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Bioética e

Mundo Natural
Material Teórico
Ética e Bioética

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Américo Soares da Silva

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Ética e Bioética

• TIntrodução;
• Quando a Vida Começa e Quando Ela Acaba?;
• Do Mundo Herdado ao Mundo Legado como Herança.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Entender os desafios éticos contemporâneos relacionados ao mundo natural
e ao ser humano.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Ética e Bioética

Introdução
Nesta altura da disciplina, o estudante pode se perguntar a respeito da necessi-
dade de uma Bioética, uma vez que já temos uma longa tradição de estudos acerca
da moralidade e da ética.

A resposta com a qual nos alinhamos atribui à bioética não apenas um modismo
intelectual, ou uma justificativa quase corporativista para preservar o estudo da ética
junto aos cursos das áreas biológicas. Enfim, não é um tipo de case de marketing
com pesquisa acadêmica. Entendemos a bioética como uma face da ética mais
ampla, que está voltada para uma gama específica de situações-problema, as quais
são oriundas do grande avanço técnico de determinados campos do saber humano.
Num insight bastante jonasiano, “quanto maior o poder, maior a responsabilidade”.
No caso da bioética, alguns desses “poderes” se manifestaram principalmente no
caminhar do século XX e chamaram a atenção quanto à responsabilidade sobre os
mesmos. Isso conduziu alguns autores a pensarem a necessidade de a ética se voltar
com grande atenção para como ela afetava à vida.

Como bem lembra Pessini, o alemão Fritz Jahr (1895-1953) foi o primeiro autor
a utilizar a junção entre bios e ethos, muito embora o trabalho do teólogo germâ-
nico tenha ficado muito tempo obscuro, e o conceito ter sua paternidade atrelada
por bastante tempo ao trabalho de um renomado bioquímico chamado Van Rens-
selaer Potter (1911-2001). Apesar de ser interessante do ponto de vista da história
da ciência perscrutar a origem do termo bioética (PESSINI, 2013), neste momento,
daremos mais destaque ao próprio objeto da bioética que chamou a atenção de
vários autores de diferentes origens, como Fritz Jahr, Van R. Potter, Peter Singer, o
próprio Hans Jonas, entre outros.

Para a finalidade do presente estudo, resumiremos o objeto de preocupação de


bioética em dois blocos: O primeiro trata da complexidade da relação da técnica avan-
çada quando aplicada ao ser humano diretamente. O segundo sintetiza os desafios
éticos da relação entre o nosso desenvolvimento tecnológico com o mundo natural.

Quando a Vida Começa e Quando Ela Acaba?


Entre os desafios éticos que o desenvolvimento das ciências e as novas tecno-
logias daí derivadas trazem à tona, quando aplicadas diretamente ao ser humano,
está o começo ou o fim da vida humana. A questão não se resume à reflexão sobre
a longevidade e a senescência; também carrega o debate sobre outras aplicações
práticas da ciência médica, a saber, a eutanásia e o aborto.

É bastante difundida a discussão acerca do aborto, em diferentes partes do mun-


do e entre nós também. O ponto central do conflito se dá em torno do começo da
vida, não tanto pelo onde, mas sim, através do quando.

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Figura 1 – Vida
Fonte: Getty Images

O entendimento que se modelou ao longo do tempo junto aos seguimentos de


inspiração religiosa é o de que a vida se inicia no momento da fecundação do óvulo.

Outros grupos, inspirados em diferentes aspectos das descobertas da biologia


e da medicina, compreendem que no momento da fecundação, o óvulo seria algo
como um ser humano em potencial, e não uma pessoa de fato.

Não vamos tratar de questões de natureza jurídica, discutindo a redação da le-


gislação brasileira sobre o tema. Embora tal discussão seja interessante e relevante
em outro contexto, nossa preocupação é com elementos anteriores, que geram
determinados entendimentos, criando determinada legislação.

Que elementos anteriores são esses? As concepções éticas e de valores que os


diferentes grupos trazem consigo para a mesa de discussão, e que cada parte pres-
supõe ser o seu argumento o “mais verdadeiro”.

A lógica nos permite formular, a título de exemplo reflexivo, um ponto de par-


tida na argumentação que trata do tema. É evidente que a complexidade do tema
sempre permitiria que grupos se posicionassem entre dois ou mais pontos de par-
tidas diferentes. São eles:
• Princípio A: Entende-se que uma vida em potencial é uma vida (embora vários
grupos religiosos se identifiquem com essa perspectiva, a religiosidade não é
uma pré-condição para se ser favorável a esse posicionamento). Além de o
aborto ser rejeitado sobre qualquer circunstância, também se compreende que
qualquer forma artificial de interrupção do ciclo da vida é antiético, o que faz
esse princípio também se posicionar contra qualquer prática anticonceptiva
(talvez a única aceitável fosse a abstinência sexual).
• Princípio B: Concorda com o anterior no que se refere à rejeição total à
ideia do aborto. Porém, admite como lícitas (do ponto de vista ético) as prá-
ticas contraceptivas.

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UNIDADE Ética e Bioética

• Princípio C: Concorda com o princípio B, em relação às práticas contracep-


tivas, mas discorda da rejeição total do aborto. Esse tipo de entendimento
busca na biologia e na medicina um escrutínio “mais preciso” sobre “quando
a vida realmente começa”. Nesse caso, o princípio compreende que haveria
um momento da gestação em que se poderia falar mais propriamente em vida
intrauterina, e neste caso, criar-se-ia uma linha de corte no tempo: antes desse
período o aborto é aceitável, após esse determinado período da gestação, não.
• Princípio D: É o entendimento que está no extremo oposto do espectro em
relação ao princípio A. Seria o entendimento amplamente favorável às práticas
contraceptivas como forma de planejamento familiar. E também reconhece o
direito da mulher de realizar o aborto em qualquer período da gestação, pois
somente reconhece o sujeito de direitos após seu nascimento.

Como afirmamos antes, esses princípios são apenas alguns exemplos lógicos de
como a reflexão sobre o tema poderia se desenvolver. O estudante mais familiariza-
do sobre o tema identificaria grupos – ou a si mesmo – como estando mais próximo
desta ou daquela categoria. Também, como já foi dito, é bem possível visualizarmos
categorias híbridas.

Por exemplo, um entendimento que seria o equivalente a um tipo de “B2” ou


“C com ressalvas”, no qual as práticas contraceptivas são aceitas, o aborto é ile-
gal, salvo em casos específicos como violência sexual, má formação grave do feto
(anencefalia, por exemplo) com ou sem o risco de vida para gestante.

Entendemos que esse é um debate que jamais terá uma única e definitiva respos-
ta. Não se trata de uma ausência de posição, mas de recuperar um pouco do prin-
cípio do relativismo sobre a questão da Verdade, como já havia na antiga Grécia.

Apesar de à primeira vista se tratar de uma discussão científica sobre o início da


vida, de fato, não parece haver entre biólogos e médicos tanta divergência assim
sobre como se dá o desenvolvimento intrauterino. A ciência descreve o fenômeno,
mas é a sociedade que lhe atribui valor. Portanto, não é um debate sobre ciências
naturais, mas sobre valores: é uma discussão ética. O ponto em questão é que a
percepção de determinados valores – tanto sobre a vida – como sobre outros temas
é construído em sociedade e pode mudar com a passagem do tempo. Sociedades
cujos entendimentos foram totalmente contrários ao aborto podem rever suas po-
sições e aceitá-lo em condições específicas, ou seja, podem alterar suas legislações
sobre o tema; ao contrário, sociedades mais tolerantes ao aborto podem vir a
rejeitá-lo por completo em outros períodos.

A única solução que achamos razoável é mais metodológica do que propriamen-


te normativa. O debate deve acontecer e ser amplo e o mais informativo possível, a
sociedade deve avaliar o tema sob as diferentes perspectivas: o direito do feto, os di-
reitos da mulher, o interesse coletivo na proteção daquela vida, entre outras. O que
deve ser evitado ao máximo são as chamadas vias autoritárias, em que pequenos
grupos assumem como válidos este ou aqueles argumentos para mediar a questão,
e impõem seus pontos de vista, sejam eles laico, religioso, dessa ou daquela religião.

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Figura 2 – Democracia
Fonte: Getty Images

Outras fontes de conflito ético, quando lidamos com o início da vida, ocorrem
“em laboratório”. As técnicas de inseminação artificial abrem o espaço para a cria-
ção de vida in vitro, ou seja, fora de um útero materno. Nesta mesma esteira, e
ainda mais polêmicas, estão as técnicas de clonagem. Se consideradas as chamadas
técnicas de clonagem terapêutica, em que há manipulação celular para fins tera-
pêuticos, mas sem a criação de embriões, não seriam, em princípio, caracterizadas
como uma variação de aborto, e não trariam consigo essa objeção ética. Todavia,
técnicas de clonagem reprodutiva, que se utilizam de um óvulo fecundado para,
no limite, produzir um clone humano, carregam uma avalanche de objeções do
ponto de vista ético (BRAGA JÚNIOR, 2016), sendo fortemente criticadas na De-
claração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos (1997):
Artigo 11 - Práticas contrárias à dignidade humana, tais como a clona-
gem de seres humanos, não devem ser permitidas. Estados e organiza-
ções internacionais competentes são chamados a cooperar na identifi-
cação de tais práticas e a tomar, em nível nacional ou internacional, as
medidas necessárias para assegurar o respeito aos princípios estabeleci-
dos na presente Declaração.
Fonte: https://bit.ly/2m8N6Vl

Esse mesmo choque de valores – talvez de maneira menos dramática, mas com
certeza menos midiática – se dá na discussão sobre o fim da vida.

Se há muito conflito valorativo em torno do tema sobre o início da vida, também


encontraremos posições conflituosas num outro extremo do espectro, quando a
vida se encontra em um final de ciclo.

É da natureza existencial do ser humano ter algum tipo de aflição frente à sua
própria finitude. Não é uma questão somente de a humanidade sonhar, ou não,
com a imortalidade, e sim, como essa aspiração ramifica em outra forma de enca-
rarmos nossa mortalidade.

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UNIDADE Ética e Bioética

A forma como representamos o final do ciclo da vida desenvolve diferentes pos-


turas, tanto do ponto de vista da moralidade, como do ponto de vista da ação.

Figura 3 – Ciclo da Vida


Fonte: Adaptado de Getty Images

Grosso modo, na cultura ocidental, não temos uma preparação, nem do ponto
de vista de espiritual, ou mesmo psicológico, para o encerramento da vida. A pro-
ximidade com o acontecimento desperta ansiedade, medo e angústia. Tanto para
quem se aproxima do fim do ciclo, como para as pessoas que lhe são mais próxi-
mas, como familiares e amigos.

A leitura mais espiritual dos acontecimentos pode ser vista como mais recon-
fortante, visto que a tese central é de que a vida de fato não termina, e a morte é
apenas uma transição para um novo ciclo.

Muitos impasses podem surgir a partir desse ponto quando se analisa diferentes
concepções de valores sobre a existência ou não de um “pós-vida”, e que tipo de
“existência” seria essa.

Na presente proposta não cabe a discussão acerca de uma “metafísica da mor-


te”, assim, nos manteremos mais próximos de como essa discussão se apresenta
para a bioética.

Neste caso, a técnica moderna nos colocou diante de escolhas que não seriam
claramente possíveis séculos atrás, a saber, é dado ao sujeito contemporâneo uma
“escolha” de como morrer.

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Estas escolhas se alinham em campos opostos: de um lado, a eutanásia, do ou-
tro, a distanásia, no centro da disputa, o sofrimento humano na sua proximidade
com o evento da morte.

Como nos lembra Pessini, o termo eutanásia pode ser considerado como mais co-
nhecido do público em geral, ao contrário da distanásia, que é um termo mais “con-
finado” aos técnicos da área da saúde. Exatamente por conta deste “confinamento”
é que iremos começar por ele, segundo a definição articulada pelo próprio Pessini:
O que entender por distanásia? [...] é interessante registrar que o dicioná-
rio Aurélio conceitue como “...morte lenta, ansiosa e com muito sofri-
mento”. Trata-se de um neologismo, de origem grega. O prefixo grego
dys tem o significado de “ato defeituoso”, portanto a distanásia significa
prolongamento exagerado da agonia, sofrimento e morte de um pacien-
te. O termo também pode ser empregado como sinônimo de tratamento
fútil, inútil [grifo nosso]. Trata-se da atitude médica que, visando salva
a vida do paciente terminal, submete-o a grande sofrimento. (RUIZ; TIT-
TANEGRO, 2007 p. 161)

Como ou quando um tratamento médico se torna “fútil e/ou inútil”? É notório o


imenso avanço da ciência médica, o qual permite a cura de uma série de doenças
que anteriormente não tinha nenhum tipo de tratamento, contudo, infelizmente
esse avanço não permite, atualmente, a cura de todas as doenças conhecidas,
algumas podem ser tratadas, ou melhor, controladas, às vezes de maneira que o
paciente “conviva” com essa adversidade de maneira que haja poucas alterações
no seu cotidiano. Por exemplo, alguns níveis de hipertensão e diabetes. Por outro
lado, há situações limites em que o tratamento não consegue devolver a qualidade
de vida ao paciente, seja pela idade avançada, seja pela natureza da doença. Então,
questiona-se: quanto é razoável o prolongamento da vida desse paciente, sendo
que o tratamento não é mais capaz de lhe aliviar a dor física ou de preservar a sua
dignidade? Viver confinado ao leito hospitalar, atrelado a aparelhos, sem nenhuma
perspectiva de reversão desse quadro, é “viver” verdadeiramente? É o mais digno e
honesto a se fazer pelo paciente?

Quando o paciente está consciente, diante desse quadro, e após toda a assistên-
cia médica (incluindo psicológica e espiritual) pode acontecer de o paciente com-
preender que chegou o momento de “descansar” enquanto está consciente para
decidir. A sociedade pode lhe negar essa assistência final?

Essas questões também geram respostas variadas dentro da sociedade, e mais


uma vez a responsabilidade médica deve ser a de colocar clareza nas informações que
permeiam o debate, tais como a extensão e chance de eficácia do tratamento, sua
severidade e seus riscos. Também aqui, o debate e as decisões da sociedade somente
poderão amadurecer se embasados no máximo de transparência e informação.

O debate público e democrático nos parece o único capaz de construir um ca-


minho junto desses desafios éticos. Mesmos os princípios éticos defendidos pelos
grandes autores do passado estão sujeitos a distorções, podendo ser “encurralados”

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pela convicção exacerbada ou por interesses mesquinhos. Se pensarmos na propo-


sição kantiana, buscaríamos uma linha de conduta que pudesse ser aplicada a nós
mesmos e a todos os outros, e todos os outros poderiam aplicá-la a nós... Ora, por
força de convicção é possível acomodar essa linha de raciocínio a qualquer um dos
princípios aplicados ao aborto, eutanásia, ou distanásia, pois o portador de sua con-
vicção quer sim que sua visão seja aplicada a si próprio e a todos os demais, e não
se importaria nem um pouco em ver outras pessoas defendendo um ponto de vista
igual ao seu, e com o qual obviamente concordaria inteiramente. O mesmo podendo
acontecer com os outros princípios que podem isoladamente ser “ajustados” para
justificar uma linha de conduta oriunda de convicção de um grupo de indivíduos.

O conflito de valores e de convicções somente pode se equilibrar através do


debate amplo e transparente. Pode-se perceber os efeitos desse debate quando nos
voltamos para a discussão acerca do mundo natural.

Do Mundo Herdado ao Mundo


Legado como Herança
Um aspecto da responsabilidade jonasiano está no poder fazer, tanto como ca-
pacidade de fazer algo, como de ser ou não, decidir ou não, dar início a uma série
causal de eventos que desemboque em determinado resultado. Apesar de pare-
cerem idênticos, esses são aspectos complementares, porque a discussão não é
exatamente apenas em torno daquilo que podemos ou não fazer, mas se devemos
ou não fazê-lo.

Os alertas quanto a nossa capacidade de alterar profundamente a biosfera e as


consequências dessas mudanças não partiram apenas dos filósofos, mas da própria
comunidade de cientistas.
Ao final dos anos 1960, uma variedade de crises ambientais torna-se
evidente e expõe a sua face perversa do ponto de vista social. Apesar
de toda a degradação causada, a imensa maioria dos humanos vivia em
condições precárias. Diversos eventos promovidos pela Organização das
Nações Unidas (ONU) e suas agências, como a Unesco, expuseram esses
problemas e incentivaram a busca de soluções. A Conferência das Na-
ções Unidas sobre o Meio ambiente Humano, realizada em Estocolmo
em 1972, é uma referência importante do movimento pelo desenvolvi-
mento sustentável, embora essa expressão ainda não fosse usada. Uma
das suas principais contribuições foi vincular a questão ambiental à social
e, desse modo, também é um marco na aproximação com o movimento
de responsabilidade social. (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2012, p. 63)

Esse “despertar” mais contundente para a questão da natureza e da maneira


como vamos “ocupar” seus espaços, utilizar seus recursos e preservá-la, constitui-se
numa linha de força do debate ético e bioético contemporâneo. Evidentemente, não

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dispomos de um consenso sobre o tema, até por que, se houvesse consenso, o de-
bate não seria necessário. Dessas discussões, surgiram novas perspectivas que têm
mobilizado especialistas de diferentes campos de atuação, tais como a economia,
biologia, ecologia, engenharia, química, sociologia, entre outros, todos ao redor de
uma ideia bastante contemporânea: o desenvolvimento sustentável.

A definição mais utilizada de desenvolvimento sustentável encontra-se no rela-


tório publicado pela comissão Brundtland, chamado de Nosso Futuro Comum,
de 1987, cujo trecho – que pode ser acessado direto do site das Nações Unidades
Brasil – traz a definição mais aceita acerca de desenvolvimento sustentável:

O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que encontra as necessidades


atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas pró-
prias necessidades.

Fonte: NAÇÕES UNIDAS, s/d Disponível em: https://bit.ly/323RYLE

Essa conceituação carrega consigo claramente o elemento de responsabilidade


para com o presente, sem descuidar da responsabilidade com o futuro. Pesa nesse
raciocínio as consequências dos nossos atos no presente para as gerações ainda
não nascidas. É um senso de dever, que reconhece o humano como digno de ser
considerado um fim em si mesmo, não apenas o humano atual, mas também os
humanos do futuro.

O conjunto dessa discussão ajuda a articular um princípio de precaução, com


o qual, segundo Veiga & Zats (2008), devemos estar atentos para separar uma
preocupação com riscos futuros, de uma preocupação com incertezas futuras,
pois os riscos nós podemos calcular, quiçá “antecipá-los”, porém, as incertezas
são imprevisíveis.

Ter cautela quanto ao meio-ambiente é cuidar da


biosfera que herdamos e daquela que deixaremos
para as futuras gerações.

A força desse debate foi suficiente para gerar deri-


vações pouco imagináveis há décadas atrás.

A responsabilidade com o tema deixou de ser vis-


ta como uma questão individual e se ampliou para as
organizações e para os Estados.

Isso resultou no envolvimento das próprias Na-


ções Unidas, que articularam ações e campanhas
para uma maior difusão da discussão sobre o pro-
blema, desde a Conferência de Estocolmo (1972) e
Figura 4 – A natureza
como preocupação
da Primeira Conferência Mundial do Clima (1979), Fonte: Getty Images

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passando pela Eco-92 (1992) e o Protocolo de Kyoto (1997), e, finalmente desem-


bocando no Acordo de Paris (2015).

Tem aumentado a pressão sobre governos e organizações em torno dos cuida-


dos com o meio-ambiente e com formas mais sustentáveis de desenvolvimento.
Esse entendimento considera que não podemos nos dedicar a construir o futuro se
somos negligentes com o presente. Qual nação, qual povo irá se dedicar a questões
ligadas à preservação ambiental se essa mesma população esteja submetida no
flagelo da guerra ou da fome?

Essas reflexões produzirem uma série de encontros, painéis de discussões, cúpu-


las entre representantes de governos, de organizações não-governamentais, cientis-
tas, representantes de movimentos da sociedade civil.

Em sua mais atualizada versão, temos a Agenda 2030 que consiste em “Um Plano de Ação
Explor

Global para um 2030 Sustentável”: https://bit.ly/2J64Jfy

Essa proposta de ação das nações unidas tem 17 metas principais para que
possamos alcançar esse tipo de desenvolvimento social, econômico e ambiental,
conforme a figura 5:

Figura 5
Fonte: agenda2030.org

Apesar de os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) contemplarem


exemplarmente a questão social e econômica – o que particularmente entendemos
ser bastante sensato – para atendermos ao proposto na disciplina, e com vistas a

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uma necessidade tanto de concisão como de didática, comentaremos apenas al-
guns dos objetivos propostos.
• Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para
todos (ODS6);
• Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à ener-
gia para todos (ODS7);
• Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis (ODS12);
• Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos mari-
nhos para o desenvolvimento sustentável (ODS14);
• Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres,
gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e rever-
ter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade (ODS15).

Todos esses objetivos se entrelaçam uns com os outros. De fato, eles também
estão conectados aos objetivos socioeconômicos, contudo, esses objetivos em espe-
cífico denotam uma relação ética particular que transcende a preocupação imediata
com ações que são próximas dentro do espaço e do tempo.

Esses objetivos (destacados neste texto) requerem tanto uma preocupação cien-
tífica, enquanto princípio de precaução – ou seja, o que fazer para não prejudicar
esse tipo de meta – como também, um desprendimento ético voltado para o futuro,
pois são metas que buscaremos alcançar em 2030, e são portadoras de efeitos pe-
renes que se estendem às gerações ainda não nascidas.

Os desafios são tecnológicos na busca de formas alternativas para assegurar


esses resultados mais auspiciosos, como também o de realinhamento de práticas,
ações, investimentos e pesquisas, executados tanto por Estados como por organi-
zações privadas. Pois, se Estados Nacionais não priorizam políticas de investimento
em saneamento básico, o quão desafiador se torna para suas populações terem
acesso à água potável?

O mesmo raciocínio se estende ao consumo consciente, à disponibilização de


energia, proteção dos oceanos e ecossistemas terrestres. A ODS15 fala mesmo em
“recuperar” ecossistemas. Sem dúvida, uma mudança importante de valores e con-
sequentemente dos parâmetros éticos pelos quais essas questões são apresentadas.

Temos um alargamento da perspectiva da responsabilidade em termos espaciais


(todos os povos) e em termos temporais (um futuro indeterminado). Algo que ecoa
nos pressupostos defendidos por Hans Jonas.

Notamos isso quando, no esforço de driblar a morosidade institucional dos di-


ferentes países, como nos lembra Barbieri & Cajazeira (2012), o desenvolvimento
sustentável se apoia no lema: pensar globalmente e agir localmente. Ou seja,
fazer o que puder pensando dentro do domínio das nossas ações individuais. Con-
tudo, essas mesmas ações individuais sendo guiada por aspirações maiores.

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UNIDADE Ética e Bioética

Enfim, que todos os esforços da bioética sejam direcionados naquilo que é apli-
cado a uma dimensão intra-humana, a saber, seu corpo, sua fisiologia, seu nasci-
mento e sua morte; ou, em uma dimensão extra-humana: a fauna, a flora, o ecos-
sistema como um todo, devendo ser permanentemente colocados em discussão.
Pois, nenhum parâmetro ético, isoladamente, dá conta de todas as questões que
se apresentam em nossa contemporaneidade, e ainda teremos uma infinidade de
outras questões que surgirão na medida em que os poderes humanos de interferir
com sua própria humanidade ou com o mundo ao nosso redor vão se expandindo.

A manipulação genética, com terapias genéticas para doenças específicas, o uso


de células tronco, os alimentos transgênicos, e uma imensa lista de possibilidades
da biotecnologia, somam-se a tantos outros desenvolvimentos tecnológicos nas áre-
as de telecomunicação, informática e microeletrônica. Para todos eles, o princípio
da precaução nos parece fundamental, não somente como um recuo diante de um
otimismo ingênuo na busca de benefícios tecnológicos, mas sim como um entendi-
mento maior daquilo que fazemos e o porquê fazemos.

Figura 6 – O futuro do planeta


Fonte: Getty Images

É neste pano de fundo que poderemos, enquanto sociedade, orientar melhor os


nossos esforços em, por exemplo, perseguir como meta um mundo que seja verda-
deiramente melhor. Os ODS apontados pelas Nações Unidas já são um desafio em
nosso presente, portanto, cabe a nós escolher, a cada passo, quais os caminhos a
serem trilhados na direção do futuro.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Fundamentos da Ética
BRAGA JUNIOR, A. D. Fundamentos da ética. - Curitiba: InterSaberes, 2016. (e-book).
Homo Ecologicus: Ética, Educação Ambiental e Práticas Vitais
PELIZZOLI, Marcelo L. Homo ecologicus: ética, educação ambiental e práticas vitais.
- Caxias do Sul, RS: Educs, 2011. (e-book).
Bioética: Uma Diversidade Temática
RUIZ, C. R, TITTANEGRO, R. Bioética: uma diversidade temática. - 1 ed. - São
Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2007. (e-book).
Bioética
VEATCH, R. M. Bioética; tradução Daniel Vieira; revisão técnica Gisele Joana
Gobbetti. - 3ª. ed. - São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2014. (e-book).

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UNIDADE Ética e Bioética

Referências
BRAGA JUNIOR, A. D. Fundamentos da ética. Curitiba: InterSaberes, 2016.

PESSINI, L. As origens da bioética: do credo bioético de Potter ao imperativo bio-


ético de Fritz Jahr. Revista Bioethikós, 2013; 21 (1), p.9-19.

RUIZ, C. R.; TITTANEGRO, R. Bioética: uma diversidade temática. 1. ed. São


Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2007.

Sites visitados
<http://www.agenda2030.org.br/sobre/>

<http://www.revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/
view/541/527>

<https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/>

<https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000122990_por>

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