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Sociedade-Natureza
Material Teórico
O conceito de natureza na antiguidade
Revisão Textual:
Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin
O conceito de natureza na antiguidade
• Introdução
• O Conceito de Natureza: Origem e Diversidade
• A Natureza no Pensamento Primitivo
• A Natureza na Antiguidade Clássica
• Os Fenômenos Físicos no Pensamento de Platão
• Aristóteles e a Natureza “Para Nós”
Neste módulo, em que trataremos do conceito de natureza na Antiguidade, você terá acesso
a diversos recursos.
Fique atento aos prazos das atividades que serão colocadas no ar.
Recorra, sempre que possível, às videoaulas e ao PowerPoint narrado para tirar eventuais
dúvidas sobre o conteúdo textual.
Participe do fórum de discussão proposto para o tema.
No seu tempo livre, procure pesquisar as fontes do material complementar.
Além disso, procure pesquisar o máximo que puder sobre o tema “O conceito de natureza
na Antiguidade”.
Há inúmeros conteúdos na internet que são bastante úteis para o seu estudo e para a sua
formação profissional.
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
Contextualização
Leia o trecho a seguir. Ele tem a finalidade de ilustrar o tema tratado nesta Unidade:
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Introdução
O ponto de partida deste conteúdo, como o próprio nome da Disciplina indica, é discutir
as bases nas quais, dentro da tradição do pensamento geográfico, a relação entre a sociedade
e a natureza é recorrentemente definida como o objeto da Geografia, em especial aquela que
se ensina. Assim:
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Atópico, adjetivo – fora de lugar, deslocado, estranho. Etimologia – a –
‘negação, privação’ + -tópico; cf. gr. átopos, os, on ‘que não está no seu
Glossário lugar’, donde ‘de natureza extraordinária, estranho, insólito’.
Inspirados no trecho anterior, a partir de agora, vamos edificar a nossa própria noção ou
significado de natureza na Geografia e consolidar a ideia de que o que chamamos de natureza
é um conceito de natureza.
Outro ponto bastante relevante a ser discutido no conteúdo desta Disciplina são as visões
acerca da relação sujeito-objeto na Ciência. Como exemplo da opção pelo caminho a ser
trilhado aqui e que vai ao encontro das considerações feitas acima, leia o fragmento de Marilena
Chaui (1991) sobre a relação sujeito-objeto, disponível na contextualização desta Unidade.
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
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A Natureza no Pensamento Primitivo
Entre as diversas concepções sobre a ideia de natureza, há quem defenda a tese de que a
evolução do pensamento humano em relação à natureza vem de uma condição primitiva, na
qual prevalecem as concepções míticas, sacras ou sobrenaturais, passando por um estágio
pré-racional ou pré-científico, atingindo, por fim, um nível de superioridade ou concepção
totalmente científico ou racional de natureza.
Por outro lado, necessitamos levar em conta dois aspectos que contradizem a visão linear
proposta acima, pois, se de um lado, as sociedades não evoluem ao mesmo tempo e no mesmo
ritmo, de outro, as próprias concepções científicas atuais de linha mecanicistas, quantitativistas
e deterministas contendo práticas metafísicas, podem, todas elas, abrigar representações
primitivas de natureza.
O que queremos dizer com isto é que, apesar de todas as tentativas de superação das
noções primitivistas da condição humana atual, em particular no trabalho feito pelo pensador
cristão David Hume em “História natural das religiões”, em 1757, como exemplo de tentativa
de desmitificação das crenças primitivas, os temores, ansiedades e superstições primordiais,
projetados na natureza pelos nossos antepassados mais distantes, sobrevivem no estado de
tensões latentes no inconsciente, emergindo daí e se manifestando nas neuroses ou doenças
mentais (CASINI, 1987).
Voltemos ao pensamento primitivo sobre a natureza.
Nas visões primitivas, ou cosmogônicas, de natureza não há distinção entre o que é
percebido como natural e como sobrenatural. Esta distinção somente será incorporada ao
pensamento humano bem mais à frente, quando as sociedades estabelecem diferenças entre
as experiências conhecidas e aquelas que se mantêm desconhecidas.
Nas culturas mais antigas, ocorre uma verdadeira simbiose entre as emoções humanas e
os fenômenos naturais, aos quais são atribuídas as “forças” superiores reguladoras do ritmo
das coisas. A ligação entre o homem e a natureza é mediada pelas necessidades vitais ou
fundamentais à sobrevivência.
Não há verdadeiramente um prazer em ir à floresta, ao mar ou ao rio para colher os recursos
básicos. Há apenas e tão somente a necessidade, e uma mistura de repulsa e simpatia.
Em praticamente todas as culturas primitivas, o acesso aos recursos existentes na natureza
é precedido de cerimônias de adoração, veneração e demonstração de respeito ou de
reconhecimento de inferioridade em relação à natureza. Aí podemos reconhecer, também,
a propriedade que a natureza carrega de prover o homem daquilo que ele necessita para sua
sobrevivência e, ao mesmo tempo, do que trataremos mais à frente com relação à concepção
finalista que crê na natureza como algo criado para usufruto do homem.
Aí está a origem do papel do sagrado ou sacro atribuído à natureza, ou seja, algo que se
deve, ao mesmo tempo, adorar e temer, dada a sua superioridade misteriosa. Na cultura da
Oceania, segundo Casini (1987), o “mana” é o mistério sacro que permeia tudo o que existe
e é considerado extraordinário, ou seja, ao mesmo tempo natural e sobrenatural.
Na cultura andina, a “pachamama” é a entidade que provê a terra de fertilidade, faz a água
transitar entre o mar, o subsolo, os rios e o Lago Titicaca, onde teria gerado os primeiros
incas, então considerados descendentes diretos desta entidade (KÖLBL-EBERT, 2009).
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
É neste ponto que a falta de uma racionalidade que separe as duas coisas gera a nossa
noção de tabu. Em termos gerais, o tabu representa o que é (dada a sua condição misteriosa
e superior) considerado intocável, inalcançável, inacessível e, por este motivo, devendo ser
deixado em estado de suspeição permanente.
Todas estas práticas primitivas que persistem ainda hoje, quando observadas e percebidas de
forma autocêntrica pelos europeus, foram tratadas de forma estigmatizada. As reverências aos
fenômenos misteriosos nas culturas tradicionais foram traduzidas como práticas idólatras, ou
seja, adoradoras de objetos materiais naturais ou manufaturados que, para um cristão europeu
do Renascimento em diante, era visto como resultado da prática de feitiçaria, do termo original
em latim factitius, que culmina na definição mais moderna de feiticismo ou fetichismo:
Não menos importante como parte da construção primitiva de natureza e que persiste nos
nossos dias é a capacidade que a humanidade tem de atribuir poderes aos fenômenos naturais.
Conservando os desígnios ou fins que os objetos da natureza guardam, os poderes têm a ver
com a perspectiva humana. O fogo é percebido como um elemento purificador. A chama
acesa simboliza a geração, a continuidade da vida ou da família, o amor divino e, de forma
mais geral, a expiração dos pecados e a consumação dos projetos de vida. Os fenômenos
geológicos, rochas, minerais e as montanhas têm poderes plásticos. Já os rios e as plantas têm
poderes associados às necessidades vitais e imediatas.
Para Heggen (2012), no âmbito mais global, o ciclo das águas já foi visto como fruto da
transmutação dos seus estados físicos. Como resultado do mito das artérias terrestres, movido
por um coração bombeando água dos oceanos para a superfície podendo, então, servir aos
seres vivos, como ocorre similarmente às artérias do corpo humano. A água corrente já foi
comparada ao trato urinário, neste caso a água, após circular pelo interior da terra é expelida
pelas fontes, como que encerrando o metabolismo do Planeta.
O modelo que defende a associação do fluxo subterrâneo à metáfora da videira entende que,
da mesma forma como as raízes das plantas buscam a umidade no subsolo, a água entraria
pelas ramificações mais profundas da terra até ser despejada pelas fontes. No imaginário
da Antiguidade clássica, a assimetria existente entre mar e terra posicionava esta última no
centro do Universo, encontrando-se, surpreendentemente, acima do nível do mar. Uma ação
planejada e executada pelo criador para que os seres vivos pudessem existir.
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O mito sobre o peso do mar afirma que, por meio da pressão dos oceanos, as águas são
empurradas para cima e brotam da terra firme. Para uns, os terremotos produziriam as fontes,
para outros, seriam os sistemas de sifonamentos da água do mar que produziam jorros d’água
nas fontes temporárias.
Houve quem afirmasse que o calor do interior da Terra era responsável pela emergência
das águas das fontes, princípio esse deduzido a partir da observação do Sol que condensa as
nuvens e, consequentemente, produz a chuva.
No modelo que defende o movimento capilar, a água sobe do mar ao topo das montanhas
num movimento antigravitacional fornecido pela mente superior; as águas subterrâneas
movem-se por diferença de pressão entre o mar e a terra. Na tese pneumática, a água sobe à
terra e sai pelas fontes devido aos ventos subterrâneos.
Já o modelo compressivo afirma que a Terra, tal qual uma esponja, sempre está embebida
de água, porém, como sofre compressão constante, expele a água de suas entranhas através
das fontes. Na visão primitiva de natureza, que alcança até a Antiguidade, era inconcebível que
o volume de água dos rios pudesse ser abastecido exclusivamente pela chuva.
A tese eletromagnética afiança que, da mesma forma que a interação das forças
eletromagnéticas da Terra e da Lua produzem o efeito da maré, as águas subterrâneas também
têm seu fluxo orientado por essa força. Sem contar a crença mítica de que as fontes, os rios e
o mar são divindades femininas e, portanto, com atribuições ligadas à origem ou regeneração
da vida. A água foi um incrível manancial de ideias para a humanidade.
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
Por sua vez, Anaximandro (610 - 547 Figura 1. Representação da Terra na antiguidade grega.
a.C.) é considerado o primeiro a conceber a
Terra fixa e centrada em um sistema que tem
a Lua, o Sol e os outros planetas girando
ao seu redor (Figura 1). Ele é considerado o
criador do sistema geocêntrico, válido até o
início do século XVI.
Anaximandro também fez diversas
observações atmosféricas e geológicas, sendo
ele o primeiro a sugerir a ciclicidade dos
fenômenos naturais. A ele também é creditado o
pioneirismo no emprego do vocábulo “arqueo”
quando se referia às coisas identificadas por ele
como “infinitas” e “divinas”. Fonte: henry-davis.com
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Diferentemente dos seus pares, Heráclito crê que a origem das coisas está no fogo. Ela
incorpora a ideia de ciclo ao postular que o fogo vive a morte da terra; o ar vive a morte do
fogo; a água vive a morte do ar e a terra vive a morte da água, ou seja, para ele, os quatro
elementos estão permanentemente sujeitos a ciclos duplos. Quer seja: pela via descendente (ou
condensação), na qual temos fogo → água → gelo → terra; ou via ascendente (ou rarefação),
na qual temos: terra → gelo → água → fogo (CASINI, 1987).
Segundo Heráclito, o fogo tem um papel decisivo nos processos naturais, sendo o elemento de
todas as coisas e estas sendo mutações do fogo, seja por rarefação ou por condensação. Em síntese,
Heráclito crê que a realidade é dinâmica, isto é, os corpos transformam-se, constantemente, em
outros em um processo contínuo e eterno de mudanças no sentido do progresso ou da evolução.
Observar os fenômenos é observar o devir (vir a ser eterno) da natureza.
A frase mais conhecida de Heráclito que expressa a sua forma de ver a natureza como um
devir é: “Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre
sobre ti” (SOUZA, 1996, p. 25).
O que ele quer dizer com esta alegoria é que a experiência do sujeito com o objeto é única,
pois, a partir da primeira, tanto o sujeito como o objeto mudam um ao outro.
Foi Empédocles de Agrigento (490 - 430 a. C.) o autor de uma tese que vai determinar o
ordenamento do pensamento da Antiguidade em torno da ideia dos quatro elementos (água,
ar, terra e fogo), todos regidos por duas forças opostas: o amor, que une, e a disputa, que
separa. Para ele, a natureza consiste em uma combinação dos quatro elementos em diferentes
proporções. Empédocles também era partidário da ideia de ciclo e de mutabilidade aplicada à
natureza, pois, para ele, quando um animal ou planta morre, seus elementos se separam e se
recombinam para formar outro ser.
A ideia de que os corpos são formados por partes é um dos pilares das investigações
especulativas dos pré-socráticos. Anaxágoras de Clazômenas (500 - 428 a. C.), por exemplo,
afirmava que a natureza é formada por partículas invisíveis a olho nu. Essas partículas, às quais
ele denomina “germens”, combinam-se em quantidades e qualidades distintas para formar a
diversidade de coisas existentes.
Um dos pensadores mais relevantes entre os pré-socráticos é Demócrito de Abdera (460
- 370 a. C.), discípulo de Leucipo (? – 420 a. C.). Aquele é considerado um dos pioneiros
do pensamento atomista da Antiguidade clássica. Demócrito defende que todas as coisas são
resultantes de infinidades de “átomos” eternos e imutáveis (indivisíveis). Para ele, a formação
dos corpos se dá de acordo com cada combinação de “átomos” semelhantes, entre os diversos
existentes, inclusive aqueles que comporiam a própria alma.
Para Demócrito, os movimentos dos átomos, assim como ocorre com a poeira, tem início
aparentemente aleatório, mas tendem a formar vórtices ou turbilhões como os redemoinhos,
nos quais os átomos maiores tenderiam a concentrar-se no centro e os demais, por tamanhos
cada vez menores, comporiam a totalidade da matéria. A ideia de classificar e hierarquizar os
corpos tornou-se uma das preocupações centrais do pensamento humano.
Em decorrência da necessidade de ordenamento do mundo, surgem duas novas situações
tornadas centrais no pensamento filosófico e científico: a definição de uma investigação
sistemática ou um método para a pesquisa e o papel dos sentidos, que mediam a experiência
sensível, como componente deste método que leva ao conhecimento.
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
Pitágoras acreditava tanto nas qualidades numéricas para tudo que chegou a sugerir que a
justiça, ou o direito, fosse mediado por critérios matemáticos, ou a justiça aritmética. Nesta, a
pena deveria ser quantitativamente equivalente ao crime.
Se há uma possibilidade de pensarmos uma conclusão para este item que acabamos de
analisar, esta deveria reconhecer que temos, até aqui, duas formas básicas de observar a
natureza: uma delas parte da existência das coisas reais para formar as ideias; já a outra parte
das ideias para verificar se as coisas existem.
Independentemente do caminho, todos trouxeram grande contribuição nas tentativas, dentro
do projeto pré-socrático, de superação dos mitos, crenças e tabus deterministas da natureza
e tentaram traçar um panorama voltado para a busca das essências regulares, imutáveis e
eternas dos fenômenos.
Vejamos as repercussões destes modelos de pensamento nas gerações seguintes de pensadores.
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Os Fenômenos Físicos no Pensamento de Platão
Para Lefebvre, o que ficou conhecido como “problema” na teoria do conhecimento é devido
a diversos escritos filosóficos e científicos que entenderam que a análise dos fenômenos da
natureza, como observado desde os pré-socráticos, deve primar pela razão em detrimento ou
mesmo descartando completamente a experiência sensível, eliminando, assim, a subjetividade
do discurso. Daí, ocorre, segundo ele, “a separação ou o isolamento do que é dado efetivamente
como indissoluvelmente ligado”, ou seja, a relação entre o sujeito observador e o objeto observado.
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
Lefebvre levanta, ainda, outro aspecto desta discussão, que é o que ele chama de idealismo.
Os metafísicos, além de separar o que é ligado (o sujeito e o objeto), elevam à condição
absoluta uma parte do pensamento (que para Lefebvre é saber adquirido e conquistado),
fazendo de tal parte uma ideia ou um pensamento que existe antes e independentemente da
natureza real, ou seja, sabemos das coisas de forma inata, já temos nossos próprios objetos
mentais e os objetos reais são imitações, cópias imperfeitas daqueles.
De posse desta abordagem feita por Lefebvre, vamos retornar à análise das nossas matrizes
do pensamento sobre a natureza e verificar, para além do que os pré-socráticos edificaram,
como se deu a discussão sobre o conhecimento da natureza.
Platão de Atenas (428 ou 427 a. C. – 348 ou 347 a. C.) é considerado, na teoria do
conhecimento, o maior ícone da metafísica idealista. Suas ideias influenciam a civilização
ocidental até os dias atuais. Antes de analisarmos a concepção de natureza de Platão, tratemos
de observar a sua lógica, ou seja, o encadeamento de processos que ele vê como necessários
ao conhecimento.
Nos escritos que remetem a Platão, fica clara a influência pitagórica, embora ele próprio não
tenha efetivamente dedicado a sua vida ao desenvolvimento de formulações matemáticas estéticas,
típicas dos pitagóricos, para convencer seus ouvintes sobre a verdadeira fórmula do conhecimento.
Um aspecto relevante para a sequência da nossa análise sobre a importância de Platão
para o estudo da natureza é o fato de tanto ele quanto os sofistas desprezarem a prática dos
pré-socráticos materialistas, especialmente no que diz respeito às conjecturas sobre as causas
puramente físicas.
O conhecimento, segundo Platão, deve concentrar-se na busca pelos modelos eternos
e imutáveis das coisas. Para isto, deve pautar-se apenas pela razão. Este aspecto do seu
pensamento representa uma ruptura com o que até então vinha sendo edificado pelas
conjecturas dos pré-socráticos, já que agora é o sujeito o centro do movimento que leva ao
conhecimento.
Os analistas da história do pensamento em geral consideram que Platão seja responsável
por um verdadeiro retrocesso naquilo que a ciência havia conquistado. Entretanto, também
encontramos aqueles que defendem que os princípios válidos para Platão também são
relevantes para a construção da filosofia e das ciências advindas posteriormente a ele.
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Para Platão, as coisas consideradas válidas em termos de princípios para o conhecimento
deveriam, obrigatoriamente, serem capazes de passar da sua condição de particularidade
fenomênica para a geral, ou, universal e necessária. Caso contrário, deveriam ser excluídas do
rol dos princípios.
Todavia, ainda que os princípios atingissem as universalidades necessárias, estas não
poderiam, em hipótese alguma, derivar dos sentidos, nascendo única e exclusivamente do
pensamento, pois os sentidos oscilam de pessoa para pessoa, já a razão, ao contrário, é a
mesma sempre. Tais princípios elevariam as coisas à sua condição de reais, permanentes,
eternas, imutáveis e anteriores ou puras em relação às formas sensíveis, que, por sua vez,
seriam copias ilusórias, ou impuras, das ideias.
Na prática, Platão elimina a importância da experiência sensível, empiricamente construída
nas tantas conjecturas dos pré-socráticos, valorizando o pensamento e, com isto, contribuindo
de forma decisiva para o “problema do conhecimento” ao separar o mundo inteligível do
mundo das coisas sensíveis, separando, assim, o sujeito do objeto.
Para Platão, a ciência da natureza não pode ser edificada sobre as bases das experiências
sensíveis (impuras) nas quais tudo flui, esvai-se e que, para ele, não servem à explicação das
causas e fins das coisas, sendo, então, inadequadas enquanto princípios, já que as causas e os
fins das coisas são objeto de investigação do conhecimento intelectual, ou puro, no qual tudo
é eterno e imutável.
A alma, segundo Platão, pré-existia no mundo das ideias. No momento em que se associa
ao corpo físico, esquece-se das ideias puras. A experiência, então, serve tão somente para
propiciar a lembrança do “ideal”. Quem vê uma nuvem em forma de cavalo lembra-se da
forma “ideal” de cavalo.
Platão admite que o conhecimento possa avaliar a “cópia” (fenômenos sensíveis) desde
que à luz de uma cognição seguramente verdadeira ou original, imutável e eterna, ou seja,
partindo do modelo, ou da forma ideal. Sua crença neste princípio levou-o a propor uma
religião astral, na qual os destinos do homem estariam em conjunção com os movimentos dos
corpos celestes, considerados superiores e contendo movimentos perfeitos, matematicamente
prováveis, o que os tornariam confiáveis do ponto de vista dos princípios.
Em sua obra “A República” (1997), Platão expõe a forma do ensino da matemática (aritmética
pitagórica), no que diz respeito à aquisição de modelos de abstração e da sintaxe5 gramatical,
para o exercício da retórica perfeita, que seriam as ferramentas essenciais da ciência para levar
ao conhecimento. Não por acaso, Platão acreditava que a ciência deveria ser disponibilizada
a poucos: apenas àqueles que estivessem ou fossem candidatos à administração do estado.
A visão acerca da natureza atribuída a Platão encontra-se na obra Timeu-Crítias (2011). Nestes
escritos participam, além de Platão, mais três personagens; entre eles Timeu6, responsável pela
constituição do mundo sensível e dos seres que o habitam, entre eles o homem.
Em boa parte dos conceitos utilizados neste texto, as ideias de Platão demonstram certa
ambiguidade com as dos pré-socráticos no sentido de que, ao mesmo tempo, condena
algumas afirmações deles e, por outro lado, faz uso de muitos princípios sem, obviamente,
atribuir-lhes a autoria.
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
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Sintaxe = substantivo feminino.
1. Gram. Parte da gramática que estuda as palavras enquanto elementos de uma
Glossário frase, as suas relações de concordância, de subordinação e de ordem.
2. Ling. Componente do sistema linguístico que determina as relações formais
que interligam os constituintes da sentença, atribuindo-lhe uma estrutura.
3. Gram. gener. Componente da gramática de uma língua que constitui a realização
da gramática universal e que contém os princípios e regras que produzem as
sentenças gramaticais dessa mesma língua, por meio da combinação de palavras
e de elementos funcionais (tempo, concordância, afixos etc.).
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Timeu = Possivelmente trata-se de Timeu de Lócride, com quem Platão
conviveu em visita à Sicília, na Itália. Não há comprovação da sua existência.
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Mecanicamente = As forças que colocam os corpos em movimento são
chamadas, na antiguidade desde os pré-socráticos até Platão, de “Anima Mundi”
ou alma do mundo. Seu funcionamento decorre de movimentos perfeitos, por
exemplo, no caso do movimento dos corpos celestes, perfeitamente circulares,
mas que também colocam em harmonia os movimentos da natureza e os destinos
humanos.
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Aristóteles e a Natureza “Para Nós”
Os escritos de Aristóteles de Estagiria (384 - 322 a. C.), discípulo de Platão, sobre a natureza
estão reunidos no livro “Física” (1995). Neste, a preocupação central é criar uma lógica e uma
metodologia para o inédito estudo sistemático da natureza. No Livro I, Aristóteles elabora uma
intrincada análise crítica das ideias de seus predecessores.
Nesta análise crítica, Aristóteles rompe com seu mestre Platão ao reverter a ordem do
pensamento, restabelecendo o que os pré-socráticos deixaram por legado, ou seja, para ele, o
ponto de partida para o conhecimento deve ser a experiência sensível.
As coisas são para nós o que parecem ser. Aristóteles aceita a tese que a percepção imediata
da totalidade realmente produz confusão, pois a experiência não nos permite apreender a
totalidade “em si”, isto é, o “ser em geral”, mas, pelo contrário, ela permite que conheçamos
apenas o “ente para nós”. Para ele, é a imagem do ente experienciado que carregaremos, a
partir daí, na subjetividade como “ser em geral”.
Invertendo definitivamente os princípios platônicos, Aristóteles entende que a nossa noção
de cavalo “ideal” é um conceito criado pelos homens após diversas experiências com certo
número de cavalos com algumas diferenças entre si, mas com muitas semelhanças, o que
permitiria aos homens elaborar, aí sim, uma forma “ideal” de cavalo. Logo, a “forma” à qual
chamamos cavalo é o resultado de um conjunto de características existentes em um tipo de
animal, as quais chamamos de “espécie”.
O exemplo anterior serve de parâmetro para entender parte do projeto de Aristóteles: ele
acredita em uma lógica que parte dos sentidos ou da experiência sensível, que a observação
direta da singularidade dos fenômenos proporciona para, daí, passar à fixação dos gêneros e
das espécies de coisas, isto é, vamos da parte em direção ao todo.
Seguindo com seu projeto, Aristóteles passa à definição do que entende e acredita ser a
definição correta de natureza. Para ele, há coisas que são, “por natureza”, portadoras de
princípios de movimento e de repouso (ARISTÓTELES, 2010, p. 43).
São os entes mais simples como a terra, o fogo, o ar e a água. O fogo, por exemplo,
locomove-se para o alto “por natureza” e “conforme a natureza”; a chuva sempre cai “por
natureza”; as plantas crescem para cima “por natureza”, ao morrerem caem “por natureza”.
É muito importante considerarmos outro pressuposto de Aristóteles, segundo o qual as
coisas ou os corpos que são “por natureza” geram-se e alcançam seus fins sem a intervenção
humana, portanto, são autômatos.
A exclusão idealista do homem do “reino” da natureza, que já havia sido sugerida
anteriormente pelos pré-socráticos, ficou bastante evidente em Aristóteles e, a partir dele,
homem e natureza passaram a ser considerados coisas distintas, muito embora houvesse
quem, de lá para cá, tentasse afirmar o contrário.
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
Saiba Mais
A concepção aristotélica de Homem, de um lado, e Natureza, de outro, foi
decisiva para a constituição das ciências posteriormente a ele, incluindo a própria
Geografia. Nesta, como afirmou criticamente Moreira (1987): a natureza é
abrangida na Geografia Física, e o homem (e seu trabalho), na Geografia Humana.
A Geografia vista nas escolas, a partir dos livros didáticos (nem todos), ensina
a distinguir a paisagem pela forma: temos, de um lado, as paisagens naturais,
nas quais o homem não exerce trabalho, portanto, são naturais. E, de outro,
as paisagens humanizadas, ou geográficas, nas quais a natureza cedeu lugar ao
exercício do trabalho humano de forma exclusiva. Para não deixar a impressão de
determinismo no discurso, em alguns textos aparecem as “paisagens transitórias”,
nas quais natureza e trabalho encontram-se “disputando” o espaço.
Em termos do que Aristóteles afirma sobre o movimento enquanto devir ou vir a ser, a
“forma” seria um estágio das coisas no caminho desde a sua situação original potencial (não
ser, atuado) até o seu “lugar natural” (ser, atuante).
Antes de Aristóteles, o movimento era simplesmente negado. Como poderia uma coisa “ser”
e “não ser” ao mesmo tempo? Platão exclama: como explicar os fenômenos da experiência
sensível, tão dinâmicos, tão móveis e fluentes? Como ele não admitia a experiência como um
pressuposto ao conhecimento, logo, para ele, o conhecimento concreto era impossível!
A alternativa encontrada por Aristóteles para eliminar o “problema do conhecimento”
decorrente das confusões atribuídas por Platão aos objetos sensíveis está na afirmação de que
a “natureza é movimento” (ARISTÓTELES, 1995, p. 79-87).
Todas as coisas estão em movimento, este é inerente a tudo que é “por natureza”. Por este
motivo, podem se apresentar para nós “em potência”, quando está em movimento, ou “em
ato”, ou atuantes, realizados quando a partir daí se põem em repouso em seu “lugar natural”. O
movimento é a condição do potencial em direção, ou que “tende ao” lugar natural, à sua finalidade.
A nossa noção de tendência tem origem no pensamento aristotélico. Se examinarmos
os processos que estão ocorrendo em dado fenômeno, supomos seu desfecho. Assim, não
necessitamos esperar sua realização (“em ato”) a partir do reconhecimento do seu movimento
(“em potência”), ou sua tendência, e sugerimos seus fins, ou seu lugar natural.
O movimento é a tendência da massa de sedimentos, rocha e solo da encosta da montanha
(“em potência”) em direção à depressão de relevo por meio do deslizamento dos sedimentos,
da rocha e do solo nestas condições. A perspectiva aristotélica, o fim ou o desígnio deste
material, é a depressão do terreno e a tendência é tudo o que envolve o deslizamento.
Vamos exemplificar esta situação a partir de um exemplo hipotético. Considere a Figura 2 a
seguir. Ela representa uma circunstância muito comum em ambientes urbanos. Trata-se de uma
ocupação antrópica, representada pela casa, sob uma encosta que tem no seu topo grandes
blocos de rocha residual provenientes de intensos processos erosivos.
Ora, o que esperar, segundo a lógica aristotélica, quanto à tendência? O que esperamos
que ocorra?
Segundo esta lógica, devemos esperar unicamente a queda dos blocos.
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Figura 2. Situação “em potência” de um relevo hipotético.
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
Saiba Mais
Na Geografia, a classificação é um dos recursos mais comuns no que diz respeito
à representação do ordenamento do território.
A hierarquização das cidades, das economias, do relevo, do clima e das
formações vegetais é tão naturalmente aceitável como a regionalização
horizontal dos mesmos temas.
Assim, podemos compreender o quanto a contribuição de Aristóteles ainda está
presente no nosso dia a dia.
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Material Complementar
Leituras:
Princípios da natureza na Física A, de Aristóteles: pré-socráticos, Platão
http://www.afc.ifcs.ufrj.br/2011/Trindade.pdf
O Divino e a Natureza – A Novidade de Platão
http://goo.gl/PqH3BH
Ser, natureza e cotidiano: um breve discurso acerca da substância em Aristóteles
http://goo.gl/1pC7J5
O surgimento da Filosofia e a Evolução dos Mitos: a importância da Escola Jônica para a
construção da Racionalidade
http://www.pucrs.br/edipucrs/XSalaoIC/Ciencias_Humanas/Filosofia/71062-AGATHACRISTINEDEPINE.pdf
Sites:
A Filosofia da Natureza dos Pré-socráticos
https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/2175-7941.2013v30n2p323/24929
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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade
Referências
HEGGEN, R. J. Underground Rivers: From the River Styx to the Rio San Buenaventura with
Occasional Diversions. Publicação digital do autor, 1081p. 2012. Disponível em: https://
archive.org/details/UndergroundRivers_356. Acesso em: 18/12/2014
LEFEBVRE, H. Lógica Formal/Lógica Dialética. 5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
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Anotações
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