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Fundamentos da Relação

Sociedade-Natureza
Material Teórico
A ideia de natureza da Idade Média ao Iluminismo

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Carlos Eduardo Martins

Revisão Textual:
Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin
A ideia de natureza da Idade Média ao Iluminismo

• A ideia de natureza da Idade Média ao Iluminismo


• Fase pré-científica da ideia de natureza
• Em meio às teses cosmológicas, um espaço para o tratamento regional
• A natureza na visão cosmológica cristã
• A natureza na revolução científica
• Galileu e o método da ciência natural
• A natureza em René Descartes

·· Discutir as visões de natureza na Idade Média e no Renascimento.


··Esta Unidade trata da revolução copernicana-kepleriana, que altera
completamente a visão de universo e de natureza de orientação sacra, tornando-a
cada vez mais científica.

Nesta Unidade, em que trataremos da ideia de natureza, da Idade Média ao Iluminismo,


você terá acesso a diversos recursos.
Veja o mapa mental, que sintetiza a estrutura do assunto tratado neste módulo.
Fique atento aos prazos das atividades que serão colocadas no ar.
Recorra, sempre que possível, às vídeoaulas e ao PowerPoint narrado para tirar eventuais
dúvidas sobre o conteúdo textual.
No seu tempo livre, procure pesquisar as fontes do material complementar.
Além disto, procure pesquisar o máximo que puder sobre o tema “A ideia de natureza da
Idade Média ao Iluminismo”.
Há inúmeros conteúdos na Internet que são bastante úteis para o seu estudo e para a sua
formação profissional.
Bom estudo!

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

Contextualização

Galileu Galilei (1564-1642)


Galileu Galilei nasceu em 15 de fevereiro de 1564. Seu pai queria que ele fosse médico
e o mandou estudar em Pisa, mas o jovem estava mais interessado em Física e Matemática.
A vocação do aluno também descontentou o professor Orazio Morandi, que o estimulava a
seguir a carreira artística.
Sua primeira contribuição para a ciência se deu no Duomo de Pisa. O sacristão acabara de
acender uma lâmpada pendurada numa longa corda e a empurrara. O movimento pendular
foi medido com as batidas do coração de Galileu. Ele percebeu que o tempo de cada oscilação
era sempre igual e formulou a lei do "isocronismo" do pêndulo. Assim, encontrou o primeiro
uso prático para aquela regularidade e desenhou um modelo de relógio.
A famosa torre inclinada de Pisa fez parte de outra experiência para contestar a tese de
Aristóteles de que quanto mais pesado fosse um corpo, mais velozmente cairia.
Galileu deixou cair da mesma altura duas esferas iguais em volume, mas de peso diferente.
Ambas tocaram o solo no mesmo instante. Em seu livro, "Saggiatore" ("Experimentador"),
combateu a física aristotélica e argumentou que a Matemática deveria ser o fundamento das
ciências exatas.
Galileu desenvolveu os fundamentos da mecânica com o estudo de máquinas simples
(alavanca, plano inclinado, parafuso etc.). Entre suas criações, destacam-se: o binóculo, a
balança hidrostática, o compasso geométrico, uma régua calculadora e o termobaroscópio:
feito para medir a pressão atmosférica; porém, serviu como termômetro.
Em 1609, construiu um telescópio muito melhor que os existentes e explorou os céus
como nunca fora feito antes. Além de estudar as constelações Plêiades, Órion, Câncer e a Via
Láctea, descobriu as montanhas lunares, as manchas solares, o planeta Saturno, os satélites
de Júpiter e as fases de Vênus. As descobertas foram publicadas no livro "Siderus Nuntius"
("Mensageiro das Estrelas"), em 1610.
A partir de suas descobertas astronômicas, defendeu a tese de Copérnico de que a Terra
não ficava no centro do Universo.
Como essa teoria era contrária ao dogma da Igreja, foi perseguido, processado duas vezes
e obrigado a negar (abjurar) suas ideias publicamente.
Foi banido para uma vila de Arcetri, perto de Florença, onde viveu em um regime semelhante
à prisão domiciliar.
Morreu em 8 de janeiro de 1642. Veja a seguir o cumprimento da pena por Galileu.

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Eu, Galileu, de Florença, de setenta anos de idade, intimado
pessoalmente à presença deste tribunal e ajoelhado diante de
vós, juro que sempre acreditei em tudo quanto é defendido,
pregado e ensinado pela Santa Igreja Católica e Apostólica. Mas,
considerando que [...] escrevi e imprimi um livro no qual discuto a
nova doutrina, já condenada e aduzo argumentos de grande força
em seu favor, sem apresentar nenhuma solução para eles, fui pelo
Santo Ofício acusado de heresia, isto é, de haver sustentado e
acreditado que o Sol está no centro do mundo e imóvel, e que
a Terra não está no centro, mas se move; com sinceridade e fé
verdadeira, abjuro, amaldiçoo e detesto os citados erros e heresias
contrários à Santa Igreja, e juro que no futuro nunca mais direi nem
afirmarei, verbalmente nem por escrito, nada que proporcione
motivo para tal suspeita a meu respeito
(AMORIM, Maria de Fátima. Filosofia. Ensino Médio. v. 2. Belo Horizonte: Educacional, 2013.)

As longas horas ao telescópio causaram sua cegueira. A amargura dos últimos anos de sua
vida foi agravada pela morte de sua filha Virgínia, que se dedicara à vida religiosa com o nome
de Maria Celeste.
Em 1992, mais de três séculos após a morte de Galileu, a Igreja reviu o processo da
Inquisição e decidiu por sua absolvição.
Fonte: Enciclopédia Italiana di Scienze, Lettere ed Arti (Treccani).

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

As visões de natureza, ou cosmologia, que se seguem como decorrência da tradição clássica


grega podem ser caracterizadas como uma combinação de princípios platônicos e aristotélicos,
permeados pelas formulações matemáticas e geométricas idealistas de Claudius Ptolemaeus
ou Ptolomeu (90-168 d.C.).
Vale lembrar que, na tradição clássica, por influência de Platão, Astronomia e Astrologia
se misturam na orientação dos destinos da Humanidade e, por esse motivo, o emprego da
Matemática, a linguagem superior de contato com as inteligências divinas, torna-se uma
necessidade quase vital.
Apesar das possibilidades já existentes neste período, as ideias de natureza seguem sendo
definidas a partir de modelos idealistas desprovidos de empirismo e carentes de verificação.
Só para que se tenha uma ideia do que o pensamento clássico foi capaz de realizar sem
que isso tenha provocado grandes transformações nas concepções vigentes, ou seja, sem
causar grandes distúrbios na harmonia do sistema de mundo idealista, citemos uma descoberta
de Eratóstenes de Cirene (276-194 a.C.), responsável por cálculos importantes como o da
eclíptica e a afirmação dos polos e do Equador, além de ter sido autor de uma das conjecturas
mais impressionantes da Antiguidade, representada na Figura 1.

Figura 1. Esquema de representação do cálculo da circunferência da Terra, de Eratóstenes.

Fonte: Wikimedia Commons, ocw.unican.es

O experimento de Eratóstenes consistiu em observar o comportamento da luz do Sol, em


“a”, no dia 21 de junho; portanto, no solstício de verão, para o Hemisfério Norte, às 12 horas.
Ele utilizou duas cidades como estudo de caso, esquematizadas em “b”: Assuan, que fica na
latitude 23N e Alexandria, a cerca de 800 km ao norte daquela.
Nas datas e horários escolhidos como parâmetro, Eratóstenes observou, em “b”, que em
Assuan a luz do Sol iluminava o fundo de um poço, logo, precisamente perpendicular à superfície.

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Já em Alexandria, na mesma data e horário, a luz do Sol irradiando sobre uma estaca
fincada ao chão produzia uma sombra com cerca de 7°20’ ao Norte.
Sendo Eratóstenes exímio matemático, fez o seguinte cálculo: se a Terra é uma “esfera
perfeita” (lembrando que este é o contexto da égide do idealismo metafísico aristotélico-
ptolomaico), logo, ela é considerada um círculo de 360°.
Se entre Assuan e Alexandria há cerca de 800 km de distância plana e esta distância plana
equivale a cerca de 7°20’ (aproximadamente 111 km por grau de latitude), ela corresponde à
50ª parte de 360°; logo, se o ângulo (50/360º) for multiplicado pela distância real (800 km),
segundo Eratóstenes, obtém-se a circunferência da figura que, por sua vez, é a circunferência
real da Terra.

Saiba Mais
A conjectura de Eratóstenes para a circunferência da Terra é o resultado da
seguinte operação:
50 x 800 = 40.000
Isto é, para ele, a circunferência da Terra é de 40.000 km. Apesar de ter vivido
em um período bem mais recente, mas levando em conta a sua forma de pensar
e agir, Eratóstenes pode ser considerado um pré-socrático.

Se considerarmos que a circunferência convencional do eixo polar da Terra aceita atualmente


é de 40.003 km, concluímos que Eratóstenes teria cometido um erro de apenas 0,007% nos
seus cálculos matemáticos.
A sua tese, apesar de válida matematicamente, assim como ocorreu com o empirismo dos
pré-socráticos, foi rechaçada por diversos pretextos, sendo que o mais plausível e contraditório
deles girava em torno da dificuldade de admitir a redondeza da Terra e a partir daí colocar em
dúvida a sua posição como centro fixo (Terra Immobilis) do Universo.
Ao contrário disso, as iniciativas persistiam nas tentativas de elaboração aritmética para
justificar o modelo geocêntrico, cada vez mais difícil de ser sustentado.
Outra explicação para o não reconhecimento das conjecturas ou, no caso, da verificação
empírica delas, considera que apesar de os gregos disporem de conhecimentos geométricos
bem desenvolvidos e de apuradas técnicas aritméticas, eles não as aplicavam empiricamente
como método para quantificar os fenômenos de forma sistemática.
A causa provável (CASINI, 1987) pode ter sido a divisão do trabalho braçal (pertinente aos
escravos) e intelectual ou mental (atinente aos gregos), fortemente influenciada por Platão.

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

Fase pré-científica da ideia de natureza

Voltemos às tentativas de manutenção do geocentrismo. Ptolomeu é autor de uma das


representações cosmológicas geocêntricas mais importantes dessa fase do pensamento
humano, uma síntese das descobertas e medições de Hiparco (190-120 a.C.), no qual
(Figura 2) a trajetória dos planetas obedece a particulares movimentos circulares e perfeitos,
ou seja, ao redor de um centro específico denominado epiciclo, e um outro movimento, ao
redor de círculos maiores, chamados de deferentes, que têm como referência a Terra Imóvel
(Terra Immobilis), posicionada no centro do Sistema.

Figura 2. Sistema cosmológico de Hiparco.


Neste modelo, a Terra encontra-se posicionada no centro
do Sistema e é referência para os movimentos planetários.
Na Figura 2, podemos observar que os movimentos
planetários vistos em conjunto formam um redemoinho,
tal qual era sugerido no pensamento idealista clássico
mais conservador.
No caso do modelo de Ptolomeu (Figura 3), passados
três séculos em relação à proposta de Hiparco e após
diversas medições astronômicas desde o modelo anterior,
encontraremos diversas ambiguidades nas trajetórias dos
planetas e a falta de sincronia em relação ao calendário
Fonte: Wikimedia Commons Juliano, em vigor desde 46 a.C.
Ptolomeu trabalhou para manter as referências geocêntricas e a regularidade dos
movimentos. Todavia, a Terra é retirada do centro exato da deferente, em que pese o fato de
ainda ser considerada fixa e imóvel.
Na tentativa de provar uma Física extraordinariamente abstrata e acrobática, Ptolomeu
inseriu um elemento a mais no Sistema de Hiparco, ao qual denominou ponto equante,
posicionado ao lado do centro do deferente e oposto em relação à Terra (este ponto seria a
referência à eclíptica dos planetas), forçando uma excentricidade entre ambos, corrigindo os
cálculos e ajustando o sincronismo esperado em relação ao modelo.
Figura 3. Esquema demonstrativo da proposta de Ptolomeu.

Fonte: chandra.as.utexas.edu

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Saiba Mais
A tentativa de Ptolomeu com a implantação do equante no Sistema de Hiparco
repercutiu muito mal entre os astrônomos da época. Alguns chegaram, inclusive,
a propor a adoção de um modelo criado pelo astrônomo persa Khawaja
Muhammad Ibn Muhammad Ibn Hasan Tusi (1201-1274) como alternativa
(VAN LIT, 2008).

Além do seu modelo astronômico geostático, Ptolomeu também construiu uma obra voltada
para a Geografia Regional, denominada Geographia, na qual resumiu toda a concepção
geográfica greco-romana até aquele instante, incluindo a determinação de um dos primeiros
sistemas de coordenadas geográficas conhecido.
A Figura 4 representa as coordenadas disponíveis na Geographia sobrepostas à
projeção Mercator.
Figura 4. Superposição das coordenadas de Ptolomeu
(maior espessura) sobre a projeção de Mercator (pontilhado).

Fonte: henry-davis.com

É possível notar na Figura 4 que se os contornos dos continentes fossem registrados no


plano com base nas coordenadas de Ptolomeu, as proporções em relação a Mercator ficariam
significativamente exageradas, muito mais ainda em relação a Eratóstenes. Isto revela sérias
inconsistências nos cálculos de Ptolomeu, o que lhe rendeu, igualmente, sérias críticas de
Galileu, Newton e outros.

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

Em meio às teses cosmológicas, um espaço para o tratamento regional

Não somente os modelos mais abstratos no plano astronômico, como os vistos acima, mas
também os processos naturais a respeito da água, da atmosfera, do solo e das rochas tiveram
início neste contexto.
Lucius Anneus Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) foi provavelmente o pensador romano que mais
tenha se dedicado a escrever sobre os fenômenos naturais em sua publicação Naturales
Quaestiones, em 65 d.C.
No século II d.C. o geógrafo grego Pausânias de Lídia (115-180 d.C.), relatara, na Descrição
da Grécia, as diversas paisagens gregas. Esta pode ser considerada uma das primeiras
publicações da Geografia Regional que se conhece.
Pausânias teve seu trabalho facilitado graças à tradição de abrir estradas ou rotas que os
romanos cultivaram ao longo da sua hegemonia imperial na Europa, Norte da África (Líbia) e
Oriente Médio (Ásia).
O mesmo propósito da Geografia Regional foi escolhido por Estrabão (63 a.C.-24 d.C.).
Entretanto, este expandiu a escala descritiva para o plano intercontinental. Na Geographia,
obra escrita em dezessete volumes, Estrabão relata as características paisagísticas das áreas
dos três continentes conhecidos.
A mencionada tradição romana em abrir estradas está registrada na tabula peutingeriana
(Figura 5), datada do século IV d.C.
Trata-se de um conjunto de pergaminhos das rotas militares e comerciais romanas,
descobertas em fins do século XVI, por Konrad Celtes, que o entregou a Konrad Peutinger
que, por sua vez, o repassou à casa publicadora de Johannes Moretus para ser impresso
parcialmente, em 1591.

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O documento foi publicado na íntegra por Franz Christoph Von Scheyb, em 1753.

Figura 5. Trecho da Tabula Peutingeriana.

Fonte: Wikimedia Commons

A organização mais recente dos originais resultou em uma prancha de 21 metros de


comprimento por 1/2 metro de largura. Em toda a sua extensão, são representados diversos
fenômenos naturais (montanhas, rios, lagos, mares etc.) aos quais os romanos ajustavam toda
a infraestrutura do império.
Por outro lado, a Figura 5 demonstra que os romanos tinham sérias limitações no campo da
Cartografia, pois as rotas são preferencialmente alinhadas segundo as longitudes, desprezando
as dimensões latitudinais, já há bastante tempo conhecidas.
Ainda assim, as tabulas foram fundamentais para a gestão dos espaços conquistados até a
derrocada do Império, em 1453, data em que os turco-otomanos conquistaram Constantinopla.

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

A natureza na visão Cosmológica Cristã

A ascensão do Cristianismo provocou o declínio da sacralidade politeísta e pluralista grega


e romana tendo colocado em seu lugar, aos poucos, o monoteísmo atrelado a uma visão
monista de natureza, que já havia sido proposto desde os pré-socráticos, mas que somente se
tornaria hegemônico a partir do colapso do império romano e da hegemonia de pensamento
do Cristianismo sediado em Roma.
A combinação dos seguintes elementos caracteriza a justaposição monoteísmo-monismo
emergente neste contexto:
• Onipresença, onipotência e onisciência de um deus arquiteto;
• A unidade da realidade, a gênese unilateral e instantânea do mundo, contrariamente ao
dualismo ou ao pluralismo anterior;
• A aceitação de uma única coisa, a substância, da qual tudo provêm.
Tal conjunto de princípios novos corroborou a visão platônica e reinventou uma ideia de
mundo físico teleologicamente ordenado, criado por intermédio desta inteligência superior a
fim de preencher o espaço em torno do homem e, portanto, mais uma vez, fora do domínio
das suas faculdades.
Muito embora as noções bíblicas de natureza sejam muito anteriores ao período analisado,
é neste contexto que temos o advento das contribuições mais significativas.
Examinemos alguns aspectos do Gênesis, analisando-os sob a perspectiva de Santo
Agostinho, nos livros XI e XII das Confissões (1980).
No versículo 1º, do capítulo 1 do Gênesis, lemos: “No começo, Deus criou os céus e a
terra” (BÍBLIA SAGRADA, 2000).
Neste versículo, a origem de tudo o que existe está em Deus, uma inteligência superior que
se mostra capaz da realização ou da criação do espaço, já hierarquizado, isto é
• “Céu”: acima, sendo o lugar dos espíritos; e
• “Terra”: abaixo, sendo o lugar dos seres corpóreos, ausentes antes da criação.
O ato de criação gera, também, o tempo, pois decorre em “dias” de atividade divina.
Antes da criação, portanto, não havia nem espaço e nem tempo. Havia apenas a ideia, ou
o “verbo”, que precede as coisas materiais, quer dizer, a ideia já continha em si as formas das
coisas criadas.
A criação é um ato que se realiza a partir da palavra “haja”, ou, “faça-se”, dependendo da
versão impressa, um verbo imperativo afirmativo.
A lógica da criação é a sintaxe, ou a ordem gramatical. Esta se aplica à sequência da criação
dos outros elementos da natureza animada e inanimada e do próprio homem. Contudo, os
primeiros são criados (designados) para servir ao último, isto é, estão mantidos os princípios
finalistas que Aristóteles atribuiu às coisas “por natureza” e está garantida a superioridade
humana sobre os outros seres vivos a serem subjulgados.

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A matéria prima e a energia para a criação provieram da “vontade” ou da “substância” de
Deus. Aquela permite a este permear o tempo, quer dizer, o tempo de Deus é a eternidade, o
eterno hoje (SANTO AGOSTINHO, 1980).
Os princípios bíblicos atrelados ao modelo aristotélico-ptolomaico sobre a concepção de
natureza perduraram séculos. Porém, na passagem da Idade Média para o Renascimento, as
tentativas de sustentar tal forma de ver a natureza estavam prestes a cair por terra.
Os cálculos de Ptolomeu estavam sendo severamente criticados. Além disto, a navegação
mercantil já trazia evidências muito fortes de existência de mundos e formas de vida até
então inadmissíveis ou, quando muito, mistificadas por parte dos intelectuais defensores da
ordem vigente.

A natureza na revolução científica

No contexto das grandes revoluções de ordem cultural, política, econômica e científica


do século XVI, foram grandes as contribuições de Nicolau Copérnico (1473-1543), que se
deparou com as incongruências do sistema aristotélico-ptolomaico apontadas pelo progresso
ocorrido na Matemática, principalmente com relação às reduções e simplificações nas equações
analíticas e explanatórias, com a persistente imprecisão do calendário Juliano e das previsões
sobre os movimentos dos planetas, e com a excessiva dificuldade de aplicação do sistema de
epiciclos, deferentes e equantes de Ptolomeu.
Em síntese, o sistema geocêntrico havia se tornado um arranjo de cálculos errados em
relação aos movimentos concretos dos corpos celestes. Tudo para tentar manter a estabilidade
conceitual e a crença em um mundo harmônico, regular e preciso.
Somados todos os aspectos mencionados, o contexto em que se encontra Copérnico é
de absoluta crise existencial nas Ciências e muito propício para o advento do que Prigogine
e Stengers (1984) chamaram de “revolução científica” ou de renovação da nossa concepção
sobre a relação homem-natureza. Quer dizer, havia uma convergência a favor do abandono da
ideia de imutabilidade dos fenômenos e da excessiva abstração das causalidades.
O que podemos questionar é se os sujeitos envolvidos estavam dispostos a revolucionar,
como a necessidade sugeria. Vejamos como a chamada Revolução Copernicana, decorrente
de toda a crise instaurada dentro do sistema aristotélico-ptolomaico, apresentou-se.
Nos seus postulados de Commentariolus, de 1512, e depois no De Revolutionibus
Orbium Caelestium (1543), Copérnico afirmara, em princípio, que no universo havia “mais
de um centro de referência” para as esferas celestes.
Afirmou, também, que o centro da Terra, ao contrário de que se acreditava até então,
“tinha a ver apenas com a gravidade da Lua” e que os movimentos observados no firmamento
eram aparentes em relação ao verdadeiro “movimento da Terra”, que gira ao redor do seu
próprio eixo ao longo de 24 horas, enquanto “o firmamento é que é imóvel”. Ao contrário
do que se vê, é o movimento da Terra que explica os movimentos no firmamento. Alem da
rotação em redor de si, “a Terra orbita o Sol” (BURTT, 1983).

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

Na Figura 6, a seguir, podemos observar que, diferentemente dos modelos anteriores, na


sua tese heliocêntrica, Copérnico tira a Terra do centro, ou do seu, até então, “lugar natural”,
colocando o Sol nesta posição.
Figura 6. O sistema do mundo aristotélico-ptolomaico, geocêntrico (esq.) e o sistema copernicano, heliocêntrico (dir.).

Fonte: hps.cam.ac.uk

Agora a Terra, juntamente com os outros planetas, é relativizada na cadeia de importâncias


da cosmologia e o sistema passa de uma concepção geocêntrica para a heliocêntrica, isto é,
referenciada no Sol.
Observe no Quadro 1, a seguir, a diferença na distribuição concêntrica crescente dos
elementos componentes dos dois sistemas.

Quadro 1. Comparação entre os Sistemas Aristotélico-Ptolomaico e Copernicano, que constam na Figura 6.


Sistema Aristotélico-Ptolomaico Sistema Copernicano
Terra Sol
Água Mundo Sublunar Mercúrio
Fogo (ar) Vênus
Lua Terra (Lua)
Mercúrio Marte
Vênus Júpiter
Sol Mundo Celeste Saturno
Marte
Júpiter
Firmamento
Saturno
Firmamento (esferas VIII a XI)

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O que podemos constatar na comparação entre os dois sistemas e analisando se o modelo
copernicano é ou não revolucionário no pleno sentido da palavra, é que seu sistema é em parte
revolucionário e em parte conservador. Isso, porque, obedecendo às tendências da época e sem
muitas chances de defender a manutenção dos princípios originais, Copérnico altera a posição
dos elementos na conjunção do sistema em si, sendo por este aspecto considerado revolucionário.
Por outro lado, ele mantém a redondeza, infalibilidade e regularidade do sistema e, por este
motivo, pode ser considerado conservador.
Simplificou a complexa geometria ptolomaica da Almagesta, substituindo-a pela geometria
de Pitágoras. Isso permitiu a ele incluir a Terra no conjunto de movimentos uniformes dos
planetas e, a partir daí, ao redor do Sol, eliminando o método acrobático de Ptolomeu, que
combinava os modelos esféricos, cancelando mutuamente as imperfeições e oscilações anuais
dos movimentos dos astros, dando harmonia ao Sistema.
Contudo, manteve a abstração matemática no trato dos fenômenos naturais praticamente
apartada da observação empírica, mais uma vez oscilando o posicionamento revolucionário
com o conservador.
Apesar de todos os seus esforços para não demolir o sistema ao menos quanto à regularidade
dos movimentos astronômicos, em 1616, o heliocentrismo foi considerado uma heresia e o
De Revolutionibus Orbium Caelestium foi proibido pela Inquisição.
A revolução científica seguiu seu curso com o matemático alemão Johannes Kepler (1571-
1630), em associação com o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), adepto da
experiência sensível por meio da observação direta, ou a olho nu, dos movimentos dos astros,
em especial do planeta Marte. Seus cálculos foram cuidadosamente analisados por Kepler que,
a partir deles, elaborou as três leis que o consagraram.
Na primeira Lei de Kepler, ao contrário do que se acreditava anteriormente, os planetas
orbitam ao redor do Sol em uma trajetória elíptica e não circular, além do que o Sol não está
no centro, mas em uma porção lateral da elipse.
Na segunda Lei, Kepler afirma que os planetas se movem a velocidades diferentes,
dependendo da distância ao Sol ao longo da órbita, No “periélio”, a velocidade é maior, dada
a maior proximidade com o astro. Já no Afélio, a velocidade é reduzida, tendo em vista a
maior distância em relação ao Sol.
A terceira Lei de Kepler afirma que quanto maior a distância do planeta até o Sol, maior o
tempo para completar uma volta ao redor deste.
Como era de se esperar, as afirmações de Kepler, baseadas nas observações sensíveis de
Brahe, foram amplamente questionadas. Para tentar dirimir os efeitos das críticas, Kepler fez
uso de algumas estratégias de marketing.
Ele revigora os princípios platonistas (neoplatonismo) de busca, por meio da simplificação
matemática, da harmonia subjacentes (dos números) na natureza, relativizando o aristotelismo,
que primava pela experiência sensível. Chega ao ponto de dar um tratamento supersticioso
e divino ao Sol, bem ao estilo de Platão, além de associar os corpos celestes à Santíssima
Trindade, concebendo o Sol como o deus pai; as estrelas, o deus filho e o éter, o espírito santo.
Kepler afirma, parafraseando Platão, que Deus criou o mundo de acordo com a harmonia
numérica e fez a mente humana com a capacidade de abstrair e compreender tais leis
harmônicas (BURTT, 1983).

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

Galileu e o método da ciência natural

Contemporâneo de Kepler, Galileu Galilei (1564-1642) foi bem mais além do que seu
colega na determinação das bases da ciência natural. Ainda que tenha sido iniciado na redução
de figuras matemáticas complexas, o fato de esta ter sido apartada da mecânica, recém-surgida
na Europa, fez com que Galileu abandonasse a Academia e passasse a se dedicar à mecânica
experimental por praticamente toda a sua vida.
Um pressuposto básico, mas não menos importante, é a sua definição de natureza. Para
Galileu, a natureza é inexorável, ou seja, é um sistema ordenado e perfeito, tendo seus
movimentos regulados por leis imutáveis que nunca transgride e que são independentes do
julgamento humano, concordando com as premissas aristotélicas de que homem e natureza são
coisas distintas. Segundo ele, as leis morais são apropriáveis apenas pela via da Matemática.

Saiba Mais
A ideia de natureza apartada do homem, reforçada por Galileu, pode ser
considerada um dos fundamentos mais sólidos para a dicotomia homem-
natureza, nas ciências em geral, e para a dicotomia entre a Geografia Humana
e a Geografia Física, na Geografia.

Segundo Galileu, concordando neste caso com Kepler, o conhecimento (especificamente) da


natureza, ao qual ele dedicou toda a sua vida, depende do domínio da linguagem em que está
escrita: a Matemática. Os caracteres desta linguagem são os círculos, triângulos e as outras figuras
geométricas. Este conhecimento é representado por meio de demonstrações matemáticas.
Galileu descarta a lógica como método pelo fato de que esta não leva às conclusões e
demonstrações coerentes, mas ensina apenas a verificar se as conclusões e demonstrações já
existentes são ou não coerentes (BURTT, 1983).
Uma segunda premissa importante para o entendimento do sistema galileano é a sua
afirmação de que os corpos são por si próprios indiferentes ao movimento ou ao repouso,
contrariando mais uma vez o aristotelismo aceito até então, eles se movem obedecendo a forças
externas e não a qualidades ocultas ou ao obscuro princípio do ímpeto neles incorporados.
Este princípio elimina as causas finais ou desígnios, que eram atribuídos à existência dos
fenômenos, como era considerada até então.
Para Galileu, o processo de aquisição do conhecimento reitera Aristóteles no sentido da
valorização da experiência sensível, isto é, para ele, o conhecimento parte dos sentidos para
a razão. Por outro lado, sua estratégia metódica reconhece que o conhecimento de um único
fato, advindo por meio da descoberta das causas, prepara a mente para a compreensão e
determinação de outros fatos, sem a necessidade de recorrer novamente à experiência.
O que a proposição do parágrafo anterior indica é que o processo que leva ao conhecimento
parte da ação empírico-indutiva de observação até a descoberta das regularidades do fenômeno;
a partir daí, as regularidades passam ao status de lei apriorística aplicável nos estudos sobre
os mesmos fenômenos de forma dedutiva. Em síntese, Galileu estava focado na elaboração de
um método científico rigoroso.

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Uma evidência que mostra a preocupação de Galileu com o método é o fato de que ele
separa obrigatoriamente o que chama de qualidades primárias das qualidades secundárias.
As qualidades primárias são aquelas ligadas às propriedades físicas dos fenômenos, como
número, figura, grandeza etc. Estas qualidades, por serem quantitativamente prováveis – ou
mensuráveis – e, por este motivo, intrínsecas ao fenômeno – ou objetivas – são consideradas
verdadeiras e válidas para a pesquisa científica.
Já as qualidades secundárias decorrem da forma como os fenômenos afetam os nossos
sentidos como cor, sabor, odor etc. Como estas qualidades são subjetivas – ou inerentes ao
sujeito – podem ser consideradas falsas ou ilusórias. Então, para se chegar à verdade sobre um
determinado objeto estudado, é necessário chegar às suas qualidades primárias ou quantitativas.
A forma pela qual Galileu entende que esse processo aconteça depende do que pode
ou não ser medido no fenômeno. Para ele, devemos escolher por princípio apenas o
que é mensurável – ou quantificável – por meio de unidades de medida. De tal modo,
quando submetemos um movimento qualquer ao tratamento matemático, nós passamos
a concebê-lo sob certa unidade de distância percorrida por certa unidade de tempo
transcorrido (BURTT, 1983).

Figura 7. Termômetros de Galileu

Saiba Mais
Galileu é considerado o responsável pela invenção e/
ou aperfeiçoamento da balança hidrostática, do relógio de
pêndulo, do termômetro (Figura 7); aperfeiçoou o telescópio
e o microscópio, entre outros instrumentos considerados,
hoje, fundamentais para a prática científica.
Termômetro: O aparelho consistia de um tubo contendo
cápsulas de licores, mergulhadas em um fluido. Com as
mudanças de temperatura, os licores perdiam e ganhavam
densidade e isto dava a Galileu uma noção de aumento ou
queda na temperatura ambiente.

Fonte: Wikimedia Commons

Muito além de todos estes aspectos de ordem metodológica, o que mais notabilizou Galileu
foi a sua prática.
Seu experimentalismo inaugurou a atividade que se tornaria inexoravelmente necessária na
ciência: o desenvolvimento e a aplicação dos instrumentos de medição.
Segundo Galileu, para que as observações fossem consideradas válidas, elas deveriam
ser elaboradas a partir dos instrumentos, ou seja, de sensores artificiais e não a partir dos
sentidos orgânicos.
Assim, julgava ele, haveria, mediante a eliminação da subjetividade, maior precisão na coleta
dos dados a serem medidos, isto é, das qualidades primárias dos fenômenos, as quais se tornariam
características verdadeiras dos fenômenos e, por este motivo, demonstráveis matematicamente.

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

O uso do telescópio, por exemplo, proporcionou a Galileu reconhecer diversos movimentos


astronômicos como: as miríades de estrelas, hoje, Via Láctea; as fases de Vênus; as manchas
solares; as luas de Júpiter, além de afirmar a profundidade do firmamento. Todas as observações
foram publicadas no Sidereus Nuncius, em 1610, na tentativa de Galileu provar o heliocentrismo.
Todavia, é preciso lembrar que, apesar de todas as afirmações feitas por Copérnico, até o
tempo de Galileu, as bases do pensamento eram essencialmente bíblicas e o sistema de mundo
aceito era bastante limitado fisicamente.
A Figura 8 representa as limitações físicas do mundo até aquele instante.

Figura 8. Esquema do mundo aristotélico-ptolomaico.

Fonte: webpages.uidaho.edu

Na Figura 8, podemos observar que o firmamento está limitado à experiência sensível,


sendo mostrado como uma abóbada cravejada de estrelas móveis ao redor da Terra (fixa e
plana), sustentada por pilares nas extremidades do mundo, isto é, Europa, Oriente Médio e
Norte da África.
Novamente, as afirmações de Galileu, no sentido de provar o heliocentrismo, causaram
uma onda de debates acalorados entre os seus seguidores e os defensores dos princípios
bíblicos resultando, paradoxalmente, em uma série de acusações contra e de manifestações a
favor dele, em Roma.
Em 1616, a defesa do heliocentrismo foi considerada herética pela Inquisição e o Papa
Urbano VIII sugeriu a Galileu que tratasse o heliocentrismo como hipótese não provada.
Persistente, Galileu escreveu o “Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo” (1632),
no qual tentava demonstrar os erros do geocentrismo face ao progresso do heliocentrismo.
Suas provas não foram aceitas pelos matemáticos teólogos de Roma. Assim, recebeu a
incumbência de reescrever a obra a fim de valorizar o geocentrismo, o que não fez; pelo
contrário, ratificou suas posições anteriores e, em 1630, por este motivo, foi condenado
a abjurar em público suas afirmações e à prisão perpétua, tendo seus livros proibidos nos
países católicos.

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Contudo, seus textos foram muito valorizados, não por acaso, nos países que, após a
Reforma, adotaram o Protestantismo.

Saiba Mais
A condenação de Galileu pelo Santo Ofício (tribunal da Inquisição) é considerada
nos bastidores da ciência como o marco da separação entre as esferas de
competência da Academia e da Igreja Católica.

Posteriormente, Galileu conseguiu converter a pena de prisão em confinamento na casa de


amigos, tendo publicado, ainda, na Holanda, o livro Discursos e demonstrações matemáticas
relativas às duas novas ciências, em 1638.

A natureza em René Descartes

Galileu foi grande inspiração para outro teórico da Ciência e que se dedicou também a
discutir o conceito de natureza. Trata-se de René Descartes (1596-1650), considerado o
fundador do racionalismo que, numa estada em isolamento, na Alemanha, durante o inverno
de 1619, para onde ele fora enviado como soldado do exército holandês, após organizar suas
ideias, acreditou ter elaborado um método para as ciências em geral. O resultado desta “visão”
de Descartes transformou-se no livro O Discurso do Método, publicado em 1637.
Não por acaso, Descartes, assim como já haviam feito Galileu e outros pensadores, também
foi refugiar sua publicação na Holanda que, àquela altura, sob a égide do protestantismo,
estava livre da censura da Santa Inquisição.
No texto acima mencionado, Descartes elabora o encadeamento passo a passo do que
acredita ser o método mais adequado para a prática científica e para a correta obtenção da
verdade, de forma simplificada e eficiente.
Sinteticamente, o método cartesiano é composto de quatro procedimentos:
• A dúvida sistemática e generalizadora ou hiperbólica a tudo o que se referir à experiência
imediata (DESCARTES, 1996, p. 257, nota);
• A decomposição do todo em partes;
• Iniciar a análise pelas partes em direção ao todo;
• Converter os resultados em demonstrações matemáticas ou leis gerais (DESCARTES,
2001, p. 23).
No entanto, a aparente simplicidade do método é, na verdade, uma complexa e ramificada
conjunção de abstrações idealistas, que envolve subitens tão abstratos quantos os acima
mencionados.
Antes mesmo de tratar da metodologia, vejamos a forma como se constitui o conceito de
natureza em Descartes.
Assim como para seus antecessores, também para Descartes a natureza deve ser estudada
pela razão. De maneira explicitamente neoplatônica, ele recomenda duvidar sempre daquilo que
se nos apresenta por meio da experiência sensível à qual chama de res cogitans – ou aparências.

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

Estas, assim como as “qualidades secundárias” de Galileu, são devidas aos sentidos (cor, sabor,
odor etc.), não sendo características verdadeiramente das coisas; pelo contrário, são efêmeras,
e nos provocam confusões a respeito daquelas. Assim sendo, devem ser completamente
descartadas enquanto causas da existência das coisas.
Ao contrário, as propriedades matemáticas que provém das próprias coisas, as res extensas,
ou extensões, são, sim, características “últimas”, verdadeiras, superiores e eternas das coisas
e, portanto, devem ser consideradas causas prováveis e válidas à sua existência.
Descartes acredita que a natureza é composta pelas manifestações físicas de Deus. Estas
foram criadas segundo os princípios da Matemática enquanto substância das coisas e das
figuras geométricas definidoras dos seus limites ou formas.
Na visão dele, as ciências, como um todo orgânico, devem fazer uso de uma ferramenta
chave que lhes permita não só compreender, mas representar a natureza de forma verdadeira.
Esta ferramenta, a geometria analítica, inventada pelo próprio Descartes, foi proposta, então,
como a ferramenta que poderia unificar as ciências em geral.
A este respeito:

A existência e o uso bem-sucedido da geometria analítica


como instrumento da exploração matemática pressupõe uma
correspondência biunívoca exata entre o reino dos números, isto
é, a aritmética e a álgebra, e o reino da geometria, isto é, o espaço.
Naturalmente, já era óbvio para toda a ciência matemática que
ambos os campos se relacionavam; que sua relação consistia nessa
correspondência explícita e absoluta foi, no entanto, uma intuição
de Descartes. Ele percebeu que a natureza própria do espaço,
ou extensão, era tal, que suas relações, ainda que complicadas,
deveriam sempre permitir a expressão por meio de fórmulas
algébricas e que, no caso oposto, as verdades numéricas (em
determinadas condições) poderiam ser plenamente representadas
do ponto de vista espacial. Como resultado natural dessa invenção
notável, Descartes ampliou a sua esperança de que todo o reino da
física pudesse ser redutível unicamente a qualidades geométricas.
Quaisquer que sejam suas outras dimensões, o mundo da natureza
é obviamente um mundo geométrico e seus objetos são grandezas
em movimento, dotadas de extensão e configuração
(BURTT, 1983, p.86).

Para Descartes, Deus fez a natureza de tal modo que os conceitos matemáticos puros
intuídos pela mente humana são perfeitamente aplicáveis à ela. Ele compreende que a natureza
é como uma máquina na qual as peças se movem perfeitamente em torno de pontos centrais
invisíveis, como os vórtices ou os redemoinhos.
Cada fenômeno, dependendo das extensões, ocupa uma posição específica neste conjunto,
isto é, tem sua existência definida pelo espaço relativo que ocupa em relação aos outros
corpos no espaço absoluto.
Descartes acredita que a melhor forma de representação matemática da posição dos
fenômenos é aquela em que estes são convertidos em pontos dispostos, segundo as extensões
que representam a sua forma, em um sistema de coordenadas (Figura 9).

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Figura 9. Esquemática do sistema de coordenadas cartesianas.

A Figura 9 mostra o sistema de coordenadas cartesianas, um dos mais difundidos no


ensino de Matemática e, a seguir, temos uma representação simplificada (Figura 10) de uma
ferramenta de representação geográfica que usa as mesmas regras do modelo cartesiano, mas
aplicado à figura e às dimensões numéricas da Terra, ou seja, os mapas são representados
por meio de um sistema de coordenadas idêntico ao que os estudantes aprendem nas aulas
de Matemática.
Infelizmente, para o educando do Ensino Básico, estas duas ciências, em geral, não
“conversam” na prática, apesar de terem as mesmas finalidades: a Educação.

Figura 10. Esquema de coordenadas geográficas aplicado aos mapas.

Fonte: Wikimedia Commons

No caso da Figura 10 e das regras que regem este modelo, o ponto “P” está localizado na
grade de coordenadas geográficas esféricas, com valores inversos estipulados para ambas as
porções da esfera a partir de uma origem arbitrada.

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

A origem no centro da imagem é a referência para o posicionamento de “P”, de acordo


com a sua posição numérica, no caso: 40;-60.

Saiba Mais
A Geografia, enquanto ciência, mantém contato permanente com a Filosofia,
no sentido de se adaptar a cada novo invento ou proposição teórica para o
estudo da natureza. Suas bases teóricas e seus procedimentos experimentais
são basicamente os mesmos de qualquer outra ciência, isto é, nossa experiência
sensível é substituída pela observação objetiva, sucedida pela decomposição
das partes do fenômeno estudado e, a partir daí, convertida em abstração
matemática e geométrica expressa nos nossos mapas, cartas, cartogramas,
tabelas e gráficos, recorrentemente utilizados para simplificar a complexidade
das nossas análises.

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Material Complementar

Sobre a Revolução Científica do século XVI e sobre o racionalismo cartesiano, consulte:

Sites:
A premissa metafísica da Revolução Copernicana
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/85058/000353073.pdf?sequence=1

Sobre algumas condições para a dúvida na “Primeira Meditação” de Descartes


http://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/44/38

Leituras:
Análise do livro “A Revolução Copernicana”
http://www.geocities.ws/celiagaiao/COPERNICANA.pdf

A Revolução Copernicana
http://stoa.usp.br/daros/files/2856/16412/RevolucaoCopernicana.pdf

Galileu e a Ciência Moderna


http://www.uesc.br/revistas/especiarias/ed16/16_2_galileu_e_a_ciencia_moderna.pdf

Galileu Galilei
http://www.on.br/ead_2013/site/conteudo/cap7-historia/astronomia-renascenca/galileu/galileu.pdf

O diálogo de Galileu com a Condenação


http://www.cle.unicamp.br/cadernos/pdf/Pablo%20Mariconda.pdf

Os fundamentos da verdade no pensamento de René Descartes: uma relação à


sua época, uma proposta a nossa época
http://www.cesjf.br/revistas/cesrevista/edicoes/2013/Artigo%2003.pdf

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Unidade: A ideia de natureza da idade média ao iluminismo

Referências

ARISTÓTELES. Física I – II. 1.reimp. Campinas: Unicamp, 2010.

BÍBLIA Sagrada. Edição eletrônica. Disponível em: http://minhateca.com.br/Rondinele.


Vitor/BIBLIA+SAGRADA+NTLH,17117829.pdf. Acesso em: 25 set. 2014.

BURTT, E. A. As Bases Metafísicas da Ciência Moderna. Brasília: Universidade de


Brasília, 1983.

CASINI, P. As Filosofias da Natureza. 2.ed. Lisboa: Editorial Presença, 1987.

DESCARTES, R. Meditações. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 1996.

______. O Discurso do Método. 3.tir. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

PRIGOGINE, I.; STENGERS, I. A Nova Aliança. Brasília: Universidade de Brasília, 1984.

SANTO AGOSTINHO. Confissões. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

VAN LIT, E. The measurement of the circle” of Archimedes in Nasíral-Dín al-Tûsí’s


revision of the ‘middle books’ (tahrír al-mutawassitãt). Bachelor thesis. Netherland: Utrecht
University-Department of Mathematics, 2008.

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Anotações

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