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A CONTRIBUIÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS FEMINISTAS E A POLÍTICA

PÚBLICA NACIONAL DE ATENÇÃO ÂS MULHERES EM SITUAÇÃO DE


ABORTAMENTO.

Mariana Diôgo de Lima Costa*


Alba Jean Batista Viana**
Eduardo Sérgio Soares Sousa***

Resumo
A ação dos movimentos sociais especificamente os feministas nacionais e internacionais
contribuíram muito para tal problemática ter se tornado um problema de saúde pública e
de ter transformado a dinâmica da assistência ao abortamento no Brasil. Assim se
coloca ênfase no movimento feminista, movimento social que é o principal ator
comprometido com mudanças políticas, de mentalidade e institucionais a respeito do
assunto do aborto. No paradigma da Teoria dos Novos Movimentos Sociais com
destaque no elemento cultural e no ator social, na politização do cotidiano e na ênfase
no processo de formação de novas identidades coletivas e novos tipos de solidariedade,
o movimento feminista foi estudado na ótica dos movimentos sociais alternativos,
juntamente com o ecológico, homossexuais. Hoje os segmentos feministas encontram-
se auxiliados por redes e outros movimentos colaboradores e têm a utilização da mídia
como um instrumento político, além de parcerias: em se tratando do movimento
feminista, por exemplo, se tem integração com outros segmentos do movimento de
mulheres e com a sociedade. Quanto ao aborto e o feminismo é necessário considerar
que a corrente majoritária do movimento feminista no País, que é a dos direitos, situa-se
na linhagem do feminismo internacional do início dos anos 1970, com uma posição
favorável à liberação do aborto, livre disposição do próprio corpo e liberdade
reprodutiva e contracepção, onde se conseguiu estabelecer normas técnicas e criar
serviços que procuram garantir o acesso ao aborto previsto em lei e o atendimento
humanizado das mulheres em situação de abortamento.

Palavras-chave: Feminismos e política; movimentos sociais feministas e política


nacional de aborto.

1 O ABORTO COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA, SUA DINÂMICA DE


ASSISTÊNCIA E AS NORMAS INTERNACIONAIS

A ação dos movimentos sociais especificamente os feministas nacionais e


internacionais e dos movimentos sociais contra-aborto contribuíram muito para tal
problemática ter se tornado um problema de saúde pública e de ter transformado a
dinâmica da assistência ao abortamento no Brasil. Assim se coloca ênfase no
movimento feminista, movimento social este que é o principal ator comprometido com
mudanças políticas, de mentalidade e institucionais a respeito do assunto do aborto,
*
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Sociologia (PPGS)
**
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). E-mail: marianadiogo@hotmail.com.br
***
Professor do PPGS da UFPB
assim como também a influência dos movimentos sociais contra-aborto pautado em
organizações religiosas principalmente.
Para tal é mister ressaltar junto a essa mudança os diversos eventos, fóruns,
conferências (principais documentos internacionais e nacionais para a promoção dos
direitos das mulheres e da igualdade de gênero) onde tais movimentos sociais atuaram e
coordenaram e que tiveram repercussão na atual aceitação de forma consensual do
aborto como problema de ordem pública de saúde.
Atualmente temos no Brasil a conceituação do aborto como uma política pública
de saúde graças à interferência e luta de tais movimentos sociais. A recente Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004) que possui como objetivos
concernentes à atenção ao abortamento contribuir para a redução da morbidade e da
mortalidade femininas no Brasil, especialmente por causas evitáveis, em todos os ciclos
de vida e nos diversos grupos populacionais, sem discriminação de qualquer espécie,
além de ampliar, qualificar e humanizar a atenção integral à saúde da mulher no Sistema
Único de Saúde tem como meta promover a atenção obstétrica e neonatal, qualificada e
humanizada, incluindo a assistência ao abortamento em condições inseguras, para
mulheres e adolescentes.
Nesse sentido, a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao
Abortamento(2005), vem afirmar e elucidar sobre as normas gerais de acolhimento,
orientação e atenção clínica. É essencial afirmar que a qualidade da atenção humanizada
aspirada abrange aspectos relativos à sua humanização, incitando profissionais,
independentemente dos seus princípios morais, culturais e religiosos, a preservarem
uma postura ética, garantindo o respeito aos direitos humanos das mulheres, a não
discriminação e a não punição de tais mulheres.

O papel da enfermagem também tem um papel diferenciado por estar


presente na porta de entrada, durante o processo obstétrico e na fase
de recuperação clínica da mulher na unidade de saúde. Nesse sentido,
podem auxiliar: discussões coletivas, supervisões clínicas, troca de
preocupações, o confrontar de atitudes e convicções subentendidas no
atendimento, reuniões e oficinas de sensibilização e capacitação sobre
sexualidade e práticas reprodutivas. O que é muito importante à
humanização é que os profissionais de saúde devem promover a
escuta privilegiada, evitando julgamentos, preconceitos e comentários
desrespeitosos, com uma abordagem que respeite a autonomia das
mulheres e seu poder de deliberação, procurando estabelecer uma
relação de confiança. .(NORMA TÉCNICA DE ATENÇÃO
HUMANIZADA AO ABORTAMENTO, Brasília, 2005, p 20)
A atenção humanizada às mulheres em abortamento implica o
acatamento aos princípios fundamentais da Bioética: a) autonomia:
direito da mulher de decidir sobre as questões relacionadas ao seu
corpo e à sua vida; b) beneficência: obrigação ética de se maximizar o
benefício e minimizar o dano (fazer o bem); c) não maleficência: a
ação deve sempre causar o menor prejuízo à paciente, reduzindo os
efeitos adversos ou indesejáveis de suas ações (não prejudicar) e d)
justiça: o (a) profissional de saúde deve atuar com imparcialidade,
evitando que aspectos sociais, culturais, religiosos, morais ou outros
interfiram na relação com a mulher principalmente a um caso de
abortamento inseguro, onde, do ponto de vista ético, a conduta
necessária: “Não fazer juízo de valor e não julgar”, pois a obrigação
de todos os profissionais de saúde é acolher com decoro e envidar
empenhos para afiançar a sobrevivência da mulher e não causar
quaisquer perturbações e constrangimentos. (NORMA TÉCNICA DE
ATENÇÃO HUMANIZADA AO ABORTAMENTO, Brasília, 2005,
p 24)

Na esfera brasileira diante de inúmeras notificações de violações de diretos


humanos básicos na assistência a essas mulheres houve intensa mobilização por parte
dos movimentos feministas e organizações não governamentais além de outros setores
da sociedade na produção de diretrizes apropriadas para modificar junto ao Estado a
assistência ao abortamento, humanizando o treinamento de profissionais de saúde para
reduzir os resultados negativos da assistência inadequada nos casos de aborto inseguro
para a saúde da mulher. Isso se deu através da Norma Técnica de Atenção Humanizada
ao Abortamento garantindo a confidencialidade e o sigilo profissional, oferecendo
alternativas contraceptivas psicológicas e de planejamento familiar.
Para tanto os movimentos e eventos de âmbito internacional tiveram concreta
influência dos movimentos nacionais que pautaram sobre o assunto tais como: Carta das
Nações Unidas (1945); Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Convenção
Interamericana Sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher (1948). ; Convenção
sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953). ; Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Racial - CERD (1966); Convenção Americana de Direitos
Humanos, São José (1969); I Conferência Mundial sobre a Mulher (Cidade do México,
1975); Convenção Para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher -
CEDAW (1979); II Conferência Mundial sobre a Mulher (Copenhague, 1980). ; III
Conferência Mundial Sobre a Mulher (Nairóbi, 1985). ; II Conferência Mundial de
Direitos Humanos (Viena, 1993); III Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento (Cairo, 94); Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Contra a Mulher - Convenção de Belém do Pará (1994) e IV
Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 95).
Tais eventos tornaram-se instrumentos internacionais dos quais o Brasil é
signatário, onde os mais importantes à política pública nacional ao abortamento e à sua
humanização são os da Conferência de População e Desenvolvimento, no Cairo (1994)
e na 4ª Conferência Mundial da Mulher, em Beijing, (1995). Neste contexto, a norma do
Ministério da Saúde, deve estar em consonância com a legislação interna e
internacional, assegurando o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
(PORTELLA, 1993; FAÚNDES et al., 1997; TORRES, 1999).
Segundo a conferência do Cairo e a de Beijing, pela intensidade dos efeitos dos
abortamentos realizados em condições inadequadas sobre a saúde da mulher, os
governos foram solicitados a desenvolver ações para tratá-los, a considerar o
abortamento como um importante problema de saúde pública, e amortizar sua prática
mediante a prestação de serviços de planejamento familiar (Parágrafo 8.25, Cairo), bem
como, “considerar a probabilidade de aperfeiçoar as leis que antevêem medidas
punitivas contra as mulheres que tenham sido submetidas a abortos ilegais” (parágrafo
106 k, Beijing). Além disso, “em circunstâncias em que o aborto não é contra a lei, o
sistema de saúde deve treinar e equipar os provedores de serviços de saúde e deve
adotar outras medidas para certificar-se de que tais abortos sejam seguros e acessíveis”.
(Cairo +5, artigo 63, inciso três). (OBSERVATÓRIO BRASIL DA IGUALDADE DE
GÊNERO, p 5, 2011)

III Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 94).


A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento
(ICPD/CIPD ou Cairo) convocada sob os auspícios das Nações Unidas, foi realizada no
Cairo, Egito, em 1994. Reuniu representantes de mais de 180 governos e 1.254
organizações não-governamentais. teve como tema central os direitos sexuais e os
direitos reprodutivos, da, à discussão sobre igualdade e eqüidade entre os sexos e o
aborto inseguro foi reconhecido como um grave problema de saúde pública.
(OBSERVATÓRIO BRASIL DA IGUALDADE DE GÊNERO, p 7, 2011)

IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 95).

A Quarta Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher (FWCW/QCMM ou


Conferência de Beijing), realizada em Beijing, China, de 4 a 15 de setembro de 1995,
foi a maior e a mais influente de todas as conferências mundiais sobre a mulher. (Cerca
de 180 delegações governamentais, participação de 35.000 pessoas no Foro paralelo das
organizações não governamentais) e 2.500 organizações não-governamentais
Sobre a interrupção voluntária da gravidez, o Plano de Ação aprovado
recomendou a revisão das leis punitivas para a questão. Assinado pelo Brasil em 1995.
Reconhece-se nessa conferência o labor do movimento feminista ao longo da Historia.
(OBSERVATÓRIO BRASIL DA IGUALDADE DE GÊNERO, p 7, 2011)

2 A TEORIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS E O MOVIMENTO FEMINISTA


NACIONAL E INTERNACIONAL

Segundo TOURAINE (1989), movimentos sociais podem ser acentuados como


atos coletivos pertinentes à luta por interesses, conexos à organização social, a
transformações na esfera social e cultural. Tais atos são desempenhados contra um
oponente. Na obra de GOHN (1997, p. 145), TOURAINE compreende que os

Movimentos sociais são frutos de uma vontade coletiva. “Eles falam


de si próprios como agentes de liberdade, de igualdade, de justiça
social ou de independência nacional, ou ainda como apela à
modernidade ou à liberação de forças novas, num mundo de tradições,
preconceitos e privilégios” (Touraine, 1978:35). Eles, movimentos,
não seriam heróis coletivos, acontecimentos dramáticos, mas
simplesmente parte do sistema de forças sociais dessa sociedade,
disputando a direção de seu campo cultural. Ao mesmo tempo,
Touraine assinalou que os movimentos são as forças centrais da
sociedade por serem sua trama, o seu coração. Suas lutas não são
elementos de recusa, marginais à ordem, mas ao contrário, de
reposição da ordem. Ele chegou a postular que a sociologia
contemporânea seria o estudo dos movimentos sociais, pois tratar-se-
ia de um objeto de análise que traz o ator social de volta (.GOHN
(1997, p. 145)

Segundo Gohn, dentro das teorias dos movimentos sociais. Por movimento
social, a autora nos mostra o conceito que:

É sempre expressão de uma ação coletiva e decorrente de uma luta


sociopolítica, econômica ou cultural. Usualmente ele tem os seguintes
elementos constituintes: demandas que configuram sua identidade;
adversários e aliados; bases, lideranças e assessorias – que ao se
organizam em articuladores e articulações e formam redes de
mobilizações; práticas comunicativas diversas que vão da oralidade
direta aos modernos recursos tecnológicos; projetos ou visões de
mundo que dão suporte a suas demandas; e culturas próprias nas
formas como sustentam e encaminham suas reivindicações. (GOHN,
1997p. 14).

Em seu livro “Novas teorias dos movimentos sociais”, essa mesma autora
distingue três tipos classificatórios dos movimentos sociais. Os primeiros são os
movimentos identitários que lutam por direitos sociais, econômicos, políticos, sociais e
culturais. Os segundos, os que lutam por melhores qualidades de vida e de trabalho,
reivindicando o acesso à terra, moradia, alimentação, saúde, transportes, lazer, emprego,
salário, etc. e por último, os que atuam em redes sociopolíticas e culturais (fóruns,
plenárias, colegiados, conselhos e etc. ). Em meio a os movimentos identitários, a autora
enfatiza um particular, o movimento das mulheres, dada a importância dos movimentos
feministas observando a raiz desses movimentos desde o século XVIII e a marcha das
mulheres no século XXI. Lembrando de atoras importantes na implantação da categoria
e da identidade feminina na sociedade no Brasil e no mundo. (VERCELLI, 2008, p 6).
O movimento feminista dentro da teoria dos movimentos sociais teve a primeira
relação no surgimento da teoria contemporânea norte-americana da mobilização de
recursos MR após a década de 60, onde os movimentos são tratados como grupos de
interesse e organizações com ênfase na lógica econômica e na racionalidade
instrumental dos atores. Um desses movimentos analisados foi; movimentos de
mulheres (NOW- Organização Nacional das Mulheres).
Dentro da teoria sobre movimentos sociais na era da globalização, a teoria da
mobilização política reativou o campo do desenvolvimento político (relação com o
Estado) e da cultura, (símbolos e signos) nas ações coletivas e formulou uma revisão
dos movimentos analisados pela MR (mobilização de recursos), como o movimento das
mulheres que neste novo contexto se alterou profundamente com o surgimento de
conferências internacionais, setores do feminismo radical, grupos institucionalizados,
surgimento do movimento lésbico ganhando amplitude participativa e escopo
internacional.
Assim, no paradigma da Teoria dos Novos Movimentos Sociais com destaque
no elemento cultural e no ator social, na politização do cotidiano e na ênfase no
processo de formação de novas identidades coletivas e novos tipos de solidariedade, o
movimento feminista foi estudado na ótica dos movimentos sociais alternativos,
juntamente com o ecológico, homossexuais, sendo estudados pelos novos teóricos
contemporâneos (Foucault, Guattari, Deleuzi e os frankfurtianos adorno e habermas).
Nos últimos vinte anos surgiram novas formas de ação coletiva em
áreas anteriormente intocadas pelos conflitos sociais. A crise das
estruturas políticas e conceituais frente a estes novos fenômenos
tornou-se evidente nos anos 70, impulsionando uma ampliação do
conhecimento empírico e uma redefinição das categorias analíticas.
Os conflitos sociais contemporâneos não são apenas políticos, pois
eles afetam o sistema como um todo. A ação coletiva não é realizada
apenas a fim de trocar bens num mercado político e nem todo objetivo
pode ser calculado. Os movimentos contemporâneos também têm uma
orientação antagônica, que surge de e altera a lógica das sociedades
complexas. (MELUCCI, 1989, p 3)

No contexto da teoria dos novos movimentos sociais, em exemplos como o


movimento pelos direitos civis, o feminista e o ambientalista foi analisado que na
contemporaneidade suas organizações civis se profissionalizaram e muitos de seus
ativistas se transformaram em autoridades políticas recebendo grandeza global atitude
intensa na propagação de suas bandeiras identitárias.
A mudança de cenário se deu nos anos 1960, alguns as classificaram como
sendo parte do retorno do movimento operário, mas, logo se percebeu que elas eram
bastante peculiares, pois, não se baseavam em classe, mas principalmente em etnia (o
movimento pelos direitos civis), gênero (o feminismo) e estilo de vida (o pacificismo e
o ambientalismo), e também não propendiam à revolução política, de tomada do poder
do Estado como também não eram reações irracionais de indivíduos isolados, mas
movimentos organizados solidários, ligando milhares de pessoas não combinando nem
com as teorias do século XX calcadas no marxismo e no funcionalismo. Seus agentes
eram jovens, mulheres, estudantes, profissionais liberais, de classe média, defendendo
novas idéias, por vezes abstratas tais como qualidade de vida, diversidade de estilos de
vida. (ALONSO, 2009, p 59)
Alain Touraine, Jürgen Habermas, Alberto Melucci apontaram uma
fundamentação cultural para tais movimentos sociais compartilhando quase que de uma
razão comum, como a de que o cerne dos novos movimentos sociais não era mais o
processo industrial e o foco trabalhista. Segundo Touraine, em seguida da década de 60
um novo arquétipo de sociedade chamada por ele de “sociedade pós-industrial”, teria
assentado os movimentos sob a ótica da cultura, feita por meio do controle da
informação por uma tecnocracia. (técnica e cultura se fundindo), e também as diferenças
entre o mundo público e privado teriam se abreviado fazendo com que os conflitos
adentrassem para a vida particular (família, educação, sexo) recebendo assim, calibres
simbólicos (politização da vida privada).
Os “novos sujeitos” não seriam classes, mas grupos minoritários marginais
(negros, hispânicos, índios, homossexuais, mulheres, jovens, velhos, intelectuais),
comparados aos padrões socioculturais habituais. Os principais exemplos desses
movimentos são o feminista e ambientalista, compostos por agentes de coação social,
voltados para convencer a sociedade civil e não necessariamente ir desafiando os
poderes estatais.
A situação normal do "movimento" hoje é ser uma rede de pequenos
grupos imersos na vida cotidiana que requerem um envolvimento
pessoal na experimentação e na prática da inovação cultural. Eles
surgem apenas para fins específicos, como, por exemplo, as grandes
mobilizações pela paz, pelo aborto, contra a política nuclear etc. A
rede submersa, embora composta de pequenos grupos separados, é um
sistema de troca (pessoas e informações circulando ao longo da rede,
algumas agências, como rádios livres locais, livrarias, revistas que
fornecem uma determinada unidade). (MELUCCI, 1989, p 8)

Em 1985, Habermas repôs o feminismo dentre os novos movimentos sociais,


pois também pleiteavam a mudança das formas de vida classificando-o como exemplo
do que ele explicita como “movimentos de liberação”, de caráter emancipatório,
reclamantes da universalização de direitos, com caráter afrontoso, tendo como exemplo
os movimentos pelos direitos civis e o feminismo.
Melucci, explicitando sobre sociedade “avançada” ou “de massas” – ou
“sociedade da informação” (Melucci, 1996) fala que esta se tratava de um novo padrão
de dominação através da tecnocracia e da ciência, fundamentado na fabricação e
domínio de informação e na influência nas relações sociais, interpessoais (consumo,
lazer, gênero, natureza, sexuais, identidade, doença, envelhecimento, corpo, religioso e
etc.).
Os exemplos são os movimentos de mulheres, gays, jovens, o ambientalista e o
de contracultura (Melucci, 1989) os religiosos (comunitário, político-religioso, místico-
ascético) (Melucci, 1980) de amparo contra um mundo racionalizado, individualista. Os
novos movimentos sociais para esse autor seriam, então, formas particularistas de
resistência, reacionárias às consequências do alargamento socioeconômico do mundo,
em busca da retomada de tempo, espaço e relações cotidianas. Por isso as reivindicações
não abstratas, intangíveis, “pós-materialistas” voltados para representação de
identidades coletivas e com simbolismos próprios. Estes movimentos se utilizam das
grandes redes de comunicação, na mídia, na tecnologia de comunicação, na rapidez e
fluidez da mesma (sociedade de rede) (ALONSO, 2009, p67)
Hoje podemos observar a formação de uma nova esfera de conflitos,
que pertence especificamente às sociedades capitalistas pós-
industriais, complexas ou avançadas. (De que maneira podemos
chamar nossas sociedades? Este é um sintoma interessante do impasse
atual.) O desenvolvimento capitalista não pode mais ser assegurado
pelo simples controle da força de trabalho e pela transformação dos
recursos naturais para o mercado. Ele requer uma intervenção
crescente nas relações sociais, nos sistemas simbólicos, na identidade
individual e nas necessidades. As sociedades complexas não têm mais
uma base "econômica", elas produzem por uma integração crescente
das estruturas econômicas, políticas e culturais. Os bens "materiais"
são produzidos e consumidos com a mediação dos gigantescos
sistemas informacionais e simbólicos. (MELUCCI, 1989, p 7)

Para maior resultado em suas mobilizações, esses movimentos se utilizam de


modelos mentais compartilhados, empregados para apreender, processar e registrar as
informações que desejam propagar Assim, Snow e Benford (1986, 1992, 2000)
reempregaram a idéia de frame de Erving Goffman no contexto de interpretação,
tradução do exterior ao interior individual, com a produção de frames que se
relacionariam aos movimentos sociais no momento da apresentação das bandeiras de
luta, no que tange às possibilidades de manejamento por parte do indivíduo da
complexidade social através da utilização de símbolos, problematização da situação que
exige mobilização.
A idéia de frame ressalta práticas interpretativas e o caráter dos significados que
orientam mobilizações, assim, os frames foram recebidos por todas as correntes,
incorporados por Melucci (1996) e por Tarrow (1992), que os abriram para
masterframe, para abranger um ciclo inteiro de ativismo, como o caso do ativismo
internacional (Tarrow, 2005). (ALONSO, 2009, p78)
Outras utilizações de demais conceitos partem das noções de práticas e da
agency. Nesse contexto a cultura é campo de disputas, passando por relações de poder.
O destaque está na intencionalidade dos agentes e em sua capacidade de moldar táticas
de ação, mobilizar a orientação de ações. Assim, a metáfora teatral de Goffman também
entra neste contexto para descrever a relação entre agentes e repertórios, pondo a ênfase
na performance, na interpretação a que os atores submetem um repertório quando estão
agindo (ALONSO, 2009, p77)
Jeffrey Alexander (2006) pesquisa a concepção de consensos simbólicos e sua
demonstração em revoluções, conflitos e eventos políticos através do “comportamento
expressivo motivado”. As mobilizações políticas seriam desse modo, rituais de
encenação e atualização de significados socialmente compartilhados entrando no rol da
análise das emoções coletivas nos movimentos sociais, sob o ponto de vista da
performance, do drama, do apelo. (ALONSO, 2009, p78)
Os "novos" movimentos sociais são antigos, mas têm algumas características
novas como é o caso do movimento de mulheres, pois é um movimento cíclico,
composto de várias fases ao longo da história humana (várias fases do movimento
feminista). Os movimentos podem se modernizar, inovar, reformar sem ser considerado
vencedor ou vencido, pois, o mero fato de ele existir já interfere no sistema simbólico
dominante no âmbito da cultura. Na verdade é a mensagem que ele deseja passar, seu
tema que comina por ser seu objetivo cultural e político que se propaga no tempo.

O movimento de mulheres fornece um bom exemplo desta situação.


Uma revisão da literatura recente mostra a excessiva ênfase colocada
pelos analistas nos aspectos organizacionais e no que eu chamaria de
resultado de igualdade.O objetivo do movimento não é apenas a
igualdade de direitos, mas mais o direito de ser diferente. A luta
contra a discriminação, por uma distribuição mais igualitária no
mercado econômico e político é ainda uma luta pela cidadania. O
direito de ser reconhecido como diferente é uma das mais profundas
necessidades na sociedade pós-industrial ou pós-material. Ser
reconhecida como uma mulher é afirmar uma experiência diferente,
uma percepção diferente da realidade, enraizada em "outro" corpo,
numa maneira específica de se relacionar com a pessoa. O movimento
de mulheres, quando fala de diferença, fala para o conjunto da
sociedade e não apenas para as mulheres. Para as sociedades que
desenvolvem uma pressão crescente pela conformidade, esta
reivindicação tem efeitos disruptivos, desafia a lógica do sistema e
tem uma orientação antagonista. O resultado político do movimento
de mulheres em termos de igualdade permite que a diferença seja
reconhecida. Mas o "êxito" no campo político enfraquece o
movimento, aumenta sua segmentação, leva alguns grupos à
profissionalização e à burocratização, e outros a um sectarismo
disruptivo. A mensagem da diferença, entretanto, não morre. Torna-se
um objetivo cultural e político que mobiliza muitos outros grupos.
(MELUCCI, 1989, p 10)

Com relação à história do movimento feminista brasileiro além da bibliografia


ser limitada só se costuma nos primórdios abordar os anos de 1930 e a luta pelo voto,
educação, divórcio e outros direitos de cidadania, ou os anos de 1970 com a revolução
sexual e as conquistas mais recentes. Apesar da história do feminismo nacional ter
início nas primeiras décadas do século XIX.(DUARTE, 2003, p 12)
Atualmente o "feminismo" poderia ser compreendido em um sentido amplo,
como todo gesto ou ação que resulte em protesto contra a opressão e a discriminação da
mulher, ou que exija a ampliação de seus direitos civis e políticos, seja por iniciativa
individual, seja de grupo.
Na era da revolução sexual, nos anos setenta se tem no âmbito internacional o
momento da onda mais intensa, a que foi capaz de transformar drasticamente os
costumes e tornar as exigências mais ousadas. Encontros e congressos de mulheres se
sucedem, assim como dezenas de organizações, muitas nem tão feministas, mas todas
reivindicando o mesmo objetivo, no campo político, as mulheres começam a ocupar
espaço nos partidos e eleições, na década de 1980, grupos feministas, junto com outros
movimentos sociais próprios daquele momento lutaram para garantir avanços na
Constituição Federal, tais como a esperada igualdade de todos brasileiros perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza.
Em 1972 ocorrem eventos que apontam para a história e as contradições do
feminismo no Brasil: o congresso promovido pelo Conselho Nacional da Mulher,
liderado pela advogada Romy Medeiros, e as primeiras reuniões de grupos de mulheres
em São Paulo e no Rio de Janeiro, de caráter quase privado pouco difundido, o que seria
uma marca do novo feminismo no Brasil. (OTTO, 2004, p 4)
No término da década de 1970 e ao longo dos anos de 1980, houve movimentos
acadêmicos feministas de estudos sobre a mulher (É desta época a criação do Grupo de
Trabalho sobre Estudos da Mulher da Anpocs, NEM – Núcleo de Estudos sobre a
Mulher, da PUC-RJ; do Neim – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, na
UFBA; Nemge – Núcleo de Estudos da Mulher e Relações de Gênero, da USP),
promovendo o desenvolvimento da pesquisa e do estudo de temas relevantes para as
mulheres, e principalmente, impulsionar a publicação de trabalhos e preencher a enorme
carência bibliográfica.(OTTO, 2004, p 5)
O segundo tema que se tornou central no movimento feminista a partir da década
de 1980 foi a implantação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher
(PAISM), pelo Ministério da Saúde, que envolvia três temas: planejamento familiar,
sexualidade e aborto.
A partir dos anos de 1990, à medida que a revolução sexual era assimilada à vida
cotidiana, as bandeiras feministas sofrem mudanças no contexto da contemporaneidade,
da globalização selvagem, da alta comunicação, o movimento começa a ter seu caráter
difuso e maleável, feministas nacionalizam as inovações internacionais, os interesses
tornam-se mais fragmentados nas comunidades acadêmicas permitindo que o feminismo
se dilua em meio aos estudos culturais ou estudos gays. Com a existência de múltiplas
identidades e de um feminismo difuso na sociedade, o sujeito na história não é mais o
de uma figura universal, tendo o homem como o protagonista (Negação do “sujeito
histórico de transformação dos Novos Movimentos Sociais). (OTTO, 2004, p 8)
Na contemporaneidade dentro do movimento feminista foi observada a
dissociação entre o pensamento feminista e o movimento, à profissionalização deste por
meio do aparecimento de um grande número de ONGs, a mais pública expressão do
feminismo na virada do século no contexto dos novos movimentos sociais ressaltando a
interferência de tais organizações nas políticas públicas, como por exemplo, os
inúmeros projetos de lei e etc. Não deixando de fora o papel dos movimentos contrários
aos interesses feministas impregnados nos temas dessas proposições de tais leis, como o
tema do aborto, onde gera uma outra forte mobilização, os movimentos contra-aborto,
pró-família e etc.

3 MOVIMENTOS SOCIAIS FEMINISTAS E A POLÍTICA NACIONAL DE


ABORTO

Quanto ao aborto e o feminismo é necessário considerar que a corrente


majoritária do movimento feminista no País, que é a dos direitos, situa-se na linhagem
do feminismo internacional do início dos anos 1970, com uma posição favorável à
liberação do aborto, livre disposição do próprio corpo e liberdade reprodutiva e
contracepção. Porém nota-se que as atuações e negociações sobre o tema tiveram mais
êxito em nível político (saídas conciliatórias) do que social, pois não lograram alcançar
e sensibilizar camadas mais amplas da população. (SCAVONE, 2008 p 5)
Como uma grande reivindicação do movimento feminista, a legalização do
aborto partia da questão dos direitos individuais e dos direitos sociais apoiado na
fundamentação da saúde, classe social, e laicização do estado. Tal argumento foi útil
para sensibilizar os setores da esquerda que não preteriam pela luta da legalização do
aborto.
As feministas dos anos 1990 passaram a considerar a alta incidência de abortos
clandestinos no País como um problema de saúde pública pela alta mortalidade que lhe
estava associada, qualificando-o de aborto inseguro. Essa posição foi ampliada pelas
Conferências do Cairo, I Encontro Internacional de Saúde da Mulher, em Amsterdã, em
1984 e de Beijing e reforçou as ligações das estratégias locais e globais.
No ano de 1989 no Encontro Nacional de Saúde da Mulher, um Direito a ser
Conquistado, organizado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), no
Rio de Janeiro, há uma pendência pela descriminalização do aborto com base no
argumento mais amplo dos direitos, explícito no próprio título do evento A Carta das
mulheres em defesa de seu direito à saúde, documento final desse encontro, considera
inicialmente o aborto como "um problema de saúde da mulher", lembrando que, na
Constituição de 1988, a saúde passou a ser considerada como um direto de todos e um
dever do Estado. Ao considerar que as mulheres tinham "o direito de interromper a
gravidez", essa carta lembrava aos legisladores que um direito individual não podia ser
tratado como crime. .(OTTO, 2004, p 7)
Assim sendo, percebendo que vários segmentos da sociedade não apoiavam ou
não consideravam o aborto como crime, mesmo que eles o condenassem moralmente, o
feminismo brasileiro se utilizou disso, a partir de uma lógica argumentativa com poder
de convencimento, apoiada na máxima do direito individual e ainda muito influenciada
pelos impactos políticos das conferências internacionais.
De fato, nos anos 1990, o movimento já não estava tão solitário nessa luta,
contou com a adesão crescente de novos segmentos sociais: profissionais de saúde,
juristas e parlamentares, com os quais o movimento estabeleceu amplo diálogo. Foi o
período em que houve maior número de projetos de lei relacionados ao aborto no
Congresso Nacional. Outra estratégia do movimento feminista foi demandar garantia do
direito à execução do aborto legal nos serviços públicos de saúde, ele só foi instituída
efetivamente em um hospital público a partir de 1989, pela Prefeita de São Paulo (Luiza
Erundina), 49 anos depois de ser reconhecida no Código Penal. (OTTO, 2004, p 9)
Contendas a respeito da humanização do abortamento e da execução do aborto
legal se deram, sobretudo, a partir de 1993, teve como importante fator de influência a
participação do Brasil na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento,
realizada no Cairo, em 1994, e na Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em
Pequim, em 1995.
Destaca-se a militância do grupo das Católicas pelo Direito de Decidir (CDD),
pois constitui uma oposição importante no seio da própria Igreja Católica, a qual tem
sido tradicionalmente uma força importante contra a legalização do aborto no País.
Católicas pelo Direito de Decidir é uma entidade feminista, de caráter inter-
religioso, fundada no Brasil em 1993, formalizando-se juridicamente em 1994, e atua
em articulação com uma rede latino-americana dos Estados Unidos, e com
companheiras na Espanha. Promove os direitos das mulheres (especialmente os sexuais
e os reprodutivos) e luta pela igualdade nas relações de gênero e pela cidadania das
mulheres, tanto na sociedade quanto no interior da Igreja Católica e de outras igrejas e
religiões, além de divulgar o pensamento religioso progressista em favor da autonomia
das mulheres, reconhecendo sua autoridade moral e sua capacidade ética de tomar
decisões sobre todos os campos de suas vidas. (CAVALCANTI, Alcilene; XAVIER, Dulce,
2006, p34)
O livro Em defesa da vida: aborto e direitos humanos, editado pelas Católicas
pelo Direito de Decidir, uma coletânea de artigos e de entrevistas, é um exemplo
concreto de defesa da vida das mulheres. Os diferentes artigos defendem a dignidade
das mulheres e a proteção da maternidade, a legalização do aborto. O livro é dividido
por temas que exploram questões como a Vida, a Saúde, os Direitos e a Lei, e foi escrito
por diferentes profissionais e militantes que lidam diretamente com a questão do aborto
em seu cotidiano (médicos, juristas, filósofos, sociólogos, feministas). (CAVALCANTI,
Alcilene; XAVIER, Dulce, 2006, p34)
Em relação ao debate do aborto no Legislativo, inicialmente, a discussão sobre a
questão do aborto entrou na Constituinte, no entanto, pelas mãos de um movimento
social contrário a esse interesse do movimento feminista, os movimentos sociais
promovidos pela Igreja Católica, para proibi-lo em todas as circunstâncias e, em grande
parte, posteriormente recebeu apoio de parlamentares evangélicos. O movimento
feminista e a Igreja Católica não somente se prepararam como também atuaram, direta
ou indiretamente, em todas as etapas da Constituinte. As mulheres organizadas tiveram
essa atuação articulada pelo CNDM (CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA
MULHER) e com a participação do movimento autônomo, enquanto a Igreja Católica
preparou-se por meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Hoje ambos os segmentos encontram-se auxiliados por redes se outros
movimentos colaboradores e têm a utilização da mídia como um instrumento político.
Algumas dessas parcerias são mais habituais: em se tratando do movimento feminista,
por exemplo, se tem integração com outros segmentos do movimento de mulheres e
com a Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia; no que se
refere à Igreja Católica, com outras religiões, sobretudo aquelas de denominação
evangélica.
Como característica preponderante no contexto da Teoria dos Novos
Movimentos Sociais, as ONGS hoje se misturam com os movimentos chegando a ser
confundidos com os mesmos, virando quase sinônimos. Representam uma nova forma
de organização e profissionalização desses movimentos, no entanto, na
contemporaneidade, se multiplicaram de forma intensa. No caso do aborto, partindo dos
dois grandes movimentos que mais atuam nesse tema como o feminista e o contra-
abortos se têm uma gama dessas organizações a níveis locais, regionais, nacionais e
internacionais, partindo de diversos subtemas e “sub-bandeiras” que partem como feixes
desses dois cernes principais.
No parâmetro contra- aborto, algumas dessas ONGS e grupos são; a CNBB, Pro
Vida (Pro Life), Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (A Associação Nacional
Pró-Vida e Pró-Família é uma organização cujo principal objetivo é divulgar e
defender os valores éticos e morais da inviolabilidade da vida humana desde sua
concepção e dos direitos da família.), Associação Pró-Vida de Anápolis(Sua finalidade
é promover a dignidade e a inviolabilidade da vida humana e da família e defender tais
valores contra os atentados de particulares ou dos poderes públicos), Juventude Pela
Vida, Associação Médico Espírita do Brasil (AME), dentre outras. (OBSERVATÓRIO
BRASIL DA IGUALDADE DE GÊNERO, p 11, 2011)
Partindo do foco do movimento feminista, as ONGS e organizações feministas
importantes são: a IWHC, a HERA, a CDD, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria
(CCFMEA), as ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE), a
Articulação da Mulher Brasileira (AMB), i a Rede Nacional Feminista de Saúde e
Direitos Reprodutivos conhecida como Rede Saúde, que congrega 110 filiadas em 20
estados, a Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA), a Assessoria
Jurídica (THEMIS) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos
Direitos da Mulher (CLADEM), a GELEDÉS, por exemplo, tem uma forte atuação
contra o racismo envolvendo homens e mulheres, e entre os seus programas encontram-
se as oficinas de sexualidade e saúde, o Projeto Rapper e o SOS Corpo, de Recife,
Marcha Mundial de Mulheres, ANIS - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e
Gênero, ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais) (OBSERVATÓRIO BRASIL DA IGUALDADE DE GÊNERO, p 11,
2011).
É importante ressaltar que essas ONGS têm a necessidade de se guiarem pela
agenda das fundações internacionais em função dos critérios para o recebimento de
fundos e a institucionalização. Uma crítica à profissionalização por meio de ONGs,
dentro do movimento feminista é observada sob o argumento de que estas podem estar
indicando a volta de um "feminismo bem-educado”. (SCAVONE, 2008 p 7)
Realmente, por meio dos movimentos sociais oriundos desses dois grandes
“feixes” mobilizadores, com a redemocratização do país, houve alterações e agitações
sociais, morais, legais, políticas, religiosas dentre outras a respeito da questão do aborto,
mudanças, sobretudo, na visibilidade do tema, na participação de atores políticos e
sociais e na ampliação do debate, mas não houve modificações significativas na
legislação, no entanto, conseguiu-se estabelecer normas técnicas e criar serviços que
procuram garantir o acesso ao aborto previsto em lei e o atendimento humanizado das
mulheres em situação de abortamento tendo o aborto como uma política pública, no
âmbito do Poder Executivo.
A tensão, em clima de batalha entre duas frontes no Parlamento entre tendências
opostas tem, praticamente, paralisado decisões que envolvam mudanças legais: não se
avança na legislação, mas também não se retrocede. A exemplo da demora da decisão
na via do Judiciário, desde os anos 90, em relação a ação durante muito tempo em
julgamento no STF sobre a interrupção da gestação nos casos de anencefalia do feto.
Hoje, em abril de 2012 o STF decidiu que aborto de feto sem cérebro não é crime. Com
a decisão, STF libera a interrupção de gravidez de feto anencéfalo. (OTTO, 2004, p 12)
Assim, é notável que as mudanças alcançadas na esfera nacional sobre a política
de aborto teriam sido impossíveis sem a participação dos movimentos sociais
feministas, nacionais e internacionais da sociedade civil, de entidades não
governamentais e etc. Tais movimentos após a redemocratização do país, em meados
dos anos 80, tiveram peso fundamental para tornar a questão do aborto mais visível, na
esfera da saúde transformando-a em problema de saúde pública, criando condições para
ampliação do debate e elaboração de novas normas e políticas públicas, bem como
novas decisões no âmbito do Judiciário.
Essas mudanças se justificam nesse período de redemocratização, pois houve um
fortalecimento da sociedade civil, aumentando sua mobilização em busca de direitos de
cidadania. Em relação à questão do aborto, acentuou-se a atuação do movimento
feminista no sentido de enfrentá-la politicamente no país, movimento social este que é o
principal ator comprometido com mudanças de mentalidade e institucionais a respeito
do assunto. (ROCHA, 2006, p 2)
Também é notável que não se avança ainda mais nas reivindicações pró-aborto
graças às atuações dos movimentos contra-aborto, que de um caminho oposto, vêm
tentando manter o status quo do aborto como crime evitando suas modificações, só que
ao mesmo tempo vêm modificando involuntariamente as relações entre movimentos
sociais, alterando as opiniões da sociedade que passaram a refletir mais sobre um
assunto antes intocável. Tal luta dos movimentos sociais sobre a questão do aborto
proporcionou principalmente essa reflexão social, pois, agora, um indivíduo tem mais
chances de discutir, refletir e escolher sua opinião, sua mentalidade não partindo mais
de ter que optar sem discussão (de baixo para cima) por uma só bandeira e sim tendo
mais chances de escolher analisando e sopesando os argumentos de ambos os lados.
Tais análises seriam impossíveis se não houvesse esse choque de movimentos sociais.
Podemos dizer que foi e é através desse choque de movimentos sociais que a
mudança social sobre o tema do aborto se estabelece na vida contemporânea das
sociedades, incluindo a brasileira, no que concerne à livre iniciativa do indivíduo de
refletir e optar por uma das bandeiras não de forma mais fechada, mas principalmente
através de uma discussão mais aberta e da crítica dos diferentes argumentos, não
necessariamente tendo a obrigação de esse indivíduo ter que expressar publicamente sua
opinião pró ou contra, mas de internamente ele já conseguir estabelecer essa reflexão
consigo mesmo sem ter medo de estar andando em um terreno minado, tratando de um
tabu. Isso se deve principalmente à percepção atual do aborto, perpetuada pelos
movimentos feministas, como uma questão de saúde, como um problema de saúde
pública e classe social. Sob esses argumentos agora se torna “aceitável” em diversas
situações de interações sociais a discussão social acerca do aborto.
Na sociedade brasileira, tipicamente religiosa, católica já observamos tais
mudanças na perspectiva de que hoje, pelo menos em nível de reflexão individual, o
aborto é tema discutível, e apesar da tradicional “moral religiosa nacional” da maioria
nossa sociedade se dizer ser contra o aborto, vemos quase que antiteticamente, surgir e
brotar cada vez mais o número de movimentos pró-aborto, principalmente por meio de
ONGS, redes sociais, e outros meios de comunicação, que estão de uma nova forma
interferindo nas condutas da sociedades sobre o problema. Do outro lado, o movimento
contra-aborto também modificou, na contemporaneidade seus argumentos, não mais
insistindo nos retrógrados argumentos da perpetuação do “modelo” de família, da
reprodução como “dádiva divina”, mas trabalhando principalmente com o argumento do
direito humano à vida.
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