Você está na página 1de 8

Estante do Clóvis Volume 2

Aristóteles: Parte 1

Fizemos num primeiro momento uma aula sobre Aristóteles e


destacamos nessa aula a presença de um fundamento da sua
filosofia, que é o cosmos, um universo ordenado, organizado, finito,
no qual suas partes interagem.

Cada e cada qual com sua função, cada qual com o seu papel,
buscando assim alguma excelência e permitindo o bom
funcionamento do todo. Falamos também de uma grande obra
Ética a Nicômaco.

Alguns traduzem por Ética Nicomaqueia, Nicômaco é o nome do filho


de Aristóteles. Essa obra, embora o título não nos indique isso
imediatamente, mas essa obra é sobre felicidade, ou seja, é um
conjunto de ensinamentos, de reflexões que o Pai propõe ao filho
para indicar-lhe como é a vida boa, quais as condições de uma vida
boa, de uma vida feliz, muito bem.

Nessa obra, Aristóteles apresenta um certo número de virtudes.


As virtudes são excelências e fazer excelentemente o que se faz. O
virtuoso é aquele que faz excelentemente aquilo que se dispõe a
fazer. É aquele que alcança o máximo de perfeição, que é sua
natureza autoriza alcançar.
É o que nós chamamos de areté. Viver em areté, viver em perfeição,
sempre buscar o máximo que podemos alcançar nos limites da
nossa natureza.

Muito bem! Então nós podemos imaginar que essas virtudes

1
apresentadas por Aristóteles e sobre as quais eu espero novas aulas
com esse mesmo tema e desse mesmo autor apresentá-las,essas
virtudes são formas de excelência existencial que condicionam o
que são pré requisitos, digamos assim, de uma vida feliz, de uma
vida boa. Pois muito bem. Então, a título de exemplo, a coragem, a
coragem é uma virtude.

Portanto, o corajoso, ele age excelentemente e o corajoso age


excelentemente em função dos cenários concretos de vida em que
se encontra, em função das suas condições para exercer e
implementar essa coragem. E o corajoso, com isso, administra o
próprio medo, a virtude, neste caso, é uma forma particular de
gestão da “paixão medo”. Não se trata de aniquilá-lo
completamente.

Não se trata de deixá-lo tomar conta. Existe uma gestão do medo


que, como costuma acontecer em Aristóteles, fica a meio caminho
entre a covardia e o sem noção. O covarde é aquele que pode
interceder, mas finge que não é com ele. Como por exemplo,
quando alguém bate numa criança covardemente e você finge que
não viu, quando poderia ter feito prevalecer a defesa da criança.

É o sem noção, é aquele que, diante de 30 indivíduos fortemente


armados, sai desarmado para enfrentá-los.
O corajoso está no meio desses dois viciados, indevidos e desses
dois equivocados. Existe uma excelência existencial trazida pela
virtude da coragem. Como gestão do medo, isso foi só a título de
exemplo, poderíamos falar da temperança, que é a mesma
disposição em relação aos prazeres e aos desejos.

Mas, de qualquer maneira, eu queria hoje abordar com vocês uma

2
virtude, uma virtude que, a meu ver, me parece central no
pensamento de Aristóteles. E eu tenho um motivo fortíssimo para
afirmar isso é que dos dez livros de Ética a Nicômaco, essa virtude
mereceu dois dos livros.

Nem a justiça mereceu tanta atenção. A justiça mereceu um livro


que é o livro Quinto e a virtude da da Philia, mereceu dois livros, o
oitavo e o nono. Então me parece que Aristóteles quis dizer com isso
que a philia é condição de uma vida boa e uma virtude sem a qual a
vida não poderá ser boa. Então, esse é o primeiro ponto: traduzir a
philia:
Alguns traduzem por amizade. Nada contra, desde que saibamos
que não é isso. Você pode traduzir como quiser.

Mas a philia não corresponde à amizade. Então vamos tentar


entender porque.
O que é o amigo?
Eu não sei você, mas amigo para mim, sei lá, aquele cara da escola
que você conheceu, que ficou, que fez faculdade com você, que
você continuou amigo, que é aquele cara que no meio de tantos
têm mais afinidade com você que manteve uma relação mais
estreita, estudavam juntos a coisa.

Então, amigo de balada, amigo de coisa boa. Então esse é o amigo.


Relação privilegiada com pessoas em meio a tantas outras
possíveis. Pois muito bem.
Philia em Aristóteles, é muito mais do que isso. É muito mais amplo
do que isso, mas muito mais. Então, a título de exemplo, nós, em
português, não diríamos que o cônjuge A, Antônio Carlos é amigo ou
sente amizade pelo cônjuge B.

3
Essa terminologia já existiu na nossa literatura, mas ela está
totalmente ausente do nosso sentido de amizade. Quando eu digo o
que sinto pela minha esposa, eu não vou dizer que ela é minha
amiga. Ela poderá até ser, mas não é isso que prevalece.
Da mesma maneira, os afetos sentidos pelos cônjuges em relação a
seus filhos não é, digamos, comum que possamos defini-los como
de amizade, como também entre os irmãos, como também entre os
namorados.

Veja que em outros idiomas pode funcionar diferente. Em francês, o


namorado pode ser um amigo, um pequeno amigo, não é? E em
francês é possível que madame de Stendhal, Le Rouge et le Noir trate
o marido como mon ami, meu amigo.
Mas em português isso, isso tá longe de acontecer. Então nós
poderíamos dizer que philia indica toda forma afetiva entre pessoas
que se querem bem e, portanto, ela tem a ver com a amizade, mas
tem a ver também com o amor, tem a ver também com o respeito,
tem a ver também com a admiração, com o apreço, tem a ver com,
com muita coisa.

Portanto, é muito difícil você traduzir philia numa palavra só, razão
pela qual nós vamos nos permitir ficar com philia, mesmo
entendendo que philia é essa reunião de afetos positivos que as
pessoas possam ter entre elas.

Então, eu acho que avançamos um ponto.


Então, qual é a primeira ideia de Aristóteles? É o seguinte: se eu estou
fazendo um livro para o meu filho e eu estou fazendo um livro sobre
felicidade, o que é preciso para ser feliz? O que é preciso para ser
feliz? Ora, eu dou dois de dez para Philia. É sinal que uma vida sem
bons afetos pelas pessoas não é uma vida possivelmente feliz.

4
Então Aristóteles dirá: De que adianta você ter uma casa com
piscina? Ele não dirá isso. Ele não é exemplo o aristotélico casa com
piscina. Mas a ideia é essa. De que adianta uma casa com piscina
sem ter um amigo para convidar para desfrutar da piscina? De que
adianta uma churrasqueira para comer churrasco sozinho? De que
adianta habilidade explicativa sem ter para quem explicar?

De que adianta, então, dizer que a felicidade pressupõe a presença


dos outros e uma relação positiva com os outros.

Esse amor pelas pessoas ainda é o que há de mais humanamente


positivo que podemos ter pelas pessoas. Pois muito bem, eu vou a
mais um degrau de qualificação da nossa proposta é que Aristóteles
falará numa philia cívica.

Portanto, um amor que não é porque pessoas conhecidas, cuja


identidade está na manga, como por exemplo, o amor pelos filhos,
pelo marido, pelas família, pelas pelos amigos do trabalho, etc e tal.

Existe uma uma philia cívica.


Quando você tem bons sentimentos por qualquer um que integra
um espaço político de polis, de convivência.
Em outras palavras, embora não haja ainda ali uma identidade, há
alguém que pertence ao grupo político de que você também faz
parte. Então você tem uma disposição afetiva positiva, mesmo que
esse indivíduo ainda seja, digamos, genérico, genérico e, portanto,
você tem por ele um apreço inicial.

Aristóteles chega a dar um exemplo, que é o seguinte: você vai fazer


uma viagem. Eu posso imaginar como era uma viagem em tempos

5
de Aristóteles. Não devia ter cartão de embarque, não devia ter essa
coisa de cada um na sua poltrona, não devia ter navios com com
cassino. A viagem devia ser uma coisa tipo medonha, senão a pé,
em condições extremamente precárias.

E Aristóteles diz: Duas pessoas empreendendo viagem que não se


conhecem, tendem a ter ao se encontrar, tipo numa parada de
posto de gasolina para comer um pão de queijo, tendem a ter um
apreço entre elas pelo simples fato de estarem ambas submetidas
a um desafio, aquele tipo de desafio, aquele tipo de aventura. Você
também está indo pra tal lugar, Caramba!

Olha, cuidado porque tem uma tempestade de areia, uma


avalanche, uma pedras rolando em tal lugar e tal. Há uma
camaradagem que surge dessa coincidência na aventura. Esse é o
exemplo de Aristóteles.
Então eu vou pegar um exemplo semelhante.
Você vem de BH para São Paulo e pára no meio do caminho para
fazer um xixi. Você vai até o toalete, chega no toalete, você usa o
vaso, ou seja, o vaso, digamos, de maneira pouco cuidadosa.

Até porque quem não usou o vaso antes também usou de maneira
pouco cuidadosa. Como foram 150. A coisa não tá legal. Aí você
meio que entra na onda. Aí chega um pai com uma criança de
arranca precisando fazer o número dois e sentar na tampa. E aí, o
que é que você constata? Você constata que não tem vaso para
sentar, não tem aquilo está imundo!

E então você percebe que aí faltou philia cívica, Faltou se philia, se


você não tem amor por aquele pai genérico, com o filho pequeno
doente, que precisava sentar no vaso e que não vai sentar porque

6
você na hora de urinar, urina, sabe? Tipo pintura holandesa, não vai
aonde pegar. Pegou? Você recua, faz a parábola aonde cair, caiu. No
começo até vai dar certo, mas depois você calcula errado, respinga
em tudo que é lugar.

E o menino que precisava usar depois dançou. Falta de philia cívica.


Entendeu isso?
Muito bem, eu acho que ficou claro, naturalmente, que Aristóteles
exclui desse bom sentimento o apego que temos pelas coisas. Não
existe philia por uma mochila, não existe philia por uma escova de
dente elétrica, não existe philia por um. O senhor tem exemplos
esquisitos, então não existe o philia por um apartamento em Miami,
não existe philia por um carro novo.

E porque não? Porque a philia pressupõe a possibilidade de


reciprocidade e, naturalmente, a mochila não te amará tanto
quanto você ama a mochila!

Não, não rola, não rola. Não há essa possibilidade. Então não a philia
pela mochila,há philia por qualquer um que possa devolver afeto.
Fico me perguntando sempre é possível perguntar porque
Aristóteles fala da philia entre os animais, mas não fala da philia
entre animais e humanos.

Devolve afeto. Não há dúvida que, se o critério é esse, devolve afeto.


O afeto é do mesmo tipo, porque a philia tem uma parte, digamos,
de intelecção. A philia tem uma parte de entendimento, a philia tem
uma parte de raciocínio e talvez o animal não tenha. Então o afeto
dele é diferente do seu. Mas aí o afeto é diferente do seu, mas entre
humanos também é igual, igual também não é.

7
Então, há aí uma série de problemas que envolve esse tipo de
análise. Como você vê Aristóteles, assim como Platão, tem uma
riqueza infinita. E é por isso que a gente faz um breakezinho aqui.
Mas eu prometo, eu volto. Porque sobre philia, vamos ter muita coisa
que discutir. Até daqui a pouco. Valeu.

Você também pode gostar