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Fundamentos da Relação

Sociedade-Natureza
Material Teórico
O conceito de natureza na antiguidade

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Carlos Eduardo Martins

Revisão Textual:
Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin
O conceito de natureza na antiguidade

• Introdução
• O Conceito de Natureza: Origem e Diversidade
• A Natureza no Pensamento Primitivo
• A Natureza na Antiguidade Clássica
• Os Fenômenos Físicos no Pensamento de Platão
• Aristóteles e a Natureza “Para Nós”

·· Tratar do conceito de natureza na Antiguidade, por meio do qual será possível


você perceber a significância dos assuntos abordados na atividade profissional do
professor de Geografia.

Neste módulo, em que trataremos do conceito de natureza na Antiguidade, você terá acesso
a diversos recursos.
Fique atento aos prazos das atividades que serão colocadas no ar.
Recorra, sempre que possível, às videoaulas e ao PowerPoint narrado para tirar eventuais
dúvidas sobre o conteúdo textual.
Participe do fórum de discussão proposto para o tema.
No seu tempo livre, procure pesquisar as fontes do material complementar.
Além disso, procure pesquisar o máximo que puder sobre o tema “O conceito de natureza
na Antiguidade”.
Há inúmeros conteúdos na internet que são bastante úteis para o seu estudo e para a sua
formação profissional.

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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

Contextualização
Leia o trecho a seguir. Ele tem a finalidade de ilustrar o tema tratado nesta Unidade:

O real não é constituído por coisas. Nossa experiência direta e imediata


da realidade nos leva a imaginar que o real é feito de coisas (sejam elas
naturais ou humanas), isto é, de objetos físicos, psíquicos, culturais oferecidos
à nossa percepção e às nossas vivências.
Assim, por exemplo, costumamos dizer que uma montanha é real porque é
uma coisa. No entanto, o simples fato de que essa “coisa” possua um nome,
que a chamemos “montanha”, indica que ela é, pelo menos, uma “coisa para
nós”, isto é, algo que possui um sentido em nossa experiência. Suponhamos
que pertencemos a uma sociedade cuja religião é politeísta e cujos deuses são
imaginados com formas e sentimentos humanos, embora superiores aos dos
homens, e que nossa sociedade exprima essa superioridade divina fazendo
com que os deuses sejam habitantes dos altos lugares. A montanha já não
é uma coisa: é a morada dos deuses. Suponhamos, agora, que somos uma
empresa capitalista que pretende explorar minério de ferro e que descobrimos
uma grande jazida numa montanha. Como empresários, compramos a
montanha que, portanto, não é uma coisa, mas propriedade privada. Visto
que iremos explorá-la para obtenção de lucros, não é uma coisa, mas capital.
Ora, sendo propriedade privada capitalista, só existe como tal se for lugar de
trabalho. Assim, a montanha não é coisa, mas relação econômica e, portanto,
relação social. A montanha, agora, é matéria prima num conjunto de forças
produtivas, dentre as quais se destaca o trabalhador, para quem a montanha
é lugar de trabalho. Suponhamos, agora, que somos pintores. Para nós, a
montanha é forma, cor, volume, linhas, profundidade – não é uma coisa, mas
um campo de visibilidade.
Não se trata de supor que há, de um lado, a ‘coisa’ física ou material e, de
outro, a ‘coisa’ como ideia ou significação. Não há, de um lado, a coisa em
si, e, de outro lado, a coisa para nós, mas entrelaçamento do físico-material e
da significação, a unidade de um ser e de seu sentido, fazendo com que aquilo
que chamamos ‘coisa’ seja sempre um campo significativo. O Monte Olimpo,
o Monte Sinai são realidades culturais tanto quanto as Sierras para a história da
revolução cubana ou as montanhas para a resistência espanhola e francesa, ou
a Montanha Santa Vitória, pintada por Cézanne. O que não impede ao geólogo
de estudá-las de modo diverso, nem ao capitalista de reduzi-Ias a mercadorias
(seja explorando seus recursos de matéria prima, seja transformando-as em
objeto de turismo lucrativo).
O que dissemos sobre a montanha, podemos também dizer a respeito de
todos os entes reais. São formas de nossas relações com a natureza mediadas
por nossas relações sociais, são seres culturais, campos de significação variados
no tempo e no espaço, dependentes de nossa sociedade, de nossa classe social,
de nossa posição na divisão social do trabalho, dos investimentos simbólicos
que cada cultura imprime a si mesma através das coisas e dos homens. Isto,
porém, não implica afirmar o oposto, isto é, se o real não é constituído de
coisas, então será constituído por ideias ou por nossas representações das
coisas. Se fizéssemos tal afirmação, estaríamos na ideologia em estado puro,
pois para esta última a realidade é constituída por ideias, das quais as coisas
seriam uma espécie de receptáculo ou de encarnação provisória.
CHAUI, M. O que é Ideologia(p.16-8). 34.ed. São Paulo: Brasiliense, 1992

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Introdução

O ponto de partida deste conteúdo, como o próprio nome da Disciplina indica, é discutir
as bases nas quais, dentro da tradição do pensamento geográfico, a relação entre a sociedade
e a natureza é recorrentemente definida como o objeto da Geografia, em especial aquela que
se ensina. Assim:

Se bem refletirmos este discurso, para ele a natureza é todo o


mundo natural (não inclui o homem) e seu estudo é feito pela
Geografia Física. E homem é todo o mundo humano situado fora
do mundo da natureza e do mundo da história e o seu estudo e feito
pela Geografia Humana. É esta concepção de homem atópico1
o ponto inicial da complicação (...) A natureza é concebida (até
agora não percebemos que a natureza do nosso discurso é um
conceito de natureza) como sendo uma totalidade formada por
uma interminável quantidade de diferentes partes (camadas
rochosas, relevo, clima, vegetação etc.). É um sistema. Isto é, um
todo que, de reunião em reunião das suas partes constituintes, ver-
se-á reconstruído na completude de sua globalidade. Um todo que
se fecha, no nível global da abrangência.
(MOREIRA, 1987, p. 15-7).

1
Atópico, adjetivo – fora de lugar, deslocado, estranho. Etimologia – a –
‘negação, privação’ + -tópico; cf. gr. átopos, os, on ‘que não está no seu
Glossário lugar’, donde ‘de natureza extraordinária, estranho, insólito’.

Inspirados no trecho anterior, a partir de agora, vamos edificar a nossa própria noção ou
significado de natureza na Geografia e consolidar a ideia de que o que chamamos de natureza
é um conceito de natureza.
Outro ponto bastante relevante a ser discutido no conteúdo desta Disciplina são as visões
acerca da relação sujeito-objeto na Ciência. Como exemplo da opção pelo caminho a ser
trilhado aqui e que vai ao encontro das considerações feitas acima, leia o fragmento de Marilena
Chaui (1991) sobre a relação sujeito-objeto, disponível na contextualização desta Unidade.

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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

O Conceito de Natureza: Origem e Diversidade

A respeito do tema natureza, há grande diversidade, tanto na literatura em geral, quanto na


da Geografia. Essa abundância poderia tornar este conteúdo uma colcha de retalhos se não
houvesse, de antemão, sido definido, no item anterior que, como afirma Moreira, a natureza
que concebemos é a noção de natureza que podemos ter, ou seja, o que é a natureza para nós.
Assim, propomos a adoção de uma estratégia: buscar, na construção do pensamento
humano, as bases da ideia que temos, hoje, de natureza. É importante frisar que esta estratégia
também é uma escolha de definição de natureza, entre tantas possíveis, mas que acreditamos
seja aquela que melhor atende à necessidade do estudante de Geografia.
Nossa trajetória parte da concepção de natureza sintetizada por Paolo Casini (1987). Este
autor acredita que a ideia de natureza que temos pode ser considerada equivalente à própria
história do pensamento filosófico e científico. Ela encontra-se onipresente como conceito,
representação, sentimento, modelo, ou metáfora na cultura primitiva, nas artes, na razão, nos
sistemas filosóficos, nos domínios ético-político, econômico e até jurídico. Nestes dois últimos
temos as evidências da onipresença da ideia de natureza representada pelo que chamamos de
“leis naturais da concorrência” e de “direito natural”.
O termo natureza tem a ver com a noção grega de origem (physis) e a concepção latina de
geração ou de nascimento (natura). A síntese destas duas ideias acaba produzindo uma noção
de “força” que gera, regula e extingue os fenômenos. Mais ou menos da mesma forma como
percebemos o ciclo da vida e de morte atribuído aos objetos animados e inanimados.
A ideia de natureza é, desde as primeiras formas de exercício do conhecimento, uma
representação antropomorfa atribuída aos fenômenos da natureza, mas em um nível superior,
ou seja, foram atribuídos: “poder”, “divindade” e “superioridade” aos fenômenos da natureza,
o que lhes conferiu a ação criadora e destruidora, ao mesmo tempo, associada às emoções
humanas, porém controladas por leis superiores e fora do “controle” humano. Vamos detalhar
mais estes aspectos.

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A Natureza no Pensamento Primitivo
Entre as diversas concepções sobre a ideia de natureza, há quem defenda a tese de que a
evolução do pensamento humano em relação à natureza vem de uma condição primitiva, na
qual prevalecem as concepções míticas, sacras ou sobrenaturais, passando por um estágio
pré-racional ou pré-científico, atingindo, por fim, um nível de superioridade ou concepção
totalmente científico ou racional de natureza.
Por outro lado, necessitamos levar em conta dois aspectos que contradizem a visão linear
proposta acima, pois, se de um lado, as sociedades não evoluem ao mesmo tempo e no mesmo
ritmo, de outro, as próprias concepções científicas atuais de linha mecanicistas, quantitativistas
e deterministas contendo práticas metafísicas, podem, todas elas, abrigar representações
primitivas de natureza.
O que queremos dizer com isto é que, apesar de todas as tentativas de superação das
noções primitivistas da condição humana atual, em particular no trabalho feito pelo pensador
cristão David Hume em “História natural das religiões”, em 1757, como exemplo de tentativa
de desmitificação das crenças primitivas, os temores, ansiedades e superstições primordiais,
projetados na natureza pelos nossos antepassados mais distantes, sobrevivem no estado de
tensões latentes no inconsciente, emergindo daí e se manifestando nas neuroses ou doenças
mentais (CASINI, 1987).
Voltemos ao pensamento primitivo sobre a natureza.
Nas visões primitivas, ou cosmogônicas, de natureza não há distinção entre o que é
percebido como natural e como sobrenatural. Esta distinção somente será incorporada ao
pensamento humano bem mais à frente, quando as sociedades estabelecem diferenças entre
as experiências conhecidas e aquelas que se mantêm desconhecidas.
Nas culturas mais antigas, ocorre uma verdadeira simbiose entre as emoções humanas e
os fenômenos naturais, aos quais são atribuídas as “forças” superiores reguladoras do ritmo
das coisas. A ligação entre o homem e a natureza é mediada pelas necessidades vitais ou
fundamentais à sobrevivência.
Não há verdadeiramente um prazer em ir à floresta, ao mar ou ao rio para colher os recursos
básicos. Há apenas e tão somente a necessidade, e uma mistura de repulsa e simpatia.
Em praticamente todas as culturas primitivas, o acesso aos recursos existentes na natureza
é precedido de cerimônias de adoração, veneração e demonstração de respeito ou de
reconhecimento de inferioridade em relação à natureza. Aí podemos reconhecer, também,
a propriedade que a natureza carrega de prover o homem daquilo que ele necessita para sua
sobrevivência e, ao mesmo tempo, do que trataremos mais à frente com relação à concepção
finalista que crê na natureza como algo criado para usufruto do homem.
Aí está a origem do papel do sagrado ou sacro atribuído à natureza, ou seja, algo que se
deve, ao mesmo tempo, adorar e temer, dada a sua superioridade misteriosa. Na cultura da
Oceania, segundo Casini (1987), o “mana” é o mistério sacro que permeia tudo o que existe
e é considerado extraordinário, ou seja, ao mesmo tempo natural e sobrenatural.
Na cultura andina, a “pachamama” é a entidade que provê a terra de fertilidade, faz a água
transitar entre o mar, o subsolo, os rios e o Lago Titicaca, onde teria gerado os primeiros
incas, então considerados descendentes diretos desta entidade (KÖLBL-EBERT, 2009).

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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

É neste ponto que a falta de uma racionalidade que separe as duas coisas gera a nossa
noção de tabu. Em termos gerais, o tabu representa o que é (dada a sua condição misteriosa
e superior) considerado intocável, inalcançável, inacessível e, por este motivo, devendo ser
deixado em estado de suspeição permanente.
Todas estas práticas primitivas que persistem ainda hoje, quando observadas e percebidas de
forma autocêntrica pelos europeus, foram tratadas de forma estigmatizada. As reverências aos
fenômenos misteriosos nas culturas tradicionais foram traduzidas como práticas idólatras, ou
seja, adoradoras de objetos materiais naturais ou manufaturados que, para um cristão europeu
do Renascimento em diante, era visto como resultado da prática de feitiçaria, do termo original
em latim factitius, que culmina na definição mais moderna de feiticismo ou fetichismo:

Um ramo de árvore particularmente sugestivo, um animal, uma


pedra, podem ser considerados sede da divindade, a par de um
emblema gravado ou de um ídolo de madeira. O feitiço transpõe
para si a adoração ou o culto devido ao deus que alberga, tornando-
se uma espécie de seu substituto simbólico. É o que se passa com
as imagens dos santos e de Deus no catolicismo; com o dinheiro
sobrecarregado de poder na sociedade capitalista (...)
(CASINI, 1987, p. 18)

Não menos importante como parte da construção primitiva de natureza e que persiste nos
nossos dias é a capacidade que a humanidade tem de atribuir poderes aos fenômenos naturais.
Conservando os desígnios ou fins que os objetos da natureza guardam, os poderes têm a ver
com a perspectiva humana. O fogo é percebido como um elemento purificador. A chama
acesa simboliza a geração, a continuidade da vida ou da família, o amor divino e, de forma
mais geral, a expiração dos pecados e a consumação dos projetos de vida. Os fenômenos
geológicos, rochas, minerais e as montanhas têm poderes plásticos. Já os rios e as plantas têm
poderes associados às necessidades vitais e imediatas.

Para Heggen (2012), no âmbito mais global, o ciclo das águas já foi visto como fruto da
transmutação dos seus estados físicos. Como resultado do mito das artérias terrestres, movido
por um coração bombeando água dos oceanos para a superfície podendo, então, servir aos
seres vivos, como ocorre similarmente às artérias do corpo humano. A água corrente já foi
comparada ao trato urinário, neste caso a água, após circular pelo interior da terra é expelida
pelas fontes, como que encerrando o metabolismo do Planeta.

O modelo que defende a associação do fluxo subterrâneo à metáfora da videira entende que,
da mesma forma como as raízes das plantas buscam a umidade no subsolo, a água entraria
pelas ramificações mais profundas da terra até ser despejada pelas fontes. No imaginário
da Antiguidade clássica, a assimetria existente entre mar e terra posicionava esta última no
centro do Universo, encontrando-se, surpreendentemente, acima do nível do mar. Uma ação
planejada e executada pelo criador para que os seres vivos pudessem existir.

Em um estágio que podemos identificar como pré-científico, quando as especulações


atingiram um nível bastante considerável na direção da causalidade dos poderes da água, é
possível identificar formulações embrionárias do que viria a se tonar o empirismo experimental
do Renascimento. Entretanto, estes visões ainda carregavam um teor de primitivismo bastante
considerável. Vejamos algumas situações.

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O mito sobre o peso do mar afirma que, por meio da pressão dos oceanos, as águas são
empurradas para cima e brotam da terra firme. Para uns, os terremotos produziriam as fontes,
para outros, seriam os sistemas de sifonamentos da água do mar que produziam jorros d’água
nas fontes temporárias.
Houve quem afirmasse que o calor do interior da Terra era responsável pela emergência
das águas das fontes, princípio esse deduzido a partir da observação do Sol que condensa as
nuvens e, consequentemente, produz a chuva.
No modelo que defende o movimento capilar, a água sobe do mar ao topo das montanhas
num movimento antigravitacional fornecido pela mente superior; as águas subterrâneas
movem-se por diferença de pressão entre o mar e a terra. Na tese pneumática, a água sobe à
terra e sai pelas fontes devido aos ventos subterrâneos.
Já o modelo compressivo afirma que a Terra, tal qual uma esponja, sempre está embebida
de água, porém, como sofre compressão constante, expele a água de suas entranhas através
das fontes. Na visão primitiva de natureza, que alcança até a Antiguidade, era inconcebível que
o volume de água dos rios pudesse ser abastecido exclusivamente pela chuva.
A tese eletromagnética afiança que, da mesma forma que a interação das forças
eletromagnéticas da Terra e da Lua produzem o efeito da maré, as águas subterrâneas também
têm seu fluxo orientado por essa força. Sem contar a crença mítica de que as fontes, os rios e
o mar são divindades femininas e, portanto, com atribuições ligadas à origem ou regeneração
da vida. A água foi um incrível manancial de ideias para a humanidade.

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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

A Natureza na Antiguidade Clássica


A Antiguidade clássica pode ser considerada o nascimento do pensamento que se pretende
investigativo quanto às qualidades da natureza, principalmente em relação às causas que levam
à sua existência, o que podemos chamar de cosmologia.
Basicamente, podemos afirmar que foram os diversos pensadores chamados historicamente
de pré-socráticos que inauguraram as primeiras experiências de racionalização dos mitos e
tabus primitivos, ou das formas cosmogônicas de pensar a natureza.
O pensamento humano envolvido neste contexto deixava o “porquê” para se concentrar no
“como” a respeito da existência das coisas da natureza.
Entre os pensadores deste grupo, podemos destacar os provenientes da cidade de Mileto:
Tales, Anaximandro, Anaxímenes, chamados de Jônicos e posteriormente identificados por
Aristóteles como “físicos”. Diferentemente do pensamento anterior sobre a natureza, queriam
saber sobre as leis que regulam as coisas.
Além de acreditar que tudo teve origem na água, Tales (623 ou 624 a. C. - 556 ou 558 a.
C.) também é autor de importantes descobertas como a predição dos eclipses, a descoberta
dos solstícios e dos equinócios, as fases da Lua e as cheias do Nilo.

Por sua vez, Anaximandro (610 - 547 Figura 1. Representação da Terra na antiguidade grega.
a.C.) é considerado o primeiro a conceber a
Terra fixa e centrada em um sistema que tem
a Lua, o Sol e os outros planetas girando
ao seu redor (Figura 1). Ele é considerado o
criador do sistema geocêntrico, válido até o
início do século XVI.
Anaximandro também fez diversas
observações atmosféricas e geológicas, sendo
ele o primeiro a sugerir a ciclicidade dos
fenômenos naturais. A ele também é creditado o
pioneirismo no emprego do vocábulo “arqueo”
quando se referia às coisas identificadas por ele
como “infinitas” e “divinas”. Fonte: henry-davis.com

A importância do pensamento pré-socrático acentua-se com as teses de Anaxímenes (588 -


524 a. C.), responsável pelo ordenamento dos elementos da natureza. Seu universo é formado
pela sequência: terra, água e fogo (ar).
Além dos Jônicos, o grupo de pensadores pré-socráticos ainda abriga outros pensadores
com grande contribuição aos estudos da natureza.
Para Heráclito de Éfeso2 (535 - 475 a. C.), por exemplo, a natureza é o “pólemos”, ou a
“guerra dos contrários”, a harmonia contrastante.
2
Em relação aos demais pré-socráticos, este texto fará referência à cidade de
origem e às datas prováveis (a. C. = antes de Cristo) de nascimento e morte após
o nome do pensador tratado.

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Diferentemente dos seus pares, Heráclito crê que a origem das coisas está no fogo. Ela
incorpora a ideia de ciclo ao postular que o fogo vive a morte da terra; o ar vive a morte do
fogo; a água vive a morte do ar e a terra vive a morte da água, ou seja, para ele, os quatro
elementos estão permanentemente sujeitos a ciclos duplos. Quer seja: pela via descendente (ou
condensação), na qual temos fogo → água → gelo → terra; ou via ascendente (ou rarefação),
na qual temos: terra → gelo → água → fogo (CASINI, 1987).
Segundo Heráclito, o fogo tem um papel decisivo nos processos naturais, sendo o elemento de
todas as coisas e estas sendo mutações do fogo, seja por rarefação ou por condensação. Em síntese,
Heráclito crê que a realidade é dinâmica, isto é, os corpos transformam-se, constantemente, em
outros em um processo contínuo e eterno de mudanças no sentido do progresso ou da evolução.
Observar os fenômenos é observar o devir (vir a ser eterno) da natureza.
A frase mais conhecida de Heráclito que expressa a sua forma de ver a natureza como um
devir é: “Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre
sobre ti” (SOUZA, 1996, p. 25).
O que ele quer dizer com esta alegoria é que a experiência do sujeito com o objeto é única,
pois, a partir da primeira, tanto o sujeito como o objeto mudam um ao outro.
Foi Empédocles de Agrigento (490 - 430 a. C.) o autor de uma tese que vai determinar o
ordenamento do pensamento da Antiguidade em torno da ideia dos quatro elementos (água,
ar, terra e fogo), todos regidos por duas forças opostas: o amor, que une, e a disputa, que
separa. Para ele, a natureza consiste em uma combinação dos quatro elementos em diferentes
proporções. Empédocles também era partidário da ideia de ciclo e de mutabilidade aplicada à
natureza, pois, para ele, quando um animal ou planta morre, seus elementos se separam e se
recombinam para formar outro ser.
A ideia de que os corpos são formados por partes é um dos pilares das investigações
especulativas dos pré-socráticos. Anaxágoras de Clazômenas (500 - 428 a. C.), por exemplo,
afirmava que a natureza é formada por partículas invisíveis a olho nu. Essas partículas, às quais
ele denomina “germens”, combinam-se em quantidades e qualidades distintas para formar a
diversidade de coisas existentes.
Um dos pensadores mais relevantes entre os pré-socráticos é Demócrito de Abdera (460
- 370 a. C.), discípulo de Leucipo (? – 420 a. C.). Aquele é considerado um dos pioneiros
do pensamento atomista da Antiguidade clássica. Demócrito defende que todas as coisas são
resultantes de infinidades de “átomos” eternos e imutáveis (indivisíveis). Para ele, a formação
dos corpos se dá de acordo com cada combinação de “átomos” semelhantes, entre os diversos
existentes, inclusive aqueles que comporiam a própria alma.
Para Demócrito, os movimentos dos átomos, assim como ocorre com a poeira, tem início
aparentemente aleatório, mas tendem a formar vórtices ou turbilhões como os redemoinhos,
nos quais os átomos maiores tenderiam a concentrar-se no centro e os demais, por tamanhos
cada vez menores, comporiam a totalidade da matéria. A ideia de classificar e hierarquizar os
corpos tornou-se uma das preocupações centrais do pensamento humano.
Em decorrência da necessidade de ordenamento do mundo, surgem duas novas situações
tornadas centrais no pensamento filosófico e científico: a definição de uma investigação
sistemática ou um método para a pesquisa e o papel dos sentidos, que mediam a experiência
sensível, como componente deste método que leva ao conhecimento.

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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

Um dos expoentes mais emblemáticos relacionados a essa discussão é Parmênides de


Eleia (530 a. C. — 460 a. C.). Diferentemente da maioria dos pensadores pré-socráticos,
Parmênides assegurava a existência pura e simples das coisas. Tudo é eterno, imutável e não
há transitoriedade em nada, não há movimento em nada, isto é, uma coisa não pode “ser” e
“não ser” ao mesmo tempo.
Parmênides rejeita completamente que os sentidos possam ser considerados como válidos
para alcançar o conhecimento da verdade. Os sentidos são enganosos e produzem um
conhecimento ilusório sobre as coisas. Para El, a verdade deve vir apenas a partir da razão.
Como dito anteriormente, estas colocações dos pensadores como Parmênides vão
engendrar uma contradição no pensamento a posteriori, que é o que chamamos de “o
problema do conhecimento” decorrente do idealismo (LEFEBVRE, 1991). Trataremos
desta temática mais à frente.
A este respeito, podemos incluir, também, como um dos pilares do “problema do conhecimento”
as contribuições de Pitágoras de Samos (571 ou 570 a. C. - 497 ou 496 a. C.).
Pitágoras (e seus seguidores, que formaram a escola pitagórica) crê em um mundo (o “cosmos”)
no qual as formas das coisas são resultados de seus valores matemáticos, perfeitamente ordenados
e eternos, pois esta é a linguagem sublime atribuída apenas à sabedoria superior e criadora.
Desta forma, este pensador também concebe o conhecimento apartado da experiência
sensível, cultivando os números sem qualquer referência à prática, ou seja, apenas esteticamente.
Assim, os aspectos qualitativos das coisas, percebidos pelos sentidos, seriam reflexos imediatos
dos aspectos quantitativos apenas inteligíveis a partir da matemática.
Tanto Pitágoras quanto os outros pré-socráticos desta linha de pensamento eram praticantes
de uma espécie de culto aos números. Como boa parte deles, acreditava que enquanto os
corpos vivos padecem, a alma migra para outros corpos novos3 e que o processo de liberação
da alma seria o resultado de um esforço de purificação intelectual. Esta resultaria da aplicação
da razão matemática que investiga em tudo as suas estruturas numéricas, tornando, assim, a
alma equivalente e harmônica com os outros entes superiores.

Corpos Novos – 3Crença provavelmente influenciada pela Metempsicose,


termo geral para a ideia de transmigração da alma de um corpo para o outro.
Glossário

Pitágoras acreditava tanto nas qualidades numéricas para tudo que chegou a sugerir que a
justiça, ou o direito, fosse mediado por critérios matemáticos, ou a justiça aritmética. Nesta, a
pena deveria ser quantitativamente equivalente ao crime.
Se há uma possibilidade de pensarmos uma conclusão para este item que acabamos de
analisar, esta deveria reconhecer que temos, até aqui, duas formas básicas de observar a
natureza: uma delas parte da existência das coisas reais para formar as ideias; já a outra parte
das ideias para verificar se as coisas existem.
Independentemente do caminho, todos trouxeram grande contribuição nas tentativas, dentro
do projeto pré-socrático, de superação dos mitos, crenças e tabus deterministas da natureza
e tentaram traçar um panorama voltado para a busca das essências regulares, imutáveis e
eternas dos fenômenos.
Vejamos as repercussões destes modelos de pensamento nas gerações seguintes de pensadores.

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Os Fenômenos Físicos no Pensamento de Platão

Quando mencionamos anteriormente o “problema do conhecimento” reconhecido a partir


de escritos pré-socráticos, mais especificamente pelos pensadores pitagóricos, acenamos que
esta contradição tornar-se-ia inerente ao pensamento humano dali por diante.
Neste ponto do nosso conteúdo, torna-se necessária uma conversão no sentido de tratar esta
questão depois, aí sim com todos os elementos necessários para compreender o “problema do
conhecimento” e retornar ao conceito de natureza.
Como existem diversas matrizes de análise da problemática do conhecimento, a chamada
epistemologia, vamos utilizar uma que, a nosso ver, é a que melhor repercute o tema dentro da
perspectiva inicial deste conteúdo em tratar a natureza como um conceito de natureza. Assim,
mantemo-nos fieis à proposta inicial e à estratégia de abordagem do tema de fundo da Disciplina.
No livro “Lógica Formal/Lógica Dialética” (1991), Henri Lefebvre traça um panorama geral
epistemológico a respeito dos principais conceitos empregados na teoria do conhecimento,
com destaque para o que ele entende ser o tal “problema do conhecimento”. Importante
salientar que Lefebvre é um filósofo marxista que, por princípio, trata do objeto estudado a
partir do método materialista, histórico e dialético.
O conhecimento4, para Lefebvre (mediado pela relação sujeito-objeto), “é fato” na medida
em que “é prático”, já que nos coloca diante da realidade objetiva; “é social”, pois apreendemos
e ensinamos conjuntamente com os outros seres humanos e, por fim, “é histórico”, dado
que “todo conhecimento foi adquirido e conquistado”. O sujeito passa da ignorância ao
conhecimento de forma cada vez mais sofisticada e aprofundadamente a cada nova relação
estabelecida com o objeto.

Conhecimento – 4Lefebvre entende que o conhecimento pode ser


tratado como um fenômeno manifesto tanto no indivíduo, ao longo da
Glossário sua vida, como na humanidade inteira, ao de sua existência.

Para Lefebvre, o que ficou conhecido como “problema” na teoria do conhecimento é devido
a diversos escritos filosóficos e científicos que entenderam que a análise dos fenômenos da
natureza, como observado desde os pré-socráticos, deve primar pela razão em detrimento ou
mesmo descartando completamente a experiência sensível, eliminando, assim, a subjetividade
do discurso. Daí, ocorre, segundo ele, “a separação ou o isolamento do que é dado efetivamente
como indissoluvelmente ligado”, ou seja, a relação entre o sujeito observador e o objeto observado.

15
Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

A este processo, Lefebvre dá o nome de “metafísica”, ou seja, a forma de conhecimento que


separa o sujeito do objeto, ou seja, que define o ser humano e o pensamento como algo fora de
suas relações e de suas interações com o mundo. Isto porque para os pensadores metafísicos:

[...] O sujeito do conhecimento, o ser humano, é um indivíduo


consciente, um eu; que é um eu? É um ser consciente de si e,
portanto, fechado em si mesmo. Nele, não pode haver senão estados
subjetivos, estados de consciência. Como poderia sair de si mesmo,
transportar-se para fora de si a fim de conhecer uma coisa diversa
de si? O objeto, caso exista, está fora do seu alcance. O pretenso
conhecimento dos objetos, a própria existência destes, não são mais
que uma ilusão.
(LEFEBVRE, 1991, p. 51).

Lefebvre levanta, ainda, outro aspecto desta discussão, que é o que ele chama de idealismo.
Os metafísicos, além de separar o que é ligado (o sujeito e o objeto), elevam à condição
absoluta uma parte do pensamento (que para Lefebvre é saber adquirido e conquistado),
fazendo de tal parte uma ideia ou um pensamento que existe antes e independentemente da
natureza real, ou seja, sabemos das coisas de forma inata, já temos nossos próprios objetos
mentais e os objetos reais são imitações, cópias imperfeitas daqueles.
De posse desta abordagem feita por Lefebvre, vamos retornar à análise das nossas matrizes
do pensamento sobre a natureza e verificar, para além do que os pré-socráticos edificaram,
como se deu a discussão sobre o conhecimento da natureza.
Platão de Atenas (428 ou 427 a. C. – 348 ou 347 a. C.) é considerado, na teoria do
conhecimento, o maior ícone da metafísica idealista. Suas ideias influenciam a civilização
ocidental até os dias atuais. Antes de analisarmos a concepção de natureza de Platão, tratemos
de observar a sua lógica, ou seja, o encadeamento de processos que ele vê como necessários
ao conhecimento.
Nos escritos que remetem a Platão, fica clara a influência pitagórica, embora ele próprio não
tenha efetivamente dedicado a sua vida ao desenvolvimento de formulações matemáticas estéticas,
típicas dos pitagóricos, para convencer seus ouvintes sobre a verdadeira fórmula do conhecimento.
Um aspecto relevante para a sequência da nossa análise sobre a importância de Platão
para o estudo da natureza é o fato de tanto ele quanto os sofistas desprezarem a prática dos
pré-socráticos materialistas, especialmente no que diz respeito às conjecturas sobre as causas
puramente físicas.
O conhecimento, segundo Platão, deve concentrar-se na busca pelos modelos eternos
e imutáveis das coisas. Para isto, deve pautar-se apenas pela razão. Este aspecto do seu
pensamento representa uma ruptura com o que até então vinha sendo edificado pelas
conjecturas dos pré-socráticos, já que agora é o sujeito o centro do movimento que leva ao
conhecimento.
Os analistas da história do pensamento em geral consideram que Platão seja responsável
por um verdadeiro retrocesso naquilo que a ciência havia conquistado. Entretanto, também
encontramos aqueles que defendem que os princípios válidos para Platão também são
relevantes para a construção da filosofia e das ciências advindas posteriormente a ele.

16
Para Platão, as coisas consideradas válidas em termos de princípios para o conhecimento
deveriam, obrigatoriamente, serem capazes de passar da sua condição de particularidade
fenomênica para a geral, ou, universal e necessária. Caso contrário, deveriam ser excluídas do
rol dos princípios.
Todavia, ainda que os princípios atingissem as universalidades necessárias, estas não
poderiam, em hipótese alguma, derivar dos sentidos, nascendo única e exclusivamente do
pensamento, pois os sentidos oscilam de pessoa para pessoa, já a razão, ao contrário, é a
mesma sempre. Tais princípios elevariam as coisas à sua condição de reais, permanentes,
eternas, imutáveis e anteriores ou puras em relação às formas sensíveis, que, por sua vez,
seriam copias ilusórias, ou impuras, das ideias.
Na prática, Platão elimina a importância da experiência sensível, empiricamente construída
nas tantas conjecturas dos pré-socráticos, valorizando o pensamento e, com isto, contribuindo
de forma decisiva para o “problema do conhecimento” ao separar o mundo inteligível do
mundo das coisas sensíveis, separando, assim, o sujeito do objeto.
Para Platão, a ciência da natureza não pode ser edificada sobre as bases das experiências
sensíveis (impuras) nas quais tudo flui, esvai-se e que, para ele, não servem à explicação das
causas e fins das coisas, sendo, então, inadequadas enquanto princípios, já que as causas e os
fins das coisas são objeto de investigação do conhecimento intelectual, ou puro, no qual tudo
é eterno e imutável.
A alma, segundo Platão, pré-existia no mundo das ideias. No momento em que se associa
ao corpo físico, esquece-se das ideias puras. A experiência, então, serve tão somente para
propiciar a lembrança do “ideal”. Quem vê uma nuvem em forma de cavalo lembra-se da
forma “ideal” de cavalo.
Platão admite que o conhecimento possa avaliar a “cópia” (fenômenos sensíveis) desde
que à luz de uma cognição seguramente verdadeira ou original, imutável e eterna, ou seja,
partindo do modelo, ou da forma ideal. Sua crença neste princípio levou-o a propor uma
religião astral, na qual os destinos do homem estariam em conjunção com os movimentos dos
corpos celestes, considerados superiores e contendo movimentos perfeitos, matematicamente
prováveis, o que os tornariam confiáveis do ponto de vista dos princípios.
Em sua obra “A República” (1997), Platão expõe a forma do ensino da matemática (aritmética
pitagórica), no que diz respeito à aquisição de modelos de abstração e da sintaxe5 gramatical,
para o exercício da retórica perfeita, que seriam as ferramentas essenciais da ciência para levar
ao conhecimento. Não por acaso, Platão acreditava que a ciência deveria ser disponibilizada
a poucos: apenas àqueles que estivessem ou fossem candidatos à administração do estado.
A visão acerca da natureza atribuída a Platão encontra-se na obra Timeu-Crítias (2011). Nestes
escritos participam, além de Platão, mais três personagens; entre eles Timeu6, responsável pela
constituição do mundo sensível e dos seres que o habitam, entre eles o homem.
Em boa parte dos conceitos utilizados neste texto, as ideias de Platão demonstram certa
ambiguidade com as dos pré-socráticos no sentido de que, ao mesmo tempo, condena
algumas afirmações deles e, por outro lado, faz uso de muitos princípios sem, obviamente,
atribuir-lhes a autoria.

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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

Em resumo, os escritos do Timeu seriam a resposta ou proposta de Platão para substituir as


abordagens naturalistas dos pré-socráticos. O modelo ideal de Platão é reproduzido a seguir:

Na construção do mundo natural, o modelo é a ideia, “aquilo que


é sempre e que nunca nasceu’. Pelo contrário, o mundo é “aquilo
que nasce sempre e nunca é’. A natureza provém, portanto, do
Ser, através da mediação do demiurgo, o artífice sábio e benévolo
que a edificou com base num plano. O seu desígnio e a sua
inteligência ordenadora, operantes de acordo com os fins, são as
causas “primeiras”; causas “segundas” são as forças naturais que
agem mecanicamente .7 Conhecer o cosmo significa sobretudo
construir uma imagem adequada das causas primeiras; depois,
apreender a conexão premeditada dos fins quer nos movimentos
dos corpos celestes, quer na organização dos seres vivos, quer na
coordenação recíproca das partes do todo.
(CASINI, 1987, p. 39).

5
Sintaxe = substantivo feminino.
1. Gram. Parte da gramática que estuda as palavras enquanto elementos de uma
Glossário frase, as suas relações de concordância, de subordinação e de ordem.
2. Ling. Componente do sistema linguístico que determina as relações formais
que interligam os constituintes da sentença, atribuindo-lhe uma estrutura.
3. Gram. gener. Componente da gramática de uma língua que constitui a realização
da gramática universal e que contém os princípios e regras que produzem as
sentenças gramaticais dessa mesma língua, por meio da combinação de palavras
e de elementos funcionais (tempo, concordância, afixos etc.).
6
Timeu = Possivelmente trata-se de Timeu de Lócride, com quem Platão
conviveu em visita à Sicília, na Itália. Não há comprovação da sua existência.
7
Mecanicamente = As forças que colocam os corpos em movimento são
chamadas, na antiguidade desde os pré-socráticos até Platão, de “Anima Mundi”
ou alma do mundo. Seu funcionamento decorre de movimentos perfeitos, por
exemplo, no caso do movimento dos corpos celestes, perfeitamente circulares,
mas que também colocam em harmonia os movimentos da natureza e os destinos
humanos.

Para Platão, o demiurgo colocou tudo em um movimento harmônico, hierarquizado


e ordenado de forma perfeitamente geométrica, bem como definiu também as figuras
geométricas correspondentes a cada elemento da natureza: o fogo é formado por tetraedros;
o ar é constituído de octaedros; a água, por icosaedros e a terra por cubos. O quinto elemento,
o éter, é formado por dodecaedros, forma mais próxima do círculo. Todos estes conjuntos
distribuem-se no lugar eterno, o espaço absoluto, ou receptáculo, de Platão.
A obsessão pelos números que tanto ele quanto os pitagóricos tiveram também foi decisiva
na formulação do seu sistema astronômico. No modelo platônico, não só os círculos que
representam as trajetórias orbitais dos corpos celestes, mas a sucessão dos dias e das noites,
das estações climáticas e dos anos são, para ele, tempos exatos e imutáveis em um universo
geocêntrico. Estes princípios defendidos por Platão foram debatidos, refutados e defendidos
desde então e repercutem até os dias atuais. Um dos primeiros a refutar as suas crenças foi
um de seus discípulos mais dedicados.

18
Aristóteles e a Natureza “Para Nós”
Os escritos de Aristóteles de Estagiria (384 - 322 a. C.), discípulo de Platão, sobre a natureza
estão reunidos no livro “Física” (1995). Neste, a preocupação central é criar uma lógica e uma
metodologia para o inédito estudo sistemático da natureza. No Livro I, Aristóteles elabora uma
intrincada análise crítica das ideias de seus predecessores.
Nesta análise crítica, Aristóteles rompe com seu mestre Platão ao reverter a ordem do
pensamento, restabelecendo o que os pré-socráticos deixaram por legado, ou seja, para ele, o
ponto de partida para o conhecimento deve ser a experiência sensível.
As coisas são para nós o que parecem ser. Aristóteles aceita a tese que a percepção imediata
da totalidade realmente produz confusão, pois a experiência não nos permite apreender a
totalidade “em si”, isto é, o “ser em geral”, mas, pelo contrário, ela permite que conheçamos
apenas o “ente para nós”. Para ele, é a imagem do ente experienciado que carregaremos, a
partir daí, na subjetividade como “ser em geral”.
Invertendo definitivamente os princípios platônicos, Aristóteles entende que a nossa noção
de cavalo “ideal” é um conceito criado pelos homens após diversas experiências com certo
número de cavalos com algumas diferenças entre si, mas com muitas semelhanças, o que
permitiria aos homens elaborar, aí sim, uma forma “ideal” de cavalo. Logo, a “forma” à qual
chamamos cavalo é o resultado de um conjunto de características existentes em um tipo de
animal, as quais chamamos de “espécie”.
O exemplo anterior serve de parâmetro para entender parte do projeto de Aristóteles: ele
acredita em uma lógica que parte dos sentidos ou da experiência sensível, que a observação
direta da singularidade dos fenômenos proporciona para, daí, passar à fixação dos gêneros e
das espécies de coisas, isto é, vamos da parte em direção ao todo.

Para Aristóteles, o conhecimento vai do fenômeno, a partir da experiência,


à lei geral, por indução (comparação de situações particulares até extrair-
Importante! se o que é comum, regular, geral).

Seguindo com seu projeto, Aristóteles passa à definição do que entende e acredita ser a
definição correta de natureza. Para ele, há coisas que são, “por natureza”, portadoras de
princípios de movimento e de repouso (ARISTÓTELES, 2010, p. 43).
São os entes mais simples como a terra, o fogo, o ar e a água. O fogo, por exemplo,
locomove-se para o alto “por natureza” e “conforme a natureza”; a chuva sempre cai “por
natureza”; as plantas crescem para cima “por natureza”, ao morrerem caem “por natureza”.
É muito importante considerarmos outro pressuposto de Aristóteles, segundo o qual as
coisas ou os corpos que são “por natureza” geram-se e alcançam seus fins sem a intervenção
humana, portanto, são autômatos.
A exclusão idealista do homem do “reino” da natureza, que já havia sido sugerida
anteriormente pelos pré-socráticos, ficou bastante evidente em Aristóteles e, a partir dele,
homem e natureza passaram a ser considerados coisas distintas, muito embora houvesse
quem, de lá para cá, tentasse afirmar o contrário.

19
Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

Saiba Mais
A concepção aristotélica de Homem, de um lado, e Natureza, de outro, foi
decisiva para a constituição das ciências posteriormente a ele, incluindo a própria
Geografia. Nesta, como afirmou criticamente Moreira (1987): a natureza é
abrangida na Geografia Física, e o homem (e seu trabalho), na Geografia Humana.
A Geografia vista nas escolas, a partir dos livros didáticos (nem todos), ensina
a distinguir a paisagem pela forma: temos, de um lado, as paisagens naturais,
nas quais o homem não exerce trabalho, portanto, são naturais. E, de outro,
as paisagens humanizadas, ou geográficas, nas quais a natureza cedeu lugar ao
exercício do trabalho humano de forma exclusiva. Para não deixar a impressão de
determinismo no discurso, em alguns textos aparecem as “paisagens transitórias”,
nas quais natureza e trabalho encontram-se “disputando” o espaço.

Em termos do que Aristóteles afirma sobre o movimento enquanto devir ou vir a ser, a
“forma” seria um estágio das coisas no caminho desde a sua situação original potencial (não
ser, atuado) até o seu “lugar natural” (ser, atuante).
Antes de Aristóteles, o movimento era simplesmente negado. Como poderia uma coisa “ser”
e “não ser” ao mesmo tempo? Platão exclama: como explicar os fenômenos da experiência
sensível, tão dinâmicos, tão móveis e fluentes? Como ele não admitia a experiência como um
pressuposto ao conhecimento, logo, para ele, o conhecimento concreto era impossível!
A alternativa encontrada por Aristóteles para eliminar o “problema do conhecimento”
decorrente das confusões atribuídas por Platão aos objetos sensíveis está na afirmação de que
a “natureza é movimento” (ARISTÓTELES, 1995, p. 79-87).
Todas as coisas estão em movimento, este é inerente a tudo que é “por natureza”. Por este
motivo, podem se apresentar para nós “em potência”, quando está em movimento, ou “em
ato”, ou atuantes, realizados quando a partir daí se põem em repouso em seu “lugar natural”. O
movimento é a condição do potencial em direção, ou que “tende ao” lugar natural, à sua finalidade.
A nossa noção de tendência tem origem no pensamento aristotélico. Se examinarmos
os processos que estão ocorrendo em dado fenômeno, supomos seu desfecho. Assim, não
necessitamos esperar sua realização (“em ato”) a partir do reconhecimento do seu movimento
(“em potência”), ou sua tendência, e sugerimos seus fins, ou seu lugar natural.
O movimento é a tendência da massa de sedimentos, rocha e solo da encosta da montanha
(“em potência”) em direção à depressão de relevo por meio do deslizamento dos sedimentos,
da rocha e do solo nestas condições. A perspectiva aristotélica, o fim ou o desígnio deste
material, é a depressão do terreno e a tendência é tudo o que envolve o deslizamento.
Vamos exemplificar esta situação a partir de um exemplo hipotético. Considere a Figura 2 a
seguir. Ela representa uma circunstância muito comum em ambientes urbanos. Trata-se de uma
ocupação antrópica, representada pela casa, sob uma encosta que tem no seu topo grandes
blocos de rocha residual provenientes de intensos processos erosivos.
Ora, o que esperar, segundo a lógica aristotélica, quanto à tendência? O que esperamos
que ocorra?
Segundo esta lógica, devemos esperar unicamente a queda dos blocos.

20
Figura 2. Situação “em potência” de um relevo hipotético.

Fonte: IPT, “Ocupação de Encostas”, (1991).

Quando uma determinada comunidade é atingida por um deslizamento de terras, como


consequência de uma situação concreta similar à figura hipotética anterior, nós, geógrafos,
treinados que somos para diagnosticar as causas do ocorrido, deduzimos que um determinado
número de fatores combinou-se para desencadear a queda do material sobre as pessoas. Não
necessitamos, segundo a lógica, ver acontecer, simplesmente deduzimos, a partir da nossa
noção de tendência, que a massa de rochas, solo e sedimentos, sob a influência da gravidade,
desceu um determinado relevo inclinado.
A porção aristotélica do nosso pensamento está no fato de que a paisagem de uma encosta
acentuada e ocupada por autoconstruções que para a maioria das pessoas não despertaria nenhum
tipo de juízo apriorístico, para o geógrafo é causadora de uma perturbação intelectual severa.
Vez que temos por pressuposto que a ocupação do espaço geográfico deve ser precedida de
planejamento (sob esta perspectiva as encostas deveriam estar livres de ocupação), já intuímos
que aquela paisagem “em potência” apresenta a “tendência” ao deslizamento, pois a encosta
“tende” a deslizar. Daí, prognosticamos que há evidências para supor um desastre natural.
O que queremos dizer é que o “lugar natural” da encosta “deslizável” (seu movimento “por
natureza”) é a depressão do relevo ocupada. Assim, o “vir a ser” percebido pelos geógrafos é
o que denominamos desastre natural.
Quais pistas utilizamos para identificar se uma determinada coisa encontra-se “em
potência” ou “em ato”? Aristóteles nos indica o caminho por meio da “forma” da coisa,
que deve ser gerada a partir de um certo número de experiências vivenciadas pelo sujeito
e, dependendo da forma como a coisa se nos apresenta, a sua condição (“em potência”
ou “em ato”) pode ser compreendida. A forma representa um estágio no movimento em
direção ao lugar natural.
De tanto observar deslizamentos que se tornam desastres naturais por ocorrerem em
áreas ocupadas, os geógrafos passaram a tratar de forma apriorística, ou ideal, aí sim,
uma situação em que os componentes, como os da figura hipotética anterior, combinem-
se para suscitar um fenômeno em particular que, de tão repetitivo passa, com o tempo, a
ter status de “lei” geral.

21
Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

É importante ressaltar que Aristóteles estava preocupado em delimitar precisamente um


método para estudar a natureza e, para ele, o movimento pode e/ ou deve ser observado sob
as categorias do tempo e do espaço.
Estas categorias, segundo ele, são propriedades da percepção da inteligência (“alma”) sobre
o movimento, isto é, percebemos as coisas espaço-temporalmente. Nossa observação sensível
estabelece um recorte no tempo percorrido pelas coisas desde o princípio do movimento até
que alcancem o lugar natural ou seu espaço relativo, aquele ocupado pelas coisas no espaço
absoluto. Assim, segundo ele, podemos medir as frações de tempo e espaço do movimento já
executado e que ainda há de ser cumprido.
Aristóteles acreditava que a ciência natural deveria ordenar a natureza de forma sequencial
ou hierarquizada segundo a sua condição física. De tal modo, as coisas mais próximas das suas
condições “em potência”, por exemplo, uma fruta verde, seria classificada em um nível em
relação àquela que se apresentasse mais madura, ou mais próxima da sua condição “em ato”
no seu lugar natural, ou de seu fim, que é servir de alimento.
O método da classificação foi aplicado por Aristóteles em diversos temas da natureza de forma
tão bem-sucedida que se tornou uma das ferramentas mais utilizadas na ciência ainda hoje.
Na rotina das pesquisas científicas, são muitas as ferramentas de classificação com múltiplos
critérios que nos permitem compreender diversos aspectos da natureza.
Aristóteles elaborou, inclusive, uma fórmula de classificação hierárquica para o seu modelo
astronômico. No mundo superior, encontram-se os corpos celestes como a Lua, o Sol e os outros
planetas. Nele, os movimentos são regulares, eternos e imutáveis devido à incorruptibilidade
das leis que o regula, vez que é o mundo dos deuses.
Já no mundo sublunar que abriga as coisas existentes e sensíveis ao homem, além dele
próprio, os movimentos são imperfeitos, ou corruptíveis.

Saiba Mais
Na Geografia, a classificação é um dos recursos mais comuns no que diz respeito
à representação do ordenamento do território.
A hierarquização das cidades, das economias, do relevo, do clima e das
formações vegetais é tão naturalmente aceitável como a regionalização
horizontal dos mesmos temas.
Assim, podemos compreender o quanto a contribuição de Aristóteles ainda está
presente no nosso dia a dia.

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Material Complementar

Leituras:
Princípios da natureza na Física A, de Aristóteles: pré-socráticos, Platão
http://www.afc.ifcs.ufrj.br/2011/Trindade.pdf
O Divino e a Natureza – A Novidade de Platão
http://goo.gl/PqH3BH
Ser, natureza e cotidiano: um breve discurso acerca da substância em Aristóteles
http://goo.gl/1pC7J5
O surgimento da Filosofia e a Evolução dos Mitos: a importância da Escola Jônica para a
construção da Racionalidade
http://www.pucrs.br/edipucrs/XSalaoIC/Ciencias_Humanas/Filosofia/71062-AGATHACRISTINEDEPINE.pdf

Sites:
A Filosofia da Natureza dos Pré-socráticos
https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/2175-7941.2013v30n2p323/24929

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Unidade: O conceito de natureza na antiguidade

Referências

ARISTÓTELES. Física I – II. .1ª reimp. Campinas: Unicamp, 2010.

______. Física. Traducción y Notas: Guillermo R. de Echandía. Espanha: Gredos, 1995.

CASINI, P. As Filosofias da Natureza. 2.ed. Lisboa: Presença, 1987.

CHAUI, M. O que é Ideologia. 34.ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.

HEGGEN, R. J. Underground Rivers: From the River Styx to the Rio San Buenaventura with
Occasional Diversions. Publicação digital do autor, 1081p. 2012. Disponível em: https://
archive.org/details/UndergroundRivers_356. Acesso em: 18/12/2014

KÖLBL-EBERT, M. (ed.). Geology and Religion: A History of Harmony and Hostility.


London: Geological Society, Special Publications, 2009, 310p.

LEFEBVRE, H. Lógica Formal/Lógica Dialética. 5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

MOREIRA, R. O Discurso do Avesso. Para a crítica da Geografia que se Ensina. Rio de


Janeiro: Dois Pontos. 1987, 190p.

PLATÃO. A República. Coleção: “Os Pensadores”. São Paulo: Nova Cultura, 1997.

______. Timeu-Crítias. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2011.

SOUZA, J. C. Os Pré-Socráticos: Fragmentos, Doxografia e Comentários. Coleção “Os


Pensadores”. São Paulo: Nova Cultura, 1996.

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Anotações

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