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Climatologia

Material Teórico
História dos Estudos Atmosféricos

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Carlos Eduardo Martins

Revisão Textual:
Profa. Esp. Márcia Ota
História dos Estudos Atmosféricos

• Introdução
• Clima e Climatologia: concepção moderna e evolução das ideias
• As Origens da Climatologia Científica
• Aperfeiçoamento dos recursos materiais da investigação atmosférica
no século XX
• História das observações atmosféricas no Brasil

·· Esta unidade tem por objetivo discutir a evolução das observações humanas da
atmosfera, analisar a origem da Climatologia científica e estabelecer o conceito
mais moderno de Clima.

Nesta unidade, em que trataremos sobre a história dos estudos atmosféricos, você terá
acesso a diversos recursos.
• Fique atento aos prazos das atividades que serão colocadas no ar.
• Participe do fórum de discussão proposto para o tema.
• No seu tempo livre, procure pesquisar as fontes do material complementar.
Além disso, procure pesquisar o máximo que puder sobre o tema “História dos estudos
atmosféricos”. Há inúmeros conteúdos na internet que são bastante úteis para o seu estudo
e sua formação profissional.

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

Contextualização

Previsão Metereológica
Perceber como funcionam as condições meteorológicas, o tempo, e prever como ele vai ser,
depende de medições corretas das variáveis meteorológicas (temperatura, umidade, pressão,
etc.). Estas medições devem ser realizadas sempre em intervalos regulares e em várias estações
meteorológicas.

Os previsores precisam de informações acerca da atmosfera em todo o Mundo, junto à superfície


e a vários níveis de altitude. Nenhum sistema de medição pode fornecer todas as informações
necessárias para a realização de uma previsão, por esse motivo são utilizados vários meios e métodos
para obtenção de tais informações.

A Previsão
Para que seja realizada a previsão do tempo precisam-se reunir as várias observações meteorológicas,
em conjunto. As observações de superfície e as sondagens de altitude são enviadas para centros
coletores e depois para os centros nacionais, observações provenientes de aviões, navios, boias,
estações meteorológicas automáticas e balões são recolhidos via satélite; a próprias observações
de satélite são recebidas em centros de processamento, onde as imagens são preparadas e as
temperaturas e ventos calculados. Então, depois destes estágios iniciais de coleta de dados, começa
a troca internacional de informação, livre, usando uma rede especial de ligações somente para fins
meteorológicos, o Sistema Global de Telecomunicaçòes (GTS).

Quando tenham chegado aos maiores centros de previsão observações em quantidade suficiente,
são introduzidas em computadores potentes, programados para elaborarem cálculos conhecidos
como “previsão numérica de tempo”. Essa fase é importante para a previsão moderna.

Previsão Numérica
A atmosfera é observada em locais distribuídos irregularmente por toda a Terra e, embora algumas
das observações sejam sinópticas, muitas são realizadas a horas diferentes, ditadas pelos voos dos
aviões e as órbitas dos satélites. Por contraste, os computadores de previsão do tempo têm que
começar com valores sinópticos do vento, pressão, temperatura e umidade, numa malha regular de
localizações horizontais, conhecida como rede de pontos, e num conjunto fixo de níveis na vertical.
Exatamente o modo como os valores sinópticos da rede de pontos são calculados a partir das
medições que foram reunidas – processo conhecido por análise – é a parte importante da história
que vem a seguir.

Desde que a análise tenha terminado torna-se possível aplicar equações matemáticas que
representam todos os processos físicos que interessam, e assim, calcular a modificação que ocorrerá
em cada valor de cada ponto da rede num intervalo de tempo curto chamado incremento de tempo.
O cálculo, em cada ponto da rede, implicará em adições, subtrações e multiplicações, utilizando-se
valores dos pontos da rede à volta. Logo que tenham sido calculados novos valores das variáveis
(vento, pressão, temperatura e umidade), para todos os pontos da rede e a todos os níveis, todo
o processo pode ser repetido para se avançar outro incremento temporal. Deste modo, pode,
eventualmente, ser elaborada uma previsão para algumas horas, um dia ou alguns dias. Embora
sejam feitos muitos cálculos, estes, na verdade, são aproximações da verdade.

O sistema de equações, aproximações e cálculos é chamado modelo numérico da atmosfera. Os


modelos numéricos da atmosfera para previsão global requerem um número muito grande de cálculos
a serem realizados em tempo reduzido, para tanto utilizamos os chamados “supercomputadores’”.
Outra saída é reduzir o número de interações numéricas o modelo pode ser diminuído, aumentando
o espaço entre os pontos na rede.

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O Radar e Satélite na Previsão
As mais ambiciosas de todas as medições realizadas a partir de satélites meteorológicos são,
provavelmente, as que pretendem fornecer valores numéricos da temperatura do ar a níveis diferentes.
O ar é uma mistura de gases e cada gás emite radiação, no infravermelho, de tipos particulares. Os
radiômetros dos satélites utilizados para sondagem da temperatura são sintonizados para medir a
radiação da pequena, mas bem conhecida, quantidade de anidrido carbônico que o ar contém. Pela
medição da intensidade da radiação em vários comprimentos de onda da radiação, é possível deduzir
valores diferentes da temperatura do ar, cada qual “valor médio” para uma camada diferente. E
o mesmo sem o pormenor vertical de uma radiossondagem, as sondagens por satélite fornecem
informação da temperatura do ar em altitude onde outro modo nada existiria, inclusive sobre todos
os oceanos.

As estações de superfície, navios, boias, balões, aviões, etc., fornecem informações a respeito da
temperatura, umidade, vento, pressão e nuvens, mas nada sobre a precipitação, mesmo porque esta
varia de lugar para lugar. Para obtermos tais informações utilizamos o radar meteorológico, o qual é
o meio técnico mais potente para medições de queda de chuva. Com o feixe de radar a prospectar
horizontalmente, qualquer chuva, neve ou saraiva, que esteja no alcance do radar refletirá o sinal e
fornecerá uma visão pormenorizada da distribuição da precipitação. A intensidade do eco de radar
refletido pelas gotas de chuva pode ser relacionada com a taxa de queda de chuva.

A Importância da Previsão Meteorológica - Indústria, Comércio, Navegação e Agricultura


A previsão de nebulosidade, visibilidade e condições de vento nos aeroportos são necessárias para
planejar a decolagem e aterrissagem. Certas condições meteorológicas perigosas podem aparecer
durante voos a níveis altos, como a turbulência em ar limpo e gelo que ocorrem no interior das
nuvens convectivas. As previsões destes fenômenos são fornecidas sob a forma de “cartas de tempo
significativo”, como parte da documentação de voo para a tripulação. Também são úteis aos aviões
informações a respeito da temperatura e vento, as quais podem levar a variações significativas no
combustível necessário para uma determinada rota.

A previsão para a navegação também se faz importante para que a tripulação e a carga cheguem
ao seu destino. Previsões de tempestades, chuvas, ventos, formação de gelo, etc., auxiliam na
determinação da melhor rota para o navio. A previsão meteorológica também é utilizada para que
o tempo gasto na viagem seja o mínimo, sendo esta mais econômica.

Muitos aspectos da indústria, comércio e agricultura são sensíveis ao tempo. As observações


meteorológicas são valiosas por permitirem vários tipos de serviços de avisos nestas áreas. As
influências do tempo nesses setores acabam interferindo no transporte de cargas, na execução de
serviços, previsão de consumo, épocas de plantio e colheita, etc.

Todos os aspectos do tempo podem ser importantes para as mais diversas áreas, tanto para a
previsão de lucros como para a proteção de bens e pessoas. A previsão também pode ser útil para
o Turismo, onde o tempo indica quais os melhores locais a serem visitados nas condições de tempo
presente e futuro.
Fonte: http://www.iag.usp.br/siae98/meteorologia/previsao.htm. Acessado em 20/02/2015.

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

Introdução
Nesta unidade, conheceremos o conceito mais atual e aceito de clima bem como das
suas limitações e alcances. Veremos que a noção que temos de clima e de climatologia
é fruto de uma longa trajetória evolutiva de experiências difusas que, aos poucos, foram
sendo sistematizadas até tornar-se uma especialidade científica e técnica, abrangendo
organismos internacionais responsáveis pela padronização dos estudos atmosféricos em
âmbito mundial.
Analisaremos a evolução dos estudos atmosféricos no Brasil, desde o período colonial até
os dias atuais. Veremos que as impressões estereotipadas, superficiais e falsas a respeito da
natureza do Brasil, aos poucos, foram sendo desmitificadas pelos relatos iniciais dos viajantes
exploradores das metrópoles europeias. Estes tornaram-se ponto de partida para os estudos
cada vez mais voltados para o atendimento das necessidades nacionais e, por esse motivo,
incorporando recursos técnicos e materiais cada vez mais sofisticados, culminando em uma
produção de dados e informações atmosféricas de boa qualidade.

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Clima e Climatologia: concepção moderna e evolução das ideias

O que entendemos por clima depende bastante das referências utilizadas, muito embora,
atualmente, existam tentativas de tornar a palavra uníssona, ou, convencional para todos os
estudos atmosféricos que estejam associados aos aspectos físicos da superfície terrestre.

Max Sorre e o conceito de clima


A visão mais próxima do que consideramos adequada ao profissional da Geografia e, por esse
motivo, adotada neste material teórico, foi a proposta por Max Sorre, à qual passamos a tratar.
Moreira (2003) acredita ser a Geografia Humana o estudo da relação do homem com o meio,
o geógrafo francês Max Sorre (1880 – 1962) é um de seus maiores representantes. Para este, que
vê os fenômenos como resultantes da complexidade, nenhum fenômeno é isolado, além de estar
em permanente movimento, como um fluxo constante e é desta maneira que concebe o clima.
Para Sorre (2006), o clima é a

“série de estados atmosféricos sobre um determinado lugar em


sua sucessão habitual. Cada um desses estados caracteriza-se pelas
suas propriedades dinâmicas e estáticas da coluna atmosférica,
composição química, pressão, tensão dos gases, temperatura,
grau de saturação, comportamento quanto aos raios solares,
poeiras ou matérias orgânicas em suspensão, estado do campo
elétrico, velocidade de deslocamento das moléculas, etc. É o que a
linguagem comum designa sob o nome de tempo”.
(SORRE, 2006, p. 90)

Nesta definição de clima como resultado de estados repetitivos das condições de tempo
atmosférico, Sorre busca também, ao mesmo tempo, rebater a definição de clima de Julius
Hann, de 1908, muito influente até então, de que o clima é

(...) “o conjunto dos fenômenos


meteorológicos que caracterizam a condição
média da atmosfera em cada lugar da terra”.
(SORRE, 2006, p. 90)

Para Sorre (2006) e definição de Hann parecia “simples e cômoda” engendrando duas
premissas inválidas, pois o clima é uma “média” sendo, portanto, “uma abstração inteiramente
destituída de realidade e conduz a um abuso das médias aritméticas para caracterizar os
elementos do clima”. Além disso, tem “um caráter estático, artificial, porque não menciona
o desenvolvimento dos fenômenos no tempo”.

Para Sorre (2006), a deficiência da concepção do clima de Hann está no fato de escamotear
da análise atmosférica o fator “tempo (duração)”, o que para Sorre é fundamental, já que o
“ritmo é um dos elementos essenciais do clima”. Esse tem sido, na visão dos principais autores
da Climatologia brasileira, o conceito de clima mais bem estruturado e recorrentemente
utilizado, como são os casos de Monteiro (1998) e de Tarifa & Armani (2000).

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

Em resumo, o estudo do clima, segundo Sorre (2006), pode concentrar-se nos elementos
constituintes da atmosfera, mas não deve perder de vista que esses elementos atuam
em conjuntos e uns sobre os outros, variando de acordo com os fatores ambientais que
regulam os tipos e estados de tempo como: “latitude, altitude, situação relativa às
massas oceânicas e continentais, aos centros de ação e aos movimentos gerais da
atmosfera, exposição, declividade etc.”

Clima local e microclima


Para Sorre (2006), essas premissas são a base para a noção de que “em cada instante dado
e em cada ponto do globo, a atmosfera é uma combinação singular que tem muito pouca
chance de se reproduzir de uma maneira perfeitamente idêntica” embora encontre certa
estabilidade ao longo das estações do ano, o que denota o que Sorre chama de “clima local”.

Para o autor, essa seria a escala concreta ou elementar do clima. Por outro lado, a percepção
humana vai além da localidade ou da lugaridade do clima. A experiência cotidiana nos mostra
que transitar de um ambiente para o outro da nossa residência, ou, ir de um local ao outro
dentro de uma cidade, entre calçadas ou ruas mais ensolaradas e mais sombreadas pelas
árvores, implica em notar diferenças climáticas pontuais entre cada um desses ambientes
espacialmente compartimentados. Essas variantes conduzem o pensamento a considerar as
escalas microclimáticas que constituem os climas locais.

Clima regional
Por outro lado, Sorre (2006) acredita que os climas locais, enquanto fenômenos singulares
podem ser reconhecidos e estudados de forma regional e mais abstrata em situações nas
quais a superfície terrestre apresente certa homogeneidade e extensão topográfica, como são
as grandes extensões intertropicais opostas às temperadas. Ou, ainda, nos casos de regiões
montanhosas, com grandes amplitudes altitudinal e morfológica, nas quais o clima regional ou
a região climática é entendida como a reunião de climas locais ou estacionais.

Sorre (2006) ressalta que os limites das regiões climáticas não são lineares ou instantâneos.
Em vez disso, os climas são separados por zonas ou faixas zonais, nas quais uma e outra
característica climática vão se sobrepondo até alcançar as condições regionais características.
Ainda que essa intersecção possa ser admissível, Sorre entende que, mesmo após grandes
distâncias além das zonas de transição, podem aparecer “ilhas” ou “manchas” dos climas
vizinhos com todas as características condicionantes daqueles.

Neopositivismo e os limites da climatologia para Sorre


Assim como outros cientistas de sua época, Sorre (2006) foi significativamente influenciado
pelo movimento do pensamento filosófico-científico do início do século XX, que foi denominado
pelos historiadores da ciência de neopositivismo, positivismo lógico ou ainda empirismo lógico,
encabeçado pelos membros do “Círculo de Viena”. Esses pensadores buscavam estabelecer
as novas bases do pensamento racional que pudesse suplantar o elevado teor de subjetividade
que impregnava a ciência e a filosofia até aquela altura.

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O princípio básico do neopositivismo é o do verificacionismo: prática que limita o que
deve ou não ser considerado cientificamente provável constituindo-se, então, como um
problema de ordem racional, e o que não poderia ser provável cientificamente, ou seja,
um pseudoproblema.
Os sinais de neopositivismo na formulação de clima de Sorre podem ser observados no
seguinte trecho:

“Entre os estados atmosféricos que se sucedem, há


os que se distanciam consideravelmente dos estados
tipos, que se repetem em intervalos muito distanciados,
não havendo nenhuma regra que permita lhes prever
a ocorrência, por exemplo, frios muito rigorosos
dos “grandes invernos” dos quais a história guarda
a lembrança. Não se pode, racionalmente, fazê-los
entrar na noção de clima; os valores correspondentes
ao que se chama em meteorologia de extremos
absolutos devem ser manejados com muita discrição e
prudência. Postos de lado esses extremos excepcionais,
todos os outros, os extremos que se aproximam dos
tipos médios, entram na definição de clima local.
Tiraremos, mais adiante, desta consideração, regras
de emprego das médias”.
(SORRE, 2006, p. 90)

Para Sorre, os extremos seriam, então, os pseudoproblemas da climatologia, dadas as


dificuldades identificadas por ele para explicar tais fenômenos. Nosso autor justifica a eleição
dos extremos climáticos como pseudoproblemas, pelo fato de não fazerem parte do ritmo
sucessivo que caracteriza a média do clima, mas, ao contrário, os extremos não podem ser
modelados espaço-temporalmente, pois não é possível atribuir a eles os valores de ocorrência
repetitiva. Assim sendo, enquanto pseudoproblemas, não devem fazer parte do escopo de
trabalho rotineiro do climatologista.

Essa proposição de Sorre, apesar de parecer excludente quanto aos fenômenos


atmosféricos extremos e, por tanto, dedutivista, foi de grande importância para a fixação da
Climatologia enquanto ramo científico, pois dava a ela o rigor pragmático já bastante bem
consolidado em outras áreas do conhecimento que também tinham como objeto de estudo
a atmosfera.

A Climatologia Médica de Sorre


Para Sorre, um dos aspectos mais relevantes de sua crítica à noção de clima de Julius
Hann, Köppen, e outros teóricos da climatologia do século XIX, é o fato de esses utilizarem
parâmetros puramente físicos para elaborar os índices médios que regulam os climas. Como
o objetivo de Sorre era criar uma climatologia biológica, ou, bioclimatologia, ele entende que
os parâmetros devam ser baseados na percepção humana e não nas mudanças dos estados
físicos da água.

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

Para isso, Sorre elabora uma sequência de princípios básicos ou definições gerais que
sintetizam as reflexões feitas até este ponto do texto:

• Os valores numéricos que devem ser guardados para as escalas são


os valores críticos para as principais funções orgânicas.
• Uma definição climatológica deve abranger a totalidade dos elementos
do clima susceptíveis de agir sobre o organismo.
• Os elementos climáticos devem ser considerados em suas interações.
• Qualquer classificação climática deve acompanhar de perto a
realidade viva.
• O fator tempo (duração) é essencial na definição dos climas.

Ainda que tenha influenciado boa parte das pesquisas em Climatologia no Brasil, tem havido bastante
questionamento em relação à influência neopositivista sobre o trabalho de Sorre, principalmente, no
que diz respeito ao tratamento dado aos extremos climáticos, pois são esses os que têm trazido os
maiores problemas ao ordenamento do espaço geográfico, especificamente, urbano.

A evolução das bases teóricas e práticas da Climatologia


Pode-se afirmar que o conhecimento humano acerca do clima tem início desde a aurora da
humanidade quando nossos ancestrais começaram a interagir com os fenômenos climáticos, a
atmosfera era vista como manifestação sobrenatural. De lá para cá, a noção de clima evoluiu
concomitantemente à própria condição de humanidade do homem enquanto ser social.
Foi na antiguidade clássica grega que surgiram as primeiras hipóteses acerca do clima.
Hipóteses essas, como as proposições de Hipócrates (460 a. C. - 370 a. C.), considerado
o “pai da medicina”, centravam-se na ideia de que o clima influenciava o homem no que
tange ao fato de que a saúde e as doenças estavam associadas às condições geográficas,
em particular aos climas. Essas afirmações somam-se a diversas outras que, durante décadas
seguidas, forjaram as teses pautadas nas causalidades puramente físicas às quais os pensadores
clássicos mergulhavam na tentativa de escapar às visões míticas e místicas em relação aos
fenômenos naturais e humanos (CARVALHO JR, 2011).
Um salto considerável no tempo nos leva ao período entre a idade média e o iluminismo,
quando entre as causalidades que determinam o homem, sua moralidade e até a sua anatomia,
estavam as particularidades climáticas.
Em De l’esprit des lois (Do Espírito das Leis - 1748), Charles-Louis de Secondat, Barão de
La Brède e de Montesquieu credita às diferenças qualitativas éticas, morais, políticas e culturais
entre as sociedades, as peculiaridades dos climas (CANTO & ALMEIDA, sem data).
Assim, nas “zonas tórridas” ou intertropicais, o calor e a umidade excessivos tornam
o homem dócil, preguiçoso e submisso, contrariamente ao que ocorre em regiões de
clima temperado nas quais os povos que ali vivem, devido ao frio intenso, são movidos ao
trabalho e tornam-se mais sisudos, indóceis e predispostos a estenderem seus domínios
territoriais. Não por acaso, o contexto é o da vigência do sistema colonial, que precede o
imperialismo europeu.

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O chamado determinismo geográfico foi atribuído, muitas vezes, de forma injustificada,
ao pensamento de geógrafos como Friederich Ratzel, Ellen Churchill Semple, Ellsworth
Huntington entre outros que tentaram relacionar a sociedade e a natureza, sendo, por isso,
interpretados por seus leitores como geógrafos deterministas.
Dessa forma, é a partir das diversas tentativas de descrição das relações entre o homem
e a natureza, muitas vezes, como se viu, pautada nas reações de causa e efeito, é que
os primeiros indícios de estudos dos climas, ainda que para tentar explicar a diversidade
humana, tiveram início.
Sabemos, agora, sustentados por toda a herança cultural, intelectual e prática que, tanto
o avanço tecnológico aplicado aos recursos materiais quanto o próprio progresso cultural
permitiram às sociedades superar ou mesmo interagir melhor com boa parte dos fenômenos
naturais, antes, considerados obstáculos intransponíveis ao homem.

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

As origens da Climatologia Científica

Pode-se dizer que a observação da atmosfera, embora tivesse seus rudimentos em diversas
hipóteses dos chamados pré-socráticos, tenha tido início mais consistente a partir da obra
“Meteorologica” ou “Meteora” de Aristóteles (384 a. C. - 322 a. C.). Nessa, o autor elabora
as primeiras tentativas de classificação das estações do ano, estabelece o ordenamento dos
elementos água, terra, ar e fogo, além de esquematizar a ordem dos astros na abóbada celeste.

O Termômetro de Galileu Galilei (1564 – 1642)


Um pressuposto básico, mas não menos importante, é a sua definição de natureza. Para
Galileu, a natureza é inexorável, ou seja, é um sistema ordenado e perfeito, tendo seus movimentos
regulados por leis imutáveis que nunca transgridem e são independentes do julgamento humano,
concordando com as premissas aristotélicas de que homem e natureza são coisas distintas.
Segundo Galileu, o conhecimento (especificamente) da natureza, ao qual ele dedicou toda
a sua vida, depende do domínio da linguagem em que aquela está escrita: a matemática.
Os caracteres dessa linguagem são os círculos, triângulos e as outras figuras geométricas.
A apropriação da natureza deve ser feita por meio da mensuração de suas regularidades
intrínsecas, a partir da observação objetiva ou experimental. A partir daí, os parâmetros
coletados, tratados e selecionados, segundo a sua importância observável apenas nas qualidades
primárias dos fenômenos devem, quando compreendidos, ser expressos e representados,
segundo demonstrações ou leis matemáticas.

Para Galileu, a observação experimental presumia o emprego de Figura 1. Termômetros


instrumentos que repercutissem a dinâmica da natureza independentemente de Galileu.
dos sentidos e, por conseguinte, eliminando a subjetividade da observação.
Isso passou a ser possível com a descoberta e o emprego dos instrumentos
de medição. O termômetro inventado por Galileu (Figura 1), em 1593,
pode ser considerado como a origem da Climatologia pré-científica.

O aparelho consistia de um tubo contendo cápsulas de licores,


mergulhadas em um fluido. As mudanças na temperatura ambiente eram
verificadas a partir da mobilidade das cápsulas de licores mergulhadas no
fluido dentro do recipiente. Isso porque, com as mudanças de temperatura,
os licores perdiam e ganhavam densidade e isso dava a Galileu uma noção
de aumento ou queda na temperatura ambiente.

Ressalte-se que o aparelho desenvolvido por Galileu não apresentava


uma variação tão precisa quanto os termômetros fabricados atualmente.
As variações eram verificadas apenas no movimento vertical das
cápsulas de licor. Para a época, os resultados dessa dinâmica foram
muito representativos e impulsionaram, desde então, a fabricação de Fonte: Wikimedia Commons.
termômetros cada vez mais sofisticados.

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O Barômetro de Torricelli
Em 1643, Evangelista Torricelli conseguiu demonstrar, por meio de um inventivo aparelho que
incluía um tubo e uma bacia cheios de mercúrio (Hg), que a pressão do ar variava dependendo da
altitude. No experimento, Torricelli propôs que, ao nível do mar, a coluna de Hg teria uma altura
de 760 mm dentro do tubo de vidro. Esta passou a ser conhecida como a medida inicial da pressão
atmosférica, isto é, uma unidade de Hg = 1 atmosfera, ou 1atm.
Assim como no caso do termômetro de Galileu, o Barômetro de Torricelli prestou um
grande serviço à ciência tendo em vista que foi rapidamente aperfeiçoado e gerou novas
formas e parâmetros de medidas. O Quadro 1 apresenta as variações de medidas de pressão
dos vários tipos de instrumentos e grandezas disponíveis na atualidade.

Figura 2. Barômetro de Torricelli

Fonte: upct.es. Acessado em 13/02/2015

Quadro 1. Variações os parâmetros de pressão atmosférica


Pa bar at atm Torr psi
1 Pa ≡ 1 N/m 2
= 10 bar
-5
≈ 10,2 10 at
. -6
≈ 9,87 10 atm
. -6
≈ 7,5 10 Torr
. -3
≈ 145 10-6 psi
.

1 bar = 100 000 Pa ≡ 106 dyn/ cm2 ≈ 1,02 at ≈ 0,987 atm ≈ 750 Torr ≈ 14,504 psi
1 at = 98 066,5 Pa = 0,980665 bar ≡ 1 kgf/ cm2 ≈ 0,968 atm ≈ 736 Torr ≈ 14,223 psi
1 atm = 101 325 Pa = 1,01325 bar ≈ 1, 033 at ≡ 1 atm = 760 Torr ≈ 14, 696 psi
1 Torr ≈ 133,322 Pa ≈ 1,333 bar.10-3
≈ 1, 360 10 at
. -3
≈ 1, 316 10 atm
. -3
≡ 1 mmHg ≈ 19, 337.10-3 psi
1 psi ≈ 6894,757 Pa ≈ 68,948.10-3 bar ≈ 70,307.10-3 at ≈ 68,046.10-3 atm ≈ 51, 7149 Torr ≡ 1 lbf/in2
Fonte: http://www.refrigeracao.net/Topicos/Pressao_3.htm. Acessado em 13/02/2015

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

A origem da graduação da temperatura


Em 1742, Anders Celsius propôs, com base nos mesmos princípios dos seus antecessores e
a fim de evitar a excessiva subjetividade da observação das qualidades primárias dos fenômenos
naturais, que as medidas de temperatura respeitassem as mudanças do estado físico da água:

Congelamento = < que 0 (menor que zero grau)


Ebulição = > 100 (maior que cem graus)
Como as variáveis desse modelo conceitual iam de 0 a 100 unidades, Celsius o denominou
de escala ou graduação centígrada. Em reconhecimento ao trabalho de Anders Celsius, a
resolução da Conferência Geral de Pesos e Medidas, ocorrida em Paris, em 1948, alterou a
denominação da graduação que passou a levar o sobrenome do seu inventor. A partir daí, as
medidas de temperatura passaram a ser denominadas de Grau Celsius (°C).

Intensificação das pesquisas sobre a atmosfera


A certa altura dos acontecimentos, a investigação sobre os fenômenos atmosféricos
intensificou-se embora ainda não apresentasse a sistematização necessária para se atribuir a ela
o status de especialidade científica. O Quadro 2 apresenta uma síntese das ações investigativas
mais importantes e que conduziram, mais à frente, a Climatologia ao lugar de cadeira acadêmica.
Quadro 2. Cronologia dos estudos atmosféricos e origem dos principais conceitos da Climatologia
Ano Autor Descrição
1816 Brandes Elaborou os primeiros conceitos dos mapas meteorológicos sinóticos.
Buch Divulgou estudos que demonstravam que eram os ventos que traziam os tipos de tempo.
1820
Howard Estudo pioneiro sobre o clima de Londres, a partir da alternância das massas de ar quentes e frias, ao nível do solo.
1827 Dove Propunha os conceitos sinóticos para explicar o tempo local em termos de um modelo ideal.
1841 Espy Formulou a primeira teoria da energia de um ciclone.
1845 Berghaus Produziu o primeiro mapa mundial com a distribuição da precipitação.
1848 Dove Publicou o primeiro mapa com a distribuição das temperaturas médias mensais dos continentes.
1849 Henry Fundação da primeira rede meteorológica norte-americana, interligada pelo telégrafo.
1862 Mühry Elaborou o primeiro mapa com a distribuição sazonal das chuvas.
Serviço Met. Desenvolveu o 1º modelo de cartas sinóticas baseadas em descobertas de Buys-Ballot, sobre as relações
1860/ 1865
Britânico empíricas entre vento e pressão.
Serviço Met. Publicação dos primeiros meteogramas (gráficos com as variações temporais detalhadas dos elementos do
1869/ 1880
Britânico tempo), obtidas através de instrumentos registradores em 7 estações do Reino Unido
Primeiro trabalho de climatologia sinótica, realizado em São Petersburgo, Rússia, com uma análise diária
1870 Köppen
dos padrões de temperatura, agrupadas em tipos de tempo
1873 OMM (OMI) Criação da Organização Meteorológica Mundial, em Bruxelas (OMI)
1876 Coffin Elaborou a primeira carta mundial dos padrões do vento
1878 Ley Estabeleceu um modelo empírico de ciclone e formulou a estrutura tridimensional de uma baixa frontal
1879 Köppen Propôs a conceituação de frente fria
Teisserene de Produziu o primeiro mapa de pressão média dos ciclones e anticiclones sazonais (centros de ação). Forneceu as
1883
Bort bases conceituais para a elaboração do primeiro modelo geral de circulação atmosférica
Fonte: Sant’Anna (2003, p. 04)

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Como já havia sido adiantado no início deste texto, em 1908, Julius Ferdinand von Hann
ocupou o cargo de chefia do Central Institute for Meteorology and Earth Magnetism e depois
foi professor de meteorologia na University of Vienna, na Àustria.

Nesse período, Hann chefiou diversos estudos atmosféricos tendo definido e diferenciado
a climatologia da meteorologia pelos seus objetos de estudo. Para ele, o clima, objeto da
Climatologia, é a súmula dos fenômenos meteorológicos que caracterizam a condição média
da atmosfera em qualquer lugar da superfície terrestre. Já o tempo, objeto da Meteorologia,
é uma fase da sucessão dos fenômenos, cujo ciclo completo, reproduzindo-se com maior ou
menor regularidade em cada ano, constitui o clima de qualquer localidade.

A internacionalização da observação atmosférica


A importância dos aspectos socioeconômicos da observação atmosférica ficou mais
evidenciada com a criação, em 1873, da World Meteorological Organization, ou,
Organização Meteorológica Mundial – OMM, em Genebra, Suíça. Posteriormente, em 1951,
a OMM foi incorporada como organismo interno da Organização das Nações Unidas - ONU,
e encarregada das questões atmosféricas globais.
Desde a sua origem, um dos aspectos marcantes do trabalho da OMM foi o de normatizar
os procedimentos dos estudos atmosféricos. Isso permitiu maior rigor nas coletas e definiu
um padrão único no tratamento e demonstração matemática dos dados. Trata-se do padrão
“Normal Climatológica”.

As Normais Climatológicas
A OMM define Normais Climatológicas como os

“‘Valores médios calculados para um período relativamente


longo e uniforme, compreendendo no mínimo três décadas
consecutivas’ e padrões climatológicos normais como ‘médias de
dados climatológicos calculadas para períodos consecutivos de 30
anos’”.
Fonte: INMET http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=clima/normaisclimatologicas. Acessado em 15/02/2015.

A partir daí, os estudiosos da atmosfera passariam a elaborar suas pesquisas em busca de


padrões, flutuações, anomalias climáticas em blocos ou séries de 30 anos.
No Brasil, como as medições atmosféricas sistemáticas só tiveram início a partir do princípio
do século XX, as normais foram subdivididas da seguinte forma:

1931 – 1960 (publicado pelo Escritório de Meteorologia do Ministério da Agricultura, em 1970);


publicado em 1992, pelo Instituto Nacional de Meteorologia - INMET, na
1961 – 1990 época, Departamento Nacional de Meteorologia do Ministério da Agricultura
e Reforma Agrária)

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

O INMET é atualmente o órgão central responsável pela determinação e divulgação das


normais climatológicas do Brasil. A título de exemplo dos produtos do INMET, a Figura 3
representa a comparação entre as duas normais climatológicas para o Município de São Paulo,
capital do Estado de São Paulo.

Figura 3. São Paulo, SP. Normais climatológicas de 1031-1960 e 1961-1990

Fonte: inmet.gov.br

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Aperfeiçoamento dos recursos materiais da investigação
atmosférica no século XX
O século XX foi marcado por grandes transformações políticas, econômicas e culturais
que repercutiram decisivamente nos estudos atmosféricos. De início, o trabalho acadêmico
de Julius Hann, na Universidade de Viena, foi seguido por diversos outros meteorologistas
contratados para desenvolver os estudos atmosféricos em diversos países do mundo.
Essa iniciativa foi somada ao fato de que as diversas inovações mecânicas, eletrônicas
e aeroespaciais foram agregadas aos levantamentos com os instrumentos de medição de
parâmetros atmosféricos.
Como exemplos desse aprimoramento técnico, durante a década de 1930 foram lançadas
as primeiras radiossondas ou os balões meteorológicos equipados com diversos instrumentos
de medição para colher informações das zonas mais elevadas da atmosfera. A Figura 4
representa os primeiros testes com registros atmosféricos aéreos.
Figura 4. Medida atmosférica aérea auxiliada por pipas

Fonte: Wikimedia Commons

Figura 5. Radiossonda ou
Balão Meteorológico
Das primeiras experiências com caixas artesanais equipadas
com instrumentos de medição, a busca por dados atmosféricos a
grandes altitudes chegou às radiossondas atualmente equipadas com
múltiplos sensores que medem diversos parâmetros (pressão; altitude;
temperatura; umidade relativa; vento (velocidade e direção) e receptor/
transmissor GPS para medir a posição geográfica (Latitude/Longitude).
(Figura 5)

Fonte: Wikimedia Commons

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

Na década de 1940, teve início o emprego dos radares meteorológicos como instrumento
de monitoramento dos elementos atmosféricos.
O Radio Detection And Ranging (Detecção e Telemetria por Rádio) ou RADAR (Figura
6) identifica células de precipitações e permite medir a sua extensão, desenvolvimento e
movimento, auxiliando o monitoramento e a prevenção de enchentes, tornados, furacões e
tempestades de granizo.
Figura 6. RADAR Meteorológico

Fonte: iStock/Getty Images

O radar meteorológico é um instrumento que emite um sinal eletromagnético que, ao


encontrar um obstáculo, as nuvens no caso, retorna para o radar na forma de “eco”.
A título de exemplo, no estado de São Paulo operam atualmente cinco radares meteorológicos:
dois do Instituto de Pesquisas Meteorológicas - IPMET da UNESP de Bauru, localizados em Bauru
e Presidente Prudente; um do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, instalado e operado
em São José dos Campos pela Universidade do Vale do Paraíba - UNIVAP; um do Departamento
de Águas e Energia Elétrica - DAEE em Ponte Nova, entre Salesópolis e Biritiba Mirim, na região
leste da Grande São Paulo e um da Força Aérea Brasileira no Município de São Roque.
A Figura 7 representa um produto de RADAR, trata-se a imagem dos radares entre Bauru
e Presidente Prudente, Estado de São Paulo. A legenda corresponde a uma escala que mede
decibéis (0 a 60 dBZ) por milímetros por hora (0 a 200 mm/h) e relaciona as taxas de
intensidade de precipitação que vai de chuva extrema a garoa.

Figura 7. Imagem de RADAR Meteorológico composta entre Bauru e Presidente Prudente, São Paulo

Fonte: Wikimedia Commons

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Os produtos da Guerra Fria ocorrida a partir do fim da 2ª Guerra Mundial, como: a
corrida tecnológica, aeroespacial e eletrônica, além de todos os recursos tecnológicos
surgidos para a defesa e a espionagem, com o tempo, foram também adaptados à
observação atmosférica.

Um marco do que seria a maior revolução no campo das investigações atmosféricas foi o
lançamento pela National Aeronautics and Space Administration – NASA (EUA) do satélite
meteorológico Television Infrared Observation Satellite - TIROS, em 1960.

Daí em diante, a NASA e o seu departamento voltado aos estudos atmosféricos, o National
Oceanic and Atmospheric Administration – NOAA, lançaram, além do próprio TIROS 2,
vários outros satélites e estações de controle com finalidades cada vez mais diversificadas
de observação atmosférica, como é o caso do Geostationary Operational Environmental
Satellite – GOES, operado pelo National Environmental Satellite, Data, and Information
Service - NESDIS, departamento interno do NOAA/NASA.

A Figura 8 estabelece um comparativo entre as formas dos dois satélites de observação


meteorológica supracitados. Note que não há preocupação com aspectos aerodinâmicos. Isso
tem a ver com o fato de terem sido transportados dentro de veículos espaciais lançados da
Terra ou foram montados no espaço onde não há a resistência do ar.

Figura 8. Reproduções artísticas dos satélites TIROS e GOES

Fonte: NASA

Em 1963, a OMM criou a World Weather Watch - WWW, ou, o Sistema de


Vigilância Meteorológica Mundial, para melhorar os procedimentos de coleta de dados,
aperfeiçoamento das análises melhoria da qualidade da previsão do tempo em toda a
superfície terrestre. A implementação do Global Observing System – GOS (Figura 9),
composto por mais de 11 mil estações de observação atmosférica terrestres, aéreas e
aquáticas, resultou em um arcabolço enorme de dados e uma melhor compreensão dos
aspectos físicos da atmosfera.

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

Figura 9. Estações de observação atmosférica do OMM/GOS. Os pontos azuis são estações aquáticas e os vermelhos terrestres.

Fonte: NASA

Todos esses recursos materiais e toda a sorte de imagens produzidas pelos satélites,
compreendem, hoje, uma nova forma de relação entre o homem e a natureza, ou entre a
sociedade e os climas com os quais as sociedades interagem de forma cada vez mais sofisticada.
Tal compreensão do clima tem possibilitado cada vez mais à sociedade se antecipar em relação
à ocorrência de fenômenos extremos como os furacões, tornados, tempestades entre outros.

A estação meteorológica
O modo mais antigo e ainda bastante usual de colher dados atmosféricos é o de reunir
equipamentos ou instrumentos de medição nas estações meteorológicas, que podem ser:
nas quais os dados são extraídos analogicamente e empiricamente a partir da
Convencionais observação humana; e

nas quais os sensores artificiais recebem permanentemente os sinais dos componentes


Automáticas atmosféricos e os transferem via rádio ou cabo para os servidores dos órgãos
responsáveis pela geração de informações climáticas.

As estações meteorológicas (Figura 10) consistem em um conjunto formado por:


Termômetro de bulbo que medem a temperatura ambiente;
seco
termo-higrômetro ou psicômetros (termômetros de bulbo seco e úmido), que medem
Hidrômetros: a umidade do ar;

Pluviômetros: que retêm a quantidade de precipitação (chuva, neve ou granizo);

Anemômetros que medem a direção e a velocidade do vento;

Evaporímetros que medem as quantidades de água evaporada; e

Barômetros que medem a pressão atmosférica, entre outros.

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Figura 10. Estação meteorológica padrão da OMM. À esquerda, abrigo de instrumentos
analógicos e à esquerda, sensores automáticos.

Fonte: Wikimedia Commons

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

História das observações atmosféricas no Brasil

Os primeiros registros sobre o clima do Brasil foram feitos por Pero Vaz de Caminha
e Fernando Cardim. Ambos ressaltavam as particularidades térmicas e pluviais às quais
denominavam de temperadas, pois não eram nem muito quentes e nem muito frias, além
de destacar a salubridade do ar. Os objetivos das narrativas tinham como pano de fundo a
descrição e o inventário dos recursos a serem explorados e a escolha das melhores localidades
para instalação de futuras áreas de povoamento.
Sant’anna Neto (2006) destaca que, no período correspondente ao processo de
colonização da América, a Europa passava por um período no qual as médias térmicas
estavam bem abaixo das atuais, o que é denominado de “Pequena Era do Gelo”. Entre um
e outro benefício citado, os relatores da coroa encontravam situações de frio montanhoso
como as existentes nas zonas serranas do Rio de Janeiro e as secas sazonais das zonas
interioranas do nordeste.
Sant’anna Neto (2004) também chama a atenção para o fato de que a experiência,
promovida pelas viagens marítimas de conquista europeia nas Américas, desmitificou uma
série de crenças a respeito dos supostos rigores dos climas nas regiões equatoriais do mundo
que, desde Aristóteles, eram classificadas como zonas tórridas.
A conquista de São Luiz, capital do atual Estado do Maranhão, pelos franceses foi seguida
de relatos dos militares ao governo de seu país de que, ao contrário do que se acreditava,
pela providência divina, o clima equatorial do norte do Brasil era bem mais ameno do que o
esperado. Sabemos hoje que isso de deve à brisa marinha produzida pelos ventos alísios que
amenizam o calor produzido pela intensa radiação solar na região.
A conquista da capitania de Pernambuco pelos holandeses em 1630, instalou uma grande
comitiva de intelectuais em Recife. Dentre estes, G. Marcgraf, encarregado de levantamentos
geográficos, astronômicos e cartográficos, instalou uma estação meteorológica na cidade,
medindo os parâmetros atmosféricos durante os anos de 1640 a 1642. Os dados revelaram
o comportamento atmosférico na cidade, incluindo alguns extremos chuvosos que produziram
estragos econômicos e até perdas de vidas humanas.
Segundo Sant’anna Neto (2004), as observações atmosféricas adquiriram um perfil mais
técnico, somente a partir de 1844, quando foram divulgados os primeiros resultados dos
dados obtidos no Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, criado em 1827 e rebatizado
de Observatório Nacional, a partir de 1889. Em paralelo a isso, os navios hidrográficos da
marinha brasileira já elaboravam observações atmosféricas desde 1862.
Os dados atmosféricos gerados a partir daí foram a matéria-prima para o primeiro estudo de
fôlego sobre o clima brasileiro, feito por Henrique Morize, intitulado “Esboço da Climatologia
do Brazil” e, posteriormente, para o trabalho de Frederico Draenert, denominado “O Clima
do Brazil”. Em São Paulo, a seção de meteorologia da Comissão Geográfica e Geológica é que
ficou encarregada dos estudos atmosféricos no estado. Em 1900, São Paulo contava com 40
estações meteorológicas administradas pelo órgão.

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No Quadro 3 (SANT’ANNA NETO, 2004), é possível observar a cronologia dos
acontecimentos que deram início aos trabalhos de levantamento de dados e produção de
informações climáticas no Brasil.

Quadro 3. Cronologia de estudos atmosféricos no Brasil


Período Local Autor Descrição
1754-1756 Barcelos – AM Padre Ignacio Sermatoni Descrição (sensorial) das variações do tempo
1781-1788 Rio de Janeiro – RJ Sanches Dorta Registrou as temperaturas diárias (diurnas)
1788-1789 São Paulo – SP Sanches Dorta
1820-1821 Goiás – GO Emanuel Pohl Dados diários da tempratura
Dados horários (6:00 e 15:00 hs) da
1845-1858 São Paulo – SP Brigadeiro Machado
temperatura do ar
1849 Fortaleza – CE Commissão provincial Dados diários de chuvas
1851 Rio de Janeiro – RJ Observ. Astronômico Dados meteorológicos
1855 Sabará – MG Janot Pacheco Dados diários de temperatura
1861-1868 Manaus – AM Barão de Ladário Dados diários de temperatura
1861-1879 Litoral – PE Emile Beringer Dados diários de chuvas
1869 Rio Grande do Sul Max Beschoren Dados diários de temperatura
1870-1875 São Paulo – SP Germano D'Annecy Dados diários de temperatura
Dados diários de temperatura, chuvas, ventos
1872-1892 São B. das Lages/ BA Rosendo Guimarães
e pressão
1874 SC e RS Henry Lange Dados meteorológicos
1876-1896 Recife – PE Otávio de Freitas Dados diários de chuvas
1877 Fortaleza Senador Pompeu
1879-1881 Cuiabá – MT Gardis Dados diários de temperatura
1879-1882 São Paulo – SP Henry Joiner Dados diários de temperatura

1880 Vale do S. Francisco Milnor Roberts Dados diários de temperatura e chuvas


1882-1887 Uberaba – MG Frederico Draenert Dados diários de temperatura e chuvas
1884 Curitiba – PR Observatório de Curitiba Dados meteorológicos
1885-1898 Rio Grande do Sul Anuário da Província Dados meteorológicos
1886 Estado de São Paulo IGG Dados meteorológicos
1889 Campinas – SP IAC Dados meteorológicos
Dados diários de temperatura, chuvas, ventos
1890-1900 Blumenau – SC Otto von Blumenau
e pressão
Fonte: Sant’anna Neto (2004)

A essa altura, podemos depreender que, a partir do texto lido, a noção que temos de clima
é uma construção intelectual herdada das primeiras e heroicas observações atmosféricas e que
a cada nova etapa de desenvolvimento das técnicas de coleta, tratamento e representação de
tais observações, a humanidade tem aperfeiçoado permanentemente a Climatologia.

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

Material Complementar

Sites:
Site do INMET sobre a técnica de observação atmosférica por meio de radiossonda:
http://www.inmet.gov.br/html/rede_obs.php

Site do IPMet - de monitoramento do tempo em São Paulo por meio de RADAR


meteorológico:
http://www.ipmet.unesp.br/

Site do INMET - para produção de gráficos de normais climatológica das capitais


brasileiras:
http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=clima/graficosClimaticos

Site da OMM - Org. Mundial Meteorológica:


https://www.wmo.int/pages/index_en.html

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Referências
CANTO, O. & ALMEIDA, J. Meio ambiente: determinismos, metamorfoses e relação
sociedade-natureza. Publicações digitais da UFRGS. Sem data. Disponível em http://www.
ufrgs.br/pgdr/arquivos/746.pdf. Acessado em 13/02/2015.

CARVALHO JR, I. J. Dos mitos acerca do determinismo climático/ambiental na história


do pensamento geográfico e dos equívocos de sua crítica: reflexões metodológicas,
teórico-epistemológicas, semântico-conceituais e filosóficas como prolegômenos ao estudo da
relação sociedade-natureza pelo prisma da ideia das influências ambientais. Tese apresentada
à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Doutor em Geografia. Área de Concentração: Geografia Física. São
Paulo, 2011.

MONTEIRO, C. A. F. O clima e a sociedade brasileira: impactos e prognose para o


século XXI. III Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica- 10 a 13 de outubro. Salvador.
1998.

MOREIRA, RUI. Nossos Clássicos: Max Sorre. GEOgraphia, 2003. Vol 5, n. 10. Disponível
em: http://www.uff.br/geographia/ojs/index.php/geographia/issue/view/12. Acesso em:
19 de fev. de 2015.

SANT’ANNA Neto, João Lima. A gênese da climatologia no Brasil: o despertar de uma


ciência. AGETEO, v. 28, n.1. Geografia. p.5-27. Rio Claro, 2003.

SANT’ANNA NETO, J. L. História da Climatologia no Brasil: gênese e paradigmas do


clima como fenômeno geográfico. Florianópolis, 2004.

SANT’ANNA NETO, J. L. Primeiras impressões dos cronistas e viajantes sobre o


tempo e o clima no Brasil colônia. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidade de Barcelona. Barcelona, 2006.

SORRE, M. Objeto e método da Climatologia. Este texto corresponde ao capítulo


introdutório da obra “Traité de climatologie biologique et medicale” publicado em 1934 em
Paris sob a direção de M. Piery Masson et Cie Éditeurs. Vol. I, pp. 1 a 9. Traduzido pelo Prof.
Dr. José Bueno Conti. Departamento de Geografia/ FFLCH/USP e publicado na Revista do
Departamento de Geografia, 18. p. 89-94. São Paulo, 2006.

TARIFA, J. R. e ARMANI, G. Unidades Climáticas Urbanas da Cidade de São Paulo.


ATLAS AMBIENTAL DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Secretaria do Verde e do
Meio Ambiente – SVMA/PMSP. Secretaria de Planejamento – SEMPLA/PMSP. FASE I:
“Diagnósticos e Bases para a Definição de Políticas Públicas para as Áreas Verdes no Município
de São Paulo”. São Paulo, 2000.

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Unidade: História dos Estudos Atmosféricos

Anotações

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