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Conhecimento por acquaintance e conhecimento por descrição

Rodrigo Albuquerque Prudente

RA:236201

Podemos obter conhecimento de algo que nunca tivemos contato sensorial? Segundo

Russell, isto é possível, pois além de sermos capazes de conhecer algo diretamente pela

experiência, também conseguimos saber, por outros meios, que algo é verdade sem nenhuma

experiência direta com tal coisa. Por exemplo: lendo um livro, posso saber que a Torre Eiffel

está em Paris sem nunca ter ido para lá e até mesmo sem nunca ter visto a torre. Isto é o que

ele denomina de conhecimento de verdades, na qual sempre envolve proposições. De outro

modo, quando vamos até Paris e tocamos a Torre Eiffel, temos um conhecimento direto do

objeto experimentado pela sensação, e isso Russel chama de conhecimento de coisas. Em

outras palavras, podemos “saber que” algo é verdade e também podemos “conhecer a coisa”

em questão diretamente. Assim notamos uma diferença entre “saber que a Torre Eiffel está

em Paris” e “conhecer a Torre Eiffel sensorialmente”.

Para entender melhor estes tipos de conhecimentos, Russell subdivide o conhecimento

de coisas em duas espécies: conhecimento por acquaintance e conhecimento por descrição. O

primeiro é mais simples e logicamente independente do conhecimento de verdades,

englobando aquilo que está posto aos nossos sentidos e à nossa mente sem intermediações, ou

seja, aquilo de que somos conscientes diretamente, como as variadas cores de um objeto

qualquer ou lembranças e sentimentos. O segundo, sempre precisará implicar algum

conhecimento de verdades, pois esse é o seu fundamento, já que se trata de proposições. É

importante saber que todo conhecimento se baseia no conhecimento por acquaintance e isto

resulta em um princípio. Por agora vamos analisar cada uma destas espécies de conhecimento.

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Começaremos elaborando um inventário com quatro itens, que segundo Russell, são

extensões ou objetos do conhecimento por acquaintance, são eles: os dados dos sentidos, a

memória, a introspecção e os universais.

Primeiramente, temos os dados dos sentidos que é tudo aquilo no qual experienciamos

através de nossos órgãos dos sentidos e dos quais tomamos consciência imediata como cores e

sons; também chamados de dados dos sentidos externos. No entanto nosso conhecimento não

pode ser restrito apenas à esta categoria pois se assim fosse, não teríamos conhecimento do

passado tal como possuímos tipicamente.

Em segundo lugar, temos a memória que é a fonte de nosso conhecimento do passado.

A memória armazena dados que em alguma experiência de nossas vidas estiveram presentes

em nossos sentidos externos (sensações) ou sentido interior (pensamentos). Desta forma,

podemos ter conhecimento de nossas lembranças, como um cheiro, uma paisagem, um

sentimento etc., dos quais acessamos em nossas mentes sem intermediações. São as

lembranças que nos permitem fazer inferências sobre o passado, possibilitando conhecê-lo.

O terceiro item é a introspecção. Estamos conscientes de que temos consciência sobre

nossas experiências. Posso ter a sensação de dor que é a consciência de dados dos sentidos e

posso ter a consciência dessa sensação. Por referir-se à consciência da consciência de algo,

Russell também nomeia esta categoria de acquaintance como autoconsciência. Esta, por sua

vez, é a fonte do conhecimento de objetos mentais, pois conhecemos imediatamente

conteúdos que estão em nossas mentes, como pensamentos e sentimentos (sentido interior).

O último dos objetos dos quais conhecemos por acquaintance são os universais. Estes

se diferenciam dos outros itens listados como particulares pois são ideias gerais e podemos

compreendê-los como propriedades que se aplicam às coisas, por exemplo: o azulado, o doce

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e a sabedoria. Podemos imaginar muitas coisas nas quais essas propriedades se aplicam, como

o pássaro azulado, o alimento doce ou o velho sábio. Quando aplicamos essas propriedades a

algum de seus diversos proprietários, na verdade estamos usando conceitos. Com estes

conceitos somos capazes de formar proposições, pois toda sentença, verdadeira ou falsa,

necessita de ao menos um universal para ser formulada. O conhecimento de universais mostra

que nem todo conhecimento por acquaintance é algo particular como os dados dos sentidos, a

memória ou a introspecção.

Os itens da acquaintance foram expostos e nosso inventário está completo, mas isso

ainda não é suficiente para incluir tudo o que sabemos e podemos conhecer, pois é claro que

conhecemos muitas coisas além daquelas que estão ao nosso redor, como: curiosidades

históricas, fatos de outros países e até a estrutura do sistema solar. De modo contrário,

também há coisas próximas de nós das quais não conseguimos conhecer por acquaintance,

como a natureza intrínseca da matéria ou as mentes de outras pessoas. Assim, o que expande

nosso modo de conhecer além daquilo que vivemos cotidianamente em nossas experiências

privadas e ao mesmo tempo permite saber que existem coisas mais profundas no nosso

entorno, é a segunda espécie de conhecimento da qual Russell denomina de conhecimento por

descrição.

Mas como podemos conhecer algo por descrição? O primeiro passo é entender o que é

uma descrição definida e como ela se aplica a algo da realidade. Uma descrição definida é

uma proposição que se aplica a uma única coisa existente, e isso revela as duas condições para

que a descrição seja funcional. A primeira, é capturar apenas um objeto correspondente com

determinada proposição e a segunda é existir. Por exemplo: “a cidade mais populosa do

Brasil” é uma descrição que corresponde somente a um objeto existente, a saber, a cidade de

São Paulo. Assim, se eu repassar esta informação para alguém que nunca esteve no Brasil,

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este individuo estará adquirindo conhecimento por descrição, pois São Paulo existe e tem,

exclusivamente, a propriedade de ser a cidade mais populosa do Brasil, logo o sujeito sabe,

indiretamente, de uma verdade sobre esse local. É por isso que o conhecimento por descrição

sempre implica um conhecimento de verdades que nos são dadas por alguns universais como

“existência” e “unicidade”.

Deste exemplo, também podemos extrair que nomes próprios são descrições

abreviadas. Mas assim como “São Paulo” descreve “a cidade mais populosa do Brasil”, o

termo também abrevia outras proposições, como por exemplo “a cidade em que moro”,

dependendo do grau de contato entre sujeito e objeto descrito. As duas descrições evidenciam

um distanciamento sobre o conhecimento dos sujeitos que conhecem o mesmo objeto por

proposições diferentes. Além disso, nem sempre estas descrições servirão para o mesmo

indivíduo ou para todos, isso quer dizer que uma descrição particular não define a verdade ou

falsidade de uma proposição. Se imaginarmos que no futuro São Paulo deixará de existir

fisicamente, então uma pessoa conhecerá apenas fatos históricos dela, algo como “a cidade

que mais produziu laranja no século XXI”, estando num grau ainda mais distante dum

conhecimento por acquaintance da cidade.

Nos três casos, para conhecer uma descrição sobre São Paulo, os sujeitos necessitam

da referência - que varia conforme a pessoa que faz a descrição ou a época - de itens

particulares conhecidos por acquaintance junto com alguns universais. Isso significa que

nosso pensamento, na tentativa de transmitir uma informação, sempre conterá ao menos um

elemento particular da acquaintance ao mesmo tempo em que será constituído de conceitos.

Um habitante de São Paulo pode descrever a cidade a partir de seus dados dos sentidos

particulares e de sua localização, que se baseia nesses dados e em alguns universais que

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possibilitam estabelecer coordenadas, como metro e distância. Ou seja, para entender uma

descrição que envolva a entidade “cidade”, precisamos de algum conhecimento prévio por

acquaintance de elementos constituintes de uma cidade e esses podem ser dados dos sentidos

que remetem às ruas, casas, pessoas etc. somados às relações espaciais; no caso histórico

fictício, também precisamos duma relação temporal. Isto demonstra que descrições se

baseiam em diferentes itens da acquaintance e necessitam deles para serem compreendidas.

Portanto, de acordo com Russell, a condição para conhecermos qualquer descrição definida

pode ser resumida em um princípio fundamental: toda proposição que podemos entender é

formada completamente, em uma última análise, de objetos dos quais conhecemos por

acquaintance.

Referência Bibliográfica

RUSSELL, Bertrand. Os Problemas da Filosofia. Tradução: Jaimir Conte. Home

University Library, 1912. Oxford University Press paperback, 1959.

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