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504-65
SEMINÁRIO DE LITERATURA – PROF. RODRIGO GURGEL

Platão: A República

Transcrita por:

Luiz Gustavo Matthiensen


Aline Silva Dexheimer
Simone
Janaina Carvalho
Gustavo Aguiar
Marina Mendes

00:19:38 a 00:33:44

Nós terminamos sábado passado o livro um com diálogo entre o sofista Trasímaco e
Sócrates, em que o sofista é convencido pelo Sócrates, ou se não é convencido, pelo
menos é derrotado nos seus argumentos, ele não consegue levar adiante as Ideias que
ele tem. Bom, vocês devem se recordar quando termina o livro um o próprio Sócrates
se diz insatisfeito, ele não está contente com o resultado dos 3 diálogos: com o Céfalo
com Polemarco e com Trasímaco, porque ele acha que esses 3 diálogos foram de alguma
forma superficiais. Ficaram lá tratando das qualidades da justiça, mas não discutiram o
que realmente interessa a Sócrates, que é a essência da justiça. Então ele termina O livro
primeiro reclamando, dizendo que é, foi bom tudo, mas não era bem o que eu pretendia,
não era o que eu queria. Então nós começamos o livro 2 com o Sócrates que acredita
que ele finalmente vai ficar livre vai poder voltar para a cidade, não vai ter que continuar
conversando, infelizmente não alcançou os objetivos dele, mas tudo bem, fica pra outra
data e eu estou livre para abandonar o Pireu, para abandonar o Hades, o porto, a região
que simboliza o Hades e, finalmente, poder subir de volta à cidade. Inclusive, porque é
isso que ele deseja desde o início ele foi lá, desceu, olhou, viu, participou, inclusive um
pouquinho da festa a em homenagem a deusa dos Trácios, a deusa que leva as pessoas
para o Hades, que conduz as pessoas para o Hades. E na subida, voltando para a cidade,
ele é interrompido por esse grupo, um dos escravos do Polemarco chega inclusive a
segurar ele pela túnica para impedir que ele continue subindo e o grupo força ele aí pra
casa do Céfalo, que é pai do Polemarco, para eles conversar. Então, na verdade, o
Sócrates está lá contra a vontade, o desejo dele é retornar para o alto, retornar para a
cidade. Bom, apesar de estar ali apenas por isso, insistência desse grupo, o grupo quer
continuar ouvindo o Sócrates. Então, para surpresa dele, esses 2 personagens que vão
estar no centro do diálogo do livro 2, o Glauco é o Adimanto, que são participando
diálogo desde o início, assistiram ao aos diálogos que estão no livro um, esses 2 jovens,
que inclusive são irmãos de Platão, eles querem continuar conversando. Eles acham,
eles também estão insatisfeitos com o resultado alcançado nas conversas anteriores, e
eles querem retomar a conversa. E o Glauco, então, que é o primeiro a falar, ele retoma
aquilo que o Sócrates já havia dito no livro primeiro, que ele gostaria de ter falado do

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que é realmente é a justiça, e não ter ficado tratando das suas qualidades, como ele foi
obrigado a fazer com o sofista Trasimaco. E o Glauco insiste nessa questão é o Glauco,
diz, bom, você quer convencer a gente da verdade, ou você quer só dar a impressão de
que você nos convenceu, o Glauco faz uma provocação. Você quer realmente nos
convencer de que ser justo é realmente melhor do que ser injusto, Bom, quando o
Sócrates responde que sim, que é o que ele gostaria de fazer, então o Glauco vira e diz,
olha, mas você não está fazendo o que você quer. Esse pessoal pegava no pé do
Sócrates, é um pessoal que tinha Liberdade com ele, eram seguidores dele,
acompanhavam Sócrates, pela cidade, no dia a dia, estavam sempre ao lado dele. Então
o Glauco se sente na Liberdade de pressionar Sócrates. E pressiona, até de uma maneira
um pouco injusta, afinal de contas o Sócrates só desenvolveu os diálogos que estão no
livro primeiro da forma como ele desenvolveu, não por opção dele, mas porque os
interlocutores que ele teve conduziram ele, Sócrates, agir da maneira como ele agiu.
Então é assim que se inicia o diálogo no livro segundo, em busca daqueles bens que que
sejam bons, daqueles bens que sejam benéficos em si mesmos, independentemente dos
efeitos positivos, que eles possam produzir. Então é assim que começa esse diálogo do
livro 2. Oirmão do Platão, que que ele vai dizer? Ele vai dizer que é existiriam 3 tipos de
bem. Os que são bons em si mesmo, os que são bons por suas consequências, e os que
são penosos, são difíceis, mas produzem depois benefícios. São bens que exigem
sacrifícios num primeiro momento, mas depois eles nos dão recompensas. Agora, para
o Sócrates a justiça estaria no grupo das coisas que nós amamos por elas mesmas e
também pelas suas consequências. Agora, a opinião geral, a chamada doxia, o que é a
doxia? A doxia é opinião vulgar, aquela opinião que não nasce do conhecimento
aprofundado das coisas. Essa opinião geral afirma exatamente o contrário. É o que o
Glauco afirma, para as pessoas comuns a justiça seria o oposto, a justiça seria um bem
que se conquista com extremo sofrimento. É, sei lá eu, como, por exemplo, eu fazer um
regime de emagrecimento. Imaginem eu tendo que abandonar as minhas torradas todas
as manhãs, quer dizer, viver aí numa espécie de jejum constante, permanente. Então
você conquista o bem com extremo sofrimento. Não é que o bem estaria no grupo
daquelas coisas que nós amamos por elas mesmas e também pelas suas consequências
apenas, Bom, e o Glauco ainda vai mais longe, ele diz assim, para muitos a justiça é algo
que se pratica em vista das boas aparências que ela produz, mas que na verdade ela
deveria ser evitada, porque ela exige muitos sacrifícios. O Glauco começa a seguir pela
linha do Trasímaco, mas vejam que ele faz isso de maneira proposital Inclusive, ele diz
isso no próprio diálogo, E o Sócrates diz bom, é verdade, existe. Para a maioria das
pessoas, é assim que funciona. Então, a partir desse ponto os irmãos do Platão vão
começar a ter esse diálogo com Sócrates, em que não só eles vão em busca não só da
essência do que é a justiça, algo que não vai ficar claro já no final deste livro dois, ainda
vai demorar para nós chegarmos a essa conclusão, mas o Glauco e o Adianto vão
começar a querer deixar claro a diferença entre você ter uma opinião, que é o que a
maioria das pessoas tem, e você pensar por você mesmo, e se libertar do que a maioria
repete, e repete como vaquinhas de presépio, nós estamos cansados de saber. Então,
vejam, vejam que aqui há uma questão muito importante, nós temos no livro primeiro,
nós vimos no livro primeiro os diálogos com a geração mais velha, com a geração mais

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antiga, que é a presente representada pelo Céfalo. Depois nós tivemos o diálogo com o
filho do Céfalo, o Polemarco, que é a geração Intermediária, já é uma geração madura,
porque já ultrapassou a juventude. Essas são as gerações, não sei se vocês lembram que
eu disse, mas essa são duas gerações que, pelo vazio das suas Ideias, pela sua fraqueza
moral, elas condenaram a cidade a se transformar no que é o Pireu, uma zona de
escuridão, numa zona de delinquência, região, em que as ideias não são mais claras, e
onde não se busca a verdade. Quer dizer, fecharam a cidade, essas gerações fecharam
a cidade, transformaram a cidade numa espécie de Hades. E depois nós temos o diálogo
com o Trasímaco, porque é o que fecha o livro primeiro. E o Trasímaco é a geração que
é o ponto culminante dessa transformação que foi empreendida por Céfalo e por seu
filho. Quer dizer, o Trasímaco é o símbolo da sociedade corrompida, que já inverteu
todos os valores.

33:44 até 48:00 –


Já inverteu todos os valores(...)33:44 Neste Livro II, o diálogo se passa
com os jovens, com a nova geração, que é vítima das figuras que
dialogaram com Sócrates no livro primeiro. O que acontecerá? Eles
desenharão o quadro geral da pressão que a sociedade exerce sobre eles,
isto é, sobre suas almas; aquelas ideias que foram apresentadas no livro
primeiro são as ideias hegemônicas na cidade-estado de Atenas, naquela
sociedade; ou seja, os jovens mostrarão como a sociedade moldada pelos
sofistas - uma sociedade sofística que não busca a verdade – como ela
tem um impacto violento nas suas próprias vidas. Vejam que há uma
continuidade de um livro para o outro. O Gláucon e o Adimanto sabem
que as formas de pensar que foram apresentadas no livro primeiro são
destrutivas e eles têm consciência disso, inclusive porque eles, como
Platão, são seguidores de Sócrates. É por este motivo, que de uma forma
muito sincera e aberta que eles querem respostas de Sócrates; e fazem
as perguntas com muita honestidade e sinceridade, expondo para o
Sócrates tudo o que diariamente é martelado nas suas cabeças. Eles não
querem mais ser meros repetidores, meros papagueadores das ideias que
estão hegemonizando a sociedade, não querem ser mais repetidores
daquilo que a massa pensa; não só a massa, mas também as ideias que
as outras classes sociais defendem. É por isso que Gláucon apresenta
para Sócrates as opiniões, ou seja, as “Doxas” que existem a respeito da
injustiça e da justiça, usando um recurso interessantíssimo, como eu já
disse para vocês, quando ele diz mais ou menos assim : “Essa conversa
que você teve com o Trasímaco, sendo sincero com você, não me convenceu;
do mesmo jeito que você disse que também ficou insatisfeito, eu também
fiquei, pois eu também estou com a cabeça cheio dessas ideias defendidas
pelo Trasímaco; dessas ideias que os sofistas vivem repetindo na cidade.
Mas eu quero saber a verdade e não quero ficar apenas repetindo opiniões
ou dizendo o que todo mundo diz”. – Então ele convida Sócrates a
participar de um jogo: “Eu, Gláucon, usarei com você todos os argumentos

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que foram utilizados com Trasímaco, mas, agora, eu quero que você chegue
ao cerne, ao núcleo da questão; eu quero que você elogie a justiça por aquilo
que ela realmente é em si mesma, saindo de tudo que é superficial, então,
eu elogiarei a vida injusta como uma provocação para retirar de você a
definição do que é justiça”. – E Sócrates aceita a proposta, não de
qualquer maneira, mas com alegria e júbilo acreditando que a experiência
será excelente.
Então, Gláucon começa a repetir os termos de Trasímaco, mas de
maneira sucinta e muito mais elaborada, utilizando uma argumentação
serena, diferente da argumentação raivosa de Trasímaco, pois eles são
amigos e não é movido pelo espírito de raiva, pois ele está sinceramente
em busca da verdade; e chega a dizer: “Se nós déssemos a um homem
justo e a outro injusto, o poder de fazer o que eles bem desejassem, nós
veríamos o justo indo na mesma direção do injusto, porque, na verdade, o
que move os seres humanos é somente a ambição”. – Para explicar melhor,
Gláucon introduz em seu discurso, na sua argumentação, a lenda do anel
de Giges. Esse mito é apresentado, primeiro como um exemplo de
conduta, mas depois ele propõe um experimento mental utilizando o mito
para isso. Não repetirei o mito aqui, está no livro: ao colocar o anel e girá-
lo, fica invisível; desvirando-o, volta a visibilidade. Ao ficar invisível,
aproveita-se para fazer sem-vergonhices, basicamente é esta a história.
Então Gláucon dia: “Suponhamos que existam dois anéis e não só
um que tornem os seus portadores invisíveis de acordo com a sua própria
vontade; um anel pertence ao homem injusto e o outro anel ao justo. Será
que o homem justo teria firmeza de caráter suficiente para, estando
invisível, não cometer crimes?” – É uma coisa que vocês podem perguntar
para si mesmos, pensem nisso antes de dormir hoje quando estiverem no
escuro do quarto, imaginem que vocês tivessem um anel desses e ao girar
o anel, vocês ficassem invisíveis: Como vocês agiriam? Pensem com
sinceridade, pensem em tudo o que vocês poderiam fazer com a
invisibilidade e perguntem-se o que seria certo e o que não seria. É
importante fazer esta reflexão para ajuda-los a penetrar naquilo que o
diálogo platônico está propondo. Façam este experimento mental
também. É muito mais fácil lermos o diálogo platônico e colocar-se numa
posição hipócrita ou presunçosa: “Eu jamais faria algo ruim se eu pudesse
ficar invisível, jamais, nunca, de jeito nenhum; eu nunca cometeria nenhum
crime, pois sou perfeito e moralmente exemplar...” – Esta é uma posição
muito fácil de nos imaginarmos, mas a verdade sabemos que é outra; com
raríssimas exceções - o que não impede que vocês estejam entre elas, pois
não estou pré-julgando ninguém – mas com raríssimas exceções,
faríamos alguma maldade, é ou não é? Nem que fosse para entrar na casa
de alguém e puxar o pé dela enquanto ela dorme. Alguma maldade nós
faríamos, não sei em que nível, mas para alguma ruim aproveitaríamos
para fazer alguma coisa de ruim. Talvez, aproveitássemos para fazer
coisas boas, mas não deixaríamos de fazer algumas maldades: Será que

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o homem justo, tendo a possibilidade de ficar invisível ele não roubaria?
Não mataria? Não cometeria nenhum tipo de crime? Será que o homem
justo não acabaria querendo agir como um Deus entre os homens? – diz
Gláucon.
Será que o homem justo, podendo se tornar invisível, manteria-se
inflexível na sua justiça? Esta é uma resposta que precisamos ter.
O próprio Gláucon discute as questões relativas ao poder da
invisibilidade e chega a conclusão de que ter a este poder é o mesmo que
não estar sujeito aos castigos da lei e da sociedade. Isto é, se você pode
ficar invisível, é maravilhoso! Você está completamente livre do peso
social e, neste caso, com certeza, as atitudes do homem justo seriam
iguais as do injusto. O homem justo seguiria, neste caso, os seus desejos
exatamente porque, no fundo, ele sabe que a injustiça é mais proveitosa
do que a justiça; e a situação, na verdade, é ainda pior, se um homem
tivesse a oportunidade de pegar os bens de outro e não usasse esta
oportunidade, ele seria considerado como um idiota! Um louco! Um doido!
(...) 48:00

48m00s a 01h01m33s –

Ele seria considerado como um doido, como um louco, e isso aconteceria mesmo se
diante dele as pessoas o elogiassem, quer dizer com medo, claro, de se tornarem vítimas
dele quando ele voltasse a ficar invisível. Então, a sociedade agiria de maneira hipócrita,
fingida. Na frente dele talvez até elogiassem, puxa, você pode ficar invisível e não se
aproveitou disso pra fazer nenhum mal, você não quis obter nenhum tipo de vantagem.
Nossa, mas você é um exemplo de caráter, é um homem exemplar. E depois, virando as
costas para ele e falando em outro lugar eles diriam, este é um idiota, tem tudo na mão,
poderia quem sabe ficar rico, poderoso e não sabe aproveitar aquilo que a vida lhe deu.
É assim que a sociedade agiria.
Então, vejam que o experimento proposto pelo Glauco, qual é o sentido dele? Com este
experimento dos dois anéis ele quer analisar a conduta do comportamento humano
como um todo, de maneira integral.
Então, o mito do anel que concede o poder de se tornar invisível reflete o quê? Reflete
esse sonho de invisibilidade, de uma invisibilidade que poderia libertar o homem de
todas as penas, quer dizer, de todas as sanções que a sociedade nos impõe. De maneira
que nós todos poderíamos agir de acordo com os nossos desejos.
Essa é a grande questão que está presente nesse trecho: o que um homem faria se as
penas, se as sanções sociais fossem eliminadas da sua vida e se não houvesse aí mais
nenhum limite de ordem moral ou espiritual?

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Isso é também uma outra coisa que vocês podem imaginar.
Imaginem que a gente vive em uma sociedade onde não há qualquer limite, não há
qualquer sanção para o comportamento do ser humano. Como seria uma sociedade
assim e, mais do que isso, como você se coportaria numa sociedade assim?
E aí Glaucon faz uma longa exposição sobre isso e nessa exposição ele tenta provar por
todos os meios que a obra prima da injustiça é você parecer ser justo, mas sem ser justo.
É uma pessoa não ser justa, mas ter toda a aparência de que ela é justa. E que essa é a
vida mais abençoada, inclusive, pelos próprios deuses.
Quando chega neste ponto do discurso o Sócrates acredita que ele vai poder falar,
porque o discurso do Glauco é longo, comprido, e ele acha que ele vai conseguir fazer a
réplica dele. Mas não, não consegue.
Logo a seguir já toma a palavra o outro irmão de Platão, que é o Adimanto e com
evidente ironia ele responde que isso é uma tolice, o Sócrates acreditar que ele vai poder
falar, que tudo já acabou. Não é nada disso. Nós temos mais para falar para você. E ele,
Adimanto, começa a sua própria argumentação, defendendo agora o oposto do que o
irmão disse, ou seja, exaltando os que louvam a justiça e criticam a injustiça.
Vejam que também é um outro discurso grande, é um outro monólogo grande em que
ele vai fazer um série de..., vai usar, inclusive citações de Homero, de Hesíodo. O
Adimanto completa com essa longa fala, com esse monólogo, os raciocínios do Glauco,
do irmão dele. Mas nós não podemos esquecer nenhum momento do que o Glauco disse
lá no começo. A proposta era de que os dois iriam fingir que defendiam as ideias do
Trasímaco e que eles levariam essas ideias até as suas últimas consequências e levariam
também até as últimas consequências o oposto das ideias do Trasímaco, a fim de que
então Sócrates pudesse finalmene chegar à essência do que era a justiça.
Então, vejam, isso é muito interessante.
Os discursos que eles vão apresentando, os dois irmãos, correspondem às diferentes
doxas, às diferentes opiniões existentes na sociedade daquele tempo, que eram ali
presentes na vida social em Atenas a respeito da justiça e da injustiça. Eles não estão
inventando nada. O Glauco, por exemplo, se refere às tradições, ou seja, como é que o
homem do senso comum aceita os padrões existentes sem discutir. Ele mostra também
a diferença que existe entre aparência e realidade. Porque as duas podem estar em
conflito, no sentido de que a ação justa está em conflito com os padrões legais e
inclusive com os costumes que imperam na vida social. O Glauco chega, inclusive, a
mostrar a divisão da própria consciência, o que acontece com a consciência dentro de
uma sociedade corrupta, que é exatamente essa divisão entre aparência e realidade.
Mas essa divisão leva a algo que é extremamente perigoso, que é a absorção da
realidade pela opinião, no sentido de que a opinião se sobrepõe àquilo que é a realidade.
Ela se sobrepõe à realidade, de maneira que a realidade não é mais a realidade, mas ela
se torna apenas a aparência daquilo que é socialmente dominante.

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Digamos que é o império da ideologia. E o que isso provoca? A completa inversão dos
valores, porque o desejo do ser humano passa a ser o de ser injusto, porque essa parece
ser a verdade, quando isso é apenas uma forma de você ser aceito em sociedade. E esse
é o risco, quer dizer, essa crise moral da sociedade é o que nós estamos experimentando
atualmente, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Hoje mesmo eu vi nas redes sociais
um vídeo interessantíssimo. Um sujeito com uma barba enorme, que parecia um
troglodita, de vestido, barba e bigode, um lenço na cabeça, não sei com quem ele estava
brigando, acho que era com um segurança de um shopping ou de um lugar assim, e ele
dizendo que ele era mulher e que ele tinha o direito de entrar no banheiro feminino.
Então, a aparência, gradativamente, e em muitos lugares do mundo já é absolutamente
normal, isso já é absolutamente aceitável, compreensível.
Na última vez em que eu estive nos EUA, acho que faz uns três, quatro anos, em vários
comércios em que eu fui, tinha um lugar em que eu gostava de tomar café, o banheiro
tinha se transformado num banheiro único. A parede que existia na penúltima vez em
que eu estive lá, já faz uns seis anos, ela já tinha sido derrubada e o banheiro já era
único. Quer dizer, a aprência se sobrepõe à verdade. E isso corrompe as pessoas, porque
elas se veem obrigadas a viver na mentira para não sofrerem retaliações e injustiças.
Quer dizer, nesse livro segundo, fica muito claro essa crise moral na sociedade. E essa
crise nasce da pressão social sobre o homem. Ou seja, viver na verdade, contra as regras
da aparência social, ou seja, quando todo o poder da sociedade se concentra apenas em
aparentar algo que não existe, algo que não é real, isso é um peso terrível para o ser
humano que faz essa opção de viver segundo a verdade, ou que pelo menos luta para
fazer essa opção. E o que acontece com a maioria? Ela escolhe viver apenas de acordo
com a aparência. E porque isso? Porque ela não aguenta a pressão da sociedade, ela não
aguenta a pressão da maioria, a pressão da mídia, a pressão da chamada opinião
pública. Ela não suporta a opinião.

01:29:22 a 1:43:16
Então, assim, quando a gente inicia essa segunda parte do livro 2 (do livro segundo), né?
Quando então o Sócrates vai aí começar a delinear a cidade ideal à qual necessariamente
corresponde o homem ideal, porque a cidade ideal só pode nascer do homem ideal, né?
Quer dizer, há uma mudança de tom na fala de Sócrates, né? Quer dizer, se vocês
prestarem atenção, nesse ponto o estilo de Platão é perfeito, né? Quer dizer, o Sócrates
abandona aquela forma de falar dele com o Trasímaco, que é a forma de falar de um
refutador, né? Quer dizer, de alguém que precisa enfrentar seu inimigo até com
violência para poder mostrar a verdade e onde ela está, né? E ele passa a se mostrar aí
menos interessado também nas definições abstratas, né? Ou nas análises aí de quais são
as virtudes, né? E... e... e ele quer o quê? Ele está primeiro então a apreciar as
concepções éticas, né? Quer dizer, acomodando essas ideias a respeito da ética com
essas concepções de justiça e injustiça ou confrontando essas concepções com a vida
concreta. Então, a resposta do Sócrates para os problemas que são colocados pelo

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Glauco e pelo Adimanto é uma tentativa de mostrar a possibilidade de que virtude e
felicidade podem viver em harmonia, né? Quer dizer, elas podem coincidir uma com a
outra, a virtude e a felicidade. Quer dizer, o homem virtuoso não está necessariamente
condenado a ser um pobre coitado como diz uma das opiniões, uma das doxas correntes
na Atenas daquela época. Então, quer dizer, o Sócrates então... o que é que ele vai
sugerir? Ele vai sugerir primeiro como que um alargamento do problema da justiça,
colocando esse problema numa situação concreta, né? Quer dizer, e que situação
concreta é essa? A vida de uma cidade. Por quê? Se a gente pudesse estabelecer antes
o que seria a justiça numa cidade-Estado grega, então nós poderíamos entender, por
analogia, o que é a justiça na vida, na essência do homem, né? Então, quer dizer,
percebem? Há uma interrelação que não pode ser quebrada para o Sócrates. A cidade
justa só vai nascer do homem justo. Não pode ser o contrário, né? Então o Sócrates
começa a mostrar: “Quais são as necessidades que uma vida social tem?”. Quer dizer:
“Se a gente vive numa cidade, como é que essa cidade se organiza? E se a gente tivesse
de criar uma cidade do zero?”, né? Quer dizer, “quais seriam as necessidades que nós
teríamos de suprir?”, né? Bom, então, assim, em primeiro lugar, claro, as necessidades
materiais, né? Habitação, alimento, vestuário, etc., né? Agora, para satisfazer essas
necessidades é necessário, também, você realizar uma divisão rígida das tarefas, né?
Quer dizer, de maneira que cada um se ocupe somente das atividades para as quais ele
tem propensão, ou ele tem interesse, ou ele tem talento. Quer dizer... e por que é que
tem de ser assim? Bom, porque, para que a cidade funcione bem, é preciso que quem
desempenha essas funções faça isso sempre com extrema qualidade, né? Então, esse é
um tema da chamada “teoria das competências” que vai estar presente em vários
diálogos platônicos, né? E para o Platão, a condição para o sucesso em qualquer
atividade é exatamente o conhecimento técnico dos seus procedimentos, né?, porque,
assim, para nós parece ser o óbvio, né? Mas isso naquele tempo não era tão óbvio assim.
Então, assim, uma sociedade onde não exista uma correta divisão de competências e
onde os homens ou onde os grupos sociais pretendam exercer funções sobre as quais
eles não possuem nenhuma habilidade, eles não têm nenhum conhecimento adequado,
quer dizer, o que é que vai acontecer? Bom, vai virar uma desordem completa, né? E
essa cidade vai estar condenada à autodestruição. Então, por esse motivo é que é
importante você criar uma classe de cidadãos que seja preparada para satisfazer, antes
de tudo, as necessidades materiais. Quer dizer, os cidadãos vão delegar para esse grupo
as atividades produtivas e comerciais. Quer dizer, essa primazia que o Sócrates reserva
para as necessidades básicas da sociedade mostra para nós, assim, de cara, que o Estado
apresentado n’A República, ele é só um modelo... ele é um modelo ideal, né? Mas não
é um modelo idealístico. Vejam bem a diferença entre uma coisa e outra. Esse modelo,
apesar da suposta perfeição que ele descreve, que ele apresenta, ele só pode ser
construído, né? Como? Quer dizer, a partir de homens que efetivamente agem dessa
maneira, de homens que também são ideais, né? Então, quer dizer, isso é muito
importante. O pensamento platônico não é ideológico. Ele não está tratando aqui da
cidade ideal como algo que ele quer que os políticos peguem e comecem a construir
amanhã. Quer dizer, A República não é um manual revolucionário que os políticos
atenienses deveriam ler e seguir as regras aqui colocadas para, do dia para a noite, por

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meio de um grupo de leis, transformar Atenas num Paraíso na terra. A questão não é
essa. Não, aqui se trata, repetindo, de uma investigação filosófica, né? Agora, acontece
que enquanto o Sócrates vai falando a respeito de tudo o que é necessário para essa
cidade, para que ela funcione, nós vamos percebendo o quê? Que, assim, as
necessidades só crescem, só aumentam, né? Quer dizer, elas vão se complicando. Cada
coisa que você cria, você cria novas necessidades e novas consequências, né? Então,
assim, é evidente que os homens, os habitantes dessa cidade não vão se contentar
apenas com a simples subsistência, né? Quer dizer, comer qualquer coisa, de qualquer
jeito, apenas para se manter vivo, né? Quer dizer, aliás, é como o próprio Glauco diz,
né? Quer dizer, ele usa uma expressão sarcástica para se referir a isso, né? Quer dizer,
uma cidade em que as pessoas só estivessem preocupadas em subsistir seria uma cidade
de porcos, né? Quer dizer, qual é o outro objetivo do porco a não ser comer, né? Quer
dizer, então não teria o menor cabimento uma cidade assim, né? Por quê? Porque os
homens têm desejos maiores, né? Quer dizer, então é assim que vão surgir as novas
atividades, e vão surgir novas classes, novos grupos, como o grupo dos produtores, né?
Então, assim, vai chegar o momento em que o próprio território dessa cidade não vai
ser mais suficiente para conter o número de habitantes dessa cidade-Estado, né? Bom,
e certamente também vão acontecer o quê? Também vão surgir conflitos de interesse,
né? Quer dizer, dentro da própria cidade e também em relação às cidades vizinhas, né?
Isso é fatal, né? Bom, e será a inevitabilidade dessas diferenças, né? Vai ser ela, que é a
inevitabilidade da própria guerra, que vai impor o quê? O surgimento da classe dos
guardiões ou dos guerreiros, que vão ter a tarefa de defender a cidade. Bom, mas
acontece que para o Sócrates a formação desses guardiões é complexa, né? Ela é
complexa porque, assim, eles não podem ser apenas soldados com um excelente
adestramento físico, né? Quer dizer, não, mas eles precisam ser (o Sócrates usa essa
expressão, né?) como cães bem treinados. Ou seja, eles têm de ser capazes de ser duros
com os inimigos e ser amáveis, mansos, com os amigos, né? Agora, se a gente analisa
essas qualidades que os guardiões necessitam ter de um ponto de vista absolutamente
natural, quer dizer, parece que há uma oposição entre essas qualidades, né? Quer dizer,
parece que elas são incompatíveis, né? Quer dizer, e de fato, quando se trata de formar
uma pessoa, só os dons naturais não são suficientes, não é verdade? Quer dizer, imagine
o crescimento de uma criança em cuja formação só prevalecessem os dons naturais
dela, né? Quer dizer, ela sequer seria alfabetizada, ela sequer conseguiria se locomover
direito, né? Quer dizer, a criança tem de ser, desde o início, chamada à vida
constantemente pelos pais. Uma criança abandonada num berço num quarto escuro
corre o risco de ficar cega, né? Então, assim, no caso do guardião, para que ele possa
saber quando ele tem de ser uma coisa e quando ele tem de ser outra, ou seja, para que
ele possa ter discernimento, para que ele possa reconhecer os seus oponentes e os seus
amigos, ele precisa o quê? Ele precisa reconhecer o que é o bem e o que é o mal. Ele
precisa ter uma formação ética. Então, na verdade, para o Sócrates, o guardião precisa
ser como um filósofo, né? Quer dizer, um filósofo no sentido etimológico da palavra. Ele
precisa ser um amigo da sabedoria.

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01:43:16 até 01:56:10
...e essa qualificação, uma alta qualificação, na verdade, essa alta qualificação
vai dar para o guardião uma responsabilidade ainda maior, quer dizer, ele não vai
ser só o defensor de um estado, só o defensor de uma cidade, mas ele precisa saber
compartilhar esses valores éticos também....exatamente os valores éticos sobre os
quais a cidade se mantém, sobre os quais a cidade se sustenta. Ele tem que ser
um propulsor da ética, digamos, entre todos os cidadãos. Por quê? Porque o que
sustenta a cidade são os cidadãos.
A partir desse ponto, o que acontece? O Sócrates precisa explicar então, como
é que esses homens, esses guardiões, podem se transformar nesse modelo
perfeito. Ou seja, Sócrates tem que explicar qual vai ser o modelo educacional
mais adequado para alcançar essa meta de transformar os guardiões em filósofos.
Então, o Sócrates sugere que eles sejam educados por meio da ginástica e da
música, inicialmente – a música aí abrange todas as artes, todas as disciplinas
que podemos chamar de humanísticas, incluindo as disciplinas literárias. Essa
divisão entre música e ginástica se baseia no fato de que o Homem é composto
de duas naturezas diferentes: ele é corpo e ele é alma. A ginástica e a música vão
criar uma harmonia que a gente poderia definir como psicofísica, ou seja, uma
uniformidade equilibrada de comportamentos e intenções nesses guardiões.
Percebam que a ideia do Platão é muito complexa. Se esses guardiões precisam
se comportar como filósofos, quer dizer, se eles precisam amar a sabedoria, então
se trata de formar profundamente o caráter desses homens. Quer dizer, você
precisa educar, inclusive, os próprios impulsos naturais que eles têm, os próprios
instintos que eles têm. Tudo o que pode atrapalhar a formação do caráter desses
homens, deve ser excluído.
Sócrates começa a dizer que tem certos trechos de Homero que precisam ser
excluídos, tem certos trechos de Hesíodo, quer dizer, todos os trechos da poesia,
das obras literárias, que expressem comportamentos negativos ou tenham
descrições irreverentes de heróis ou dos deuses. Aqui a gente entra numa outra
questão: a questão da leitura e o papel do poeta nessa sociedade, que é uma
questão que vai reaparecer em outros trechos da República; neste livro, que é o
livro II e no próximo, o livro terceiro, nós vemos que, para Sócrates, a poesia pode
produzir resultados imorais, mas se isso acontece, acontece por razões existentes
na própria natureza da poesia. Uma delas, por exemplo, é o fato de a poesia lidar
com uma variedade imensa de sentimentos, com o bom e com o mal, com o prazer
e com a dor, ou seja, a poesia se ocupa com ficções, com histórias que não existem
realmente e muitas vezes, essas ficções são condenáveis, muitas vezes, essas
ficções tratam de mentiras que são realmente más. Ou seja, Homero, Hesíodo, os
dramaturgos, ao invés de representarem Deus como o Bom e fonte de todo o Bem,
eles apresentam uma série de divindades que assumem características humanas,
divindades antropomórficas, que são barulhentas, que são falsas, que são
vingativas, que são fofoqueiras e esses escritores expõem os heróis como
emotivos, muitas vezes até com atos de covardia; quer dizer, os homens malvados
são tratados como ricos e os homens justos, como pobres miseráveis e todas essas
questões vão surgir com mais veemência, com mais força, lá no livro décimo da

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República, de maneira que não vamos entrar nessa questão agora, mas é bom a
gente começar a prestar atenção nessas coisas. O livro X inclusive, segundo
alguns estudiosos, é escrito muitos anos depois do livro primeiro e segundo. E é
assim que nós chegamos ao final do livro II. Então, agora, quem quiser fazer
pergunta, podemos conversar.
(Kellen Faria) Glauco, ao seguir, o que Trasímaco disse, mesmo que sem
rancor, não utiliza do sofismo para que Socrates explique a verdade? Há certa
utilidade do sofismo para demonstrar os enganos e chegar à verdade?
(Rodrigo Gurgel) Tudo bem, Kellen? Neste caso, o comportamento de um
sofista é usado de maneira proposital para fazer com que o Sócrates possa refutar
tudo o que o sofista pensa. Esse uso é um uso que não é um engano do Glauco.
Ele diz “eu vou usar, apesar de todos os erros, porque aprofundando os erros e
falando aqui como se eu pensasse dessa maneira, vai ajudar você a definir o que
é certo e o que é errado. Onde está a justiça e a injustiça. É um recurso retórico
que o Glauco usa, o que não quer dizer que o comportamento sofístico seja
positivo, necessariamente. Ele é usado aqui apenas como uma ferramenta para
permitir que o Sócrates se expresse de maneira completa, algo que ele não
conseguiu fazer no primeiro livro.
(Pedro Henrique) Que tipo de bem poderíamos fazer sendo invisíveis, que não
poderíamos agora?
(Rodrigo Gurgel) Bom, um tipo de bem que a gente pudesse fazer e que nós
não conseguiríamos fazer sendo visíveis, em alguns casos mais radicais, seria, por
exemplo, ajudar os nossos inimigos. Uma pessoa que nos quer profundamente
mal, que deseja o nosso mal a qualquer preço, ela certamente não permitiria que
nós entrássemos na vivência dela, para auxiliá-la de alguma forma. Ela
certamente recusaria esse Bem; aliás, como o próprio Trasímaco age, no livro
primeiro da República. Se vocês lembrarem de como é que começa o diálogo do
Trasímaco com o Sócrates...quer dizer, o Trasímaco parte do princípio de que o
Sócrates é um enganador. Quer dizer, só a muito custo o Sócrates consegue
desarmar o Trasímaco e mostrar ao Trasímaco que ele está em busca da Verdade.
Porque o Trasímaco tem verdadeira repulsa pelo comportamento do Sócrates. Ele
não quer aceitar o benefício de um diálogo com o Sócrates. E podemos pensar em
outros tipos de bens.
Pense, por exemplo, numa família que fosse extremamente pobre, que
estivesse passando grandes necessidades, mas que, ao mesmo tempo fosse
profundamente orgulhosa. Nós, sendo invisíveis, poderíamos abastecer a
despensa dessa casa, sem que ninguém notasse. E as coisas surgiriam como que
por um milagre. As pessoas acreditariam que os alimentos estariam surgindo ali
como um milagre. Podemos pensar numa série de outros exemplos.
Há uma pessoa que luta contra o aborto, aqui no Brasil, e consegue fazer isso
escondido. Teve que criar uma rede invisível de pessoas, que trabalham com ele,
espalhadas por todo o território nacional.

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02:10:07 até 02:22:57

Vai discordar de Platão desse ponto, Aristóteles na poética ele vai dizer o que? Não, não
é nada disso, é o contrário, ao contrário. Não é, a dramaturgia, o teatro, a poesia, a
literatura. Ela tem a capacidade de purgar os maus sentimentos.
Como é que isso ocorre?
Bom, você se senta para assistir uma peça de teatro, você viu o mau acontecendo ali
interpretado pelos atores, e nesse momento, então, o que acontece?
Nesse momento você purga o mal que existe dentro de você. Graças ao fato de você ver
o mal correndo ali você supera o mal que existe dentro de você.
Então, percebe como esse é um assunto extremamente polêmico.
Mas nós vamos tratar mais disso no decorrer da leitura da República, porque é um
assunto que aparece muitas vezes.

Professor, podemos vir nos lembrar uma cidade ideal, como que invisível, formada por
pessoas que buscam a vida virtual no silêncio da oração, do estudo do serviço ao
próximo?
Claro. Essa Cidade Invisível, ela existe, ela está presente, eu acho até engraçado quando
eu vejo algumas pessoas, então tem um pessoal niilista né? “Não, o mundo é só tristeza,
só desilusão, é só traição, é só maldade, é só covardia, é só desengano.”
E aí eu saio daqui ando três esquinas, vou até a padaria e me sento lá para conversar
com o balconista e nesse transcurso, andando daqui até a padaria e voltando ou
encontro um monte de gente fazendo coisas boas, sendo gentis, sendo educadas, não
é? Encontro, pessoas generosas. É uma Cidade Invisível, que esses niilistas, essas
pessoas que acham que a sociedade é o mundo, é só o lugar do mal, da tristeza, do
desengano, da traição, da maldade, eles simplesmente não conseguem enxergar a
bondade, mas ela de fato existe.
A virtude tanto existe, que hoje é sábado, não é? Exatamente às 18:04h tem 64 pessoas
aqui conversando comigo ao vivo a respeito da importância da justiça. Quer dizer, eu
quero crer que essas pessoas não estão apenas interessadas em estudar
superficialmente um livro chamado República, mas elas estão interessadas em buscar a
justiça na sua própria vida também.

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Quer dizer, essas 62 pessoas estão aqui hoje não preocupadas apenas em serem
eruditas, mas elas sabem que o poder que a leitura tem: de trazer esses valores todos
que estão sendo discutidos neste livro para as suas próprias vidas. Não é verdade?

O comportamento do homem justo. Pode estar presente nas pequenas atitudes


diárias, não é, professor?
Mas é Claro.
Mas quem é o homem justo?
O homem justo é exatamente este homem que em silêncio vive a sua vida de maneira
virtuosa. O homem justo não é o herói, o herói trágico que sai armado e luta contra
todos e contra tudo para criar uma nova ordem social, não é? Até pode existir heróis
desse tipo, mas há uma infinidade, há milhões de heróis silenciosos neste momento
vivendo uma vida justa em silêncio no seio da sua família ou na sua vida solitária
recusando o mal a cada momento e dizendo não para a injustiça e agindo de maneira
justa.
Aliás, se não se não existissem essas pessoas, nós todos estaríamos mortos. Nós nem
existiríamos mais o mundo já estaria destruído, porque os homens teriam se devorado
uns aos outros, como animais.

Professor, às vezes tenho a impressão que a República ficaria muito bem se fosse
encenada, o que acha?
Eu acho que sim, acho que sim. Teria Claro haver uma grande adaptação, não é?
Por que?
Se não, ficaria muito cansativo.
Mas eu acho que uma encenação da República seria interessantíssima, nossa ou quem
sabe até filmada também, já pensou em uma série na Netflix tratando da República.
Né? Com todos os diálogos acontecendo com bons atores. Aí três temporadas da
República de Platão, seria fascinante! E eu digo mais, hein? Se fosse uma boa produção
ia até ter uma puta audiência, tenho absoluta certeza porque as pessoas estão em busca
de coisas boas. Não é?
Nós estamos acostumados a acreditar que as pessoas só querem coisas ruins, só querem
coisas negativas, mas não, se você mostrar o bem, o bom para o ser humano, nossa! Ele
sai, ele corre atrás do bem e da bondade como um cachorro morto de fome. Eu tenho
certeza absoluta.

Quando alguém segue é verdade, e a põe em prática, é isso que chamamos de justiça?

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Sim. É verdade, é, mas não a verdade, assim não é verdade no seu sentido: “Sei lá, qual
é o centro do Sistema Solar, é o Sol mesmo?”
Não estamos falando de verdade física nós estamos falando de verdades éticas. Quer
dizer, o que é a bondade? O que é a maldade? Se você segue a verdade você age de
maneira justa.

É isso aí, bem se alguém tiver mais perguntas pode ficar à vontade. Aqui, ninguém
morde.
Aliás, ontem, ontem eu conversava com o Rodrigo, meu filho está aqui, a respeito disso:
a respeito dessa questão da virtude em Santo Agostinho.
O que Santo Agostinho fala, Rodrigo?
Ordenação do amor, a ordem do amor.
A virtude é a ordem do amor, Santo Agostinho.
Muito, muito, muito interessante, não é? Não é perfeito? A virtude é a ordem do amor,
a ordenação do amor.
Vocês percebem como essa ideia da ordenação da virtude como ordenação do amor. É
assim, lembrando que Agostinho foi um grande leitor de Platão, isso muda inclusive a
concepção platônica em relação aos poetas.
Se você vê a virtude como a ordem do amor, então você está livre para ler as mentiras
que os poetas contam. Porque se você é movido pelo amor, pelo amor verdadeiro, pelo
amor sincero, você vai compreender perfeitamente que aquilo é uma mentira. Ele vai
conseguir discernir entre o bem e o mal. Ou seja, não há necessidade nenhuma de você
simplesmente censurar os textos, não é?

Professor, mas existe mais de uma verdade?


Bom, para algumas coisas simples, sim, não é?
Então, assim eu posso dizer que isso aqui, esse apoiador de cachimbo aqui é marrom,
mas uma pessoa pode dizer não, isso aqui não é bem um marrom, isso aqui é um tom
de marrom que se aproxima mais do que a gente poderia chamar de ocre. Percebe, há
sutilezas!
Mas se eu digo aqui está um apoiador de cachimbo. Essa é a verdade e ninguém pode
chegar e dizer: não, você não tem um apoiador de cachimbo na sua mão, você está
mentindo, a sua mão está vazia. Nesse sentido não existe mais do que uma verdade.
Agora, há nuances?
Há nuances.

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Por exemplo: algo em caso em que é justo você matar outra pessoa?
Se for para defender a sua filha, por exemplo, está sendo violentada na sua frente não
seria justo de ser matar o violentador?
No entanto, isso não significa que matar é sempre justo e correto. Percebem?

2:22:57 até 2:37:48


2:22:57
Aluno: Professor, a lenda do anel de Giges pode servir como um bom
exame de consciência?
Professor: Claro, foi o que eu propus para vocês. Hoje quando vocês se
deitarem, antes de dormir, pensem no que vocês fariam se vocês
pudessem se tornar invisíveis. Mas pensem sem censura; não fiquem
dizendo para vocês mesmos que vocês são exemplos de santidade, que
vocês não são, como eu também não sou, ninguém é; não fiquem
idealizando coisas e analisem friamente com sinceridade absoluta: o que
vocês fariam se pudessem ser invisíveis e depois voltar a ser visíveis?
Vocês podem até ir mais fundo: quantas coisas erradas eu fiz
quando eu sabia que ninguém estava vendo? (risos)
Vou dar um exemplo simples e divertido para vocês, por exemplo,
meu pai que morreu muito jovem, aos 54 anos de idade tinha uma
diabetes terrível; tomava altas doses de remédios. No final da vida
precisou, inclusive de insulina. Claro, minha mãe o levava num regime
cortado em casa. Ela só fazia o que o médico mandava. Depois que meu
pai morreu - não por causa da diabete, mas outros problemas, claro essa
doença complicou os outros problemas de saúde – muitos meses depois
de sua morte, minha mãe, ao arrumar determinado armário, ainda
encontrava latas de leite condensado abertas e emboloradas que ele
comia escondido. Então, a invisibilidade! Vai saber o que ele fazia
enquanto todos dormiam! Ele descia, abria a lata de leite condensado e
tomava a lata, escondia para o dia seguinte para poder comer mais um
pouco: são os benefícios da invisibilidade! (risos)
Aluno: Professor, mas para Platão, um homem não pode ser bom e mal
ao mesmo tempo?
Professor: Pode, ele tem consciência disso, claro! Ele tem consciência da
complexidade que é o ser humano, pois ele não idealiza o ser humano.
Por isso que eu falo para vocês A República é uma investigação filosófica;
não é um tratado de verdades a respeito do homem ou a respeito da
sociedade. A República é uma investigação filosófica, isto é, como os

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homens se comportam, como agem, como agiriam se fossem virtuosos?
Por que a virtude é um bem em si mesma? Como seria a sociedade em
que a virtude fosse predominante? – São perguntas que vão sendo
colocadas com o objetivo para que nós pensemos e passemos a viver como
filósofos fazendo essas reflexões no nosso dia a dia. Compreendeu? Esse
é o objetivo da República e esse é o objetivo da nossa leitura, ou seja, é
perceber exatamente estas dicotomias e contradições que existem no
comportamento humano e tentar, de alguma maneira, superá-las.
Grandes Santos viveram esta contradição. Você vai ler São Paulo que
dizia: “Desejo o bem que quero, mas faço o mal que não quero” - Ele
fala claramente, isto é, eu quero uma coisa e faço outra! Essa é a
realidade do ser humano. Como ninguém aqui diz que Sócrates foi um
modelo de perfeição humana, que ele era um iluminado, um pré-
figuração de Jesus Cristo! Não! Tudo isso é bobagem idealista! Não se
trata disto. O que nós estamos fazendo é uma investigação filosófica,
estamos questionando a nós mesmos e a realidade para encontrar as
respostas para os problemas que nós enfrentamos.
Aluno: Sócrates seria contrário a que se “registrassem um texto e suas
ideias”?(Platão que nos legou) mas há um registro em algum texto do
Platão dessa oposição do Sócrates...?
Professor: Sim/Sim, existe. Há um diálogo, que não me lembro agora o
nome em que isso aparece em dois ou três diálogos. Sócrates falando
claramente que acha a memorização ser a maneira correta de
aprendizado porque quando você memoriza e não depende do que está
escrito, você, então, está livre para investigar a verdade sempre. A partir
do momento em que algo é escrito, ele ganha um status de verdade e é
mais difícil de contestar. A partir do momento em que as coisas
começassem a ser escritas, os homens perderiam a coragem de ir contra
àquelas ideias. No momento, não me lembro em que diálogo está escrito,
mas Sócrates diz isso claramente; e claro que Platão o desobedeceu, tanto
que escreveu os diálogos, mas ele conta em dois ou três diálogos, se não
me engano, em que Sócrates fala claramente isso.
Aluno: Professor, me surpreendeu ver Sócrates como censor, me lembrou
esse pessoal que quer reescrever as histórias infantis que sempre lemos.
Professor: Sim, é verdade, mas você precisa levar em conta isso: ele está
tratando do que seria o ideal porque se você for ver a prática de Sócrates,
a maneira como ele dirige e leva os diálogos, o comportamento dele é
exatamente o de alguém anti a censura porque ele é o grande
questionador, isto é, a maiêutica, o processo dele de chegar a verdade de
fazer perguntas sobre perguntas e sobre perguntas e questionando
àquelas falsas certezas que as pessoas têm. Compreende? Este é o
Sócrates real. Aqui estamos falando de uma situação que poderia ser
ideal. É uma investigação filosófica e não um tratado político em que
Sócrates está dizendo que toda a cidade para funcionar bem é preciso

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fazer censura. É difícil fazer essa separação na nossa cabeça porque
estamos acostumados a ler tratados políticos ou filosóficos como se eles
nos apresentasse o que deve ser feito, não é mesmo? Nós estamos
tremendamente influenciados pela filosofia revolucionária, pois se você lê
Marx, por exemplo, não é uma investigação a respeito...Não! Eles estão
apresentando soluções de como o Estado deveria ser construído para ser
o estado ideal; a ditadura do proletariado... Não! Sócrates e Platão não
têm soluções prontas e eles não querem que seus leitores tenham
soluções; eles estão discutindo as questões, compreendeu? É
completamente diferente, tanto que, como eu disse, se você for ver o
comportamento do Sócrates na prática, o comportamento dele era outro,
exatamente o do questionador. Além disso, não podemos esquecer que
há uma linha de estudos a respeito de Platão que diz: os grandes
ensinamentos platônicos, as coisas essenciais não foram colocadas no
papel, o próprio Platão diz isso em uma de suas cartas; ele diz isso
claramente: Há assuntos a respeito dos quais só é possível tratar por
meio de um diálogo sincero com aqueles que pertencem a minha
academia, com aqueles que são meus alunos. Isso não tem como
sabermos nunca. Aquilo que ele nos deixou pode ser apenas a superfície
do que ele debatia com seus alunos na Academia Platônica.
Aluno: Platão colocava a justiça como a suprema ou a primeira das
virtudes? Ou foi o contexto do diálogo?
Professor: Não, é o contexto do diálogo. O principal é a busca das
virtudes; para um homem agir de maneira justa é preciso que ele tenha
outras virtudes, não é mesmo? Ele precisaria ser um homem plenamente
virtuoso.
Mensagem final: Muito bem pessoal, terminamos.
Um abração para vocês. Desejo que vocês tenham um excelente
Natal com as suas famílias, um Natal - para aqueles que forem católicos
como eu - que seja um Santo Natal com as famílias de vocês realmente
unidas em torno desta grande solenidade que comemora a encarnação de
Deus no meio dos homens; e que vocês também tenham uma ótima
passagem de ano; e logo no início do ano, retomamos o Seminário com força
total, temos um grande trabalho pela frente. Vamos terminar logo A
República e partir para outras aventuras no mundo da literatura. Um
abração e tudo de bom, pessoal! - 2:37:48

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