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INTRODUÇÃO À RAZÃO

1. Os vários sentidos da palavra razão


A Filosofia se baseia na reflexão racional acerca da realidade como um todo, do ser humano
em coletividade e enquanto subjetividade em diálogo consigo própria e conhecedora da
realidade.
A palavra racional está na base da atividade filosófica.
Porém, o que é razão?

1.1 Razão como convicção


A razão aparece como crença de alguém acerca da própria opinião, isto é, a crença de que a
própria opinião está certa.
Por exemplo, “Estou com razão quando afirmo que você não deve mais perder tempo e iniciar
os estudos em Filosofia”.
Nesse sentido, a palavra razão remete à certeza e se opõe à incerteza.
Por meio da identificação entre razão e convicção, há também a crença de que a verdade é
racional, afinal a verdade é aquilo sobre o que há convicção total.

1.2 Razão como autogoverno


Razão também aparece como controle de si que pode ser adquirido ou perdido.
Por exemplo, “Claudia perdeu a razão quando começou a xingar o garçom, por
mais que ele estivesse de fato sendo negligente em seu serviço”.
Nessa acepção, a palavra razão remete à sanidade mental e se opõe à loucura.
Mediante a identificação entre razão e autogoverno, uma metáfora historicamente associada à
razão é a da luz natural, que ilumina as trevas, símbolo de forças ocultas, poderosas e
imprevisíveis.

1.3 Razão como motivos, causas e ordenação


Outra acepção da razão é de fundamento para uma ação, um pensamento, um
fenômeno natural.
Por exemplo, “Se você me disser suas razões, fica mais fácil entender suas intenções” ou “As
razões para que a Terra seja esférica e não plana já são consolidadas na comunidade
científica”.
Nesse âmbito a palavra razão se identifica com fundamentos legítimos e se opõe a
aleatoriedades, atos discricionários, injustificados.
Por identificar razão e motivo, há a acepção – tornada célebre por Aristóteles – de que o
homem é um animal racional, posto que age de modo motivado e não meramente impulsivo,
instintivo e injustificado.
Igualmente pela vinculação entre razão e causa, há a compreensão de que a realidade é
racional, dado que segue nexos causais em que um fenômeno é sempre explicado com vistas
a algum outro, numa cadeia interconectada que permite captar certa organização e
regularidade nos eventos naturais.
Fala-se, assim, em razão objetiva e razão subjetiva.
A primeira se refere à característica da realidade ser racional nela mesma, sem depender do
conhecimento humano.
A segunda se refere à capacidade intelectual e moral dos seres humanos.

1.4 Razão como consciência intelectual e moral


Para entender esse sentido de razão, considere a frase de Blaise Pascal: “O coração tem
razões que a razão desconhece”.
Na primeira aparição, a palavra “razão” denota motivos e causas, como visto anteriormente.
Assim, o coração também segue motivos, por mais que sejam desconhecidos, que nos
influenciam a agir e a pensar.
Na segunda aparição, a palavra “razão” denota algo diferente de coração, símbolo de emoção,
sentimento, afetos. Nesse caminho, Pascal dialoga com a tradição de pensamento ocidental
quando considera razão como consciência intelectual e moral.
Enquanto consciência intelectual, a razão é a capacidade de organizar os pensamentos de
modo estruturado, concebê-los e expressá-los com clareza.
Enquanto consciência moral, a razão é a vontade racional livre que não se deixa dominar
pelos impulsos irracionais e realizar ações conforme o dever e a virtude.
Assim, tal consciência age de modo diverso dos motivos do coração, isto é, é autônoma – até
mesmo porque os desconhece muitas vezes. Reescrita, a frase de Pascal pode ser expressa
desta maneira:
• Parte de nós segue uma espécie de motivos – emoções, sentimentos, afetos.
Essa parte age de modo descontrolado, impulsivo, imprevisível, oculto.
• Parte de nós segue outra espécie de motivos, que orientam o intelecto e a moral.
Essa parte age de modo controlado, calculado, previsível, evidente.
Assim, perder a razão significa ser influenciado apenas pelos motivos do coração. Ao contrário,
recuperar a razão significa que a consciência – intelectual e moral – assumiu o controle de
volta.

2. A origem da palavra razão


A palavra “razão” se origina do latim ratio, que por sua vez traduziu o grego logos.
Logos vem do verbo légein – contar, reunir, juntar, calcular. Ratio vem do verbo reor –
contar, reunir, juntar, calcular.
Em todas essas atividades, o que está em operação é a ação e o pensamento como
ordenação, medida, proporção, clareza, compreensão. Na origem, razão é a capacidade
intelectual de:
• Pensar a realidade de modo ordenado, porque ela mesma segue uma ordem.
• Exprimir-se de modo claro e compreensível.

3. Os opostos da razão
Nesse sentido, desde a origem, a razão é considerada como oposta a quatro outras atitudes
mentais:

3.1 Ilusão ou mera opinião


Trata-se da percepção da mera aparência das coisas, que sempre capta de modo parcial,
superficial e incompleto da realidade – sempre mais complexa em sua estrutura profunda.
A ilusão pode provir dos costumes não refletidos, dos preconceitos adquiridos e da aceitação
imediata da realidade como se apresenta, sem investigação mais detida.
As opiniões são sempre variáveis de pessoa para pessoa, justamente porque captam apenas
este ou aquele aspecto da realidade, nunca sua visão total ou essencial, objetivo da razão.

3.2 Emoção, sentimento, paixão, afeto


Trata-se de atitudes mentais cegas, caóticas, desordenadas e contrárias umas às outras. Ora
uma emoção é avessa a um objeto, ora é atraída por ele. Ora os sentimentos nos levam à
ação, ora nos impedem de agir causando repulsa diante do mesmo estímulo. A razão é vista
como ação intelectual e moral que visa a dominar a passividade emocional.

3.3 Fé
Trata-se da crença no sobrenatural que age não por motivos e causas evidentes, ordenadas e
compreensíveis, mas por confiança na revelação divina. Independente do trabalho realizado
pelo intelecto, a fé opera.

3.4 Êxtase místico


Trata-se de um estado de abandono, de rompimento com a atividade intelectual
e moral. Uma quebra com o estado consciente a fim de se entregar à fruição, em termos
metafóricos, do abismo infinito. Como é de natureza não consciente, a razão se lhe
contrapõe.

4. Os princípios racionais
A concepção clássica de razão, que remonta aos gregos, parte da noção de que ela coloca
para si e se orienta de acordo com alguns princípios encontrados também na própria estrutura
da realidade.
São normas fundamentais, respeitadas até mesmo quando as desconhecemos. Não as seguir
implica ser irracional – tanto no aspecto subjetivo – referente a como pensamos e nos
expressamos –, quanto no aspecto objetivo – referente à realidade como um todo.
Os princípios racionais são:
1. Formais: não possuem conteúdo, apenas indicam como as coisas devem ser, como
devemos pensar e nos expressar.
2. Universais: são válidos em todos os tempos e lugares.
3. Necessários: são indispensáveis e indicam que algo é assim e não pode ser de outra
maneira.
4. Razão suficiente: tudo o que há tem uma ou mais razões suficientes, que podem ser
conhecidas pela capacidade intelectiva humana.

4.1 Princípio da identidade


Se uma proposição é verdadeira, então ela é verdadeira.
Parece uma simples tautologia, isto é, uma definição que apenas expressa o que
já está contido na entidade a ser definida. Porém, atesta que algo é concebido enquanto uma
identidade, ou seja, enquanto algo que possui atributos seus e que não se confundem com
nenhum outro.
Por exemplo, dizer que um triângulo é igual a um triângulo é também dizer que se trata de uma
figura de três lados e três ângulos. Portanto, nenhuma outra figura geométrica é um triângulo,
isto é, nenhuma outra figura geométrica apresenta três lados e três ângulos.
É o princípio da identidade que permite atribuir às coisas uma definição e conhecê-las por meio
dessa definição.
4.2 Princípio da não-contradição
Pode ser expresso como dada uma proposição e sua negação, pelo menos uma delas é
falsa.
Novamente, parece algo óbvio – e é, caso sigamos a linha de que os princípios racionais
regulam a realidade como um todo, tanto objetiva, quanto subjetiva. O princípio diz que uma
proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo – não sob o mesmo aspecto, não
ao mesmo tempo.
Por exemplo, não é o caso que o triângulo tenha três lados e três ângulos e não tenha três
lados e três ângulos ao mesmo tempo.
Segundo esse princípio, não é possível que algo exista e não exista, sob o mesmo aspecto, ao
mesmo tempo. Proposições contraditórias entre si, portanto, são impossíveis de serem
concebidas como coexistentes.

4.3 Princípio do terceiro excluído


Pode ser expresso como dada uma proposição e sua negação, pelo menos uma delas é
verdadeira. É parecido com o anterior mas é diferente.
É parecido com o anterior, mas, ao invés de uma conjunção (uma estrutura ligada por um
conectivo aditivo do tipo “e”), retrata uma disjunção (uma estrutura linguística ligada por um
conectivo alternativo do tipo “ou”). Em outras palavras, enquanto o princípio da não contradição
atestava que não é possível x e não x serem verdadeiros (um deles precisa ser falso), o
princípio do terceiro excluído atesta que x é verdadeiro ou não P é verdadeiro.
Por exemplo, ou é verdade que um triângulo tem três lados e três ângulos ou não é verdade
que um triângulo tem três lados e três ângulos. Não é possível que haja uma terceira hipótese
do tipo: é verdade que um triângulo nem tenha três lados e três ângulos, nem não tenha três
lados e três ângulos.

4.4 Princípio da razão suficiente


Pode ser assim formulado: para cada entidade x, se x existe, então há uma explicação
suficiente para x existir.
Segundo esse princípio, tudo o que há tem uma ou mais razões suficientes, que podem ser
conhecidas pela capacidade intelectiva humana. Outra maneira de designar esse princípio é
chamá-lo de princípio da causalidade.
Isso não significa que não haja acaso – embora, mesmo para o acaso, existam causas. A
diferença entre as causas do princípio da causalidade e as causas do acaso é esta: as
primeiras acontecem de modo universal e necessário; as últimas acontecem apenas em casos
particulares e contingentes. A causa casual explica casos específicos e não pode ser
generalizada, pois as situações a que se refere são únicas.

ATIVIDADES
Leia atentamente o texto base para responder as questões. Todas as respostas estão contidas
no texto. Não há necessidade de pesquisar na internet. Em caso de dúvidas, basta mandar
uma mensagem através do Whatsapp ou da plataforma Google Sala de Aula.

1. A Filosofia se baseia na reflexão racional acerca da realidade como um todo, do ser


humano em coletividade e enquanto subjetividade em diálogo consigo própria e
conhecedora da realidade.
Enumere a segunda coluna de acordo com a primeira, relacionando cada significado
de razão ao nome correspondente:
(1) Razão como convicção (3) Nesse âmbito a palavra razão se
identifica com fundamentos legítimos e se
opõe a aleatoriedades, atos
discricionários, injustificados.
(2) Razão como autogoverno (2) Razão também aparece como controle
de si que pode ser adquirido ou perdido.
Nessa acepção, a palavra razão remete à
sanidade mental e se opõe à loucura.

(3) Razão como motivos, causas e (1) A razão aparece como crença de
ordenação alguém acerca da própria opinião, isto é, a
crença de que a própria opinião está certa.
Nesse sentido, a palavra razão remente à
certeza e se opõe à incerteza.

2. Na acepção de razão como motivos causas e ordenação há a diferença entre razão


objetiva e razão subjetiva. Nesse sentido, complete as frases abaixo adequadamente:
a) A ____________________ se refere à característica da realidade ser racional nela mesma,
sem depender do conhecimento humano.
b) A ____________________ se refere à capacidade intelectual e moral dos seres humanos.

3. Vimos que razão pode ser compreendida de quatro formas diferentes. No entanto, a
quarta acepção, razão como consciência intelectual e moral, é a que mais se
aproxima da atividade filosófica. Esta razão pode ser expressa na célebre frase de
Pascal: “O coração tem razões que a razão desconhece”. Dito isto, explique a frase,
diferenciando o significado de razões e razão.
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4. Quanto a origem da palavra razão, marque abaixo a alternativa que corresponde a
uma de suas características.
a) A palavra “razão” se origina do latim ratio, que por sua vez traduziu o grego logos.
b) Logos vem do verbo légein – contar, reunir, juntar, calcular. Ratio vem do verbo reor
– contar, reunir, juntar, calcular.
c) Razão é pensar a realidade de modo ordenado, porque ela mesma segue uma ordem.
d) Exprimir-se de modo claro e compreensível.
e) Todas as alternativas anteriores estão corretas.

5. Como vimos no texto, desde a origem, a razão é considerada como oposta a quatro
outras atitudes mentais. Enumere a segunda coluna de acordo com a primeira,
relacionando as atitudes mentais a descrição correspondente:

(1) Ilusão ou mera opinião (4) Trata-se de um estado de abandono, de


rompimento com a atividade intelectual
e moral. Uma quebra com o estado
consciente a fim de se entregar à fruição
(2) Emoção, sentimento, paixão, afeto (3) Trata-se da crença no sobrenatural que
age não por motivos e causas evidentes,
ordenadas e compreensíveis, mas por
confiança na revelação divina.
(3) Fé (2) Trata-se de atitudes mentais cegas,
caóticas, desordenadas e contrárias umas às
outras. Ora uma emoção é avessa a um
objeto, ora é atraída por ele.
(4) Êxtase místico (1) Trata-se da percepção da mera
aparência das coisas, que sempre capta de
modo parcial, superficial e incompleto a
realidade – sempre mais complexa em sua
estrutura profunda.

6. Os princípios racionais são normas fundamentais, respeitadas até mesmo quando as


desconhecemos. Não as seguir implica ser irracional – tanto no aspecto subjetivo –
referente a como pensamos e nos expressamos –, quanto no aspecto objetivo – referente à
realidade como um todo. Tendo em vista os princípios racionais, complete as frases a
seguir:

a) ____________________: são válidos em todos os tempos e lugares.


b) ____________________ são indispensáveis e indicam que algo é assim e não pode
ser de outra maneira.
c) ____________________: não possuem conteúdo, apenas indicam como as coisas
devem ser, como devemos pensar e nos expressar.
d) ____________________ tudo o que há tem uma ou mais razões suficientes, que
podem ser conhecidas pela capacidade intelectiva humana.

7. Os princípios racionais também podem ser expressos em quatro conceitos: [1]


Princípio da identidade; [2] Princípio da não-contradição; [3] Princípio do terceiro
excluído e [4] Princípio da razão suficiente. Enumere a segunda coluna de acordo
com a primeira, relacionando princípio a descrição correspondente:

(1) Princípio da identidade ( ) Segundo esse princípio, tudo o que há


tem uma ou mais razões suficientes, que
podem ser conhecidas pela capacidade
intelectiva humana.
(2) Princípio da não-contradição ( ) Pode ser expresso como dada uma
proposição e sua negação, pelo menos uma
delas é verdadeira. É parecido com o
anterior mas é diferente.
(3) Princípio do terceiro excluído ( ) Segundo esse princípio, não é possível
que algo exista e não exista, sob o mesmo
aspecto, ao mesmo tempo. Proposições
contraditórias entre si, portanto, são
impossíveis de serem concebidas como
coexistentes.

(4) Princípio da razão suficiente ( ) Esse princípio atesta que algo é


concebido enquanto uma identidade, ou
seja, enquanto algo que possui atributos
seus e que não se confundem com nenhum
outro.

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