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Estante do Clóvis Volume 2

Platão: Parte 2

Eu tinha dito que voltaríamos para continuar o raciocínio que


estávamos desenvolvendo, isto é, a dimensão pedagógica da
República de Platão. Então, se promessa é dívida, aqui estou eu.

Então veja se nós temos, a rigor, três partes da alma. Nós também
temos três tipos de alma: a alma, onde o nous se destaca, a alma
onde o thymos se destaca e a alma, onde o baixo ventre se destaca.

E nós temos, claro, uma vez dividida a população nesses tipos de


alma, nós temos toda facilidade para distribuí-los em grupos
sociais, aonde alguns poucos governarão porque têm o nous
destacado, outros, outros tantos, se ocuparão da segurança da polis
interna e externa, porque tem thymos destacados e a maioria
sapateiro, coisa comerciante, boa pá, explicador desses negócio,
curso online de como ganhar dinheiro, como ficar, rico do zero ao
milhão, 50 dicas para ser feliz, etc.
Então qual é um pouco a ideia da história? A ideia da história é que
você só vai viver bem e é por isso que A República é um livro que
também se preocupa com a felicidade,você só vai viver bem se
você tiver bem escalonado na sociedade, ou seja, se a tua natureza
não estiver sendo agredida pelo teu pertencimento social.
Você só vai viver bem se você estiver ajustado, ou seja, podendo ser
quem você é e aonde você vive e como você vive.
E a educação deve permitir isso, se permitir isso. Então, nesse
sentido, nós vamos dar a quem tem o nous destacado, nós vamos
dar condição de desenvolver um espírito, pensar cada vez melhor,
produzir, abstrair cada vez mais, abstrair, abstrair, abstrair.

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Você imagina a distância que existe entre um um filósofo astrofísico
hoje, que está na crista da onda, produzindo física astronômica e
refletindo filosoficamente sobre isso.
E um fulano que vende caderno numa papelaria, então, já há a
distância espiritual que há entre os dois. O primeiro faz circular na
sua mente uma tonelada a mais de ideias por dia do que o segundo.

Por outro lado, não é impossível que esse dono da papelaria acabe
fazendo uma rede de papelarias, essa rede de papelarias acabe
vendendo também artefatos para o mundo digital e blá blá blá.
E esse fulano aqui, o papeleiro, acabe tendo muito mais dinheiro do
que o primeiro. Já não está excluído isso.
Mas a Paidéia é a educação que busca dar o aperfeiçoamento,
condições para o aperfeiçoamento de cada um naquilo que é a sua
praia, naqueles que são os seus limites.

Eu sei que isso pode ser chocante para você, porque talvez no teu
imaginário, você tenha sempre pensado que todo mundo merece
uma segunda chance, que não é porque você nasceu com o nariz
torto que você não possa virar o Gianecchini,não é porque você
nasceu, digamos, mais acanhado de intelecção, que você não
possa se superar e virar o Einstein não é porque você nasceu poeta,
bundão, que você não possa se tornar o minotauro Minotauro que
eu digo não o da mitologia, mas o do MMA. Eu sei que nós fomos,
digamos, educados com essa pegada, mas não é a de Platão, a de
Platão. Seguinte, se você nasceu assim, frouxo, não gosta de
confusão pro seu lado tranquilo e tal, botar você, no MMA, é uma
crueldade.

Você poderá até eventualmente se esforçar, mas está jogando fora

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de lugar, está jogando fora de lugar. Agora, se você é um bebê que
já nasceu arrumando confusão no berçário, aí sim você vai estar no
lugar certo se tiver sendo preparado para o enfrentamento.

Existe um determinismo da natureza na distribuição dos talentos e


na distribuição dos recursos naturais que tem que ser respeitado
não pode ser agredido ou violentado.

Então, nós temos aí um segundo ponto da Paidéia importantíssimo.


Eu queria também propor, finalmente, que quando a obra começa, a
obra começa com Sócrates descendo ao Pireu, a Acrópole no alto
porto de Atenas, no baixo Pireu, e Sócrates desce ao Pireu. Essa
descida, essa catábase, é uma descida geográfica, topográfica,
mas é uma descida simbólica.

Indica que Sócrates sai da Acrópole, isto é, do nível de intelecção e


capacidade de abstração que ele está para aí lá embaixo, tipo
voltar para o interior da caverna, para, no calor da vida, na pólis,
debater com almas que são ou meramente acumulativas, de
terceiro tipo ou almas secas de glória, aplauso e reconhecimento,
que são as almas de segundo tipo.

Quer dizer, Sócrates sai para fazer um trabalho educativo, um


trabalho de, eu diria, um trabalho de mestre de pensamento com
vistas a tornar Atenas uma cidade mais bem educada e, portanto,
com gente mais feliz dentro dela.

É, evidentemente, a República, a politeia termina com uma alegoria


o mito de Er, que é o processo contrário anábase é a subida, ou seja,
um pouco Sócrates voltando para a Acrópole, com Sócrates saindo
da caverna de novo, Sócrates voltando para o lugar, digamos que

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ele é mais familiar, que é no meio das ideias eu termino essa minha
aula e uma vídeo aula com uma última alusão que me parece
corroborativa, dessa perspectiva pedagógica da República, dessa
perspectiva, Platão educador, Platão, educador revolucionário, como
o nosso maior intelectual, Paulo Freire também o foi no seu tempo.

E eu me refiro a uma outra alegoria que Platão tem que você tem,
assim como se fosse uma charrete Eu vou adaptar tudo.

Não venha me dizer que não tinha charrete na época ou sei lá, lá eu
vou adaptar tudo tal como deve fazer um explicador que não está
preocupado com o que é menos importante.

Então vamos lá. Uma charrete, essa charrete ela tem, digamos,
alguém que conduz a charrete, e ela tem dois cavalos, um cavalo
preto, um cavalo branco.

O cavalo preto é representativo, digamos, das nossas forças de


baixo ventre, das nossas forças desejantes, da nossa busca de
prazer.

O cavalo branco é representativo da nossa busca de glória, da


nossa busca de reconhecimento, da nossa busca de aplauso, da
nossa busca de um bem. Então, por acaso Platão, nesse mito,
manda matar os dois ca
valos? Não, de jeito, veja só, de jeito não tem que matar nada.

Porque? Porque no final das contas isto aqui e é alguma coisa ligada
à nossa vida, à nossa essência de natureza, à nossa essência de
natureza. Então não tem como eliminar o cavalo branco tão pouco o
cavalo preto. O que assim é que ter um cocheiro capaz de fazer a

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gestão mais adequada possível.

E isso não significa necessariamente uma tirania da razão, mas isso


significa uma lucidez para entender a pujança dos cavalos, a
importância dos cavalos, a necessidade dos cavalos e a
necessidade também de um nous que define para onde o cavalo
tem que ir, digamos assim.

Então, nesse sentido, o trabalho é um trabalho pedagógico, porque?


Porque antes de mais nada, porque não nascemos sabendo antes
de mais nada, porque precisamos de educação. Antes de mais
nada, porque a vida boa de humanos, ela não é só uma questão de
natureza, mas ela é uma questão de natureza trabalhada, natureza
aperfeiçoada, natureza desabrochada, natureza desenvolvida. E isso
não se fará no fluxo da correnteza, apenas vivendo, apenas
deixando a vida nos levar.

Não, deixar a vida nos levar e continuar dentro da caverna, deixar a


vida nos levar e permanecer deseducado. A paideia pressupõe
esforço.

A paideia pressupõe rigor. A paideia pressupõe força de espírito


para que a vida educada possa nos trazer o que há de melhor para
existência de homens e mulheres. Eu espero que você tenha curtido
essa vídeo aula de Platão.

Fomos além. Como prometido, oferecemos uma nova perspectiva e


se o mundo nos permitir, não pararemos aí, porque Platão pode nos
levar a infinitas reflexões, todas elas maravilhosas, para a nossa vida
e o nosso pensamento. Era isso. Valeu! Até a próxima!

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