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Filosofia

Material Teórico
Ética e Cidadania

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Andrea Borelli

Revisão Técnica:
Prof. Ms. Edson Alencar Silva

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
Ética e Cidadania

• Introdução
• Os Valores
• A Moral e o Ato Moral
• Ética: Algumas Considerações Filosóficas
• A Questão da Liberdade: Algumas Considerações

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Vamos finalizar nosso estudo de Filosofia, discutindo um tema muito
importante no mundo atual: a questão da Ética e da Cidadania.
· Nesta Unidade, discutiremos alguns aspectos iniciais desse problema
que sempre aparece nos noticiários.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Ética e Cidadania

Introdução
Você é ético?

Vamos fazer um teste?

Leia o texto a seguir e se lembre de que essa é uma situação fictícia, criada com
o objetivo de promover reflexão.

“Imagine que você é um repórter fotográfico de uma importante Agência de


notícias. Seu trabalho o leva para todos os lugares do mundo e, em uma dessas
viagens, você é enviado para cobrir uma das maiores enchentes da história humana.

Num determinado momento, você se depara com um grupo de pessoas ilhadas


e prestes a serem levadas pela enxurrada. No grupo, você reconhece três pessoas:
Hitler, responsável pelo Holocausto; Pinochet, ditador chileno que conduziu uma
das ditaduras mais violentas do mundo (lembre-se de que estamos em uma situação
fictícia) e seu vizinho, aquele cara que faz da sua vida um inferno.

Você é o único que pode salvá-los...

Contudo, se você não fizer nada, vai tirar uma sequência de fotos que lhe
garantirão riqueza e fama. Afinal, todos vão querer ver celebridades morrendo.

Considerando todos os princípios da ética, responda a questão.

Você tiraria fotos coloridas ou em preto e branco? ”

Obviamente, isso é uma brincadeira.

Contudo a discussão da Ética e da Cidadania é de vital importância para o


mundo moderno e esse é o tema de que trataremos nesta Unidade.

Algumas afirmações tornaram-se lugar comum no mundo atual: “As pessoas


não têm valores”; “Os jovens não sabem o que é Moral”; “Os políticos não têm
Ética”; “Temos de lutar pela Cidadania”.

Valores, Ética, Moral, Cidadania...

Esses conceitos são utilizados de maneira indiscriminada e sem que as pessoas


tenham noção do que eles realmente significam. É necessário saber o que realmente
é um Ato Moral, qual o sentido de Ética e de Cidadania.

Vamos discutir esse assunto nesta Unidade.

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Os Valores
Ao entrar em contato com algo, uma árvore, por exemplo, fazemos uma série
de observações em nossa relação com o objeto: sua cor, seu cheiro ou sua beleza.
Essas observações são os juízos.

Observe:

1º) Realizamos um Juízo de Realidade: quando


partimos do fato de que a árvore existe..

2º) Realizamos Juízos de Valor: quando atribuímos uma


qualidade que mobiliza nossa atração ou repulsa.

Figura 1
Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

Atribuímos valor às coisas todo o tempo e isso marca a nossa relação com o
mundo. Eles podem ser de utilidade, beleza, morais (bem e mal), econômicos.

Trocando ideias...Importante!
“Desse modo, os valores podem ser lógicos, utilitários, estéticos, afetivos, econômicos,
religiosos, éticos” (ARANHA & MARTINS, 2013, p. 171).

Contudo, o que é valor?


Valor

Do grego áxios, “valor”.

Axiologia trata da relação entre os


objetos e os seres que os aprecia.

Algo possui valor quando não


nos deixa indiferentes.

Figura 2

Os valores são, em um primeiro momento, herdados do mundo cultural em


que vivemos, ou seja, aprendemos com os outros o que é belo e o que é feio;
aprendemos a andar, correr e brincar. Portanto, é importante perceber que os
valores são construídos coletivamente e variam de acordo com a cultura que os
gestou. Eentre os diversos tipos de valores, estão os éticos ou morais.

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UNIDADE Ética e Cidadania

A Moral e o Ato Moral


Os conceitos de Moral e Ética são, muitas vezes, utilizados como sinônimos,
aliás, possuem uma etimologia semelhante, apesar de designarem coisas diferentes.
“[...] ambos referindo-se a um conjunto de regras de conduta consideradas
como obrigatórias. Tal sinonímia é perfeitamente aceitável: se temos dois
vocábulos é porque herdamos um do latim (moral - mos, moris) e outro do
grego (ética - ethos) duas culturas antigas que assim nomeavam o campo
de reflexão sobre os ‘costumes’ dos homens , sua validade, legitimidade,
desejabilidade, exigibilidade” (LA TAILLE, 2006, p. 25).

Moral Ética
Origem Latina Origem Grega
mos, moris ethos
“maneira de comportar regulada pelo costume.” “costume”

Em sentido amplo, a Moral é o conjunto de regras de conduta que um grupo


admite como ideais numa determinada época e a Ética é a parte da Filosofia que se
ocupa da reflexão sobre as noções, as quais fundamentam a vida moral.

Observe que a Moral é perpassada por duas importantes dimensões: a pessoal


e a coletiva, pois os atos humanos são marcados pela dinâmica entre a liberdade
pessoal e a pressão coletiva; entre a aceitação e a recusa das normas criadas
socialmente.

A criação do mundo Moral leva à reflexão sobre os atos cotidianos e levanta a


problemática do Ato Moral.

É normativo
Ato Moral
As normas que determinam o “dever ser”.

É fatual
São os atos humanos que se realizam.

Amoral = foge da norma. Moral = de acordo com a norma.

É voluntário e livre
É um ato de vontade que busca um objetivo.

É responsável É solidário
É um momento de ação livre e consciente. Reciprocidade entre os envolvidos.

É obrigatório – cria um dever


A consciência moral obriga a ação – Autonomia (autodeterminação).

Figura 3

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Estabelecidas as características do Ato Moral e determinado que a Moral é fruto
da ação coletiva humana, podemos iniciar as considerações sobre a questão da
Ética, ou seja, as reflexões que a Filosofia propõe sobre a vida moral.

Ética: Algumas Considerações Filosóficas


Os filósofos antigos consideravam que a vida moral era marcada por um
constante choque entre os nossos desejos e a nosso razão. Nesse período, a vida
ética era educar as paixões e orientar a vontade no rumo do bem e da felicidade.

A finalidade da Ética, no mundo antigo, era observar a harmonia entre o caráter


do sujeito ético e os valores da sociedade.

Os homens de bem querem o bem de uns e outros, do mesmo modo. E por serem homens de
Explor

bem são amigos dos outros, pelo que os outros são. Esses são assim amigos de uma forma
suprema. Querem para os seus amigos o bem que querem para si próprios.»
Ética a Nicômaco – Aristóteles.

A Ética expressa não somente os anseios e problemas de cada época, mas


expressa a organização política, social e religiosa de uma cultura, de um povo. O
comportamento moral é próprio do homem como ser histórico, social e prático,
isto é, como um ser que transforma conscientemente o mundo que o rodeia.

A Ética filosófica procura orientar e encontrar soluções para os problemas


básicos das relações entre os homens. Desde a Grécia Antiga até a Contempora-
neidade, a Ética foi discutida e elaborada por muitos filósofos.

Sócrates racionaliza a Ética e preconiza uma concepção do bem e do mal e


da areté (da virtude). Com Platão, a Ética ganha espaço na política. Assim como
Platão, Aristóteles fala do homem político, social, condenado a viver na pólis
(cidade-estado grega). Para ele, o homem deve cultivar a “justa medida”, que é o
conjunto das virtudes éticas, pela qual são administrados os impulsos e as paixões.
A justa medida se traduz em um habitus e, portanto, constitui a personalidade
moral do indivíduo.

Com a decadência das cidades-estado gregas, a reflexão da ética filosófica toma


novas direções: de uma Moral da pólis, racional, para uma Moral do universo,
ligada à natureza. Assim, o estoicismo (representado por Sêneca) e o epicurismo
(por Epicuro) tomam a natureza (a física) como referência para a Moral.

Para o estoicismo, Deus é a “razão final” do Cosmo. Nada acontece que não
esteja determinado por ele. E é para ele que todo indivíduo é destinado. Portanto,
o bem supremo é viver de acordo com a natureza. O homem é protagonista de sua
vida, pois não há determinações divinas em suas ações. Por isso, o “bem viver” se
resume na procura do prazer espiritual.

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UNIDADE Ética e Cidadania

Na Idade Média, preconizada pela ruína econômica política da sociedade, a


religião cristã confere coesão social nesse mundo diluído e exerce um poderio
religioso-moral que irá conduzir à reflexão intelectual dessa época. A filosofia cristã
se baseia nas verdades reveladas para estabelecer o princípio regulador da Ética.
Se antes a referência da Moral era a pólis (para Aristóteles), o universo (para os
estóicos e os epicuristas), agora Deus é a suprema verdade em que tudo é orientado:
a Moral e a perfeição.

Trocando ideias...Importante!
Ainda que a Filosofia estivesse a “serviço” da Teologia, como se acreditava, Agostinho e
Tomás de Aquino resgatam a Filosofia Grega em suas vertentes platônica e aristotélica e
submetem-na a um processo de cristianização.

A noção dever criada pela ética cristã apresentou um problema interessante


para os filósofos modernos. Na Modernidade, a Ética se estrutura dentro de uma
corrente Racionalista. O homem torna-se o centro das reflexões, enquanto que a
religiosidade perde prestígio diante da Ciência Moderna. Isso nos leva a situar este
marco no século XVII, resposta da Revolução Científica galileiana e das evoluções
filosóficas protagonizadas por Descartes e Hobbes.

Na história da Ética, o paradigma mecanicista conduzirá o pensamento ético até


a filosofia kantiana da moral. A Filosofia e a Ética moderna nascem para pensar a
constituição e a forma como o sujeito conhece e é capaz de assumir o novo destino
histórico da razão, de pensar a natureza da realidade”: o dever ser.

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Considerando que o Ato Moral deve ser autônomo, como ele pode ser um
dever? Dois grandes filósofos tentaram responder esse dilema: Rousseau e Kant.

Rousseau defende que o fundamento da moral está na própria natureza humana,


no coração dos homens, no qual eles encontrarão os critérios do bem e do mal.
Qualquer homem, que consultar sua consciência, necessariamente vai encontrar
uma solução para seus dilemas morais.

· A Consciência Moral e o dever são


inatos. São a “voz da Natureza” e o
“dedo de Deus”
· Nascemos bons e puros, a ação da
sociedade nos corrompe.
· A Noção de dever Moral somente nos
faz lembrar nossa natureza original.
· Ao obedecer ao dever moral, obe-
decemos a nós mesmos, aos nossos
sentimentos e emoções, e não obede-
Figura 4 – Retrato de Jean-Jacques Rousseau cemos à razão que nos faz perversos.
(1753), por Maurice Quentin de La Tour
Fonte: Wikimedia Commons · A Razão torna a sociedade perversa

Em Kant, a ética filosófica atinge o seu auge: parte da concepção de um factum da


oralidade, em que preconiza um sujeito individual, livre e autônomo. A “máxima”
de seu postulado ético está no imperativo categórico: “Age de maneira que possas
querer que o motivo que te levou a agir se torne uma lei universal”.

· Kant reafirma a importância da razão para uma


postura Ética.
· Somos egoístas, ambiciosos e cruéis e por isso pre-
cisamos da Razão para escolher uma vida moral.
· A Razão Prática é a liberdade como instrumento
de criação de normas e princípios éticos.
· A noção de dever deve ser aplicada a toda a
ação moral.
· O dever é um imperativo categórico. Ordena in-
condicionalmente.
· A ação moral deve ser pautada por três máximas:
1) determina o que todo o ser humano deve fazer;
Figura 5 – Retrato de Immanuel 2) determina que todos os seres humanos sejam o
Kant – século XVIII
Fonte: Wikimedia Commons objetivo da ação; 3) determina que a ação moral
criacrie o reino humano dos fins.

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UNIDADE Ética e Cidadania

Os pensadores modernos assumem A tese de que todos os homens possuem,


em todos os tempos e lugares, a mesma natureza fundamental, ou seja, partilham
essencialmente, da mesma racionalidade e dos mesmos instintos e interesses
básicos, portanto a solução apresentada por ambos apresenta semelhanças.

O dever de cumprir o ato mora


Rousseau Kant
está dentro de nós. É nossa natureza.

Figura 6
Fonte: Wikimedia Commons

O pensamento de Rousseau e de Kant sobre a questão da Ética foi alvo de duras


críticas de outro grande nome da Filosofia: Georg Wilhelm Friedrich Hegel.

Para Hegel, “o Espírito é o indivíduo que constitui um mundo tal como ele se
realiza na vida de um povo livre”. O ambiente social está constituído por uma
Consciência que determina seus valores normativos. Esses valores, compreendidos
na autoconsciência, compõem os elementos “ditos” para um indivíduo, ou seja, o
Espírito inserido numa dimensão social.

·· Os seres humanos são históricos e


culturais e sua moralidade resulta
da necessidade reguladora da vida
em comunidade.
·· A vida ética é o acordo e a harmo-
nia entre a vontade do indivíduo e
a vontade coletiva.
·· Ser ético é portar-se de acordo com
as regras morais da sociedade em
que vivemos, internalizando-as.
Isso é um ato racional.
·· A crise de uma sociedade pode ser
Figura 7 – Retrato de Hegel (1831),
por Jakob Schlesinger notada quando suas normas pas-
Fonte: Wikimedia Commons sam a ser transgredidas.

Os autores que analisamos, até o momento, tratam a Ética com um elemento


que é fruto da razão humana voltada ao bem geral. Contudo, esses pensadores
receberam críticas e, entre elas, estão os chamados “mestres da suspeita”, Marx e
Nietzsche, que põem em relevo a ética filosófica tradicional. A reflexão ética toma
um novo direcionamento: desenvolvido em uma representação da economia para
Marx e na cultura para Nietzsche.

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Segundo Nietzsche:

· A moral racionalista é fruto do pen-


samento dos fracos e ressentidos
que temem a vida, os desejos e as
paixões. É a moral dos fracos que
pretende escravizar os fortes.
· É preciso instituir uma Moral dos
senhores ou a Ética dos Melhores.
Essa moral é fundada na vontade
de potência.
· O modelo da Vontade de Potência
é encontrado nos guerreiros bons e
belos do mundo antigo.
· A força de potência gera uma violên-
cia purificadora e nova, além de li-
Figura 8 – Retrato de Nietzsche
(1889/1900), por Hans Olde berar o desejo humano que foi repri-
Fonte: Wikimedia Commons mido por uma sociedade de fracos.

O pensamento de Nietzsche tem o mérito de apontar a hipocrisia e a violência da


moral vigente, trazendo de volta um ideal de felicidade que a sociedade dominada
por preconceitos destruiu. Nietzsche estava convencido de que o homem necessita
para viver de um sentido para a vida e, por isso, viu a sua tarefa numa reavaliação
dos valores, segundo a qual os homens deveriam ser o sentido da vida na própria
vida. Ao invés de obedecer aos valores dados (valores suprassensíveis), o homem
criaria seus próprios valores.

A crítica de Marx à Moral é parte integrante da que faz ao Capitalismo e pode


ser localizada na crítica que o autor estabelece à ideologia burguesa. Sua natureza
ética compreende-se melhor se nos lembrarmos do seu conceito de ideologia.

Marx define ideologia como falsa consciência ou representação falsa da realidade.


Segundo ele, numa sociedade na qual vivem exploradores e explorados, é a Moral
da classe dominante que predomina. Os valores, como liberdade, racionalidade
e felicidade, são hipócritas, porque são irrealizáveis numa sociedade fundada na
divisão do trabalho.

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UNIDADE Ética e Cidadania

·· A ideologia representa as crenças


de uma determinada classe social.
Pode ser utilizada como instrumen-
to de dominação que age pelo con-
vencimento, alienando a consciência
humana e mascarando a realidade.
·· Os valores éticos vigentes – liberda-
de, igualdade, racionalidade, busca
pela felicidade etc. – são irrealizá-
veis na sociedade vigente.
·· A sociedade atual é baseada na
violenta exploração do trabalho e a
maioria das pessoas não tem condi-
ções concretas de atingir esses ideias.
Figura 9 – Karl Marx – John Jabez Edwin Mayall -
International Institute of Social History
·· Somente a mudança da sociedade
Fonte: Wikimedia Commons permitirá que a Etica se realize.

A Questão da Liberdade: Algumas


Considerações
Um dos conceitos éticos mais conhecidos e discutidos é a liberdade. Trata-se de
um conceito utilizado e discutido por vários pensadores ao longo da História e por
nós, o tempo todo.
Explor

A questão central da primeira concepção de liberdade é a centralidade do indivíduo.

Contudo, o que é Liberdade?

Vamos buscar alguns sentidos desse termo. Liberdade é uma palavra originária
do latim “liberare”, que significa a pessoa que pode dispor de si mesma, que não
está sujeita a ninguém. A questão da liberdade relaciona-se a várias dimensões do
ser humano: a sua racionalidade, do seu todo psicológico, social, cultural e político.

O conceito de liberdade foi entendido e utilizado de maneiras muito diferentes


e nos mais diversos contextos da literatura filosófica dos gregos até o presente. A
primeira grande teoria sobre a liberdade foi apresentada por Aristóteles em sua obra
“Ética a Nicômaco” e muitas das suas concepções foram retomadas por Sartre.

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· A liberdade se opõe ao que é con-
dicionado externamente e ao que
acontece sem escolha voluntária.
· É considerado livre aquele que tem
em si mesmo o princípio para agir
ou não.
· A liberdade é o poder absoluto da
vontade para se determinar.

Figura10
· A liberdade é a ausência de cons-
Fonte: Wikimedia Commons trangimentos externos ou internos.

“Nas coisas de fato, nas quais o agir depende de nós; e quando estamos
em condições de dizer não, podemos também dizer sim. De forma que se
cumprir uma boa ação depende de nós, dependerá também de nós não
cumprir uma ação má” (Ética a Nicômaco, III).

· A liberdade é uma escolha incondi-


cional que o próprio homem faz de
seu ser e seu mundo.
· Conformar-se, ceder, aceitar ou lutar
são escolhas do indivíduo.
· Estamos condenados à liberdade.
· Somos agentes livres e respon-
Figura11 – Jean Paul Sartre –
Foto do jornal argentino Clarín (1983) sáveis para criar ou perder nossa
Fonte: Wikimedia Commons própria felicidade.

“Com efeito, sou um existente que aprende sua liberdade através de


seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e
única temporaliza-se como liberdade (...) Assim, minha liberdade está
perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade
sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente
a textura de meu ser [...] (SARTRE, 1998, p. 542/543).

A questão central dessa concepção de liberdade é a centralidade do indivíduo.


Essa concepção afirma que todo o indivíduo é racional, assim como a sociedade, e
que é livre quando age em conformidade com a Lei e para o bem comum.

A segunda concepção de liberdade foi inicialmente desenvolvida na Grécia


Clássica pelo Estoicismo (século IV a.C.), ressurgindo no século XVII, com Espinoza,
e no século XIX, com os filósofos alemães Hegel e Marx.

Nela é conservada a ideia aristotélica de que a liberdade é a autodeterminação,


assim como a ideia de que é livre aquele que age sem ser forçado nem constrangido
por nada ou por ninguém e, portanto, age impulsionado espontaneamente por
uma força interna ao seu próprio ser.

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UNIDADE Ética e Cidadania

No entanto, diferentemente de Aristóteles e de Sartre, esses filósofos não situam


a liberdade no ato de escolha realizado pela vontade individual. Eles a colocam
na atividade de cada um como parte de um todo necessário. Necessário, aqui, é
aquilo que age apenas pela força interna de sua própria natureza. O todo pode ser
a natureza (no caso dos estoicos), a substância (no caso de Espinosa) ou o espírito
como história (no caso de Hegel).

Em qualquer dos casos, natureza, substância e espírito são a totalidade como


poder absoluto de ação. Como nada exterior obriga a natureza, a substância ou
o espírito agir, eles são livres, pois agem, apenas por seu poder interno. Essa
concepção considera que a liberdade do indivíduo é tomar parte ativa da sociedade
e isso significa conhecer as condições e causas que determinam a nossa ação e não
ser um fantoche dessas condições.

Uma terceira grande concepção


filosófica de liberdade afirma que não
somos um poder incondicional de
escolha, mas que nossas escolhas são
condicionadas pelas circunstâncias
naturais, psíquicas, culturais e históricas
em que vivemos, pela totalidade natural
e histórica que estamos situados. Não
se trata de liberdade de querer alguma
coisa e sim de fazer algo, agir para
mudar as circunstâncias.

A noção de liberdade como possibi-


lidade objetiva (Merleau-Ponty) consiste
na capacidade para perceber tais possi-
bilidades e no poder para realizar aque-
las ações que mudam o curso das coisas,
dando-lhe outra direção, outro sentido. Figura 12 – Merleau-Ponty
Fonte: Wikimedia Commons

Com o seguinte quadro: “O que é então a liberdade? Nascer é ao mesmo


tempo nascer do mundo e nascer no mundo. O mundo está já constituído,
mas também não está nunca completamente constituído. Sob o primeiro
aspecto, somos solicitados, sob o segundo, somos abertos a uma infinidade
de possíveis.” (ARANHA & MARTINS, 2013, p. 199)

O possível, portanto, é aquilo que nós criamos por nossa própria ação. A liberdade
é, simultaneamente, a consciência das circunstâncias que nos cercam e as ações que
realizamos no intuito de superar essas circunstâncias e chegar à felicidade.

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Cidadania: Uma Possibilidade de Felicidade e Liberdade?
A liberdade sempre é associada à cidadania. Contudo, do que trata a cidadania?
Na obra Política, Aristóteles discute o que se pode entender por cidadania e a
define assim:
“Um cidadão integral pode ser definido por nada mais nem nada menos
que pelo direito de administrar justiça e exercer funções públicas, algumas
destas, todavia, são limitadas quanto ao tempo de exercício, de tal modo
que não podem de forma alguma ser exercidas duas vezes pela mesma
pessoa, ou somente podem sê-lo depois de certos intervalos de tempo
prefixados; para outros encargos não há limitações de tempo no exercício
de funções públicas (por exemplo, os jurados e os membros da assembleia
popular).” (ARISTÓTELES. Política. 3.ª ed. Brasília: UnB, 1997. p. 78).

Ainda pensando sobre a concepção de cidadania, observe o quadro de Eugène


Delacroix, A Liberdade guiando o povo, pintado em 1830.

Figura 13 – A liberdade segundo Delacroix


Fonte: Wikimedia Commons

O quadro foi pintado, em 1830, para comemorar o aniversário da Revolução


Francesa, que é considerada um marco da construção da cidadania no mundo
contemporâneo.

Em complemento ao que foi dito anteriormente pela definição de Aristóteles, o


jurista brasileiro Dalmo Dallari1 define cidadania da seguinte forma:
“A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a
possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo.
Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e
da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do
grupo social”.

1. DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998, p.14.

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UNIDADE Ética e Cidadania

No final da Idade Moderna, come-


çam a surgir diversos questionamentos
entre os intelectuais sobre os privilégios
que a nobreza e clero insistiam em man-
ter sobre o povo.

Nesse momento, começam a des-


pontar pensadores que marcariam a
luta pela conquista da cidadania, como
Rousseau, Montesquieu, Diderot, Vol-
taire e outros. O novo paradigma polí-
tico elaborado na Modernidade rompeu
Figura 14 – Esta imagem produzida na França, nos com os modelos tradicionais da Antigui-
anos de 1790, ilustra como a população via a sua dade e da Idade Média. Com base em
condição. Nela, podemos perceber o povo carregando uma postura realista, deram destaque
a nobreza e o clero nos ombros ao sistema de forças que atuam de fato
Fonte: Wikimedia Commons
na sociedade e no poder.

Esses pensadores defendiam o fim dos privilégios e os ideais de liberdade e


igualdade como direitos fundamentais do homem e tripartição de poder. Essas
ideias dão o suporte definitivo para a estruturação do Estado Moderno.
Deve-se observar que a cidadania encontra-se em permanente construção, trata-
se de um objetivo perseguido por aqueles que procuram liberdade, mais direitos,
melhores garantias individuais e coletivas. O exercício da cidadania plena pressupõe
diversos fatores.

Cidadania significa:

Ter consciência que todo


direito envolve um dever.

Promover dignidade, para todos.

Ter liberdade de opinião, e assumir


a responsabilidade por seus atos.

Ter liberdade de ir e vir, e por


dever defendê-la para todos.

Votar de forma consciente e ser votado.

Fiscalizar a ação do estado, de forma


a promover o bem comum.

Ter participação ativa na comunidade.

Figura 15
Fonte: Wikimedia Commons

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Portal Direitos Humanos
Esse site reúne um conjunto de serviços e informações sobre o tema no Brasil e no mundo.
http://www.dhnet.org.br
Núcleo de estudos da cidadania, conflito e violência urbana – UFRJ
Site acadêmico que tem textos, mapas e estatísticas sobre o tema, com destaque para a
questão da violência urbana.
http://necvu.tempsite.ws
Cartilha de Educação para cidadania -– Assembleia Legislativa de MG
Este site tem um conjunto de textos simples e bem escritos sobre o tema.
https://goo.gl/BCe7d1
Programa Ética e cidadania – MEC
Esse site apresenta um programa de educação para a cidadania. Existe um conjunto de
textos sobre ética, inclusão e outros temas que podem ser salvos em pdf.
https://goo.gl/Ir1ehn
Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento -– PNUD Brasil
Site institucional do programa da ONU para o desenvolvimento humano. Destacam-
se os dados sobre a cidadania no nosso país.
https://goo.gl/MPKGUc
Biblioteca Virtual de direitos humanos da USP
Trata-se de um site institucional que reúne documentos importantes sobre o tema e
apresenta links para diversos sites oficiais sobre o tema.
https://goo.gl/4JJ3y

Leitura
A ética dos antigos e a ética dos modernos
BERTI, Enrico. A ética dos antigos e a ética dos modernos
https://goo.gl/6rgowv

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UNIDADE Ética e Cidadania

Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução à filosofia. 5.ed.ª Ed. São Paulo: Moderna, 2013.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; Poética/Aristóteles; seleção de textos de José


Américo Motta Pessanha. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os pensadores
; v. 2). Disponível online: <http://portalgens.com.br/portal/images/stories/pdf/
aristoteles_etica_a_nicomaco_poetica.pdf>. Acesso em: 24 de dez. 2016.

OAB/SP. Cartilha Cidadania e Ação Social. <Disponível em: <http://www.


oabsp.org.br/comissoes2010/acao-social/cartilhas/CartilhaDaCidadania.pdf>.
Acesso em: 21 de dez. 2016.

CHAUÍ, Marilena. CHAUI, Marilena. A Filosofia como vocação para a liberdade.


Estudos Avançados 17 (49): São Paulo, 2003.

______. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.

LA TALLE, Yves de. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Artmed.


Porto Alegre: 2006.

QUINIOU, Yvon. A moral em Marx, 2012. Disponível em: <http://www.ifch.


unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo27229Critica_Marxista_
Texto_Completo_34.51-65.pdf>. Acesso em: 24 de dez. 2016.

SARTRE. J. P. O ser e o nada – Ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução


de: Paulo Perdigão. 6. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

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