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504-65
SEMINÁRIO DE LITERATURA – PROF. RODRIGO GURGEL
Platão: A República
Transcrita por:
Luiz Gustavo Matthiensen
Aline Silva Dexheimer
Simone
Janaina Carvalho
Hoje, então, nós vamos retomar a leitura da República de Platão no livro terceiro da
República. Eu sei que tem muita gente nova chegando por aí, e algumas pessoas estão
começando a, talvez, teu primeiro contato com Platão; de fato, nós não estamos aqui
lendo um romancinho da Agatha Christie. Quer dizer, nós estamos num outro patamar
de literatura, nós estamos num outro patamar de texto. Nós estamos num texto em que
há toda uma argumentação, toda uma troca de idéias, de maneira que quem chegou
agora e nunca leu Platão o mais normal que pode acontecer que essa pessoa se sinta
realmente insegura. Agora, para isso, nós temos as primeiras aulas que já foram dadas
a respeito da República, a respeito de Platão, e temos também os áudios, os áudios das
quartas-feiras, já temos vários áudios que eu enviei no ano passado, esclarecendo a
questão desse formato de escrita, desse gênero de escrita, que é o diálogo. Então é
importante ouvir os áudios, e começar a entender o porquê do Platão ter escolhido esse
formato para escrever. Agora, dificuldades todos nós temos, meus casos, todos nós
temos. Quer dizer, não achem que, por exemplo, quando eu olhei Platão é uma leitura
como se eu tivesse lendo uma revistinha da Turma da Mônica, porque não é. Quer dizer,
eu também preciso pensar, preciso parar, preciso meditar a respeito do que eu estou
lendo. Muitas vezes preciso consultar livros, preciso ir em busca de algumas
informações, revejo minhas antigas anotações. Eu também preciso manter um diálogo
com o texto, um diálogo aprofundado, calmo, silencioso. Essa Aula, por exemplo, eu
demorei um dia e meio para preparar para vocês. Por que? Porque nós estamos
analisando o Platão, não é assim uma coisa banal. Ainda que não seja ficção, seja
filosofia, mas ela exige de nós um prepare, um cuidado É um exercício de atenção,
qualquer pessoa que se debruçar, que acompanhar as aulas, que ouvir os áudios ela
pode perfeitamente entender o que está acontecendo. Não é nenhum bicho de sete
cabeças, não é algo, hermético, impossível de ser alcançado, de jeito nenhum. E
lembrando também o seguinte, os grandes clássicos, eles nunca se entregam para nós
numa primeira leitura, assim de cara; não, eles pedem que a gente insista. Hoje vocês
estão lendo a República, se daqui dez anos vocês forem reler este livro, vocês vão ter
outra percepção, completamente diferente. E se vocês deixarem passar mais dez
Depois, há um segundo filtro, que é o filtro midiático. A mídia filtra aquilo que ela vai
trazer ou não para os seus leitores, para os seus ouvintes. E depois, há outros filtros. Por
exemplo, um pai de família pode tomar a decisão de não contar para os filhos pequenos
o que de fato está se passando no país, ou a informação que ele recebeu.
Compreendem?
Agora, o Estado é sempre paternalista, sempre trata o cidadão como uma pessoa de
segunda categoria, que não tem capacidade para tomar as próprias decisões, que não
tem capacidade para dar o rumo que ele bem desejar à sua própria vida. Quer dizer, a
nossa liberdade é muito limitada, inclusive porque nós não sabemos tudo o que está
acontecendo verdadeiramente, realmente, concretamente. Nós não temos acesso a
isso. E eu estou me referindo a todos os governos. Todos agem da mesma maneira.
Então, vejam. Ainda que o Sócrates coloque essa ideia da mentira de uma maneira
absolutamente concreta, direta e que isso possa nos causar uma impressão negativa,
como se ele estivesse dizendo um absurdo, se a gente for verificar como os Estados
atuais funcionam, nós vamos ver que há um tremendo controle das informações.
Isso ocorre mais ou menos no início do livro III. Essa ideia da mentira dos governantes
retorna depois, no final do livro III, e aí nós vamos voltar a falar dela com mais detalhes.
Agora, na opinião do Sócrates, esse segundo caso, quando o autor imita um personagem
que ele criou ou que existe verdadeiramente e ele está incluindo na sua história, esse
segundo caso seria um problema para a cidade ideal platônica. Essa cidade ideal que é
proposta na República. Exatamente porque exige que uma pessoa imite outra. Quer
dizer, o autor está imitando outra pessoa no seu texto. Então, do ponto de vista
platônico isso é um absurdo porque vai contra a ideia que Platão tem de que cada pessoa
deve ser apenas o que de melhor pode existir. Ou seja, a pessoa precisa ser ela mesma
A gente vai voltar a esse tema no Livro X da República. Mas aqui e não só no livro III, no
Livro II também, a gente pode entender que para Platão a Poesia se ocupa de ficções e
que estas ficções, muitas delas, são condenáveis, são mentiras que são realmente más.
Homero, Hesíodo, os grandes dramaturgos gregos, ao invés de apresentarem Deus os
os deuses como fonte de todo o bem, eles apresentam uma coleção de deuses
antropomórficos, barulhentos, falsos, violentos. E esses poetas também expõem os
heróis como pessoas emotivas, como pessoas até covardes e expõem também homens
maus, homens que prosperam graças à maldade. E apresentam homens justos que são
tratados como miseráveis e isso não pode acontecer. Vejam que aqui nós encontramos
um conceito caro a Platão e depois também a Aristóteles que é o conceito de mimeses,
que é o conceito de imitação e esse conceito vai ocupar um lugar central na Poética
platônica, vamos ver isso no Livro X.
Mas o que o Platão diz? Ele usa a voz de Sócrates para nos dizer que certos poemas nos
dizem apenas o que aconteceu e que outros poemas não. Eles efetivamente imitam o
que aconteceu, como os dramas, como as tragédias, por exemplo. E que esses que só
imitam o que aconteceu, esses que não são reflexos diretos da realidades, esses são os
mais perigosos, porque são os que mais contagiam, que mais influenciam as pessoas, na
perspectiva platônica. E um homem que tenha de atuar, agir de forma séria e de forma
responsável, ele não pode ser formado por esses textos, ele não pode ter acesso a esses
textos. Mas essas ideias, como eu disse, vão ser mais desenvolvidas no Livro X, que
Agora, a mesma preocupação vai se repetir depois, quando Sócrates começa a falar dos
ritmos musicais.
Aqui eu não tenho como entrar em detalhes com vocês, porque eu nunca estudei a
música na Grécia antiga e eu teria de fazer um longo estudo a respeito dos tipos de
música existentes naquela época e também um estudo a respeito da música no
pensamento platônico, coisa que eu nunca fiz, pois a minha área sempre foi a literatura.
De qualquer forma, o importante é a gente saber que da mesma forma do que ele
propõe na poesia, na música também só os tipos adequados para representação de
homens que sejam equilibrados e que sejam corajosos, só estes ritmos e estas músicas
serão permitidos.
Dessa forma nessa cidade estado ideal a educação quer ensinar o homem a amar a
beleza e odiar a feiúra e isso tem de ser ensinado desde a mais tenra idade para que isso
se torne instintivo e se torne de tal maneira instintivo, se torne de tal maneira inerente
à condição dos cidadãos que isso vai fazer com que, naturalmente, eles amem a razão.
Essa é a ideia platônica aqui.
É preciso fazer uma observação no sentido de que nós temos que perceber que os
objetivos de Platão, enquanto pensados como política de estado podem, pra nós,
aparecer como algo inaceitável. Mas vejam que se a gente retirar algumas sugestões,
não todas, mas se a gente pinçar algumas sugestões interessantes que ele faz sobre a
formaçao dos guardiões e usarmos essas sugestões pensando na formação individual
das crianças, sem o peso de uma lei estatal, nós vamos ver que muitos dos conselhos
são aceitáveis.
E aí o Sócrates continua:
- Não é então por este motivo, ó Glauco, que a educação pela música é capital, porque
o ritmo e a harmonia penetram mais fundo na alma e a afetam-na mais fortemente
trazendo consigo a perfeição e tornando aquela perfeita se se tiver sido educado? E
quando não, o contrário? E porque aquele que foi educado nela como devia, sentiria
mais agudamente as omissões e as imperfeições no trabalho ou na conformação natural
e suportando-as mal, e com razão, honraria as coisas belas e acolhendo-as
jubilosamente na sua alma, com elas se alimentaria e tornar-se-ia um homem perfeito.
Ao passo que as coisas feias, com razão as censuraria e odiaria desde a infância, antes
de ser capaz de raciocinar. E quando chegasse à idade da razão, haveria de saudá-la e
reconhecê-la pela sua afinidade com ela, sobretudo por ter sido assim educado.
Quer dizer, a nossa educação está repleta dessas idiotices hoje. É só uma observação
que a gente precisa fazer em relação ao texto desse Livro III.
Quer dizer, uma criança exposta a ritmos e a harmonias mais elaborados, mais
complexos, mais sutis, e menos primitivos, menos tribais, sem dúvida alguma a
educação dela será mais aperfeiçoada. Ao menos a sua sensibilidade será mais
aperfeiçoada.
Nós não estamos falando aqui de censura e nós não estamos defendendo censura, nem
a censura estatal. Nós estamos pensando em termos pedagógicos, exclusivamente
pedagógicos.
Mas o Platão vai falar a respeito do amor nesse livro terceiro. E ainda assim um certo
tipo de homossexualismo seja aceito há limites evidentes, e esses limites pelo que a
gente entende do texto eles não chegam a permitir o ato sexual. E este, talvez seja o
verdadeiro sentido do amor platônico.
Quer dizer, o que é o amor platônico?
É aquele amor que exatamente como a arte, exatamente como a poesia, como a música,
ele precisa servir à virtude e não ao vício.
O objeto do afeto de um home ele deve ser tratado como? Quer dizer, um home que se
apaixona por um jovem?
Ele tem que tratar esse jovem como se fosse o seu próprio filho. Porque o objetivo do
seu amor não é o ato sexual, e não pode ser o ato sexual, mas o objetivo dele é produzir
no amado o nascimento de pensamentos melhores e de pensamentos belos, não é?
Agora, e toda conduta que ocasione escândalo ou mal-entendido ela deve ser suprimida.
As relações não devem ser viciosas de forma alguma, porque isso representaria ir contra
a vida virtuosa. Além claro de ser um ato de grosseria.
Mas quando a gente lê Platão com atenção a gente vê que para ele a relação sexual em
sí para ele é como se ela não tivesse nenhum fim útil. Como se a relação sexual não
tivesse nenhuma finalidade útil para a cidade, para a Polis. E as próprias relações
heterossexuais tinham que ser só toleradas, porque? Porque elas são necessárias para
a procriação.
Agora as relações homossexuais não, elas não servem para nenhum outro fim que não
seja o do prazer físico.
E ai o que o Platão vai fazer? Ele vai construir uma comparação muito interessante entre
os juízes e os médicos nessa parte do texto, chegando a conclusão que a arte da
medicina ela deve ser comparada a justiça virtuosa.
Ou seja, e aí vem a coisa, ele praticamente defende a eutanásia. Da mesma forma que
um bom médico vai deixar que morram aquelas crianças que são mal constituídas ou
aquelas pessoas que são mal constituídas, em termos corporais, essas pessoas de saúde
imperfeita, e porque o médico vai fazer isso? Para impedir que essas pessoas gerem
filhos imperfeitos, da mesma forma aquelas pessoas que são de alma perversa que tem
alma perversa e incurável esses criminosos precisam ser mortos pelo Estado. É um
verdadeiro regime totalitário, não é?
Inclusive prática que está sendo usada em muitos países, não é? Tem vários países que
se a criança no ventre materno é diagnosticada com síndrome de Down, essa criança
tem que ser necessariamente abortada.
Há aí, isso é muito interessante, é uma coisa que nós precisaríamos estudar: como as
leis da Eugenia e todas aquelas ideias que foram defendidas pelo Nazismo, inclusive, de
purificação da raça, de purificação da etnia, elas hoje se transformaram em políticas de
estado.
A gente lê isso aqui no Platão e fica horrorizado, “nossa pelo amor de Deus quem for
imperfeito tem que ser morto para não gerar filhos imperfeitos? Isso é um absurdo”.
Os governantes então deveriam ser escolhidos dentre os guardiões que já são homens
maduros, vividos e que tenham demonstrado aí ao longo da sua existência um interesse
sincero em zelar com todo o empenho pelo bem da cidade, em fazer tudo o que for
vantajoso para a cidade.
E ao mesmo tempo esses guardiões não podem aceitar nenhum tipo de corrupção e
também não podem aceitar fazer algo que seja contrário ao bem público.
E para se alcançar isso, o que o Platão propunha?
Platão propõe então que os guardiões eles sejam vigiados desde a infância e eles
inclusive devem ser testados continuamente nas suas convicções, de maneira que você
progressivamente confirme se eles têm de fato amor pelo bem público. Se eles de fato
amam a cidade. E mais, o Platão diz que eles devem ser enganados e induzido ao erro
de maneira a serem testados nas mais diversas circunstâncias para ver como eles
reagem.
Então vejam, ressurge neste ponto, nós estamos quase no final do livro três, aquilo que
eu havia falado a necessidade de existirem mentiras nobres para serem contadas aos
guardiões e aos cidadãos.
E é quando então quando Sócrates vai inserir aqui a lenda fenícia que é uma parte
importante da República.
E o que é essa lenda fenícia?
Os fundadores da Polis eles vão contar para os seus cidadãos essa lenda fenícia, esse
conto fenício e eles vão tentar convencer, vão tentar persuadir os governantes e os
soldados e depois a cidade inteira de que o treinamento deles e a educação que eles
receberam foram coisas que eles imaginaram como se eles estivessem num sonho, mas
na verdade não foi um sonho. Na verdade, durante esse tempo que eles imaginaram
que estavam sonhando eles estavam sob a terra, estavam nos subterrâneos da Terra, e
ali nos subterrâneos o que aconteceu? Eles próprios com suas armas e todos os seus
equipamentos que eles os têm foram moldados e preparados para tomar conta da
cidade. E depois desse processo ter terminado então a Terra como mãe de todos, ela
deu a todos a luz, ela fez com que todos nascessem de modo que eles tinham que cuidar
Porque ela está deixando de cumprir a ordem estabelecida pelo deus, pela mãe Terra
ou pelos deuses e ela deixa de ser governada pela sabedoria e ela passa a ser governada
apenas pelos sonhos das paixões.
Então quando um homem abandona o plano divino, a vida se torna um pesadelo.
Aliás é o que eu publiquei uma vez, aquela frase da Simone Weil: “ A obediência a um
homem cuja autoridade não está iluminada pela legitimidade essa obediência é um
pesadelo”
Quando acende ao poder um governante nitidamente despreparado, quando acende ao
poder um governante de ferro e bronze e não de ouro, um governante destituído de
virtudes, o que acontece? A obediência dos cidadãos que são que são obrigados a viver
sobre a autoridade desse governante isso vira um pesadelo.
De qualquer forma essa é só uma das interpretações possíveis. Os estudiosos se
dividem.
Para alguns estudiosos na verdade o mito fenício ele é o esboço de um estado que ainda
está incompleto que ainda é imperfeito. Mas ao mesmo tempo esse mito demonstra a
segurança que todos os cidadãos querem, almejam, exigem para que as suas instituições
sociais permaneçam firmes, permaneçam estáveis e ter essa garantia firmada e
solidificada, alicerçada numa visão mítica, numa visão religiosa, isso significaria garantir