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...Em algum lugar do tempo...
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Velhas Janelas
É quando ando pelas ruas de uma cidade grande como São Paulo à
noite, ou quando acordo cedo demais e tenho tempo para apreciar com calma
a ternura de uma manhã, que reparo, silencioso, anônimo, nos inúmeros
detalhes minuciosos da arquitetura das moradas.
No Centro Velho, que mescla entre modernidade e antiguidade, você
percebe janelas grandes, com sacada, com flores, de vidro, abertas; pequenas,
com grade, fechadas. Uma ao lado da outra, uma olhando para outra, quietas,
vazias; com uma ou outra senhora idosa regando suas plantas, com um cigarro
no cinzeiro, pensando, sozinha... As janelas que indicam que ali há, ou houve,
pelo menos, uma história, uma pessoa. Essa que poderia ser um ente
querido se tivesse a conhecido.
E eu, que sou observador, divago, diluindo minhas reflexões, entre
palavras, ao lado e olhando através de uma janela como aquelas, à margem do
mundo. E aquela senhora, que regava suas plantas, menos solitária que
qualquer pessoa diante do aglomerado de janelas na vertical, provavelmente já
estava realizada, numa tarde tépida daquelas, muito vivida, lembrava-se das
diversas pessoas que conhecera. Dos amores, dos colegas, dos inimigos, que,
na verdade, já todos passaram, morreram, se ocultaram, fecharam suas
janelas e agora ninguém mais pode ver o que fazem da vida.
Agora, aquela velha só vive com suas plantas e com suas memórias.
Através de sua janela, quase invisível aos que passam apressados, mostra a
todos sua grande obra feita em vida, como se dissesse orgulhosa e
despreocupada: "eis aqui onde estou, onde cheguei. Depois de todos os anos
da minha vida e de todas as histórias que vivi!". E eu, que da minha janela,
olho para todas as outras, discretamente invado a individualidade e privacidade
de todos os solitários, que vivem de memórias e plantas.
A senhora, enfim, entra e fecha sua janela.
Hey, Capitão! (rascunho)
Você nunca foi feia. Você não é feia. Eles só não tinham os meus olhos.
Às vezes você ficava horas discutindo sobre sua aparência, nunca
acreditou em mim, nem em si mesma.
A verdade era que os problemas estavam na sua cabeça
Acontece
...
...
Não sei bem o que escrever agora. Minha vida voltou ao normal? Bem,
ela sempre foi.
Tô, como sempre, no metrô, voltando do Belas Artes, estava
assistindo um filme legal, Diário de Viagem, me lembrou minha ex e a maioria
das minhas amigas.
E agora? Amanhã tem jogo, vou ver com o Matheus, o Thomás e,
claro, meu pai, na minha casa. Vai ser legal.
Amor? Pra que? Digo, tá tudo bem. Até parece que sou um
desiludido... A vida vai acontecer, tudo se resolve. Já passei por tantas coisas,
ainda falta bastante pra passar também. Amor é só uma parcela, apesar de
grande, não é tudo, é natural, e por ser natural, é inevitável.
Todas as pessoas vivem igualmente diferentes.
Criança adora uma toca, né? Pelo menos eu, quando era uma, sabia
exatamente como queria meus cantinhos particulares, minha propriedade
privada.
Na cama dos meus pais, aos cinco anos e pouco, eu costumava passar
um barbante entre o armário que ficava na frente da cama e os que ficavam ao
lado, amarrava nas maçanetas. Quando estivesse bem esticado e estável,
como um bom engenheiro, colocava por cima o teto, que não passava de um
lençol ou cobertor, e ali ficava, longe dos meus pais e preocupações. Aquilo foi
minha primeira noção de solidão, de particular, até porque meus pais sempre
me ensinaram a compartilhar meus brinquedos com as outras crianças menos
cuidadosas. Era refrescante quando usava o lençol, e aconchegante quando
usava o cobertor. Na casa da minha vó fazia igual, a diferença é que lá era
menor, então tinha mais “cantinhos” pra se criar. O sofá de frente a TV, a
beliche da minha irmã, cuja parte de cima onde ela dormia sempre estava
desarrumada, a lavanderia, até o cantinho da minha avó (idosos também tem
cantinhos), que era onde ela fumava cigarro, o que matou ela depois de uns
anos.
Eu era muito criativo pra essas coisas, um verdadeiro arquiteto. Usava
cadeiras, mesas, tinha noção do peso dos materiais, como deixar o teto
estável; aprendi tudo na marra, deixando cair muito cobertor na cabeça. Meu
pai sempre guardou uns pedaços de madeira pra quando precisasse arrumar
alguma coisa, já eu, via os tijolos e vigas da minha mansão. Também sempre
gostei de construir cidades. Pegava essas tábuas do meu pai e começava a
fazer no tapete da sala o meu mundinho, com direito a automóveis de
Hotwheels e Transformers e cidadãos de lego. Tanto poder nas minhas mãos...
Não vou fazer cena e contar uma história triste, dizer que sofria bullying,
que tive uma infância difícil e solitária, não mesmo. Na verdade, minha infância
foi boa sim, tive bons amigos e nenhum grande trauma. Mas o fato é que eu
cresci sozinho. Não tinha irmãos, minhas duas irmãs eram já adultas e não
moravam comigo, não era sempre que ia a casa dos meus amigos, isso era o
maior privilégio, meus vizinhos não tinham filhos pra eu brincar e meus pais
nunca me davam os brinquedos tecnológicos que meus amigos tinham, o que
me deixou desatualizado de muita coisa. Eu não sabia o que era Playstation,
Xbox, DS, Iphone, Ipad, Tablet, Smartphone... Quando fiz uns seis anos, meu
pai me deu um Nintendo Wii, que virou meu primeiro vicio, apesar de eu ainda
brincar muito com meus Action Figures. Na primeira vez que invadiram nossa
casa o levaram junto. Fiquei com os vários jogos piratas. Nunca mais ouvi falar
daquele console que gostava tanto.
Há muitas partes boas em ser criado por pais velhos. Você fica mais
maduro, seus valores são outros, aprende a se virar sozinho, pois, na época
deles, eles também tiveram que se virar sozinhos. Em contrapartida, você fica
meio desajustado. Seus amigos parecem bobos demais, todo mundo é meio
entediante, legal mesmo é ficar sozinho e fazer as coisas como acha melhor,
pois você (ainda não) sabe, as crianças da sua idade são intelectualmente
inferiores a você. Uma coisa que eu tinha em comum com meus dois melhores
amigos dessa época, Leon e Rafael, era que os pais deles também eram
velhos, e por isso pensávamos meio igual.
Quando fiquei mais velho, tinha mudado de casa e escola, nunca perdi o
hábito de ter meu cantinho. Confesso que demorei pra sair da cama dos meus
pais, dormira com eles até uns onze anos, depois que minha mãe foi morar
sozinha, passei a ficar mais no meu quarto. Minha memória é meio incerta
sobre aquela época, uns anos antes da pandemia, acho que não houveram
tantos acontecimentos marcantes. Depois que ganhei meu primeiro celular, aí
sim, queria privacidade. Foi a época que comecei a falar com meus amigos
pelo celular. Também demorei pra entrar em redes sociais, eu só baixei o
Instagram porque queria saber onde meu amigo tinha conseguido uma foto da
garota que estava afim na época.
Durante a pandemia foi quando comecei a explorar cada vez mais minha
privacidade. Dentro de casa, os melhores lugares eram as janelas e a varanda
à noite, sempre ficava olhando a rua escutando música e pensando em
alguém. Meus pais não me conheciam, era um adolescente em ascensão, com
amigos virtuais e primeiros sentimentos mais profundos, questionamentos e
reflexões a cerca da minha existência; futuros, emoções etc. Só ficava trancado
no quarto, conversando com uma garota em específico, que depois veio a ser
meu primeiro amor. Muitas situações me faziam querer sair, e meu pai deixava,
já andava de metrô sozinho desde os dez anos, comecei a querer explorar a
cidade.
Meu primeiro cantinho especial fora de casa foi a última cadeira da
última mesa da área externa da padaria Europão. Ia pra lá de bicicleta, era
ótimo para ler e ficar em paz, foi lá que comecei a escrever no meu antigo
diário também. Apesar da paz, também ficava com uma ansiedade gostosa,
pois a garota que eu gostava morava bem ali do lado, e eu sabia que ela
frequentava aquele lugar. Quantas vezes não fiquei ali tomando coragem para
chegar até o portão da casa dela e pedir pra ela descer, coisa que nunca deu
certo. Infelizmente, reformaram a padaria e não tem mais essa parte, mal
sabem que destruíram o abrigo de um jovenzinho apaixonado. Agora, toda vez
que vou lá, tenho que ficar pensando em qual mesa escolher, saco... Tentei
substituir por muitas outras padarias e cafeterias por ai, mas nenhuma tinha o
mesmo custo-benefício e conforto da Europão.
O segundo foi o cemitério da Aclimação, que também não ficava muito
longe da padaria. Meus avós estão enterrados ali, é a desculpa que uso pra ir
até lá, mas, na real, a melhor coisa de lá é a vista. O cemitério fica sob um
barranco enorme, é todo arborizado, é silencioso e grande. Dentro, também
tem “subcantinhos”: uma parte em cima perto de uma estátua de santa, o
último túmulo seguindo o corredor à direita da entrada principal, o túmulo dos
meus avós e uma área circular mais pra baixo. Muita gente me julga por gostar
de lá, falam que isso é coisa de gente doida, sei lá, acho frescura demais.
Minha mãe não gosta, ela não sabe que vou pra lá. Meu pai é mais
adolescente solto e compreende minhas atitudes.
Em casa, já tentei quebrar um pouco a monotonia do meu quarto e fazer
uma toca embaixo da escrivaninha, iluminada por pisca-piscas, que deu muito
certo, mas durou pouco, porque as luzinhas queimaram. Um lugar que demorei
pra explorar foi os fundos, o quartinho onde meu pai guarda as ferramentas e
uma penca de coisa, lá foi onde chorei horrores pelo meu término com minha
primeira namorada.
Quando se trata de estudo, não tem outra, a Home School é o lugar que
mais gosto de ir. A sala que o Gabriel (meu primeiro professor de música)
comprou no Conjunto Nacional da Av. Paulista, Horsa 1, sala 821, à primeira
vista me pareceu pequena. Comparado ao antigo prédio que ele tinha me
mostrado, que teria direito a uma cantina no térreo, aquilo não era nada. Mas, a
decoração deixou o lugar uma graça, bem limpo e organizado, com cara de
escola de música. Pra estudar violão, sempre gostei mais de estudar fora de
casa, nas salas do conservatório, me concentrava mais. Quando comecei a ir à
Home depois do expediente, à noite, me senti muito mais livre e confortável. Lá
eu posso curtir a vista do Jardins, apagar as luzes durante meus intervalos e
colocar uma música, sentir a brisa, depois descer e pegar um café, ficar
olhando as pessoas, voltar, estudar, render e vazar...
Percebi que, também, algumas coisas só precisam de mais organização,
ou uma mínima mudança de contexto. Antes, achava que não conseguia
estudar em casa, depois, percebi que o problema era o ambiente, passei a
estudar do lado da varanda, na sala, bem no canto, depois da mesa de centro;
usando a cadeira de madeira e o apoio de pé, agora sim, posso estudar em
casa.
De lugares especiais e memoráveis tenho muitos. Cine Belas Artes e o
Theatro São Pedro tiveram seus momentos que nunca vou esquecer,
momentos em que não havia nada além de amor em mim, momentos que nos
lembram do valor da vida, coisas boas que não vão voltar, mas que ao menos
aconteceram. Terminal de São Matheus, onde uma amiga que saía pela
primeira vez comigo me deu um belo beijo na bochecha, que me fez ficar
apaixonado na época. Ibis Hotel, quando meu melhor amigo veio pra cá e dei
um pulo enorme nele, que o fez despencar pra trás, quebrando seu violão. A
casa do meu amigo Matheus, que tem uma vista incrível e que me deu um dos
dias mais felizes numa fase ruim. Uma casinha de madeira pequena na praça
em frente ao prédio da Rafaela, que me abrigou em vários dias de chuva. A
sala 107 da EMESP, onde conheci a Larissa e começamos o projeto Duo
Expresso. O Sebo Praia dos Livros, onde sempre fico um pouco mais
aproveitando o ambiente. E por aí vai...
Nossa relação com os lugares pode ser tão profunda quanto a nossa
relação com nós mesmos. Por favor, grandes empresas, preservem alguns
cantinhos especiais. Prefeituras, tombem mais prédios históricos. É tudo que
peço, mesmo que algumas coisas mereçam ficar no passado, para não perder
sua essência, o que vale é a nostalgia de quem já viveu e seguiu em frente.