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Material Teórico
Entre o Dever e a Consequência
Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Entre o Dever e a Consequência
• Introdução;
• O Caminho Que Deve Ser Trilhado...
• A Utilidade, o Prazer e a Dor.
OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Compreender a ética no pensamento kantiano e na percepção do consequencialismo.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.
Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.
Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.
Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;
No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;
Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de
aprendizagem.
UNIDADE Entre o Dever e a Consequência
Introdução
Se, no antigo mundo grego, havia uma dicotomia entre o virtuosismo e o rela-
tivismo, entre a certeza da Verdade e a Verdade construída – e, portanto, provi-
sória –, séculos mais tarde, o campo da Ética tem novos antagonistas disputando
uma hegemonia.
Porém, no campo ético, a teoria do dever segue um trajeto distinto: “[...] o dever
é a obrigação moral considerada em si mesma e, em geral, independentemente de
uma regra de ação particular. [...]” (LALANDE, 1993, p. 253). Esse é o domínio das
decisões, das aspirações. Determinada coisa deveria acontecer de uma determi-
nada maneira e não de outra. Isso porque é perfeitamente possível que aconteça
de outra forma, uma vez que o acontecimento, a ação, depende de uma resolução
humana, uma escolha, e enquanto escolha sempre pode acontecer algo diferente
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do almejado. Almejar, esperar, desejar não garante que aquilo que acreditamos,
que deveria acontecer, realmente ocorra.
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UNIDADE Entre o Dever e a Consequência
O velho filósofo prussiano, que entre outros temas escreveu sobre como nós
podemos conhecer as coisas na natureza, ao se voltar para a ética e o estudo da
moral, ele se refere como: “lei moral em mim”. Isso não foi somente um recurso
estilístico. De fato, para ele, aquilo que podemos chamar ora de moralidade, ora de
consciência moral, não tem outra origem a não ser no próprio ser humano.
Um pouco à moda dos antigos gregos, Kant isola os impulsos naturais – causa-
lidade natural – como exterior às decisões morais. Note-se que essa exterioridade
não é apenas para fenômenos e condições ambientais (frio intenso, chuva, gravida-
de etc.), mas, também, para os fenômenos biológicos que são parte do ser humano
(fome, sede, sono, sexualidade etc.). Nesses casos, a biologia corpórea pode funcio-
nar como intrusa, para a racionalidade, assim como também seriam considerados
intrusão os gestos ou as ações feitas por terceiros. Ele dará o nome de heteronomia
para ações cujas motivações sejam oriundas não da própria racionalidade, mas de
um ajuste para com a natureza ou com toda a sorte de motivações externas. Por
exemplo, ao optar ajudar a outrem a obter felicidade, se esse gesto for motivado
pelo interesse em obter apoio político, então o motivo da ação não foi a felicidade
em si, mas um efeito colateral a ser obtido na forma de uma chantagem. O apoio
político do exemplo não foi dado livremente, mas “arrancado” à custa de pressões
externas, o que, para o pensamento kantiano, também seria considerado imoral.
Para Kant, em qualquer cenário, somente podemos falar de uma conduta genui-
namente moral se ela for realizada de maneira autônoma, uma vez que:
Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela é para
si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer).
O princípio da autonomia é portanto: não escolher senão de modo a
que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer
mesmo, como lei universal. [...] Pela simples análise dos conceitos da mo-
ralidade pode-se, porém, mostrar muito bem que o citado princípio da
autonomia é o único princípio da moral. Pois desta maneira se descobre
que esse seu princípio tem de ser um imperativo categórico, e que este
imperativo não manda nem mais nem menos do que precisamente esta
autonomia. (KANT, 2007, pp. 85,86)
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Ou seja, para o pensador de Königsberg, a liberdade é um passo fundamental
para que o sujeito racional possa fazer escolhas. A “pressão” que interfira nessa von-
tade individual inibe a possibilidade da pessoa livremente escolher esse ou aquele tipo
de ação. Por exemplo, uma pessoa sendo ameaçada, tendo a sua própria vida posta
em risco, não mais decide com base naquilo que sua consciência racional compreen-
de como certo. Apenas age ou fala conforme as ordens do captor ou do algoz, tudo
para evitar o sofrimento e a morte. Nessas circunstâncias, falará ou fará coisas que
vão contra sua própria consciência moral, tudo para salvar a própria vida.
Não para menos, Kant defende também que “[...] o homem, e, duma maneira
geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o
uso arbitrário desta ou daquela vontade.” (KANT, 2007, p. 68.).
Isso nos leva à ideia que tratar o outro como um objeto da nossa vontade, ou
ainda, como um meio, para alcançar outros fins, é desconsiderar o seu valor como
ser racional digno de ser reconhecido enquanto tal. Ou melhor, ajudar ou apoiar o
próximo apenas pensando em conseguir vantagens – “Ah, agora que eu o ajudei
ele ficará me devendo o favor...” – não é uma atitude ética. O outro foi conside-
rado um meio para um fim, ou uma ponte para o sucesso da minha ação, em
linguagem ainda mais direta: não é ético usar as pessoas ao seu redor.
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lista de regras do tipo pode ou não pode; tal ação é ruim e tal ação é boa (conforme
uma lista previamente estabelecida). Assim como os gregos antigos haviam feito, o
pensador nos oferece um modelo de análise das nossas ações. Se quisermos saber
se algo está de acordo ou não com a ética, basta aplicarmos na análise a “fórmula”
sugerida pelo autor.
Mais uma vez, a ética se apresenta diferente da moralidade por não nos oferecer
uma lista de coisas boas ou coisas ruins, e sim um método racional para avaliarmos
a correção ou não das ações segundo também critérios racionalmente estabeleci-
dos, fossem eles o virtuosismo do equilíbrio ao estilo de Aristóteles, seja o dever
racional como demanda o pensamento kantiano.
Podemos agregar aqui mais uma linha de pensamento, pela qual se deve buscar
a felicidade geral, porém, avaliando o possível resultado das ações, suas consequ-
ências. Ou melhor, avaliar se os resultados das ações são mais benéficos que preju-
diciais, não apenas para o indivíduo que executa a ação, como também para a so-
ciedade com um todo. Essa linha de pensamento ético é nomeada de Utilitarismo.
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A natureza colocou o gênero humano sob o domínio de dois senhores
soberanos: a dor e o prazer [...]. O princípio de utilidade reconhece
esta sujeição e a coloca como fundamento desse sistema, cujo objetivo
consiste em construir o edifício da felicidade através da razão e a lei.
Os sistemas que tentam questionar este princípio são meras palavras e
não uma atitude razoável, capricho e não razão, obscuridade e não luz.
(BENTHAM, 1984, p. 03)
E ainda:
Pode-se afirmar que uma pessoa é partidária do princípio de utilidade
quando a aprovação ou a desaprovação que dá a alguma ação, ou a al-
guma medida, for determinada pela tendência que, no seu entender, tal
ação ou medida tem a aumentar ou a diminuir a felicidade da comunida-
de; ou, em outras palavras, pela conformidade ou não conformidade com
as leis ou os ditames da utilidade. (BENTHAM, 1984, p. 05)
Tal associação pode advir – pelo menos para os falantes da língua portuguesa –
de uma compreensão mais estreita da ideia de utilidade.
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UNIDADE Entre o Dever e a Consequência
A própria ética do dever kantiana nega que uma pessoa ajudar outra por inte-
resse próprio, e não por considerar essa pessoa em si mesma, seja um ato moral,
pois, no contexto, uma pessoa estaria utilizando a outra tal qual uma ferramenta.
Portanto, além de considerar como suas ações podem ajudá-lo a alcançar a fe-
licidade (aumentado tudo o que é prazer e diminuído a dor), o utilitarista pensará,
também, no impacto que suas ações têm na coletividade ao seu redor.
Esse cálculo das consequências de nossas ações está no centro do utilitarismo ben-
thamiano, que é denominado como utilitarismo do ato (BARBIERI & CAJAZEIRA).
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Figura 5 – O desafio de se avaliar o impacto das ações o tempo todo
Fonte: Getty Images
Embora, num primeiro momento, uma leitura desse tipo pudesse despertar até
certa simpatia, inclusive por sua simplicidade, uma observação um pouco mais de-
morada indica uma perigosa aproximação com um egoísmo expandido, no qual
as lealdades para com o grupo próximo fundamentariam o norte de conduta do
indivíduo. Mas, então, como lidar com um amigo próximo que se torna criminoso?
Essas lealdades localizadas não seriam bastante convenientes para aqueles repre-
sentantes públicos que escolhem o caminho da corrupção? A corrupção desses re-
presentantes, protegidos por um código de lealdade dos amigos próximos, não pre-
judica sobremaneira a comunidade como um todo? Essas limitações do utilitarismo
na sua versão de utilitarismo do ato e na versão do utilitarismo indireto contribuíram
para propostas fora do escopo do utilitarismo, mais próximas da filosofia política,
como é o caso de uma das abordagens do filósofo John Rawls.
Mesmo não sendo um pensador utilitarista, algumas de suas proposições são bas-
tante interessantes no nosso contexto, como, por exemplo, a do equilíbrio reflexivo.
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das ações o que exige um aprendizado e uma reflexão por parte das pessoas. Por
exemplo, para ética kantiana do dever, o roubo é antiético não porque seja pecado,
mas por não ser uma conduta capaz de racionalmente ser considerada universal.
Já para o utilitarismo, a consequência do roubo é produzir benefícios a quem rouba
às custas de se prejudicar a vítima (ou vítimas nos casos de corrupção na gestão
pública) e, portanto, inaceitável.
Mas, como todos os modelos podem ser passíveis de críticas, ambos os formatos,
quando levados ao extremo, carregam seus dilemas, o que expõe os seus limites.
Uma extremada ética do dever que buscasse pela simples generalização para es-
tabelecer um fundamento da ação teria problemas com situações do mundo contem-
porâneo – por exemplo, na conduta médica, um paciente em situação que demanda
cuidados maiores deveria ser privado de saber a verdade sobre um ente querido que
faleceu enquanto esse paciente se recupera? Notoriamente, a contrariedade pode
agravar o estado de saúde já comprometido do paciente, ou seja, colocando a vida
do mesmo em risco. Mas está se mentindo para aquele paciente, e isso não é anti-
ético? Para uma leitura pura da ética do dever sim, pois uma leitura pura não prevê
“situações especiais” e o princípio ou é aplicado universalmente ou não é aplicado.
Do lado da ética das consequências, o utilitarismo, propõe sempre buscar a máxi-
ma felicidade ao maior número de pessoas. Nesse caso, por exemplo, se um indiví-
duo é um criminoso, mas fisicamente saudável, então a sociedade deveria colocar os
interesses coletivos acima dos interesses individuais? Deveríamos submetê-lo à euta-
násia para retirar seus órgãos e transplantá-los para outras boas e produtivas pessoas
da sociedade que contribuiriam melhor para o todo? A história é repleta de exemplos
de supostos interesses coletivos que cometeram as maiores atrocidades, afinal, a qual
coletividade nos referimos? O número de beneficiários justifica a ação por si mesma?
Talvez a ética do dever precise da ponderação acerca das consequências dos
atos ou dos princípios adotados, da mesma maneira que a ética das consequências
precise do freio dos princípios estabelecidos pelos valores da coletividade como um
tipo de limite sobre o cálculo dos resultados.
O mundo contemporâneo com toda a sua complexidade, principalmente, na-
quilo que se refere ao tratamento da Vida e da própria Natureza, demanda uma
constante reflexão sobre qual o melhor caminho a se seguir. Parece-nos que uma
única escola de pensamento não consegue sozinha responder a todas as questões,
seja um relativismo ou um virtuosismo antigo, seja o dever ou as consequências
pensadas pelos modernos.
O século XX, com o seu vertiginoso desenvolvimento científico, ampliou ainda
mais o desafio, não apenas da compreensão do mundo, mas de como agir nele.
Por isso, na etapa seguinte, traremos para a discussão uma última linha de
pensamento ético, que, combinada em maior ou em menor medida com as ou-
tras linhas de pensamento, pode nos oferecer não respostas definitivas, mas
instrumentos para buscarmos uma melhor compreensão sobre a ética, a vida e a
natureza no mundo (atual) que nos rodeia. Essa pode ser a grande contribuição
da ética da responsabilidade.
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Livros
Fundamentos da ética
BRAGA JUNIOR, A. D. Fundamentos da ética. Curitiba: InterSaberes, 2016. (e-book)
Bioética: fundamentos e reflexões
JORGE FILHO, I. Bioética: fundamentos e reflexões. Rio de Janeiro: Atheneu,
2007. (e-book)
Bioética: uma diversidade temática
RUIZ, C. R; TITTANEGRO, R. Bioética: uma diversidade temática. São Caetano do
Sul, SP: Difusão, 2007. (e-book)
Homo ecologicus: ética, educação ambiental e práticas vitais
PELIZZOLI, M. L. Homo ecologicus: ética, educação ambiental e práticas vitais.
Caxias do Sul, RS: Educs, 2011. (e-book)
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Referências
BARBIERI, J. C.; CAJAZEIRA, J. E. R. Responsabilidade social empresarial e
empresa sustentável: da teoria à prática. 2.ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
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