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504-65
SEMINÁRIO DE LITERATURA – PROF. RODRIGO GURGEL
Platão: A República
Transcrita por:
00:19:38 a 00:33:44
Nós terminamos sábado passado o livro um com diálogo entre o sofista Trasímaco e
Sócrates, em que o sofista é convencido pelo Sócrates, ou se não é convencido, pelo
menos é derrotado nos seus argumentos, ele não consegue levar adiante as Ideias que
ele tem. Bom, vocês devem se recordar quando termina o livro um o próprio Sócrates
se diz insatisfeito, ele não está contente com o resultado dos 3 diálogos: com o Céfalo
com Polemarco e com Trasímaco, porque ele acha que esses 3 diálogos foram de alguma
forma superficiais. Ficaram lá tratando das qualidades da justiça, mas não discutiram o
que realmente interessa a Sócrates, que é a essência da justiça. Então ele termina O livro
primeiro reclamando, dizendo que é, foi bom tudo, mas não era bem o que eu pretendia,
não era o que eu queria. Então nós começamos o livro 2 com o Sócrates que acredita
que ele finalmente vai ficar livre vai poder voltar para a cidade, não vai ter que continuar
conversando, infelizmente não alcançou os objetivos dele, mas tudo bem, fica pra outra
data e eu estou livre para abandonar o Pireu, para abandonar o Hades, o porto, a região
que simboliza o Hades e, finalmente, poder subir de volta à cidade. Inclusive, porque é
isso que ele deseja desde o início ele foi lá, desceu, olhou, viu, participou, inclusive um
pouquinho da festa a em homenagem a deusa dos Trácios, a deusa que leva as pessoas
para o Hades, que conduz as pessoas para o Hades. E na subida, voltando para a cidade,
ele é interrompido por esse grupo, um dos escravos do Polemarco chega inclusive a
segurar ele pela túnica para impedir que ele continue subindo e o grupo força ele aí pra
casa do Céfalo, que é pai do Polemarco, para eles conversar. Então, na verdade, o
Sócrates está lá contra a vontade, o desejo dele é retornar para o alto, retornar para a
cidade. Bom, apesar de estar ali apenas por isso, insistência desse grupo, o grupo quer
continuar ouvindo o Sócrates. Então, para surpresa dele, esses 2 personagens que vão
estar no centro do diálogo do livro 2, o Glauco é o Adimanto, que são participando
diálogo desde o início, assistiram ao aos diálogos que estão no livro um, esses 2 jovens,
que inclusive são irmãos de Platão, eles querem continuar conversando. Eles acham,
eles também estão insatisfeitos com o resultado alcançado nas conversas anteriores, e
eles querem retomar a conversa. E o Glauco, então, que é o primeiro a falar, ele retoma
aquilo que o Sócrates já havia dito no livro primeiro, que ele gostaria de ter falado do
48m00s a 01h01m33s –
Ele seria considerado como um doido, como um louco, e isso aconteceria mesmo se
diante dele as pessoas o elogiassem, quer dizer com medo, claro, de se tornarem vítimas
dele quando ele voltasse a ficar invisível. Então, a sociedade agiria de maneira hipócrita,
fingida. Na frente dele talvez até elogiassem, puxa, você pode ficar invisível e não se
aproveitou disso pra fazer nenhum mal, você não quis obter nenhum tipo de vantagem.
Nossa, mas você é um exemplo de caráter, é um homem exemplar. E depois, virando as
costas para ele e falando em outro lugar eles diriam, este é um idiota, tem tudo na mão,
poderia quem sabe ficar rico, poderoso e não sabe aproveitar aquilo que a vida lhe deu.
É assim que a sociedade agiria.
Então, vejam que o experimento proposto pelo Glauco, qual é o sentido dele? Com este
experimento dos dois anéis ele quer analisar a conduta do comportamento humano
como um todo, de maneira integral.
Então, o mito do anel que concede o poder de se tornar invisível reflete o quê? Reflete
esse sonho de invisibilidade, de uma invisibilidade que poderia libertar o homem de
todas as penas, quer dizer, de todas as sanções que a sociedade nos impõe. De maneira
que nós todos poderíamos agir de acordo com os nossos desejos.
Essa é a grande questão que está presente nesse trecho: o que um homem faria se as
penas, se as sanções sociais fossem eliminadas da sua vida e se não houvesse aí mais
nenhum limite de ordem moral ou espiritual?
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Então, assim, quando a gente inicia essa segunda parte do livro 2 (do livro segundo), né?
Quando então o Sócrates vai aí começar a delinear a cidade ideal à qual necessariamente
corresponde o homem ideal, porque a cidade ideal só pode nascer do homem ideal, né?
Quer dizer, há uma mudança de tom na fala de Sócrates, né? Quer dizer, se vocês
prestarem atenção, nesse ponto o estilo de Platão é perfeito, né? Quer dizer, o Sócrates
abandona aquela forma de falar dele com o Trasímaco, que é a forma de falar de um
refutador, né? Quer dizer, de alguém que precisa enfrentar seu inimigo até com
violência para poder mostrar a verdade e onde ela está, né? E ele passa a se mostrar aí
menos interessado também nas definições abstratas, né? Ou nas análises aí de quais são
as virtudes, né? E... e... e ele quer o quê? Ele está primeiro então a apreciar as
concepções éticas, né? Quer dizer, acomodando essas ideias a respeito da ética com
essas concepções de justiça e injustiça ou confrontando essas concepções com a vida
concreta. Então, a resposta do Sócrates para os problemas que são colocados pelo
Vai discordar de Platão desse ponto, Aristóteles na poética ele vai dizer o que? Não, não
é nada disso, é o contrário, ao contrário. Não é, a dramaturgia, o teatro, a poesia, a
literatura. Ela tem a capacidade de purgar os maus sentimentos.
Como é que isso ocorre?
Bom, você se senta para assistir uma peça de teatro, você viu o mau acontecendo ali
interpretado pelos atores, e nesse momento, então, o que acontece?
Nesse momento você purga o mal que existe dentro de você. Graças ao fato de você ver
o mal correndo ali você supera o mal que existe dentro de você.
Então, percebe como esse é um assunto extremamente polêmico.
Mas nós vamos tratar mais disso no decorrer da leitura da República, porque é um
assunto que aparece muitas vezes.
Professor, podemos vir nos lembrar uma cidade ideal, como que invisível, formada por
pessoas que buscam a vida virtual no silêncio da oração, do estudo do serviço ao
próximo?
Claro. Essa Cidade Invisível, ela existe, ela está presente, eu acho até engraçado quando
eu vejo algumas pessoas, então tem um pessoal niilista né? “Não, o mundo é só tristeza,
só desilusão, é só traição, é só maldade, é só covardia, é só desengano.”
E aí eu saio daqui ando três esquinas, vou até a padaria e me sento lá para conversar
com o balconista e nesse transcurso, andando daqui até a padaria e voltando ou
encontro um monte de gente fazendo coisas boas, sendo gentis, sendo educadas, não
é? Encontro, pessoas generosas. É uma Cidade Invisível, que esses niilistas, essas
pessoas que acham que a sociedade é o mundo, é só o lugar do mal, da tristeza, do
desengano, da traição, da maldade, eles simplesmente não conseguem enxergar a
bondade, mas ela de fato existe.
A virtude tanto existe, que hoje é sábado, não é? Exatamente às 18:04h tem 64 pessoas
aqui conversando comigo ao vivo a respeito da importância da justiça. Quer dizer, eu
quero crer que essas pessoas não estão apenas interessadas em estudar
superficialmente um livro chamado República, mas elas estão interessadas em buscar a
justiça na sua própria vida também.
Professor, às vezes tenho a impressão que a República ficaria muito bem se fosse
encenada, o que acha?
Eu acho que sim, acho que sim. Teria Claro haver uma grande adaptação, não é?
Por que?
Se não, ficaria muito cansativo.
Mas eu acho que uma encenação da República seria interessantíssima, nossa ou quem
sabe até filmada também, já pensou em uma série na Netflix tratando da República.
Né? Com todos os diálogos acontecendo com bons atores. Aí três temporadas da
República de Platão, seria fascinante! E eu digo mais, hein? Se fosse uma boa produção
ia até ter uma puta audiência, tenho absoluta certeza porque as pessoas estão em busca
de coisas boas. Não é?
Nós estamos acostumados a acreditar que as pessoas só querem coisas ruins, só querem
coisas negativas, mas não, se você mostrar o bem, o bom para o ser humano, nossa! Ele
sai, ele corre atrás do bem e da bondade como um cachorro morto de fome. Eu tenho
certeza absoluta.
Quando alguém segue é verdade, e a põe em prática, é isso que chamamos de justiça?
É isso aí, bem se alguém tiver mais perguntas pode ficar à vontade. Aqui, ninguém
morde.
Aliás, ontem, ontem eu conversava com o Rodrigo, meu filho está aqui, a respeito disso:
a respeito dessa questão da virtude em Santo Agostinho.
O que Santo Agostinho fala, Rodrigo?
Ordenação do amor, a ordem do amor.
A virtude é a ordem do amor, Santo Agostinho.
Muito, muito, muito interessante, não é? Não é perfeito? A virtude é a ordem do amor,
a ordenação do amor.
Vocês percebem como essa ideia da ordenação da virtude como ordenação do amor. É
assim, lembrando que Agostinho foi um grande leitor de Platão, isso muda inclusive a
concepção platônica em relação aos poetas.
Se você vê a virtude como a ordem do amor, então você está livre para ler as mentiras
que os poetas contam. Porque se você é movido pelo amor, pelo amor verdadeiro, pelo
amor sincero, você vai compreender perfeitamente que aquilo é uma mentira. Ele vai
conseguir discernir entre o bem e o mal. Ou seja, não há necessidade nenhuma de você
simplesmente censurar os textos, não é?