando com muito pequeno que encapsula tanto o que é a cor e a maquilhagem”,
isso, como encontrar não só uma forma, mas uma harmonia com argumenta Jérôme. “E é um pequeno objeto capaz de concentrar
estes elementos para construir este testemunho do que achamos muita da dimensão Hermès. Um objeto com todo este aspeto de
que é a beleza. É um statement.” ser recarregável, com todas as cores e materiais. É um concentrado
A coleção inclui também alguns O resultado foi uma embalagem feita com recurso a papel não Hermès. Além disso, o batom é um objeto que só com uma aplicação
acessórios em pele, uma bolsa para tratado, fabricado a partir de fibras recicladas, e, no interior, o luxo consegue facilmente revelar uma personalidade. Quando se aplica
o batom com um espelho, uma bolsa
para o batom em pop-up e ainda um
reconhecível de sempre: uma caixa cor de laranja, Hermès-style. E, den- pode-se descobrir algo de alguém que se conhece. Ah, isto é uma
espelho na forma de pendente. Todos tro dela, mais uma surpresa: um pequeno saco de lona para proteger faceta da sua personalidade que eu não conhecia. É uma assinatura.”
os acessórios estão disponíveis em o batom elegante que se esconde no seu interior. A preocupação da E quem não gostaria de assinar com Hermès? l
três tons distintos de pele Hermès.

vogue.pt 1 9 5
BELEZA ASK AN EXPERT

United Colors of Hair


Fazer coloração seca o cabelo?
Sim, pode secar, depende da coloração. O histórico do cabelo é muito importante
e há que sensibilizar as clientes para os cuidados a ter após um trabalho técnico.

No cabelo tal como na Arte, a paleta de cores à disposição é É possível ter alergia aos produtos usados na coloração?
Sim, é possível. Daí que seja importante ter uma boa conversa com a cliente,
praticamente infinita. A Vogue falou com o hairstylist Rui Rocha sobre fazer um teste de sensibilidade para não correr riscos. Mesmo assim, existem
mitos, problemas e todas as principais questões que pairam sobre produtos que ajudam a proteger e a respeitar a pele do couro cabeludo.
o nada aborrecido mundo das colorações capilares. Por Joana Moreira.
Lavar o cabelo diariamente faz a cor de cabelo perder a força?
Depende muito da coloração. Se for um “tom sobre tom”, ao lavar todos
os dias corre-se o risco de o pigmento que fica só na camada superficial
da cutícula sair muito rápido. Usar uma gama específica para coloração
ajuda a manter o reflexo. O mesmo acontece com uma coloração com
mais poder de abertura e cobertura, que, com as lavagens, pode perder
a intensidade dos reflexos. Diria que, lavando todos os dias, o uso
de uma boa linha para cabelos com coloração faz toda a diferença.

Que cuidado acrescido se deve ter após fazer uma coloração?


Os cuidados a ter após um trabalho técnico de coloração, seja
ele qual for, são sempre a reparação e hidratação [dos fios],
que ajudam a manter a cor por muito mais tempo.

Quais são os principais erros relacionados com coloração?


Não ser feito um diagnóstico ao couro cabeludo, e só ao fio do cabelo. Para não
correr riscos, também é preciso saber dizer não à cliente quando o fio do cabelo
não reúne as características para iniciar um compromisso com a coloração.

O que é que pode provocar o efeito manchado depois da coloração?


O efeito manchado acontece quando, numa situação de retoque, a coloração não é a
mesma. Até pode ser muito parecida, mas a curto prazo notam-se essas diferenças.

Quanto tempo pode durar uma coloração de cabelo?


A duração tem a ver com o tipo de coloração, o número de lavagens...

FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES.


A cor está lá, mas os reflexos e o brilho podem desvanecer.
Se não houver determinados cuidados a cor não dura tanto.

Que produtos é que podem ajudar a prolongar a cor?


As gamas indicadas para cabelos com coloração, que têm uma ação
antioxidante e ajudam a manter a cor bonita por muito mais tempo.

Quais são os principais tipos de coloração capilar?


Hoje há colorações vegan, sem amoníaco, há as colorações chamadas “tom sobre tom”, que podem
ser usadas sem oxidação, só para repor pigmento, brilho e dar reflexos, mas que não mexem com
a estrutura do cabelo, ou seja, não alteram em nada o cabelo. Depois temos o “tom sobre tom”, mas
Qual o período mínimo entre sessões de coloração?
Depende muito do crescimento do cabelo, no caso de ser uma coloração direta,
onde se utiliza já uma volumagem, em que se consegue alterar um bocadinho, na base [do cabelo],
por exemplo, para cobertura de brancos. Se for só reflexos de “tom sobre tom”,
já se mexe na estrutura do cabelo. Mais na camada superficial, mas mexe-se. E, depois, há a coloração
dependendo da coloração, pode repor-se sempre que houver necessidade,
por oxidação que, dependendo do fim para o qual é utilizada, acaba por ter mais cobertura.
pois algumas colorações sem amoníaco ajudam a proteger o fio do cabelo.

Fazer coloração danifica o cabelo? A água da piscina pode deixar o cabelo loiro esverdeado?
A base é um bom diagnóstico. Em princípio, isso só acontecerá se Descubra uma série de Sim, as piscinas podem deixar os loiros esverdeados, sejam eles naturais
realmente o produto for extremamente forte. Mas depende muito da champôs para não perder ou com coloração. Tem a ver com o cloro. Se isso acontecer, o ideal é procurar um
estrutura capilar, reforço sempre que é importante um bom diagnóstico. pitada do seu tom em vogue.pt profissional, pois existem colorações, com pigmentos, que ajudam a retirar o verde.

vogue.pt 1 9 7
BELEZA INVESTIGAÇÃO

reencho as sobrancelhas todos os dias. Com lápis, cera, rosto, não é improvável que o maravilhoso
pó ou máscara. O tipo de produto é indiferente, desde sérum que acabou de comprar esteja a ser
que a enorme falha de pelo que tenho na sobrancelha aplicado já no pelo morto. “Mesmo que haja
esquerda fique camuflada. Quem diria que ir contra um penugem, quer seja fina, ou quase invisível,
banco de cimento enquanto corria, aos três anos, ia ter automaticamente ao criar o alargamento do
tamanha influência na minha rotina de beleza: posso fio consegue-se uma sessão de novo cresci-
esquecer-me da máscara de pestanas ou do corretor de mento. Mas apenas funciona com folículos
olheiras, mas nunca deste pequeno passo. Ser Editora de pelo ativo. Efetivamente dão um boost,
de Beleza traz algumas funções, que também podem ser uma diferença, principalmente quem aplica
vistas como vantagens, sendo uma delas experimentar nas pestanas, nota que as pestanas alongam
vários produtos de beleza, de diferentes marcas. Isto para mais e ganham uma certa espessura. Mas é
dizer que terão sido poucos os produtos no mercado (pelo menos o momentâneo”, admite. O tricologista com-
português) destinados ao crescimento de pelo nas sobrancelhas e para a “quase como uma makeup, mas que
pestanas que não experimentei. Até o famoso óleo de rícino, defen- dura quase um mês, mês e meio, pode durar
dido pelos mais puristas e que tanto tempo apliquei na dita falha, até dois meses. Mas há sempre necessidade
não vingou. Pensei: seria o problema meu? de reaplicar”. “A condição é que metabolica-
Pelos vistos, não. Nenhum produto de estimulação de crescimento mente, as pessoas para não criarem dependência, aplicam durante
de pelo pode resultar se o folículo de cabelo está destruído. As pa- um tempo e depois suspendem, não é? Mas depois, para terem o
lavras de Ricardo Vila Nova, tricologista, arrasaram a minha réstia mesmo efeito de alargamento ou de engrossamento da pestana e
de esperança e obrigaram-me a prometer fidelidade aos produtos de da sobrancelha, vão ter de voltar a aplicar”, diz.
maquilhagem. “[Não há produto que ajude topicamente] quando a Habituado a lidar com cabelos todos os dias, na sua clínica em
pestana, por exemplo, ou a sobrancelha, que é mais visível, perdeu Lisboa, no Harrods em Londres ou um pouco por todo o mundo,
poder folicular. Mesmo que apliquem o RevitaLash ou algum tipo Ricardo Vila Nova explica que o ciclo de vida do cabelo condiciona
de medicação com glaucoma ou até com óleo de ricínio, não vão totalmente a eficácia do produto. “Se eu em clínica tratar de cabelo
conseguir multiplicar o número de fios de cabelo na pestana, ou na no couro cabeludo, como o ciclo de cabelo é longo, o efeito de alonga-
sobrancelha”, explica à Vogue. mento e de extensão é mais a longo prazo. Como o ciclo da pestana é
E se o folículo existir? De facto, o RevitaLash é um dos mais popu- curto, o que acontece é que, quando as pessoas utilizam o RevitaLash
lares séruns de crescimento, mas há mais. De marcas de farmácia [ou outro qualquer produto de fortalecimento de sobrancelhas e

FOTOGRAFIA: MIN HYUN WOO / NEW ROUND.


até, recentemente, marcas de supermercado, como a Maybelline, não pestanas], notam de facto que há um aumento da densidade e um
faltam referências deste tipo de produto nas prateleiras das lojas. engrossamento dos fios, mas se suspendem a utilização durante um
Mas resultam? mês, ele gradualmente volta à fase inicial. Ele perde aquele impacto.
“Algumas pessoas que aplicam o sérum quer na sobrancelha quer Porquê? Porque o ciclo da pestana e da sobrancelha é bem mais
nas pestanas notam que há efetivamente uma mudança, um engros- curto, é uma média de 4 meses”, remata.
samento, parece que um recrescimento do fio”, começa por dizer. Na sua clínica, Ricardo executa tratamentos em casos mais graves
“Em alguns casos, a diferença não é muito significativa, porque a do que o desejo comum por sobrancelhas ou pestanas mais fortes.
base ou o estado atual da sobrancelha já é demasiado fino, já tem “[Tratamos do] crescimento da pestana e sobrancelha para casos
algumas películas inativas”, acrescenta. “Assim como o cabelo, a mais sérios, como alopecia, por exemplo, em que a sobrancelha tem
sobrancelha e a pestana têm um tempo de crescimento, uma fase de um ciclo fora de balanço, em que a pessoa perde o pelo de forma
crescimento, de extensão e de renovação. A pestana e a sobrancelha, geral. Temos tratamentos que criam uma certa estabilidade no ciclo
ao contrário do cabelo, crescem em menos comprimento. O cabelo do pelo, com um melhor crescimento e uma melhor cobertura. Não é
fica comprido se nós o deixarmos crescer. Quer no cabelo, quer na efetivo, não tenho um tratamento de multiplicação dos fios. Se houver

Seleção natural
sobrancelha, quer na pestana, é possível induzir o crescimento em essa necessidade, então aí pode-se complementar, ao tratamento
termos de alongamento e espessura. Agora, a pestana tem um tem- que alarga e metaboliza o fio existente, o processo cirúrgico que
po de renovação rápido, daí que eles [séruns] não estendam mais agora já se começa a ver mais: cirurgia de implante agora nas áreas
do que um certo tamanho, um certo comprimento”, explica Vila da sobrancelha.” Enquanto a tecnologia evolui, uma coisa é certa:
Nova. Como o tempo de vida do pelo é mais curto nestas zonas do por enquanto, óleo de ricínio [para sobrancelhas fortes] no más. l

Nasceu com sobrancelhas fartas, pestanas intermináveis e nem


um pelo fora do sítio? Fantástico. Se não, já deve ter pesquisado
sobre os séruns que prometem oferecer o que a Natureza não
cedeu. Falámos com um especialista para perceber se a promessa se
cumpre – e como. Por Joana Moreira. Fotografia de Min Hyun Woo.
vogue.pt 1 9 9
BELEZA TALENTOS

Maquilhadoras2.0
4,152 publicações
Seguir

200mil seguidores 30 a seguir


Pintado de fresco Há uma nova vaga de criadores que se exprime através de um
Maquilhagem do futuro
@milk4god @ddals00p @annesophiecosta #fresh #new #talents
trabalho que respira contemporaneidade. Falámos com três talentos
http://vogue.pt emergentes na maquilhagem que já estão a dar cartas. Por Joana Moreira.

PUBLICAÇÕES MARCADO

número de seguidores não espelha – ainda – a força que a fazer’ como maquilhador já não é tão rígido. (...) Não tenho dúvida
jovem Renata Mottironi (@milk4god no Instagram) traz nenhuma que tenham já existido maquilhadores super fora da caixa
consigo. A jovem do Porto tem 22 anos, dupla nacionali- com cenas incríveis, mas que talvez não tenham ficado para a História
dade (portuguesa e italiana) e uma apetência natural para porque não existia Instagram. Imagino muito bem o que seria hoje
que é belo. “Por volta do oitavo ano deve ter sido a primeira em dia. Por exemplo, uma rapariga na vibe punk inglesa a catalogar
@milk4god

@milk4god

@milk4god
vez que tive um eyeliner ou algo do género. Passei pela os looks de sair [à noite] seria tal como eu hoje em dia. Só que na
fenomenal fase emo”, conta à Vogue, com humor. Fez o altura não foi considerada maquilhadora. Era apenas uma rapariga
percurso na Soares dos Reis, uma escola artística no centro dentro de uma cultura subversiva e artisticamente fértil”, compara.
da Invicta, e os gostos mudaram. Educaram-se. “[os meus Renata, que não se considera ainda “maquilhadora de carreira”, diz
gostos] mudaram muito porque de repente estava num tentar ter uma abordagem “orgânica” à maquilhagem. “Não faço muitas
ambiente em que era ok tudo e mais alguma coisa. Podias coisas muito geométricas, rígidas e minimais. Também faço e já fiz
levar os outfits mais crazy de sempre que até alguns dos professores e gostei, mas são coisas que me saem menos naturais, acho. Gosto
se vestiam assim. E isso foi muito libertador”, diz. “Nesses três anos, de não ser tão rígida na aplicação e na técnica, até nos materiais”,
passei por uma série de penteados diferentes. Do cabelo castanho a diz. Por outro lado, é uma defensora do, por vezes assustador, blush.
um cabelo meio loiro meio preto, a um com bolinhas pintadas.” As “Eu amo blush. Amo mesmo muito. Sou capaz de usar todos os dias
bolinhas vemos agora referenciadas em criações como a da página ao e a notar-se que está lá. Não tenho medo de blush. Blush em pó uso
lado, em que um rosto é salpicado por gigantes círculos em azul ciano. também como sombra e se for em creme ou líquido uso nos lábios
A forma não convencional de abordar a maquilhagem surgiu cedo. como lip tint. (...) Gosto muito do flushed face look. Pôr blush no nariz
@ddals00p

@ddals00p

@ddals00p

“Quase todos os dias sem exceção usava pérolas na cara ou brilhan- também. Acho muito fofo”.
tes, mesmo que fosse um apontamento simples (...) Acho que isso
é semelhante ao que sou hoje em dia em relação à maquilhagem. Embaixadora da cor
Nunca me interessou muito a questão de fazer um smokey eye incrível. Daniella Alsopp (@ddals00p no Instagram) tem 23 anos. Nasceu
Até porque tenho olhos hooded e super desiguais. Fiz a maquilhagem em Bristol, no Reino Unido, mas veio para Lisboa ainda era criança.
que me fazia sentir especial”, explica. Não tem formação na área, vê “Adorava usar a maquilhagem da minha mãe, ela tinha uma série de
tutoriais e outras pessoas a fazer a maquilhagem delas. “Nunca fiz sombras e lápis de olhos com cores vibrantes e máscaras de pestanas
nenhum curso, por enquanto”, diz. azuis que eu amava”, conta à Vogue. “Durante muito tempo, pintava
No Instagram – onde a descobrimos – admite encontrar estímulos os olhos um pouco como a Avril Lavigne, foi uma fase genial mesmo.
para a criatividade. “Há muita coisa por aí super interessante. São A partir daí, tornou-se impensável para mim sair de casa sem eyeliner
estímulos. Às vezes, há um detalhe de cada um que cola mais contigo e, aos poucos, fui tomando interesse por várias técnicas e produtos.”
@annesophiecosta

@annesophiecosta

@annesophiecosta

e, com isso, crias a tua própria coisa. Mesmo que o mood dessa conta Não só por uma questão de estética, mas principalmente pelo fascínio
ou pessoa não seja 100% aquilo de que gostas”, conta. Renata não acha pela liberdade que só a maquilhagem consegue dar, Daniella inspira-se
FOTOGRAFIA: D.R.

que esta geração de maquilhadoras seja diferente das anteriores. “Só em absolutamente tudo: “podem ser apenas as cores ou detalhes de
acho que tudo o resto mudou. As trends mudaram. Hoje em dia, mais logótipos, sobretudo logos do género dos da Hot Wheels ou de sitcoms
do que nunca, não existe apenas uma trend a acontecer ao mesmo dos anos 90, são os meus de eleição, cinestills, objetos menos ou até
tempo. Ou seja, a liberdade é muito maior. E aquilo que tu ‘tens de mais convencionais do nosso dia-a-dia, texturas, tudo!”

vogue.pt 2 0 1
BELEZA TALENTOS BELEZA EXERCÍCIO

Test drive
Numa revolta contra o exercício físico por obrigação, testámos
novas modalidades e conceitos que – surpresa – nos vão
verdadeiramente fazer desfrutar de um bom treino. Por Joana Moreira.

NÃO TENHO DÚVIDA NENHUMA Promete: Depois de Nova Iorque e Los Angeles, é em Londres que não
QUE TENHAM JÁ EXISTIDO
MAQUILHADORES SUPER param de surgir estúdios de stretching. A promessa é óbvia: redução da
FORA DA CAIXA COM CENAS probabilidade de lesões, relaxamento muscular e, claro, flexibilidade. E quem
INCRÍVEIS, MAS QUE TALVEZ não desejou já ser capaz de fazer a espargata? Palavra de editora:
NÃO TENHAM FICADO PARA A A tendência de estúdios só para alongar o corpo ainda não chegou em força
HISTÓRIA PORQUE NÃO EXISTIA a Portugal, mas há ginásios que contemplam no seu menu aulas dedicadas a
INSTAGRAM. RENATA MOTTIRONI. stretching. No primeiro quarto de hora a sensação era a de que tudo era fácil,
ez um estágio em televisão e depois um curso com a maqui-
lhadora Antónia Rosa, uma referência na maquilhagem em ora estica um membro, ora estica o outro, com movimentos lentos e precisos.
Portugal. Com ela aprendeu “a fazer uma pele maravilhosa, Não tardou para que toda a minha confiança se dissipasse, sobretudo quando
sem dúvida. E com tão pouco! As minhas costas agradecem os quilos uma das presentes na aula, com idade para ser seguramente minha avó, me
que evaporaram da minha mala”, diz. Admiradora de nomes como mostrou (pelo exemplo) que o meu nível de flexibilidade se aproxima do
Isabelle De Vries ou Danessa Myricks, Alsopp confessa que o que de um esparguete por cozer. Fazendo uma autoavaliação, posso dizer que
mais gosta de fazer é eyeliner. “Quanto mais gráfico e nonsense melhor”, cheguei ao fim dos 45 minutos com o corpo quente, a mente limpa
garante a jovem para quem maquilhagem é uma forma de liberdade e a sensação de que estava pelo menos um milímetro mais próxima da
de expressão. “Não há regras”, diz, frisando que este é um dos pontos espargata, e não do esparguete. Aula Stretching, 45 minutos, no Clube VII, em Lisboa.
particulares desta nova geração de criativos maquilhadores: “Estamos
todos a fugir muito ao que é considerado mais clássico ou ‘comercial’.
Há todo um leque de estilos de makeup maior hoje em dia, cada vez
surgem mais artistas com ideias fora do comum e não podia ser mais Promete: Satisfazer quem sempre desejou fazer
incrível.” Pelo Instagram, vai conhecendo alguns desses artistas: “tiro bocadinho maiores e penso (suspiro) ok, isto está a começar (risos)”. ballet, mas nunca concretizou o sonho. As aulas
bastante inspiração de tudo o que vou vendo, seja de maquilhagem, Perguntamos-lhe o que lhe dá mais prazer, mas a maquilhadora de ballet flow inspiram-se nos exercícios do ballet
cinema, design, fotografia, the list goes on...”Já quem segue a @ddals00p portuguesa revela-se uma apaixonada por tudo o que faz. “Para mim, e da dança contemporânea para trabalhar a força
pode esperar encontrar cor. A maquilhadora diz que é a sua imagem o meu trabalho é desafiante a todos os pontos. Tanto faz ser um muscular e abdominal, a postura e a mobilidade.
de marca: não ter medo da cor. “Gosto imenso da liberdade que a trabalho para um retrato pessoal mega clássico ou fazer canetas de Palavra de editora: O ambiente de ginásio parece
conjugação de cores nos dá. Sempre que tento fazer um look mais feltro na cara de uma miúda”, garante. Sem falsa confiança. “Mesmo desadequado para uma aula que inclui a palavra ballet.
neutro, algo começa a roer-me por dentro e diz-me para juntar cor. que já tenha quase 12 anos de experiência, ainda tremo, de vez em Mas basta passar além das portas de vidro da sala
E depois mais uma cor. E outra. É mesmo um fator que pesa muito quando, à frente de certos modelos e certas pessoas. Em que penso para esquecer as elípticas, as bicicletas de cycling, as
passadeiras e os pesos. A instrutora faz questão de

FOTOGRAFIA: FABRICE COFFRINI / GETTY IMAGES; FIZKES / ISTOCK; PEOPLEIMAGES / ISTOCK; D.R.
no meu trabalho. As formas também, procuro sempre encontrar uma ‘bem, o que é que eu vou fazer aqui’. É sempre um desafio”, assegura.
maneira de dar um toque mais distinto a alguma técnica clássica. Apesar de estar na cidade que transpira estilo e Moda por todos os que ninguém (sobretudo quem ali está pela primeira
Talvez seja isso que me define e distingue mais”, acredita. poros, Anne Sophie diz ligar pouco a tendências. “Eu faço aquilo de vez) se sinta intimidado pelos passos. Depois de
que gosto”, diz prontamente. “De maquilhagem tento não ver [mui- uma série de exercícios localizados, é com o corpo
Alentejana em Londres tas coisas]. A minha fonte é sem dúvida a Arte. É aí que eu me guio já aquecido e os abdominais em brasa que se executa
Chamar a Anne Sophie Costa emergente pode ser uma blasfémia. pelas cores, pelas formas, pelos materiais, é mais isso. Porque pela Promete: Ser um treino interativo composto por um uma coreografia adequada à experiência de cada
Mas é um talento emergente lá fora, já que, há quase uma década em [tendência] de beleza não me sigo. Como eu estudei Arte e design circuito funcional que trabalha todo o corpo, com foco na turma. No final, agradece-se, como uma verdadeira
Londres, vinga com a portugalidade às costas. Cresceu em Barbacena, gráfico, acho que a minha pesquisa acaba sempre por cair naquilo força, condição física e core. A inovação está na plataforma bailarina. Aula Ballet Flow, 45 minutos, nos clubes Holmes Place.
em Elvas, numa vida de campo, em que andava a cavalo e os sonhos que eu fui. E depois passo isso para a pele”, afirma. Prama, que disponibiliza sequências que determinam
pairavam ao longe. Com uma mãe farmacêutica, Ana Sofia (o nome Sobre a eterna discussão geracional, Costa reconhece que hoje os nossos movimentos através de uma base tecnológica
artístico ‘Anne Sophie’ só chegou com o My Space e a necessidade “há uma falta de conhecimento clássico” por parte das gerações desenhada para melhorar toda a performance. Através
de tornamos os nossos usernames cool) cresceu “a experimentar tex- mais novas. “O meu trabalho é muito sobre quebrar regras. Porquê? de ecrãs, é só seguir os exercícios, graças a estímulos
turas na parte de trás da mão”. “Esses eram os meus hobbies favoritos Porque eu aprendi as regras, eu tive um curso com a Antónia [Rosa] permanentes. Palavra de editora: Foram 40 minutos,
depois da escola”, conta à Vogue, por telefone. Hoje, o hobby passou a e assisti a Naná [Benjamim] e assisti a Joana Moreira. Ou seja, eu mas pareceram 90. De cara vermelha e respiração
trabalho. Desde setembro que pertence a uma das principais agências, aprendi as regras todas, o clássico todo, portanto o meu trabalho é ofegante, claramente não tinha noção do que me esperava
a Streeters, onde estão nomes gigantes da maquilhagem como Lisa desprender-me dessas regras, mas com elas ainda lá. Ou seja, é um quando entrei na sala de paredes pretas com círculos
Eldrige, Val Garland ou Pat McGrath. “Para mim [ser agenciada pela trabalho subtil. O que acontece com muitas miúdas hoje é fazerem o e números luminosos. Deslizar os braços no chão em
Streeters] foi o sonho. Ainda não acredito. Até hoje ainda não consigo que aprenderam na Internet, mas, na verdade, a muitas delas depois posição de prancha, correr e pisar os pontos de luz que se
bem assimilar que estou lá. Agora é que começo a ter trabalhos um falta-lhes informação”, lamenta. l acendem aleatoriamente no chão ou atingir com o punho
zonas da parede que se acendem alternadamente são
apenas alguns dos exercícios que compõem o circuito da
aula, não só desgastante como altamente divertida.
Aula Energy, 40 minutos, no Circle - Augmented Wellness, em Lisboa.

2 0 2 vogue.pt vogue.pt 2 0 3
BELEZA

Body of work
Seja numa mancha berrante, numa imagem revelada a preto
e branco, numa amálgama de barro ou num traço indefinido,
a mulher é uma constante nos novos e velhos mundos que
se estendem pelo universo da arte – e a forma como o corpo
feminino é representado nas mais diversas manifestações
artísticas é um assunto que tem tinta para telas. Por Mónica Bozinoski.

s mulheres... não podem ser vistas como uma entidade fixa, pré-existente,
ou como uma ‘imagem’ congelada, transformada por esta ou por aquela
circunstância histórica, mas sim como um significante complexo, proble-
mático, que muda constante e frequentemente, mesclado nas suas men-
sagens, que resiste a interpretações ou posicionamentos fixos, apesar das
numerosas tentativas da arte visual de, literalmente, colocar a ‘mulher’ no
seu lugar. Como a guerreira, o termo ‘mulher’ luta e resiste às tentativas
que são feitas para subjugar o seu significado ou reduzi-lo a uma simples
essência, universal, natural e, acima de tudo, não problemática.” As palavras
foram escritas por Linda Nochlin, a historiadora de arte feminista que nunca
teve medo de colocar as questões “difíceis”, na introdução de Representing
Women, um livro originalmente publicado em 1999 e reeditado 20 anos depois do seu
lançamento com sete dos seus mais importantes ensaios sobre a representação da
mulher – como guerreira, trabalhadora, mãe, figura sensual e até ausente – na pintura
ocidental. Ao longo dos séculos, e apesar do seu papel ter mudado drasticamente no
decorrer dos mesmos, a figura feminina manteve-se um dos modelos prediletos da
arte. Foi uma estatueta curvilínea, esculpida no Paleolítico e considerada por muitos
arqueólogos como deusa da fertilidade. Foi uma Afrodite esculpida até à perfeição
pelos gregos, uma mulher no papel de deusa, como todo o potencial de criar vida com
vida. Foi um mosaico de Bikini Girls do início do século IV, como são conhecidas, com
uma postura atlética e um corpo delgado. Foi uma pintura de Paula Modersohn-Becker,

FOTOGRAFIA: HERITAGE IMAGES / GETTY IMAGES.


a primeira artista a pintar um autorretrato nu. Foi uma fotografia a preto e branco de
Robert Mapplethorpe, revolucionária, atlética, musculada. Teve peito grande e ancas
largas. Teve contornos magros e suavemente redondos. Escondeu as suas imperfeições.
Pôs a nu as suas características naturais. Conformou-se aos ideais. Rejeitou os padrões.
Não foi fixa, estática, congelada. Foi problemática, complexa, capaz de se transformar.
Charlotte Jansen é jornalista, editor-at-large da revista Elephant e autora do livro Girl
on Girl: Art and Photography in the Age of the Female Gaze. À Vogue começa por explicar que
“o corpo feminino tem sido maioritariamente representado por homens heterossexuais,
e para homens, desde o início da história da arte até ao início do século XX”, uma ideia
que é também explicitada por Luísa Soares de Oliveira. “O corpo feminino é sempre
visto, desde que há representação do corpo feminino na arte, como um objeto, como

vogue.pt 2 0 5
BELEZA

a razão de ser da beleza, como aquilo que concentra em si a beleza, porque as nossas que não a europeia ou a norte-americana, a terem um papel ativo na cena internacional,
sociedades, desde essa altura, se habituaram a considerar o corpo feminino como o obviamente com os seus próprios padrões de beleza. Ou seja, a arte não promove coisa
modelo de beleza vigente”, diz a professora universitária na ESAD.CR e crítica de arte. nenhuma, mas ela reflete as inquietações do mundo”, defende. “A Mónica de Miranda,
“Para os gregos da Época Clássica, o corpo perfeito era o corpo masculino, o corpo por exemplo, que é uma artista com ascendência das antigas colónias, trabalha muito
que participava nos Jogos Olímpicos; a partir dos gregos, e depois de todo o ocidente a questão da autorrepresentação, de uma maneira muito livre e muito liberta de todas
até à atualidade, esse papel inverte-se e passa a ser atribuído ao corpo feminino. E ob- as condicionantes, e introduz modelos de beleza que nós não veríamos na arte portu-
viamente que isso tem que ver com questões ligadas à maternidade, questões ligadas guesa contemporânea até há vinte anos. As coisas estão de facto a mudar. A arte não
à própria estrutura societária, que é uma estrutura patriarcal, onde a mulher é sempre tem o papel de mudar as mentalidades, embora isso também vá acontecer, mas é o
vista, ou era sempre vista, como parte do património da família, isto é, a que gere, a papel dela testemunhar aquilo que incomoda os artistas. Isso começa a aparecer, de
que vai ter filhos e a que, implicitamente, deve garantir todos os atributos físicos para facto.” Charlotte Jansen também diz sentir esta mudança, referindo-se a uma espécie
assegurar que a sua descendência será a melhor e a mais saudável possível. Há muito de revolução global. “Penso que isso emergiu do espírito destes artistas visionários,
esta equivalência entre saúde e beleza, e a representação da beleza que existe concen- que exigem serem vistos de forma diferente, nos seus próprios termos. Movimentos
trada no corpo feminino.” Como explica a professora universitária, “o corpo feminino, como o #MeToo estão ligados a isto. Mas, como sabemos, também existiu um backlash
o nu feminino, por exemplo, só aparece no século IV a.C.”, citando a Vénus de Milo contra isso – no mundo das artes visuais, penso que tem existido bastante debate,
como um dos exemplos mais conhecidos. “Antes disso, as mulheres estavam sempre particularmente sobre esta tendência ‘hiperfeminina’ e a ‘quarta vaga do feminismo’,
vestidas, ao contrário dos homens. Daí para a frente ela é a Eva, que é a tentadora por e o quão eficaz pode realmente ser, e penso que a tendência da “mulher artista” se
excelência, ou é Maria, a santa por excelência. Oscila entre estes dois pólos, mas sempre tornou tão popular na arte que, agora, as mulheres estão um pouco cansadas disso.
com esta ideia de materializar uma série de conceitos que a sociedade tem respeitantes Ninguém quer ser definido pelo seu género, quer ser definido pelo seu trabalho; ser
ao corpo da mulher.” Este conceito de polos opostos também é defendido por Char- chamada ‘uma grande artista mulher’ é, de certo modo, mais uma forma de sexismo.
lotte Jansen quando a questiono sobre aquilo que podemos aprender sobre o corpo Mas, ao mesmo tempo, temos de criar espaços e promover aquilo que as mulheres
feminino e os ideais de beleza associados a ele. “Isto é uma questão muito abrangente, fazem porque tem sido muito ignorado...”
tendo em conta o quão longa e ampla a história da arte é”, explica a jornalista e autora.
“Mas penso que o facto de a história da arte ter sido dominada pelo olhar masculino a arte, um corpo nunca é só um corpo. Um ideal de beleza nunca é só um
teve um grande efeito na forma como somos condicionadas a olhar para o corpo das ideal de beleza. Uma representação nunca é só uma representação. Uma
mulheres e a pensar sobre ele. No geral, as mulheres foram construídas para caber no mudança nunca é só uma mudança. Tudo se interliga. Tudo tem significado
complexo madonna-whore – ora como objetos passivos e sexualizados, ora como figuras para além do aparente. Charlotte Jansen e Girl on Girl: Art and Photography in the Age of
maternais, beatificadas e inatingíveis. E, durante séculos, foram poucos os artistas que the Female Gaze parecem ser a confirmação disso mesmo. “Quis editar este livro porque
se desviaram destes estereótipos.” estava a ver muita atenção dos media neste novo movimento de artistas na fotografia
a colocarem o corpo feminino em primeiro plano no seu trabalho, mas senti que
as estarão estas ideias e estereótipos sobre o corpo da mulher e a sua re- muita desta atenção era bastante superficial e limitada, e que desvirtuava os aspetos
presentação na arte a mudar? “Isso está a mudar porque a sociedade está a mais subtis daquilo que as mulheres estavam a fazer naquela altura”, explica. “Nem
mudar”, defende Luísa Soares de Oliveira. “A arte é transparente, a arte vai todas as mulheres usam o corpo feminino para falar sobre sexualidade, género ou
espelhar as inquietações da sociedade, e obviamente que quando a sociedade começa a feminismo, por exemplo – podem usá-lo como uma tela para explorar a arquitetura,
atribuir outros papéis às mulheres para além destes tradicionais, ou quando as próprias o lugar, a política, o teatro, a morte, a violência, e tantos outros temas.” Como defende
mulheres se tornam artistas reconhecidas e começam a espelhar os seus próprios me- Luísa Soares de Oliveira, cada artista define a sua obra, e cada artista trata de si. “Mas
dos, e as suas próprias angústias, e até os seus desejos na própria representação, ou o que nós temos hoje, e eu que também sou professora posso dizer isso, é que cada
autorrepresentação, obviamente que a arte muda. Não é tanto o parâmetro de beleza que vez há mais alunos na faculdade que vêm das comunidades migrantes, coisa que não
muda, mas é a maneira de representar um corpo, por exemplo.” A professora começa acontecia há dez anos. Há dez anos eles não chegavam, e hoje chegam. E obviamente
por citar o exemplo de Paula Rego, que utiliza representações do corpo feminino que que eles vêm trazer a sua própria cultura para a arte, o que enriquece nitidamente
não se conformam com os estereótipos tradicionais. “O modelo dela por excelência é a arte portuguesa contemporânea, que deixa de ser branca e centrada numa visão
uma rapariga que foi empregada na casa dela e que ajudou nos últimos anos de vida binária da sociedade, deixa de ser isso e passa a ser múltipla, muito mais rica, muito
do marido, e que é aquilo que nos imaginamos ser uma mulher do campo, uma mulher mais diversa.” E isso, claro, vai afetar a representação. “Penso que as melhores artis-
forte, uma mulher que não está de todo conforme aos padrões das manequins, portan- tas não estão a redefinir o ideal de beleza, mas antes a reinventar completamente o
to, é vigorosa, com músculos, sem grande apelo sexualizado, digamos assim. A Paula sistema para que não tenhamos que ter ideais que são impossíveis de alcançar – um
Rego faz isto de uma maneira consciente, ou seja, ela pega nos estereótipos ligados à ideal vai sempre excluir alguém, é algo que depende da comparação e da competição,
representação do corpo feminino e vira-os ao contrário.” A artista portuguesa não é a e isso faz parte do patriarcado”, defende Charlotte Jansen. “Hoje, as artistas estão a
única: também Cindy Sherman, através da fotografia, “usa muito os estereótipos ligados usar o seu trabalho para fazer statements radicais sobre isto e dizer que estes padrões
à representação do corpo feminino” e “vai caricaturar justamente essas representações e ideais são absurdos, e que até estarmos livres deles não seremos liberadas. Estou a
através de algo que nós poderíamos considerar como feio, ou seja, há uma introdução pensar em artistas como Juno Calypso, por exemplo, que usa a sátira para mostrar
daquilo que a sociedade considera como feio dentro da própria arte, na representação do como a perfeição é inalcançável; ou a fotógrafa Nadine Ijewere, que está a celebrar o
corpo feminino”. Como explica ainda Luísa Soares de Oliveira, é a própria sociedade que facto de existir beleza em toda a gente, e que ninguém é igual a ninguém – por isso,
também exige esta mudança. “Cada vez mais eu vejo artistas vindos de outras latitudes, como poderiam existir padrões?” l

vogue.pt 2 0 7
VO
GUE FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES.

MODA
FOTOGRAFIA
REPORTAGEM Câmara escura: Vogue Portugal em processo de revelação.
QUANDO A VIDA IMITA A ARTE…
…a Arte ganha vida. Se uma
Mona Lisa de carne e osso ou
um David com direito a guarda-
-roupa estivessem entre nós,
seriam menos criativos que o
protagonista destas páginas.
Quadros andantes, escultu-
ras com fôlego, personagens
retirados da imaginação de
um Picasso ou de um Breton,
ser arte no dia-a-dia é obra.
Obra-prima: prima de um
Da Vinci ou de um Monet
ou de um Van Gogh. Podem
mandar emoldurar e entregar.
Fotografia de Hilde van Mas. Styling de Thomas Reinberger.

English version

Blazer em cetim de seda, CHRISTOPH RUMPF. Brincos em metal e acetato, AENEA. Collants em malha de lã, WOLFORD. Mules em pele e cetim de seda, NIKOLA MARKOVIC.
Blazer em jacquard de seda e calças em algodão, ambos CHRISTOPH RUMPF.
Ilustração por Marcus Richter. Na página ao lado: Blazer em jacquard de seda e calças em algodão, ambos CHRISTOPH RUMPF. Collants em malha de lã, WOLFORD.
Blazer em cetim de seda, CHRISTOPH RUMPF. Brincos em metal e acetato, AENEA. Collants em malha de lã, WOLFORD.
Na página ao lado: calças em algodão, PETAR PETROV. Chapéu em ráfia, STRESS.LER. Mules em pele, NIKOLA MARKOVIC.
Casaco em pelo sintético e camisa em algodão, ambos WENDY JIM. Calças em algodão, MAXIMILIAN RITTLER.
Collants em malha de lã, WOLFORD. Mules em cetim de seda, NIKOLA MARKOVIC.
Camisa em algodão, WENDY JIM. Calças em algodão, MAXIMILIAN RITTLER. Collants em malha de lã, WOLFORD. Mules em cetim de seda, NIKOLA MARKOVIC.
Ilustração por Marcus Richter. Na página ao lado: máscara, camisola e calças em lã, tudo MAXIMILIAN RITTLER. Brincos em metal e acetato, AENEA.
Blazer em cetim de seda, CHRISTOPH RUMPF. Brincos em metal e acetato, AENEA.
Luvas em cetim de seda com missangas, MAXIMILIAN RITTLER. Headpiece em acetato, SASSA ANN VAN WYK.
Fotografia: Hilde van Mas @ Vizard London. Modelo: Markus Richter. Cabelos e maquilhagem: Jody Cuberli @ Kasteel Artist Management com produtos Dior.
Assistente de fotografia: Matthias Heschl. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
REFLEXÃO

Instalação Uniforme, de Cláudia Casarino, 2008.


um sinal dos tempos. É um sopro de beleza. É uma amálgama
de tudo o que é real e imaginário. É o espelho de uma cultura,
o retrato de uma sociedade. É a concretização de um sonho.
É a palavra que ocupa o silêncio. É a ação que antecede o

FOTOGRAFIA: CORTESIA DA ARTISTA CLÁUDIA CASARINO E DO MUSEU HAW CONTEMPORARY.


espanto. É a mistura do possível e do impossível, do passado
e do futuro, do desejo e da vontade. A Moda é tudo isto. E mais.
É o babygrow de algodão que nos protege nos primeiros dias
de vida, o bibe de vichy que levamos para o infantário, o kispo

The Art of
impermeável que nos ampara a chuva nos intervalos da escola.
É a saia em tweed das matinés de cinema, a camisola de lã que
recebemos no Natal, o vestido em chiffon que usamos nas festas
de aniversário. É o par de calças de ganga que cobiçamos na

Fashion
adolescência, as leggings em lurex que veneramos quando a
sensatez ainda não se sobrepôs ao gosto, o soutiã em renda que
experimentamos com restos de inocência. É o blazer de veludo
que cobiçamos depois dos 30, o casaco de cabedal que não
abandonamos por amor aos ícones do grande ecrã, o chapéu
O mundo habituou-se a aceitar que um urinol de porcelana branco em feltro que atesta o descansar da personalidade. A Moda é
possa ser uma das maiores expressões do dadaísmo, e que uma tudo isto. E mais, muito mais. Aparentemente, a Moda pode
banana colada à parede com fita adesiva cinzenta possa ser vendida ser qualquer coisa. Só não pode ser arte. Nem mesmo perante
os desfiles-espetáculo de Alexander McQueen, a extravagância
por 108 mil euros, mas continua a ter dificuldades em aceitar que luxuriante das propostas de John Galliano para a Dior, as
um vestido com seis mil metros de tule bordado, que se assemelha apresentações maiores-que-a-vida de Karl Lagerfeld, na Chanel
e na Fendi. Nem mesmo perante os coordenados artsy de Rei
a uma pilha de nuvens vaporosas e cuja concepção envolve um Kawakubo. E no entanto, se nada disto é arte, se nada disto for
savoir-faire centenário, seja apelidado de “arte”. Porquê? Por Ana Murcho. arte, como explicar e emoção que tudo isto nos provoca?

vogue.pt 2 2 9
REFLEXÃO

históricos, a [noção de] Moda foi evoluindo de ‘arte aplicada


ou decorativa’ para ‘produto artístico’. Não só pela plasticidade
inerente ao trabalho material, ou ao património que constitui”,
sublinha Graziela Sousa. E acrescenta: "Mas também porque
está em linha, ou a par, com outro tipo de representações de
uma cultura e de uma visão artística.” Alexander Fury, por seu
lado, não vê necessidade em fazer essa associação. “Não acho
que façamos nenhum favor à Moda pelo facto de lhe chamarmos
arte. Como uma grande cadeira – uma Prouvé, por exemplo – a
grande Moda é uma grande obra de design. Não precisa de ser
arte para ser valorizada.” E, contudo, sabemos que hoje em dia
a Moda é, à semelhança da arte, uma indústria que se rege pela
oferta e pela procura. “Atualmente, temos artistas como Jeff
Koons ou Damien Hirst, que empregam centenas de pessoas – é pretendendo evocar o semelhante tipo de resposta emocional.”
oco Chanel uniu-se a Picasso para igualitária. Embora muitas vezes encarada como um símbolo um modelo habitual para os artistas. E há pessoas em certas áreas Quase todos os desfiles de Alexander McQueen foram um desafio
desenhar os figurinos do Ballet Russes. de elitismo, ela é, na verdade, democrática – a qualquer nível da da Moda, como Marc Jacobs, que têm esse tipo de sensibilidade à eternidade. O que serviu para apresentar a coleção primavera/
Elsa Schiaparelli serviu-se de Dalí para sociedade, as pessoas precisam de se vestir e geralmente tentam empreendedora”, decidiu o escritor Glenn O’Brien, citado pelo site verão 1999 (quando dois robôs pintaram, com spray, o vestido
criar um vestido-lagosta. Yves Saint adornar-se. Assim, a Moda, por si só, está presente mesmo Not Just A Label. O paralelo explorado pelo americano é curioso branco de Shalom Harlow) foi um ato divino. Graziela, que alinha
Laurent dedicou uma coleção inteira onde a Arte está ausente. A tensão entre sonho e realidade – porque, de facto, são indústrias que jogam segundo as mesmas nas memórias, acrescenta: “Lembro-me logo dos do Henrik
a Mondrian. Gianni Versace estampou a Pop Art de Andy entre quem alguém é e quem pretende ser, entre os requisitos regras. A diferença é que a validação dos seus produtos finais é Vibskov [designer dinamarquês] ou do último desfile do Marc
Warhol em jumpsuits coleantes. Marc Jacobs serviu-se do pragmáticos das suas roupas e a imagem que desejam projetar totalmente distinta. É mais fácil dizer que uma pintura de Francis Jacobs na Semana de Moda de Nova Iorque. Também me lembro
génio de Jeff Koons para elevar o hype da Louis Vuitton. Não – é algo universal.” A ideia é corroborada por Graziela Sousa, Bacon é arte do que concordar que um vestido de Iris van Harpen de tudo o que seja Balenciaga e Gucci. E daquelas salas onde a
há volta a dar. Por mais que se revolvam enciclopédias, a professora e investigadora da Faculdade de Arquitetura da possa pertencer a essa mesma categoria. Talvez seja por isso Moncler apresenta as suas colaborações – palmas sobretudo para
Moda e a Arte caminham de mãos dadas desde que o homem Universidade de Lisboa e responsável pelos Projetos Especiais da que muitos designers usam os desfiles e as apresentações para o Pierpaolo Piccioli. É a Moda como arte e com tudo o que de
tomou consciência de que o ato de vestir é mais do que uma Associação ModaLisboa: “A Moda tem uma representação social comunicar os seus imaginários. “Um desfile de Moda pode por inspirador tem para dar. Aquele momento irrepetível de emoção.
necessidade supérflua. Contudo, e historicamente falando, a fortíssima. Seja high street, seja couture. Diz sobre onde estamos, vezes confundir-se com performance art – mas depende da intenção Eu ainda acredito que esse é um último cumprimento da obra
Moda não costuma ser elevada ao mesmo patamar que outras como pensamos, e que escolhas fazemos para viver ou coexistir do designer. Alexander McQueen tinha intenções artísticas ao de arte – a emoção e a contemplação humana do outro lado.”
manifestações artísticas, como a pintura, a música, a escultura socialmente.” E sublinha: “A Moda é arte e também é design, criar muita da sua roupa, não apenas imitando a arte, mas
ou a arquitetura. Porque é que isso acontece? Lançámos a há uns dias lia um comentário do diretor da Parsons School impacto da Moda será tanto a sua mais-valia quanto é a sua
pergunta a Alexander Fury, fashion features director da Another of Design que era algo como: vamos sempre ter dois braços e salvação. Renegada enquanto arte, descobre-se detentora
Magazine, crítico de Moda masculina do Financial Times, e duas pernas para vestir – o corpo precisa de se movimentar de variadíssimas formas em expressar a criatividade. Um
autor de um número incontável de livros e ensaios: “Penso e cobrir. E acho que é isso que torna a Moda especial – não exemplo? A exposição Savage Beauty, realizada em 2011 no
que existem várias razões. Por um lado, existe uma hierarquia podemos vestir um quadro. Mas a Moda, que te veste e que Metropolitan Museum of Art enquanto retrospetiva da
até dentro dessas artes – com a pintura considerada uma diz tanto de ti, tem no seu próprio produto essa celebração e, obra de McQueen, foi uma das mais vistas de sempre daquela
forma de arte ‘mais pura’ do que a escultura, por exemplo. O enquanto reflexão social, psicológica e humana, oferece uma instituição nova-iorquina. E despontou numa verdadeira corrida
pragmatismo da Moda (o facto de vestir um corpo) diminui-a espécie de valor acrescentado – porque podes vivê-la também.” aos museus. Não para ver quadros, mas para ver roupa. “Um
frequentemente, da mesma forma que uma grande cadeira ou Mas como é que a arte, essa coisa tão indecifrável e inatingível, executivo de um museu disse-me uma vez que a Moda era o
uma bela peça de porcelana também são objetos utilizáveis, se traduz nos nossos guarda-roupa diários? Aqui, se Graziela é novo Picasso – que as exposições de Moda, agora, atraem o
em oposição à mera decoração. Há também a conexão entre otimista, Fury nem tanto: “Muitas vezes de forma simplista – e tipo de número de visitantes que antigamente eram reservados
Moda e vaidade, que é um pecado – e há especialmente a é esse o problema de alinhar Moda e Arte”, explica o jornalista. para mostras de artistas de renome internacional. Sinto
sensação persistente de um certo puritanismo anglo-saxão "Muitas vezes a inspiração necessária é, para ser franco, banal que isso provocou uma mudança na forma como a Moda é
sobre arremessar a Moda por causa desse contexto (é por e superficial. Uma pintura torna-se uma ilustração que, em considerada em ambiente de museu – mas ainda faz parte das
isso que ela parece mais defendida e valorizada nos países certo sentido, é uma prostituição da sua intenção original, e English version artes decorativas. Dito isto, as exposições de Moda em museus
católicos, eu diria). E, depois, há também um certo grau de uma comercialização. A Alta-Costura está mais próxima da mudaram consideravelmente nos últimos 50 anos e sem dúvida
misoginia – para muitos, a Moda é considerada um interesse arte na sua singularidade, a ideia de uma criação singular. Dito É MAIS FÁCIL DIZER QUE UMA PINTURA que mudarão novamente.” Em que ficamos? Será que podemos
‘feminino’ e, portanto, de menos seriedade e valor.” isto, podemos ver algo de Vivienne Westwood do outono/ DE FRANCIS BACON É ARTE DO QUE declarar, alto e bom som, que a Moda é, também ela, uma forma
Menos seriedade e valor, ou seja, mais preconceito e inverno de 1990 e perceber que toda a proposta estética da CONCORDAR QUE UM VESTIDO DE de arte? “A Moda não é arte: a Moda é Moda. E a Moda é fabulosa”,
ignorância. Porque a relação entre Moda e Arte é, sem sombra estação se centrou em espalhar a riqueza encontrada na pintura IRIS VAN HARPEN POSSA PERTENCER garante Alexander Fury. “A Moda é muitas coisas – arte é uma
A ESSA MESMA CATEGORIA.
de dúvida, simbiótica: podemos dizer tanto sobre uma cultura barroca e rococó, não apenas reproduzindo os seus gráficos.”  delas”, defende Graziela Sousa. E nós, em que ficamos? Tudo
TALVEZ SEJA POR ISSO QUE MUITOS
pelos quadros que produz como pelas peças de roupa que Será a Moda uma expressão de arte, e das mais puras, porque DESIGNERS USAM OS DESFILES isto é arte. Tudo isto é Moda. E, se não for, que seja apenas a
vende. Ou será esta afirmação um exagero? “A diferença pode ser vivida diariamente? Porque, ao depender de um ator E AS APRESENTAÇÕES PARA concretização de um sonho bom. Um sonho tão bom como
fundamental, penso, entre Arte e Moda é que a Moda é que a interprete, é uma espécie de performance art? “Em termos COMUNICAR OS SEUS IMAGINÁRIOS. um urinol de porcelana ou uma banana colada na parede. ●

vogue.pt 2 3 1
BLUE IS THE WARMEST COLOUR
Principalmente quando o azul não
é ciano, nem marinho, nem klein, é
Azul-Helena-Almeida. Principalmen-
te quando o seu corpo (de trabalho)
nos toma de assalto. A artista,
incontornável do panorama de Arte
contemporâneo, pode ter saído de cena
em setembro de 2018, mas a sua morte
não levou o espólio artístico que toca
a fotografia, a pintura, o desenho mas,
acima de tudo, que nos toca a todos.
Colocando o corpo como elemento
nuclear, o título A minha obra é o meu
corpo, o meu corpo é a minha obra, que
nomeou uma retrospetiva da sua arte,
fica agora multiplicado nesta homena-
gem. Porque o seu corpo é a nossa
obra. E a sua obra é o nosso corpo.
Fotografia de Ricardo Santos. Realização de Larissa Marinho.

English version

Ben: camisola em malha de lã, MARNI.


Ben: top e saia em malha de lã, ambos HERMÈS.
Yakiv: casaco e camisa em algodão e seda, ambos PRADA. Ben: casaco em linho e pele, SALVATORE FERRAGAMO. Na página ao lado, Ben: casaco e camisa
em algodão e vestido em algodão e organza de seda, tudo MAISON MARGIELA. Collants em mousse, CALZEDONIA. Sapatos em pele, BOTTEGA VENETA.
Ben: camisola e saia em algodão, ambos DRIES VAN NOTEN. Botas em pele, MIU MIU. Na página ao lado, Ben: casaco e saia em algodão, ambos BOSS.
Yakiv: camisa em algodão, HERMÈS. Na página ao lado, Ben: vestido em tweed de lã, CHANEL.
Ben: casaco e saia em lã e seda, ambos MIU MIU. Blusa em cetim de seda, CHLOÉ. Yakiv: casaco em algodão, INÊS TORCATO. Camisa em algodão, BALENCIAGA. Calças em algodão, MASSIMO DUTTI.
Ben: casaco em pele e algodão, e saia em pele, ambos PRADA. Collants em mousse, FALKE. Na página ao lado, Yakiv: trench coat em algodão, BURBERRY. Macacão em denim, HIBU.
Veja o fashion
film, aqui.
Ben: camisola em malha de lã, MARNI. Yakiv: macacão em denim, HIBU.
Na página ao lado, Yakiv: casaco e calças em lã, camisa em algodão e sapatos em pele, tudo ALEXANDER MCQUEEN.
Modelos: Ben Massarenti @ Monster MGMT. Yakiv Brychuk @ Just Models. Cabelos: Cláudio Pacheco.
Maquilhagem: Sílvia Ferreira. Assistente de realização: Beatriz Mafra.

A Vogue Portugal agradece ao J9A Warehouse e a Duarte Figueiredo todas as facilidades concedidas. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
“A memória mais forte que tenho da minha avó são as suas
gargalhadas contagiantes e os seus abraços fortes. E o seu
cheiro, Angel, de Thierry Mugler. A Helena-mulher e a Helena-
avó foram sempre, para mim, a mesma, sempre consegui
encaixar uma na outra. Ou talvez ingenuamente nunca me tenha
apercebido se eram mesmo diferentes ou não. Era das pessoas
mais coesas e decididas que conheci, tinha uma força enorme
e era de uma elegância invulgar, todas estas características se
estendiam a todas as áreas da sua vida. Facilmente desafiava
a seriedade de um assunto ou conceito ao transformá-lo
em algo puro e autêntico. Enquanto artista, talvez me tenha
influenciado na maneira de ver e filtrar a realidade, para mim
o trabalho dela são sonhos. Mas principalmente na maneira
como se levou muito a sério enquanto artista, numa altura
em que poucas mulheres trabalhavam sequer, ainda para mais
na área das artes plásticas. E isso enquanto mulher artista
motiva-me e acompanha-me diariamente no meu trabalho.”
Branca Cuvier, artista, neta da artista plástica Helena Almeida.

SURPREENDENTE. CORAJOSA. REVOLUCIONÁRIA. DEDICADA. ELEGANTE.


MODERNA. ARROJADA. GENEROSA. REFINADA. CARISMÁTICA. FORTE.
SAGAZ. MAGNÍFICA. PACIENTE. HONESTA. DETERMINADA. SENSATA.
MARAVILHOSA. GIGANTE. SENSÍVEL. LUMINOSA. ENCANTADORA.
INTEMPORAL. NOBRE. PRODIGIOSA. TRANSFORMADORA. ABSTRATA.
BRILHANTE. DISTINTA. FEROZ. INESQUECÍVEL. PROFUNDA. REALISTA.
TRANSPARENTE. SÁBIA. PERFECCIONISTA. TOLERANTE. INDEPENDENTE.
PERSPICAZ. OUSADA. JUSTA. MULTIFACETADA. CRIATIVA. COESA.
SUBVERSIVA. HONRADA. ASSERTIVA. SOLAR. EXTRAORDINÁRIA.
INOVADORA. VALENTE. GENUÍNA. DISCIPLINADA. INSPIRADORA.
COMPREENSIVA. AUDAZ. FIEL. ELOQUENTE. ARREBATADORA.
PERSISTENTE. INTEMPORAL. SÁBIA. EMANCIPADA. NOTÁVEL. SINGULAR.
ARRISCADA. INSUBMISSA. MÁGICA. ESPIRITUAL. AUTODIDATA.
IMPREVISÍVEL. SUBLIME. CURIOSA. ALTRUÍSTA. GRANDIOSA.
Em cima: Tela habitada, Helena Almeida. VANGUARDISTA. SONHADORA. EXTRAORDINÁRIA. SINGULAR.
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Museu Calouste
Gulbenkian- Coleção Moderna. Fotografia: Mário de Oliveira. INCONTORNÁVEL. DECIDIDA. TRANSFORMADORA. INTRÉPIDA. ETERNA.
Ao lado: A cadeira branca, Helena Almeida, 2013.
Cortesia da Galeria Filomena Soares.
Na página ao lado: Tela rosa para vestir, Helena Almeida.
Cortesia da Fundação de Serralves. Fotografia: Filipe Braga. AUTÊNTICA. ENORME. LIVRE. MAIOR-QUE-A-VIDA.

HELENA ALMEIDA.
ANÁLISE

Crítica
Desconstrutiva
da Crítica
de Arte "A Crítica de Arte é uma forma de literatura que condensa
ou amplia/enfatiza, organiza ou tenta harmonizar, todas
as ideias que nos vêm à mente, quando confrontada com
o fenómeno artístico", Paul Valéry, 1932. Por Nuno Miguel Dias.

ão são bons tempos para se ser crítico do que quer que seja. formas. Mas é necessário separar as águas. E é para isso que
Há demasiados. Bons? É discutível. Muitos? É indiscutível. Se servem os críticos de arte, que persistem perante um marasmo
há porta que as redes sociais abriram é aquela que, até agora, de contrariedades. Se eu fosse um deles, já tinha desistido.
funcionava como a que existe sempre nos (bons) filmes de Muitas vezes através de palavras duras, a análise crítica
terror. Não a podíamos abrir sob pena de tudo descambar e descritiva de uma peça de arte (isto é, a crítica de arte), é
em rios de sangue, poltergeists, almas penadas e até duas gémeas provavelmente tão antiga como a própria arte. É claro que não nos
a exclamar em coro "anda brincar connosco, Danny". Entretanto, referimos à fase muito inicial da criação musical, que corresponde
o Ti Zuckerberg não soube estar quieto e agora não há dia em aos nossos antepassados a bater em troncos ocos, onde apareceria
que não nos apeteça chamar um médium para exorcizar o nosso um elemento extrínseco que diria "Tu estás fora de tom e esta peça
feed. E não estou a falar das trezentas e cinquenta e quatro fotos é monótona e repetitiva", ou quando alguém desenhava uma pintura
dos disfarces de carnaval dos filhos dos nossos amigos (duzentas rupestre para no dia seguinte um elemento muito influente da
e dez Elsas do Frozen e cento e quarenta e quatro Jokers), das comunidade dizer "A noção de escala é aviltante e a iluminação da
mil e uma lamechices em restaurantes duvidáveis do Dia dos caverna um desastre". Foi preciso tomar consciência da produção
Namorados, das 164 pulseirinhas verdes quando estão no hospital artística como um elemento essencial da nossa civilização para
ou, assim que o calor aperta, dos (demasiados) pés, mas com os que o crítico de arte passasse a ser uma figura cujo papel era
dedinhos enterrados na areia porque houve todo um Inverno a essencial na discussão e interpretação da arte e do seu valor. O

FOTOGRAFIA: GETTY IMAGENS.


poupar na pedicura. Refiro-me, sim, à opinião formada sobre que nos leva à consideravelmente plausível hipótese de terem
tudo e todos com base em opiniões formadas sobre esses tudos sido os críticos de arte a chamar a atenção dos vários extratos da
e todos dadas por alguém que, por sua vez, tinha uma opinião sociedade para a importância da arte. Não obstante, comprovam
formada por todos os que sobre tudo opinam. Estes são tempos escritos de Platão, Vitrúvio e Santo Agostinho, que a crítica de arte
em que todos se acham críticos e expõem as suas críticas tão é bastante provecta. Nos últimos séculos, a análise interpretativa
apaixonadamente como só seria capaz quem não tem um pingo e os julgamentos ascéticos dominaram o discurso utilizado pela
de capacidade de autocrítica. É de uma impunidade atroz. Como crítica de arte, o que porventura terá levado não só a que os artistas
se A Crítica da Razão Pura, de Kant, responsável pela mudança nas tivessem desenvolvido o seu trabalho como também a concederem-
consciências da civilização ocidental, fosse um panfleto dado por lhe uma maior profundidade, para além de permitir que os
uma velhota à porta de um estabelecimento comercial quando espectadores percebam e até interpretem as obras. Todos nós
respondemos "Eh pá agora não tenho tempo" à pergunta "Tem achamos que o crítico de arte tem uma perceção superior da arte,
um minuto para escutar a palavra do Senhor?" Não havendo uma espécie de consciência privilegiada que, sem qualquer margem
qualquer espécie de razão na crítica, na qual tanto veneno se para dúvidas, nos ofereceu durante muito tempo o discernimento
destila, tantas frustrações se deixam entrever, tanta falta de que requeria um outro nível de conhecimento. Os artistas (pelo
informação grita por um mínimo de cultura, é óbvio que a cultura menos aqueles que são capazes de aceitar uma crítica por vezes
é hoje ainda mais urgente que nunca. Em qualquer uma das suas ácida), tinham as opiniões dos críticos como úteis, instrutivas

vogue.pt 2 5 1
ANÁLISE

Sobreviventes desse tempo das correrias às discotecas (lojas


de discos, não boates), de sermos obrigados a pedir a amigos
que fossem a Inglaterra para nos trazerem um disco do Nick
Cave ou àquela família emigrante em França que nos trouxesse a
obra X do Boris Vian no próximo agosto, Rui Tendinha e Miguel
Somsen começaram nisto juntos. Nisto como em crítica de
arte, claro. No Blitz, o jornal. Com os gigantes Nuno Galopim
e Álvaro Romão. Fotografias sempre a cargo de Cameraman
Metálico e Carlos Didelet. Rui Tendinha já tinha trabalhado no
Minho Semanário. Seguiu depois para O Jornal e, mais de duas
décadas volvidas, é o homem do Cinetendinha, um "cinecartaz" de
referência e bússola dos curiosos da sétima arte. Miguel Somsen
e até encorajadoras para fazerem melhor. Elena Martinique, de nós sabe fazer um Beef Weelington irrepreensível. Ou começou a escrever sobre pequenas editoras independentes no creio, que só se revelou no Independente, portanto depois de ter
uma filósofa norte-americana que dá pelo pseudónimo de Jelena trocando por miúdos ainda mais miudinhos, “dá Deus nozes semanário musical LP. Quando este foi extinto, "o Blitz comprou sido despedido do Blitz por mediocridade" (ups). Rui Tendinha
Martinovic, sugeriu em 2017 que a crítica de arte estaria em a quem não tem dentes”. Ah sabedoria popular, que tantas o peixe que lhe vendi", como refere, e passou a escrever sobre confessa a sua compulsividade cinéfila como causa para abraçar
crise. Para o corroborar, citava Dave Hickey, um crítico de arte nozes nos dás desde tenra idade, com os 36 dentinhos todos! cinema. Hoje é jornalista na TVI e o cinema é o seu mote. O que este métier: "Quando ainda era adolescente, escrevia críticas
que contra si próprio argumentava: "O criticismo, na sua forma Depois de tantos argumentos de malta que vê o copo meio- levou estes dois jornalistas a enveredarem pela crítica de arte? para mim próprio. Lembro-me que essa minha pancada cinéfila
mais séria, tenta canalizar a mudança. Mas quando nada está a -vazio, talvez seja tempo de avançarmos para o otimismo que, Somsen considera que foi a necessidade de sobrevivência no começou ainda em puto quando gravava trailers em beta dos
mudar, quando ninguém disserta, quem precisa do criticismo?" neste assunto como na esmagadora maioria dos outros, vê uma meio: "A música indie não chegava a Portugal, tínhamos de ir anúncios no intervalo e imitava as vozes dos anúncios. Depois
No livro O Que Aconteceu à Crítica de Arte, de 2003, o historiador oportunidade (ou várias) naquilo que parece ser um negrume buscá-la à fonte, falar com os produtores e editores em Inglaterra também recortava os cartazes que saíam nos jornais".
James Elkins chama a atenção para o declínio da atividade: intenso e generalizado. Se Baudelaire disse "É no útero que e França, convencê-los a abrir-nos a porta e mandar discos para
"Numa crise mundial, dissolvendo-se o mundo num cenário de nasce a crítica de arte", quem somos nós para discordar? Portugal. Eles acreditavam no mercado nacional, mandavam-nos screver sobre cinema ou música, quando são paixão, é mais
desordem de crises culturais efémeras, a crítica de arte está a discos, nós escrevíamos sobre eles, enviávamos os textos para fácil que escrever sobre todas as outras artes? Rui Tendinha
morrer. Produzida em massa, ignorada em massa". A opinião é e o papel do crítico de arte é, mais do que Inglaterra, tudo estava bem", lembra. Com a escrita sobre cinema, nega: "Nada é fácil. Mas sinto que a música é ainda algo mais
generalizada entre os especialistas: nas últimas duas décadas, contextualizar o público, ligar o discurso foi diferente: "Teve mesmo a ver com uma voracidade e paixão subjetivo. Sinto ainda que dizer que um filme é bom ou mau
a crítica de arte tornou-se chata, amadora e perdeu o seu crítico deste à obra de arte, haverá sempre a em descobrir mais sobre filmes e cinema. Primeiro através de pode ser um exercício de preguiça intelectual. Há que evitar
propósito. Os críticos tornaram-se relações públicas de artistas necessidade da existência de cada vez mais um centro de documentação, o chamado CINEDOC, que existia a tendência do empolar o meu gosto é melhor que o teu, se bem
e galerias, e o mercado das artes tornou-se um elemento perspetivas desta relação. Assim, o mundo em Oeiras, e onde eu passava as tardes e investigar sobre filmes, que em cinema estamos numa fase em que está tudo a ficar em
que integra a mecânica da arte contemporânea, cujo objetivo artístico precisará sempre, e cada vez mais, de críticos de arte. realizadores e atores; depois através das revistas francesas, trincheiras: as capelinhas do cinema experimental, os saudosistas
único é fazer dinheiro. Muito dinheiro. Para muitos, numa Com o crescimento das indústrias onde a criatividade é o mote, inglesas e americanas que foram surgindo cá; finalmente através que pararam no tempo e os que têm mais abertura eclética.
produção cultural para massas, o pensamento crítico, só por si, a obra de arte é tida como um fenómeno criativo e não como desse passe VIMECA que era a possibilidade de ver os filmes Na música acredito que uma prosa pode ter um conteúdo mais
é tido como sombrio. O crítico de arte ter-se-á transformado o ponto de partida para um diálogo crítico. É o princípio e o à borla e antes de estrear nos chamados visionamentos para a poético, mais livre. Se há capelinhas por aí? Claro que há, mas o
numa caricatura de todo o pensamento antagónico ou fim. Vivemos tempos de uma quase obsessão pela arte, com crítica. Foi tipo Charlie e a Fábrica de Chocolate, eu tinha acesso grau de liberdade do contexto do crítico de música é sempre mais
contracorrente, um hipster, que é o "alternativo" do século XXI. as visitas aos museus em franco crescimento, festivais onde livre a tudo. Só me faltava mesmo o talento. Talento esse que, deliciosamente caótico, sobretudo nestes dias em que há facilidade
Elena Martinique consegue a proeza de descrever o a música se celebra, ciclos de cinema espalhados pelas nossas para ouvir tudo". Miguel Somsen prefere deixar o seu a seu dono:
exato estado da Arte como hoje a percebemos: "O mercado cidades, street art como um dos hashtags mais presentes. Por tudo "Não considero nada. Cada arte tem as suas particularidades,
contemporâneo da arte preocupa-se principalmente com a isso, o papel do crítico de arte é, hoje e mais que nunca, separar cada crítico terá a sua capacidade de interpretar aquilo que vê
criação de dinheiro e não com a fertilidade da arte. Assim, as o trigo do joio. Se o velhinho crítico de arte tinha como objetivo da forma que conseguir desenvolver. De certa forma, é fácil para
obras de arte mais caras existem para aumentar o poder do uma espécie de controlo de qualidade, o atual deverá educar o quem percebe, é difícil para quem não compreende, é impossível
dinheiro de se fertilizar a si, não o valor da arte. O dinheiro público, encorajando-o a entrar no mundo da produção artística, para quem se esforça demasiado por entender. Eu não sei como se
não tem valor em si, só é valioso mediante aquilo pelo qual seja boa ou má, para que as gentes pensem por si próprias. faz um crítico, mas para mim é essencial gostar muito de música
o podemos trocar. Ainda assim, na sociedade capitalista, O ideal seria podermos curar este otimismo em terras de e de cinema, e é muito importante compreender a linguagem
apresenta-se como a quintessência do valor. Com o valor Sua Majestade, onde os jornais desempenham um papel tão histórica, para se distinguir a cópia da autenticidade, o epígono da
comercial da arte a usurpar o seu valor espiritual, os valores importante que nem sequer permitem que os críticos sejam originalidade, a farsa do esforço. Mas ver muito cinema ou ouvir
ascético, cognitivo, emocional e moral foram ultrapassados ignorados. O The Observer premeia, anualmente, mediante muita música não bastam, é preciso mesmo acumular intuição às
pelo valor do dinheiro. Assim que é exibida e vendida, a o prémio Anthony Burgess for Arts and Criticism, críticos da rotinas. O cinema e a música têm vantagens características que
peça de arte torna-se o produto destinado a ser consumido nova geração com uma coluna num jornal sobre as mais podem funcionar contra si, como serão o facto de serem muito
como qualquer outro objeto produzido em massa". Walter diversas formas de arte. Mas, como isto do Brexit tende a TODOS NÓS ACHAMOS QUE populares e provocarem diversidades de opinião pública e análise
Benjamin também o frisou: "Parece que a arte se tornou numa funcionar para ambos os lados, vamos antes recordar um O CRÍTICO DE ARTE TEM UMA crítica diferente da nossa. Isso leva a que muita gente em Portugal
mercadoria para ser vendida e comprada. Como qualquer tempo em que, por cá, o sábado de manhã era feito de uma PERCEÇÃO SUPERIOR DA ARTE, ache que o importante para escrever uma crítica seja dizer 'Foi
outra coisa, a arte foi absorvida pelo dinheiro e é o mercado, ida à banca de jornais para podermos perceber o que andava UMA ESPÉCIE DE CONSCIÊNCIA um sucesso nos EUA ou ganhou os Brit Awards'. Mas isso serve
PRIVILEGIADA QUE, SEM QUALQUER
não os críticos, que decide quem é o grande artista da época". a "ser dito" acerca dos eventos artísticos que poderíamos realmente para quê? Para vendermos melhor os nossos produtos
MARGEM PARA DÚVIDAS, NOS
Em suma, e trocando tudo isto por miúdos, temos que há ver nas semanas seguintes. O Se7e, o Blitz, o DNa e tantos OFERECEU DURANTE MUITO TEMPO O ou distorcermos a nossa crítica? O desafio que se coloca hoje
estereótipos assertivíssimos: quem tem dinheiro para comprar outros eram os comprimidos de valeriana para acalmar uma DISCERNIMENTO QUE REQUERIA UM tem a ver com essa dificuldade em ser-se crítico independente no
obras de arte caríssimas, percebe tanto de arte como a maioria geração ávida de cultura, mas sem as facilidades da Internet. OUTRO NÍVEL DE CONHECIMENTO. meio de tanta arte dominada pela indústria. Ou decides ir a jogo

vogue.pt 2 5 3
ANÁLISE

o espectador ou pretendem atirar areia aos olhos dos críticos.


Em suma, tornamo-nos mais preparados para os truques e as
armadilhas, os chutos e os pontapés". Aqui quem se riu fui eu.
E aquela tendência de acharmos que os críticos são elitistas,
é um estereótipo que se confirma? Miguel Somsen foge dessa
etiqueta a sete pés: "Não me considero nada elitista, mas
considero que o meu caminho foi elitista, porque tomei opções
concretas de gosto em relação aos meus passos na formação,
e isso não pode deixar de influenciar os gostos que hoje tenho
– para não falar da cultura que me foi proporcionada pelos
meus pais. A minha formação de cinema é comercial, comecei
pelos americanos, só mais tarde percebi quais os vícios de
ou jogas contra". Fala ainda da antiga urgência de escrever sobre propaganda associados à linguagem do cinema de Hollywood. Isso tanto pode ser os Fleetwood Mac como os War on Drugs". Rio de Mouro só porque alguém mo recomendou, sou muito
estes temas mesmo que não seja inserido no trabalho: "Senti essa Ainda hoje, apesar de tudo, apesar do cinema francês, italiano, Rui Tendinha prova ainda mais que escolhemos os entrevistados sensível à crítica e a quem tem um passado e uma experiência
urgência muito antes de ser pago para o fazer, quando, na infância, as novas vagas turcas e iranianas, o Dogma, o cinema alemão, ideais para este assunto: "O truque é não ser elitista à frente da diferente da minha, isso tanto se revela numa análise crítica
enviei o meu primeiro texto crítico sobre a gestão do Belenenses o austríaco Haneke, o louco Von Trier, pessoas que nos dão elite. Os meus críticos de cinema são aqueles que sabem venerar como num apontar a direção da lua – ou de Rio de Mouro". Rui
para um pasquim desportivo dos anos 80 (nunca sei se era o Golo uma visão plural, subjetiva e única sobre o mundo, para mim a um filme do Tsai Ming-Liang mas que sabem perceber que um Tendinha é mais específico: "Como diálogo e ponto de partida
ou o Offside, ambos extintos). Portanto, se isso acontecia antes escola de cinema é o cinema americano dos anos 70, from easy blockbuster da Marvel com assinatura do Taika Waititi é cinema de partilhas, claro que sim. A crítica de cinema nestes dias em
de ser crítico, creio que, com propriedade, poderei continuar riders to raging bulls, já escrevia Peter Biskind. Portanto, desde de autor. A meu ver, o grande problema de uma certa crítica que todas as semanas estreiam sempre mais do que cinco filmes
a dizer isto depois de morrer como crítico – o que, como bem Hopper em 1969 até Touro Enraivecido em 1981, tudo o que está no é a snobeira e o preconceito. Quando aparece um logotipo é um barómetro quase de serviço público. Cada vez há pior
sabemos, apenas irá acontecer quando morrer como pessoa. meio é o cinema que hoje vemos e que a nossa geração consome Paramount há logo um pé atrás. Isso irrita-me profundamente." cinema nas salas comerciais e é preciso críticos com alguma
O que quero dizer aqui é que há mundo para além da crítica, e (a tendência errada é pensar que somos todos fruto dos anos coragem para terem bom-senso. Sim, bom-senso é agora a nossa
esse mundo continua a ser criticado, mesmo que, como acontece 80, eu acho os anos 80 uma tentativa moralista de corrigir a odos já tivemos algum filme ou banda que, arma mais valiosa. Mas também gosto da crítica que é teimosa
agora nas redes sociais, não sejamos pagos para o fazer". Rui podridão manifestada pelo cinema dos anos 70, mas isso são na altura do hype, considerámos inócuos. e que defende até à morte alguns cineastas de cabeceira. O que
Tendinha fá-lo por instinto gutural, nas redes sociais: "Não sou teorias, não interessa nada). Com a música é diferente: durante Hoje, porém, temo-lo como um clássico seria deste mundo se descobríssemos que João Lopes escreveu
do clube do Twitter mas com o Cinetendinha já me senti atiçado os anos 80 e 90, portanto o advento MTV, eu só ouvia música e talvez um guilty pleasure. Os críticos de arte horrores de um Steven Spielberg... O horror! O horror!"
para o reflexo imediato. Num festival de cinema internacional há que não estava nos tops. Isto levou-me a passar ao lado de muita são imunes a isto? Rui Tendinha acha que não: E casos concretos de colegas de profissão que tenham mudado,
sempre a tentação de partilhar com o leitor o que se acabou de ver coisa fixe que estava nos tops e que hoje reconheço algum valor, "Reconheço que tive resistências com Vanda do Pedro Costa. para o bem ou para o mal, a perspetiva da maioria acerca de um
em primeira mão. Dei por mim, no TIFF, mal rolaram os créditos mas que na altura, pela necessidade elefanto-juvenil de ser do Hoje, já acho que é um filme que envelhece bem. Mas adoro filme/disco? "Lembro-me do Manuel Cintra Ferreira do Expresso
finais do Diamante Bruto, dos manos Safdie, a escrever uma crítica contra, deixei passar. Hoje, em que tudo é alternativo, cansei de ter guilty pleasures. Por exemplo, o díptico Pequenas Mentiras entre a afagar o Million Dollar Baby. A forma como ele sempre afagou e
de um minuto a empolar o meu amor pelo filme e pelo Sandler. ser sexy, portanto tento descobrir as coisas que me dão mais Amigos, do Canet, é um bom exemplo. É um daqueles filmes que inflamou as mais-valias de um certo cinema americano clássico
Foi mais forte do que eu. Crítica para ninguém ler no Instagram". prazer ouvir, independentemente de serem comerciais ou não. temos de dizer que gostamos de forma silenciosa, tal como tocou-me de forma inconsciente. Despertou em mim um gosto
O Mascarilha, aquele fracasso que começou a enterrar a carreira por um certo classicismo que eu julgava que estava arredado
om tanta música ouvida e cinema visto, não sentirão de Johnny Depp. Tenho um fraquinho por turkeys, confesso, em do meu coração (era quando endeusava o David Lynch). Mas já
estes moços que o tempo os tornou mais exigentes? Rui especial quando eram assinados pelo Barry Levinson". Miguel antes outros críticos me mostraram de forma encapotada que
Tendinha não hesita: “Acho bem que sim. No Cinetendinha Somsen acha que, em relação a esse assunto, o problema está os filmes têm de ser avaliados pela nossa emoção e coração.
ando a experimentar ser mais sintético. Sinto que uma nele. É da humildade: "Devo ter imensos casos que negligenciei Mas o coração convém realmente estar escancarado", revela
frase é mais poderosa do que um parágrafo. Mas o tempo e aprendi a gostar, ou não gostei na altura certa. Não sou um Rui Tendinha. Já Miguel Somsen prefere referir a capacidade
tem que se lhe diga. Em Cannes cansei-me de elogiar o Parasitas grande fã do Apocalypse Now, por causa de Platoon, não sou um que alguns críticos tiveram em mudar a perspetiva da própria
e as pessoas desconfiaram. Depois da temporada dos prémios grande fã do ET porque acho os Encontros Imediatos de Terceiro crítica de arte: "Tenho de remeter para os textos de Mário
voltei à carga com o filme e senti maior feedback. Há filmes que Grau muito melhor, nunca aderi ao Wild At Heart do Lynch, embora Castrim sobre televisão, ou a forma como críticos como Paulo
precisam de chegar na altura certa. Quem lançou o vencedor dos lhe reconheça um universo à parte, o One From The Heart do Nogueira e Fernando Caetano reescreveram o cinema através
Óscares em Portugal em setembro deve estar a fazer contas aos Coppola era incompreensível, mas a mim faltava-me mundo, de O Independente. Não posso dizer que o Bénard da Costa
euros que perdeu". Miguel Somsen é da mesma opinião: "Sim, eu era mais Os Marginais e Rumblefish. Portanto, não vou ao ou o Prado Coelho não tenham sido influentes, mas foram, de
imenso. Porque com tanta cultura acumulada, consegues mais ponto de considerar que algo é menor para a minha grandeza, forma diferente nas suas áreas, por causa do poder institucional
facilmente perceber porque é que certas coisas não funcionam, English version bem pelo contrário, sou eu que ainda não cresci o suficiente que tinham, não necessariamente pelo rigor intelectual que
porque é que Parasitas parece um filme ocidental e não sul- para perceber certas coisas, tal como agora acho que muita transmitiam. Tirando esses, só o Miguel Esteves Cardoso
-coreano, e [percebes] onde falha, percebes quais os defeitos "EU NÃO SEI COMO SE FAZ UM CRÍTICO, gente ainda não cresceu o suficiente para distinguir a qualidade pode ser considerado seminal até aos dias de hoje, porque fez
e vantagens do último Tarantino e insistes até em explicar aos MAS PARA MIM É ESSENCIAL GOSTAR das coisas". Se ambos acreditam no que fazem e no papel tudo antes dos outros, porque estava no epicentro da música
outros por que não gostas daquela cena final que todos gostam, MUITO DE MÚSICA E DE CINEMA, E É determinante da crítica de arte? Miguel Somsen é um crente: na altura certa, porque criou uma linguagem própria que era
com tanta coisa acumulada ao longo de tantos anos, percebes MUITO IMPORTANTE COMPREENDER "Acredito imenso. Mas já não acredito nas plataformas tanto de elite e sobranceria como de humor, popularidade e
porque é que Jojo Rabbit parece copy paste de Wes Anderson, por A LINGUAGEM HISTÓRICA, PARA de acesso a essa crítica, são elas que têm de ser renovadas – distintividade. Ensinou muitos a ler e tantos a escrever".
SE DISTINGUIR A CÓPIA DA
que razão Scorsese insiste em fazer sempre o mesmo filme os jornais morreram. Para mim, não há nada mais importante Como se vê, afinal os críticos de arte não são nenhuns
AUTENTICIDADE, O EPÍGONO DA
mas agora com o dobro do tamanho. E ficas a amar filmes que ORIGINALIDADE, A FARSA DO ESFORÇO." que ouvir alguém falar ou escrever (bem ou mal) de algo que papões. São pessoas como nós. Que até vão jantar a Rio de
recorrem a uma simplicidade de linguagem que não insultam MIGUEL SOMSEN desconheço, ainda ontem fui comer um bitoque num tasco a Mouro. A mim não me apanham lá, de certeza. Apre! l

vogue.pt 2 5 5
NO LIMIAR DO (IN)CONSCIENTE
Quando o inacreditável se
cruza com o palpável, isso
é Arte. Quando o surreal se
cruza com o (ir)real, isso é
Arte. Quando as paisagens
se pintam em tecidos e os
acessórios ganham contornos
de imaginação, isso é Arte.
Quando a Moda se cruza com
todos estes cenários oníricos
e uma objetiva contempla tudo
numa sequência de imagens
que mexe com a cor da alma,
das entranhas e das emoções,
isso é Vogue. E Vogue é Arte.
Fotografia de Roberto Greco. Realização de Laurent Dombrowicz.

English version

Felize: camisola em jacquard de lã e lurex, calções em cetim de seda e gola em plumas de avestruz, tudo DRIES VAN NOTEN.
Carteira Le Brillant Dans Les Nuages em pele, DELVAUX.
Na página ao lado, Nicole: colete e saia em lã fria, camisa em crepe de seda, e cinto em pele e metal, tudo CELINE.
Na página ao lado, Felize: blazer em cetim de seda, camisola em tule de seda
e óculos em metal, tudo SCHIAPARELLI. Mão em gesso, SELETTI na Fleux.
Carteira em acrílico e metal, BOTTEGA VENETA. Copo em vidro, BRIGITTE TANAKA.
Na página ao lado, Felize: vestido em tule de seda, CHRISTIAN DIOR. Trompete, da produção.
Nicole: vestido em jersey de algodão, MARCO DE VINCENZO. Colar em ouro amarelo e esmalte, SAMUEL FRANÇOIS JEWELRY.
Na página ao lado, Nicole: vestido em cetim de seda bordado em algodão, LOUIS VUITTON.
Pumps em pele, CHRISTIAN LOUBOUTIN. Porta-jóias em porcelana, RICHARD GINORI para GUCCI.
Busto em terracota, UN WEEK-END À BRUXELLES. Na página ao lado, Nicole: vestido em crepe de seda, PRADA.
Nicole: vestido em crepe de seda, PRADA. Na página ao lado, Nicole: camisa em crepe de seda e lurex e calças em seda, MANISH ARORA.
Modelos: Felize Kolibius e Nicole Atieno @ SMC Model Management. Cabelos: Olivier Schawalder. Maquilhagem: Lloyd Simmonds.
Manicure: Adrienne Soter. Set Design: Haruna Ogata. Assistentes de realização: Timothe Grand Chavin e Julian Desouvigny.
Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
ENTREVISTA

Alexandre,
o grande É a mente criativa por detrás dos desfiles de algumas das mais
importantes marcas de Moda. Melhor ainda: é a mente criativa
por detrás dos desfiles mais espetaculares, inesquecíveis
e magnificentes das melhores marcas de Moda. Como por magia,
faz acontecer tudo o que nunca pensámos ser possível ver
numa passerelle. Só que para Alexandre de Betak, o francês que
montou uma passadeira cor-de-rosa de 500 metros no meio de um
campo de lavanda da Provença, não há impossíveis. Por Ana Murcho.

uem se lembrou de lhe chamar “o Houdini da Moda” Quando começou, os desfiles eram produzidos in-house.
não estava a cometer nenhuma gafe. Nem quem decidiu A sua profissão basicamente não existia. Considera-se
apelidá-lo de “Fellini dos desfiles”. O homem de voz um pioneiro? Tive a sorte de ser um espírito livre, porque
sedutora que nos atende o telefone, em plena azáfama da Paris nunca estudei nada, e não sabia nada de Moda. E até certo ponto
Fashion Week, é uma espécie de mago. Foi ele que, tal como refere considero isso sorte, porque me permitiu entrar nesse mundo
o site Business of Fashion, “transformou os desfiles de Moda em sem ideias pré-concebidas e sem qualquer noção de como as
eventos multi-sensoriais.” Por outras palavras, foi ele que ajudou coisas deveriam ser feitas. Fui pioneiro por acaso. Fui pioneiro
a ampliar o conceito de apresentação periódica das coleções, por causa dessa liberdade. Não sabia nada sobre desfiles, não
durante décadas organizadas pelas próprias marcas in-house, tinha ido para uma escola de Moda, nem sequer tinha estagiado
convertendo-as em superproduções elaboradas, vistas por milhões em qualquer marca ou lugar. Uma coisa levou à outra: as
de pessoas, e que nada devem à emoção provocada por uma peça fotografias, a colaboração com Sybilla... Primeiro era apenas em
de teatro ou uma longa-metragem. Natural de França (o sotaque termos de ideias globais, imagem e direção de arte, depois ela
ainda arranha o inglês com que nos fala), é um homem do mundo quis fazer desfiles, e eu nunca tinha feito um desfile... Mas nada
que se divide entre o país natal, Nova Iorque e os aeroportos dos disso foi planeado. As coisas simplesmente aconteceram. Até
cinco continentes, numa ânsia constante de fazer mais e melhor. hoje penso que estou aqui por acaso. Em retrospetiva, julgo que
Isso significa desdobrar-se criativamente para acorrer a um sem sempre encarei os desfiles como um meio, um meio criativo,
fim de instalações, eventos privados, fashion shows, exposições, que me permitiu expressar a minha criatividade. E a razão pela
e tudo o que inclua engenho e arte. Revolucionário, como os qual estou aqui, e ainda me divirto com isto, é porque percebi
grandes pensadores sempre são, lançou recentemente, via Bureau bastante cedo que era um meio criativo que necessitava de todas
Betak (agência que fundou em 1990) um plano de sustentabilidade as disciplinas – é um meio para onde podemos trazer o design, a
apelidado Ten Commandments que pretende tornar a indústria mais iluminação, a música, tecnologia, efeitos especiais, qualquer coisa.
verde – e convencer muitos dos seus clientes, como Saint Laurent, É provavelmente um dos mais amplos campos de criatividade.
Dior, Rodarte, Jacquemus, Viktor & Rolf, Michael Kors a assumir Já produziu mais de mil desfiles. O que é que faz com
uma postura mais responsável no que toca a práticas ambientais. que um seja mais espetacular que o outro? É o dinheiro?
A sua primeira incursão na Moda foi com a designer Na verdade, o dinheiro não é a coisa mais importante. Não
espanhola Sybilla, em Madrid. Como é que tudo aconteceu? quero dar um tiro no pé ao dizer isto [risos] mas, para ser
Tudo começou quando comecei a tirar fotografias, ainda muito honesto, alguns dos melhores desfiles que produzi não eram
novo. Em adolescente, continuei a fazê-lo e, entretanto, comecei aqueles onde estava envolvido muito dinheiro. O dinheiro é
a vender essas mesmas fotografias a travel guides e outras certamente importante, mas o mais importante é quando o
revistas. Isso fez com que fosse conhecendo algumas pessoas da dinheiro consegue superar as expectativas. Podemos fazer
indústria da Moda. Mas a verdade, penso, é que a Moda funcionou desfiles ultracriativos com menos dinheiro, mas a condição
como um álibi. Eu estava mais interessado, e ainda estou, nas para esses, e faço bastantes assim, é existir liberdade criativa
FOTOGRAFIA: ANNA HUIX.

necessidades criativas do mundo da Moda, e na liberdade total. De certa forma, esse é o truque de não ter dinheiro,
artística que ele me podia, e pode, dar. Acho que o mundo da desde que encontre uma grande ideia e uma grande solução. 
Moda tem uma necessidade real em ser inspirado por tudo e mais Quando começa um novo projeto transporta para ele a
alguma coisa que não seja... Moda. Acredito que essa é a razão sua estética, ou prefere seguir o ponto de vista de um
pela qual me mantenho nele. É uma realidade que me permite cliente? Claro que sim, é tudo sobre respeito. Tudo se baseia
perseguir todos os meus interesses e alimentá-la com eles. em respeitar o ponto de vista do cliente. Aliás, nem é tanto o

vogue.pt 2 7 1
ENTREVISTA

justifica. Existe tecnologia fenomenal para ajudar a disseminar


imagens, elas espalham-se muito rapidamente. Fizemo-lo com
a Jacquemus o ano passado [o tal acontecimento nos campos
de lavanda] e resultou. Havia uma quantidade ultra-reduzida
de fashion media na audiência e uma enorme quantidade de
“pessoas comuns”, amigos, familiares. E esse desfile tornou-
-se viral. Por isso, onde é que gostava de fazer um desfile? Em
Portugal! Portugal é um sítio onde adorava fazer um desfile.
Quando é que começou a ter esta preocupação com a
sustentabilidade? Acha que as pessoas vão concordar com
estas mudanças que tem em mente? Estou a pensar nos
influencers, que se habituaram a viajar constantemente para
tudo o que é evento de Moda. Sim. Na verdade, acho que os
influencers serão, provavelmente, aqueles que vão reagir melhor.
Enquanto o sistema funcionar, claro, enquanto forem convidados,
porque são eles que espalham a mensagem de forma mais rápida
e com maior amplitude… Algumas pessoas ficarão chateadas, mas
ponto de vista, é a mensagem. Julgo que quando começamos existem tantos desfiles de Moda, todos os anos, no mundo inteiro,
a trabalhar com um cliente [isso significa que] falamos a que nem todas as pessoas precisam de assistir a todos eles. É
mesma língua, estamos de acordo na forma como ele deverá apenas isso que estou a dizer. Há demasiados desfiles, deveríamos
apresentar o seu ponto de vista, concordamos na linguagem a tentar reduzi-los em quantidade, fazer com que todos ficássemos
usar. Claro que quando propomos uma ideia para um desfile, felizes por existirem menos, e felizes por podermos assistir a
essa ideia é para o cliente. Trazemos o que julgamos ser a alguns deles. Isso abriria a porta, a meu ver, à liberdade criativa,
resposta que melhor se adeque ao seu ponto de vista. porque poderíamos fazer coisas diferentes, em lugares diferentes.
Podemos dizer que dá vida à imaginação dos seus Sente que tem uma responsabilidade com o seu trabalho?
clientes? Acho que sim. É parte do nosso papel, sem dúvida. Que, de certa forma, educa as pessoas? Sim, totalmente.
Onde gostaria de fazer um desfile? Aceitaria fazer um em Penso que sim. Milhares de pessoas veem os desfiles, por isso
Marte? Totalmente. Consideraria isso, sem dúvida. Gostaria temos a responsabilidade de sensibilizar as consciências e
de ser o primeiro a fazer um desfile no espaço, algures, e educar as pessoas – na forma como os desfiles são feitos e na
Marte é um belo sítio para começar. [risos] Mas não quero ser mensagem que passam. É exatamente isso que iremos fazer com
demasiado ganancioso, poderia começar na atmosfera, ou na o programa que anunciámos. Agora todos os nossos eventos
Lua. Mas além do espaço, e de Marte, consideraria um milhão serão produzidos de acordo com essas soluções. Estamos a testar
de outros sítios onde a indústria da Moda ainda não foi. No estas coisas, principalmente nos desfiles grandes, como os da
Bureau Betak estamos a trabalhar num projeto muito importante Dior e os da Saint Laurent, mas também nos mais pequenos.
e eco-conscious, o Ten Commandments, que no fundo é a base da Os desfiles têm um enorme impacto, mas a grande maioria
Em cima: passerelle que serviu para apresentação da coleção Primavera/
nossa política de sustentabilidade. Seremos a primeira agência dura 10, 15 minutos no máximo. Contudo, é preciso um Verão 2020 de Raf Simons. Ao lado: cenário do desfile Cruise 2020 da
do mundo especializada em luxo a ser certificada pelas Nações trabalho abissal para os fazer acontecer. Acha que isso Dior, no Hotel La Mamounia, em Marraquexe. Em baixo: detalhe do set
Unidas relativamente a uma norma que rege os eventos em é uma contradição? Gosta de trabalhar em algo que criado para o Outono/Inverno 2019 da Tommy Hilfiger X Zendaya.

todo o mundo, a ISO20121. Nos últimos anos, temos tentado


reduzir a nossa pegada de carbono, incluindo nas viagens,
e uma das formas que proponho para fazer isso é reduzir
drasticamente a quantidade de media que se desloca para os
desfiles, e substitui-la, de certa forma, por pessoas locais, em
lugares mais exóticos, onde a criatividade do desfile, juntamente
com grande tecnologia, será suficiente para o difundir.
Alguma vez será possível fazer desfiles totalmente
carbon neutral? É impossível. Como referi, nos últimos anos
temos tentado arranjar as ferramentas para que os clientes
possam reduzir ao máximo a sua pegada de carbono. Por
exemplo, tentamos compensar as emissões de carbono [prática "HÁ DEMASIADOS DESFILES,
conhecida como carbon offset]. Mas não é algo total. É tão bom DEVERÍAMOS TENTAR REDUZI-LOS
quanto conseguirmos que seja, porque sempre se emitirá algum EM QUANTIDADE, FAZER COM QUE
TODOS FICÁSSEMOS FELIZES POR
FOTOGRAFIA: D.R.

carbono. Voltando à questão do sítio de sonho para fazer um


EXISTIREM MENOS, E FELIZES POR
desfile, penso que iremos, cada vez mais, fazer desfiles em PODERMOS ASSISTIR A ALGUNS
sítios extraordinários onde nunca ninguém esteve antes. E DELES. ISSO ABRIRIA A PORTA, A
procurar não “transportar” tanta gente, porque isso já não se MEU VER, À LIBERDADE CRIATIVA."

vogue.pt 2 7 3
ENTREVISTA

A seu ver, um budget ilimitado faz com que tudo seja


possível? Sim e não. Sim, na medida em que há tanto dinheiro,
e tanta liberdade, que quase não existem limites. Mas por
vezes maiores budgets significam maiores constrangimentos. Ao lado: instalação para o Outuno/Inverno 2020 da Zegna.
Ao centro: a supermodelo Naomi Campbell no final do desfile Primavera/
Os desfiles acontecem de forma seguida, muito próximos uns Verão 2020 da Saint Laurent, com a Torre Eiffel como pano de fundo.
dos outros, em alturas que não escolhemos, e só podem ter Em baixo: em plena Provença, nos meios de campos de lavanda, a
uma certa duração. Tudo isso faz com que não exista assim passerelle cor-de-rosa criada para a Primavera/Verão 2020 da Jacquemus.

tanta liberdade. E depois o budget, mesmo quando é grande,


nunca é suficientemente grande! [risos] Não existe isso de
“demasiado dinheiro”. Até porque a maior parte do dinheiro
é gasto em coisas que não se veem. É um trabalho muito
técnico. Coisas práticas, normas, segurança, burocracia...
Há quem defenda que os desfiles vão acabar. O que tem
a dizer sobre isso? Penso que não. Julgo que as Semanas de
Moda podem acabar, ou mudar, e têm de o fazer. As Semanas de
Moda não se enquadram no mundo atual e na nova tecnologia.
Elas pertencem a um sistema antigo, onde tudo acontece ao
mesmo tempo, no mesmo local, com muitas coleções... E parte
parece existir apenas durante um instante? Não sei se é do mundo está no verão e a outra no inverno, toda a gente tem
tanto o caso de gostar ou não gostar, é o mundo em que vivemos. de lidar com os constrangimentos de uma série de desfiles que
Concordo que existe uma contradição, principalmente porque nem sempre [nos] interessam. A indústria é global, o timing é
são tão “gigantescos” e tão curtos, mas penso que a quantidade global, as estações propriamente ditas não existem, e os media
não significa qualidade. Podemos espalhar uma mensagem tradicionais acabaram. Com base nisso, julgo que devemos
incrivelmente bem, uma imagem respeitada e artística, em libertar o calendário das Semanas de Moda, não precisamos
cinco minutos. É possível. Muitas vezes é um pouco apressado de tanto público, e poderíamos ter a possibilidade de fazer
e frustrante para nós, para ser sincero. Mas percebo que assim desfiles em qualquer lado, vistos por toda a gente. Mas
seja. O mundo em que vivemos, a tecnologia, os telefones, o penso que os desfiles se irão manter, porque as marcas
Instagram, a quantidade de informação, tudo isso fez com que o precisam dessa ferramenta de comunicação, e as pessoas
English version
nosso attention span se tornasse muito reduzido. Por isso, agora, precisam de sonhar. E até certo ponto precisamos de
quando criamos conteúdos, por vezes olhamos para coisas um “evento real” para que isso seja possível. Mas não
que deveriam ter 20 segundos e temos de as fazer em dois. precisamos de fazer grandes eventos e transportar muitas
Mencionou o papel preponderante da tecnologia. Como pessoas de um lado para o outro, a toda a hora.
é que ela influencia o seu trabalho? Mudou tudo. Mudou o  Além dos desfiles, que tipo de eventos prefere fazer?
ambiente – quando comecei era tudo ao vivo. Depois passámos a Acho que é a combinação de todos eles. Eu nunca subtraio nada,
ter a televisão, da televisão passámos aos ecrãs de computador, só adiciono! Tenho feito exposições, furniture design, installation
depois passámos para os telefones nas palmas das nossas mãos. design, house design – amo desenhar casas – acho que é uma forma
Não há como ir contra a modernização. Não adoro, às vezes de fazer algo mais permanente do que tudo o resto que faço.
gostava que coisas em que passo tanto tempo a trabalhar, em O que é que ainda lhe falta experimentar? Gostaria de
que invisto energia, fossem apreciadas um pouco mais. Mas experimentar tudo o que ainda não fiz. E acredito que tudo o que
a verdade é que é assim. Temos de ser eficientes em poucos já fiz, poderia fazer melhor. Essa é uma das razões pelas quais
segundos. E penso que isso estimula a criatividade – a ser continuo. Estou disposto a experimentar tudo, todos os meios. E
diferente e a ser, por vezes, melhor. O meu objetivo, hoje em dia, penso que certas coisas que já fiz, poderia refazê-las, com novas
é criar algo do qual as pessoas queiram ver, e saber, mais. Porque ferramentas. Adoro altos contrastes, adoro o high e o low, adoro a
se uma coisa de dois segundos, difundida no Instagram, for simplicidade, adoro o luxo, adoro o detalhe, adoro grandes gestos. 
eficiente, as pessoas vão querer ver mais e vão apreciar mais. Esta edição é sobre arte. Acha que podemos dizer que a
Concorda que a tecnologia foi a maior revolução na indústria Moda é, ela mesma, arte?Antes de mais, importa frisar que não
desde que começou, há mais de 25 anos? Tem havido sou designer de Moda, por isso não posso falar sobre o que não
muitas mudanças. Como já referi, fomos do live para a televisão faço. Mas penso que a própria definição de arte tem evoluído, e
para a web para os smartphones. A segunda maior mudança foi continua a evoluir. A palavra em si é old fashioned. A Moda é um
a própria importância da indústria da Moda. Tornou-se maior, meio artístico e criativo e, além disso, é um meio comercial – é
tornou-se mais rica, tornou-se mais internacional, tornou-se totalmente um meio comercial, porque é algo que compramos
mais imediata. Mais global. Apareceram uma série de novos e usamos, e nesse sentido a Moda não é arte. Por outro lado,
mercados, como o Médio Oriente, Rússia, América do Sul, China. julgo que a arte, hoje em dia, também é um meio comercial, algo
FOTOGRAFIA: D.R.

Tudo isto foram mudanças enormes na forma como fazemos que compramos e que... penduramos. É a mesma coisa! Penso
o nosso trabalho. E como tudo cresceu, o budget dos desfiles que, de acordo com a definição clássica, a Moda não é arte. Mas
aumentou, e com isso aumentou também a responsabilidade. a arte, por seu lado, é Moda. No fundo, talvez seja o mesmo… l

vogue.pt 2 7 5
ARTE - COSTURA
A Moda enquanto arte ganha a
sua expressão mais artesanal
na Haute Couture. Quando o tra-
balho de um artesão depende
apenas da mestria das suas
mãos, da clareza da sua visão,
da sua capacidade de produzir
exemplares únicos, desfilar
uma peça que nunca verá uma
homóloga exatamente igual
é assistir à magia do talento
humano. Porque um bom guar-
da-roupa pode ser sofisticação,
estilo, elegância, mas a Alta-
-Costura será sempre emoção.
Direção criativa e Fotografia de Guillaume Roemaet. Styling de Joana Dacheville.

English version

Vestido em organza de seda, ALEXANDRE VAUTHIER ALTA-COSTURA.


Vestido em tule de seda e acetato, IRIS VAN HERPEN ALTA-COSTURA.
Na página ao lado: top em organza de seda e lã, GIVENCHY ALTA-COSTURA.
Vestido em renda e tule de seda, collants em mousse, e sapatos em pele e veludo, tudo CHANEL ALTA-COSTURA.
Blusa em chiffon de seda, VALENTINO ALTA-COSTURA.
Na página ao lado: vestido em lamé e veludo, véu em mousse e luvas em pele, tudo MAISON MARGIELA ALTA-COSTURA.
Vestido em tule de seda, GIAMBATTISTA VALLI ALTA-COSTURA.
Véu em mousse e vestido em lamé e veludo, ambos MAISON MARGIELA ALTA-COSTURA.
Na página ao lado: vestido em tule de seda e colar em acetato, ambos JEAN-PAUL GAULTIER ALTA-COSTURA.
Vestido em crepe de seda e brincos em metal e cristais, ambos SCHIAPARELLI ALTA-COSTURA.
Na página ao lado: blusa em chiffon de seda, vestido em seda e luvas em pele, tudo VALENTINO ALTA-COSTURA.
Macacão em crepe de seda e lantejoulas, chapéu em feltro de lã, gola em cetim e chiffon de seda,
e botas em camurça e metal, tudo ALEXANDRE VAUTHIER ALTA-COSTURA.
Modelo: Ola Rudnicka @ IMG Models. Cabelos: Kazue Deki @ Calliste Agency. Maquilhagem: Caroline Fenouil @ Bryant Artists.
Casting: Remi Fellipe. Set Design: Sylvain Cabouat @ WSM. Produção: Kitten. Retouch: Post Production DPT.
Assistentes de fotografia: Milena Le Mao e Maria Vaughan. Assistentes de styling: Glen Man e Agathe Phillipart.
Assistente de set design: Flavien Perrottey. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
ENTREVISTA

The Bolton
effect Falar de arte, Moda, e da arte que é a Moda, é falar
de – e com – Andrew Bolton, o homem por detrás
de algumas das maiores exposições de Moda
no mundo. Não queremos estragar o efeito surpresa,
mas foi precisamente isso que fizemos. Por Mónica Bozinoski.

á um determinado momento em The First Monday in May – o


documentário de 2016 de Andrew Rossi que nos leva aos
bastidores da Met Gala, evento anual que André Leon Talley
define, muito simples e resumidamente, como o Superbowl
da indústria da Moda – em que Anna Wintour declara que
“é raro encontrarmos alguém tão criativo que consegue mudar
a forma como olhamos para a arte”. Esse alguém é, se dúvidas
restassem, Andrew Bolton. São onze da manhã em Nova Iorque
(quatro da tarde em Lisboa, numa sexta-feira soalheira de inverno)
quando o curador do Costume Institute do Metropolitan Museum
of Art atende um telefonema vindo do outro lado do Atlântico.
“Estamos muito entusiasmados”, diz a encantadora voz a oeste
da linha depois de lhe confessar que seria difícil imaginar uma
edição dedicada à arte sem o visionário que nos deu, em mais de

FOTOGRAFIA: CORTESIA DO THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART/PARI DUKOVIC/TRUNK ARCHIVE.


uma mão cheia de anos, AngloMania (2006), Alexander McQueen:
Savage Beauty (2011), China: Through the Looking Glass (2015), Rei
Kawakubo/Comme des Garçon; Art of the In-Between (2017) e Camp:
Notes on Fashion (2019). Da quase interminável lista de questões, e
porque o tempo é tudo menos semelhante a ela, surge a primeira
e mais óbvia: porquê a Moda? “Acho que o meu interesse veio,
provavelmente, das revistas de estilo que estavam a emergir
nos anos 80. Revistas como a The Face, a i-D e a Blitz”, recorda
Andrew Bolton, o englishman in New York que passou a sua infância
em Lancashire, Reino Unido. “Os anos 80 em Inglaterra foram
uma época muito rica para a Moda, particularmente para o street
style e para o estilo das subculturas. Foi entusiasmante estar em
Inglaterra nessa altura, e ver o impacto do estilo das subculturas
na Moda. Inicialmente, foi isso que realmente despertou o meu
interesse em Moda.” O que se seguiu está bem documentado nesse
enorme museu que é a Internet – aos 17 anos, e numa altura em
que todos lhe perguntavam o que queria fazer, um jovem Andrew
Bolton já sonhava com a hipótese de, um dia, vir a ser curador
do Costume Institute do Metropolitan Museum of Art. Mas os
trilhos que o acabaram por levar até à Universidade de East Anglia,
em Norwich, pareciam indicar um rumo um pouco diferente.
“Na verdade, estava no caminho para me tornar um académico”, Andrew Bolton.
conta Bolton quando lhe pergunto sobre a carreira de curador.

vogue.pt 2 9 3
ENTREVISTA

“Estava a fazer o meu PhD na Universidade de East Anglia mim, foi uma exposição que mudou o paradigma. Também tempo na Moda, algo que é bastante atual. Aquilo que fizemos
quando surgiu uma oportunidade de trabalho no Victoria adorei a exposição Schiaparelli and Prada, que foi uma espécie foi uma espécie de linha temporal gémea, ou seja, duas linhas
and Albert Museum. Decidi candidatar-me e tive a sorte de de conversa ficcional entre uma designer falecida e uma designer temporais. Uma delas é bastante tradicional e linear, e explora a
ficar. A minha intenção era trabalhar um ano e, depois disso, viva. Penso que foi muito interessante. Apesar de Schiaparelli e história da Moda de 1870 até 2020, sendo que 1870 foi o ano em
voltar aos meus estudos académicos. Mas apaixonei-me pela Prada terem inspirações muito diferentes, e abordagens muito que o Met foi fundado. Mas também vamos apresentar uma linha
curadoria, pela ideia dos objetos e das histórias, pela ideia diferentes, chegaram as duas a conclusões estéticas muito cronológica alternativa, que chamamos de interrupção, isto é, uma
de que todos os objetos têm uma história para contar, e que semelhantes. Para mim, essa exposição foi uma revelação. linha temporal que interrompe a linearidade da linha principal,
é o curador que tem o papel de as revelar ao público. Acabei E depois AngloMania [o primeiro trabalho a solo de Bolton], e que permite que repensemos a ideia do tempo na Moda, e o
por me apaixonar pela cultura material, e pelas histórias que foi uma exposição onde mostrámos, lado a lado, peças conceito de duração. De certa forma, é uma exposição altamente
que ela pode contar.” Essa mesma paixão é uma que se sente de vestuário, trajes históricos e Moda contemporânea. Penso conceptual, com um número de linhas temporais que nos ajudam
na voz de Andrew, que permaneceu nove anos no Victoria que aquilo que diferencia as nossas exposições é esta junção a olhar para a Moda de forma diferente.” Enquanto conversamos
and Albert Museum, em Londres, onde ocupou a posição de entre o antigo e o novo, e a AngloMania foi uma exposição onde sobre o tempo, recupero algo que Andrew Bolton disse em
Curatorial Assistant in the Far Eastern Department antes de assumir articulámos bastante essa metodologia.” E a mais desafiante? entrevista à edição norte-americana da Vogue em 2016: “Esta
o cargo de Senior Research Fellow in Contemporary Fashion. “De “Todas elas apresentam desafios diferentes”, defende Bolton. ideia de Moda 24/7 [a abreviação da expressão 24 horas por dia,
certa forma, foi uma transição”, explica o curador quando “Quando achas que conseguiste encontrar um modelo para 7 dias por semana] – acho que não é uma coisa boa. Não encoraja
lhe pergunto sobre a mudança que aconteceu em 2002, ano a exposição de Moda, o tema ganha vida própria. Aquilo que os designers a darem um passo atrás e terem ideais originais.”
em que transitou para o Metropolitan Museum of Art como tento fazer é ouvir o tema e deixar que o tema tenha essa Numa altura em que se torna quase impossível falar sobre Moda
Associate Curator do Costume Institute. “O V&A é um museu vida própria. Penso que tento fazer isso com todas as nossas sem tropeçar na palavra sustentabilidade, o que é que o curador
de artes decorativas. A ênfase que é dada à Moda e à cultura exposições, ter uma abordagem leve e manter um final aberto. vê no futuro da indústria? “Isso é algo que tem estado muito
material é muito focada nos estudos culturais, na interpretação Para mim, é importante não ser demasiado maçudo com os presente na minha mente, e acredito que também esteja presente
da cultura material através dos estudos culturais. Por isso, foi argumentos que expomos, e é importante apresentar o tema na mente dos designers, esta noção do ritmo da Moda. Penso que
uma mudança.” Desde então, os dezoito anos no Metropolitan de uma forma ligeira para que as pessoas possam pensar parte da ideia por detrás desta exposição [About Time: Fashion and
Museum of Art passaram-se mais ou menos assim: em 2006, nele da forma que entenderem. Suponho que o desafio seja Duration] é promover a ideia de abrandar a Moda, de sermos mais
Andrew Bolton é nomeado curador da instituição; dez anos sempre encontrar um equilíbrio entre a interpretação no que Imagem da exposição Heavenly Bodies: Fashion and the Catholic ponderados em relação à produção e ao consumo de Moda, e dar
mais tarde, sucede a Harold Koda como Curator in Charge; e em diz respeito à curadoria e a interpretação subjetiva.” Por falar Imagination, 2018. Vista da Galeria, Fuentidueña Chapel. aos designers tempo para refletirem sobre a sua criatividade, para
março de 2018, altura em que a posição foi subvencionada, é em desafios: estamos a poucos meses da inauguração de About desenvolverem ideias que sejam duradouras e resistentes.” Numa
nomeado Wendy Yu Curator in Charge of The Costume Institute. Time: Fashion and Duration, a próxima exposição do Costume espécie de reflexão interior que o mundo consegue testemunhar
Institute que irá abrir portas no dia 4 de maio deste ano. O que em tempo real, Bolton continua. “A efemeridade é uma coisa
ast forward para o hoje e o agora. Debaixo da é que podemos esperar? “Sabes, esta foi bastante desafiante”, muito poderosa na Moda, mas podes abraçar a efemeridade da
manga dos fatos exímios que associamos à conta Andrew Bolton. “Tudo começou com a celebração dos 150 Moda de uma forma que seja mais ponderada e mais sustentável.
sua imagem discreta, Andrew Bolton guarda anos do Met, e com as diversas iniciativas do museu que estão a Penso que os novos designers estão a caminhar nessa direção de
algumas das exposições mais vistas do museu colocar o foco nas obras de arte pertencentes à coleção do Met. sustentabilidade, não só no que diz respeito aos materiais, mas
nova-iorquino – entre elas está Heavenly Bodies: Para mim, foi mesmo importante olhar para a nossa coleção, também no que toca a ideias e conceitos. Para mim, a ideia de
Fashion and the Catholic Imagination, de 2018, que contou com examiná-la uma vez mais e apresentar uma exposição que fosse abrandar o ritmo da Moda permite-nos pensar e refletir sobre o
FOTOGRAFIA: THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART.

um número recorde de 1.65 milhões de visitantes. Não é difícil quase exclusivamente baseada na nossa coleção. Queríamos valor da criatividade na indústria, e isso é muito importante.”
perceber o appeal das exposições que contam com o dedinho partilhar a extensão dela e, ao mesmo tempo, criar um tema Por falar no valor da criatividade – algo que não falta a Andrew
mágico de Bolton, um homem que, nos poucos minutos de que fosse atual. Penso que tentamos fazer isso com todas as Bolton e à lista de blockbusters que imaginou e concretizou para
conversa, se revela um contador de histórias nato. Mas qual nossas exposições, encontrar um tema que tenha relevância o Met –, onde é que o curador encontra inspiração para as suas
foi a sua favorita, até hoje? “Gostei de todas elas, ainda que de para o zeitgeist contemporâneo.” Haverá algo mais apropriado exposições? “Em todo o lado. Acho que aquilo que tento fazer,
formas diferentes”, confessa o curador. “Penso que a exposição do que o tempo? “A Moda é, muito basicamente, a cultura do acima de tudo, é ouvir o zeitgeist e pensar numa ideia ou num tema
que provavelmente foi uma espécie de mudança de paradigma tempo. É ditada pelo tempo, reflete o espírito do tempo e é, "SINTO QUE A MODA É TÃO RICA que considero ser relevante para uma audiência contemporânea,
foi a do Alexander McQueen. Acho que foi a primeira vez que ao mesmo tempo, ditada pelo espírito do tempo. E penso que EM HISTÓRIAS, CADA PEÇA e para os visitantes contemporâneos do museu. De certo modo,
DE VESTUÁRIO É TÃO RICA EM
até os historiadores de arte mais conservadores começaram estamos todos a ter dificuldades com a efemeridade da Moda, é esse o meu objetivo. Em primeiro lugar, aquilo que tenho em
HISTÓRIAS, E NÓS TEMOS A
a olhar para a Moda como uma forma de arte. Penso que e com as características que definem a Moda.” É assim que RESPONSABILIDADE DE REVELÁ-LAS mente é pensar numa ideia que fará com que as pessoas pensem
McQueen conseguiu alterar a perceção das pessoas sobre a surge About Time: Fashion and Duration? “Queria focar-me numa E TORNÁ-LAS EXPLICITAS sobre a Moda de forma diferente, uma ideia que as envolva e
Moda e as ideias que as pessoas têm sobre os designers. Para exposição que olhasse para a ideia do tempo e do impacto do PARA UMA AUDIÊNCIA." que as inspire. É importante encontrar um equilíbrio entre criar

vogue.pt 2 9 5
ENTREVISTA

De cima para baixo, e da esquerda para a direira: Imagem da


uma exposição que seja educativa, esclarecedora e elucidativa, exposição Alexander McQueen: Savage Beauty, 2011, vista da
e que, ao mesmo tempo, consiga entreter. Penso que educação Galeria, Romantic Gothic; Imagem da exposição Heavenly Bodies:
e entretenimento não são noções contraditórias, mas sim Fashion and the Catholic Imagination, 2018. Vista da Galeria,
Romanesque Hall; Imagem da exposição Camp: Notes on Fashion,
complementares. Todas as exposições deviam ter ambas. Acho 2019. Vista da Galeria, Failed Seriousness; Imagem da exposição
que muitos dos curadores mais conservadores têm esta ideia de Camp: Notes on Fashion, 2019. Vista da Galeria, Part 2.
que o entretenimento não é digno de estar num museu, mas a
verdade é que é. Uma exposição deve entreter, deve inspirar os
visitantes tanto a nível visual como intelectual. Acho que este
equilíbrio é muito importante.” Poderá ser esta a explicação para
o porquê de, nos últimos anos, termos testemunhado um número
exorbitante de exposições dedicadas ao fantástico tema da Moda
em todo o mundo? “Acho que as pessoas estão a perceber
a centralidade da Moda na cultura contemporânea”, defende
Bolton quando o questiono sobre este crescente interesse.
“A Moda é um tema tão complexo, e penso que o poder da Moda onversar com Andrew Bolton sobre esta
está no facto de conseguir refletir o zeitgeist. Acho que isso é indústria é ter um passe de livre acesso, ainda
muito apelativo para as audiências.” Isso e o fator Internet, essa que temporário, a um mundo onde a Moda
força transformadora que mudou para sempre a indústria e parece não perder o seu entusiasmo. A um
todas as suas facetas. “A Internet veio permitir que a Moda fosse mundo onde podemos aprender tanto com o
muito mais acessível, e de certa forma mais democrática, a uma passado como com o presente. A um mundo onde cada casaco,
audiência maior, uma audiência global. E isso tem um impacto tão cada bolso e cada botão têm uma história única para contar. Não
positivo no nosso campo. Claro que representa novos desafios resisto a perguntar-lhe: ao longo da sua carreira, qual foi a peça
para os curadores, porque quem nos visita tem um conhecimento de roupa que lhe tirou o fôlego? “Mais uma vez, tenho de voltar
muito maior sobre Moda. Mas acho que tudo se resume ao facto à exposição do Alexander McQueen. A oportunidade de visitar
de a Moda ser tão central às nossas vidas e de poder ser tão os arquivos e escolher aquelas peças foi de facto comovente.
complexa no que toca à identidade, ao género, à sexualidade, Aquilo que era extraordinário no McQueen, e penso que não
às raças e etnias. A Moda sempre foi um veículo para explicar existe nenhum designer como ele, era a capacidade que ele tinha
significados mais profundos sobre todas estas questões, e acho de evocar estas emoções viscerais em ti. Ele sempre disse que
que as pessoas estão a começar a perceber o poder da Moda não queria saber se as pessoas gostavam ou não gostavam de
dentro da cultura, e a sua importância central nas nossas vidas.” Moda, desde que tivessem uma reação. Acho que esse era o
poder dele, e desde então não voltou a existir nenhum designer
como ele. Foi incrível homenagear o legado dele.” Incrível é uma
palavra que parece definir o trabalho de Andrew Bolton e os seus
dezoito anos como curador do Costume Institute do Metropolitan
Museum of Art, e um adjetivo tão bem usado nos documentos
que envolvem o seu nome e as suas exposições – no mesmo
artigo da edição norte-americana da Vogue, de 2016, Nathan
Heller define Bolton como “um talento que aparece uma vez numa
geração, que consegue olhar para 200 anos de história de Moda,
escolher 100 peças e organizá-las numa exposição que famílias
de Duluth [uma cidade do Estado de Minnesota] voam para ver e
que experts exaustos consideram totalmente fresca”. É a prova de
que o entretenimento e a educação podem não só coexistir, como
podem ser também uma dupla absolutamente imbatível – e de que FOTOGRAFIA: THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART.

Andrew Bolton, como escreveu o The New York Times em 2015,


é mesmo o “storyteller in chief” do Met.
O curador ri-se quando refiro este título e lhe pergunto quais são
as melhores histórias que guarda das quase duas décadas com o
museu. “Acho que são mesmo os objetos. Tenho tido tanta sorte
em ter acesso não só aos arquivos dos designers, mas também
ao arquivo do Met. Sinto que a Moda é tão rica em histórias,
cada peça de vestuário é tão rica em histórias, e nós temos a
responsabilidade de as revelar e de as tornar explicitas para uma
audiência. Para mim, a felicidade sempre esteve em observar os
English version objetos, encontrar as suas histórias e evocar as suas memórias.” ●

vogue.pt 2 9 7
FORMAS DE EXPRESSÃO
Se Alexander Calder e Wassily
Kandinsky congeminassem um edi-
torial para a Vogue, viveria com a
geometria, a abstração, os ângulos
retos e não (cor)retos representativos
de uma não-realidade, aquela ima-
ginada pelo abstracionismo. Viveria
das cores vivas que perduram tam-
bém em quadros como Yellow-
-Red-Blue ou esculturas como The Four
Elements, e encontrar-se-iam não só em
detalhes de adereços, mas nas linhas
das silhuetas, dos acessórios, das
tonalidades dos tecidos. Se Alexander
Calder e Wassily Kandinsky conge-
minassem um editorial para a Vogue,
seria o destas páginas. Onde a obra
permanece além da própria obra.
Fotografia de The Bardos. Styling de Gaelle Bon.

English version

Felize: camisola em jacquard de lã e lurex, calções em cetim de seda e gola em plumas de avestruz, tudo DRIES VAN NOTEN.
Nyagua: camisa e calças em algodão, ambos ROCHAS. Anel em metal, DRIES VAN NOTEN.
Na página ao lado, Nyagua: top e calças em algodão, ambos LACOSTE.
Nyagua: top e saia em algodão, ambos MARNI. Chapéu em feltro de lã, NINA RICCI. Chapéu em algodão, ISSEY MIYAKE.
Canlan: camisa em organza de seda bordada a algodão, calças em cetim de seda e sandálias em pele, tudo LOUIS
VUITTON. Na página ao lado, Nyagua: casaco em lã, GMBH. Anel em acetato e metal, AURÉLIE BIDERMANN.
Nyagua: top e calças em algodão, ambos COURRÈGES. Canlan: vestido em crepe de seda, VALENTINO.
Na página ao lado, Canlan: casaco em cetim de seda, MIU MIU.
Nyagua: vestido em malha de algodão e pulseira em acetato, ambos MAISON RABIH KAYROUZ. Pumps em
veludo e metal, ROGER VIVIER. Na página ao lado, Nyagua: vestido em jersey de algodão, STELLA MCCARTNEY.
Canlan: fato em lã fria, BOSS. Na página ao lado, Canlan: vestido em crepe de seda, DRIES VAN NOTEN.
Nyagua: vestido em cetim de seda e botas em pele, ambos BALENCIAGA.
Na página ao lado, Canlan: vestido em algodão, GIVENCHY.
Fotografia: The Bardos @ Artsphere. Styling: Gaelle Bon @ T&P. Modelos: Canlan Wang e Nyagua Ruea
@ 360 Management. Cabelos: Christos Vourlis @ Bryant. Maquilhagem: Anthony Preel @ Artlist. Manicure: Laura Forget
@ Artlist. Casting: Christopher Landais e Luc Royer @ Andi Casting. Set Design: Alison Reid. Produção: Nanna @ Kitten.
Assistente de styling: Elyse Arnould Derosier. A Vogue Portugal agradece ao Studio Deux Choses Lune
todas as facilidades concedidas. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.

Veja o fashion film, aqui.


ARTISTA

Monumental
Paula Rego
Os direitos das mulheres. A mutilação genital
feminina. O aborto. A beleza disforme. Olhar para
os quadros de Paula Rego é olhar para histórias de
mulheres, para a História das mulheres, e perceber
que a Arte pode, tão somente, recriar o que é
visível aos olhos – ou à imaginação. Por Joana Moreira.

aria Paula Quaresma Paiva Figueiroa Rego Willing. Sou eu.


É um nome muito comprido. Porque é da minha mãe, da
família da minha mãe, e o último é do meu marido. Isso
sou eu.” Paula Rego descreveu-se assim, em entrevista
à TVI, em 2011. Porque Paula Rego é a soma de todas as
partes, a soma de tudo o que passou, viveu e sentiu. E, por isso,
não é de admirar que em Paula Rego se sinta Portugal. Quando
tinha 15 anos, o pai disse-lhe: “Tens de te ir embora daqui que
isto [Portugal] não é um país para mulheres. Vai-te embora”,
contou na mesma entrevista ao canal de televisão. “E mandou-me.
Mandou-me embora (...) Não havia direitos nenhuns, as mulheres
não podiam ter contas bancárias, não podiam ter nada, os maridos
mandavam nelas, batiam-lhes e essas coisas todas. Ou então tinha
de jogar canastra constantemente, e comer bolos na Garrett. Ou
seja, coisas que eu detestava”, disse. “Não sabe jogar canastra?”,
questionou-a o jornalista. “Não”, respondeu indignada. “Eu jogo
poker.” Hoje, quase uma década após estas tiradas extraordinárias
que deixam qualquer um sem resposta, Paula Rego não acede a
falar com a Vogue de viva voz, mas mantém a franqueza e arrojo
no discurso quando responde a cada pergunta por e-mail. A

CHRIS STEELE-PERKINS/MAGNUM PHOTOS/ FOTOBANCO.PT


artista portuguesa, que acaba de completar 85 anos, admite sem
rodeios que se sente “muito desconfortável” a pintar e declara
que nada mais quer senão que a sua arte transmita “verdades”.
Mulher de segredos, mas não de silêncios, Paula ouve música
enquanto trabalha: ópera pela manhã – especificamente La
Traviata – e fado pela tarde. São estes os sons que acompanham
o seu labor no seu estúdio, em Londres, onde vive e faz o que é
incapaz de fazer em Portugal: pintar. É que apesar de cada tela,
gravura ou desenho seu retratar memórias do tempo em Portugal,
a pintora precisa do distanciamento físico para reproduzir o
que lhe é mais próximo. Pintar em solo português é “muito
perto dos medos”. Mas “que medos são esses?”, perguntamos-
-lhe agora. “Medo dos papões”, escreve, com a simplicidade
de quem dá o assunto por arrumado. Mas são esses medos,

vogue.pt 3 1 7
ARTISTA

Ao lado: Paula Rego, Triptych, 1997–1998.


Em baixo: Paula Rego, Dog Woman, 1994.

que “vêm de dentro”, que, muitas vezes, a motivam a pintar ficar marcado como decisivo e fundamental não só enquanto Medalhas e homenagens
desenfreadamente. Artista assumidamente amedrontada, Rego registo documental desse momento no tempo, mas também A idade trouxe-lhe “coisas interessantes”, escreve, destacando “a
pinta os medos e as histórias, sobretudo de mulheres. “Sou enquanto bandeira pela luta pelo reconhecimento de que as capela do Palácio de Belém e um museu em Cascais”. Pode dizer-se
mulher e conto as minhas histórias”, diz, admitindo, contudo, que mulheres têm o direito a ter controlo sobre o seu próprio corpo. que a pintora, que cresceu entre a Ericeira e o Estoril, viu o seu
nem tudo o que pinta é necessariamente real: “Muitos quadros Entretanto, as regras mudaram, o mundo retrocedeu. Em 2019, talento ser reconhecido já tardiamente na sua carreira. Hoje colhe
foram pintados da imaginação. Mas o que eu gosto mais é de vários Estados norte-americanos aprovaram diplomas legislativos medalhas, menções, homenagens e retrospetivas. “Agrada-me, são
desenhar. E é mais apropriado com modelos”. Isso justifica um que criminalizam a prática do aborto. Com a administração de grandes honras”, confessa. Já com uma retrospetiva da sua obra
estúdio carregado de bonecos, grandes, pequenos, animalescos, Donald Trump, começou por ser o Estado do Alabama a aprovar prevista no museu Tate Britain, em Londres, para 2021, o último
infantis, aquilo que a imaginação da artista ditar. Uma imaginação, uma lei tão histórica quanto radical que prevê duras penalizações par de anos tem sido particularmente feliz para a pintora, que
essa sim, sem medos, receios de represálias ou inibições. para as mulheres e os profissionais de saúde envolvidos nas em 2019 foi considerada uma das mulheres do ano pela revista
Examinando a obra de Paula Rego, a expressão "artista de interrupções voluntárias da gravidez. A este seguiram-se outros Harper’s Bazaar. Também no último ano recebeu uma Medalha
intervenção" parece assentar-lhe como uma luva. A pintora, que se Estados e uma ascensão do posicionamento comummente de Mérito Cultural. A ministra da Cultura, Graça Fonseca, afirmou
considera uma feminista “não académica” (“defendo os direitos das apelidado de “pró-vida”. Paula Rego voltou a intervir, voltou que "faltava este reconhecimento" pelo Governo português, e
mulheres”, elucida), define o seu trabalho como “antiautoritário”. a fazer-se ouvir. Chamou-lhe um “retrocesso perigoso”, num destacou a atribuição a “uma artista extraordinária, que sempre
Historicamente, o seu maior desafio à autoridade não é difícil texto que escreveu para a publicação especializada The Art procurou transformar a realidade através da arte". Quando
de encontrar, graças à sua série dedicada à temática do aborto. Newspaper. “Se uma mulher tiver de fazer um aborto, vai fazê- recebeu a medalha, a ministra fez questão de frisar: “[É] a última

FOTOGRAFIA: CORTESIA DE NICK WILLING.


Corria o ano 2000 quando Paula Rego criava uma sequência de -lo de qualquer maneira", disse então. “Vai fazê-lo num lugar medalha que faltava, do nosso Governo”. Perante uma das maiores
pinturas sobre o tema, dois anos depois de o primeiro referendo sem segurança para a sua saúde, se estiver desesperada, e não artistas portuguesas, não resistimos a perguntar-lhe o que é que
CORRIA O ANO 2000 QUANDO PAULA sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez conseguir que um médico o faça. É assim que tem acontecido hoje, em 2020, lhe faz falta. A resposta foi tão surpreendente e
REGO CRIAVA UMA SÉRIE DE PINTURAS (IGV) não ter provocado quaisquer mudanças na lei – apesar da desde o início dos tempos. Portanto, se 25 homens no Alabama a desarmante como se a tivéssemos ouvido in loco: “Pão de ló”. l
SOBRE O TEMA [ABORTO], DOIS ANOS vitória pelo fim da criminalização, o referendo não foi vinculativo considerarem uma criminosa, isso só vai aumentar o seu
DEPOIS DE O PRIMEIRO REFERENDO uma vez que a taxa de abstenção dos eleitores foi superior a 50%. sofrimento”, escreveu. Para a artista, banir o aborto “é cruel e
SOBRE A DESPENALIZAÇÃO DA
Foi claramente uma tomada de posição. Mas o planeta continuou injusto, seja na América ou noutro país qualquer”. À Vogue, quase
INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA
GRAVIDEZ (IGV) NÃO TER PROVOCADO a girar e o aborto acabou por precisar de um outro referendo, um ano depois, admite que ver estas notícias causa-lhe nada
QUAISQUER MUDANÇAS NA LEI. FOI realizado só quase dez anos depois, em fevereiro de 2007, para mais do que “nojo”. Ainda assim, continua a acreditar que a Arte
UMA TOMADA DE POSIÇÃO. ser despenalizado. Ainda assim, o contributo da artista viria a pode ajudar a mudar o mundo. “Há essa esperança”, assume.

vogue.pt 3 1 9
ARTISTA

FOTOGRAFIA: CORTESIA DE NICK WILLING.

Paula Rego, Dancing Ostriches, painel direito, 1995. Na página ao lado: Paula Rego, War, 2003.

“O MEU TRABALHO É ANTIAUTORITÁRIO”


PAULA REGO

vogue.pt 3 2 1
ARTS & CRAFTS
A criatividade não conhece limites –
apenas os da sua imaginação. E assim
como qualquer artista pensa fora da
caixa para materializar um quadro,
polir uma escultura, conceber um
prédio ou alinhavar uma peça de roupa,
ser criativo no quotidiano também é
uma arte por si só. Já Pessoa dizia que
“o homem sonha, a obra nasce”. Mas
nem todas as obras são dignas de um
Louvre – e não faz mal. Há umas que
são só dignas de uma palmadinha
nas costas por tornar o mundano em
arte – como aquela vez em que comeu
esparguete de um copo de champanhe
ou casou batatas fritas com pérolas.
E isso também merece holofote.
Direção criativa de Michelle Landazuri. Fotografia de Jaime Pavon. Styling de Manuela Montenegro.

English version

Vestido em seda, CRISTINA LEON. Brincos e colar em metal e madeira, ambos VERONICA BURBANO. Pulseira em metal, da produção.
Vestido em crepe de seda com lantejoulas, DETELLE. Brincos em metal e resina, da produção.
Vestido em crepe georgette, STEPHANIE RODAS. Brincos e anel em prata e resina, VERONICA BURBANO.
Vestido em cetim e chiffon de seda, CRISTINA LEON. Colar em metal e anel em metal e madeira, ambos da produção.
Na página ao lado: blusa em jersey de algodão, AZZAR. Saia em neoprene, MARIA GARCIA ROBLES. Brincos em
metal e lenço em cetim de seda, ambos da produção. Sandálias em pele e veludo, MAKKIATO BY PAULINA ANDA.
Casaco em tweed, ZARA. Vestido em crepe de seda com lantejoulas, CRISTINA LEON. Brincos e anel em metal e resina, ambos da produção.
Vestido em crepe de seda, ALCATRAZ. Brincos e colar em metal, ambos da produção.
Seleção de carteiras, da produção. Sandálias em pele e veludo, MAKKIATO BY PAULINA ANDA.
Direção criativa: Michelle Landazuri @ Starving For Attention. Modelo: Carmen Mina @ DISManagement.
Cabelos e maquilhagem: Karen Villamar. Casting: Luisa Fernanda. Produção: Pietro Polit @ Dis360.
Retouch: Juan Pablo Castillo e Karla Cevallos @ Lola Retouch. Assistente de fotografia: Julian Villamar. Assistente de styling: David Aldean.
A Vogue Portugal agradece ao Cevallos House por todas as facilidades concedidas.
Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
SURREALISMO POÉTICO
É assim que Rafal Olbinski des-
creve a sua obra. O ilustrador
surrealista polaco prima pelas
realidades imaginadas que se
pintam muitas vezes com céus
azuis e personagens descons-
truídas em cenários no limiar da
realidade. Um toque de Magritte,
outro onírico, tantos no reino do
subconsciente, é nas referências
que, garante, chegam de “todos”,
que Olbinski cria algo único,
difícil de igualar. Mas as páginas
seguintes chegam, à sua própria
maneira artística, muito próximo.
Direção criativa e Fotografia de Alessandro Esposito. Styling de Pablo Patanè.

English version

Lila: colar em metal e pérolas, CHRISTIAN DIOR.


Beatrice: corset em algodão, acetato e ráfia, DOLCE & GABBANA. Colar em metal e acetato, ELIE SAAB.
Pulseiras e brinco em metal, ALEXANDER MCQUEEN. Luvas vintage em mousse, da produção.
Na página ao lado, Ernest: fato em algodão, GIORGIO ARMANI. Sapatos em pele, THOM BROWNE.
Kim: vestido e saiote em tule de seda, BROGNANO. Boá em tule de seda, GIORGIO ARMANI. Luvas vintage em mousse, da produção.
Na página ao lado, Kim: vestido em crepe de seda, ANTONIO MARRAS. Colar em metal, ALEXANDER MCQUEEN.
Beatrice: vestido em algodão, DRIES VAN NOTEN. Body em renda de seda, KIM KASSAS COUTURE.
Brincos e bijuteria de mãos em metal, MYRIL JEWELS. Na página ao lado, Ernest: camisa em algodão, ALEXANDER MCQUEEN.
Kim: vestido em cetim de seda, GIAMBATTISTA VALLI. Vestido em tule e renda de seda, KIM KASSAS COUTURE.
Brincos em metal, MYRIL JEWELS. Na página ao lado, Oliver: fato em linho, DOLCE & GABBANA. Sapatos em pele, VERSACE.
Beatrice: casaco, corset, camisa, saia e gravata em algodão, tudo THOM BROWNE. Dakota: camisa e calças em algodão, ambos BURBERRY.
Gola em algodão, da produção. Guarda-chuva em pele e madeira, FRANCESCO MAGLIA. Chapéu em feltro de lã, PASQUALE BONFILIO.
Na página ao lado: casaco e colete em lã, camisa em algodão e gravata em seda, tudo MAX MARA.
Lila: vestido em algodão, brinco e gargantilha em metal, e colar em metal e zircónia, tudo ALEXANDER MCQUEEN.
Oliver: casaco em lã e seda, e camisa em seda, ambos ALEXANDER MCQUEEN. Na página ao lado, Ernest: casaco e calças em cetim de seda,
ambos GIORGIO ARMANI. Sapatos em pele, VERSACE. Lila: vestido em renda de algodão, GIVENCHY. Brincos e anel em metal, ambos DIOR.
Cinto em pele e metal, ALEXANDER MCQUEEN.
Vestido em cetim e renda de seda, e sandálias em pele e plumas, ambos BALENCIAGA.
Na página ao lado, Beatrice: blazer em lã e camisa em algodão, ambos BURBERRY. Brincos em metal, MIU MIU.
Ernest: casaco em cetim de seda, GIORGIO ARMANI. Camisa em algodão, ALEXANDER MCQUEEN.
Beatrice: top em veludo de algodão, pele e lantejoulas, LOUIS VUITTON. Na página ao lado, Beatrice: macacão em algodão e cetim de seda,
MOSCHINO. Chapéu de chuva em pele e madeira, FRANCESCO MAGLIA. Brinco em metal, ROBERTO CAVALLI.
Lila: vestido em cetim de seda e plumas, RALPH & RUSSO. Saiote em metal, THOM BROWNE.
Colar em metal e zircónia, ALEXANDER MCQUEEN. Dakota: camisa em organza de seda, MOSCHINO. Calças em lã e sapatos em pele,
ambos VERSACE. Na página ao lado, casaco em linho, DOLCE & GABBANA. Beatrice: vestido em tule de seda, DIOR.

Fotografia e direção criativa: Alessandro Esposito @ Production Link. Styling: Pablo Patanè @ B.agency @ Art Factory Studio. Modelos: Beatrice Brusco
@ Fabbrica. Kim Davis @ Major Models Milan. Lila Braghero @ Elite Milano. Ernest Klimko @ Crew Model Management. Dakota Martinez @ Fashion Model
Management. Oliver Nicholson @ Fashion Model Management. Cabelos: Maurizio Kulpherk @ Etoile Management. Maquilhagem: Fausto Cavaleri @ Art
Factory Studio. 3D Artist: Raffaele Micillo. Ilustração e colagem: Rebecca Coltorti. Casting: Vanessa Contini @ Production Link. Set e prop design: Lorenzo
Dispensa. Produção: Passepartout4u Srl. Assistente de fotografia: Luca Trelancia. Assistentes de styling: Lisa Tedeschini e Fabrizio Rocchi. Assistente
de cabelos: Liliana Rosetta. Assistentes de maquilhagem: Giuseppe Paladino, Nicolo’ Iovino e Simone Piacenti. Assistente de retouch: Giulia Frigerio.
A Vogue Portugal agradece a March Johannes todas as facilidades concedidas. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
Poster da ópera Semiramide,
de Gioacchini Rossini, 2013.

Poster polaco da ópera Tosca, Winter’s Tales, 1987.


de Giacomo Puccini, 2004.

Poster da ópera La Traviata, Poster da ópera The Marriage of


de Gioseppe Verdi, 1992. Figaro, de W.A. Mozart, 2001.

Poster da ópera Sapho,


de Massanel, 1973.
Poster da exposição Kunstdruck no Poster de um teatro
Polish Museum of America, 1995/1996. em Olsztyn, 2015.

Poppy, 2006. Midsummer Dreams, 2016.

Poster polaco do Festival of Pleasant


Howl, 2009. and Unpleasent Plays, 2004.
Poster original da Semana Poster da opera de Giuseppe
Polaca em Berlim, 2001. Verdi: Luisa Miller, 2010.

Winter Umbrella, 1992.

Friendly persuasion, 1997. Poster polaco de Satyrykon, 1999. Shakespeare’s Prison, 2017. Poster da exposição Recent Paintings
de Rafal Olblinski, em Nova Iorque, 1994.
ALTA-COSTURA

Couture
Renaissance São como aves do paraíso no meio da selva
urbana. As coleções de Alta-Costura, que
duas vezes por ano destroem a ideia de
que o mundo é um lugar de cínicos, são
o que sobra de uma quimera chamada
Moda. Mesmo quando tudo o resto colapsa,
elas mantêm-se como prova viva de que a
criatividade, e a excelência, não se regem
pela pressa do século XXI. Por Ana Murcho.

Alta-Costura é a fundação desta casa, por


isso é meu dever criativo e visionário trazer
a couture de volta. Para mim, a Alta-Costura é
uma forma inexplorada de liberdade criativa e
uma plataforma de inovação. Ela não só oferece
outro espectro de possibilidades na alfaiataria, mas também
traz a visão moderna da Balenciaga de volta às suas fontes de
origem.” As palavras de Demna Gvasalia, habitualmente associado
a looks mais streetwear, evocam um desejo há muito anunciado:
o regresso da maison fundada por Cristóbal Balenciaga à arena
grande da Moda. A Balenciaga não produz nenhuma coleção haute
couture desde que o seu fundador fechou as portas do ateliê, em
1968, precisamente quando a revolução de costumes começou
a privilegiar a rapidez do prêt-à-porter. Neste renascimento,
que coincide com uma procura cada vez maior da roupa feita
à mão, por medida e sem prazo de validade, a marca terá uma
equipa de artesãos dedicada unicamente à Alta-Costura, sediada
no histórico número 10 da Avenue George V. “Este projeto foi
possível devido ao sucesso da visão criativa de Demna Gvasalia,
bem como aos resultados excecionais da Balenciaga nos últimos

FOTOGRAFIA: KAMMERMAN / GETTY IMAGES.


anos”, afirmou Cedric Charbit, presidente e CEO da casa fundada
em 1919 em San Sebástian, Espanha, citado pela Vogue Runway.
“Já temos pedidos para [peças] couture, por isso sabemos que
existe um cliente”, acrescentou. E, longe de fugir à pergunta de
um milhão de dólares (o que leva alguém a investir seis dígitos
num vestido?), explicou em que ponto é que este regresso
alinha com os tempos que correm, e que encaminha a Moda, e o
mundo, em torno da sustentabilidade. “O que acho ótimo acerca
da Alta-Costura atual é a sua abordagem sustentável. Nós não
fazemos coisas que não sejam guardadas para sempre. Também

vogue.pt 3 5 9
ALTA-COSTURA

e a clientela está a expandir-se e a diversificar-se.” Ela sempre “ENQUANTO EXISTIREM PESSOAS


foi, “e continua a ser, uma terra de livre expressão para designers, A PROCURAR O EXCECIONAL,
uma terra onde a criatividade se encontra com a tradição e a VAI HAVER ALTA-COSTURA”
RALPH TOLEDANO
inovação.” De acordo com Toledano, as novas tecnologias ajudam
a “expandir fronteiras e possibilidades com materiais, técnicas
e abordagens” (basta pensarmos no trabalho da holandesa
Iris van Harpen para corroborar tal afirmação) e a despertar
o interesse de novos públicos, como os millennials. “Enquanto
existirem pessoas a procurar o excecional, vai haver Alta-Costura”,
determinava Toledano. Até porque o que era, antigamente, um
grupo fechado, tornou-se, com o passar dos anos, numa espécie
de lounge vip. Em 1997, a Fédération decidiu criar o estatuto de
“membro convidado”, o que permitiu alargar o leque de marcas
que apresentam durante a exclusiva Couture Week – casos de
Guo Pei e da Vetements, em 2016. Estas, no entanto, não podem
usar o título “haute couture”, ficando limitadas ao mais prosaico
(mas igualmente etéreo) “couture”. É aqui que se separa o trigo do
joio e o banal do fabuloso. Para que uma peça seja considerada
Alta-Costura deverá ser produzida à mão e por medida, num ateliê
com um mínimo de 20 funcionários, por uma marca/designer
que mostre as suas coleções (daytime e eveningwear) duas vezes
por ano, em Paris. Isso faz com que exista uma enorme pressão
é sustentável na forma como nos relacionamos. Sinto que a para manter o título: a Versace retirou-se do calendário oficial facilmente custar o mesmo que um Rolls-Royce, uma blusa pode relato, em meados do século XIX, em Paris. Contudo, os traços
maioria das marcas de luxo, hoje, se tornaram apenas marcas, durante oito anos, regressou em 2012, e, atualmente, aposta em ser tão cara como um apartamento em Madrid. O que nos leva à de haute couture perdem-se na História, particularmente nos
e não são mais casas. Eu gosto do conceito de maison. Quando “apresentações personalizadas”; Christian Lacroix abandonou-o questão: partindo do princípio que poucas pessoas podem gastar trajes ricamente trabalhados dos membros da realeza. Seria,
és uma maison, és uma família.” Como referia Nicole Phelps, em 2009. Basta pensarmos que a própria designação de “alta- seis dígitos num vestido, qual é o sentido da Alta-Costura?” De aliás, Rose Bertin, costureira da rainha Maria Antonieta, a
jornalista que assina o artigo da Vogue Runway, “o anúncio da costura” está protegida, é revista anualmente pelo Ministério da facto, o que leva alguém a entregar o cartão de crédito em troca trazer para a capital francesa a noção de “tendências”, ainda
Balenciaga chega num momento crucial para a Alta-Costura.” Indústria francês, e restringe-se a 16 marcas (15, se pensarmos de uma capa de chiffon com brilhantes incrustados que demorou no século XVIII. E a cidade, que já era um fervoroso centro
Poucos dias antes, Jean-Paul Gaultier tinha anunciado que o seu que Jean-Paul Gaultier fez o seu último desfile em janeiro), 400 horas a ficar pronta? Resposta possível: um cliente couture cultural, tornou-se referência para curiosos de todo o mundo,
desfile primavera/verão seria o último. E se em circunstâncias entre as quais a Chanel, a Christian Dior e a Schiapparelli, (que se situam em latitudes tão distintas como a Rússia, a China que copiavam os maravilhosos looks expostos nas vitrines
normais isso “poderia ter despertado preocupação com o lugar para compreender a dimensão deste microcosmo paralelo. ou o Médio Oriente) não conhece limites; há quem encomende das suas lojas. Fast-forward para o trambolhão civilizacional
de vestidos e saias extravagantemente caros num mundo de fast Por volta de 1947, existiam, em todo o mundo, cerca de 47 coleções inteiras – cerca de 30 vestidos por temporada. É isso proporcionado pela revolução industrial e estavam criadas as
fashion”, agora parecemos estar perante um momento de couture mil clientes de Alta-Costura. Atualmente, esse número ronda os que dá força ao comeback de casas como a Balenciaga. “Somos condições perfeitas para a emergência de génios como Jean
renaissance: a Balmain apresentou a sua primeira coleção de Alta- dois mil, três mil, especula-se. É um negócio caro, que se paga uma casa francesa, pertencemos a Paris. Temos de fazer o nosso Patou, Paul Poiret, Madeleine Vionnet ou Jeanne Lanvin. E se,
Costura em 16 anos, em 2019, e a Celine, pela mão de Hedi Slimane, caro. Em 2014, o jornal inglês The Guardian questionava-se: “Os trabalho para que a Alta-Costura de Paris, o artesanato, as nos dias que correm, a Alta-Costura parece mais próxima do
também já garantiu que vai regressar ao calendário oficial. preços são tão extravagantes como os vestidos: um ball gown pode pessoas, as casas... temos de manter isso vivo.” Foi também com comum mortal – quando mais não seja pelo acesso imediato às
este argumento que Cedric Charbit justificou a decisão da marca. imagens dos desfiles – ela continua a ser sinónimo de desejo,
outure is dead. Long live couture. A ideia de que a Alta-Costura E nem as acusações de arrogância, que encaram o negócio da magnificência e savoir faire, tanto nos looks imaginados por Viktor
está em declínio não podia estar mais longe da verdade. Karl haute couture como algo desnecessário num planeta em constante & Rolf em 2017 com a coleção Boulevard of Broken Dreams, onde
Lagerfeld explicou isso mesmo após o desfile primavera/ ebulição, conseguem destruir o mito que sustenta a criação de os vestidos eram feitos de material “reciclado” (e imediatamente
verão de Alta-Costura da Chanel, em 2018: “Quando as vestidos com caudas de dois metros, intrincadamente bordados à vendidos online a quem estivesse disposto a desembolsar 20 mil
pessoas dizem que a haute couture está morta... talvez mão, num ofício que se assemelha à produção de arte. "Seríamos euros), como na couture rock and roll de Alexandre Vauthier, que
esteja para elas, mas não para nós.” O kaiser poderia ser um os mesmos sem esses coordenados incandescentes, que passam nos faz suspirar perante a sensualidade meio desenvergonhada
interlocutor suspeito, mas a verdade é que não são apenas as ao longe, nesse universo paralelo de centenas, de milhares de dos seus ball gowns. E, nas suas múltiplas encarnações, da rigidez
maisons centenárias que insistem em apostar nesta categoria. euros, onde o último ponto não é dado pela pressa, mas pelo feminista de Virginie Viard, sucessora de Karl Lagerfeld na
Nomes como Richard Quinn, Mary Katrantzou e Marine Serre têm toque? Provavelmente, sim. E, no entanto, seríamos infinitamente Chanel, aos metros e metros de tule coloridos de Giambattista
explorado, recorrentemente, a ideia de demi couture. Foi o próprio mais pobres porque a Alta-Costura, como o cinema, é um Valli e à teatralidade refinada de Clare Waight Keller, na Givenchy,
presidente da Fédération de la Haute Couture e da Chambre escape para o que nos rodeia”, concluiu a Vogue há três anos. mantém aberta a porta para o impossível, onde a delicadeza
Syndicale de la Haute Couture, Ralph Toledano, quem explicou De acordo com os registos, o uso do termo Alta-Costura foi se cruza com o romance, o espetáculo e a magia. “Esqueça a
o momentum: “A Alta-Costura é um mercado em crescimento; as inicialmente aplicado ao trabalho do inglês Charles Frederick realidade, a Alta-Costura é pura fantasia", escrevemos em 2017.
marcas de Moda continuam a aumentar as vendas neste ramo, English version Worth, que realizou o primeiro desfile de Moda de que há “Precisamos da Alta-Costura porque precisamos do sonho.” l

vogue.pt 3 6 1
F A S H I O N ( A R T ) I S T A
Silhuetas dignas de um Louvre,
padrões à altura de um Tate,
poses dignas de um Guggenheim.
Quando a Moda é liberdade de
expressão, ela é obra-prima.
Quando a Moda ultrapassa a arte
de vestir para passar a ser mais,
para passar a ser linguagem
artística, ela é expressionismo,
surrealismo, cubismo, e qualquer
vertente deste mundo que queira
veicular. Quando a Moda é Alta-
-Costura, ela é também emoção,
manifestação repleta de sentido.
Dúvidas houvesse que Moda é
arte? Não nas próximas páginas.
Fotografia de Branislav Simoncik. Styling de Lisa Jarvis.

English version

Eva e Sasha: vestidos em algodão e cetim de seda, ambos VIKTOR & ROLF ALTA-COSTURA.
Na página ao lado, Eva: quimono, vestido e sapatos em cetim de seda, e chapéu em feltro de lã, tudo AGANOVICH ALTA-COSTURA.
Sasha: vestido em rede de nylon, organza de seda e espuma, JEAN PAUL GAULTIER ALTA-COSTURA. Eva: vestido em cetim
e organza de seda, missangas, pérolas e espuma, JEAN PAUL GAULTIER ALTA-COSTURA. Na página ao lado, Sasha: macacão em cetim
de seda bordado a seda,e vestido em metal, cetim e organza de seda bordado, JEAN PAUL GAULTIER ALTA-COSTURA.
Sasha: vestido em cetim de seda, GIAMBATTISTA VALLI ALTA-COSTURA.
Eva: vestido em tule de seda e acetato, IRIS VAN HERPEN ALTA-COSTURA.
Na página ao lado: vestido, máscara e sapatos em cetim de seda, tudo AGANOVICH ALTA-COSTURA.
Sasha: macacão em tule e organza de seda bordado a algodão, JEAN PAUL GAULTIER ALTA-COSTURA. Na página ao lado,
Eva: vestido e sapatos em cetim de seda e máscara em cetim de seda e cristais, tudo AGANOVICH ALTA-COSTURA. Sasha: vestido em
acetato e brincos em metal e pérolas, tudo SCHIAPARELLI ALTA-COSTURA. Chapéu em feltro de lã, AGANOVICH ALTA-COSTURA.
Eva: vestido em organza e cetim de seda, máscara em PVC e cinto em pele, tudo AGANOVICH ALTA-COSTURA.
Eva: vestido em organza de seda e plumas, chapéu em plumas e sapatos em pele, tudo JEAN PAUL GAULTIER ALTA-COSTURA. Luvas em pele,
AGANOVICH ALTA-COSTURA. Na página ao lado, Sasha: macacão em tule e organza de seda bordado a algodão, JEAN PAUL GAULTIER ALTA-COSTURA.
Eva: vestido em algodão e metal, macacão em cetim
de seda, luvas e sapatos em pele envernizada,
tudo JEAN PAUL GAULTIER ALTA-COSTURA.
Sasha: vestido em organza de seda bordada com aplicações em plumas, GIAMBATTISTA VALLI ALTA-COSTURA.
Eva: vestido em cetim de seda, chapéu em feltro de lã, véu em organza de seda e colar de pérolas, tudo AGANOVICH ALTA-COSTURA.
Na página ao lado, Eva e Sasha: vestidos em algodão e cetim de seda, ambos VIKTOR & ROLF ALTA-COSTURA.
Modelos: Sasha Krivosheya @ Elite Paris e Eva Klimkova @ Elite Prague. Cabelos: Olivier Schawalder @ Bryant Artists Paris. Maquilhagem: Lisa Michalik
com produtos Mac Cosmetics @ Saint Germain Agency. Casting: Anna Kozyakova. Set Design: Nicola Scarlino. Assistente de fotografia e vídeo: Tomas
Thurzo. Assistentes de maquilhagem: Chloé Demoussis. Assistente de set design: Louise Pisselet. Editorial realizado em exclusivo para a Vogue Portugal.
TO BE CONTINUED

O EVENTO PRINCIPAL PARA LÍDERES DE LUXO


Art imitates Life
Ou é a vida que imita a arte? O dilema é (sur)real. E, na impossibilidade de
lhe conseguirmos dar resposta – é a eterna questão do ser ou não ser, não
será? –, pedimos a uma seleção de entrevistados com grande competência
em matéria artística que nos desse o seu insight sobre a interrogação.

FOTOGRAFIA: JOHN KOBAL FOUNDATION / GETTY IMAGES.

É a arte que imita a vida ou a vida que imita a arte?

3 8 4 vogue.pt
© 1962 Danjaq, LLC and Metro-Goldwyn-Mayer Studios Inc.
is a trademark of Danjaq, LLC. All Rights Reserved.

avenida@torres.pt
Tel. +351 210 015 280
x

Avenida da Liberdade 225/225 A | 1250-142 Lisboa

Você também pode gostar