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504-65
SEMINÁRIO DE LITERATURA – PROF. RODRIGO GURGEL

Platão: A República
Transcrita por:
Luiz Gustavo Matthiensen
Aline Silva Dexheimer
Simone
Janaina Carvalho

0h05m08s até 0h31m37

Hoje, então, nós vamos retomar a leitura da República de Platão no livro terceiro da
República. Eu sei que tem muita gente nova chegando por aí, e algumas pessoas estão
começando a, talvez, teu primeiro contato com Platão; de fato, nós não estamos aqui
lendo um romancinho da Agatha Christie. Quer dizer, nós estamos num outro patamar
de literatura, nós estamos num outro patamar de texto. Nós estamos num texto em que
há toda uma argumentação, toda uma troca de idéias, de maneira que quem chegou
agora e nunca leu Platão o mais normal que pode acontecer que essa pessoa se sinta
realmente insegura. Agora, para isso, nós temos as primeiras aulas que já foram dadas
a respeito da República, a respeito de Platão, e temos também os áudios, os áudios das
quartas-feiras, já temos vários áudios que eu enviei no ano passado, esclarecendo a
questão desse formato de escrita, desse gênero de escrita, que é o diálogo. Então é
importante ouvir os áudios, e começar a entender o porquê do Platão ter escolhido esse
formato para escrever. Agora, dificuldades todos nós temos, meus casos, todos nós
temos. Quer dizer, não achem que, por exemplo, quando eu olhei Platão é uma leitura
como se eu tivesse lendo uma revistinha da Turma da Mônica, porque não é. Quer dizer,
eu também preciso pensar, preciso parar, preciso meditar a respeito do que eu estou
lendo. Muitas vezes preciso consultar livros, preciso ir em busca de algumas
informações, revejo minhas antigas anotações. Eu também preciso manter um diálogo
com o texto, um diálogo aprofundado, calmo, silencioso. Essa Aula, por exemplo, eu
demorei um dia e meio para preparar para vocês. Por que? Porque nós estamos
analisando o Platão, não é assim uma coisa banal. Ainda que não seja ficção, seja
filosofia, mas ela exige de nós um prepare, um cuidado É um exercício de atenção,
qualquer pessoa que se debruçar, que acompanhar as aulas, que ouvir os áudios ela
pode perfeitamente entender o que está acontecendo. Não é nenhum bicho de sete
cabeças, não é algo, hermético, impossível de ser alcançado, de jeito nenhum. E
lembrando também o seguinte, os grandes clássicos, eles nunca se entregam para nós
numa primeira leitura, assim de cara; não, eles pedem que a gente insista. Hoje vocês
estão lendo a República, se daqui dez anos vocês forem reler este livro, vocês vão ter
outra percepção, completamente diferente. E se vocês deixarem passar mais dez

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ouvinte anos, e voltarem a ler a República, vocês vão ter novas idéias, uma nova
compreensão, completamente diferente dessa experiência que vocês estão tendo hoje.
Então vamos começar. Então nós vamos retomar a leitura, como eu disse, a partir do
início do livro três. Um dos aspectos importantes que eu quero salientar para todos
vocês É que a gente não pode esquecer de uma coisa muito importante, quando nós
lemos os diálogos socráticos, os diálogos platônicos, desculpem, em que Sócrates é um
personagem. A gente não pode esquecer de que Sócrates, aqui nestes diálogos, em
todos os diálogos platônicos, é exatamente isso, é um personagem de Platão. Um
personagem é parcialmente criado pelo Platão, e parcialmente real. Agora, quanto ele
é real e quanto ele é ficção platônica, nós nunca vamos saber, ou pelo menos hoje, com
os estudos que nós temos, com os originais que nós temos, com o material de que nós
dispomos é impossível, a gente saber o quanto este Sócrates, que fala aqui, é uma ficção,
e o quanto ele é real. O que nós podemos fazer é comparar o Sócrates que aparece aqui
na República com o Sócrates que aparece em outros textos platônicos. Por exemplo, se
a gente comparar este Sócrates da República com o Sócrates da apologia, o texto que
Platão escreveu em que ele mostra Sócrates se defendendo perante os seus juízes, a
gente vê que as idéais socráticas ou supostamente socráticas sofrem pequenas
alterações, muitas vezes. Por exemplo, na apologia a morte ela não é apresentada como
um mau; a morte não é apresentada como algo de que nós precisamos ter medo do qual
nós temos que fugir. O Hades não é apresentado como um local de horrores. Agora, aqui
não. Aqui na República, especificamente neste livro três que nós vamos analisar hoje,
isso acontece. O Hades é apresentado como um lugar terrível. Os estudiosos, com base
nesse exemplo e em vários outros, eles chegam à conclusão de que com o passar do
tempo, à medida que o Sócrates, que o Platão ia se afirmando no seu pensamento, na
sua filosofia, aquele jovem que era antes um discípulo de Sócrates e que perde o seu
mestre, o que acontece? Ele continua a sua carreira como pensador, e ele vai, então, se
auto afirmando, ele vai criando as suas próprias idéias. Esse pensador independente,
esse Platão, ele cada vez mais usa esse personagem, Sócrates, para expor as suas
próprias ideias. É como se você fosse dar uma aula de literatura e dissesse assim: mas o
professor Rodrigo Gurgel falou assim assim, assado desse livro, de maneira que, eu me
lembro muito bem do que ele disse, vou colocar aqui pra vocês qual é a opinião dele. E
vamos supor que os alunos não tem como conferir se de fato eu disse o que você está
dizendo na aula ou não, mas fica ali a sua opinião dizendo que eu disse. É o mesmo que
acontece aqui com Platão e Sócrates. Inclusive, no caso específico da República alguns
estudiosos consideram que o livro primeiro, que nós já lemos, o livro primeiro, ainda
seria um retrato de como o Sócrates, o Sócrates real, de como o Sócrates histórico, pode
ter lidado com a busca da definição do que é, por exemplo, a justiça, que é o grande
tema que está presente em toda a República. Mas estes, alguns destes estudiosos,
dizem que no restante da obra, ou seja, na sua maior parte, o que nós temos são as
ideias e os projetos do próprio Platão. Criados, talvez, com o objetivo de completar as
ideias do Sócrates, daquele que foi o grande mestre de Platão. O que o que ocorre?
Ocorre que o Sócrates se transforma nas mãos do Platão em numa espécie de um
veículo, num instrumento para que o Platão exponha a sua própria perspectiva

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filosófica. Claro, que ao agir dessa maneira, é claro que Platão está reconhecendo a sua
dívida intelectual que ele tem com o seu professor, mas ao mesmo tempo ele também
se se apropria do extraordinário prestígio que o Sócrates tinha para defender as suas
próprias ideias, as suas ideias platônicas, seu ideal filosófico. Quer dizer, é um jogo de
mão dupla. Ao mesmo tempo, outra observação importante que precisa ser feita se
refere àquilo que, nas perguntas da nossa última aula, lá antes do Natal, aquela pergunta
que uma aluna colocou. Eu me lembro de que ela diz mais ou menos algo assim, que ela
se diz surpresa por descobrir um Sócrates que defende a censura. Defesa da censura
que aliás vai prosseguir aqui neste livro três. Nós não podemos esquecer que uma das
mais profundas convicções platônicas é a de que para que haja, para que ocorra um
progresso intelectual essa pessoa não pode receber o conhecimento passivamente de
alguns mestres, que era inclusive a maneira como Sócrates pensava. Mas para que ela
progrida intelectualmente, o que é necessário? Ela precisa trabalhar o seu caminho
intelectual através, percorrendo, os problemas que a vida apresenta para ela. E também
percorrendo as diferentes correntes de pensamento e avaliando tudo de forma
independente, avaliando todas as ideais de forma independente. Então eu volto a dizer
para vocês, esse método é fundamental, o conhecimento só se dá por meio da
investigação livre e do debate livre, do diálogo livre a respeito das ideias. Então, o que
isso diz para nós? Diz que nós temos que ler a República dessa maneira, dessa forma,
como um texto cujo objetivo é, digamos, quebrar a nossa passividade. O objetivo dos
diálogos platônicos é esse, é quebrar a nossa passividade, quebrar a nossa
complacência, é fazer com que a gente deixe de ser submisso ao texto às ideias, mas
que a gente se sinta livre para concordar ou discordar, seguindo sempre a nossa própria
avaliação, em contato com as ideias que estão sendo expostas aqui, Então, vejam, o
Platão, o grande objetivo dele ao escrever é apresentar dificuldades não resolvidas para
o leitor. Apresentar dificuldades não resolvidas para o leitor, de maneira que o leitor, de
maneira que nós, confrontados com as ideais que são apresentadas, que nós então
cheguemos às nossas próprias conclusões, Ou seja, nós não estamos lendo aqui um
catecismo platônico. Nós não podemos ler Platão com passividade, como se ele
estivesse estabelecendo uma verdade definitiva e incontestável. Não, não é esse o
objetivo do texto platônico. Platão quer que nós realizemos o debate. Ele quer que nós
concordemos e discordemos, e saibamos porque estamos concordando e discordando.
É preciso sempre salientar isso porque a nossa tendência é dizer assim, eu vou ler Platão,
então eu preciso, Platão é Platão quem é capaz de discutir com Platão? Ninguém! Quer
dizer, então eu tenho que aceitar o que está escrito lá, inclusive porque a proposta
platônica é essa, é a de criar inaudível. Na República, eu já vi alguns autores dizendo
isso, o Platão apresenta, faz uma proposta de um sistema de governo na República, e eu
gosto das ideias de Platão, e se eu reconheço que ele é um grande mestre, é o maior
dos filósofos, então eu tenho que aceitar cegamente tudo o que está lá. Isso é uma
bobagem, uma besteira tremenda. O que nós temos de fazer, não só com Platão, mas
com tudo o que nós lemos, é estabelecer um diálogo. O objetivo de Platão é criar um
clima de perplexidade em nós, de maneira que essa perplexidade nos leve a pensar, nos
leve a refletir. Isso é fundamental, tá bom, é fundamental. Quer dizer, não é porque nós
estamos vendo filosofia que o que Platão está nos apresentando aqui são verdades que

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para eles são irrefutáveis. Não é assim. Ainda que o tom do texto seja assim, a gente
escuta o Sócrates conversando com o Glauco e com o Adimanto, e eles concordam com
tudo “Há, sim, claro mestre!”, “Claro, mestre”, “Sim, mestre, sem dúvida!”,
“Absolutamente, claro, sem dúvida!” É o que eles mais falam no diálogo inteiro, mas
vejam, isso é uma forma de escrever. É como se a gente tivesse assistindo uma peça de
teatro, um filme em que se esse diálogo tá acontecendo, e a gente vê o Sócrates
apresentando essas ideias, os outros dois concordando com tudo, mas a questão é: o
que nós pensamos a respeito de tudo isso?
Neste livro terceiro o Sócrates, o Glauco e o Adimanto, que são irmãos, e inclusive os
dois são irmãos de Platão, eles prosseguem nos detalhes a respeito da formação dos
guardiões. Eles desenvolvem, sob o comando do Sócrates, uma série de ideais chave a
respeito das formas por meio das quais Pólis, a cidade-estado, ela precisa educar e
treinar as almas e os corpos dos guardiões. Esse livro terceiro começa com uma
continuação do diálogo que foi iniciado no livro segundo, o livro anterior. Vocês devem
lembrar, no livro segundo se fala sobre os estágios em que os guardiões receberiam o
seu treinamento em música e poesia. E o Sócrates, então, afirma que, para que esses
guardiões sejam de fato corajosos, eles não podem temer a morte, não podem ter medo
da morte, e dessa forma, as histórias que eles ouvem, que eles aprendem a ouvir, essas
histórias não podem ter lamentos, ou qualquer elemento, qualquer conteúdo que
apresente a vida após a morte como se ela fosse terrível e assustadora, especialmente
se esse relato se referir à figura de um herói. Você não pode apresentar para os
guardiões um herói que tenha alguma fragilidade, e da mesma forma que você não pode
apresentar para os guardiões Deuses que tenham vícios e qualidades humanos. Vocês
lerem o livro terceiro, vem um monte de citações de Homero, em que eles vão
criticando, eles vão dizer “não, isso aqui tem que riscar”, “Isso aqui tem que jogar fora”,
“Isso aqui tem que censurar”, “Não, isso aqui não pode”, “Isso aqui não”, “Aqui não
pode”, “Isso não pode”. Eles estão retalhando o texto homérico o tempo inteiro. Por
que? Porque os guardiões só podem aprender que é vergonhoso e que é um gesto de
covardia você fica aí gemendo, e se lamentando sobre os seus infortúnios, sobre as suas
infelicidades. Você não pode se comportar assim. E o Platão também deixa claro que as
histórias devem ser contadas com o objetivo de aumentar a capacidade de moderação
do indivíduo, ou seja, a capacidade do indivíduo controlar a si mesmo e controlar os seus
próprios desejos. Inclusive eles chegam ao ponto de dizer que os guardiões precisam ser
afastados do próprio riso, porque todo riso violento, todo o riso excessivo, quando você
ri, quando você dá gargalhadas, isso na opinião deles provoca perturbações na sua
personalidade, é isso que a gente vai lendo. O diálogo está repleto de outros fatos
curiosos, de outros detalhes curiosos E que parecem mesmo inaceitáveis do ponto de
vista daquele Sócrates que surge na apologia. Por exemplo, ele diz aqui que a mentira
só pode ser aceita quando for dita pelo chefe, pelos governantes das cidades. Quer dizer,
isso é uma loucura! E, claro, não qualquer mentira, mas quando essa mentira beneficiar
a cidade, beneficiar os seus governados, beneficiar os cidadãos da Pólis. Bom, aquí nós
queremos manter viva a exceção, porque como é que os cidadãos vão poder julgar se
uma determinada mentira é de fato útil para eles? Quer dizer, é impossível. Ou seja, na

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verdade, os cidadãos, então, serão manipulados em alguns determinados casos. Bom,
isso de fato acontece, e para gente se deparar com uma situação assim, nós não
precisamos ir muito longe. Os governos, eles estão sempre maquiando certas
estatísticas, certos dados, eles estão sempre escondendo fatos dos cidadãos, porque
eles partem do princípio de que o cidadão não está preparado para enfrentar a
realidade. A tendência natural do estado em geral, e não estou falando aqui de
governos, totalitários, de regimes totalitários, de ditaduras, não, estou falando do
estado democrático, do estado democrático ocidental. Eu estou falando de repúblicas
democráticas. A tendência do estado em toda a forma de governo é esconder
informações. Você nunca sabe tudo a respeito do que está acontecendo, o que você
sabe é filtrado. Primeiro recebe um filtro inicial dentro da própria esfera do Estado, o
estado decide o que ele vai revelar ou não.

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00:31:37 a 00:57:47

Depois, há um segundo filtro, que é o filtro midiático. A mídia filtra aquilo que ela vai
trazer ou não para os seus leitores, para os seus ouvintes. E depois, há outros filtros. Por
exemplo, um pai de família pode tomar a decisão de não contar para os filhos pequenos
o que de fato está se passando no país, ou a informação que ele recebeu.
Compreendem?
Agora, o Estado é sempre paternalista, sempre trata o cidadão como uma pessoa de
segunda categoria, que não tem capacidade para tomar as próprias decisões, que não
tem capacidade para dar o rumo que ele bem desejar à sua própria vida. Quer dizer, a
nossa liberdade é muito limitada, inclusive porque nós não sabemos tudo o que está
acontecendo verdadeiramente, realmente, concretamente. Nós não temos acesso a
isso. E eu estou me referindo a todos os governos. Todos agem da mesma maneira.
Então, vejam. Ainda que o Sócrates coloque essa ideia da mentira de uma maneira
absolutamente concreta, direta e que isso possa nos causar uma impressão negativa,
como se ele estivesse dizendo um absurdo, se a gente for verificar como os Estados
atuais funcionam, nós vamos ver que há um tremendo controle das informações.

Isso ocorre mais ou menos no início do livro III. Essa ideia da mentira dos governantes
retorna depois, no final do livro III, e aí nós vamos voltar a falar dela com mais detalhes.

Na sequência do diálogo, as sugestões de censura dos textos homéricos prosseguem,


inclusive com um objetivo de levar os jovens à temperança, ao controle das suas
próprias vontades. Os próprios poetas não devem mostrar os deuses como se fossem
causadores do mal e muito menos que os heróis não são melhores que os homens, pois
eles precisam sempre ser mostrados como melhores do que os homens. E depois de
falar a respeito do conteúdo das histórias, Sócrates passa a falar do estilo em que essas
histórias são escritas. E quando ele fala a respeito do estilo das histórias e dos poemas,
o Sócrates vai dizer que ao contar uma história o narrador pode falar com a sua própria
voz ou como se ele fosse outra pessoa. Ou seja, o autor pode falar como se ele fosse um
personagem da história que ele está contando.

Agora, na opinião do Sócrates, esse segundo caso, quando o autor imita um personagem
que ele criou ou que existe verdadeiramente e ele está incluindo na sua história, esse
segundo caso seria um problema para a cidade ideal platônica. Essa cidade ideal que é
proposta na República. Exatamente porque exige que uma pessoa imite outra. Quer
dizer, o autor está imitando outra pessoa no seu texto. Então, do ponto de vista
platônico isso é um absurdo porque vai contra a ideia que Platão tem de que cada pessoa
deve ser apenas o que de melhor pode existir. Ou seja, a pessoa precisa ser ela mesma

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na sua absoluta autenticidade, e mais ninguém e nada mais. Esse é o caminho que cada
pessoa precisa seguir. Agora, se uma pessoa lê um texto literário em que alguém está
fingindo ser outra pessoa, isso é uma deseducação, um desserviço. E neste ponto já fica
clara aí a desconfiança que Platão tem em relação à poesia, em relação à literatura.
Neste trecho do livro III e depois no livro X da República, o Platão vai enfatizar que a
poesia alimenta as paixões e ao alimentar paixões, ela cria divisão e insegurança nos
corações humanos ou cria também um riso fútil, leviano, volúvel, um comportamento
que vai contra o comportamento que o guardião ideal precisa ter. E quando você cria
esses sentimentos, você está criando sentimentos que são opostos àqueles que
precisam fazer parte de uma virtude cívica perfeita. Os guardiões da cidade precisam,
têm o dever de expulsar os poetas da cidade e o trecho em que o Platão fala claramente
a respeito disso é um trecho carregado de ironia. Platão é muito claro: "Nós vamos
homenagear esses poetas que se mostram capazes de imitar tudo, nós vamos cobri-los
com uma grinalda, com flores, vamos fazer todas as homenagens que eles merecem,
mas assim que isso terminar nós vamos falar para eles caírem fora da cidade porque a
nossa lei não tolera esse tipo de coisas e a gente vai mandar eles viverem em outra
cidade". E porque isso? Para a saúde das almas dos cidadãos, dos guardiões, os poetas
e os narradores que servem à formação da juventude, devem ser os mais rudes, os mais
severos e que só imitem os estilos virtuosos. Só podem contar histórias perfeitas do
ponto de vista do que aqui se entende como perfeição.

A gente vai voltar a esse tema no Livro X da República. Mas aqui e não só no livro III, no
Livro II também, a gente pode entender que para Platão a Poesia se ocupa de ficções e
que estas ficções, muitas delas, são condenáveis, são mentiras que são realmente más.
Homero, Hesíodo, os grandes dramaturgos gregos, ao invés de apresentarem Deus os
os deuses como fonte de todo o bem, eles apresentam uma coleção de deuses
antropomórficos, barulhentos, falsos, violentos. E esses poetas também expõem os
heróis como pessoas emotivas, como pessoas até covardes e expõem também homens
maus, homens que prosperam graças à maldade. E apresentam homens justos que são
tratados como miseráveis e isso não pode acontecer. Vejam que aqui nós encontramos
um conceito caro a Platão e depois também a Aristóteles que é o conceito de mimeses,
que é o conceito de imitação e esse conceito vai ocupar um lugar central na Poética
platônica, vamos ver isso no Livro X.

Mas o que o Platão diz? Ele usa a voz de Sócrates para nos dizer que certos poemas nos
dizem apenas o que aconteceu e que outros poemas não. Eles efetivamente imitam o
que aconteceu, como os dramas, como as tragédias, por exemplo. E que esses que só
imitam o que aconteceu, esses que não são reflexos diretos da realidades, esses são os
mais perigosos, porque são os que mais contagiam, que mais influenciam as pessoas, na
perspectiva platônica. E um homem que tenha de atuar, agir de forma séria e de forma
responsável, ele não pode ser formado por esses textos, ele não pode ter acesso a esses
textos. Mas essas ideias, como eu disse, vão ser mais desenvolvidas no Livro X, que

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certamente foi escrito muitos anos depois deste Livro III, mas que de qualquer maneira,
contém esse conceito de mimese, de imitação, ele pra Platão se torna profundamente
pejorativo. E ele vai se aplicar à poesia como se ele fosse parte inseparável da poesia.

Agora, a mesma preocupação vai se repetir depois, quando Sócrates começa a falar dos
ritmos musicais.

Aqui eu não tenho como entrar em detalhes com vocês, porque eu nunca estudei a
música na Grécia antiga e eu teria de fazer um longo estudo a respeito dos tipos de
música existentes naquela época e também um estudo a respeito da música no
pensamento platônico, coisa que eu nunca fiz, pois a minha área sempre foi a literatura.
De qualquer forma, o importante é a gente saber que da mesma forma do que ele
propõe na poesia, na música também só os tipos adequados para representação de
homens que sejam equilibrados e que sejam corajosos, só estes ritmos e estas músicas
serão permitidos.

Dessa forma nessa cidade estado ideal a educação quer ensinar o homem a amar a
beleza e odiar a feiúra e isso tem de ser ensinado desde a mais tenra idade para que isso
se torne instintivo e se torne de tal maneira instintivo, se torne de tal maneira inerente
à condição dos cidadãos que isso vai fazer com que, naturalmente, eles amem a razão.
Essa é a ideia platônica aqui.

É preciso fazer uma observação no sentido de que nós temos que perceber que os
objetivos de Platão, enquanto pensados como política de estado podem, pra nós,
aparecer como algo inaceitável. Mas vejam que se a gente retirar algumas sugestões,
não todas, mas se a gente pinçar algumas sugestões interessantes que ele faz sobre a
formaçao dos guardiões e usarmos essas sugestões pensando na formação individual
das crianças, sem o peso de uma lei estatal, nós vamos ver que muitos dos conselhos
são aceitáveis.

Por exemplo, tem um trecho aqui no diálogo que diz assim:


"Devemos, mas, é procurar aqueles dentre os artistas, cuja boa natureza habilitou a
seguir os vestígios da natureza do belo e do perfeito, a fim de que os jovens tal como os
habitantes de um lugar saudavel tirem proveito de tudo, de onde quer que algo lhes
impressione os olhos ou os ouvidos , procedentes de obras belas, como uma brisa
salutar de regiões sadias, que logo desde a infância insensivelmente os tenha levado a
imitar, a apreciar e a estar de harmonia com a razão formosa". Isso é uma pergunta que

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o Sócrates faz. E o Glauco responde: - Seria essa de longe, sem dúvida, a melhor
educação.

E aí o Sócrates continua:
- Não é então por este motivo, ó Glauco, que a educação pela música é capital, porque
o ritmo e a harmonia penetram mais fundo na alma e a afetam-na mais fortemente
trazendo consigo a perfeição e tornando aquela perfeita se se tiver sido educado? E
quando não, o contrário? E porque aquele que foi educado nela como devia, sentiria
mais agudamente as omissões e as imperfeições no trabalho ou na conformação natural
e suportando-as mal, e com razão, honraria as coisas belas e acolhendo-as
jubilosamente na sua alma, com elas se alimentaria e tornar-se-ia um homem perfeito.
Ao passo que as coisas feias, com razão as censuraria e odiaria desde a infância, antes
de ser capaz de raciocinar. E quando chegasse à idade da razão, haveria de saudá-la e
reconhecê-la pela sua afinidade com ela, sobretudo por ter sido assim educado.

Se a gente pensar em termos de uma formação individual de uma criança, esse


pensamento está correto. Vamos pensar em termos práticos: o que é melhor, você
educar uma criança ouvindo funk direto ou acostumar essa criança a ouvir músicas
clássicas, músicas de qualidade comprovada, músicas, harmonias que estão aí há séculos
acompanhando o homem e alegrando realmente, emocionando, iluminando a nossa
vida e nos ajudando a ter bons sentimentos.
O que é melhor? Você apresentar para a criança uma literatura de segunda, terceira,
quarta categoria, ou ir, gradativamente, preparando a criança passo a passo, de maneira
didática, para conhecer as melhores obras literárias? O que é melhor para a formação
da criança? O que acontece hoje em certas escolas que você põe de um lado da página
a letra de um funk e ao lado um soneto de Camões, e no livro didático está escrito que
as duas peças são iguais, que as duas peças têm o mesmo valor, porque o que importa
é que a beleza existe em todo lugar e o que importa é a comunicação. Se os dois textos
conseguem comunicar alguma coisa, os dois são igualmente bons.

Quer dizer, a nossa educação está repleta dessas idiotices hoje. É só uma observação
que a gente precisa fazer em relação ao texto desse Livro III.

Quer dizer, uma criança exposta a ritmos e a harmonias mais elaborados, mais
complexos, mais sutis, e menos primitivos, menos tribais, sem dúvida alguma a
educação dela será mais aperfeiçoada. Ao menos a sua sensibilidade será mais
aperfeiçoada.

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Eu fico imaginando uma criança que cresce ouvindo só canções que exaltam o crime ou
a coragem dos assassinos e de traficantes de drogas. Qual é a formação de caráter que
uma criança assim recebe? Ela vai ter uma ideia de perfeição que vai ser completamente
inadequada e ela vai criar valores dentro dela que não correspondem às ideias de justiça,
de bem, de virtude com as quais nós estamos acostumados na nossa civilização. Acho
que a gente precisa fazer essa observação, de maneira a colocar as coisas nos seus
devidos lugares, quer dizer, ter uma preocupação assim, em termos da formação
individual das crianças e dos jovens é uma coisa, completamente diferente de você
simplesmente impedir que as pessoas tenham acesso a determinados tipos de música.

Nós não estamos falando aqui de censura e nós não estamos defendendo censura, nem
a censura estatal. Nós estamos pensando em termos pedagógicos, exclusivamente
pedagógicos.

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Mas o Platão vai falar a respeito do amor nesse livro terceiro. E ainda assim um certo
tipo de homossexualismo seja aceito há limites evidentes, e esses limites pelo que a
gente entende do texto eles não chegam a permitir o ato sexual. E este, talvez seja o
verdadeiro sentido do amor platônico.
Quer dizer, o que é o amor platônico?
É aquele amor que exatamente como a arte, exatamente como a poesia, como a música,
ele precisa servir à virtude e não ao vício.

O objeto do afeto de um home ele deve ser tratado como? Quer dizer, um home que se
apaixona por um jovem?
Ele tem que tratar esse jovem como se fosse o seu próprio filho. Porque o objetivo do
seu amor não é o ato sexual, e não pode ser o ato sexual, mas o objetivo dele é produzir
no amado o nascimento de pensamentos melhores e de pensamentos belos, não é?
Agora, e toda conduta que ocasione escândalo ou mal-entendido ela deve ser suprimida.
As relações não devem ser viciosas de forma alguma, porque isso representaria ir contra
a vida virtuosa. Além claro de ser um ato de grosseria.
Mas quando a gente lê Platão com atenção a gente vê que para ele a relação sexual em
sí para ele é como se ela não tivesse nenhum fim útil. Como se a relação sexual não
tivesse nenhuma finalidade útil para a cidade, para a Polis. E as próprias relações
heterossexuais tinham que ser só toleradas, porque? Porque elas são necessárias para
a procriação.
Agora as relações homossexuais não, elas não servem para nenhum outro fim que não
seja o do prazer físico.

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Então fica evidente no texto platônico isso, se a relação homossexual é inútil ela não
pode ser boa ou bela, e, portanto, ela deve ser evitada.
E a gente não pode esquecer que para o Platão a saúde da alma de um homem ela é
determinada pelos desejos que ele pretende realizar. Se uma alma justa é uma alma que
busca os desejos corretos ele está impedido de se aproximar de qualquer relação viciosa
ou que não obedeça a virtude.
Então vejam, o homem filosófico ele até pode ter desejos físicos em relação a um jovem
amigo, agora é fundamental para a sua virtude que ele não haja de acordo com esses
desejos. Ou seja, ele não deve tentar satisfazer o seu desejo de prazer físico. Mas ele
deve se conter o tempo inteiro. E mais do que isso, ele deve transmutar o desejo erótico
em um desejo de verdade e de bondade.
Bom ai, o Sócrates vai tratar a respeito da educação física. Que da mesma forma que a
música essa educação deve ser muito simples. Música e treinamento físico são
elementos necessários e complementares da educação para o Platão.
O homem que mistura esses dois elementos em proporções perfeitas, ele pode ser
chamado de um homem que experimenta a harmonia. Porque ele combinou de forma
adequada bravura, ordem e também mansidão, equilíbrio emocional.
E é exatamente esse tipo de pessoa que conseguiu conciliar dentro de si essas três
virtudes: a bravura, a ordem e a mansidão é essa pessoa que precisa estar no comando
da Polis, da Cidade.

E ai o que o Platão vai fazer? Ele vai construir uma comparação muito interessante entre
os juízes e os médicos nessa parte do texto, chegando a conclusão que a arte da
medicina ela deve ser comparada a justiça virtuosa.
Ou seja, e aí vem a coisa, ele praticamente defende a eutanásia. Da mesma forma que
um bom médico vai deixar que morram aquelas crianças que são mal constituídas ou
aquelas pessoas que são mal constituídas, em termos corporais, essas pessoas de saúde
imperfeita, e porque o médico vai fazer isso? Para impedir que essas pessoas gerem
filhos imperfeitos, da mesma forma aquelas pessoas que são de alma perversa que tem
alma perversa e incurável esses criminosos precisam ser mortos pelo Estado. É um
verdadeiro regime totalitário, não é?
Inclusive prática que está sendo usada em muitos países, não é? Tem vários países que
se a criança no ventre materno é diagnosticada com síndrome de Down, essa criança
tem que ser necessariamente abortada.
Há aí, isso é muito interessante, é uma coisa que nós precisaríamos estudar: como as
leis da Eugenia e todas aquelas ideias que foram defendidas pelo Nazismo, inclusive, de
purificação da raça, de purificação da etnia, elas hoje se transformaram em políticas de
estado.
A gente lê isso aqui no Platão e fica horrorizado, “nossa pelo amor de Deus quem for
imperfeito tem que ser morto para não gerar filhos imperfeitos? Isso é um absurdo”.

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Mas vejam de que de alguma forma nós estamos fazendo algo semelhante. Em muitos
estados hoje já transformaram isso em política social, em lei. Além é claro dos outros
absurdos, não é? Você fazer um aborto aos oito meses . Quer dizer isso não é mais nem
um aborto é um verdadeiro infanticídio, mas enfim, só fazendo aqui uma comparação,
porque muitas vezes a gente lê fica horrorizado, mas não consegue fazer uma analogia
com que está acontecendo no nosso tempo, na nossa civilização.
A partir do momento que o Platão estabelece os princípios gerais do ensino e da
educação o que acontece então ele começa a tratar sobre quem está apto a se tornar
governante da Polis e quem precisa permanecer como governado, ou seja, não pode ter
acesso ao governo.

Os governantes então deveriam ser escolhidos dentre os guardiões que já são homens
maduros, vividos e que tenham demonstrado aí ao longo da sua existência um interesse
sincero em zelar com todo o empenho pelo bem da cidade, em fazer tudo o que for
vantajoso para a cidade.
E ao mesmo tempo esses guardiões não podem aceitar nenhum tipo de corrupção e
também não podem aceitar fazer algo que seja contrário ao bem público.
E para se alcançar isso, o que o Platão propunha?
Platão propõe então que os guardiões eles sejam vigiados desde a infância e eles
inclusive devem ser testados continuamente nas suas convicções, de maneira que você
progressivamente confirme se eles têm de fato amor pelo bem público. Se eles de fato
amam a cidade. E mais, o Platão diz que eles devem ser enganados e induzido ao erro
de maneira a serem testados nas mais diversas circunstâncias para ver como eles
reagem.
Então vejam, ressurge neste ponto, nós estamos quase no final do livro três, aquilo que
eu havia falado a necessidade de existirem mentiras nobres para serem contadas aos
guardiões e aos cidadãos.
E é quando então quando Sócrates vai inserir aqui a lenda fenícia que é uma parte
importante da República.
E o que é essa lenda fenícia?
Os fundadores da Polis eles vão contar para os seus cidadãos essa lenda fenícia, esse
conto fenício e eles vão tentar convencer, vão tentar persuadir os governantes e os
soldados e depois a cidade inteira de que o treinamento deles e a educação que eles
receberam foram coisas que eles imaginaram como se eles estivessem num sonho, mas
na verdade não foi um sonho. Na verdade, durante esse tempo que eles imaginaram
que estavam sonhando eles estavam sob a terra, estavam nos subterrâneos da Terra, e
ali nos subterrâneos o que aconteceu? Eles próprios com suas armas e todos os seus
equipamentos que eles os têm foram moldados e preparados para tomar conta da
cidade. E depois desse processo ter terminado então a Terra como mãe de todos, ela
deu a todos a luz, ela fez com que todos nascessem de modo que eles tinham que cuidar

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do país, da Polis, da cidade Estado e defender a cidade. E todos esses diferentes cidadãos
eles precisam ser vistos como filhos da mãe Terra, mas apesar de todos serem irmãos
quando eles foram originalmente produzidos lá no subterrâneo da Terra, cada um
recebeu metais diferentes na sua composição.
Então vejam que nós estamos entrando realmente na área do mito.
Alguns receberam mais ouro, porque estes deveriam ser os governantes, outros
receberam mais prata porque seriam os que iriam auxiliar os governantes e outros
receberam principalmente ferro e bronze, porque eles seriam os agricultores e os
artesãos.
Acontece que apesar dessas diferenças de composição, pais feitos de ouro eles
poderiam gerar filhos de ferro e bronze, por exemplo. E o contrário também poderia
acontecer, pais que fossem feitos de ferro ou bronze gerar filhos feitos de ouro.
Por esse motivo os governantes tinham o dever de direcionar as crianças certas para as
funções sociais certas, de acordo com os metais predominantes em cada criança. Porque
um oráculo lá no passado teria dito que a cidade iria perecer se ela fosse comandada
por guardiões que fossem apenas de ferro e bronze.
Bom então aqui o que a gente precisa fazer?
Antes de mais nada nós precisamos lembrar do que já foi dito, do que eu disse aqui
antes, as mentiras elas são repreensíveis, mas os governantes têm o direito de contá-las
ocasionalmente a fim de garantir o bem-estar da Polis. Esse é o pensamento do Platão.
Agora vejam o seguinte, e ai os estudiosos sobre Platão se dividem, essa nobre mentira
do conto fenício na verdade muitos estudiosos veem como uma crítica de Platão ao que
estava acontecendo na época com a democracia Ateniense.
Por que?
Porque na verdade a cidade não vivia como se todos fossem irmãos, e a política ela era
dividida ela era comandada não de acordo com as qualidades inerentes de cada pessoa,
mas era comandada segundo os interesses individuais e de classe.
Em nenhum momento a política favorecia que ocorresse sempre o que era melhor para
a sociedade. Em nenhum momento ocorria que os filhos de ouro gerados por pais de
bronze pudessem acender politicamente. Não o que acontecia era exatamente o
contrário, os filhos dos pais de ouro que eram compostos de bronze eles eram elevados
a categorias de governantes. Exatamente para sustentar os desejos e as ambições
dessas famílias.
Então, na verdade, essa grande mentira, que é o conto fenício, na realidade ela é uma
verdade muito simples a que todos nós somos irmãos, ainda que, repito, alguns autores
vejam essa passagem como uma prova das tendencias totalitárias do Platão.
Mas o que o Platão parece querer mostrar é que a boa ordem da Polis exige que todos
cuidem de suas próprias tarefas de acordo com os seus talentos naturais.

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É como se Platão estivesse dizendo para o Sócrates: as diferenças são apenas imagens
de um sonho, são imagens de um mito, enquanto a realidade é a igualdade entre os
irmãos.
Então, o conto fenício, o mito fenício, repetindo, ele seria uma profunda crítica a política
ateniense.
E a gente não pode esquecer o seguinte, nós usamos esse recurso na educação dos
nossos filhos dos nossos netos, não é? Quando nós contamos para eles contos de fadas,
histórias que nunca aconteceram e que são impossíveis de acontecer, o que estamos
fazendo? Nós estamos contando histórias que são falsas, mas que no fundo elas
expressam valores que são verdadeiros e que são necessários para manter o equilíbrio
da vida comum, manter o equilíbrio da sociedade.
Então na verdade esse mito fenício seria uma crítica a organização política ateniense,
inclusive porque as famílias nobres estariam dando poder aos filhos que não são feitos
de ouro. Estariam dando poder a descendentes que não merecem e não estão
preparados para governar a cidade, e isso então estaria levando Atenas a destruição.
Quando os governantes promovem os seus filhos a cargos de comando, mesmo quando
eles não sejam do metal dos seus pais, mesmo que eles não sejam de ouro e ao mesmo
tempo esses governantes desconsideram os filhos de ouro que podem nascer das
famílias de prata ou das famílias de ferro e bronze então o que está acontecendo?
A cidade está condenada a perecer, a morrer.

Porque ela está deixando de cumprir a ordem estabelecida pelo deus, pela mãe Terra
ou pelos deuses e ela deixa de ser governada pela sabedoria e ela passa a ser governada
apenas pelos sonhos das paixões.
Então quando um homem abandona o plano divino, a vida se torna um pesadelo.

Aliás é o que eu publiquei uma vez, aquela frase da Simone Weil: “ A obediência a um
homem cuja autoridade não está iluminada pela legitimidade essa obediência é um
pesadelo”
Quando acende ao poder um governante nitidamente despreparado, quando acende ao
poder um governante de ferro e bronze e não de ouro, um governante destituído de
virtudes, o que acontece? A obediência dos cidadãos que são que são obrigados a viver
sobre a autoridade desse governante isso vira um pesadelo.
De qualquer forma essa é só uma das interpretações possíveis. Os estudiosos se
dividem.
Para alguns estudiosos na verdade o mito fenício ele é o esboço de um estado que ainda
está incompleto que ainda é imperfeito. Mas ao mesmo tempo esse mito demonstra a
segurança que todos os cidadãos querem, almejam, exigem para que as suas instituições
sociais permaneçam firmes, permaneçam estáveis e ter essa garantia firmada e
solidificada, alicerçada numa visão mítica, numa visão religiosa, isso significaria garantir

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o espírito predominantemente moral e religioso que o Platão está aqui propondo. E ele
vem propondo nas várias áreas da educação: na poesia, na música e na ginástica.

Aula 12 01:24:17 até 01:52:02 –


012417 Muito bem. Como é que o livro terceiro termina? Termina,
principalmente quando ele começa a falar das habitações nas quais os
guardiões iriam viver. (risos) É inevitável, mas a sensação é que estamos
presenciando uma espécie de comunismo a que os guardiões estariam
obrigados. Sócrates falará sobre isso novamente no livro quinto, mas é
claro que se trata de uma visão completamente idealista e impossível de
ser alcançada. Vamos lembrar do que eu disse no início da nossa aula,
ou seja, Platão não está nos propondo um modelo para seguirmos, mas
está propondo temas para nós discutirmos. Então, isso nos obriga a
pensar no que num tipo de estado assim dessa forma, organizado dessa
maneira causaria na vida das pessoas, no dia a dia da vida das pessoas;
e nós também podemos refletir como é que muitas observações
platônicas, como eu mostrei aqui hoje também, ainda podem servir à
educação das crianças; não em termos de formação escolar estatal, mas
em termos de formação moral/familiar; ainda, claro, que elas raramente
sejam seguidas, temos consciência disso.
Chegamos ao final do livro terceiro e sábado que vem veremos o
livro quarto; tentarei sábado que vem dar uma apressada, ok? Porque são
dez livros e eu tenho receio que vocês se cansem mais sete semanas lendo
A República, então sábado que vem vou tentar falar sobre o livro quarto
e o livro quinto, assim daremos uma adiantada porque eu sei, claro, que
está todo mundo com sede de ir para A Ilíada de Homero, que é o próximo
livro.
Então, vamos abrir às perguntas.
Aluno: Professor, pode falar sobre a diferença entre a opinião e a
verdade?
Professor: Bom, parece-me muito simples. Uma coisa é você ter uma
opinião, isto é, você pega este frasco, por exemplo, olha para ele,
chacoalha e abre, cheira o conteúdo dele e diz: Na minha opinião isto
aqui é uma porcaria, isto é, se eu fosse você, Rodrigo, eu jogaria isso aqui
pela janela imediatamente! – Isto é a sua opinião. – Agora, qual é a verdade
a respeito deste frasco? A verdade é o que nós estamos vendo e é o que
nós podemos sentir, olhar e, usando os nossos cinco sentidos, identificar.
A verdade é que este é um pote de vidro, com uma tampa de metal, entre
a tampa e o vidro há uma borracha e esta tampa é fechada com um
sistema de pressão que pressiona a borracha de maneira a vedar o
conteúdo do que está dentro do vidro para que não penetre ar. Há um
sistema próprio para abrir este vidro e quando você abre para ver o que

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tem dentro e descobre que dentro dele tem tabaco e não é qualquer tipo
de tabaco, mas que tem um nome, uma determinada composição e essa
composição foi criada por um expert em fazer misturas de tabaco e foi
criada com um fim específico de ser usada em cachimbos e não para ser
enrolada como cigarro ou como charuto. Ponto final. Esta é a verdade a
respeito deste frasco, isto é, se o tabaco faz bem ou faz mal para a saúde,
aí é uma outra questão. Compreendeu? Uma coisa é opinião e outra coisa
é a verdade.
Aluno: Os guardiões teriam a tarefa de proteger a cidade? Contra quais
ameaças? Para mim não ficou claro isso no texto.
Professor: Sim, teriam. Contra ameaças externas de outras cidades e
também para garantir a ordem interna. Percebam que seria uma elite
governamental e dessa elite seriam extraídos os governantes da cidade,
como eles também seriam responsáveis pela proteção armada da cidade,
seriam o exército para a defesa da cidade contra ameaças externas, como
ameaças internas. Seria a classe de elite da cidade, realmente. As grandes
tarefas ficariam a cargo dos guardiões.
Aluno: Minha primeira aula ao vivo. Maravilhoso investimento! Sempre
assistindo e estudando com minha esposa. Vamos em frente.
Professor: Muito bom ter você aqui. Maravilha. Você e sua esposa são
muito bem-vindos e vamos em frente! É isso mesmo!
Aluno: Professor, neste livro parece que o diálogo não é tão diálogo assim.
Seria uma “pressa” na progressão das ideias?
Professor: Então, é como eu disse para vocês...É muito interessante
porque, eu, inclusive quando estava relendo o Livro três para preparar a
aula, lembrei da discussão que o Sócrates tem lá no Livro Um com o
sofista e aquilo sim é um diálogo socrático porque ele está ali lutando
com as ideias, debatendo, discordando e fazendo o cara pensar de
maneira diferente; neste livro ele está falando com dois caras que são
discípulos dele e eles parecem vaquinhas de presépio (risos) – falando o
português claro, eles ficam o tempo inteiro concordando e dando razão –
então fica meio chato mesmo porque ninguém fala nada contra, todos
falam amém! Que tipo de diálogo é esse? Então, é por isso que temos essa
impressão que eu disse no início da aula, ou seja, que o Platão está
apenas se apropriando da figura socrática, do personagem Sócrates para
colocar as suas ideias. Então, você tem umas ideias sobre literatura e
você começa na sua classe a falar: “quem falou isso foi o Professor
Rodrigo; porque o Professor Rodrigo falou...e como o Professor Rodrigo -
não é o caso – é reconhecido como uma autoridade no assunto, todo
mundo concorda; o Platão está fazendo desse mesmo jeito. E desse jeito,
fica realmente cansativo porque não tem controvérsia; e o legal é
realmente ter o debate. Eu também senti falta disso, claro!

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Aluno: Não foi Nietzsche que disse que a verdade não existe por ser
“moldada” por cultura e etc.?
Professor: É bem capaz que tenha sido ele! Mas este é um pensamento
inaceitável, pelo menos no meu ponto de vista, ou seja, há algumas
verdades que são inquestionáveis. Por exemplo, tenho em mãos um
isqueiro da marca Zippo e feito especialmente para acender cachimbos
porque a chama fica numa posição horizontal e foi elaborado para os
soldados norte-americanos levarem com eles na segunda guerra porque
tem um sistema de chama que não apaga com o vento. Isto é
incontestável, essa é a verdade. Se você pegar este isqueiro e acender
numa tribo de alguma ilha perdida na Oceania e os indígenas nunca
viram antes um isqueiro Zippo e virem que produz fogo, pode ser que o
isqueiro se torne um objeto de adoração para eles, mas estarão vivendo
numa mentira, pois é um simples isqueiro. Se nós começarmos a achar
que tudo pode ser moldado pela cultura, então nós entramos num
relativismo extremamente perigoso porque em alguns momentos pode ser
útil você matar algumas pessoas e em outros momentos, não; então
passamos a entrar em questões cada vez mais profundas e é uma coisa
perigosa. Mas este tipo de pensamento é anterior ao Nietzche. Tem um
pensador alemão romântico, que não estou me recordando do nome
agora, inclusive o Carpeaux cita muito ele na introdução de seu livro
História da Civilização Ocidental. Toda a visão antropológica deste
alemão, cujo nome não me recordo, já é totalmente relativista e é anterior
ao Nietzche.
Nota de Transcrição: o alemão cujo nome o Professor não se
recordava no momento da aula é, na verdade, Johann Gottfried
Herder – confirmado pelo próprio Professor Rodrigo.
Aluno: Professor, depreendi que todas as propostas dos diálogos teriam
sucesso somente se “dominassem” a crença popular, senão, nada feito.
Professor: Claro! É por isso que é uma coisa absolutamente impossível
de se concretizar. É por isto que estou dizendo que ele está lançando
ideias para discutirmos. Este é o objetivo do texto platônico. Ele não está
propondo um sistema de controle político fechado; ele não está dizendo:
esta é a minha ideia de estado, ela é perfeita e se vocês seguirem o que
estou dizendo, vocês serão felizes. O objetivo do texto platônico não é este
e ele está propondo que façamos uma reflexão sobre o texto, discutindo
como fiz conforme a análise que eu fiz aqui com vocês. Fomos lendo e
refletindo. É assim que temos que ler. Mas é claro, e nós vemos isso
acontecer, nos regimes totalitários que ocorreram na história, os
governantes totalitários conseguiram insuflar a massa para que a
seguisse as suas ordens, por exemplo, o que o Mao Tse Tung fez
utilizando os estudantes contra os professores e os pais na famosa
revolução cultural, em que professores e pais eram humilhados em praça
pública até que eles obedecessem as regras do famoso livro Vermelho do

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Mao fossem instituídas é um exemplo claro de como você consegue
controlar a massa e torna-la obediente ao seu desejo, deixando assim que
a anarquia aconteça para limpar terreno, ou seja, limpar as ideias antigas
e que o governante revolucionário considera ultrapassadas. Ele coloca
um grupo contra outro grupo para que este primeiro grupo, na sua
maioria, destrua o outro, submeta-o para abrir espaço para as ideias que
o próprio governante tem; muitos líderes políticos são habilidosos neste
tipo de manipulação.
Aluno: Professor, o governante ideal deve sair da classe dos guardiões?
Esse é aquele que Platão chama o Rei Filósofo?
Professor: Exatamente! Tem que sair dos guardiões. Não de qualquer
guardião, mas dos mais idosos e experimentados, mais testados,
daqueles que durante toda a sua vida sendo testados e provados
demonstraram que, em primeiro lugar, a sua única preocupação é
sempre com o bem da cidade, com a virtude. Viver de forma virtuosa para
que a cidade também seja virtuosa. Defender os interesses da cidade, não
só em termos de defesa armada, mas também defender a própria
organização, defender o estado.
Aluno: Professor, como lidar com o intervalo e a interpretação entre uma
leitura e outra da mesma obra?
Professor: Você precisa fazer um diálogo, como eu disse aqui, para
alguns autores, o conto fenício que o Sócrates narra tem um objetivo
dentro do pensamento platônico, para outros autores o objetivo difere e
para outros é ainda outro! Há estudiosos que acham que o conto fenício
é a prova de que o Platão tinha um pensamento totalitário e ditatorial;
para outros, o objetivo é promover a igualdade e fazer uma crítica da
sociedade ateniense da época mostrando a forma da organização da
cidade está errada e que no fundo todos são irmãos e não poderia ter
diferenças entre as pessoas; e há outros que acham que não é nada disso
e na verdade Sócrates está propondo uma forma de estado que não é
ditatorial, mas uma forma de compreender a própria organização estatal,
isto é, como se fosse um método de entendimento, de compreensão; quem
está certo? Não sei. Eu posso, pessoalmente, tender a me identificar mais
com uma interpretação ou outra; mas nosso papel enquanto leitores é
entender o texto assim, é um diálogo franco com o texto e não nos
colocarmos diante do texto de maneira submissa ou aceitar qualquer
interpretação, só porque ela vem de A, B ou C. Se você for ler Eric
Voegelin, por exemplo, ele acha que há uma questão espiritual,
acreditando que, na verdade o que Platão quer alcançar é aquilo o que o
cristianismo proporá depois com o trecho de São Paulo de que numa
comunidade há carismas diferentes, mas todos tem valor e nenhum é
superior ao outro; Voegelin vai longe. Há várias interpretações. Só quem
deseja ser um profundo estudioso de Platão é que estudará e se
aprofundará em tudo isso; e até ler Platão em grego. Os níveis de

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compreensão são muito diferentes, mas o comportamento do estudioso é
sempre de alguém independente. Eu poderia dizer que quem está certo é
o Voegelin e ponto final, sem discussões. Mas para isso nós precisaríamos
fazer um curso sobre as ideias de Voegelin para ver se de fato é assim
que funciona, mas o objetivo do próprio Platão é que nós façamos
reflexões a respeito do que estamos lendo. Ele quer criar um estado de
perplexidade em nós, a partir do qual nos sintamos forçados a pensar e
refletir chegando a ter nossas próprias ideias.
Aluno: O Platão é contra o contato da criança com a poesia por alimentar
as paixões, mas na sua visão devemos apresentar ou não?
Professor: Claro que devemos. Mas é claro, com bom senso. Por exemplo,
se você ler o livrinho de Northrop Frye, A Imaginação Educada, é muito
bonita a forma como ele defende que a poesia é o princípio da educação
literária porque é na poesia que estão todos os ritmos e harmonias que
existem na vida do ser humano, isto é, o trecho é belíssimo onde ele faz
a defesa do ensino da poesia. Mas é claro que você não vai ler A Odisseia
de Homero para uma criança de seis anos de idade; você não vai pegar
uma criança recém alfabetizada e dar Gonçalves Dias, Manuel Bandeira
ou Cecília Meireles para ela ler; nem para uma criança de sete anos ler o
Romanceiro da inconfidência de Cecília Meireles que é belíssimo, mas
completamente fora da capacidade de compreensão da criança; é preciso
adequar o conteúdo do texto à capacidade de cognição da criança; temos
que ter esse cuidado; a parte isso, eu acho fundamental que a criança
conheça a poesia, os ritmos da língua e a harmonia que a sua linguagem
pode produzir. Por que não? Precisa. Deve! É importantíssimo.
Aluno: Professor Gurgel, o senhor pode falar sobre a mimese? Ou falará
em outra aula? Estou acompanhando suas aulas agora nas férias da
universidade.
Professor: A questão da mimese é o que eu falei hoje. Platão tem uma
visão da mimese completamente diferente da visão Aristotélica. Veremos
mais adiante leremos a poética de Aristóteles e compreenderemos que a
mimese para o Aristóteles é outra completamente diferente. Não podemos
falar sobre isso aqui para não entrar num outro assunto. Mas a mimese
para o Platão é essa coisa negativa, isto é, quando você copia a realidade,
por exemplo, você narra em um determinado poema alguém que não tem
virtudes, por exemplo, o seu vizinho que é viciado em drogas e faz
bebedeiras e não tem vida virtuosa e nem sequer é alfabetizado e você
retrata esse sujeito na sua história como um exemplo, isto é, você está
copiando a realidade, está usando a mimese; mas o que um poema assim
vai ensinar para aqueles que lerão? Passará valores errados. Isto tudo
são as ideias do Platão, então a mimese é ruim. É mais importante você
criar uma literatura ideal que só fale das coisas boas, puras e perfeitas.
Compreende? Essa é a visão platônica. (...) 015202

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