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Dejalma Cremonese

As formas de Governo e o Mito da Caverna na República de Platão

Santa Maria – 2016


Sumário
O Autor 3
Introdução 4
1 A Alegoria da Caverna 5
2 As formas de Governo 14
3 A teoria da reminiscência 17
4. O anel de Giges 18
Referências 20
O Autor

Dejalma Cremonese é Licenciado em Filosofia pela FAFIMC -


Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição - Viamão RS (1990); Cursou 2
anos de teologia na FAPAS - Santa Maria RS (1991-1992); É Especialista
em Pesquisa Científica FIC (Unifra) (1993-1994); Mestre em Filosofia pela
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria - RS (UFSM) (1996); e
Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS) (2006). Atualmente é professor Adjunto III do Departamento
de Ciências Sociais da UFSM. Professor do Mestrado em Ciências Sociais
da UFSM. Tem experiência nas áreas das Ciências Humanas e Sociais com
ênfase em Filosofia Política e Teoria Política. É palestrante atuando
principalmente nos temas da Formação Humana e Relações Sociais:
Filosofia, Ética, Felicidade e Política.
Contato
Site: www.capitalsocialsul.com.br
E-mail: dcremoisp@yahoo.com.br
Fones: (55) 3347 5331 – (55) 99305331
Introdução

Platão nasceu em Atenas em 428 a.C., quando a civilização grega se


encontrava em declínio. A falta de uma tradição biográfica confiável
compromete a verdade sobre este ilustre filósofo. Sabemos que no ano 380
Platão funda sua Academia, uma escola de formação filosófica.1
O filósofo não tomou parte em assuntos políticos.2 Teve como mestre
Sócrates, cuja preocupação era, exclusivamente, as questões humanas, ao
contrário dos filósofos anteriores, os pré-socráticos, que se preocupavam
com a origem do cosmos.3 Uma das principais passagens da filosofia
platônica está expressa, como veremos logo à frente, no Livro VII de A
República, onde Platão apresenta a alegoria da caverna, na qual o filósofo
faz oposição entre o mundo ideal e o real. Para Platão, o mundo ideal é o
verdadeiro: “A terra é uma profunda caverna que a luz da razão não
consegue atravessar. Somos prisioneiros acorrentados nessa caverna e os
objetos que vemos são meras sombras da realidade, a passar nas paredes
escuras, diante de nossa vida. O mundo perfeito, o mundo real, existe numa
ideia (no céu) e o mundo em que vivemos é apenas uma imagem
imperfeita”.4
Este ensaio tem como objetivo dissertar sobre as ideias básicas de
Platão na obra A República. Inicialmente apresentamos um fragmento e
uma explicação do Livro VII onde Platão apresenta a conhecida Alegoria
da Caverna. Logo após destacamos as formas de governo em Platão e, um
breve argumento sobre a sua teoria da reminiscência. Por fim, discute-se os
fundamentos morais em Platão com a história do pastor Giges.
1 A Alegoria da Caverna

Texto: A alegoria da caverna – A República (514a-517c)5


_ Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de
educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer.
Imagine, pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de
caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os
homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo
pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para
ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima
por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um
caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno
muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre
eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o
espetáculo.
_ Glauco: Entendo
_ Sócrates: Então, ao longo desse pequeno muro, imagine homens que
carregam todo o tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro;
estátuas de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer
outro material. Provavelmente, entre os carregadores que desfilam ao longo
do muro, alguns falam, outros se calam.
_ Glauco: Estranha descrição e estranhos prisioneiros!
_ Sócrates: Eles são semelhantes a nós. Primeiro, você pensa que, na
situação deles, eles tenham visto algo mais do que as sombras de si mesmos
e dos vizinhos que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente?
_ Glauco: Como isso seria possível, se durante toda a vida eles estão
condenados a ficar com a cabeça imóvel?
_ Sócrates: Não acontece o mesmo com os objetos que desfilam?
_ Glauco: É claro.
_ Sócrates: Então, se eles pudessem conversar, não acha que, nomeando
as sombras que vêem, pensariam nomear seres reais?
_ Glauco: Evidentemente.
_ Sócrates: E se, além disso, houvesse um eco vindo da parede diante
deles, quando um dos que passam ao longo do pequeno muro falasse, não
acha que eles tomariam essa voz pela da sombra que desfila à sua frente?
_ Glauco: Sim, por Zeus.
_ Sócrates: Assim sendo, os homens que estão nessas condições não
poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras dos
objetos fabricados.
_ Glauco: Não poderia ser de outra forma.
_ Sócrates: Veja agora o que aconteceria se eles fossem libertados de
suas correntes e curados de sua desrazão. Tudo não aconteceria
naturalmente como vou dizer? Se um desses homens fosse solto, forçado
subitamente a levantar-se, a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da
luz, todos esses movimentos o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não
poderia distinguir os objetos, dos quais via apenas as sombras
anteriormente. Na sua opinião, o que ele poderia responder se lhe dissessem
que, antes, ele só via coisas sem consistência, que agora ele está mais perto
da realidade, voltado para objetos mais reais, e que está vendo melhor? O
que ele responderia se lhe designassem cada um dos objetos que desfilam,
obrigando-o com perguntas, a dizer o que são? Não acha que ele ficaria
embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam mais
verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
_ Glauco: Certamente, elas lhe pareceriam mais verdadeiras.
_ Sócrates: E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os
olhos lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que
pode olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as
coisas que lhe mostram?
_ Glauco: Sem dúvida alguma.
_ Sócrates: E se o tirarem de lá à força, se o fizessem subir o íngreme
caminho montanhoso, se não o largassem até arrastá-lo para a luz do sol, ele
não sofreria e se irritaria ao ser assim empurrado para fora? E, chegando à
luz, com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum
desses objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros.
_ Glauco: Ele não poderá vê-los, pelo menos nos primeiros momentos.
_ Sócrates: É preciso que ele se habitue, para que possa ver as coisas do
alto. Primeiro, ele distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as
imagens dos homens e dos outros objetos refletidas na água, depois os
próprios objetos. Em segundo lugar, durante a noite, ele poderá contemplar
as constelações e o próprio céu, e voltar o olhar para a luz dos astros e da
lua mais facilmente que durante o dia para o sol e para a luz do sol.
_ Glauco: Sem dúvida.
_ Sócrates: Finalmente, ele poderá contemplar o sol, não o seu reflexo
nas águas ou em outra superfície lisa, mas o próprio sol, no lugar do sol, o
sol tal como é.
_ Glauco: Certamente.
_ Sócrates: Depois disso, poderá raciocinar a respeito do sol, concluir
que é ele que produz as estações e os anos, que governa tudo no mundo
visível, e que é, de algum modo a causa de tudo o que ele e seus
companheiros viam na caverna.
_Glauco: É indubitável que ele chegará a essa conclusão.
_ Sócrates: Nesse momento, se ele se lembrar de sua primeira morada,
da ciência que ali se possuía e de seus antigos companheiros, não acha que
ficaria feliz com a mudança e teria pena deles?
_ Glauco: Claro que sim.
_ Sócrates: Quanto às honras e louvores que eles se atribuíam
mutuamente outrora, quanto às recompensas concedidas àquele que fosse
dotado de uma visão mais aguda para discernir a passagem das sombras na
parede e de uma memória mais fiel para se lembrar com exatidão daquelas
que precedem certas outras ou que lhes sucedem, as que vêm juntas, e que,
por isso mesmo, era o mais hábil para conjeturar a que viria depois, acha
que nosso homem teria inveja dele, que as honras e a confiança assim
adquiridas entre os companheiros lhe dariam inveja? Ele não pensaria antes,
como o herói de Homero, que mais vale “viver como escravo de um
lavrador” e suportar qualquer provação do que voltar à visão ilusória da
caverna e viver como se vive lá?
_ Glauco: Concordo com você. Ele aceitaria qualquer provação para não
viver como se vive lá.
_ Sócrates: Reflita ainda nisto: suponha que esse homem volte à caverna
e retome o seu antigo lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os
olhos ofuscados, ao vir diretamente do sol?
_ Glauco: Naturalmente.
_ Sócrates: E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as
sombras e entrar em competição com os prisioneiros que continuaram
acorrentados, enquanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se
recompuseram, enquanto lhe deram um tempo curto demais para
acostumar-se com a escuridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não
diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não
vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços,
fazê-los subir, você acredita que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o
matariam?
_ Glauco: Sem dúvida alguma, eles o matariam.
_ Sócrates: E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar exatamente essa
alegoria ao que dissemos anteriormente. Devemos assimilar o mundo que
apreendemos pela vista à estada na prisão, a luz do fogo que ilumina a
caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação do que há no alto,
considera que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível, e não te
enganarás sobre minha esperança, já que desejas conhecê-la. Deus sabe se
há alguma possibilidade de que ela seja fundada sobre a verdade. Em todo o
caso eis o que me aparece tal como me aparece; nos últimos limites do
mundo inteligível aparece-me a ideia do Bem, que se percebe com
dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir que ela é a causa de tudo
o que há de reto e de belo. No mundo visível, ela gera a luz e o senhor da
luz, no mundo inteligível ela própria é a soberana que dispensa a verdade e
a inteligência. Acrescento que é preciso vê-la se quer comportar-se com
sabedoria, seja na vida privada, seja na vida pública.
_ Glauco: Tanto quanto sou capaz de compreender-te, concordo contigo.
Como vimos, para Platão existem dois mundos. Conforme a alegoria da
caverna (A República) existe dentro e fora da caverna. Dentro existem os
escravos contemplando as paredes, sombras de realidades que estavam fora
da caverna, uma informação deformante da realidade. Um dos escravos se
liberta e chega até a luz (fora da caverna). Processo lento e gradativa até
chegar ao mundo de fora (realidade das sombras). O ex-escravo volta e
relata aos demais. No entanto, ele não será bem aceito, caluniado, açoitado
ou até mesmo assassinado.
Mundo da caverna (adaptado). Disponível em:
http://slideplayer.fr/slide/1146644/. Acesso em maio de 2016.
O mundo da caverna é o mundo dos sentidos (percepção de corpos, tudo
se escoa, tudo deixa de ser, tudo é aparências visuais que constatamos pelos
sentidos não nos trazem garantias nenhuma a respeito do ser que é imutável,
o mundo dos sentidos é um mundo de segunda classe). O que está fora é o
mundo das ideias (existe a ideia de galinha, forma perfeita de galinha, a
forma a partir da qual as galinhas do mundo tomaram forma). A aula do
professor é uma imperfeição no mundo sensível, mas existe uma estrutura
perfeita de aula. O mundo das ideias está em nós. A alma é prisioneira do
corpo, só com a morte ele se liberta. A alma é apresentada por Platão dentro
de uma perspectiva funcional: a) sensitiva da alma (emoções, sensações); b)
irascível (é o que permite reagir, posicionar, mostrar a sua existência,
transformar o outro – peito); c) parte superior é o pensamento (cérebro). A
proposta idealista de Platão. Quem pensa no homem é a alma, ela conhece,
inova, inventa. Ela discute a vida boa, que cria a própria existência. A parte
superior esta blindada, não está submetida aos sentidos. Ela é autônoma. A
alma não é material. O homem tem a alma pensante, intelectiva, reflexiva
frente ao corpo desejante. Liberdade está ligada a Platão. No mundo da vida
tudo está interligado, tudo é matéria. Precisamos contar com algo não
material, a alma é imaterial, com a alma, para nem ligar para as
causalidades, eu sou alma, não sou matéria, estou blindado em relação a
você em relação a tristeza que você me impinge.

Adaptado de El Mito da Caverna. Disponível em:Pode-se descrever quatro


tempos da alegoriahttp://es.slideshare.net/dml070295/el-mito-de-la-caverna.
Acess
o em
maio
de
2016.
da
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o da
comen
tarista
Geneviève Droz (1997, p.73). A autora apresenta inicialmente, a) descrição
da caverna e do nosso aprimoramento: espaço fechado, prisioneiros
acorrentados, observam a parede – sombras e ecos; nossa própria imagem,
nosso mundo, mundo em que só conhecemos as aparências, sombras, ecos,
miragens cambiantes, fugazes e efêmeras, apenas verossímeis – que tem
aparência de verdade. Ilusão é total, apesar de tudo confortáveis,
passivamente habituados a receber tudo do exterior, atendo-se apenas às
opiniões reinantes. Submetidos a rumores mais inconstantes, aos
conhecimentos por ouvir dizer, às modas ou às idéias prontas, não tem
nunca de fazer julgamentos, contentando-se a preconceitos (afirmações
feitas antes de qualquer juízo); aceitando os boatos que circulam, as
opiniões mais recorrentes, mesmo sem fundamentos, os mais superficiais ou
os mais perigosas. Presas do condicionamento, intoxicados mentalmente,
estão duplamente acorrentados: primeiro porque são vítimas; depois, porque
ignoram que são vítimas. Mais escravizado ainda do que o escravo é o
escravo que se crê livre (p.78).
b) A conversão: se alguém soltasse esse prisioneiro... quem? Alguém
misterioso. Que vai ajudar a este prisioneiro a andar em direção a saída...
convidando-o a se ultrapassar. Sair da caverna nem sempre é fácil, temos
que nos arrancar dali. Essa saída supõe uma conversão (convertere – virar-
se completamente), uma renúncia ao mundo, uma ascese dolorosa.
Ofuscamento, cegueira, sofrimento de toda a espécie... resistimos,
relutamos... esforço penoso, má vontade, nostalgia de uma perdida
passividade. Como pode ser difíceis de suportar o esforço de reflexão, a
aprendizagem do saber, a elaboração dos primeiros julgamentos pessoais, a
passagem do “dizem que” ao “eu penso que” como pode ser penosa toda a
educação, e dolorosa toda a ruptura!
c) A ascensão: ultrapassamos o mundo sensível, deixamos a caverna e
chegamos ao mundo inteligível (direção ao sol), conquistar a verdade. É
preciso aprender a aprender, incansavelmente; aprender todas as ciências,
principalmente, a abstração das ideias.
d) Indispensável retorno: o que significa lá no alto? Caminho íngreme?
Ninguém pode atingir a sabedoria, diz Platão. A sabedoria pertence aos
deuses, nem mesmo podemos atingir a verdade. Mas, no mundo inteligível
nos aproximamos da sabedoria, amantes da sabedoria, mas sabemos que o
amor não é senão tensão, desejo e busca. A filosofia busca a verdade,
progressão ascendente em direção a ela, e é nessa dinâmica que é preciso
aprendê-la... ao ter alcançado o topo não podemos nos permitir a
permanecer no “Olimpo”. É preciso retornar, pois outros ainda permanecem
presos na ignorância e na mentira. Devemos difundir e partilhar a verdade/a
sabedoria. No entanto, nem sempre o filósofo será bem aceito pelos seus
compatriotas ainda ignorantes: ameaças, chacotas, sarcasmo, desejos de
assassinato. Muitos que trilharam o caminho da verdade, da justiça, a
sabedoria encontram a morte: Cristo, Sócrates e tantos outros líderes.
Diz Jaeger (1995) que é na obra A República que encontramos o
problema central de Platão, que é “o conhecimento da ideia do Bem” e que
a cidade seria governada por reis filósofos: “[...] nem o estado nem a vida
da sociedade humana melhorariam, enquanto os filósofos não se fizessem
governantes ou os governantes não se convertessem em filósofos” (p. 609).
A República, de Platão, é considerada por Jaeger como a mais arquitetada
obra. Diferentemente de como todos pensam A República não é uma obra
de direito político ou administrativo, de legislação ou de política, no sentido
atual. Ela não parte de um povo histórico, existente, como Atenas e Esparta:
“[...] não há a mínima alusão aos fundamentos concretos do Estado”. O
Estado de Platão versa, em última análise, sobre a alma do homem: o que é
o homem bom e justo. A República platônica é, antes de tudo, uma obra de
formação humana.6
2 As formas de Governo

Como vimos, na leitura da obra A República, percebe-se a descrição de


uma república ideal, que consiste na composição harmônica de três
categorias: os governantes filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos
trabalhos produtivos. Em outras palavras, Platão dividia o Estado em três
classes: dos lavradores, que fornecem os alimentos; dos guerreiros, que
protegem os lavradores e garantem a integridade territorial do Estado, e dos
magistrados, que se encarregam do bem-estar geral dos habitantes do
Estado. A classe governante, composta de homens idosos, desapegados dos
interesses materiais e familiares, tem, para Platão, mais importância do que
a dos trabalhadores e a dos guerreiros. O Estado de Platão inexiste no plano
terreno, existe apenas no plano ideal, ou seja, o Estado ideal de Platão é o
perfeitamente justo.
Platão, no Livro VIII da República, trata sobre as formas de governo e
as classifica em ideais e corrompidas. As formas ideais de governo são: a
monarquia, considerada a melhor de todas (é o governo bom de um só);
aristocracia (governo bom de um grupo) e a timocracia (desejo de
honrarias). Já as formas de governo consideradas corrompidas são: a tirania
(governo mau de um só), a oligarquia (governo mau de um grupo, governo
dos ricos) e, por fim, a república/democracia (governo das multidões). A
democracia é a pior das boas e a melhor das más formas de governo.7
Platão distingue um governo bom de um ruim pelo consenso e a força:
legalidade ou ilegalidade. A função principal dos governantes, na
República, consiste em assegurar a felicidade aos governados, dando-lhes
saúde, contentamento e descanso. Platão concebe um Estado ideal no qual a
justiça atende aos desejos e necessidades humanos, satisfazendo-os, e
posiciona-se contra os ideais políticos sofísticos, para os quais o direito
nasce da força.
No Estado platônico, não há propriedade privada nem laços familiares.
Para assegurar uma “sadia” descendência, o Estado é que decidia quem
poderia ter ou não ter filhos. Era de competência do Estado, também,
preparar física e intelectualmente a juventude. Os magistrados fiscalizavam
a educação para que o indivíduo fosse preparado a fim de exercer uma
função para a qual tivesse melhor capacidade. Eram os magistrados que
escolhiam os mais notáveis para participar do grupo de filósofos e
governantes. Platão entendia que só os mais inteligentes seriam capazes de
governar e, entre os mais capazes, ele incluía o filósofo.8
Vê-se, assim, que Platão era adepto da sofocracia, ou seja, o poder dos
sábios. Somente eles teriam condições de administrar e comandar o Estado.
O poeta, no entanto, não estava incluído na condução do Estado.9
Embora o pensamento político de Platão contivesse ideias utópicas, ele
expressava uma confiança na força fundamental do Estado. A convite de
Dion, tirano de Siracusa, Platão tentou pôr em prática seu ideário político.
Não durou muito. Seu modo austero de conduzir negócios públicos
incompatibilizou-o com o governante.10
Assim como Sócrates, Platão teceu acaloradas críticas às lideranças
políticas que conheceu ou que foram anteriores a ele. Nem Péricles, nem
Címon, nem Milcíades, nem Temístocles encontram mérito aos seus olhos,
porque nenhum deles tornou melhores os seus concidadãos, bem pelo
contrário (Prélot, 1973, Livro I, p. 104).
3 A teoria da reminiscência

Da teoria do conhecimento de Platão aprendemos que o conhecimento é


reminiscência (aprender a recordar). A Teoria da reminiscência é
encontrada no diálogo chamado Menon. A alma é uma instância pensante
que já vem com todas verdades absolutas (aula perfeita, galinha, cidade
perfeita). As verdades já estão na alma. Mas, não lembramos que
conhecemos, é preciso relembrar. A verdade absoluta está na alma. O
filósofo investigação intrapessoal, a verdade está dentro dele, cabendo
conhecer-se a si mesmo. que devo buscar pela teoria da reminiscência. É
preciso buscar na própria alma. As verdades não estão desfilando no
mundo, é preciso esforço para buscar na alma os resultados. Na teoria das
formas Platão explica o que é possível conhecer. É possível conhecer aquilo
que não muda. A ideia de árvore, pedra, estrela. Não a realidade em si, pois
essa pode nos enganar, mas sim as formas ideais.
Já na obra O banquete Platão dedica à memória de Sócrates). O tema
central era o amor (belo e gracioso). Platão deixa claro no Banquete que só
se aprende quando se ama. O desejo é sempre por algo ou alguém que não
temos. No Fédon Platão afirma que a filosofia é apenas um exercício para a
morte. Quem passou a vida na filosofia (exercício de sabedoria) tem
coragem para morrer.
Platão também argumenta sobre a alegoria do navio: tem aqueles que
fazem a força, aqueles que protegiam o navio e, finalmente aqueles que
decidiam o rumo do navio. Daí vem as três partes da alma segundo Platão:
a) inferior (sensitiva, apetitosa, baixo ventre, muito desenvolvida...), b)
irascível, fulano de pouco medo; c) função é pensar/ é para pouco,
qualificados, tem discernimento, sabem o norte da cidade. Platão queria
mandar, mas nunca conseguiu. Teve uma experiência em Siracusa, mas foi
um fracasso.
4. O anel de Giges

Por fim, aprendemos de Platão também sobre a questão da moralidade,


quando o filósofo apresenta a alegoria do anel de Giges. Conta Platão: “o
[Giges]. Era ele um pastor que servia em casado que era então soberano da
Lídia. Devido a uma grande tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e
abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Admirado ao
ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para
aí fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando
através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do que um
homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão.
Arrancou-lhe e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira
habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito
aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois,
sentado no meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel
para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se
invisível para os que estavam ao lado, os quais falavam dele como se se
tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para
fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes
fatos, experimentou, a ver se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se
voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o voltasse para fora,
ficava visível. Assim senhor de si, logo tratou de ser um dos delegados que
iam junto do rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e com
o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim se assenhoreou do poder”.11
Imaginemos que, assim como Giges, de uma hora para outra
poderíamos ficar invisível, como agiríamos? Faríamos o bem ou o mal?
Buscaria o prazer, a riqueza e os interesses egoístas? Com o poder da
invisibilidade eu continuaria a respeitar o semelhante, a sua propriedade,
intimidade e liberdade? No agir moral sim. Mesmo invisível eu continuaria
obrigado e proibido, não por interesse, mas por dever, a não fazer o mal.
Isso é moral. A moral é aquilo que exiges de ti, não em função do olhar de
outros, por estar sendo vigiado por câmeras ou desta ou daquela ameaça
exterior (lei ou prisão), mas em nome de uma certa concepção do bem e do
mal, do dever e do interdito, do admissível e do admissível, enfim, da
humanidade e de ti. Nas palavras de Comte-Sponville (2002), “a moral é
um conjunto de coisas a que um indivíduo se obriga ou que proíbe a si
mesmo, não para aumentar a sua felicidade ou o seu bem estar, o que não
passaria de egoísmo, mas para levar em conta os interesses ou os direitos do
outro, para não ser um malvado, para permanecer fiel a uma certa idéia de
humanidade e de si”. A moral, então está ligada a nossa forma de agir
independentemente do olhar do outro. Enfim, a moral, ainda de acordo com
Comte-Sponville, é uma lei que imponho a mim mesmo. Ou como diz
Taylor (2011, p.35) “a moralidade tem, em certo sentido, uma voz interna”.
Referências

BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo.


São Paulo: Paz e Terra, 1997.
CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto, III: o mundo
fragmentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
COMTE-SPONVILLE, A. Apresentações da filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
DURANT, W. A história da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2000.
JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins
Fontes, 1995.
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
PLATÃO. A Alegoria da caverna: A República, 514a-517c t In:
MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia: dos Pré- socráticos a
Wittgenstein. 2a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
PRÉLOT, M. As doutrinas políticas. Lisboa: Editorial Presença, 1973.
4 vol.
ROWE, C. “Platão: a busca de uma forma ideal de Estado”. In:
REDHEAD, B. O pensamento político de Platão à OTAN. Rio de
Janeiro: Imago, 1989.
REDHEAD, B. O pensamento político de Platão à OTAN. Rio de
Janeiro: Imago, 1989.
THOMAS, H. A história da raça humana, através da biografia.
Porto Alegre: Globo, 1967.
TAYLOR, C. A ética da autenticidade. São Paulo: É Realizações
Editora, 2011.
Coleção Filosofia&Política
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Vol. 7. O Estado Moderno: origens e desenvolvimento
Vol. 8. Tocqueville e os fundamentos cívicos da democracia
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Ferry
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Vol. 11. Os Monges Barbudos de Soledade (RS): uma história de
perseguição e morte.
Vol. 12. O que é o amor: uma análise filosófica a partir de Platão
Vol. 13. Fundamentos éticos para uma vida boa
Vol. 14. A ética das escolas helênicas
Vol. 15. A ética socrática
Vol. 16. A felicidade em Aristóteles
Vol. 17. Uma leitura sobre as teorias da democracia
Vol 18. Aproximações entre a Ciência Política e a Teoria Política:
Poder – Política – Estado
Vol 19. O Homem bom e belo na Paidéia de Jaeger
Vol 20. As formas de Governo e o Mito da Caverna na República de
Platão
Próximos
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A Cidade de Deus de Santo Agostinho
O Príncipe de Maquiavel
O Leviatã de Hobbes
O Liberalismo e o Segundo Tratado de Locke
O Contrato Social de Rousseau
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Platão de Dejalma Cremonese está licenciado com uma Licença
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Internacional.
1)
Platão argumenta que todo processo educativo de uma
criança, ou a iniciação cultural da mesma, esbarra na falta de
interesse em aprender. Platão menciona que esta falta de
interesse não deve ser combatida pela coação ou por medo
servil ou por castigo, mas deve se aplicar métodos
condizentes aos alunos à medida que “aprendem como quem
brinca” (Jaeger, 2003, p. 915). ↵
2)
Platão é um crítico da pólis: “Platão calunia Atenas o
máximo possível: graças a seu imenso gênio de diretor de
teatro, de retórico, de sofista e demagogo, conseguirá impor,
por séculos futuros, esta imagem: os homens políticos de
Atenas – Temístocles, Péricles – eram demagogos; seus
pensadores, sofistas (no sentido que ele impôs); seus poetas,
corruptores da cidade; seu povo, um vil entregue às paixões
e às ilusões. Platão falsifica, com conhecimento de causa, a
história” (Castoriadis, 1987, p. 115). ↵
3)
“Platão permanecerá, segundo se crê, oito anos ao pé do
mestre Sócrates” (Prélot, 1973, Livro 1, p. 89). ↵
4)
Sobre a filosofia política, Platão elaborou três obras que
mencionam e enfocam a política: – A República, O Político
e As Leis (mais especificamente em A República e As Leis).
Embora tenha tratado de temas políticos em outras obras, é
sobretudo nessas duas que ele desenvolve uma teoria do
Estado, na qual princípios éticos e políticos são combinados.
Considera, Platão, a política como arte de tornar os homens
justos e virtuosos, porém sob o governo dos melhores). Na
obra Política, Platão apenas questiona se a autoridade final
no Estado deve recair num indivíduo – alguém que
personifique a arte de governar – ou na lei. Conferir Rowe
(1989, p. 26). ↵
5)
Conferir: Platão In: Marcondes (2000). ↵
6)
Conferir Jaeger (1995, pp. 750-837). ↵
7)
Norberto Bobbio (1997, p. 45-48), capítulo II, referente a
Platão; Prélot (1973, Livro I, p. 87-120); Durant (2000, p.
29-68). ↵
8)
Platão defende, no livro A República, que o governo ideal
seria o governo dos filósofos. “A proposta de Platão, no que
se refere ao governo filosófico: que os filósofos se
tornassem governantes, ou os atuais governantes se
tornassem filósofos” (Rowe, in: Rechead, 1989, p. 17-28).

9)
Para Platão, a poesia fala às paixões e instintos humanos, e o
homem moralmente superior domina os seus sentimentos e,
quando se vê submetido a fortes emoções esforça-se por
refreá-las (Jaeger, 2003, p. 985). ↵
10)
Thomas (1967, p. 72-82), no capítulo VIII, “Platão, que
sonhou com um mundo melhor,” apresenta o idealismo
platônico, Platão como discípulo de Sócrates e menciona a
obra A República como a primeira utopia da História. ↵
11)
Cf. A história contada por Platão: O anel de Giges.
Disponível em:
file:///C:/Users/user/Downloads/Plat%C3%A3o%20-
%20O%20Anel%20de%20Giges.pdf. Acesso em set. 2014.

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by Luca Calcinai

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