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Filosofia e Ciências

Material Teórico
Filosofia, Ciências e Positivismo

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Américo Soares da Silva

Revisão Textual:
Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos
Filosofia, Ciências e Positivismo

• Introdução
• Positivismo

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Apresentar breve panorâmica sobre o problema do conhecimento e
uma síntese do pensamento positivista de Auguste Comte.

ORIENTAÇÕES
Nesta unidade, você encontrará uma breve apresentação do problema
do conhecimento em diferentes períodos da história da filosofia e o
aparecimento dos primeiros contornos daquilo que será mais tarde aceito
como ciência contemporânea; algumas considerações sobre o método
de investigação da ciência; e, por fim, uma introdução ao pensamento
de Auguste Comte, precursor do positivismo na França, o qual deixou
muitos elementos para o debate contemporâneo sobre as relações do
conhecimento científico e a filosofia.
Recomendo a você, estudante, dividir seus estudos em etapas: primeiro,
faça uma leitura atenta do texto. Nesse momento, não é tão importante
fazer marcações; busque uma compreensão de conjunto. Em um segundo
momento, retorne ao texto, mas, dessa vez, você já conhece o final da
história, não é mesmo? Então, ao retornar, você o fará com um olhar de
investigador(a); busque pelos pontos principais: quem são os personagens
mais relevantes dessa “história”? Que ideias cada um deles defendia? Por
quê? Outras questões são colocadas ao longo do texto para sua reflexão?
Quais são elas?
Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais
interativo possível, na pasta de atividades, você também encontrará as
atividades de Avaliação, uma Atividade Reflexiva e a Videoaula. Cada
material disponibilizado é mais um elemento para o seu aprendizado; por
favor, estude todos com atenção.
UNIDADE Filosofia, Ciências e Positivismo

Contextualização

Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

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Introdução
O que é a verdade? O que é conhecer? Em que sentido podemos afirmar que
“conhecemos” algo?

Essas indagações não causam surpresa àqueles que


se aventuram no estudo filosófico, mesmo porque
são questões que se apresentam em diferentes
momentos da história do pensamento ocidental. É
possível rastreá-las até a antiga Grécia nas reflexões
dos pensadores que posteriormente ficariam
conhecidos com pré-sócraticos, cruzando o mundo
antigo, tema presente nos trabalhos de Platão e
Aristóteles. Reaparecendo no mundo medieval nos
escritos de Agostinho e Tomás de Aquino, tornam-se
pedra fundamental da filosofia de autores modernos,
Figura 1 - Rene Descartes como René Descartes.
Fonte: Wikimedia Commons

Na modernidade, não foi apenas a discussão da dúvida metódica e do


racionalismo que prosperaram. Locke e a pressuposição da mente como
tábula rasa também deixaram uma importante contribuição na consolidação
da escola empirista.
No século XVIII, o criticismo kantiano irá propor colocar ordem no debate entre
racionalistas e empiristas, bem como delimitar o alcance de ambições metafísicas
sobre aquilo que podemos conhecer.
Todo esse itinerário foi percorrido em paralelo com o desenvolvimento do
pensamento científico. A ideia de estudo da Natureza se confunde na antiguidade
com o próprio estudo filosófico sobre o conhecimento - pelo menos em seus
primórdios. Contudo, com o passar dos séculos, embora os filósofos se dedicassem
tanto a uma matéria como a outra, gradativamente o estudo da Natureza vai
ganhando uma identidade própria; essa identidade torna-se ainda mais nítida a
partir da modernidade. Sim, no começo da modernidade o filósofo era muitas
vezes também cientista, e aquele que se debruçava em entender os fenômenos do
mundo cientificamente tinha, também, formação filosófica. Contudo, mais e mais
se tornava claro que havia uma forma de buscar o entendimento de como as coisas
funcionavam na natureza e que isso poderia ser pensado e estudado de forma
separada do porquê de os fenômenos naturais se apresentarem desta ou daquela
maneira. O motivo do acontecimento, no sentido de uma teleologia (entendimento
dos fins) do que acontecia no mundo, ficava cada vez mais circunscrito aos domínios
da metafísica e da ética (no caso das ações humanas). O chamado homem da
ciência dará foco às causas e efeitos presentes em um acontecimento (o efeito
de mudança de temperatura na água, as fases da lua como causa das mudanças
nas marés, as mudanças climáticas e sua influência na vida das plantas, as reações
que ocorrem ou não ocorrem quando se combinam determinadas substâncias –
“misturar” água e óleo e assim por diante).

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Galileu Galilei, que muitos consideram ser o pai da


ciência moderna, apontara o caminho para os cientistas
depois dele ao eleger a matemática como linguagem
preferencial para o entendimento da natureza.

O “experimentar” passa a ser atrelado ao “mensurar”.


Para a compreensão da natureza – pelo menos para
uma compreensão científica da natureza – além do
observar é preciso testar, mas esses procedimentos
devem ser acompanhados de descrição matemática
(testado quantas vezes? Qual a quantidade utilizada,
Figura 2 - Galileu Galilei
Fonte: Wikimedia Commons por quanto tempo? etc.).

Os elementos derivados dessa maneira para apreender a realidade foram: a


reprodutibilidade (do que foi experimentado) e com isso a sua previsibilidade.
Poder reproduzir significa que – atendidas as mesmas condições do experimento
original – o resultado do novo experimento será o mesmo, ou seja, mantidas as
mesmas causas podemos esperar, prever, o aparecimento dos mesmos efeitos.

A potência disso para o conhecimento humano foi extraordinária. Além da força


intrínseca de argumentação e entendimento por si só presentes nessa condição do
cientista de “manipular” causas e efeitos, detectar padrões de repetição e com isso
fazer “previsões”, houve um derivado da ciência que aumentou ainda mais a força
do discurso científico, a saber, a tecnologia.

Para nos mantermos ainda no mundo moderno, sem avançar para as


tecnologias mais contemporâneas, basta lembrarmos o quão dramáticas foram
as mudanças na sociedade humana de diferentes pontos de vista (costumes,
convívio, economia, ocupação do espaço geográfico, etc.) com o advento da
locomotiva a vapor.

Figura 3 - Trem a Vapor


Fonte: Wikimedia Commons

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Como chegaríamos à invenção das locomotivas a vapor sem um entendimento
científico (engenharia, física e química) de coisas como resistência de materiais,
temperatura, pressão, transmissão de força etc.?

A ciência forma ao longo do tempo um método próprio. Como bem nos lembra
Lalande, o termo “método” está associado à
[...] “demanda”; e por consequência, esforço para atingir um fim,
investigação [grifo nosso], estudo [...] de onde, nos modernos, duas
acepções muito próximas, ainda que possíveis de distinguir (...) 1º
Caminho pelo qual se chegou a determinado resultado, mesmo quando
esse caminho não foi previamente fixado de uma maneira premedita
e refletida [grifo nosso]. 2º Programa que regula antecipadamente
uma sequência de operações a executar e que assinala certos erros a
evitar [grifo nosso], com vista a atingir um resultado determinado [...]
(LALANDE, 1993, p. 678).

Apesar da proximidade das definições, fica clara a questão do “caminho” ser


ou não ser regulado antecipadamente, e se sim por quem? Retornaremos a essa
problemática mais tarde. Por ora, vamos estabelecer que o método corresponde
ao caminho correto (mais eficiente) para se atingir um determinado fim, sendo esse
fim – no caso da ciência – uma investigação das relações entre os fenômenos da
realidade, ou seja, compreender melhor causas e efeitos.

Isso pode sugerir uma aproximação de método e técnica. Contudo, devemos ter
cuidado em não misturar as duas noções. Consideremos que técnica corresponde
a um “conjunto dos procedimentos bem definidos e transmissíveis, destinados
a produzir certos resultados considerados úteis” (LALANDE, 1993, p. 1109).
Ao se utilizarem de um caminho (método) para obter novos, melhores e mais
confiáveis resultados, os cientistas contribuem para o desenvolvimento de técnicas,
que são a aplicação desses resultados – mensuráveis e previsíveis –, que podem
ser transformados em produtos tecnológicos (novas ferramentas, melhorias nos
sistemas de transporte, novos tratamentos médicos etc.).

Ou seja, o método científico, da maneira como iremos nos referir daqui em


diante, trata-se do caminho utilizado pela ciência para descrever a realidade, os
procedimentos adotados para descobrir, investigar, identificar as relações entre
fenômenos. Já a técnica como procedimentos a serem reproduzidos para se obter
um resultado – note que a técnica não descobre algo de “novo”, apenas reproduz
o que foi descoberto.

Peguemos um exemplo de um técnico que constrói edificações. Ele irá aplicar


uma série de técnicas e procedimentos para obter um mesmo resultado (previsível),
que é a construção pronta e com a integridade necessária. Ele não irá contribuir com
o conhecimento das relações entre peso e resistência dos materiais utilizados. Essas
descobertas já foram feitas anteriormente no âmbito científico (física e química); cabe
a ele aplicar o que aprendeu. Portanto, método científico não será considerado
como a mesma coisa que técnica em geral. A ciência inova, descobre relações. A

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técnica aplica o conhecimento obtido pela ciência em determinadas situações para


obter os resultados já esperados e que a ciência também descrevera anteriormente.
E, finalmente, a combinação de diferentes conhecimentos e técnicas possibilita a
criação de novos produtos tecnológicos.

Figura 3 - Laboratório de Pesquisa Figura 4 - Linha de Produção


Fonte: iStock / Getty Images Fonte: iStock / Getty Images

As novas descobertas produzidas pela ciência ainda na idade moderna, e as


novas técnicas e tecnologias que surgiriam dessas descobertas, potencializaram
transformações na sociedade numa velocidade inédita na história da humanidade.
Muitos viram com extremo otimismo o cenário de transformação que se iniciava.
O movimento iluminista já era uma expressão de que o maior conhecimento e a
sua maior e melhor difusão iriam sanar os problemas da humanidade.
Esse otimismo com o conhecimento e os frutos produzidos pela ciência ganharia
um impulso ainda maior - dando destaque para o aspecto “científico” do conhecimento
– no século XIX, no movimento que ficou conhecido como positivismo.

Positivismo
O positivismo não é apenas uma linha de pensamento filosófico. Ao longo do
século XIX, o positivismo ganhou contornos de um grande movimento cultural,
atraindo para suas fileiras intelectuais diferentes áreas e diferentes países.

Mas, seria muito difícil falar de forma ampla sobre o


positivismo e ignorar aquele que é reconhecido como
seu expoente mais importante e dedicado divulgador,
Auguste Comte.

Comte nasceu em Montpellier, França. No apagar


das luzes do século XVIII (1798), de origem
modesta, aos dezesseis anos, ingressou na Escola
Politécnica, fato que foi muito marcante não só em
sua formação como no posterior desenvolvimento
do seu pensamento.
Figura 5 - Auguste Comte
Fonte: Wikimedia Commons

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Após abandonar a escola politécnica, em meio ao conturbado clima político
com a derrota de Napoleão, Comte torna-se secretário de Saint-Simon (1760-
1825) e apesar da intensa amizade com o mestre, terminaria por romper com ele
para seguir caminho próprio.

Já em 1842, publica Curso de Filosofia Positiva, obra em que expõe algumas


das linhas mestras do seu pensamento.

A lei dos estados é uma das pilastras do positivismo comteano e no qual nos
deteremos. Na primeira lição do Curso de Filosofia Positiva, encontramos:
“Estudando, assim, o desenvolvimento total da inteligência humana em
suas diversas esferas de atividade, desde seu primeiro voo mais simples
até nossos dias, creio ter descoberto uma grande lei fundamental, a que
se sujeita por uma necessidade invariável, e que me parece poder ser
solidamente estabelecida, quer na base de provas racionais fornecidas
pelo conhecimento de nossa organização, quer na base de verificações
históricas resultantes dum exame atento do passado. Essa lei consiste
em que cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de
nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados históricos
diferentes: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato,
estado científico ou positivo.” (COMTE, 1978, p. 04).

Essas proposições comteanas foram, e ainda são, objeto de debates acadêmicos


acalorados. Seguindo a linha de raciocínio do autor, o estado teológico seria
um momento em que uma determinada sociedade estaria presa a uma forma
de pensamento mágico – determinada, pois Comte supôs que a humanidade
não evoluiria de forma homogênea e assim poderia haver em um mesmo
período da história sociedade em diferentes sociedades, em diferentes estágios
de desenvolvimento – ou seja, no estado teológico vigorariam as explicações
sobrenaturais, o pensamento religioso, mítico, como forma fundamental de explicar
o mundo. Nesse caso, não apenas haveria descrições de causas e efeitos, como
também o porquê de determinado fenômeno, por exemplo, a ideia de “castigo
divino”, no qual o evento ocorre por arbítrio de uma força sobrenatural que “pune”
o ser humano (ou a cidade, ou a tribo) por ter uma conduta que desagradou a
entidade superior.

O estado metafísico, por sua vez, considera um esforço racional para explicar a
realidade; todavia, embora essas explicações tentem se desvencilhar do personalismo
sobrenatural da etapa anterior e procurem usar mais diretamente o discurso
racional, ainda não fazem uso do método científico moderno. A observação e a
intuição subjetiva marcam fortemente o pensamento metafísico. Observemos um
pensador pré-socrático, por exemplo:
O ar, segundo Anaxímenes, é o elemento originante de todas as coisas;
elemento vivo, que constitui as coisas através de condensação ou
rarefação. Assim o fogo é ar rarefeito, e pela condensação progressiva
forma-se o vento, as nuvens, a água, a terra e finalmente a pedra. [...]
(BORNHEIM, 1993, p. 28)

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Esse tipo de postulação já foi desmentido pela química moderna; a questão é


que por se tratar de uma intuição filosófica, não houve um esforço de apreender
o fenômeno de forma controlada, apenas se buscou uma “lógica natural” que
compreendesse as ligações entre os fenômenos, sem recorrer a um discurso
que inserisse o arbítrio de uma entidade sobrenatural. Embora desmentida pela
ciência contemporânea, a formulação de Anaxímenes tem o mérito de perceber
a Natureza como fenômenos interligados - hoje se diria um “sistema integrado”.
Vale lembrar que o calor, a temperatura da atmosfera, tem sim relação com o
deslocamento do ar, o vento.

Poderíamos ainda fazer menção à causa primeira aristotélica, que na


formulação do filósofo estagirita atende a uma necessidade lógica e racional –
não era uma argumentação com finalidade religiosa como ficou na adaptação
feita posteriormente pelos pensadores medievais.

Finalmente, temos o estado positivo, em que prevaleceria o pensamento


científico, livre das amarras do pensamento teológico e mais apurado nas
ferramentas racionais que o pensamento metafísico, com uma metodologia que
combina observação, teste, mensuração e reprodução. O pensamento científico
já presente nas ciências que estudam a natureza seria o ponto mais evoluído do
conhecimento humano.

O aspecto evolucionista da teoria dos três estados trouxe debates ferozes


no campo das chamadas ciências humanas, atualmente a antropologia na sua
perspectiva multiculturalista; por exemplo, rejeita vigorosamente tipologias
que induziriam a um pré-julgamento cultural, levando à tese de que algumas
culturas seriam “superiores” a outras, tomando por base um tipo específico de
desenvolvimento técnico e tecnológico.

Excluindo-se as querelas em torno de um pressuposto evolucionista aplicado à


cultura – que por sinal não é uma tese sem uma comprovação por critérios totalmente
científicos – o foco recai sobre a perspectiva que coloca a ciência ou o conhecimento
que seja científico como superior a todas as demais formas de conhecimento.

Diante desse contexto teórico, o conhecimento científico prevalece sobre


quaisquer outras formas de conhecimento, e o método reconhecido como método
científico é o método das ciências da natureza (REALE & ANTISERI,1991).
Esse método privilegia os chamados fatos naturais. Entenda-se aqui que os
fenômenos para atender a essas condições têm de ser claramente observáveis, seja
diretamente, seja por auxílio de instrumentos (o uso da luneta por parte de Galileu,
por exemplo). Os resultados precisam ser quantificados de alguma forma etc. E
mais, ao afirmar “a unidade do método científico e o primado desse método como
instrumento cognoscitivo” (REALE & ANTESERI, 1991, p. 297), o positivismo
está reivindicando essa primazia do fato como objeto metodológico a ser estudado
em qualquer área, ou seja, independentemente do ramo do conhecimento, o
cientista deve estabelecer qual fato ou fatos demandam explicação acerca daqueles
fenômenos, se o próprio campo de conhecimento comporta ou não algum fato

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e os critérios envolvidos. Nesse caso, para a fisiologia, por exemplo, a função
respiratória; para a química, as reações entre diferentes substâncias; para a física
celeste, o movimento dos planetas e assim por diante.

Não é demais enfatizar que o positivismo comteano não defende que fazer
ciência seja apenas elaborar um catálogo de fatos observáveis; há necessidade da
regulação teórica que organize e articule a relação desses mesmos fatos no campo
a ser estudado.

Mas construções teóricas precisam de comprovação, e é aí justamente que entra


o método científico. A partir da observação qualificada dos fatos, da identificação
de padrões de repetição, é possível estabelecer leis dos fenômenos; essas são
“leis constativas” (conf. LALANDE, 1993, p. 609), sua função é classificar e
descrever os fenômenos de maneira tal a não deixar margem de incógnita sobre
a sucessão ou não do acontecimento ou mesmo da sua intensidade. Tudo com
vista à previsibilidade, pois é a partir dessa previsibilidade que o ser humano
(a sociedade) pode estabelecer linhas de ação. Por exemplo: com o conhecimento
da lei da gravidade, somado ao conhecimento do atrito, da pressão atmosférica etc.,
é que a engenharia contemporânea pode construir aeronaves com a autonomia e a
velocidade de voo que encontramos nos dias atuais.

Ou ainda, como reforçam os historiadores da filosofia Giovanni Reale e Dario


Anteseri, ao se referirem ao positivismo:
[...] A pura erudição consiste em fatos sem lei; a verdadeira ciência
consiste em leis controladas com base nos fatos. E esse controle com
base nos fatos exclui da ciência toda busca de essências e causas últimas
metafísicas. (REALE & ANTISERI, 1991, p. 300).

Além de propor uma unidade metodológica do conhecimento positivo


(científico), Comte apontava para uma organização sistêmica das várias ciências,
de tal forma a permitir criar um quadro classificatório das diferentes ciências com
base no objeto (grupo de fenômenos) estudado por cada uma:
[...] a filosofia positiva se encontra, pois, naturalmente dividida em cinco
ciências fundamentais, cuja sucessão é determinada pela subordinação
necessária e invariável, fundada, independentemente de toda opinião
hipotética, na simples comparação aprofundada dos fenômenos
correspondentes: a astronomia, a física, a química, a fisiologia e, enfim, a
física social. A primeira considera os fenômenos mais gerais, mais simples,
mas abstratos e mais afastados da humanidade, e que influenciam todos
os outros sem serem influenciados por estes. Os fenômenos considerados
pela última são, ao contrário, os mais particulares, mais complicados, mais
concretos e mais diretamente interessantes para o homem; dependem,
mais ou menos, de todos os precedentes, sem exercer sobre eles influência
alguma. [...] (COMTE, 1978, p. 68).

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A base da classificação comteana envereda pela complexidade dos fenômenos


(em termos de variavéis) e em proximidade à vivência humana. Certamente,
do ponto de vista da ciência, o movimento dos corpos celestes é uma realidade
espacialmente muito distante do cotidiano das pessoas, já os fatos ligados ao
convívio social...

Esse também é um ponto muito célebre no pensamento de Comte, a saber,


a física social.

Na prática, mais tarde, através de outros autores, essa ciência ficou conhecida
como Sociologia. Vale destacar que embora Auguste Comte seja considerado pai
da Sociologia por justamente propor e justificar a necessidade de uma ciência para
o estudo do social, a devida sistematização, organização teórica e a prática do
estudo da sociedade foram levadas a cabo por outros autores, sendo ainda que,
posteriormente, alguns deles vão se afastar da abordagem positivista; já outros, a
exemplo de Émile Durkheim, irão à busca de compreender os fatos sociais.

Sob o ângulo do questionamento filosófico sobre as ciências e seus métodos,


o positivismo de Comte contribui para o debate, também, por trazer à tona a
sugestão de não só termos uma ciência do social, como indicar que tal como as
outras ciências deveria seguir o método já consagrado das ciências da natureza.

A discussão sobre o estatuto científico das chamadas “ciências humanas” é uma


pauta vívida de discussão da comunidade acadêmica.

Afinal, podemos compreender o homem e a sociedade com os métodos das


ciências naturais? Utilizar os métodos das ciências da natureza é suficiente para
a compreensão de fenômenos tão complexos como o humano? Utilizá-los não
produziria um reducionismo que levaria a um conhecimento “mascarado” (falso)
desses fenômenos?

De qualquer maneira, o positivismo embebido naquele otimismo de resultados


das ciências naturais e capturando uma parte dos anseios do iluminismo, se
inclinará para a crença de um mundo melhor a ser construído pelos resultados da
ciência. Mais ciência, mais progresso; mais progresso, mais ordem; e maior ordem,
mais progresso ainda, num círculo de prosperidade cuja compreensão científica da
natureza e da sociedade humana - além do planejamento de ações a partir desse
entendimento - seria fundamental.

Como abordaremos a seguir, as discussões sobre os métodos das ciências e qual


papel poderia ou não ser desempenhado pelas ciências humanas não ficou restrito
ao século XIX e aos positivistas originais. Alguns pensadores do século XX também
tiveram muito a discutir sobre esse tema.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Introdução à metodologia da ciência
DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. 2ed, 21 reimpr. São Paulo: Atlas, 2013.

O método das ciências naturais


GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método das ciências naturais. 1ed. São Paulo: Ática, 2010.

Ciência: conceito-chave em filosofia


FRENCH, Steven. Ciência: conceito-chave em filosofia. Trad. André Klaudat. Porto Alegre:
Artmed, 2009.

Introdução metodológica e crítica


MORAIS, Regis de. Filosofia da ciência e da tecnologia. Introdução metodológica e crítica [livro
eletrônico]. Campinas: Papirus 2013.

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Referências
BORNHEIM, Gerd A. (org.) Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1993.

COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva; Discurso sobre o espírito


positivo; Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo
positivista. Seleção de textos de José Arthur Giannotti; traduções de José Arthur
Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo : Abril Cultural, 1978. (Os pensadores).

REALE, Giovani, ANTISERI, Dario. História da filosofia: do romantismo até os


nossos dias. 7ª edição. São Paulo: Paulus, 1991.

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