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Confraria de Artes Liberais


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CURSO DE LÓGICA

AULA VIII

SOBRE A PROPOSIÇÃO

§ 1. JUÍZO.

1. O que é o juízo. – Como visto nas primeiras aulas, o juízo é uma das três operações do
intelecto. Define-se tradicionalmente como o ato pelo qual o intelecto compõe ou divide,
afirmando ou negando. Pela parte final dessa definição – “afirmando ou negando” –
distingue-se o juízo de outros atos pelos quais o intelecto compõe ou divide, notadamente da
simples apreensão complexa, pela qual se forma um conceito composto (por exemplo:
filósofo persa) sem que nada dele se afirme ou negue.

Psicologicamente, o juízo dá-se a partir de um ato reflexivo do intelecto, isto é, um ato


pelo qual o intelecto se volta sobre outro ato seu. Diz-se, também tradicionalmente, que o
juízo requer três coisas: a simples apreensão do sujeito e do predicado, a sua comparação e
outra simples apreensão pela qual se conhece o predicado como conveniente ou discrepante
em relação ao sujeito (apreensão da predicabilidade). Essa doutrina pode ser esclarecida do
seguinte modo: o intelecto humano opera como uma luz sobre a experiência sensível
conservada na memória, revelando a sua forma inteligível. Assim, diante de um objeto
sensível ou rememorando algo que testemunhamos ou imaginamos, pela aplicação do nosso
intelecto, somos capazes de distinguir certas notas nessa experiência sensível, que são
virtualmente comuns a inúmeras outras coisas. Comparando, ou antes, justapondo
intelectualmente as formas inteligíveis assim apreendidas e, em seguida, verificando a sua
ligação ou não na realidade intuída, formamos o juízo, como que dizendo “assim como penso,
é” (sic cogito, ita est). Por exemplo: vejo no céu Antares. Aplicando meu intelecto, sou capaz
de distinguir notas suas com relativa certeza: seu tamanho aparente, sua cor, sua posição entre
os outros astros. Justapondo as notas “estrela” e “vermelha”, que meu intelecto forma a partir

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de sua visão, e verificando a ligação dessas duas notas na realidade, digo: aquela estrela é
vermelha.

2. Elementos do juízo. – Em todo juízo, distinguem-se (i) os termos que são unidos ou
separados afirmativa ou negativamente (matéria do juízo), a saber, o sujeito e o predicado, e
(ii) a sua união ou divisão (forma do juízo). O sujeito e o predicado chamam-se extremos do
juízo, pois são como que os dois pontos extremos de uma linha. O sujeito e o predicado, por
sua vez, também encontram-se em uma relação semelhante à de matéria e forma, pois o
sujeito é determinado pelo predicado, na medida em que o predicado é aquilo que se diz (do
sujeito) e o sujeito é aquilo de que se diz (o predicado); dizendo algo do sujeito, o predicado o
determina tornando (ou tentando tornar) conhecido o que era desconhecido a seu respeito.

3. Propriedades do juízo. – É próprio do juízo ser verdadeiro ou falso. Note-se que a


verdade ou falsidade (lógicas) do juízo não é distinta da verdade ou falsidade (ontológicas),
por exemplo, do ouro: o juízo falso é verdadeiramente um juízo. A verdade ou falsidade do
juízo é a adequação entre a representação intelectual afirmada ou negada e a realidade a que
ela se refere.

§ 2. ENUNCIAÇÃO

4. Definição de enunciação. – A enunciação é o signo sensível (oral ou escrito) de um


juízo. É a oração que significa um juízo. Diferencia-se de outras orações, como a interrogativa
ou a imperativa, que não expressam um juízo, mas antes uma questão ou uma ordem.

5. Enunciação e proposição. – A enunciação que é parte de um silogismo e enquanto tal é


chamada de proposição. A lógica considera a enunciação principalmente como proposição,
pois sua obra principal é o discurso. Em uma enunciação, distinguem-se o sujeito, o predicado
e a cópula que os une. Não é necessário que esses três elementos sejam expressos por meio de
termos orais distintos.

6. Divisões das proposições. – Em razão da forma, as proposições dividem-se em


categóricas (simples) e hipotéticas (compostas), enquanto unem, pela cópula verbal, o

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predicado ao sujeito ou unem, por partículas como “e”, “ou, “se”, proposições inteiras entre
si.Note-se que “hipotético” aqui não se confunde com condicional, isto é, com proposições
em forma “se...então”; a proposição hipotética é, mais amplamente, toda aquela que se forma
pela união de várias proposições. A proposição hipotética exprime uma verdade diferente da
verdade das proposições categóricas que a compõem, embora guarde uma proporção com
elas. As mais importantes proposições hipotéticas são a conjuntiva, a disjuntiva e a
condicional. Os lógicos modernos detiveram-se mais no estudo das proposições hipotéticas.
As proposições categóricas subdividem-se, ainda em razão da forma, em afirmativas e
negativas.

Em razão da matéria, as proposições dividem-se em necessárias, contingentes e


impossíveis, enquanto o predicado convém ao sujeito necessariamente, contingentemente (isto
é, possível, mas não necessariamente) ou o repugna necessariamente. Assim, a proposição “o
triplo é múltiplo” é necessária, a proposição “a mulher olhava pela janela” é contingente, a “o
homem era pedra”. Obviamente, proposições que, em seu sentido literal, são necessárias,
contingentes ou impossíveis podem ser de outro modo se algum de seus termos é interpretado
em outro sentido (por exemplo, metafórica ou metonimicamente).

Em razão das sua adequação à realidade, as proposições dividem-se em verdadeiras ou


falsas.

Em razão da modalidade, as proposições dividem-se em proposições de inesse(hoje


mais comumente chamadas “categóricas” e proposições modais, enquanto simplesmente
atribuem o predicado ao sujeito ou enunciam o modo pelo qual o predicado é ou não é no
sujeito. Assim, a proposição que diz que três pontos não colineares necessariamentelimitam
um triângulo é modal, enquanto a proposição que diz que os homens são capazes de conceber
narrativas – sem determinar se isso é em virtude de sua essência ou simplesmente algo
contingencial – é uma proposição de inesse. Aqui também convém observar que, embora
muitas vezes tomadas em seu sentido literal as proposições sejam de inesse, o ouvinte ou
leitor com formação gramatical sabe interpretar a modalidade implícita na proposição. Assim,
por exemplo, quando lemos em um livro de geometria que a área do círculo é diretamente
proporcional ao seu raio, entendemos que isso é dito segundo a necessidade.

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7. Oposição das proposições. – A oposição lógica, ou antes, a oposição que se dá entre


proposições define-se como a afirmação e a negação do mesmo (predicado) sobre o mesmo
(sujeito). Proposições com o mesmo termo como sujeito e o mesmo termo como predicado
podem variar segundo a quantidade (universal ou particular) e a qualidade, ou forma
(afirmativa ou negativa). A partir dessa dupla distinção, chega-se a quatro formas de
proposição: a afirmativa universal, a afirmativa particular, a negativa universal, a negativa
particular. Os escolásticos costumavam simbolizar essas quatro proposições pelas vogais A, I,
E, O, a partir dos verbos latinos AffIrmoe nEgO.

São três as espécies de oposição: contraditória, contrária e subcontrária. A contraditória


é tal que, se uma das proposições é verdadeira, a outra é falsa e vice-versa. Opõem-se
contraditoriamente A e O, EeI. A oposição contrária é tal que, se uma das proposições é
verdadeira, a outra é falsa, mas ambas podem ser falsas simultaneamente. Opõe-se
contrariamente A e E. A oposição subcontrária é tal que, se uma das proposições é falsa, a
outra é verdadeira, mas ambas podem ser verdadeiras simultaneamente. Opõem-se
subcontrariamenteI e O. Essas oposições são esquematizadas no “quadrado lógico”:

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Note-se que, segundo o conceito de oposição adotado, as proposições subalternas não


são opostas, embora guardem uma relação entre si: se a proposição superior é verdadeira, a
subalterna também é.

8. Conversão das proposições. – A conversão das proposições é tema que será útil para o
estudo do silogismo e, em especial, para a redução dos vários silogismos à primeira figura.
Chama-se conversão de uma proposição a inversão dos seus extremos com a manutenção da
mesma verdade – o sujeito passa a ser predicado, o predicado passa a ser sujeito, mas a
proposição ainda expressa a mesma verdade.

Distinguem-se a conversão simples, a conversão por acidente e a conversão por


contraposição. A conversão é simples se a quantidade da proposição permanece a mesma. Se
varia, a conversão é por acidente. A conversão por contraposição é aquela em que aos
extremos invertidos se acrescenta uma partícula negativa.

Os escolásticos sintetizavam as regras de conversão das proposições nos seguintes


versos:

fEcIsimpliciter
EvA per accidens
AstO per contrap(ositionem)
Sic fitconversiotota

Isto é: as proposições E e I convertem-se por conversão simples, as proposições E e A


por acidente, e as proposições A e O por contraposição. Com efeito: a proposição “Nenhum A
é B” converte-se validamente em “Nenhum B é A”, assim como a proposição “Algum A é B”
converte-se em “Algum B é A”. A proposição “Nenhum A é B” converte-se por acidente (isto
é: com variação da quantidade) em “Algum B não é A”, assim como “Todo A é B” converte-
se por acidente em “Algum B é A”. Finalmente, a proposição “Todo A é B” converte-se, por
contraposição, em “Todo não-A é não-B”, e a proposição “Algum A não é B” converte-se em
“Algum não-B não é não-A”.

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