Você está na página 1de 23

Crônicas

Ocasio
nais

Por André Hadime


...
Quando se é jovem – na verdade, adolescente – a coisa mais nova do
mundo para você são os sentimentos. Amor, paixão, medo, angústia,
frustração, ódio, prazer; essas coisas todas que você não entende de primeira
e só depois de umas crises você passa a aceitar e visualizar melhor, isso tudo
é novo. Afinal, você está saindo da infância e blá, blá, blá de psicologia.
Percebi que quando as pessoas ficam mais velhas elas passam a se
surpreender mais com outras coisas; lutar por causas, natureza. Os artistas
fazem críticas ou homenageiam a beleza do Mundo. O resto só vive, se
manifestando de vez em quando, reclamando da sociedade, ou apenas vive,
em modo automático, fazendo seu “corre”, e que se foda todo o resto.
Mas, eu gosto de escrever. Desde os doze anos, comecei a escrever
sobre meus sentimentos, minhas ideias, reflexões e observações bobinhas,
mas que, aos meus olhos de recém-pré-adolescente, “Uau, puta merda, André,
você é praticamente um filósofo!”. Só que uns noventa-porcento do que eu
escrevo e escrevi eram sobre paixão, amor, paixão-amor e sempre com um
desfecho satisfatório de “beleza, mais uma fase se passou. Nossa a vida é
louca.”
Cansei de escrever sobre isso. Cansei de falar sobre sentimentos, sobre
minha vida pessoal. Eu queria criar histórias, é muito mais bonito, muito mais
belo. Criar, criar, criar... Só que minha criatividade é meio limitada, ou só não
estou com o olhar tão bom assim, sei lá.
Se tem algo que descobri, é que toda pessoa tem uma história de vida
interessante, basta saber contá-la. As pessoas assistem um filme de romance
na Netflix e falam “Meu Deus. isso é tão lindo. Por que a vida real não é
assim?”, ela é, tudo aquilo foi tirado de algum lugar, a sua vida pode ser tão
bela quanto, se souber contar.
Tenho que admitir, sempre fui apaixonado. Como minha amiga Isabelle
disse – Alias, faz tempo que não nos falamos – “Tu gosta de mulher”, com
aquela voz debochada. Só que, é obvio, isso evoluiu com o tempo, e cada vez
ficava mais e mais complexo. Isso é um dos indícios que tu tá deixando de ser
criança. Mas, como eu disse, não quero falar sobre amor e paixão aqui. Ainda.
No momento, só quero falar um pouco sobre o resto, sobre o que as
pessoas mais velhas veem, sobre a Vida em si, e todas as outras coisas que
podem ser tão grandiosas quanto uma história de amor. Quero mostrar que 15
anos é uma idade fodida e que a adolescência, apesar de uma merda, também
pode ser muito interessante. E que isso tudo não se resume à escola, à paixão,
à barraca do beijo e à Twitter, mas responsabilidade, escolhas, feridas e
alguma aleatoriedade proveniente do ócio da estabilidade financeira.

...
Dane-se

Relógios e Banheiros

Agora há pouco estava sentado na privada quando reparei no relógio.


Estava parado, às 9:02am.
Pra começar, pra que as pessoas têm relógios nos banheiros? Digo, o
banheiro é o santuário da classe-média. Você se senta na privada com seu
celular e fica vendo qualquer besteira enquanto seu corpo faz o trabalho natural
dele. Com o celular, você fica uns 25 minutos a mais, ali, sentado, e depois se
limpa; lava as mãos (alguns); e sai, ainda com o celular na mão.
Quando eu era mais novo, e os celulares ainda não eram tão populares,
tinham aqueles cestos com revistas pra ficar lendo. Eu não me lembro se lia ou
não, mas certamente ficava folheando. Isso tudo transformou o banheiro num
lar, um recinto pra você aliviar o estresse, soltar tudo, literalmente.
O relógio do banheiro não passa de uma tradição, uma estética
inventada por quem comprou relógios demais e não sabia mais onde colocar.
Ele apressa a pessoa que está ali, em seu mundo particular, de 2,4m², olhando
memes no celular, ou se olhando no espelho, explorando a superfície da sua
pele, fazendo caretas ou se odiando por ter uma baixa-autoestima. O relógio
nos lembra que o mundo está seguindo seu curso, que o tempo não está
parado, que você precisa viver o máximo possível antes de tudo acabar e...!
Já pensou como seria se todos os relógios do mundo parassem?
A monotonia que seria.
Fique encarando um relógio parado, enquanto está sozinho na sua casa,
numa tarde qualquer. É como se o tempo tivesse parado. “Parabéns, você tem
o tempo que quiser agora, nada vai acontecer.”
Tic-tac, tic-tac, esse som interminável, constante. Não existe mais ócio
real nas nossas vidas, toda hora tem algo fazendo tic-tac pra gente, e você se
perde no seu novelo de lã. Como podemos viver um dia de cada vez, se todo
dia as Coisas nos alertam que o sinal vai abrir e temos que passar logo o
semáforo?
Somos constantemente estimulados a fazer algo. Não é isso que sempre
falam? Tome uma atitude, faça!. do it!. você tem que correr atrás dos seus
sonhos!, chama ela pra sair, supera logo!, calma, isso vai passar com o
tempo... A real é que você não vai escutar os outros, nem os mais velhos, você
não quer isso, você quer apenas que o som do relógio pare, você está
confortável dentro do seu banheiro, se torturando encarando a sua imagem e
escutando o tic-tac que não para de te apressar para viver a vida.
A vida não é pra ser vivida, a vida não é porra nenhuma, você cria suas
próprias responsabilidades de acordo com seus valores. É tudo meio
proporcional. Depende de quem te criou, que tipo de moral essa pessoa pôs na
sua cabeça e o que te marcou. Aquela parada da psicologia.
Em um mundo como o meu, numa geração como a minha, eu me
considero amadurecido, e não vejo isso como vantagem ou desvantagem, foi
só culpa dos meus pais e das circunstâncias. Eu não me dou valor nenhum
pelo o que sou, afinal, não é isso que me define. Não é como se isso valesse
tanto. Eu não sou protagonista de um filme e tudo gira em torno de mim. Não
sou culpado pela crucificação de Cristo ou os judeus mortos durante o
nazismo, não devo contribuir com nada a não ser que queira, não devo
explicações, não devo nem ao menos ser bom para causas da sociedade. Eu
sou privilegiado mesmo, e aí? Sou culpado disso? Devo me importar tanto com
o que os brancos fizeram com os negros durante a escravidão a ponto de
escrever um textão sobre isso no Twitter e depois xingar quem se opõem?
Francamente, é tudo perspectiva. Se você passou por tais coisas e enxerga o
mundo de tal forma, irá agir de tal forma com tais pessoas, isso não define
quem você seja.
Você é quem você deixa ser. Quais impulsos você acha melhor evitar,
que tipo de desejos você nega a seu coração por motivos que você acha
justos. Que ideais você apoia, que merdas você faz pros outros, que
promessas você cumpre... Não dá pra se culpar por tudo. Não dá pra ser tudo.
Não dá pra mostrar a todos quem você é, por mais puro você ache que seja,
vão te julgar por coisas mínimas. É assim que a vida é, os machucados
expostos impressionam mais que os internos. Um câncer irá evoluir em silêncio
até que as pessoas comecem a notar as mudanças externas, quando já não é
mais possível mudar. E um texto que era pra ser sobre algo mundano acaba se
tornando um desabafo íntimo demais. Tudo pra tentar tirar de você algo que te
faz mal, mas não quer sair de jeito nenhum, e a única opção é aprender a lidar
com isso.
Eu estava no banheiro e vi o relógio parado. Pensei: “como seria o
mundo se todos os relógios parassem?”. E senti como se pudesse passar
minha vida toda naquele banheiro silencioso e seria mais feliz que no mundo
real, onde as pessoas culpam umas as outras por coisas que vão muito além
delas, como se o tempo passar dependesse apenas do tic-tac do relógio.
Fone Quebrado

...

SHSHSHSHSSSHSHSH...
...Em algum lugar do tempo...
... shhhshaindaestamosjuntoshshshshsh...
tic*

...

Cerca de vinte e cinco reais, é o que custa um fone na banca de jornal


perto do metrô Saúde, aliás, qualquer banca de jornal.
Dura uns três, quatro, se der sorte, cinco meses, até um dos lados
começar a falhar porque o fio está danificado internamente. E o que você,
pobre, faz? Fica ajeitando e ajeitando, mexendo e remexendo, tentando achar
a posição perfeita para funcionar de novo. Sem muito sucesso.
Às vezes ele funciona durante uns quarteirões, dando umas travadas
leves aqui e ali, sem cortar muito seu barato. A voz do Lennon continua
relaxante, os solos do Magalhães continuam doloridos e danço alegre ouvindo
as letras do Velhas Virgens.
Mas, uma hora enche o saco. Aquela porra toda picotada, punheta-meio-
batida, café-frio, nariz-entupido! Saco...! Enfim, uma hora sua sanidade te
força a arrancar as bolinhas da sua orelha. Que libertação. Agora volta pra
realidade: carros, pessoas, vento, metrô; sons da cidade e debaixo dela. O
mundo real.
Apesar da poluição sonora, buzina, passos, vento, pessoas, você se
isola do mundo, vai pra dentro da sua cabeça e deixa as vozes falarem mais
alto, pra serem tão eficazes quanto os fones e te distraírem de todo aquela
buzina, passos, vento, pessoas.
Ninguém gosta de barulho. Segundo alguns estudiosos, a música não
passa de som organizado. Ninguém gosta de barulho. Barulho seria, então,
tudo aquilo que é som mas não foi organizado? Sei lá. Buscamos aplicar ordem
em qualquer coisa, até os putos dos anarquistas. Ordem é necessário, é
característica da nossa arrogância de humano; dominar os índios, colonizar
Marte, entender o Cosmos, lançar foguete, criar uma empresa, constituir uma
família, arranjar um emprego, estudar, vestibular, faculdade, casa, carro,
passos, vento, pessoas...
Escutar e ouvir são coisas diferentes. Você sabe a diferença? Eu não.
Meu professor tentou me explicar uma vez há muito tempo, mas acho que não
o ouvi o suficiente, ou escutei, hm...
Acho que se morasse no interior, numa cidade pequena e rural, não
usaria tanto fone de ouvido. Apreciaria mais a amplitude das coisas. Ao longe,
uma árvore, grande, há uma garota sentada sob ela, lendo; entre mim e ela,
um lago: grande; pássaros, pensamentos, primeiras impressões, oi...
A cidade é fria, antipática; uma velha de cara fechada. Quem não tem
tampões usa a própria neura sebosa e cinza pra criar seu mundinho, seu
feudo. Sejas feliz se ainda podes dançar em meio a tanta tristeza, brilhe como
uma estrela, gigante ignorante até morrer e levar contigo tudo que te rodeava.
Atropelado...
HSHSHSHSHSHSHSH
Mas, se prestar bem atenção, perceberá que um fone quebrado custa
menos do que parece, vale mais do que serve, e no final, te ajuda a respirar
pelos ouvidos. Viva os fones quebrados! Viva às músicas! Viva o Velhas
Virgens, o Biquíni Cavadão e as cidades! Viva, viva, viva!
Vivavivaviavaiviavivavivivivvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvv.........

...emalgumlugardotempoaindaestamosjuntos...
Velhas Janelas

É quando ando pelas ruas de uma cidade grande como São Paulo à
noite, ou quando acordo cedo demais e tenho tempo para apreciar com calma
a ternura de uma manhã, que reparo, silencioso, anônimo, nos inúmeros
detalhes minuciosos da arquitetura das moradas.
No Centro Velho, que mescla entre modernidade e antiguidade, você
percebe janelas grandes, com sacada, com flores, de vidro, abertas; pequenas,
com grade, fechadas. Uma ao lado da outra, uma olhando para outra, quietas,
vazias; com uma ou outra senhora idosa regando suas plantas, com um cigarro
no cinzeiro, pensando, sozinha... As janelas que indicam que ali há, ou houve,
pelo menos, uma história, uma pessoa. Essa que poderia ser um ente
querido se tivesse a conhecido.
E eu, que sou observador, divago, diluindo minhas reflexões, entre
palavras, ao lado e olhando através de uma janela como aquelas, à margem do
mundo. E aquela senhora, que regava suas plantas, menos solitária que
qualquer pessoa diante do aglomerado de janelas na vertical, provavelmente já
estava realizada, numa tarde tépida daquelas, muito vivida, lembrava-se das
diversas pessoas que conhecera. Dos amores, dos colegas, dos inimigos, que,
na verdade, já todos passaram, morreram, se ocultaram, fecharam suas
janelas e agora ninguém mais pode ver o que fazem da vida.
Agora, aquela velha só vive com suas plantas e com suas memórias.
Através de sua janela, quase invisível aos que passam apressados, mostra a
todos sua grande obra feita em vida, como se dissesse orgulhosa e
despreocupada: "eis aqui onde estou, onde cheguei. Depois de todos os anos
da minha vida e de todas as histórias que vivi!". E eu, que da minha janela,
olho para todas as outras, discretamente invado a individualidade e privacidade
de todos os solitários, que vivem de memórias e plantas.
A senhora, enfim, entra e fecha sua janela.
Hey, Capitão! (rascunho)

Hey, Capitão! Já estamos chegando? Eu estou farta de fome!


Hey, Capitão, o que o senhor fazia antes de se tornar marinheiro? Ou o
senhor nasceu de uma baleia grandona?
Capitão, quero tirar essas botas, elas estão machucando meus pés. Eu
estou crescendo rápido, né?
Hey, Capitão, quando eu crescer, quero ser igual o senhor! Vou velejar
pelos mares carregando um montão de mercadoria e me defender dos piratas.
Você já viu piratas? Meu pai disse que o senhor já lutou com eles e por isso
nunca tira esse casaco.
Capitão, o mar está ficando muito agitado.
Capitão, quando a gente chegar, eu quero mandar uma carta pra Ellen.
Ela é minha melhor amiga! Nós sempre ficamos juntas na aula e a mãe dela
disse que quando eu voltar eu posso ficar na casa dela. Estou tão animada!
Capitão, o escrivão Miguel disse que eu sou a garota mais nova que já
viajou nesse barco. Ele disse que eu tenho sorte de velejar com os melhores!
Insight

Não sei o que, mas eu preciso escrever algo.


Sabe quando sente uma necessidade imensa, depois de ter feito algo
grandioso, que te gerou algo incrível, te fez ter um dia perfeito, um sonho
alegre, no dia seguinte fez com louvor aquela redação e tirou nota máxima, daí
você finalmente chamou aquela garota pra sair, e então você tomou coragem
para beijá-la, e o beijo foi espetacular!?
Ou, quando você terminou de ver um filme ou ler um livro, que te fez
querer sair e andar, num dia que estava lindamente agradável e azul, numa
temperatura idealmente ideal, e você vai até o mercado que sempre vai,
porque depois quer ir a casa de uma amiga querida para fazer um bolo e
passar a noite, só que você vê um grupo de garotas do colégio local que você
sempre passou na frente quando ia a escola e paquerava secretamente as
meninas, e daí você escuta alguém chamando seu nome: “Ei! Você é o...”,
você demora, mas lembra dela quando ela diz o nome, e pensa: “Você
cresceu, e ficou muito gostosa”.
Tem aquelas vezes que você planeja seu dia para fazer algo rotineiro, e
de repente você encontra um colega pouco próximo de você, mas que te
chama para sair encontrar outros colegas que você não conhece bem porque é
novo na escola, e esse colega fica esperando outro colega sair da aula,
enquanto isso vocês vão comendo um salgado barato e conversando olhando
para o grupo de garotas atraentes que vocês nunca vão chegar perto porque
não fazem parte do grupo de vocês. Daí você tem um dia incrível, E o resto da
semana fica excelente.
Naqueles dias que você saiu com seus amigos, mas não se divertiu nem
um pouco, mesmo com seu melhor amigo de anos que você pouco vê pois ele
é de outro estado estando lá, e você quer ter um momento à sós com ele pra
desabafar sobre a saudade que você tem dela e como se sente vazio agora, só
que não dá porque ele está com a namorada dele que senta atrás de você na
aula e portanto é a pessoa mais próxima de você, e você não quer separar os
dois, mas também não quer chamar só os dois porque ficar de vela é um saco,
e então você precisa chamar todos pra sua casa, mas você não quer todos
eles, eles são irritantes, são seus amigos irritantes que você ora ama ora quer
distância, principalmente uma garota que é doce e agradável, gentil, mas você
não suporta mais olhar pra ela pois ela é a melhor amiga da sua ex. Você vai
pros fundos da casa e fica lá, relaxando um pouco, enquanto estão todos na
sala, de repente você recebe a mensagem de uma garota, que conheceu
recentemente, e ela te salva de toda aquela atmosfera abafada, “Oi fofa, como
foi seu dia?”.
Mas, bom mesmo é quando um amigo que você está se aproximando
agora, no final do ano letivo, mas que sempre esteve lá, pois é melhor amigo
de um colega que está no seu grupo de amigos, diz que não quer voltar pra
casa antes das quatro, pois a faxineira está limpando o apartamento, e você
chama ele pra sua casa, e só depois de muita insistência ele aceita mas
precisa esperar pela irmã linda dele almoçar pois precisa do dinheiro, e quando
vocês vão pra sua casa vocês encontram uma garota antiga que você sempre
desejou mas na época que eram próximos não percebeu que ela também o
queria, e agora ela está namorando um cara legal, graças a Deus, porque
todos os caras que ela namorou eram grandes babacas. Você lembra que seu
professor de biologia disse quando você desabafou sobre a ex-que-você-ainda-
ama: “No final, a vida te leva a ficar com alguém, relaxa, agora é hora de você
conhecer gente e curtir”. E depois que seu amigo vai embora da sua casa, feliz
pois o dia foi bom e era a primeira vez que ele te visitava, você pensa: “Acho
que finalmente estou entendendo como a vida funciona, e eu gosto disso”.
E as namoradinhas? (rascunho)

Camus escreve com bastante ênfase logo no primeiro capítulo de “O


Mito de Sísifo” – um dos livros mais aclamados do pensamento existencialista –
“Todas as grandes ideias e todos os grandes pensamentos têm um começo
ridículo”. Essa frase, ao menos a mim, é unânime.
Acho que todo mundo já ouviu aquela pergunta, seja de parentes,
amigos, pais, “e as namoradinhas, hein?”, e é sempre no plural:
“namoradinhAS”. Nunca reparamos, mas isso já é um aviso de que não vai ser
só uma; você vai se apaixonar mais de uma vez, vai amar mais de uma vez, vai
terminar mais de uma vez, e vai começar tudo de novo, outra vez.
Quando se é garota é um pouco diferente. Alguns pais são tão
ciumentos que esse assunto balança qualquer mesa de jantar, deixando um
silencio que esfria a comida, constrangendo tanto a filha quanto o pai. O pai se
esforça para fazer uma pergunta que não pareça tão invasiva ou preocupada,
afinal, ele não quer demonstrar o ciúme que tem por sua menina que já é
quase uma adulta.
Sempre que conheço uma pessoa nova, dependendo, prefiro ir direto às
perguntas profundas que não se faz a um recém-conhecido: “Você já se
apaixonou? Como era sua(eu) ex? Como se conheceram? É virgem? O que
gosta de fazer quando sai com alguém que está interessado romanticamente?
É daqueles(as) que já beija logo de cara ou espera até chegar à porta da casa
dela(e) pra se aproximar lentamente, pedindo permissão para encostarem seus
lábios? E na cama...?”.
As coisas ficam simples, banais, depois de uma certa gama de
experiências, e, honestamente, acho as pessoas muito travadas. Tudo isso é
comum, gente, não façamos dramas em “pseudotabus”.
Quando você está gostando de alguém, você muda, é óbvio. Não sabe o
que fazer para conquistar. Aquelas coisas padrão que você já aprendeu de
tanto ver seus amigos fazendo, de tanto você mesmo fazer e ver que funciona,
nah, nada disso vêm a sua cabeça na hora. Você só fica lá, parado, besta,
admirando a beleza da pessoa, não toma muitas atitudes pois prefere ficar
mais só apreciando, “shhhh, não a atrapalhe”. É, acontece com os garotos
românticos.
Funky!

No geral, a vida de músico é boa. Já ouviu falar de um oboé? Já escutou


o som daquilo quando tocado por um iniciante? E quando o maestro repete
quinhentas vezes a mesma passagem porque o naipe de flautas é preguiçoso
e tem um som baixinho? Já invadiu a sala de uma garota e, sem preliminar
nenhuma, perguntou se ela queria tocar umas peças contigo? (Aliás, um ótimo
jeito de conhecer sua parceira) Ou quando os baixos do coral não estudaram
direito e no dia da apresentação ficam quietos, deixando seus amigos barítonos
sozinhos, é foda né? De repente seu professor se levanta da cadeira dele e
começa a andar pela sala, batendo palma, solfejando, cantarolando e
gesticulando como um regente, como se fosse a coisa mais normal do mundo;
toca em você, te xinga, te manda de volta pra casa, lixa suas unhas
(violonistas) e ainda te trás um cafezinho.
Músicos são retardados. Não me surpreende quando estou no metrô,
curtindo um som, mexendo todo meu corpo, feliz, e me oferecem o assento
preferencial, achando que sou autista. Parece que estar feliz é uma estranheza
no mundo moderno dos vagões e calçadas malfeitas. Chama a atenção um
rapaz socando o ar num ritmo três-contra-dois; uma menina segurando uma
caneta de forma esquisita, como um arco de violino; um garoto olhando um
papel cheio de bolinhas e fazendo um gesto com a mão, pra baixo, pra dentro,
pra fora e pra cima, cantarolando pra si mesmo. Todos animados, em seu
próprio mundo de melodias, ritmos e harmonias.
Das sete artes, a música é a primeira, sabia? No Quadrivium, de Platão,
lá está ela, a Música, como uma das artes liberais, derivada da matemática,
como constatação física da teoria dos números, das proporções. O músico é
diferente dos outros artistas. Ele é mais tímido, tem mais medo. Claro, depende
do seu instrumento, mas os perigos do mundo da música são iguais pra todos,
e devemos estar preparados.
O músico é 8 ou 80. Uns não querem nem saber, chutam o balde,
mandam o professor tomar no cu, quebram seus instrumentos no palco,
improvisam e deixam seus colegas de banda confusos; tudo pra agregar ao
seu próprio drama pessoal. Outros quase passam despercebidos – quase
porque é impossível escapar do palco – chegam sempre no horário da aula,
cumprimentam o colega que já está de saída da sala, fazem exatamente o que
o professor pede e vão embora. No coro, a voz não é tímida, mas genérica,
não faz tanta diferença. Canta afinado, pra fora, mas não tem presença. Toca
bem, metronomicamente correto, sonoramente redondo, articulação boa, mas,
pra quê?, nada. Depois que se formou, foi trabalhar com contabilidade.
Os compositores são diferentes dos performers. Geralmente os
compositores são mais soltos, mais íntimos dos seus instrumentos. Já
experimentaram de tudo com seus parceiros de palco: desafinar as cordas,
mudar o bocal, bater no tampo, passar um palito no rastilho enquanto toca,
colocar o “bass” no máximo e o “treble” no mínimo pra ver se tira um som mais
pesado da guitarra e por aí vai. Sem frescura, experimentam de tudo, querem
conhecer os limites, se divertir com os erros; são sadomasoquistas que amam
uma crítica. Os performers são muito atados a partitura, tocam e vão embora,
é o trabalho deles. Claro que um performer experiente sabe: o que importa é o
show; “no palco, eu prefiro que você erre cinquenta notas, mas toque com
paixão!”.
Preconceito? Ontem mesmo disseram que eu bolei um baseado, me
denunciaram pra portaria do prédio da minha amiga, quando, na verdade, só
estava lendo um bilhetinho que ela mesma havia escrito pra mim quando eu
estava triste, que guardo até hoje na minha carteira. Sim, é verdade, muitos
músicos são uma brisa em pessoa, você sente o cheiro de longe e escuta
aquela voz molenga quando vão te cumprimentar. Mas, sabe o que todos eles
têm em comum? Todos estudam na USP e UNESP, na Escola de
Comunicação e Artes (ECA). Aí eu te pergunto: é a música ou o meio
acadêmico?
Tem uma diferença entre os eruditos e populares também. Eu sou os
dois. Transgênero, pois meu primeiro instrumento foi o violino, depois guitarra
e, agora, violão erudito. Tenho dois grupos que fundei, na troca de ideias com
amigos: um dueto de violão e flauta, formação excelente pra tocar de tudo, mas
principalmente no âmbito erudito, então estamos sempre atrás da perfeição
musical e artística. Outro grupo é uma banda, sem nome ainda, formação com
duas guitarras, baixo, bateria e vocal, procura-se pianista/tecladista. Esse é
mais descontraído, a ideia é tocar de tudo, compor de tudo, criar e ganhar
experiencia, até porque, afinal, a melhor escola é a prática.
Como artista, vejo a arte como um processo de comunicação. Ela é um
todo, é o que o artista tem dentro de si e quer colocar pra fora, visando a
estética, o drama, a provocação. É tocar o coração de qualquer ser humano,
em qualquer esfera social e emocional, sem dar explicações, é isso e pronto,
contemple. O instrumento tem esse nome pela sua própria função: é um
instrumento, um meio que o músico utiliza para transferir sua emoção para o
ambiente, preenchê-lo com sua intenção. Ser original é o diferencial.
No geral, a vida de músico é boa. Mas só um músico entenderia o que
quero dizer.
Nunca foi sobre isso... (rascunho)

Você nunca foi feia. Você não é feia. Eles só não tinham os meus olhos.
Às vezes você ficava horas discutindo sobre sua aparência, nunca
acreditou em mim, nem em si mesma.
A verdade era que os problemas estavam na sua cabeça
Acontece

Fossa. É isso. Fos-sa. Separando bem e dando ênfase em cada uma


das duas sílabas. (Que melodramático). É, a vida tem várias dessas, ela é tipo
uma namorada ciumenta que você conheceu numa estação do metrô. Vocês
estavam descendo na Consolação pra assistir qualquer coisa no Cine Belas
Artes numa segunda porque é mais barato a meia entrada para estudantes.
Aliás, vocês são dois estudantes do Ensino Médio, sem muita liberdade, sem
muita experiência, mas se atraíram quando cruzaram os olhos no vagão. (Uau,
que fic.)
Não. Não foi assim que conheci minha namorada. (Minha ex, agora). Ela
era colega de uma colega que pediu meu número depois de ver uma foto
minha. Legal, mas eu tinha 12. Aliás, nós tínhamos 12.
Me apaixonei subitamente, ela era uma garota estranha, mas muito
linda. Aliás, a mais linda que já vi. Mas, só depois descobri isso (Infelizmente).
Fomos conversando, meses e meses de conversa. Não quero arrastar muito
essa história, se não dá um livro! Ela se fazia de problemática, era dramática,
circense e adorava animes, coisa que nunca tive vontade de ver e só passei a
assistir por causa dela. Ela me tratava como nenhuma outra garota havia me
tratado desde então, na verdade, nenhuma outra garota é como ela, não
mesmo, amigo, ela é diferente.
Ela me mostrou seu mundo, se abriu como uma flor pra mim, e eu era
bobo demais. Puta merda. Confesso, sempre fui muito lerdo com garotas. E eu
não achava que ela podia pensar em mim da mesma forma que pensava nela.
Aliás, ainda estou digerindo isso.
Enfim, foi meu primeiro amor. Vocês sabem como é isso? Aos que
sabem: foda-se. Aos que não sabem: sério, não sejam tão idiotas como eu fui,
de querer ser o “melhor” para aquela menina que te chamava sempre pra
conversar. A única coisa que ela quer de você, assim como Thoreau, é
sinceridade. Seja sincero, diga “eu te amo” se sentir que a ama, não tenha
medo de amar. Não espere pra ser correspondido. Eu perdi essa chance há
dois anos, agora já foi. Disse que amava pessoas que não amei, por medo de
errar de novo. Ficava acuado e desesperado. Falava verdades insinceras, um
horror. Mas, não devo me julgar, eu estava aprendendo. E ela... Ela certamente
queria apenas que eu fosse “eu mesmo”, porque ela já sabia: Eu a amava.
“Nosso futuro segue os erros do passado”, já dizia a música!
Terminar com seu amor pode ser mais difícil que achá-lo. E de fato, É.
Certa vez, escrevi uma redação sobre Perda, lá eu dizia que o fim é tão natural
quanto o começo. Mas a gente é apegado, né? Olha, essa garota vai seguir
com a vida dela, sem mim, talvez ora ou outra pense no passado, mas logo vai
voltar a atenção para os olhos de seu namorado espanhol mais velho e mais
maduro que eu.
A coisa mais atraente nela, sobretudo, era sua maturidade. E foi por isso
que a amei. Ela era madura, muito mais madura que as garotas que conheci.
Ela era forte, inteligente, carinhosa comigo. Eu me sentia, apesar da sua
péssima forma de usar as palavras, acolhido e confortado. E que garota
gostosa também, mas esse assunto deixa pras rodinhas depravadas de
homens.
Sim, eu tenho saudades. Sim, eu ainda te amo. Sim, eu sou um recém-
terminado abalado. Sim, quero recomeçar. Sim, eu sei que preciso seguir em
frente e superar. Sim, eu quero te dar um abraço, olhar nos seus olhos e dormir
contigo de novo. Desculpe, eu falhei, mas nos divertimos, não? Que triste...
Espero um dia te encontrar de novo, a gente vai beber vinho, terminar nossa
série, dançar, sair, comer, transar, dormir e recomeçar. Mas, acima disso,
espero que siga sua vida, com ou sem mim, e seja feliz, você merece. Te amo.
Bem, o resto é história. Acho que tá bom pra um primeiro texto
publicado, né? Sei lá, bicho... Quero voltar a ler meu livro.

...

Este foi meu primeiro texto publicado no Wattpad, plataforma falida de


literatura amadora online, tinha uma introdução também, desnecessária agora.
Alguns meses depois de escrever isso, já superado e menos machucado,
posso dizer: É... Acontece...
Meu Bloco de Notas do Celular

Uma rubrica sobre este – e futuros do mesmo gênero – capítulo: esses


textos foram escritos no meu celular, no bloco de notas, como dito no título.
São pensamentos avulsos, soltos, pequenos, então serão organizados em
blocos datados, desconexos. Aliás, estão em ordem cronológica.

...

Nota de texto: 27/10


Quando começo a pensar no meu futuro é muito difícil imaginar algo
muito diferente do agora. Os conceitos que tenho hoje me parecem tão
maduros, que não consigo pensar no que mudaria em mim pra me tornar mais
adulto ainda. Mas porra cara eu só tenho 15 anos e já tô cheio de
responsabilidades, que coisa desnecessária.
Namorar uma garota complicada, ser músico, trabalho, pais, amigos,
tudo isso precisa de um leque de ferramentas enorme pra lidar da melhor forma
e não fazer cagada.
Aos 15 anos eu desejo o mundo, desejo meu mundo, um mundo em que
eu possa fazer as coisas nas minhas medidas; viver na minha casa, com meu
emprego e uma companheira que eu ame de verdade. As únicas três coisas
que mais importariam pra mim aos 20 anos. Porém, você não visualiza o
caminho que deve ser percorrido até lá e acha que sua vida é uma merda e tá
fora dos trilhos porque as coisas deram errado. É muito difícil ter 15 anos e
ainda ser cobrado por sempre ter sido um rapaz adiantado, às vezes eu só
queria um abraço das pessoas com quem falhei pra mostrarem que eu não sou
um monstro por ter cometidos erros de imaturidade. A vida é uma constante de
aprendizado. Erros são inevitáveis, acertos também, mas todo mundo faz
parecer que as coisas devem seguir um curso pré-definido e que se você não
estiver tão disposto ou bem pra lidar com aquilo, você será um fracassado pro
resto da vida.
O tempo vai passar e vou deixar de lado essas frustrações, vou notar
que foi uma coisa de adolescente que não sabe porra nenhuma da vida. Mas,
por enquanto, parece que o mundo desabou sobre mim, e estou sem
perspectiva de para onde vou e o que fazer. Queria sentir melhor a parte de
tudo isso que tem a ver com meus esforços gerando resultados que me
aproximam do futuro que almejo. Estou cheio de pensamentos acompanhados
por um "mas..." e não consigo me sentir completamente bem com quase nada.
Minha certeza é que o melhor lugar pra se passar uma tarde é o
cemitério da Aclimação, e que seria bom ficar lá em silêncio até todas as
engrenagens da minha mente se encaixarem e me libertar das frustrações.
Seguir no meu rumo, para onde eu quero, que ainda não sei onde é.

Nota de texto: 05/11


Acho que tô gostando disso

Nota de texto: 06/11


Uma resposta ao André do passado
Você descobrirá o que é amar
Você descobrirá com a garota mais inesperada pra você
Mas você meio que sempre soube também
Que seria ela
Não vai durar muito tempo
Mas o tempo que durar será o suficiente
Pra você entender o que é o amor
E é algo lindo
Nota de texto: 11/11

Eu escolho amar de novo


E lembrar que já amei uma vez também
A vida é assim

Nota de texto: 12/11

Acho que muitas vezes na vida, principalmente em momentos de crise,


o que precisamos é de identificação. Uma forma de sentirmos que não estamos
sozinhos naquilo que estamos passando, que a vida é igual para todos, e que
uma tempestade acontece em qualquer copo d’água.
Hoje lembrei que posso levar a vida com mais leveza, se mudar o
foco, se me apaixonar de novo, se não julgar a mim mesmo e nem meus
desejos, como minha querida amiga virtual disse uma vez.
A vida de artista e seus martírios, a vida de músico e suas
particularidades, as taras e valores de um escritor, o tesão de um viajante.
Seja bem-vindo a vida, seja bem-vindo ao mundo e suas belezas,
porque até mesmo a dor e o sofrimento podem vir a se tornar flores rosas num
vaso de barro.
Paquere uma menina com o olhar no metrô. Repare em cada traço da
sua colega enquanto conversa com ela, sua boca e seus olhos, sobrancelhas.
Pense naquela que um dia amou e de um leve sorriso, depois olhe para a foto
daquela que ainda pode amar. É assim, a vida, como ela te guia nessa dança
rítmica e sensual. Talvez estranha.
Sinta toda a dor que necessitar, mas não esqueças de ser feliz, você
vai precisar.
Nota de texto: 04/12

Não sei bem o que escrever agora. Minha vida voltou ao normal? Bem,
ela sempre foi.
Tô, como sempre, no metrô, voltando do Belas Artes, estava
assistindo um filme legal, Diário de Viagem, me lembrou minha ex e a maioria
das minhas amigas.
E agora? Amanhã tem jogo, vou ver com o Matheus, o Thomás e,
claro, meu pai, na minha casa. Vai ser legal.
Amor? Pra que? Digo, tá tudo bem. Até parece que sou um
desiludido... A vida vai acontecer, tudo se resolve. Já passei por tantas coisas,
ainda falta bastante pra passar também. Amor é só uma parcela, apesar de
grande, não é tudo, é natural, e por ser natural, é inevitável.
Todas as pessoas vivem igualmente diferentes.

Nota de texto: 09/12

Gostar de uma pessoa é engraçado. Seres humanos são tão bobos,


né? Pensar é uma comédia, é graça, é irracional.
Sofremos, amamos, rimos, nos deliciamos com momentos e
memórias; com presenças; com fotos, aromas, cores, penteados, detalhes...
Nossa vida segue e segue, sempre aleatório, sempre bom ou ruim,
num quatro por quatro, sincopado; é incrível!
A vida é uma obra de arte, é música, cor, movimento.
Num momento você está tenso, noutro, relaxado, noutro triste, noutro
feliz.
Eu gosto de quem sou, e não faz mal ser simples, ser errado, ser
apaixonado, ser encantado. Seja feliz, seja sincero, seja aquilo que não vai se
arrepender de ter sido.
Vai nessa!
Cantinhos

Criança adora uma toca, né? Pelo menos eu, quando era uma, sabia
exatamente como queria meus cantinhos particulares, minha propriedade
privada.
Na cama dos meus pais, aos cinco anos e pouco, eu costumava passar
um barbante entre o armário que ficava na frente da cama e os que ficavam ao
lado, amarrava nas maçanetas. Quando estivesse bem esticado e estável,
como um bom engenheiro, colocava por cima o teto, que não passava de um
lençol ou cobertor, e ali ficava, longe dos meus pais e preocupações. Aquilo foi
minha primeira noção de solidão, de particular, até porque meus pais sempre
me ensinaram a compartilhar meus brinquedos com as outras crianças menos
cuidadosas. Era refrescante quando usava o lençol, e aconchegante quando
usava o cobertor. Na casa da minha vó fazia igual, a diferença é que lá era
menor, então tinha mais “cantinhos” pra se criar. O sofá de frente a TV, a
beliche da minha irmã, cuja parte de cima onde ela dormia sempre estava
desarrumada, a lavanderia, até o cantinho da minha avó (idosos também tem
cantinhos), que era onde ela fumava cigarro, o que matou ela depois de uns
anos.
Eu era muito criativo pra essas coisas, um verdadeiro arquiteto. Usava
cadeiras, mesas, tinha noção do peso dos materiais, como deixar o teto
estável; aprendi tudo na marra, deixando cair muito cobertor na cabeça. Meu
pai sempre guardou uns pedaços de madeira pra quando precisasse arrumar
alguma coisa, já eu, via os tijolos e vigas da minha mansão. Também sempre
gostei de construir cidades. Pegava essas tábuas do meu pai e começava a
fazer no tapete da sala o meu mundinho, com direito a automóveis de
Hotwheels e Transformers e cidadãos de lego. Tanto poder nas minhas mãos...
Não vou fazer cena e contar uma história triste, dizer que sofria bullying,
que tive uma infância difícil e solitária, não mesmo. Na verdade, minha infância
foi boa sim, tive bons amigos e nenhum grande trauma. Mas o fato é que eu
cresci sozinho. Não tinha irmãos, minhas duas irmãs eram já adultas e não
moravam comigo, não era sempre que ia a casa dos meus amigos, isso era o
maior privilégio, meus vizinhos não tinham filhos pra eu brincar e meus pais
nunca me davam os brinquedos tecnológicos que meus amigos tinham, o que
me deixou desatualizado de muita coisa. Eu não sabia o que era Playstation,
Xbox, DS, Iphone, Ipad, Tablet, Smartphone... Quando fiz uns seis anos, meu
pai me deu um Nintendo Wii, que virou meu primeiro vicio, apesar de eu ainda
brincar muito com meus Action Figures. Na primeira vez que invadiram nossa
casa o levaram junto. Fiquei com os vários jogos piratas. Nunca mais ouvi falar
daquele console que gostava tanto.
Há muitas partes boas em ser criado por pais velhos. Você fica mais
maduro, seus valores são outros, aprende a se virar sozinho, pois, na época
deles, eles também tiveram que se virar sozinhos. Em contrapartida, você fica
meio desajustado. Seus amigos parecem bobos demais, todo mundo é meio
entediante, legal mesmo é ficar sozinho e fazer as coisas como acha melhor,
pois você (ainda não) sabe, as crianças da sua idade são intelectualmente
inferiores a você. Uma coisa que eu tinha em comum com meus dois melhores
amigos dessa época, Leon e Rafael, era que os pais deles também eram
velhos, e por isso pensávamos meio igual.
Quando fiquei mais velho, tinha mudado de casa e escola, nunca perdi o
hábito de ter meu cantinho. Confesso que demorei pra sair da cama dos meus
pais, dormira com eles até uns onze anos, depois que minha mãe foi morar
sozinha, passei a ficar mais no meu quarto. Minha memória é meio incerta
sobre aquela época, uns anos antes da pandemia, acho que não houveram
tantos acontecimentos marcantes. Depois que ganhei meu primeiro celular, aí
sim, queria privacidade. Foi a época que comecei a falar com meus amigos
pelo celular. Também demorei pra entrar em redes sociais, eu só baixei o
Instagram porque queria saber onde meu amigo tinha conseguido uma foto da
garota que estava afim na época.
Durante a pandemia foi quando comecei a explorar cada vez mais minha
privacidade. Dentro de casa, os melhores lugares eram as janelas e a varanda
à noite, sempre ficava olhando a rua escutando música e pensando em
alguém. Meus pais não me conheciam, era um adolescente em ascensão, com
amigos virtuais e primeiros sentimentos mais profundos, questionamentos e
reflexões a cerca da minha existência; futuros, emoções etc. Só ficava trancado
no quarto, conversando com uma garota em específico, que depois veio a ser
meu primeiro amor. Muitas situações me faziam querer sair, e meu pai deixava,
já andava de metrô sozinho desde os dez anos, comecei a querer explorar a
cidade.
Meu primeiro cantinho especial fora de casa foi a última cadeira da
última mesa da área externa da padaria Europão. Ia pra lá de bicicleta, era
ótimo para ler e ficar em paz, foi lá que comecei a escrever no meu antigo
diário também. Apesar da paz, também ficava com uma ansiedade gostosa,
pois a garota que eu gostava morava bem ali do lado, e eu sabia que ela
frequentava aquele lugar. Quantas vezes não fiquei ali tomando coragem para
chegar até o portão da casa dela e pedir pra ela descer, coisa que nunca deu
certo. Infelizmente, reformaram a padaria e não tem mais essa parte, mal
sabem que destruíram o abrigo de um jovenzinho apaixonado. Agora, toda vez
que vou lá, tenho que ficar pensando em qual mesa escolher, saco... Tentei
substituir por muitas outras padarias e cafeterias por ai, mas nenhuma tinha o
mesmo custo-benefício e conforto da Europão.
O segundo foi o cemitério da Aclimação, que também não ficava muito
longe da padaria. Meus avós estão enterrados ali, é a desculpa que uso pra ir
até lá, mas, na real, a melhor coisa de lá é a vista. O cemitério fica sob um
barranco enorme, é todo arborizado, é silencioso e grande. Dentro, também
tem “subcantinhos”: uma parte em cima perto de uma estátua de santa, o
último túmulo seguindo o corredor à direita da entrada principal, o túmulo dos
meus avós e uma área circular mais pra baixo. Muita gente me julga por gostar
de lá, falam que isso é coisa de gente doida, sei lá, acho frescura demais.
Minha mãe não gosta, ela não sabe que vou pra lá. Meu pai é mais
adolescente solto e compreende minhas atitudes.
Em casa, já tentei quebrar um pouco a monotonia do meu quarto e fazer
uma toca embaixo da escrivaninha, iluminada por pisca-piscas, que deu muito
certo, mas durou pouco, porque as luzinhas queimaram. Um lugar que demorei
pra explorar foi os fundos, o quartinho onde meu pai guarda as ferramentas e
uma penca de coisa, lá foi onde chorei horrores pelo meu término com minha
primeira namorada.
Quando se trata de estudo, não tem outra, a Home School é o lugar que
mais gosto de ir. A sala que o Gabriel (meu primeiro professor de música)
comprou no Conjunto Nacional da Av. Paulista, Horsa 1, sala 821, à primeira
vista me pareceu pequena. Comparado ao antigo prédio que ele tinha me
mostrado, que teria direito a uma cantina no térreo, aquilo não era nada. Mas, a
decoração deixou o lugar uma graça, bem limpo e organizado, com cara de
escola de música. Pra estudar violão, sempre gostei mais de estudar fora de
casa, nas salas do conservatório, me concentrava mais. Quando comecei a ir à
Home depois do expediente, à noite, me senti muito mais livre e confortável. Lá
eu posso curtir a vista do Jardins, apagar as luzes durante meus intervalos e
colocar uma música, sentir a brisa, depois descer e pegar um café, ficar
olhando as pessoas, voltar, estudar, render e vazar...
Percebi que, também, algumas coisas só precisam de mais organização,
ou uma mínima mudança de contexto. Antes, achava que não conseguia
estudar em casa, depois, percebi que o problema era o ambiente, passei a
estudar do lado da varanda, na sala, bem no canto, depois da mesa de centro;
usando a cadeira de madeira e o apoio de pé, agora sim, posso estudar em
casa.
De lugares especiais e memoráveis tenho muitos. Cine Belas Artes e o
Theatro São Pedro tiveram seus momentos que nunca vou esquecer,
momentos em que não havia nada além de amor em mim, momentos que nos
lembram do valor da vida, coisas boas que não vão voltar, mas que ao menos
aconteceram. Terminal de São Matheus, onde uma amiga que saía pela
primeira vez comigo me deu um belo beijo na bochecha, que me fez ficar
apaixonado na época. Ibis Hotel, quando meu melhor amigo veio pra cá e dei
um pulo enorme nele, que o fez despencar pra trás, quebrando seu violão. A
casa do meu amigo Matheus, que tem uma vista incrível e que me deu um dos
dias mais felizes numa fase ruim. Uma casinha de madeira pequena na praça
em frente ao prédio da Rafaela, que me abrigou em vários dias de chuva. A
sala 107 da EMESP, onde conheci a Larissa e começamos o projeto Duo
Expresso. O Sebo Praia dos Livros, onde sempre fico um pouco mais
aproveitando o ambiente. E por aí vai...
Nossa relação com os lugares pode ser tão profunda quanto a nossa
relação com nós mesmos. Por favor, grandes empresas, preservem alguns
cantinhos especiais. Prefeituras, tombem mais prédios históricos. É tudo que
peço, mesmo que algumas coisas mereçam ficar no passado, para não perder
sua essência, o que vale é a nostalgia de quem já viveu e seguiu em frente.

Você também pode gostar