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As Crises da Razão e o

Conhecimento do Ser
Fundamentos de Psicologia
Universidade de Mogi das Cruzes - UMC
A razão
Até então foi dito que os filósofos da antiguidade clássica consideravam
a realidade como racional e possível de ser conhecida;

Outros filósofos afirmam que a razão é subjetiva, mas o ser humano,


sujeito do conhecimento e da ação é racional

Para outros, a filosofia é o momento do encontro, do acordo e da


harmonia entre as duas razões ou racionalidades (Chauí, 2000).
Os vários usos da palavra razão
Eu estou coberto de Fulano perdeu a
razão. razão.

O coração tem
Me diga: qual a
razões que a própria
razão de você fazer
razão desconhece.
isso.
“Entre razões e emoções a saída
As ciências É fazer valer a pena
manifestam o Se não agora, depois não importa
progresso da razão.
Por você, posso esperar...”
A origem da palavra razão
Duas fontes:
Latim – ratio
Grego – logos

Logos é o infinitivo do verbo legein, que significa contar, reunir, juntar,


calcular.

Ratio é o infinitivo do verbo reor, que significa contar, reunir, medir,


juntar, separar, calcular.
A origem da palavra razão
Logos ou ratio significam falar ou pensar ordenadamente, com medida
e proporção, com clareza e de modo compreensível.

Origem europeia e ocidental;

Ao longo da história a noção de razão sofreu várias crises.


A origem da palavra razão
Desde o começo da Filosofia, a origem da palavra razão fez com que ela
fosse considerada oposta a quatro outras atitudes mentais:

1 – Ao conhecimento ilusório – Um conhecimento da mera aparência


das coisas, não alcançando a verdade ou realidade delas, “superficial”;
2 – Às emoções, sentimentos, paixões;
3 – À crença religiosa;
4 – Ao êxtase místico;
Os princípios racionais
Desde o início da filosofia, se considera princípios pelos quais a razão
funciona

Princípio da identidade
Princípio da não contradição
Princípio do terceiro excluído
Princípio da razão suficiente
Princípio da identidade

=
Princípio da não contradição
“A é A e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, não-A”

É impossível

=
Princípio do terceiro excluído
“Ou A é x ou é y e não há terceira possibilidade”

= ou =
Princípio da razão suficiente
Também chamado princípio da causalidade.
Tudo acontece por uma razão;

“Dado A, necessariamente se dará B”.


“Dado B, necessariamente houve A”.
Os princípios racionais
São formas, não tem conteúdo em si;

Possuem validade universal;

São necessários;
Algumas crises dos princípios da
razão
Princípio da indeterminação: em uma escala hipermicroscópica não é
possível prever o movimento das partículas com precisão, nem saber
sua velocidade, direção ou os efeitos que produzirão;

Em uma escala macroscópica, os princípios da razão são válidos.

Mas em uma escala hipermicroscópica não. As coisas seguem outra


lógica.

Física quântica.
Algumas crises dos princípios da
razão
Teoria da relatividade: Leis da natureza dependem da posição do
observador.

O espaço e tempo para nós não é igual para outros sistemas planetários;
Algumas crises dos princípios da
razão
Estudos em antropologia mostram uma concepção diferente de
realidade;

Existe uma outra razão, que não foi considerada na noção concebida
pela sociedade ociedental;
Algumas crises dos princípios da
razão
Marx e a noção de ideologia
Elaboração intelectual incorporada pelo senso comum social;

Por meio dela, o ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das


classes sociais – a dominante – tornam-se o ponto de vista de toda a
sociedade, de modo que a razão pode ser um instrumento de
manipulação.
Algumas crises dos princípios da
razão
Freud e o inconsciente:
Não temos noção de tudo que se passa conosco
Alguns fatos da nossa vida não mantidos inacessíveis à nossa consciência

Geralmente são desejos e impulsos incapazes de serem satisfeitos;

Ora, então, além de nossos sentidos alterarem a percepção do mundo, não


conseguimos conscientemente lembrar de tudo que se passou na nossa vida?
Então podemos confiar na nossa razão?
A razão é inata ou adquirida?

Nascemos com uma capacidade inata para a razão ou


aprendemos com a experiência?

Inatismo X Empirismo
Inatismo
Platão (século IV a.C.)

Descartes (século XVII) – Esxistem ideias que não vem de nossa experiência
sensorial ou da fantasia, pois não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas nem
tivemos experiências com elas.
Ex.: ideia de infinito, princípios matemáticos
Tais ideias seriam como a “assinatura do Criador”
Empirismo
Nosso conhecimento começa com a experiência dos sentidos;
Que compõem a percepção.

Associamos as coisas por semelhança, e proximidade ou contiguidade espacial e


sucessão temporal.

Observamos essas coisas se repetirem.

E, por meio da razão, compreendemos relações de causa e efeito.


Problemas do inatismo e empirismo
Inatismo: a própria razão pode mudar o conteúdo de idéias ditas verdadeiras, ou
até mostrar que elas são falsas;
Empirismo: A ciência se torna uma ilusão da realidade

Problemas dessa natureza, a corrente filosófica do ceticismo afirma que a razão


humana é incapaz de conhecer a realidade e devem ser manifestadas dúvidas toda
vez que a razão tenha pretensão ao conhecimento verdadeiro do real.
Gottfried Wilhelm Leibniz
Verdades de razão – noções universais – inatas
Ex.: matemática: 2+2=4

Verdades de fato – dependem da experiência – adquiridas


Ex.: noção de “certo e errado”
Immanuel Kant
Revolução copernicana;

Estrutura da razão a priori;

A experiência fornece o conteúdo para ser organizado pela razão

O conhecimento é a posteriori.
Hegel

A razão é histórica;

Os fatos históricos são produtos da própria razão;

A história é a própria razão, buscando se conhecer;


Edmund Husserl
Razão como estrutura da consciência;

Conteúdos são construídos por ela mesma, independente da


experiência;

Mundo não é um conjunto de coisas, mas um conjunto de significações


ou sentidos;

Significações: universais e necessárias;


Teoria crítica
Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Max Horkheimer;

Orientação marxista;

Recusam a ideia de Hegel de que a história é obra da razão;

Os fatos históricos dependem de condições sociais, econômicas e


políticas;
Teoria crítica
Razão instrumental ou técnico-científica;
A serviço da exploração

Razão crítica;
Reflete sobre as contradições e os conflitos sociais e políticos;
Razão e realidade

Vejamos a seguir alguns exemplos de como a noção de razão e


realidade são conflitantes:
Ex.:

“[...]controle o sintoma e terá eliminado a neurose (Eysenck, 1960)”.

Será que apenas eliminar o chamado “sintoma basta??


Observemos este caso:

Tratava-se de um jovem biólogo, com grau de doutor, que recentemente


havia desenvolvido, sem causa orgânica aparente para justificá-la, uma
cegueira supostamente histérica e havia perdido o seu cargo de professor
universitário. O terapeuta construiu um aparelho de laboratório com o
qual o paciente deveria fazer discriminações visuais grosseiras, recebendo
choques elétricos no caso de não realizá-las. Conforme o paciente ia
demonstrando maior efetividade na realização dos problemas de
discriminação que lhe eram apresentados, os mesmos tornavam-se cada
vez mais complexos e sutis, até que o paciente apresentou uma
discriminação visual considerada normal.
Contudo, o paciente não conseguia levar uma vida normal.

Acontece que ele tinha uma questão associada à ansiedade, relacionada ao novo
emprego.

Ele também apresentava dificuldades de aprendizagem.

O terapeuta, então, precisou rever seus métodos, que estavam de acordo com a
dita “racionalidade científica” da época.
Ex.: Racismo
Ideologia de abrangência ampla, complexa, sistêmica, violenta, que
penetra e participa da cultura, da política, da economia, da ética,...,
enfim, da vida subjetiva, vincular, social e institucional das pessoas (CFP,
2017).

Crença de raças inferiores e superiores;


Dimensão histórica
Brasil – último país da América a abolir a escravização (1888);

Deportação de cerca de 6 milhões de negros da África Subsaariana;

Últimas décadas do escravismo: temos por parte da elite de que negros tivessem
terras. Com isso, foram aplicadas duas estratégias:
Importação e adaptação de teorias racistas da Europa
Imigração maciça de brancos europeus;
Teorias Racialistas
Teorias elaboradas na Europa a partir do Século XIX;
Racismo científico;

Darwinismo social – deu origem ao pensamento monogenista e poligenista.

Monogenismo – “Alguns grupos humanos que evoluíram mais do que outros”.


Poligenismo – “Humanos se dividem em subespécies – raças superiores e inferiores”.
Teorias Racialistas
Sílvio Romero (1851 – 1914) – defensor da concepção
monogenista, acreditava que a miscigenação levaria à
“purificação racial”.
Em um futuro próximo, teria no Brasil uma maioria de pessoas
brancas, que ele chamava de “civilizados”.

“Povo que descendemos de um estragado e corrupto ramo da


velha raça latina, a que juntara-se o concurso das velhas raças
mais degradadas do globo, os negros da costa e os peles-
vermelhas da América, nós ainda não nos distinguimos por uma
só qualidade digna de apreço [. . .] O servilismo do negro, a
preguiça do índio e o gênio tacanho e autoritário do português
produziram uma nação informe, sem qualidades fecundas e
originais”. (Romero, 1977, p. 266)
Teorias Racialistas
Raimundo Nina Rodrigues (1933 – 2008) – Defensor do
poligenismo;

Médico e antropólogo
Obras com um discurso cientificista;

Repúdio à miscigenação;
Considerava o mestiço um “degenerado”, já que o negro
era uma raça inferior;
Teorias racialistas
Pressupostos:

I. A crença na existência da raça biológica,


II. A predominância do grupo sobre o sujeito,
III. A hierarquia irreversível superiores e inferiores.
Racismo reverso – Isso existe?
O termo racismo reverso usado para se referir à experiência do branco
em relação à pessoas negras é um erro conceitual;

Para haver racismo, é necessário uma hierarquia histórica entre as raças;


Um negra mais rico que um branco (exceção) não desmantela o racismo;

Uma reação da pessoa que passou por diversas situações de racismo é


um mecanismo de defesa psíquica;
Escalonamento dentro do grupo racial negro
Existe uma divisão com base na cor da pele preta desde o escravismo;

Formas de manter o escravismo;

Preferências ao oferecer alforrias- Mulheres, pardos, nascidos no Brasil,


escravizados urbanos;

Termo pardo usado como forma de negação da negritude;

Estratégia do racismo dividir e subdividir o grupo racial negro.


Mito da democracia racial
Últimas décadas do escravismo – políticas imigratórias;
Lei 601 de 1850 - Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são
possuídas por titulo de sesmaria sem preenchimento das condições legais. bem
como por simples titulo de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e
demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo oneroso, assim para empresas
particulares, como para o estabelecimento de colonias de nacionaes e de
extrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonisação extrangeira na forma
que se declara.

Concessão de terras públicas e facilitação de título de propriedade para


estrangeiros.
Mito da democracia racial
Após isso, veio a abolição da escravização, o que afetou a vida material,
por falta de políticas reparadoras;

Ainda assim, a elite nacional busca afetar psicologicamente o(a)


negro(a).

A partir da década de 1930, o discurso ideológico de


embranquecimento de Romero e Nina Rodrigues foi rearranjado pelo
discurso de democracia racial
Mito da democracia racial
Gilberto Freyre (1900 – 1987) – Sociólogo, antropólogo, historiador,
jornalista;

Rechaçava o discurso de embranquecimento


Casa Grande e Senzala (1933);
Miscigenação no Brasil combinação das heranças genéticas de povos
europeus, indígenas e africanos como o positivo na nação (Marcussi,
2013);

Descreve as relações escravistas como harmônicas;


Mito da democracia racial
Não existem atritos severos entre brancos e negros no Brasil;

O país é um paraíso racial;

Representações de que não existe racismo no brasil, por ser um país


“miscigenado” mantém uma lógica social excludente;
População Carcerária

DEPEN, 2014
Educação e renda
68,6% dos cargos gerenciais ocupados por brancos.
29,9% ocupados por pretos ou pardos.

Brancos Pretos e pardos


Inferior a US$ 5,50/dia 15,4% 32,9%
Inferior a US$ 1,90/dia 3,6% 8,8%

IBGE, 2018
Representação política

IBGE, 2018
Violência
Mortos por 100 mil habitantes de 15 a 29 anos:

Brancos: 34,0
Pretos e pardos: 98,5

IBGE, 2018
População universitária
Rede pública:
50,3% pretos e pardos
49,7% brancos

Rede privada:
46,6% pretos e pardos
53,4% brancos
IBGE, 2018
Racismo institucional
Termo cunhado pelos membros do grupo Panteras Negras, Stokely
Carmichael e Charles Hamilton, em 1967;

Nível político-programático das instituições;

Prática marcada por tratamento diferenciado, desigual;


Racismo institucional
Paixão & Carvano (2008) – Dois “Brasis”.

Brasileiros brancos vivem em um Brasil com IDH médio equivalente à 44ª melhor
posição do mundo;

Brasileiros negros vivem em um Brasil onde o IDH médio é equivalente ao 104º


lugar;
Racismo Institucional
Tavares, Oliveira e Lages (2013) partem da definição de que racismo
institucional é a incapacidade coletiva de prover um serviço adequado
para pessoas por causa de sua cor, cultura ou etnia. Ele aparece como
preconceito não intencional, ignorância, desatenção a características
dessa população e estereótipos racistas.
Racismo Institucional
Exemplos:
Sub-representação de pessoas negras em cargos de poder formal;
Políticas de Saúde que não levam em consideração doenças mais prevalentes em
pessoas negras;
Políticas educacionais – apagamento de pessoas negras relevantes na história do
país;
Manutenção da cultura negra como folclore;
Políticas do ensino superior;
Padrões de beleza;
Referências
Chaui, M. (2000). Convite à filosofia. Pp. 69 – 109;

Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas – CREPOP


(2017). Referências técnicas para a atuação de psicólogas(os) em relações
raciais.

Caballo (1996). Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do


Comportamento.

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