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Capítulo 5

Organização Sensorial

As distribuições dinâmicas são conjuntos funcionais. Tomemos, por exemplo, um simples circuito elétrico.
As diferenças de potencial e as densidades da corrente distribuem-se ao longo dos condutores, de tal maneira
que é estabelecido e mantido um estado estável ou estacionário. Nenhuma parte dessa distribuição é auto-
suficiente; as características do fluxo local dependem inteiramente do fato de terem os processos em seu
conjunto assumido a distribuição estável.

Para que semelhante concepção possa ser aplicada aos processos que sustentam a experiência
sensorial, devemos evitar um êrro. Em seu protesto contra o atomismo psicológico, Wilhiam James afirmou,
certa vez, que, no campo sensorial, as experiências locais são entrelaçadas com suas vizinhas, de maneira tal
que fica fora do alcance da teoria puramente intelectual. Também achava êle que a experiência sensorial
original é uniformemente contínua e que todos os cortes e limites são introduzidos posteriormente no campo,
por motivos pragmáticos.

Do ponto de vista da Psicologia da Gestalt, tal afirmação não corresponde aos fatos. Apesar da
interdependência dinâmica geral em todo o campo, há nêle limites em que os fatôres dinâmicos atuam para
uma certa medida de segregação e não de continuidade uniforme. Por isso há bons exemplos na Física. Tudo
favorece. O campo visual apresenta duas espécies de ordens. Uma é a a presunção de que o mesmo acontece
no sistema nervoso ordem com a qual se ocupa a teoria mecanicista, quando procura explicar como um
determinado processo mantém seu lugar correto entre os vizinhos e não se extravia. Há, contudo, outra ordem
no campo que costuma escapar à nossa atenção, embora não seja menos importante
que a primeira. Na maior parte dos campos visuais, os conteúdos de áreas particulares “são da mesma classe”
como unidades circunscritas, das quais são excluídos os meios ambientes. James não admitiu que essa
organização do campo seja um fato sensorial porque se encontrava sob a influência do preconceito empírico.
Em parte alguma êste preconceito é mais prejudicial do que aqui. Sem deixá-lo de lado, não poucos leitores
terão dificuldade de reconhecer a importância dos parágrafos seguintes.
Na escrivaninha, diante de mim, vejo um número considerável de unidades de coisas definidas: um pedaço de
papel, um lápis, uma borracha, um cigarro, etc. A existência dessas coisas visuais envolve dois fatôres. O que
é incluído em uma coisa torna-se uma unidade e esta unidade é isolada do seu meio ambiente. A fim de me
convencer de que isso é algo mais que um assunto verbal, posso tratar de formar outras unidades nas quais
sejam acrescentadas partes de uma coisa visual e parte do ambiente que as cerca. Em alguns casos, tal
tentativa terminará falhando completamente. Em outros, nos quais sou mais bem sucedido, o resultado é tão
estranho que, como resultado, a organização original aparece apenas mais convincente como um fato visual.
Dirá o leitor: “Naturalmente o senhor está-se referindo a fatos psicológicos, mas algo pode ser um fato
psicológico sem, por êste motivo, pertencer à experiência sensorial. Certamente, o senhor admitirá que um
pedaço de papel, um lápis e um cigarro são objetos conhecidos pelo uso. Durante muitos anos o senhor tem-se
ocupado de tais objetos, de modo que teve mais oportunidade do que precisava para ficar sabendo que êles
não constituem unidades em um sentido prático. O senhor projetou no campo visual êsse conhecimento
prèviamente adquirido. Por que, então, dar tanta importância à sua observação? Isto é muito sabido e, como se
acabou de mostrar, muito satisfatàriamente explicado. Provàvelmente, era sabido e explicado dessa maneira,
quando Aristóteles escreveu seu compêndio de psicologia”.

Minha resposta exigirá mais tempo do que esta argumentação. Enquanto argumentos dessa espécie
continuarem a ser aceitos, mesmo as teses mais elementares da Psicologia da Gestalt ainda não estarão
devidamente compreendidas. Sem dúvida alguma, o pedaço de papel, o lápis, etc. são objetos bem
conhecidos. Admitirei, sem hesitação, que suas utilidades e seus nomes são-me conhecidos graças a inúmeros
contatos anteriores. Grande parte da significação que êstes objetos têm agora procede incontestàvelinente
daquela fonte. Mas há uma grande distância entre êstes fatos e a afirmação de que papéis, lápis, etc. não
seriam unidades isoladas sem aquêle conhecimento prèviamente adquirido. Como se prova que antes que eu
adquirisse êsse conhecimento, o campo visual não continha tais unidades? Quando vejo uni objeto verde,
posso imediatamente dizer o nome da côr. Também sei que o verde é usado nos sinais luminosos e como
símbolo da esperança.

Disso, porém, não concluo que a côr verde, em si mesma, deriva de tais conhecimentos. Ao contrário, sei que,
como fato sensorial que existe independentemente, o verde adquiriu significações secundárjas e estou plenamente disposto
a reconhecer as vantagens que têm, na vida prática, essas significações adquiridas. Exatamente da mesma maneira, afirma
a Psicologia da Gestalt, as unidades sensoriais adquiriram nomes, tornaram-se ricamente simbólicas e sabe-se agora que
elas têm certos usos práticos, embora existissem como unidades, antes que lhes fôssem ajuntados quaisquer dêsses fatos
posteriores. A Psicologia da Gestalt sustenta que é precisamente o isolamento original dos conjuntos circunscritos que
torna possível para o mundo sensorial aparecer tão inteiramente impregnado de sentido para o adulto, pois, em sua gradual
penetração no mundo sensorial, a significação segue as linhas traçadas pela organização natural; habitualmente, penetra
nos conjuntos isolados.

Se a explicação empírica fôsse correta, as entidades específicas seriam isoladas no campo, apenas até o ponto
em que representam objetos conhecidos. Não é isso que se dá, de modo algum. Quando olho para um canto escuro, ou
quando caminho à noite através do nevoeiro, freqüentemente encontro diante de mim algo desconhecido que se destaca de
seu ambiente como um objeto particular, embora ao mesmo tempo eu me mostre inteiramente incapaz de dizer de que
espécie de coisa se trata. Sàmente depois, posso descobrir sua natureza nesse sentido. Na realidade, tais coisas visuais
permanecem às vêzes desconhecidas durante minutos. Disso se conclui que meu conhecimento acêrca da significação
prática das coisas não pode ser responsável por sua existência como unidades visuais destacadas. O mesmo argumento
pode ser reformulado de forma mais geral. Sempre que perguntamos a nós próprios ou aos outros o que será uma coisa
que vemos no sopé de um morro, à direita de uma árvore ou entre duas casas, por exemplo, estamos indagando acêrca da
significação empírica ou do uso de um objeto avistado e demostramos, pela própria pergunta, como um princípio que o
isolamento das coisas visuais independe do conhecimento e da significação.

No entanto, muita gente está tão arraigada às suas Convicções empíricas que, em tal situação, sua explicação
assumirá imediatamente outra forma. “A entidade desconhecida que o senhor vê no nevoeiro
— dirá — parece algo distinto porque é mais escuro que o cinzento do nevoeiro em tôrno. Em outras palavras: não há

necessidade de ser presumido qualquer conhecimento especial a respeito de grupos particulares de sensações, sígnificando
objetos específicos, O senhor parecerá subestimar as extraordinárias realizações da aprendizagem, se restringir seus feitos
a casos específicos. Desde a mais tenra infância, conjuntos de sensações que têm aproximadamente a mesma côr e
diferem, sob êsse aspecto, do seu ambiente, tendem a atuar como unidades, isto é, a se moverem e serem movidos,
aparecer e desaparcer ao mesmo tempo.

o que acontece com pedras, papéis, pratos, sapatos, com muitos animais, com as fôlhas das plantas.
Conjuntos de sensações aproximadamente homogêneos mostram a tendência de corresponder a objetos
físicos, que atuam como unidades por motivos de ordem física. Tratar- se-á apenas de um exemplo da
conhecida capacidade de generalização da memória se, como resultado de tais experiências, considerarmos
como unidades tôdas as áreas homogêneamente coloridas, até que realmente parecemos vê-las como
unidades. Não é de admirar, portanto, que, no nevoeiro, por exemplo, uma área de tonalidade mais escura seja
encarada como algo individual, embora não possamos reconhecer de que espécie de coisa em particular se
trata”.

Não considero satisfatória esta modificação da teoria. Em grandíssimo número de casos, unidades
são formadas e isoladas em circunstâncias a que não se aplica a explicação. Tomemos, por exemplo, tôdas as
unidades visuais que consistem de partes separadas. Se, em uma noite clara, olharmos para o céu,
imediatamente distinguiremos algumas estrêlas como se formassem grupos e como se fôssem unidades
separadas de seu ambiente. A constelação de Cassiopéía é um exemplo, a Ursa Maior é outro. Há séculos, o
homem tem considerado os mesmos grupos como unidades e, presentemente, as crianças não precisam ser
instruídas para perceber tais unidades. Do mesmo modo, na Fig. 1, o leitor tem diante de si dois grupos de
manchas. Por que não simplesmente seis manchas? Ou dois outros grupos? Ou três grupos de dois membros
cada um? Ao olhar casualmente para o desenho, qualquer pessoa vê dois grupos de três figuras cada um. Que
se dizer dos efeitos generalizados do aprendizado nestes exemplos? Nenhum aprendizado anterior pode ter
separado Cassiopéia das outras estrêlas fixas em tôrno dela. De acôrdo com a experiência quotidiana, tôdas as
estrêlas fixas se movem conjuntamente. De modo geral, ninguém pode afirmar que aprendemos a considerar
certo número de manchas semelhantes separadas porque elas se movem juntas regularmente. Elas estão longe
de fazer tal coisa. Em cima de uma mesa, vejo cinco môscas que, da distância em que me encontro, parecem
cinco pontos prêtos. Imediatamente, êsses pontos começam a se mover separadamente e em direções
diferentes. O mesmo acontece com três fôlhas amarelas que o vento levanta do chão, e o mesmo se dá com
três pedras semelhantes que minha mão impele uma após a outra. Minha experiência geral é que, na maior
parte das vêzes, os membros semelhantes de um grupo são móveis e se movem independentemente. Se, não
obstante, em tais casos grupos continuam a ser formados e isolados, isso acontece apesar de nosso
conhecimento anterior sôbre o verdadeiro comportamento de seus membros.
Quando unidades distintas se reúnem em um grupo, a parte que a igualdade (ou semelhança) representa na
unificação não pode ser explicada em função do aprendizado. O mesmo fator, porém, tem uma influência
unificaclora no caso de áreas contínuas, representem elas ou não objetos conhecidos. Conseqüentemente, é
inútil aplicar-se a explicação empírica a essa formação de coisas homogêneas contínuas, pois a formação de
grupos prova que a igualdade favorece o agrupamento sem nenhuma influência do conhecimento adquirido.
O agrupamento de entidades distintas representa um papel decisivo no conhecido teste para o
daltonismo. Colocam-se, em um campo retangular, pontos a distâncias aproximadamente iguais uns dos
Outros. Para a visão normal, vários dêsses pontos formam um grupo e ficam, nesse grupo, isolados do resto.
Como o grupo tem a forma de um número, pode ser lido sem dificuldade. Os pontos em questão têm
aproximadamente o mesmo matiz e diferem, a êsse respeito, dos outros. Ëste é o motivo de serem reunidos
em um grupo, cujo formato característico é imediatamente reconhecido. No campo visual dos daltônicos, que
não podem perceber aquelas diferenças de matiz, não se pode formar, porém, grupo algum, de modo que êles
não podem ver e ler o número. Neste exemplo, a familiarização com os números é a mesma, tanto para os
sujeitos normais como para os daltônicos. A flagrante diferença quanto ao agrupamento deve, portanto, ser
causada diretamente por determinadas diferenças quanto ao conteúdo sensorial.

Os grupos que consistem de membros separados apresentam um interêsse especial para a teoria, pois
provam que uma determinada unidade pode ser isolada e, ao mesmo tempo, pertencer a uma unidade maior.
Em nosso último exemplo, um ponto representa uma entidade destacada contínua. De modo algum deixa de
ser membro de um conjunto maior o número, que se destaca de uma zona maior. Nada há de peculiar em tal
subordinação de unidade. Na Física, uma molécula constitui um conjunto funcional maior que contém vários
átomos como conjuntos subordinados. Funcionalmente, os átomos pertencem à unidade-molécula, mas, nessa
unidade, não perdem inteiramente a sua individualidade.

Depois de observações ocasionais de outros, Wertheimer foi o primeiro a reconhecer a importância


fundamental do agrupamento espontâneo nos campos sensoriais. Mostrou, também, através de muitos
exemplos, os princípios seguidos pelo agrupamento. A maior parte de suas ilustrações se refere ao
agrupamento de pontos e linhas separados, porque, quando são usados tais modelos, em vez de objetos
contínuos, as demonstrações estão menos sujeitas a objeções em função do conheCimento prévio.
Wertheimer, porém, também salientou que os mesmos princípios vigoram para a formação de outros conjuntos
sensoriais. Não conheço melhor explanação preliminar do assunto que a apresentada pelo artigo de Wertheimer. Alguns
de seus princípios são fàcilmente compreensíveis.

Já foi examinado o que afirma que artigos iguais e semelhantes têm a tendência de formar unidades e se
separarem de artigos menos semelhantes. Quando êsse princípio não se aplica, a proximidade relativa é muitas vêzes
decisiva. Em um de nossos exemplos (pág. 84) foram formados dois grupos de três membros cada um, porque, entre as
seis manchas, algumas distâncias eram menores em comparação com as outras. As manchas que eram separadas por
distâncias relativamente menores formavam unidades-grupos. Às vêzes, parece mais natural definir um princípio de
agrupamento não tanto em função de determinadas condições, mas em função da direção que o agrupamento tende a
tomar. Como o físico está acostumado a dizer que a tensão superficial concorre para reduzir a área das superfícies
liquidas, dizemos que, no campo sensorial, o agrupamento costuma estabelecer unidades de certos tipos, e não de outros.
Conjuntos simples e regulares, também áreas fechadas, são formados mais rápida e geralmente que conjuntos irregulares e
abertos. A ordem dos campos sensoriais, nesse sentido, mostra acentuada predileção por espécies particulares de
organização, da mesma maneira que a formação de moléculas e o expuxo das fôrças superficiais na Física atuam em
direções específicas1.

1
Em uma forma da explicaçáo empírica, diz-se aue o aue aprendemos a considerar corno um conjunto sempre se move como um todo.
Wertheimer salientou que, se algumas partes do campo começam a se mover ao mesmo tempo e de maneira uniforme, tornam-se imediatamente
uma unidade móvel. Em outras palavras: se um “destino comum” determina de fato o agrupamento sensorial, assim faz como fator da organizaçáo
sensorial primária e náo através de processos de aprendizagem.
A natureza do agrupamento como um fato sensorial elementar foi demonstrada de modo de todo convincente na
experiência feita por Hertz com certa espécie de ave (Garrulus glandarius). Certo número de pequenos vasos de flôres
foi colocado no chão, de cabeça para baixo. Permitiu-se que a ave domesticada, pousada no galho de uma árvore, visse
como o alimento era colocado sob um dos vasos pelo experimentador. Pouco depois, ela descia, levantava o vaso e pegava
o alimento. Trata-se, naturalmente, de simples forma de “reação retardada”, estudada por Hunter há muito tempo. Nas
presentes experiências, contudo, a questão principal não foi tanto a demora da reação como sua
dependência de configurações particulares no campo. A ave reagiu sem dificuldade, quando havia
Unicamente um vaso. Quando, porém, havia mais de um, tudo dependia de se saber se o
vaso colocado sôbre o alimento era um membro da totalidade bem destacado e
especificamente caracterizado. Se era colocado em linha reta com os outros, de maneira
que, para a visão humana, ficasse absorvido como um membro indiferente de tôda a série, a
ave levantava um vaso após outro, ao acaso. Isso acontecia, mesmo quando a distância
entre os vasos era de nada menos de 25 centímetros. Quando, porém, como na visão humana, o vaso se
tornava algo de flagrantemente segregado do resto, o pássaro escolhia imediatamente o objeto correto. Assim
era, por exmplo, no caso da Fig. 2, em que o vaso sôbre o alimento estava dez centímetros afastado da linha
reta formada pelos outros vasos. Aparentemente, na sua visão,

oooooccoco

Fic. 2

também essa linha reta constituía um todo compacto, do qual o vaso com o alimento podia ser fàcilmente
distinguido como uma coisa independente. Mesmo na situação da Fig. 3, em que o objeto adequado

o
+
Fio.

00
ficava seis centímetros afastado do próximo, e êste, dois centímetros distante do último vaso, o agrupamento
se mostrava bastante claro para permitir uma reação correta. No caso da Fig. 4, porém, em que

o
+

00
Fio. .

o objeto correto estava apenas a três centímetros do mais próximo, e êste, a dois centímetros do último, a
reação tornava-se uma questão de sorte. Em via de regra, a ave se mostrava incapaz de identificar o vaso
correto, a não ser quando ajudada por um agrupamento bem específico. Por outro lado, sempre que o
agrupamento era inteiramente claro à visão humana, a ave reagia pronta e corretamente, mesmo quando o
objeto correto estava em contato imediato com o vizinho mais próximo. Na situação da Fig. 5, por exemplo,
doze vasos foram dispostos em forma de elipse e o vaso que escondia o alimento foi colocado junto de um
dos doze. No campo visual do experimentador, a situação aparecia como um grupo compacto, ao qual um
objeto isolado fôra acrescentado externamente. Em tal situação, a ave escolhia imediatamente o objeto
correto. O exemplo é particularmente instrutivo por mostrar que as distâncias individuais em si mesmas não
constituem os fatôres decisivos. O agrupamento de que resulta a disposição como um conjunto determina a
reação da ave. Pode-se ver no artigo de Hertz como conseguiu ela demonstrar efeitos semelhantes pela
aplicação de outros princípios, tais como diferenças de tamanho ou de côr.
Se não estou enganado, estas experiências abrem um campo inteiramente nôvo de pesquisas na psicologia
animal. Em novas experimentações, poderia tornar-se possível averiguar até que ponto as aves e outros
animais vêm entidades contínuas, quando tais coisas específicas aparecem no campo visual do homem. Seria,
naturalmente, difícil compreender o comportamento da ave nas experiências de Hertz, se em seu campo visual
os vasos em si mesmos não fôssem unidades destacadas.

A natureza elementar dos conjuntos contínuos é demonstrada por observações das primeiras reações
dos adultos, cegos de nascença, que passam a enxergar depois de uma operação. Os problemas que, em tais
casos, mais interessam aos oftalmologistas são os relativos à profundidade visual e à semelhança original
entre as formas na visão e as formas no tacto. Os resultados têm sido estudados de várias maneiras, mas um
aspecto dos fatos observados não tem tido a atenção que merecia. Quando, durante as primeiras experiências
pós-operatórias, mostra-se ao paciente um objeto que êle conhece pelo tacto em sua vida anterior, poucas
vêzes dá êle uma resposta satisfatória. Com pouquíssimas exceções, não reconhece tais formas, quando as
examina apenas com a visão. Ha ainda algo de muito significativo em suas reações: quando interrogado a
respeito “daquela coisa” que tem diante dos olhos, compreende a pergunta. Evidentemente tem diante de si
uma entidade específica, à qual se refere a pergunta e que êle procura identificar. Assim, se o objeto tem uma
forma simples e compacta, não precisa êle aprender que “agregados de sensações” deve considerar como uma
coisa. A organização visual elementar parece ser-lhe conferida imediatamente.
No estudo de Wertheimer sôbre o agrupamento sensorial, o problema do agrupamento também é examinado
no caso de conjuntos de uma espécie diferente. O tempo experimentado também tem certas características em
comum com o espaço experimentado, particularmente com a dimensão espacial que é indicada pelas palavras
“em frente” e “atrás”. As palavras que se referem às relações nessas dimensões são usadas como expressões
para relações temporais em tôdas as partes e em todos os idiomas. Podemos ter algo “antes” ou “atrás” de nós,
tanto na significação espacial como na temporal; olhamos “para diante”, tanto no espaço como no tempo; e a
morte se aproxima no tempo do mesmo modo que alguém se aproxima no espaço. Do ponto de vista do
isomorfismo, é admissível que haja um parentesco correspondente entre o correlato fisiológico da dimensão
temporal e da dimensão espacial particular. Seja como fôr, “pontos” temporais formam grupos temporais, do
mesmo modo que pontos apresentados simultâneamente formam grupos no espaço. Isso é válido para o
ouvido e o tacto, do mesmo modo que para a visão.

Pode-se mostrar fàcilmente que os fatôres de que depende o agrupamento no tempo são quase os
mesmos de que êle depende no espaço. Suponhamos que eu dê três pancadas em minha mesa, com intervalos
curtos, e que, depois de esperar um segundo, torne a dar as três pancadas, e assim por diante. As pessoas que
ouvem essa seqüência de sons têm a experiência de grupos no tempo. Do ponto de vista físico, todos êsses
sons são, naturalmente, fenômenos independentes. Têm quase tão pouca relação entre si, como as estrêlas de
Cassiopéia. Em outras palavras, não há agrupamento na seqüência física. Também do ponto de vista
puramente lógico, outras formas de agrupamento são tão possíveis quanto a que é realmente ouvida. Estas,
porém, não ocorrem na experiência de um observador que escuta em atitude passiva. Os grupos como
realmente são ouvidos constituem, assim, casos de organização psicológica e, de acôrdo com a tese do
isomorfismo, também de organização fisiológica. No exemplo presente, o princípio atuante é o da
proximidade do tempo, que é, naturalmente, bem análogo ao princípio da proximidade no agrupamento
espacial. Se os intervalos entre os sons se tornassem iguais, poderiam ainda ser formados grupos logo que
fôssem introduzidas nas séries diferenças de intensidade ou qualidade, especialmente se ocorressem através
de repetição regular. Assim, a igualdade representa na organização das seqüências temporais o mesmo papel
que representa em um campo visual estacionário.

No caso mais generalizado da organização sensorial, tanto o espaço como o tempo participam de
determinada experiência de agrupamento. Eis um exemplo simples: em um aposento escuro, movemos uma
pequena lâmpada, que aparece como um ponto brilhante na escuridão em tôrno. Suponhamos que êsse ponto
se mova com uma velocidade constante, na forma da Fig. 6. Em tais circunstâncias, um observador imparcial
descreverá o que vê como três figuras ou três movimentos semelhantes (1, II, III). Talvez, depois, êle retifique
o que disse e esclareça que há sete movimentos (1, 1, 2, II, 3, III, 4). Não dirá, porém, que viu 53, 16 ou 29
movimentos. Ora, se considerarmos o número de estímulos que entram em contacto sucessivamente com sua
retina, como fenômenos independentes, qualquer um dos números maiores é pelo menos tão correto quanto
sete ou três. Na sua experiência visual, porém, não há séries de fatos mituamente independentes. O que o
observador realmente vê caracteriza-se pelos pequenos números três ou sete. Em outras palavras: o
movimento parece organizado de um modo específico. O mesmo se aplica a experiências visuais como estas:
“êle inclinou a cabeça duas vêzes” ou “êle sacudiu a cabeça algumas vêzes”. Além do fato dêsses movimentos
terem certas significações particulares, como fenômenos visuais, implicam uma organização à qual se referem
as expressões “duas vêzes” e “algumas vêzes”.

Parece-me conveniente, neste ponto, apresentar outra explicação indireta de organização sugerida por
alguns psicólogos, que se mostram inclinados a acreditar que os movimentos patentes que fizemos ao reagir
aos estímulos são responsáveis pelos fatos em questão. Outros dirão que se trata de uma experiência sensorial
de tipo particular, isto é, a cinestesia, que ocorre durante tais movimentos, dando-nos a impressão de inna
organização específica. Em vista de certas objeções evidentes, acrescenta-se, às vêzes, que podem ser
suficientes as simples tendências de se mover, ou, como outra explicação, que a simples reestruturação de
experiências cinestésicas passadas pode dar a um campo sua aparência organizada.
Em qualquer dos casos, quer sejam considerados decisivos ou movimentos em si mesmos ou as experiências
cinestésicas, é evidentemente importante considerar como êsses fatôres devem estabelecer a organização em
um campo visual. Segundo minha opinião, ter-se-ia de presumir, no primeiro caso, que nossos movimentos
são organizados de acôrdo com a maneira pela qual o campo visual parece estar organizado; e, no segundo
caso, que a mesma coisa se dá com nossas experiências cinestésicas. Qualquer que possa ser o processo pelo
qual se acredita que seja introduzida a organização no campo visual, não pode êle ser introduzido sem existir
com antecedência na área em que se diz ter sua origem. Enquanto considerarmos movimentos de seqüências
de experiências cinestésicas como séries de fenômenos momentâneos independentes, que meramente seguem
um ao outro, sua ocorrência jamais concorrerá para explicar o isolamento de unidades e grupos visuais.
Tomemos como exemplo o ponto brilhante que se move no espaço escuro. Se dissermos que, neste caso, o
observador se refere a três ou sete movimentos, porque faz ou experimenta três ou sete movimentos com os
olhos, fica tàcitamente aceito como certo que os movimentos dos olhos, ou as experiências de tais
movimentos, são organizados da mesma maneira em que o campo visual aparece organizado. Se assim não
fôsse, como poderiam tais movimentos introduzir no campo visual três ou sete, em vez de 53 ou 29
unidades? Se não fôsse a organização, êstes últimos números não seriam mais arbitrários que os primeiros.
Tenho ouvido dizer que as observações da Psicologia da Gestalt não constituem novidade e que já foram
explicadas há muito tempo pelas experiências cinestésicas que temos durante os movimentos dos olhos. Isso
dá a impressão de que uma simples alusão a experiências cinestésicas que acompanham a visão pudesse ser
aceita como uma explicação da organização visual. Na realidade, em lugar de resolver o problema, a
referência aos movimentos dos olhos apenas o transfere de um lugar para outro, uma vez que, daí por diante,
o problema da unificação e do isolamento deve ser resolvido no campo da experiência cinestésica.
Longe de mim a idéia de negar que existe o problema da organização no campo do movimento e das
experiências cinestésicas, do mesmo modo que na visão. Ao contrário, estou convencido de que os fatos e
fenômenos nestes campos permanecerão de todo incomprensíveis, até ser aplicado o presente ponto de vista.
Por que motivo, porém, seriam os movimentos e a cinestesia os únicos materiais capazes de ser organizados e

que devem, portanto, ser tratados em função da ir


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1
FIG. 6

4
Psicologia da Gestalt? Se é possível a organização em um campo, por que não o será em outros? No próximo capítulo
voltaremos ao assunto.

Depois dessa discussão, o leitor não ficará surpreendido ao saber que lesões graves no
centro visual do cérebro produzem uma espécie de “cegueira” em pessoas que, ao mesmo
tempo, não estão, de modo algum, privadas da visão. O exame cuidadoso de um caso dêsse
gênero, feito por Gelb e Goldstein revelou que o campo visual do paciente sofrera uma
mudança radical, tendo aquela organização desaparecido quase completamente. No lugar
em que fixava a atenção, o paciente era capaz de perceber uma pequena fração de uma
linha, por exemplo, mas não podia mais ver conjuntos extensos com formatos nítidos. Uma
observação particularmente interessante é a de que êle, espontâneamente, começara a
confiar mais na experiência motora do que na visão. Seguindo com movimentos de cabeça
as frações de contornos que lhe eram claras, conseguia êle criar conjuntos motores e
reconhecê-los. Se seu nome era escrito em um quadro negro, seguia êle, dêsse modo, as
primeiras letras e logo adivinhava o resto. Era possível, porém, excluir êsse processo por
um recurso muito simples. Algumas linhas da mesma côr das letras eram traçadas sôbre o
nome. Como o paciente jamais vira o nome como um objeto apresentado simultâneamente,
não podia também vê-lo como uma coisa e as linhas que atravessavam as letras como um
desenho diferente. Em conseqüência, seguia êle partes de uma letra e depois partes de uma
linha, cortando a letra indiscriminadamente. O resultado era que, nessas condições, não
podia ler o nome. A propósito: o exemplo mostra até que ponto a função motora que
acompanha a visão depende da organização visual. De um modo geral, a organização é uma
questão de amplas áreas do campo. Quando apenas frações locais são organizadas até certo
grau, torna-se impossível o contrôle que a organização em uma área maior exerce
normalmente sôbre os movimentos dos olhos.

Mas por que as entidades que são formadas na organização visual correspondem geralmente a
objetos, no sentido prático da palavra? Haverá uma misteriosa harmonia entre as leis da dinâmica sensorial e a
maneira pela qual as coisas físicas são formadas na natureza? Não há necessidade de tal presunção, uma vez
que existem tantas exceções à correspondência de organização sensorial e fenômenos físicos. Vejamos todos
os grupos de membros separados, tais como as constelações do céu ou as manchas que formam grupos-
unidades (Fig. 1) ou, então, grupos ornamentais, cujas partes são, naturalmente, em sua maioria, fisicamente
independentes umas das outras. Em inúmeros casos, a organização é um fato sensorial, quando não há
unidade física correspondente. Podem ocorrer não sàmente grupos, mas também conjuntos sensoriais
contínuos, na ausência de unidades físicas correspondentes. Repetindo: algumas vêzes, vemos, à distância, um
objeto que, mais

4 Zeitsckr. f. Z. ges. Neurol. u. Psycliiatrie, 41, 1918.

tarde, quando dêle nos aproximamos, divide-se em uma coisa bem conhecida e em partes de outros objetos. A
princípio, essa coisa e partes de seu meio ambiente ficaram unidas e isoladas, como uma entidade
desconhecida, O exemplo mostra, também, que, ocasionalmente, um objeto físico de fato existente não tem
correspondente no campo visual, porque partes de sua superfície se combinaram com áreas situadas em tôrno
dêle que tinham as características adequadas à unificação. Os quebra-cabeças que, há alguns anos, divertiam
os leitores de revistas, constituíam exemplos nesse sentido. Nas guerras modernas, tornou-se uma verdadeira
arte fazer desaparecer objetos tais como canhões, carros, barcos, etc., pintando sôbre êles desenhos
irregulares, cujas partes são susceptíveis de formar unidades com partes de seu ambiente. Em tais casos, os
próprios objetos deixam de existir como entidades visuais e, em seu lugar, aparecem manchas sem sentido,
que não despertam a suspeita do inimigo, pois são produzidas constantemente manchas pela acidental
combinação de partes que se confundem, por exemplo, devido à sua semelhança.
Não é difícil, por outro lado, explicar porque unidades visuais mostram pelo menos a tendência de
corresponder a objetos físicos. As coisas que existem em tôrno de nós, ou foram feitas pelo homem, ou são
produtos da natureza. Os objetos do primeiro tipo são fabricados para as nossas necessidades práticas.
Naturalmente, nós lhes damos formas e superfícies que os tornam susceptíveis de serem vistos e reconhecidos
como unidades. Para que isso aconteça, não se torna necessário que os princípios da organização sensorial
sejam explicitamente conhecidos pelos artifices. Sem tal conhecimento, êles submetem o trabalho àqueles
princípios. Como conseqüência, os objetos que êles constróern aparecem, geralmente, como unidades visuais
isoladas. Além disso, não é de modo algum fácil produzir um objeto um tanto compacto que, em um ambiente
simples, não satisfaça as condições gerais do isolamento. A camuflagem é urna arte difícil.
A situação não é muito diferente no que diz respeito aos objetos produzidos pela natureza. Há uma condição
que é satisfeita por muitas coisas naturais: dentro da área de tal coisa as propriedades superficiais tâm a
tendência de ser mais ou menos da mesma espécie, ao passo que as propriedades superficiais das áreas
adjacentes são, em sua maior parte, de espécie diferente. A diferença é devida ao fato de que a origem comum
das partes de um objeto tem probabilidade de dar-lhes características superficiais comuns. Via de regra, estas
características não são exatamente repetidas nas superfícies adjacentes, que têm urna origem diferente, Dêsse
modo, é assegurada, no caso da maioria dos objetos, urna condição de isolamento visual. Mesmo se urna
pedra estiver meia enterrada na areia, que consiste de porções diminutas da mesma espécie de pedra, a
diferença de coesão e, portanto, de pormenores visuais, entre os elementos superficiais da pedra e os da areia
será, na maioria dos casos, suficiente para tornar a pedra

uma unidade visual isolada. Ao longo do limite entre um objeto natural e seu ambiente predomina, geralmente, uma certa
discontinuidade de propriedades. Essa discontinuidade separa o ambiente do interior do objeto por um contôrno fechado.
Como tal discontinuidade é suficiente para fazer qualquer área aparecer como entidade
isolada, também deve ter êsse efeito quando o limite é o de um objeto físico. Sem tal
discontinuidade, não há, naturalmente, razão para que ocorra isolamento. Isto, porém, não
constitui objeção ao nosso raciocínio. Ë virtualmente impossível encontrar objetos que
deixem de satisfazer qualquer das condições da segregação sensorial e sejam vistos, no
entanto, como entidades específicas. A experiência mostra que, sempre que as condições de
organização atuam estritamente contra a formação de certa unidade visual, esta unidade não
será espontâneamente vista, ainda se fôr bem conhecida por si mesma, e apenas camuflada
por circunstâncias especiais do momento. Em estudo mais minucioso dêste problema, a
profundidade visual e o isolamento das coisas em três dimensões teriam de representar um
papel importante. Por enquanto, porém, basta-nos mencionar êste tópico, porque no campo
da percepção profunda, tanto a experimentação quanto a teoria ainda se encontram em
estado relativamente primitivo.

Nos parágrafos anteriores, insisti, de certo modo, sôbre o fato de que a organização
sensorial constitui uma realização característica do sistema nervoso. Tornou-se necessário
ressaltar tal coisa porque certos autores parecem pensar que, de acôrdo com a Psicologia da
Gestalt, as “Gestalten”, isto é, entidades isoladas, existem fora do organismo e limitam-se
a estender-se ou projetar-se no sistema nervoso. Êste ponto de vista, deve ficar bem claro, é
inteiramente errôneo.

Uma vez bem esclarecido êste ponto, contudo, podemos, naturalmente, indagar até
onde a organização sensorial tem valor objetivo embora seja uma realização do sistema
nervoso. Entre os objetos físicos que estão em tôrno de nós e nossos olhos, as ondas
luminosas constituem o único meio de comunicação. Não há organização entre êstes
estímulos; a formação de unidades específicas ocorre na função neural. Apesar disso, sob
alguns aspectos os resultados da organização podem- nos revelar mais acêrca do mundo
que nos rodeia do que as ondas de luz podem fazê-lo. Nem sempre aprendemos tanto mais
a respeito de um objeto quanto mais próximo estejamos dêle. Assim, por exemplo, quando
se coloca uma lente entre um objeto brilhante e uma tela, a imagem do objeto na tela não
assume o estado ótimo de seu brilho, quando a tela é colocada tão perto quanto possível da
lente (e, portanto, do objeto). A certa distância, a projeção nos revela mais coisas
5 Um capitulo de Die phpsischen Gestalten in Rulie un4 Im stationaren Zustand. tem o
titulo: “Denn was innen, das lst aussen”. Talvez estas palavras de Goethe tenha
produzido o mal-entendido, O título refere-se à tese do isomorfismO psicológico, isto
é. à semelhança entre a experiência sensorial e os processos fisiológicos que a
acompanham. Não pode ser aplicado às relações entre tais processos e o ambiente
físico.

acêrca do objeto do que mais perto. Do mesmo modo, a organização sensorial pode
apresentar-nos uma imagem mais correta do mundo do que o fazem as ondas luminosas,
embora estas ondas sejam as únicas mensagens que nos vêm dos objetos, e embora a
organização sensorial sàmente ocorra após a chegada das ondas.
As ondas luminosas, repito, não contêm, em si mesmas, a menor indicação do fato de serem
algumas refletidas por partes de um objeto físico e outras pelos objetos colocados em tôrno
dêle. Cada elemento de uma superfície física reflete a luz independentemente, e, a êsse
respeito, dois elementos da superfície de um objeto, tais como, por exemplo, um carneiro,
não estão mais relacionados um com o outro do que um dêles com um elemento superficial
das proximidades do animal. Assim, na luz refletida, não é deixado traço das unidades que
realmente existem no mundo físico. Na realidade, as propriedades refrativas de nossos
olhos fazem as ondas que vêm de um determinado ponto do mundo externo convergir para
um ponto único da retina. Além disso, as relações geométricas entre os vários pontos da
superfície de um objeto são, em grande parte, repetidas na projeção retiniana. Ao mesmo
tempo, porém, cada estímulo local atua independentemente. Em conseqüência, no que diz
respeito ao estímulo retiniano, não há organização, nem isolamento de unidades ou grupos
específicos. Isto é verdade, apesar do fato de, na retina, um objeto coitínuo, tal como o
carneiro, ser representado por uma área igualmente contínua, a imagem do carneiro, pois,
em função do estímulo, os elementos desta zona são funcionalmente tão independentes um
do outro quanto é um elemento situado fora da imagem. Em Psicologia, somos
freqüentemente advertidos contra o êrro do estímulo, isto é, contra o perigo de
confundirmos nosso conhecimento acêrca das condições físicas da experiência sensorial
com essa experiência em si mesma. Há, na minha opinião, outro êrro igualmente funesto,
para o qual sugiro o nome de êrro de experiência. Êste êrro ocorre quando certas
características da experiência sensorial são inadvertidamente atribuídas ao mosaico dos
estímulos. Naturalmente, o engano é mais freqüente no caso de fatos sensoriais muito
comuns, em função dos quais nos mostramos inclinados a raciocinar sôbre quase tudo, e é
mais persistente enquanto qualquer problema abrangido por êstes fatos permanecer de todo
irreconhecível. Os fisiologistas e psicólogos costumam referir-se ao processo retiniano que
corresponde a um objeto, embora o estímulo no interior da zona retiniana do objeto
constitua uma unidade isolada. No entanto, êsses cientistas não podem deixar de
compreender que os estímulos formam um mosaico de fenômenos locais inteiramente
independentes.

Logo que isto é plenamente reconhecido, torna-se aparente o enorme valor biológico
da organizaão sensorial. Vimos que essa organização tem a tendência de apresentar
resultados que estão de acôrdo com as entidades do mundo físico, tais como se acham
presentes na ocasião; em outras palavras: aquela “identidade de classe” na experiência
senSorial combina com a “existência da unidade” no sentido físico, e o isolamento no campo sensorial com a
separação do ponto de vista da Física. Assim, em inúmeros exemplos, organização sensorial significa
reconstrução dos aspectos de situações físicas perdidos nas mensagens ondulatórias que penetram na retina. É
bem verdade que a organização freqüentemente forma conjuntos contínuos e grupos de membros separados,
quando não existem unidades físicas correspondentes. Quando, porém, postos em contraste com o grande
número de casos em que a organização apresenta um quadro de fatos objetivos, essa desvantagem será, com
razão, considerada como desprezível. Se o campo sensorial consistisse de partículas sensoriais mútuamente
independentes, seria uma tarefa difícil para o homem orientar-se em tal ambiente. Partindo-se dêste ponto de
vista, não seria exagêro dizer-se que a organização sensorial é, biolàgicamente, muito mais importante do que
as qualidades sensoríaís particulares que aparecem nos campos visuais. As pessoas daltônicas são
perfeitamente capazes, de um modo geral, de se haver com o ambiente, embora sua experiência visual tenha
menos matizes do que a de outras pessoas. No que diz respeito a semelhanças e diferenças pràticamente
importantes entre os estímulos, seu defeito não constitui um empecilho muito sério. As diferenças de matiz
são, habitualmente, acompanhadas de diferenças de brilho; em via de regra, as últimas são suficientes para
estabelecer a organização do campo de que depende principalmente nosso comportamento.
A organização não é menos importante para a observação científica do que o é para a vida prática. No
capítulo 1, vimos que a experiência sensorial do físico constitui uma única matéria-prima. Podemos, agora,
acrescentar que essa experiência lhe é importante principalmente no que diz respeito à amplitude de sua
organízação. O sistema investigado pelo físico, seus aparelhos, sua escala, o ponteiro, etc. constituem, sem
exceção, entidades isoladas em seu campo visual. Se não lhes fôssem oferecidas, como tais, coisas
específicas, seriam de todo impossíveis as pesquisas na Física. Quando os partidários do behaviorismo nos
aconselham a partir das ciências naturais, esquecem-se sempre de mencionar êsse aspecto do “método
objetivo”. É injustificável. Mesmo se ignorarmos a experiência visual e considerarmos a observação física
como uma série de fenômenos puramente fisiológicos do físico, temos de reconhecer que êsses fenômenos
são organizados e que as pesquisas sômente se tornam possíveis devido à sua organização.
Agora será fácil, também, compreender porque a fórmula estímulo- reação, que se mostra a princípio tão
atraente, é, na realidade, de todo enganosa. De fato, ela até agora sàmente pareceu aceitável porque o
behavíorismo emprega a palavra “estímulo” de maneira imprecisa. Nos capítulos 3 e 4, vimos que, quando a
expressão é tomada em seu sentido rigoroso, não é geralmente “um estímulo” que provoca uma reação. Na
visão, por exemplo, a tendência do organismo é no sentido de reagir a milhões de estímulos imediatamente, e
a primeira fase dessa reação é a organização dentro de um campo adequadamente amplo. Em muitos casos, começam
bem cedo as reações sôbre ds órgãos motores, porém muitas vêzes mesmo a primeira dessas reações depende da
organização do campo, quando êste surge oportunamente. Vejamos, como exemplo, os movimentos dos olhos. As leis dos
movimentos oculares, visual- mente determinados, referem-se aos limites das entidades isoladas, à localização dessas
entidades no campo, etc. Além dos movimentos oculares, as ações de um homem são habitualmente relacionados com um
campo bem estruturado, na maior parte das vêzes a unidades-coisas particulares. A forma psicológica correta é a seguinte,
portanto: modêlo de estímulo — organização — reação aos produtos da organização. Estas operações do sistema
nervoso de modo algum se restringem a processos primitivos locais; não se trata de uma caixa em que sejam ajuntados de
algum modo condutores com funções separadas. Reagem à situação, primeiro por fenômnos sensoriais dinâmicos que lhes
são peculiares, como sistema, isto é, pela organização, e depois pelo comportamento que depende dos resultados da
organização. Suponhamos que, em determinada parte de uma fábrica, seja produzido, por meio de seus elementos, o
HNO3 e que, em outra parte da fábrica, o ácido seja empregado para dissolver prata; seria lícito dizer que a prata reage ao
nitrogênio, hidrogênio e oxigênio? Certamente tal afirmação seria inteiramente errada, pois o que sucede com a prata
depende da organização química do ácido e não pode ser considerada como reação àqueles elementos ou à sua soma. Do
mesmo modo, não devemos falar do comportamento como se fôsse uma reação a “um estímulo” ou a “alguns estímulos”.
A última expressão é, também, pelo menos ambígua, porque pode significar que o comportamento em questão resulta de
vários estímulos que atuam ao mesmo tempo e independentemente
Certa vez, procurei convencer um adepto do behaviorismo de que, quando, falando a respeito de uma ave macho, referia-
se à fêmea como “um estímulo”, ignorava êle os problemas e fatos da organização. Todos os meus esforços foram inúteis.
Embora (ou porque) êle considerasse a experiência sensorial como algo destituído de qualquer interêsse para a Psicologia,
cometia o êrro de experiência de maneira tão persistente que não podia perceber porque a fêmea não devia ser chamada
de “um estímulo”. Quantas vêzes “um rato”, “uma porta”, “o experimentador”, etc, são chamados de “estímulos”! A
expressão pode ser inofensiva quando é usada como abreviação por aquêles que se acham perfeitamente conscientes do
problema de organização. Quando, porém, autores que ainda não aprenderam a evitar o êrro de experiência usam o mesmo
têrmo, as conseqüências poderão ser nefastas. Tais pessoas poderão ignorar para sempre o que se entende por organização.

Salientei há pouco que, estabelecendo suas entidades específicas com seus limites, a organização sensorial é levada a
produzir resultados que estão de acôrdo com a verdadeira disposiç0 da situação física determinada. Como pode isso
acontecer se as ondas luminosas colocadas entre os objetos físicos e os olhos são fenômenos reciprocamente
independentes? Ë claro que, na transmissão da luz, deve ser preservada alguma coisa que contribui, no
conjunto, para a organização adequada. Embora os estímulos locais sejam mituamente independentes, êles
apresentam relações formais tais como as de proximidade e semelhança. A êsse respeito, os estímulos copiam
relações formais correspondentes, entre os elementos superficiais dos objetos físicos. Essas relações formais
nos objetos físicos são preservadas como relações correspondentes entre os estímulos e, como a organização
depende dos últimos, também deve depender dos primeiros.

O fato de a organização depender de relações entre os estímulos locais deixa bem claro que a
organização sensorial não pode ser compreendida em função dos processos locais em si mesmos. Fatos locais
independentes são inteiramente indiferentes a quaisquer relações formais que possam ser obtidas entre êles.
Por outro lado, não temos dificuldade em compreender o papel que tais relações desempenham na
organização, se presumimos que a organização de campos sensoriais exibe a auto- distribuição de processos
em áreas correspondentes do cérebro. A auto- distribuição dinâmica manifesta-se pela interação entre os
fenômenos locais, mas já vimos que em tôdas as partes da Física as interações dependem das “condições-em-
relação” tais como são dadas nas várias partes de um sistema (c/. cap. III). Como o mesmo se dá com as
organizações visuais, temos todo motivo para acreditar que a organização resulta da autodistribuição de certos
processos no setor visual do cérebro. Na realidade, um estudo cuidadoso da organização pode, mais cedo ou
mais tarde, revelar-nos bem especificamente que processos físicos se distribuem no córtex visual.
Alguns críticos afirmam que a Psicologia da Gestalt repete a palavra “conjunto” (Whole) constantemente, que
despreza a existência das partes dos conjuntos e que não mostra respeito pelo mais útil dos processos
científicos, que é a análise. Nenhuma afirmação pode ser mais falsa. Quando nos referimos à organização,
verificamos ser necessário referir-nos ao isolamento, como à unificação. Também na Física a inter-relação
dentro de um campo é perfeitamente compatível com o isolamento relativo. Lembramos como o óleo
colocado sôbre outro liquido mantém sua existência como unidade, embora na superfície comum sejam
intensas as inter-relações dinâmicas. Em Psicologia, podemos chegar até o ponto de afirmar que uma das
principais tarefas da Psicologia da Gestalt consiste em indicar as partes dos todos legítimas e não fictícias.
Tôdas as coisas visuais são partes legítimas dos campos em que ocorrem, e a maior parte das coisas tem
também partes subordinadas. Os próprios princípios de organização dizem respeito ao isolamento de tais
partes tanto quanto ao seu caráter unitário. A análise em função de partes legítimas é um processo
perfeitamente lícito e necessário na Psicologia da Gestalt. Naturalmente, também é mais fecunda do que
qualquer análise de sensações locais que, em si mesmas, não são certamente partes legítimas de situações
visuais.
Cabe aqui uma observação a respeito de outra espécie de análise. Posso aceitar e descrever um campo
sensorial precisamente como o encontro diante de mim. Tal descrição abrange a análise no sentido que acabei
de definir. Posso, contudo, adotar uma atitude especial com referência ao campo, de modo que uma parte de
seu conteúdo seja salientada, ao passo que outras sejam mais ou menos suprimidas. Às vêzes, tal atitude dá
origem a uma mudança de organização. De acôrdo com a Psicologia da Gestalt, uma análise dessa natureza
corresponde a uma verdadeira transformação de determinados fatos sensoriais em outros (cf. Capítulo 4).
Uma atitude analítica não é a única pela qual pode produzir-se uma mudança de organização. Enquanto
pomos em evidência certos membros de um campo, podemos intencionalmente mantê-los juntos e favorecer,
assim, uma espécie particular de unificação. Qualquer mudança de organização que seja produzida dêsse
modo, constitui também uma real transformação de fatos sensoriajs.
De acôrdo com a Psicologia da Gestalt, tal atitude do sujeito está associada a uma pressão a que estão sujeitos
os processos do campo sensorial. Até certo ponto, a organização do campo pode curvar-se a essa pressão. A
Fig. 7, por exemplo, é vista normalmente como uma forma simétrica. Pondo em evidência as linhas marcadas
“a” e mantendo-as juntas, podemos, contudo, durante momentos, ver a Fig. 7a, ficando mais ou menos
ignoradas as linhas assinaladas com “b”. Pela mesma forma pode-se dar preferência às linhas assinaladas com
a letra e assim isolar a Fig. 7b. Essas mudanças, que realmente influen Cia ciam a situação sensorial, tornam-
se particularmente aperentes se fôr considerado o ponto que é o centro objetivo da Fig. 7. Quando as linhas
“a” são favorecidas, de maneira que resulte a Fig. 7a, o ponto é deslocado para a direita, como também o é,
naturalmente, quando as linhas assinaladas com “b” não são desenhadas, O ponto desloca-se para a esquerda,
quando destacamos a Fig 7b.

FIG. 7h

Em alguns casos, a organização sensorial parece mudar espontâneamente, isto é, na ausência de qualquer
influência externa, simplesmente porque os processos que impregnam determinadas partes do sistema nervoso
por algum tempo, são susceptíveis de alterar a condição do tecido em questão. Sabemos que o mesmo
acontece em células eletrolíticas, nas quais a corrente polariza os elétrodos e, em conseqüência, estabelece
fôrças opostas à sua própria continuação. A Fig. 8

a organização torna-se quase tão estável quanto era a princípio. Ëste fato pode ser considerado como prova
para se presumir que os processos organizados realmente alteram as condições de seu próprio meio e que êste
fato é responsável pela inversão,6

8 Depois de escritas estas palavras ficou demonstrado que oa fatos aqui cU8cuti. dos são muito mais importantes do que se julgava naquela ocasião.
O exame prolongado de qualquer objeto Visual especial leva é mudança de sua organização Além disso, outros objetos que são depois mostrados na
mesma região do campo também são afetados, isto é, deslocados ou deformados Cf. J. J. Gibson, J. of Exper. Psycjoj,, 16, 1933; W. Khler Dynamjcs
in Psycliology 1940; também w. Kiihler e H. Wallach, ‘Tigural After.Effects An Investigation of Visual Process”. Proc. Ame,’, Phi1o. Soe., 83, 1944,

BIBLIOGRAFIA

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M. Werthejmer: “Untersuchungen zur Lehre von der Gestalt, II”. Py. chol. Forshch. 4, 1923.

mostra um objeto formado por três estreitos setores. Depois, porém, de olhar fixamente o centro da figura
durante algum tempo, a maior parte das pessoas verá outro desenho. Então, as linhas que, no primeiro objeto,
são comuns como limites de um estreito setor, são separadas e tornam-se os limites de setores maiores. Sem
dúvida alguma, a organização do modêlo alterou-se, e tende a alterar-se de nôvo, quando o sujeito olhar
primeiro os setores estreitos, depois os largos, alterna. damente. Se o sujeito olhar fixamente o centro durante
bastante tempo, o ritmo das alterações aumenta, pouco a pouco. Mas, se, então, o modêlo fôr girado no
espaço, de maneira que os setores ocupem novas posições,
100

/
FXG. 8

101

3 ZeitsClrr. 1. vergi. Plrysial., 7, 1928.

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