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Lição de 15 de novembro de 1 96 1

É assim que poderemos nos deter naquilo qu e é o ter11 10, 0 1 1 1 1 1 1�·;111


substa ntivada do termo, de i de nti dade - em i dentidade, idc 1 1t ilü:a<;a11,
há o te rmo latim idem -e isso será para mostrar-lhes que al guma cxpcri(:11cia
si gnificativa está suport a d a no te rmo francês vulgar, suporte da 1 1 H·s111a
fu nção sign il'ica nte, a do m esmo. Parece, com efeito, que seja o em,
sufixo de id em idem, o que encontramos ope rando a fu nção, cu direi ,
ele radical , na evoluçfto cio in do-europeu no nível de um certo 1 1 ú 11H·ro
de l ín guas itúlicas ; es te c m é aqui du plic ado , consoante antiga que se
.encontra pois como o resíduo, a relíqui a , o retorno a uma te mátic a
primi tiva , mas não sem te r recolhido de passagem a fase interme diária
da etimologia , positiv amente, do nascime nto desse mesmo, que é um
metipsum familiar latino, e mesmo um metips issimum do baixo latim
expressivo, portanto, leva a reconhecer em qual direção aqui , a experiência
nos sugere p rocurar o sentido de to da identidade, no coração do que se
designa por uma espécie de reduplicação de mim mesmo [moi-même [ ;
esse mim mesmo sendo já, se quise rem, esse metipsissimum, uma espécie
"do dia", de " no dia de hoje " [ d 'au jour d 'aujou rd 'hui ], de que não nos
apercebemos , e que está bem aí no mim mesmo. É, então, em um
metips issimum que se p recipitam, depois do eu [moi ] , o tu [toi ], o ele ,
o el a , o eles, o nós, o vós, e até o se [soi], que acontece ser, em francês,
u m si-mesmo [soi -mêmc]5. Também vemos aqui, em suma, em nossa
l íngua , u 1 1 1 a espécie de inclicaçfto de u 1 1 1 trabal ho, de u111a tendência
signi l1cativa especial , que vocês me permitirão qualificar de mih ilismo
[mi hilisme], na me dida em que essa experiência do eu [moi [ se refe re
a esse ato. Segura mente , a coisa não teria um inte resse senão incide ntal,
se não tivéssemos que encontrar outros t raços nos quais se revela esse
fato , esS'4 diferenç a nítid a e fácil de assinalar, se pensarmos que em
grego , o autos do si é aquele que serve pa ra designar também o mesmo,
assim como em alemão e em inglês , o selbs t ou o self, que virão a
fu ncionar para designar a i dentidade. Portanto, esta espécie de metá fora
permane nte na locução francesa, penso , não é por nada que nús a
destacamos aqui, e nos interrogamos.
Deix aremos entrever que talvez ela não deixe de ter rel ação com o
f ato de um nível bem outro, de que seja em francês , qu ero di zer, <1111
Descartes, que se tenha po dido pensar o ser como incrente ao st\jt·i lo ,
d e u m modo, e m suma, que diremos bastante cativante, pelo q 1 1 c , d< ·sde

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A Identificação

Des de então , 11fto me sin to mal honrado qu e me in terroguem sobre


esse tema : "O nde está a v erda deira v erda de de seu discurso ?". E posso
me smo, a fin al, ac har que é jus tamen te enqua n to não me tomam por
um filúsofo, mas por um psicanalis ta, que me colocam es ta ques tão.
Pois u ma elas coisas mais no tá veis na litera tura filosófica é, a que pon to,
e 1 1 1 rc n l c',sofo" s, digo enquan to filosofan do, não se coloc a nunca, no final
da s c ern ias . a mesma qucstáo aos fil óso fos, exceto para a dmi tir com
uma fac il idade desconcertan te, que os maiores en tre eles não pensa ram
urna palavra do que eles nos comunicaram preto no branco, e se permitem
pensar, a p ro pósi to de Descar tes, por exemplo, que não tinha em Deus
senáo a fé mais incer ta, porqu e is to convém a tal ou qual d e s eus
come n tar is tas, a menos que seja o contrário, o que lhe convém. Há
uma coisa , cm todo caso, que nunca pa receu a ninguém abalar o crédito
dos hlúso f'os , é que se tenha podido falar, a pro pósilO de cada um deles,
e dos maiores , de uma dupla ver da de. Qu e, por tan to, para mim que,
en tran do na psicanálise, coloco, cm suma, os pés no prato 7 ao apresentar
es ta ques tão sobre a verdade, s into , de r epente, o tal pra to se aquecer sob
a plan ta de meus pés , a íinal, não é senão uma coisa da qual posso me
alegrar, pois, se vocês rc ílctircm , fui cu , sem dúvida , quem reabriu o gás .
Mas deixemos is lo agora, en tremos nas relações da iden tidade do
sujei to, e entre mos a í pela fó rmula ca rtes iana que vocês váo ver como
penso a bor d á-la hoje.
lt evidente que nfto é cm absoluto qucstáo de pretender superar Descar tes,
mas, sobre tudo, de extrair o máximo de ef eitos da u tilização dos impasses
c ujo fu ndo ele conota para nós. Se me seguem , por ta n to, cm uma c rítica,
de modo algu m come n tário de tcx lo, que fa çam o favor de se lembrar
o qu e eu pre tendo daí tirar p elo bem de meu próprio discurso.
" Penso, logo sou " pa rec e-me, sob essa forma, conc en trar os usos
comuns, a ponto de se tornar essa moeda usa da , s em figura, à qual
Mal la rrné faz alusão cm algum lugar. Se a retemos um instante e procuramos
polir-lhe a função d e s igno , se p rocuramos reanimar a função d e acordo
co m nosso uso, gos taria de assinalar que é essa fó rmula - que cu r ep i to,
q 1 1c sob sua forma conc en trada, só a encon tramos em Desca rtes em
algum po nto do Discurso do Método, não é absolu tamen te assim, sob
1·ssa forma densa, que ela es tá expr essa. Es te " Penso, logo sou" se choca

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Lição de 15 de 11ove111fmJ dl' ! % !

com esta oJ�jeção, e creio que ela nunca foi fei ta, é que c u penso 11;1 1 1 t';
um pen samen to. É claro, Descartes nos propõe estas fórmulas ao f'i1 1al
de um lon go processo de pen samen to, e certamente que o pensam ento
ele que se tra ta é um pensam en to de pen sado r. Direi até mais, essa
caracte rística, é um p en samento de pensador, não é exigível para que
falemos ele pensamento. Um pen samen to, em suma, n ão exige em absoluto
que s e pe nse 110 pc1 1 sa1 1 1c1 1 lo.
Para n cís, pa rticula nnen t e, o pen samen to começa no inconsc ien te.
Só podemos nos surpreender com a timi dez que nos !'az recorrer à fórmula
dos psicólogos quando procuramos dizer alguma coisa sobre o pensamento ,
a fórmula de dizer que é uma ação no estado de esboço, cm e stado
re duzi do, modelinho econ ôm i co ela ação. Vocês me dirão que isso s e
encon tra c m Freud, cm algum lugar, mas, cer tamen te, encontra-se tudo
em Freud ; na vol ta ele al gum pa rágrafo, ele pode ter feito uso dessa
definição psicol ógica do pen samento. Mas, en fim, é to talmente difícil
desca rtar que é em Freu d que encon tramos também que o pensamento
é um modo pe rfe i tamen te eficaz e, de alguma forma, suficiente em s i
mesmo, de sa tisfação masturbatória. Isto para dizer que, no que concerne
ao sen tido do pen samen to, temos, talvez , um palmo um pouco maio r
do que os out ros obrei ro s. En tre tanto, isso não impede que , in terrogan do
a f'ó rnrula c1 1 1 q u cs t üo, " penso, logo sou ", possamos dizer que , pelo uso
que se faz dela, ela s cí pode nos coloca r um prob lema ; poi s convém
interrogar esta fala, eu penso, po r mai s amplo que seja o campo que
tenha mos reservado ao pensamento, para ver sa tisfei tas as características
do pen sam ento, pa ra ver satisfeita s as ca rac te rísticas do que podemos
c ham a r de pensamento. Poderia se r que isso fosse uma fala totalment e
insullcien te para sustenlar o que quer que seja, que pudéssemos finalmc1 1 1 c
localiza r por essa p resença, e u sou .
É justamente o que p re ten d o. Para esclarecer o meu desenvolvimento,
in dicarei que eu penso, toma do simplesmen te sob esta forma abreviada,
não é mai s sustentável logica men te, mais suportável, do que o eu minto,
que já causou p roblema pa ra um certo n úmero de lógicos, este eu m i 11to,
que só se sustenta na vacilação lógica, vazia, sem dúvi da, mas suste11 1 ávcl,
que desdobra essa aparência de sentido, bastan te suficiente, al i:ís, para
encontrar seu lugar em lógica formal. Eu minto, se o digo, é verdade,
portanto, não minto, mas minto mesmo, con tudo, pois, dizendo 111 i 11 / u ,

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A Identificação

afirmo o con trár io. É muito fácil desmon tar essa pre ten sa dificuldade
lógica e mostrar que a pre tensa d ificuldade onde repousa esse julgamento
apóia-se n isto : o julgamen to que ele compor ta não pod e apoiar -se cm
seu próprio en unciado, é um colapso. É sobre a ausência ela dist inção el e
dois planos, pelo fato ele que a ên fase incide sobre o próprio minlo, sem
que se o d istinga, que na sce essa pseudo-di fic uldade. Isso para d izer ­
lhes que, na falta desta distinção, não se trata de uma verdad eira proposição.
Esses pequenos paradoxos, dos quais os lógicos fazem, aliá s, muito
ca so, para levá -los imedia tamen te à sua medida j usta , podem passar por
simples diver timen tos. Eles têm, cont udo, seu in teresse; devem ser retidos
para apreen der, cm suma, a verdadeira posição el e toda lógica formal,
até inclusive esse fa moso posi tivismo lógico do qual cu falava h.í pouco.
Enten do por isto, que , c m nossa opin ião n ão se fez, j ustamen te, uso
sufic iente da famosa aporia d e Epimênides, que n ão é senão uma forma
mais desenvolvida do que acabo ele apresen tar -lhes a propósito de cu
minto, que "Todos os Creten ses são mentirosos, assi m fala Epin 1ên ides,
o Cretense", e voc ês vêem logo o pequeno to rn i quete qu e se e 1 1gc11clra.
Não se a usou o bastante para demon strar a vaidade da famosa proposiç;fo
el ita a f ir111a tiva univer sal A. Porque, d e fato, o bservamos a esse respeito,
está exata men te aí, nós veremos, a for ma mais in teressan te de resolver
a di ficulda d e. Poi s , observem bem o que se passa, se colocamos isso
que é possível, que foi coloca do na crítica da famosa afirma tiva universal
A, da qual algun s preten deram , não sem fun damen to, que sua substância
nunca tenha sido outra senão a de uma proposição univer sal negat iva :
"Não há Cre ten se que n ão seja capaz d e men tir ", de sde então, n ão há
ma is nenh um problema. Epimêni des pode d izê-lo, pela razão ele que
expresso assim, ele não diz, em absoluto, que haja alguém, mesmo Cretense,
que possa mentir sem parar, sobretudo quando nos aperc ebemos que
1 1 1 en tir tenaz mente implica uma memória fir me, que ter minaria por
or ien tar o disc ur so no sen tido equivalen te a uma confissão, ele maneira
q 1 1 e, mesmo se "Todos os C retense s são men tirosos" queira dizer que
1 1 iw l 1á um só Cretense que n ão queira mentir se m parar, a vcrc..laclc
l < 'l"lt1i 11ar :í mesmo por escapar -lh e na virada, e na mccli c..la mesma do
ri gor dessa von ta d e. O que é o sen tido mais plausível ela con fissão do
( ' 1r1t·11se Epimênicles, de que todos os Creten ses são mentirosos, o senti do
11ao pode ser scnáo esse: 1 ) ele se van glor ia disso; 2 ) el e quer, com

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Lição de i5 de novembro de 1961

isso, desorientá-los , prevenindo -os ver ídicamente de seu método ; mas


isso não tem o'utra intenção, tem o mesmo resultado q ue esse outro
p rocedimento que consiste e m anunciar que não se é po lido, que se é
de uma franq ueza absol uta ; é o ti po que lhes sugere avalizar todos os
seus b lefes.
O que q ue ro dizer é q ue toda afi' rmati va uni versal, no sentido forma l
da cate goria, tem os mesmos fins oblíquos, e é m ui to bonito que esses
fins esto urem nos exem plos c lássicos. Que seja Aristóteles quem toma
o c ui da do de revelar que Sócrates é morta l, deve, contudo, nos ins pira r
algum interesse, o que quer dizer, oferecer apoio ao que podemos chamar
entre nós , de inter pretação, no senti do em que esse termo preten de ir
um pouco mais longe que a f unçfto que se encontra justamente no própr io
título de um dos livros d a Lóg i ca de Aristó Lcles. Pois, se é evidentemente
enquanto anim al humano q ue aquele a quem Athenas nomeia Sóc rales
está assegur ado da mor te, é j ustamente enquanto nomea do Sócrates
que ele esc apa disso, e isso não somente porque seu renome 8 dura ain d a
t a n to tempo quanto viver a fa bulos a operaç.-to d a tr ansl e' rênc ia o perada
por Platão, mas ainda m ais exat amente, porque é somente e nquanto
tendo co nseg uido se co nsli L u ir, a p a rL ir de sua identidade soc ial, csle
ser de a lopia q ue o caracteriza, q ue o chamado S ócra lcs, aq uele q ue se
nomeia assim em Aten as, e é porque e le não po di a se exi lar, p ôde se
sustentar no desejo de s ua pró pria morte até fazer dela o acling oul de
sua vida. Ele acrescentou, além disso, com entusiasmo e alegria " ter-se
liberado do famoso galo de Esc ulá pio, do q ue se ter ia trata do se tivesse
sido p reciso fazer a recomen dação de não lesar o vende dor de castanhas 'º
da esquina.
Há, pois, em Aristóteles, algo que podemos inter pretar como alguma
tentativa, j ustamente , de exorcizar uma transferênc ia que e le considerava
um obstác u lo para o desen vol vimento do saber. Era, por outro lado,
um erro de sua parte, pois o fracasso é patente. Seguramente, era preciso
ir um pouco mais longe q ue P latão na desnaturalização do desejo, para
q ue as coisas se conc l uíssem de outro modo. A ciência moderna nasce u
num hi per platonismo, e não no re torno aristotélico, em suma, sobre a
f unção do saber segundo o estatuto do concei to. Foi necessário, de
fato, algo q ue podemos chamar de segunda morte dos de uses, a saber,
sua saída espec tral na época cio Renascimen to, para que o verbo nos

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A Identificação

mostrasse s ua verda dei ra v erda de, a q uela q ue dissipa , não as ilusões ,


mas as trevas do sentido d e onde s urge a ciência moderna.
Portanto, dis semos, esta f rase "e u penso", tem o interesse d e nos
mostrar - é o mínimo que podemos ded uzir disso - a dimensão vol untária
do j ulgamento. Não temos n ecessi d a d e de dizer tanto ; as d uas linhas
q ue distin guimos como en unciação e enuncia do nos bastam pa ra q ue
possamos afirmar que é na medida em que essas d uas lin has se enovelam
e se conf undem, q ue nós podemos nos encontrar diante de tal pa radoxo
q ue lev a a esse impass e do eu minto, sobre o q ual os detive um instante.
E a pro va de q u e é d i sso q ue se trata é, a saber, q ue posso, ao mesmo
tc1 1 1 po, 1 1 1c1 1 tir e dizer co1 1 1 a mes 1 1 1 a voz q u e 1 1 1i1 1to ; se di stingo essas
voz es, é i nteiramente a dmissível. Se digo: "Ele diz q ue min to ", i sto
l'unciona, não ca usa objeção , não mais do q ue s e eu dissesse : "Ele mente",
mas posso até dizer: "Eu digo q ue minto". Há a q ui, contudo, a lgo q ue
d eve nos deter, é q ue se e u digo : "Eu s ei q ue minto", isto tem ai n da
algo de intei ramente convi ncente q ue deve nos deter como analistas,
pois como analistas, justamente, sabemos q ue o original , o vivo e o
apai xonante de nossa i nte rvenção é isso, q ue podermos dizer q ue somos
feitos pa ra dizer, para nos des locarmos na di reção exatamente oposta,
mas estri tame nte correlativa, q ue é dizer: "Mas não, você não sabe
q ue diz a ve rda de", o q ue vai ime diatamen te mais longe. Mais q ue
isso : "Tu não a dizes tão bem senão na m edida em q ue acreditas mentir,
e quando não queres mentir, é para melhor te resguardares dessa verdade ".
Essa verda de, pa rece que não se pode apreen dê-la senão por seus reílexos,
a verda d e, você s se lembram d e nossos termos, é 11 1 ha pelo fato de q ue,
por essência, el a não seri a s enão, como to d a filha, uma desgarra da.
Poi s hc1 1 1 , (, o mesmo par a o cn penso. Pa rece exa tamente q ue se h;í o
encadeamento tão l' úci l p ara a q ueles que o soletram ou retra n smitem
sua me nsagem, os pro f'essores , isto não pode ser senão por não se deter
d c1 1 1 asi ad a mc1 1te nisso. Se t emos p ara o 1•11 penso as mesmas exigênc ias
q ue pa ra o eu minto, ou isso q uer dizer: " p enso q ue penso " , o q ue não
é, e ntão, absolutamente falar de na da mais do q u e do penso de opi n i ão
ou de imaginação, o penso como vocês dizem, q uando dizem: " Penso
q u e ela me ama ", o q ue q uer dizer q ue os aborrecimen tos vão começa r.
S eguin do Desca rtes, mesmo no texto das Meditações, s u rp reen demo­
nos com o núme ro de incidências nas q uais esse penso não é nada

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Lição de 15 de novembro de 1961

mais do que.-essa dimensão propriamente imaginária soure a qual 1 1e1 1l n 11 11a


evidência dita ra dical pode sequer ser fun dada , de ter-se ; ou então i sto
quer dize r: " Sou um se r pensante ", o que então , é claro, desestabiliza,
anteci padamente, todo o processo po sto que vi sa ju stamente fazer sair
do cu penso um estatuto sem precon ceito, assim como sem presunção
na minha e xistência. Se começo a dizer: " Sou um ser", isto quer dizer:
" Sou um se r essencial ao se r, sem dúvida". Não há necessi dade de ir
adiante, pode -se guardar seu pensamento para seu uso pessoal.
Isto pontuado, nós reconhecemos encontrar isso, que é impo rtante,
reconhecemos encontrar esse nível, este terceiro termo que temo s evocado
a pro pc',si lo cio 111 i n l. o , a saber, que se possa di ze r : " Eu sei que minto",
no q ue a bsol u L a 1 1 1e n le merece q ue nos detenhamos. Co 111 efeito, é aí
que es uí o suporte de tu do o que u rna cert a f'enomeno logia desenvolveu
em re lação ao sujeito, e aqui trago uma fórmu la que é aquela sobre a
qual se remos lev ados a retomar nas próximas vezes, que é esta : aquilo
com que temos a ve r, e como isso nos é dado, uma vez que somos
psican alistas, é pa ra subverter radi calmen te, é pa ra torna r impossíve l
esse pre conceito mais radical, que, no en tanto, é o verda deiro supo rte
de todo o desenvolvimento da filoso fia, do qual se po de dizer que ele é
o limite além do qual nossa experiência se passou, o limite além do
qual começa a possibili dade do inconsciente. É que jamais houve, na
co rrente filosófica que se desenvolveu a partir das investigações cartesianas
ditas do cogilo, jamais houve senão um único sujeito que fixarei, para
termin ar, sob esta f'orma, o sujeito suposto saber.
É necessário que vo cês abasteçam esta fó rmula da repercussão especial
que, de qualquer maneira, traz consigo sua ironia, sua questão , e observem
que, re f'c rin clo-a :'í fenomenolo gia e parti cu larmente à fenomeno logia
hq.!;c lia 1 1a, a l 'u 11�·:i o desse sujeito s u posto sahcr toma seu valor ao se r
ap reciada enquanto função sincrônica que se desenvolve a esse propósito,
sua presença sem pre ali , desde o começo ela interrogação fenomenológica,
e1 11 u1 1 1 certo ponto, u1 11 certo nc', da es l ru l ur a nos pcr111i lir :í cl csprl'n cl cr­
nos do desenvolvimento dia crônico que se supõe levar-nos ao saber
absoluto. Este saber absolu to, ele mesmo, o ve remos, :) l uz clesLa q ue stão,
toma um valor singu larmente refutável, mas por hoje somente deten hamo­
nos para co locar essa moção de desconfianç a, por at ribuir este suposto
saber a quem quer que seja, nem para su por, subjicere, nenhum sujeito

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A Identificação

ao saber. O saber é in te rsubje tivo, o que não quer dizer que seja o
saber de todos, nem que seja o saber do Ou tro, com A mai úsculo. E o
Ou tro, nó s afirmamos, é essencial mantê-lo a ssim, o Outro não é um
sujeito, é um lugar ao qual nos esforçamos, diz Aristóteles, por tran sferir
o sa ber do sujei to. N a turalmen te, por esses esforços, resta o que Hegel
desdobrou como a história do sujeito ; mas i sto não quer absolu tamente
dizer que o sujeito saiba um tico a mai s sobre o a ssunto em questão.
Ele não tem perturbação, se posso dize r, a não ser em funçüo de uma
suposição indevida , a saber, que o Outro saiba, que haja um saber absoluto,
mas o Outro sabe disso ainda menos que ele, pela simples razão . justamente,
de que ele não é um sujei to.
O Oucro é o Jeposic,írio dos rcprcsentarncs rcprescmacirns dessa suposiç,io
de saber, e é isso que chamamo s de inconscien te, na medida em que o
sujei to pe rdeu -se, ele mesmo, nessa suposição de saber. Ele provoca
isto sem sabê-lo. I sso, são os destroços que lhe vol tam do que sofreu sua
realidade nesta coisa, destroços mais ou menos irreconhecíveis. Ele os
vê vol ta r, pode dizer, ou não dizer: " É isso mesmo ", ou até: "não é isto
de jei to nenhum ", con tu do, é realmen te i sso.
A função do sujei to em Descarte s é, daqui que retoma remos nosso
di scurso na próxima vez, com as ressonância s que dele encontramos
na análi se. Tenta remo s, na p róxima vez, a s sinalar as re ferência s à
fenomenologia do neurótico obsessivo numa escansão significante
onde o sujeito se encontra imanente a toda articulação.

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LIÇAO II
22 d e novembro de 1 961

Vocês p uderam constatar, não sem satisfação , que p ude in tro d uzi­
los, na última vez, a nosso p ropósito deste ano, po r uma reflex ão q ue ,
aparentemente, po deria passar po r m uito filosofan te, já que se refe ria
a uma reflexão filosófica, a de Descartes, sem acarretar da parte de
vocês, me parece, demasiadas reações negativas. Longe disso, parece
que confiaram em mim pela legitimidade de sua contin uação. Alegro ­
me com esse sen timento de con fiança que gosta ria de po der tra d uzi r
no que pelo menos se percebeu por onde eu queria cond uzi-los. Entretanto ,
para q ue vocês não tomem, no que hoje vo u continuar sob re o mesmo
tema, o sentimento de q ue me atraso, gostaria de colocar que esse é o
nosso f im, nessa maneira de abo rdar, de engajar-nos nesse caminho.
Digamo-lo logo por uma fórmula a qual nosso desenvolvimento esclarec erá
cm seguida, o que quero dizer é q ue, para nós , analistas, o que entendemos
por identificação, po rque é isto que encontramos na identificação, naqu ilo
que há de conc reto em nossa experiência referente à identificação, é
uma i dentificação de signi ficante.
Releiam no Curso de Lingüística uma das numerosas passagens nas
quais De Saussure esforça-se po r precisar, como o f az sem cessar ao
cercá-la, a função do significan te, e vocês verão, digo-o entre parênteses,
que to dos os meus esforços n ão foram, afinal, s em deixar a po rta abe rta
ao que chamarei menos de diferenças de interpretação do que de verdadeiras
divergências na explo ração poss ível do que ele ab ri u com essa d istinção
tão essencial de significante e de significado. Talvez eu pudesse tocar

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A Identificação

1 1 1 e 1 d , · 1 1 1 : i l r11l'11lc para vocês, ·para que ao menos situem aí a existência ,


., d i l ,·1 , ·1 1 �·a que há entre tal ou tal escola, a de Praga, à qual pertence
1 . , J.. 1 1 k;c 111, a q u c r n me rcf'iro tão f rcq ücnt c m cntc, a el e Copenh ague, à
• 1 11: i l l l,itil111 slcv deu su a orientação soh um t ftulo de glossemática, qu e
:11 11i l a 11:i o evoquei diante de vocês. Você s verão, é quase fatal que me
nja r r r levado a voltar a isto, j á que não podemos dar um passo sem
1 ra I a r de aprofun dar esta função do significante, e cm conse qüência,
s u a rel ação com o signo. Vocês devem sabe r desde já - penso que mesmo
aqu eles dentre vocês que puderam acre ditar, e até mesmo me censurar,
qu e cu repetia Ja kob son - que de fato a posição que tomo a qui está
adiante, e m vanguarda com relação à de Ja kob son, no que se refere à
primazia que outorgo à função do significante em toda realização, digamos,
do sujeito.
/\ p ass agem de De Saussure à qual fazia alusão h :'t pouco, só a privilegio
aqui por seu v alor de imagem, é aquela em que ele procura mostrar
qual é a espécie de i dentidade própria do significante, tomando o exemplo
do expresso das 10: 1 5 h s. O ex presso das 1 O :1 5 h s, diz ele, é algo
per l'cit a rncn tc definido c m sua iden tidade, é o expresso das 10:1 5 hs,
a pe s a r de que , 111a1 1i f'cstarncnt c, os clife rentes e xpressos das 1 O: 1 5 hs
qu e se suce de m se mpre idênticos a cada dia , nfw terem absolutamente,
ne m em seu material, e até m esmo na composição de sua cade ia, s enão
elem entos, e mesmo uma estrutura real diferente. É claro, o que há de
verdade em uma t a l af'ir mação su põe, precis a mente, na constitu içã o
de um ser como aquele do expresso das I O: I 5 hs, u m fabuloso encadeamento
de orga n i zação signif'i can te que deve entrar no real por interm édio d e
se re s fala dos. Hesta que i sto te m um valor d e alguma maneira e xe m plar,
para definir o que quero dizer quando profiro, de entrada, o que quero
t en tar articular para vocês, [ que ] são as leis da i d entificação en quanto
iden tifi cação de significantes. Assinalemos ain da, como um lembrete,
que para nos atermos a uma oposição que seja para vocês um suporte
suficiente, o que se opõe a esta, a quilo de que ela se d istingue , que
necessita que elaboremos sua função, é que a i dentifi cação da qual ela
se d istancia é a i den tificação imagin ária , a quela da qual, há muito
tempo, cu ten tava mostrar a vocês o ex tremo no plano de fundo do
está dio 1 1 do espelho, no que eu chamarei de efeito orgânico da imagem
do s cmcll1antc, o cfci l o de assimil ação que apreen demos em tal ou tal
ponto da história na tural, e o exemplo que me agradou mostrar in

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lição de 22 de novembro de 1961

vitro, sob � forma desse pequeno animal que é chamado de grilo pl' ll 'J', l'i r ro,
d e cuja evolução vocês sabem, o crescimento, a aparição do q 1 11· s«·
c hama de conju nto ele fân cros, o que, como podemos vê-lo e m s 1 1 a
l'orma, depende, de alguma maneira , de u m e ncontro q ue se p rn d 1 1 1.
em tal momento d e seu desenvolvimen to, <los es tági os, <l as fase s da
t rans formação l arv ária, ou s egundo lh e tenham ou não apa recido u111
certo número d e traços da imagem de s eu s emelhante, ele evolu irá 0 1 1
não, s egundo o caso, segundo a forma que chama mos d e solitária o u a
forma que cha mamos de gregária. Não sabemos absolutamente, só sabemos
m es mo muito poucas coisas sobre escalões d esse circu i to orgânico que
aca rretam t ais ef eitos. O qu e nós s ab e mos, é qu e é assegu ra do
experimentalmen te. O rden emo-lo n a rubrica geral dos ef eitos d e imagem
da qual encontraremos to d as as espécies de for mas cm níveis muito
diferentes ela física e até no mundo in animado, vocês sabem, se definimos
imagem como todo arranjo físico que tem por resultado constitu ir u ma
concord ância biunívoca entre dois sistemas, cm qualqu er nív el qu e
s eja. É uma fó rmula b e m apropriada, e que se aplicará tanto ao efeito
qu e acabo de d izer, por exemplo, quanto àqu ele d a formação d e u m a
imagem, mesmo virtual, n a natu reza, pelo interméd io d e uma superfície
plan a , sej a a de um espelho, ou a que evoqu ei há alg um tempo, da
superfície do lago que rellctc a montanha.
Isso quer di zer q ue, co1 110 é a tendência, e tc11dê11cia que se espalha
sob a influência de u m a espécie, cu diria, ele emb riagu ez, que alcança
reccn le mcnte o pen samen to científico pelo fato el a irrupção do qu e
não é, 110 fu ndo, senão a d escoberta da dimensã o d a cadeia sign if icante
como tal, mas que, d e to da s as espécies de man eiras, vai ser reduzid a
p o r esse pens amento cm termos mais simples, e mais precisamente é o
que se exp rime n as t eorias d itas da informação ; isso qu er d iz e r, qu e
s ej a justa, se m outra conotação, a nossa resolução cm caracterizar a
ligação entre os dois s istemas, nos quais u m é po r relação ao outro, a
imagem, por essa idéia d e informação, que é muito geral, implicando
certos camin hos percorridos por es sa coisa qu e veicula a conco rd frncla
biunívoca ? É aí qu e se encontra u ma gran d e a mbigüidade, quero d i ze r,
aqu ela qu e só po d e cheg a r a nos faz er esqu ecer os níveis p rópri oi; do
que eleve comportar u ma in formação, se queremos dar-lhe um 1 1 1 1 1 ro
valor além d aquele v ago que só chegaria, afinal de contas, a da r 1111111
espécie de reintcrp retaç,io, d e falsa con sistência, ao que, a i (• a q 1 1 I , I ra via

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A Identificação

sido s ubsumido , e isto, desde a Antig üidade a té nossos dias, sob a noção
da forma, algo que pega, envolve, coma nda os elementos, dá -lhes um
cer to tipo de finali dade que é, no conj un to da ascensão, do elemen tar
a té o complexo, do i na nima do a té o a nima do. É algo que tem, sem
d úvi da, se u enigma e se u valor próprio, s ua ordem de reali da de, mas
q ue é diferente - é is to que pre ten do ar ticular aqui com vocês com
toda a s ua força - do que nos traz de novo, na nova perspectiva cie ntífica,
a valorização , a distinção do que é trazido pela experiência da ling uagem
e do que a relação significa n te nos permi te intro d uzir como dimensão
original que se tra ta de dis tinguir ra dicalme n te do real , sob a forma da
dime nsão simbólica. Não é, vocês vêem, por aí que abordo o problema
do que vai nos permi tir dividir essa ambigüi da de.
Mesmo assim,já disse o suficie n te para q ue vocês saibam, que te nham
se n ti do, apree ndido nesses elemen tos de informação significa n te, a
originalidade que carrega o traço, digamos, de serialidade que ele comporta,
traço discreto quero dizer, de corte, is to que Sa ussure não ar tic ulo u
mel hor, nem de o utra maneira, a não ser dizendo que o que os caracteriza
como cada um, é ser o que os o u tros não são. Diacro nia e si ncronia são
os termos aos quais indiq uei que se referissem, mesmo que tudo isso
não es teja plenamente ar ticula do, a distinç ão devendo ser feita desta
diacro nia de fato, [a qual ] é mui freqüenteme nte some nte o que é visa do
na ar ticulação das leis do sig nifica n te ; há a diacro nia de direi to por
o nde reenco ntramos a es tr u tura. Da mesma forma, para a sincronia,
implicar a sim ul ta nei da de vir tual em qualquer s ujeito s upos to ao código
não é dizer tudo sobre ela, pois é tor nar a enco n trar aquilo que na
úl tima vez l hes mos trei, que para nós há aí uma entida de ins us tentável.
Quero d izer, por ta nto, q ue não po demos nos co n tentar de ne nhuma
ma neira em recorrer a isso, porque é apenas uma das formas do que
denunciei no fim de meu discurso da úl tima vez, sob o nome de s uje ito
s upos to saber.
Eis aí porque começo des ta maneira , es te a no , minha intro d uç ão à
q uestão da identi ficação, é que se tra ta de par tir da própria dificulda de,
aquela que nos é proposta pelo próprio fa to de nossa experiência, de
o nde ela par te, disso a par tir do qual nos é necessário ar ticulá-la, teorizá­
la. É que não podemos, de modo al gum, nem seq uer como aproximação,
prom essa de futuro, re ferirmos, como I legel o f'az, a al guma concl usão
possível jus tamente porque não temos nenhum dir ei to de colocá -la como

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Lição de 22 de novembro de 1961

possível - do sujeito em algum saber absolu to. Esse sujeito suposto saber,
temos que aprender a prescindir dele em todos os momentos. Não po demos
recorrer a ele em nenhu m momento, isto está excluído por uma experiência
que já temos após o seminário sobre o desejo e sobre a in lcr pretaçiio -­
primeiro semestre que foi publicado -é pre cisamente o que me pareceu,
em todo caso, não po der es tar suspenso desta publicação, po is aí está o
final de to da uma fase de ensino que f izemos ; é que esse sujeito que é
o nosso, esse sujeito que gos taria hoje de interrogar para vocês a propósito
do per curso car tesiano, é o mesmo que nesse primeiro semestre cu disse
que não po deríamos aproximá-lo além do que fiz com esse sonho exemplar
que o articula inte iro em torno da frase: " Ele não sabia que estava
morto".
Com to do r igor, es tá aí , co n tr ar iame nte à opinião de Poli tzer, o sujeito
da e nunciação, mas [é] em terceira pessoa que po demos designá-lo.
Isto não quer dizer, é claro , que não possamos aproximá -lo em primeira
pessoa, mas será pre cisame nte saber que ao fazê-lo, e na exper iên cia
mais pateticame nte acessível, ele se f urta, porque traduzi-lo nessa primeira
pessoa, é a esta frase que chegamos, a dizer o que podemos dizer justamente,
na medi da prática na qual po demos confro n tar-nos com esta carruagem
do tempo, como diz Joh n Donne, "hurrying near", ele nos esporeia, e
nesse momen to ele suspensão em que podemos prever o momento úl timo,
aquele pre cisame nte no qual tu do nos abandona, nos dizer : " Eu não
sabia que v ivia por ser mortal ". Está bem claro que é na med ida em
que po demos dizer tê-lo esquecido quase a todo instante, que seremos
pos tos nesta incerteza para a qual não há nenhum nome, nem trágico,
nem cômico, que possa nos dizer, no mome nto de aban do nar nossa
vida, que fomos sempre, à nossa própria vida, de alguma maneira, estranhos.
É aí que está o fundo da interrogação filosófica mais moder na, aquilo
pelo que, mesmo para aqueles que, se posso dizer, só o compreendem
muito pouco, inclusive aqueles que dão tes temunho de seus sentimentos
de obscuri dade, mesmo assim algo se passa, d iga-se o que quiser, alguma
co isa passa difere n te da o n da de uma moda, na fórmula que nos lembra
o fu n damento ex iste ncial do ser para a morte.
Isto não é um fe nômeno continge nte, quaisquer que sejam as causas,
quaisquer que sejam as corrclaçôes, inclusive seu alcance, po de -se dizer
que o que podemos chamar de a profanação dos h'Tandes fantasmas fo1:jados
p ara o desejo pelo modo do pensamento religioso, está aí o que nos dcixar;'1

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A Identificação

c l , .. . , ·1 1l ,n 1 1 1s , inermes, suscitando esse oco, esse vazio, ao qual a meditação


l i l l l',, ,Jf ra 1 1 1o clcrna se esfo rça por respond er, e ao qual nossa experiência
1 , ·1 1 1 1 ;111 1 1 ,(i m algo que contribui r, pois que é aí seu lugar, no ins tan te em
• 1 1 11· d(·sig110, suficientemente, o mesmo lugar no qual o sujeito se consti tui
, ·rn110 não podendo saber precisamente o porque se trata aí para ele do
· 1 i 1do. i\í está o valor <lo que nos traz Descartes, e porque foi bom parlir daí.
,:: por isto que volto a isso hoje, pois conv ém percorrer, para dimensionar
1 1 ovalllente o importan te daquilo que vocês puderam ouvir do que c hamei
ck illlpasse, até mesmo o impossível do "cu penso, logo sou ". É exa tamente
c ·sse i mposs ív el qu e cons titui o preço e o valor desse suj ei to que nos
p rn piie Descartes, se não es tá a í se1üo o suj eito cm torno do qual a
<"11gi tação sempre girou an tes, gira desde e 1 1 L;io, é claro que nossas o�jeçiies,
l' I I I nosso último discu rso, ganha m todo o s eu peso, o p róprio peso

i mplic ado na etimologia do verbo francês pensar, que não quer dizer
ou tra coi sa s enão pesar; o que funda r sob re cu penso, se sab emos, n ós
anal is tas, que isso cm que eu penso, que podemos apreen der, remete a
um ele que e de onde, a partir do qual penso que se sub trai necessariamen te.
E é porque a fórmul a de D escart es nos interroga para saber s e não há
ao m enos es te pon to privilegia do do eu penso puro, sobre o qual n ós
possamos nos fundar; e é porque é ao menos importan te qu e eu os
detenha aí um ins tan te.
Essa f"círrnula parece implicar que seria nec essário que o sujeito s e
preocupasse cm p ensar a todo instante, para assegurar-se d e ser, condição
já bem estranha, mas ainda sufic ien te? Bas ta qu e ele pense se r, para
alcançar o ser p ens an te ? Pois é justamen te aí que Descartes, nessa
in crível magia do discu rso d as primeiras duas Meditações, nos deix a
suspenso s. Ele chega a fazer sustentar, <li go , crn seu tex to, não o momen to
cm que o professor de filosofia lenha pescado o signi Hcan tc, mas most rará,
mui to facilmen te, que o artifício, que resulta cm formul ar que assim
pens ando, eu posso me diz e r uma cois a que pens a, é mui to facilmen te
refu tável, mas que não re tira n a d a <la forç a de progresso do tex to, além
cio que dev emos in terrogar es te ser pensan te, pergun tarmo-nos se não
(· o parti cípio de um scrpensar [Nrepcnserl, escrito no in fini tivo e em
t 1 1 1 1 a sú palavra : e u .� crpcnso U 'êtrcpcnsc], como s e d iz j 'outrecuide ,
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l·omo nossos hábitos ele analistas nos fazem dizer eu compenso Ue compense],

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Lição de 22 de novembro de 196 1

in clusive eu descompenso [je décompense] , eu solrre-compc11.w [je rn r


compense'] . É o mes mo termo, e igualmente legítimo em sua composic,:flo.
Des de então, o eu penser u [je pensêtre] que nos propusemos para aí
nos introduzir, pode parecer, nesta perspectiva, um artificio mal tole rável,
pos to que , ao formular as coisas deste modo, o se r já dete rmina o registro
n o qu al se in augura todo o meu percurso; es te eu penser Ue pensêtre ] .
e u lhes disse n a ú ltima vez, não pode , mesmo n o tex to de Descartes,
conotar-se m ais do que com traços de engodo e de aparência. Eu penser
[je pensêlre l n[to c arrega consigo ou tra consistência maior que a do
sonho, na qu al Descartes c l'ctiv amcn le, c m vá rios momen tos de seu
perc u r so, no s deixo u suspen sos. O eu penser [jc pensêlrel pode também
co1 1juga r-se co1 1 10 1 11 1 1 ver bo, 1 1 1as isto 1 1 :f o vai lo11gc, eu pcnser [jc pcnsêt.re J,
lu pcnscrcs J t n /JC11sêtrcsl, co m o s 1 1 0 f'i1 1 al, s e quiserem, o que pode
continu ar ain da, inclusive ele penser [ i l pensêtrc]. Tu do o que podemos
dizer é que se fazemos do tempo do ve rbo uma espécie de in finitivo
pcnscr [pensêtrerl, só podemos evocá-lo pelo que se esc reve nos dicionários,
que todas as outras formas , passada a te rceira pessoa singular do presente ,
não são usadas cm francês. Se quisermos fazer humor, acrescen taremos
q ue elas são completadas comumen te pel as mesmas formas do verbo
complemen tar de pcn(ser)ar Jpensêtrcrl, o verbo s 'empêtrcr. 1 ·1
O q ue isso quer d ize r? Que o ato de serpensar Jêtrepenserl, porque é
disso qu e se tr a ia, não desemboca, para aquele que pensa, senão em
u m pode ser eu? [ peut-êlre je?J, e não sou tampouco o p rimei ro nem o
único a ter observado desde sempre, o traço de con trabando da in trodução
desse cu [je] n a conc lusão: " Eu penso, logo sou ". Fica c laro que esse eu
[je J fica cm est ado p roblemático, e que até o passo seguinte de Descartes,
e ver emo s qua l, 1 1 :io h,í nenhuma raz,io para que ele seja prese rvado do
qu estio1 1a1 1 1e11lo lo lal que Desca rtes í'az de todo o processo , pelo perlilamento
dos fu ndamen tos desse p rocesso, da função do Deus engan ador; vocês
s ab em que e le vai mais além , o Deus en ganador é ain d a um bom Deus ;
por estar ali, por alimentar ilusões, chega até ao gênio maligno, ao
men tiroso ra dical, àquilo que me extravia por ex traviar-me, é o que
chamamos a dúvida hiperbólica. Não se vê de nenhuma maneira como
essa dúvida pode poupar esse eu LJe] e deixá-lo, entretanto, fal an do
p ropriamente, em uma vacilação fun damental.
Há duas maneiras de a rticular essa vacilação. A articulação c l ;íssica
que encontrei com p razer, que já se encontra n a Psicologia ele llni 1 1 1a 1 1 0,

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