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Conhecimento além das aparências: percepção e realidade intrínseca

Rodrigo Albuquerque Prudente

RA:236201

Uma das questões mais difíceis que podemos fazer é: será que existe algum tipo de

conhecimento tão certo que ninguém possa duvidar? Geralmente, em nossas rotinas diárias,

não damos uma devida atenção cuidadosa para as coisas ao nosso redor e grande parte daquilo

que percebemos tomamos como certas por causa duma preguiça conceitual. No entanto, do

ponto de vista filosófico, muitas contradições podem surgir dessa questão ao investigarmos

profundamente que tipo de conhecimento pode ser tão certo assim. A busca por este saber

pode começar a partir de nossas experiências, mas temos que tomar cuidado, pois elas podem

nos enganar de certa forma. Para Russell até o conhecimento de coisas simples como uma

mesa de madeira pode ser colocado em dúvida e exige um método cuidadoso para concluir

algo sobre a sua verdadeira realidade. Isso porque há uma diferença entre a aparência e a

realidade das coisas ao nosso redor.

Por exemplo, ao tentarmos definir a cor exata de uma mesa, as dificuldades começam

ocorrer, pois as diferentes partes de sua superfície podem apresentar cores diversas e

dependendo da luz no ambiente que reflete sobre a mesa, sua cor pode mudar completamente

de marrom para branco, além disso, o reflexo varia conforme a posição de quem está

observando. Logo, cada ponto de vista aparenta diferentes arranjos de cores para a mesa. Qual

destas cores é a realidade da mesa? Nenhuma! A única coisa que concluímos disso é que as

cores apresentadas nas variadas perspectivas não podem ser uma verdade sobre a realidade da

mesa, mas apenas sobre sua aparência, ou seja, ela não é exatamente o que percebemos.

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Experimentos parecidos, envolvendo os outros quatro sentidos, podem nos apresentar

resultados semelhantes ao experimento visual.

Cada elemento que a mesa apresenta aos nossos sentidos, tais como cores, dureza,

cheiro, são denominados por Russell como dados dos sentidos e quando temos consciência

dessas coisas, experimentamos uma sensação. Trocando os termos, as sensações que

captamos da mesa, não são propriedades inatas dela, logo não nos revelam aspectos de sua

realidade intrínseca. Diferentemente, os dados dos sentidos são sinais de algo que talvez possa

nos causar tais sensações. Portanto, mesmo que a mesa real, possa ser completamente

diferente dos dados dos sentidos, isto é, da mesa aparente, podemos considerar essa realidade

oculta como causa desses dados dos sentidos. Vale lembrar que até os idealistas que negam a

matéria como algo oposto à mente (diferente de Russell), concordam que dados dos sentidos

sinalizam a existência de coisas independentes. Contudo, a mesa real e desconhecida até

então, existe de fato, independentemente de nossas percepções? Em caso afirmativo, o que

podemos saber dela?

Semelhantemente a Descartes, Russell duvida de quase tudo. Seguindo disso, é

necessário um ponto de partida para tratar desta questão. Assim como Descartes fez da

sentença “penso, logo existo” o seu tijolo para a construção do seu castelo epistemológico,

Russell também busca bases consistentes para edificar o conhecimento, no entanto, por vias

diferentes. O filósofo vai além de Descartes e coloca a própria existência de um observador

permanente em xeque. Assim, a certeza primária adquirida é que uma percepção ocorre, já

que o contato com nossa mesa de madeira pressupõe somente que ‘algo está sendo percebido’,

quer dizer, podemos duvidar da existência da mesa real como também dum Eu permanente - o

observador -, mas não dos dados dos sentidos particulares que aparentam a mesa. Portanto, o

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ponto de partida de Russell na busca do que podemos conhecer com certeza são nossos

sentimentos e pensamentos particulares.

Nesta rota da particularidade, Russell utiliza uma argumentação de princípios de

simplicidade ou da melhor explicação que se apoia na maneira mais fácil de explicar aquilo

que está em questão. Este tipo de argumento é indutivo, isso significa que as premissas não

implicam diretamente a conclusão, mas são plausíveis para acreditarmos nela. Por exemplo:

para compreendermos a movimentação de um gato ao qual não observamos a sua mudança de

um local para outro, é mais fácil acreditar na sua existência física independente de nós e assim

explicar o seu deslocamento como uma sucessão de movimentos ponto a ponto, do que

acreditarmos que ele seja apenas um conjunto de dados dos sentidos, e supor que o gato

mental desaparece fora do alcance de nossas percepções e reaparece em lugares diferentes

quando voltamos a percebe-lo. A segunda explicação exige maior esforço para sustentar-se e

explicar os fatos, por isso é mais complexa. Esta escolha pela simplificação da explicação de

algo pode parecer estranha ou injusta, mas é muito comum na ciência, por exemplo, quando

os físicos tratam a luz como onda para explicar fenômenos ópticos e consideram a mesma

substância como partícula para a explicação de outros fenômenos, tal como o efeito

fotoelétrico; e isto produz bons resultados práticos.

Desta reflexão sobre a diferença entre aparência e realidade da mesa e a existência real

dela, nasce em nós uma crença instintiva, que pela razão de melhor explicar os eventos do

nosso mundo, nos garante a suposição de que existe uma correspondência entre os objetos

materiais e os dados dos sentidos, e como consequência, a existência de um mundo

independente de nós.

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A mesma distinção entre aparência e realidade se aplica ao espaço. O espaço aparente

é aquele onde está situado nossos dados dos sentidos e por isso é particular, enquanto o

espaço real é aquele que contém os objetos reais independentes de nossa percepção, vamos

chama-lo de espaço físico. Por exemplo: a forma real de uma moeda pode ser classificada

como circular, e essa forma circular é o que está no espaço físico; enquanto da perspectiva dos

espaços privados, a moeda pode parecer oval, essa forma oval está contida no nosso espaço

privado ou aparente. Agora imagine duas moedas deitadas e vistas de cima, e também que

uma está parcialmente sobre a outra. Nossos dados dos sentidos apresentarão a ordem ou a

posição relativa das moedas em nosso espaço privado na mesma ordem em que ela, de fato,

está no espaço físico. Para confirmar isso, basta ver que parte dos dados visuais da moeda que

está por baixo estão sendo barrados e também ao aproximarmos nosso dedo em direção a

moeda que achamos estar por cima, verificaremos pelo tato que ela realmente está.

Então, podemos supor que a relação espacial das moedas reais no espaço físico

corresponde à relação espacial dos nossos dados dos sentidos no espaço privado. Por meio

desta correspondência podemos conhecer somente os atributos das relações que mantém essa

correspondência entre objetos no espaço físico e dados dos sentidos no espaço privado. Ou

seja, podemos saber a ordem em que as moedas estão, que estão mais próximas entre si e mais

distantes de nós, caso estejamos afastados delas, mas nada podemos saber sobre o espaço

físico ou a distância em si, dos quais atribuímos tais relações. Portanto, as relações dos

objetos reais possuem propriedades que podem ser certamente conhecidas, das quais resultam

de sua correspondência com as relações dos dados dos sentidos. Se uma moeda parece

prateada e outra dourada, então presumimos uma ‘diferença correspondente’ entre elas, se

ambas aparentam ser circulares, então presumimos uma ‘correspondência similar’. Também

podemos fazer correspondências temporais e assim conhecer a ordem temporal da ocorrência

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dos eventos, por exemplo: se soltarmos as moedas de nossas mãos de uma determinada altura

e em tempos diferentes, perceberemos que os sons de impacto ocorrente quando elas tocam o

chão correspondem à ordem em que as moedas foram soltas, assim, mesmo não conhecendo a

realidade intrínseca das moedas físicas, ainda conhecemos a relação de ordem temporal entre

o som inicial da primeira moeda que foi solta e o som mais tardio da segunda moeda. No

entanto, a natureza intrínseca dos objetos físicos permanece desconhecida enquanto não puder

ser descoberta por meio de nossos sentidos.

Referência Bibliográfica

RUSSELL, Bertrand. Os Problemas da Filosofia. Tradução: Jaimir Conte. Home

University Library, 1912. Oxford University Press paperback, 1959.

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