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Organizadores
Jorge Olímpio Bento
Go Tani
António Prista
Edição
CIFI2D·Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
Patrocínio
Instituto do Desporto de Portugal
Impressão
Multitema
ISBN 978-972-8687-44-1
Depósito legal nº 305113/10
SUMáRIO
13. José A.R. Maia, André Seabra, Rui Garganta, Raquel Chaves,
Michele Souza, Daniel Santos
Factores Genéticos e Ambientais nos Níveis de Actividades Físico-Desportivas.
Um Estudo em Famílias Nucleares Portuguesas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
14. Dartagnan Pinto Guedes, Mônica Vieira de Souza
Atividade Física Habitual e Fatores Associados em Adolescentes Brasileiros . . . . 217
15. Markus Vinicius Nahas, Mauro Virgilio Gomes de Barros,
Maria Alice Altenburg de Assis
A Complexidade e a Efetividade da Promoção de Estilos de Vida Saudáveis
no Ambiente Escolar: O Projeto Saúde Na Boa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231
16. Rui Proença Garcia, Fátima Santos
Obesidade: um problema (também) cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
17. Cláudia Lúcia de Moraes Forjaz, Andréia Cristiane Carrenho Queiroz,
Crivaldo Gomes Cardoso Junior
Exercício Físico na Hipertensão Arterial: Riscos e Benefícios . . . . . . . . . . . . . . . . . 256
18. Lilian Teresa Bucken Gobbi, Ellen Lirani-Silva, Rodrigo Vitório, Natalia Mada-
lena Rinaldi, Marcelo Pinto Pereira, Claudia Teixeira-Arroyo, Fabio Augusto Bar-
bieri, Paulo Cezar Rocha dos Santos, Rosangela Alice Batistela, Alline Castello
Salles, Vivian Raile, Ana Paula Teixeira Alves, Luana Carolina de Morais
Exercício e Doença de Parkinson: Aspectos da Formação em Educação Física . . 274
19. Joana Carvalho
Envelhecimento Activo: recomendações para a prática de exercício físico . . . . . . 294
20. Paulo de Tarso Veras Farinatti, Walace David Monteiro,
Pedro Paulo da Silva Soares
Aptidão Física, Envelhecimento e Exercício: Uma Abordagem Aplicada . . . . . . . 308
21. Suely Santos, Maria Cecília Oliveira Fonseca,
Marcelo Eduardo de Souza Nunes, Mariana Marilia Franzoni
Idosos Brasileiros: Um Desafio para a Sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337
22. Alfredo Faria Junior, Elza Rosa da Silva
Motivação, o Idoso e o Atletismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345
23. Ana Paula Lima Teixeira, Rodrigo Cavasini, Alberto Reinaldo Reppold Filho
Programas de Atividades Físicas de Aventura na Natureza para Jovens Infratores:
Revisando a Literatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360
24. Paulo Cesar Montagner, Leopoldo Katsuki Hirama
Esporte e Projeto Social na “Favela”:
Memórias, Experiências e Valores Educativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373
25. Antonio Jorge Gonçalves Soares, Tiago Lisboa Bartholo,
Leonardo Bernardes Silva de Melo, Hugo Paula Almeida da Rocha
Mercado do Futebol, Juventude e Escola: Primeiras Leituras . . . . . . . . . . . . . . . . . 401
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O reforço das qualificações necessárias ao exercício das diferentes funções técnicas na área
da actividade física e do desporto constitui um dos principais desafios estratégicos que
orienta as prioridades definidas em matéria de política desportiva, prioridades essas ins-
critas no quadro definido pela Estratégia de Lisboa e que reconhecem a educação e a for-
mação como factores insubstituíveis de desenvolvimento económico e tecnológico, da
coesão social, do desenvolvimento pessoal e do exercício pleno da cidadania.
O desafio da educação e formação no desporto e do intercâmbio entre diferentes patama-
res de experiências neste domínio tem sido também o mote para a institucionalização de
espaços de diálogo e trabalho de equipa junto da Comunidade de Países de língua Portu-
guesa, como é exemplo a parceria estabelecida entre o Instituto do Desporto de Portugal,
IP e a Confederação Portuguesa de Associações de Treinadores no desenvolvimento de
projectos de cooperação com os Países de Língua Portuguesa no âmbito da formação de
treinadores.
O contributo que o desporto pode dar como ponto de encontro e de confluência entre os
oito países falantes de português e na construção da lusofonia, quer no domínio da edu-
cação e formação quer noutros domínios, é inestimável, permitindo estreitar fraternal-
mente os laços que contribuem para que seja uma comunidade singular e a tomada de
consciência gradual da pluralidade de elos que os unem, nas tradições históricas e cultu-
rais, na diferença e no contraste com outros povos de diferentes fonias. Importa lembrar
que o português ocupa o sétimo lugar entre as línguas mais faladas do mundo, a seguir
ao chinês, inglês, hindu, espanhol, russo e árabe, surgindo mesmo antes do francês. A par-
ticipação do desporto neste projecto ambicioso fornece um campo excepcional para a
transformação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa num espaço de coopera-
ção, fraternidade e amizade entre povos que partilham não só o elemento linguístico -
cultural, mas também outros valores comuns que os identificam.
Em 2010 decorrem dois eventos que traduzem esta determinação de, também no desporto,
congregar esforços em torno do projecto de construção de uma identidade neste universo
lusófono, levando por diante uma acção operativa e concertada no sentido de dar corpo
às principais aspirações dos visionários desta grande comunidade. O primeiro é o XIII
Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa su-
bordinado ao tema “Desporto, Identidade Académica e Profissional” que se realiza, em
Maputo, entre 30 de Março e 2 de Abril, estando a organização entregue à prestigiada Fa-
culdade de Ciências de Educação Física e Desporto da Universidade Pedagógica de Mo-
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çambique; o segundo, são os VII Jogos Desportivos da CPLP que se realizam de 30 de Julho
a 07 de Agosto também em Moçambique. Com o estabelecimento deste tipo de canais de
comunicação de partilha de ideias, experiências e de permuta de conhecimentos que dili-
genciam no sentido da mobilização deste universo lusófono em torno de objectivos co-
muns, no respeito das suas identidades, todos damos uma valiosa contribuição à
edificação da lusofonia.
Este livro intitulado Desporto e Educação Física em Português, é uma edição a propó-
sito do XIII Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua
Portuguesa; reúne autores do Brasil, de Moçambique e Portugal e compreende relevantes
contributos técnicos e científicos. É um título feliz. Um título que exprime a empenho de
se disponibilizar à comunidade lusófona conhecimento actualizado que seja importante
e necessário para o desenvolvimento do Desporto e Educação Física em todos os países lu-
sófonos. Em linha com outras iniciativas congéneres, é com muito prazer que o Instituto
do Desporto de Portugal, IP se associa à publicação deste livro como mais um importante
contributo para uma efectiva construção da lusofonia.
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A riqueza genética, cultural, ambiental e social dos diferentes grupos populacionais que
se podem encontrar nos três países, está sabiamente destilada no livro, nas metodologias
científicas adoptadas, na perspectiva cultural da análise e na diversidade lógica dos tí-
tulos dos capítulos. Não deve ter sido fácil alinhar este livro.
Por fim, o título. A aventura cooperativista dos autores surge no âmbito da preparação
de espólio científico para sobrar em Maputo no final do XIII Congresso de Ciências de
Desporto e Educação Física dos Países de Língua Portuguesa em Março de 2010. O título
não poderia ser outro. Aliás já vimos mais acima que o livro foi preparado por todos os
que fazem a investigação nesta área em português. É pois, bastante acertado e sugestivo
o título.
É isso; na aldeia global a ciência da lusofonia começa a afirmar-se. Mais alto, mais rápido,
mais forte.
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Companheiros de viagem
A partir de noções elementares comuns a toda a espécie humana, e que podem ser
expressas em todas as línguas, bons, maus ou indiferentes são todos companheiros
de viagem. Na inclusão ou na exclusão, na guerra e na paz, fazem parte de uma
aventura que mal sabem interpretar e que não é na morte que se pode resolver: é
no caminho. As interpretações da vida – sejam elas científicas, metafísicas, éticas,
estéticas, religiosas ou laicas – não são indiferentes à qualidade da viagem. Mas,
se não quisermos que valha a vontade do mais forte, será preciso conversar, tornar
o outro nosso hóspede ou aceitar a hospitalidade do outro. Isto significa reconhecer
que não estamos acabados, que não somos perfeitos, por isso estamos a caminho,
com o sentido que cada um ou cada grupo descobre para a sua vida. Caminhamos
com gente que vem de todo o lado, de todas as culturas, povos e línguas. Fora do
diálogo, não há salvação.
1. Introdução
Temos o privilégio de actuar no campo da palavra; é com ela que lavramos o terreno
do nosso mister. Por sermos professores e académicos, somos oficiantes convictos do
poder da palavra e da linguagem. Esta função prende-nos ao dever de a cultivar e hon-
rar, de preparar e semear com ela o agro da formação e reflexão. Para que do chão duro
e ruim se levantem impossíveis, nasçam e floresçam sóis e luas, astros e estrelas.5
Ademais não se pode ignorar esta advertência certeira de Ludwig Wittgenstein (1889-
1951): “Os limites da nossa linguagem são os limites do nosso mundo”. Aqui e agora,
no tempo de expansão e imposição avassaladoras da tecnologia e da parafernália das
imagens, os universitários são chamados a reabilitar a palavra, a retirá-la do exílio e da
postergação, porque só com ela se alargam os horizontes da visão e compreensão, da
inquietação e da respectiva formulação. Precisamos de inventar palavras novas, leves,
azuis, substantivas, aumentativas, aladas, estimulantes, encorajadoras, criadoras...6
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2. Do desporto
Mas… o que é o desporto? Não há resposta simples para uma pergunta tão complexa.
De resto uma resposta, sendo ligeira e curta, é redutora e diz pouco; e, sendo longa,
é uma fuga da pergunta.
Em todos os tempos e lugares e em todos os contextos civilizacionais, a humanidade
confrontou-se sempre com duas, entre outras, questões principais: O que é o
Homem? Qual o sentido da vida?
Estas perguntas ocuparam, de maneira obsessiva e permanente, os curiosos e os
pensadores, os filósofos e os sábios em toda a parte do Mundo, procurando tirar van-
tagem do facto, aparentemente negativo, do homem ser um mostruário da evidên-
cia de carências, fraquezas, fragilidades, debilidades, insuficiências e imperfeições,
de haver nele muito por fazer. Em todas as épocas e segundo o estado e o modelo
de evolução civilizacional, a procura de resposta àquelas questões levou ao surgi-
mento, nascimento, amadurecimento, florescimento e desenvolvimento de dife-
rentes tipos de culturas. Todas elas intentam, a seu modo, formular e concretizar
aspirações, axiomas, conceitos, ideais, fins, metas, mandamentos, normas, princí-
pios, símbolos e valores, visando balizar os caminhos de ascensão e formação do
Homem e de indicação exaltante do sentido da vida. É isso mesmo que se encontra
também expresso na enorme variedade de culturas lúdicas e somáticas, dispersas à
escala planetária. O culto do jogo e do corpo, do agonismo, das destrezas, habilidades
e proezas corporais reproduz o ideário localmente imanente aos restantes domínios
culturais e ao envolvimento social.
Ou seja, no decurso da civilização, do Oriente ao Ocidente, do Norte ao Sul, surgiram
e desenvolveram-se visões e expressões culturais muito distintas entre si. Não apenas
no tocante ao entendimento e organização da vida no plano mais geral, ideal, espiri-
tual e sagrado, mas também no terreno do profano, das práticas lúdicas, motoras e
corporais. Por exemplo, no Oriente distante forjaram-se culturas solidamente anco-
radas em sistemas de ideias e propostas de estilos de vida, superiormente elaborados
por figuras eminentes (Buda ou Sakya-Muni, Lao-Tseu, Confúcio ou Kung-Fu-Tseu,
entre outros) da história do pensamento humano. Enquanto no Ocidente o patrimó-
nio cultural é muito marcado pela matriz grega e judaico-cristã.
Precisamente por isso, ao longo dos séculos, instituiu-se no Mundo um mosaico de
culturas adstritas aos mais variados sectores da vida, nomeadamente no capítulo
do ludismo, das festas e folias, dos lazeres e das múltiplas manifestações, métodos
e sistemas de exercitação e recreação corporais. E, muitas vezes, a convivência e o
diálogo culturais encontraram dificuldade de acontecer; ou seja, são assaz difíceis a
fusão e a integração das culturas locais, embora se assista a um alastramento e afir-
mação de algumas pelos diversos itinerários geográficos, culturais e sociais em que
se cumpriram a diáspora, a errância e a peregrinação das ideias, dos povos e dos im-
périos. Por outras palavras, navegando através dos lugares e do tempo, encontramos
indícios reveladores dos escolhos, dos possíveis e impossíveis da miscigenação lú-
dica, como espelho das diferenças e assimilações no contexto mais abrangente. Até
que surge o desporto, a facilitar o empreendimento nunca antes conseguido, pelo
menos na sua maior parte.
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Poderá parecer paradoxal a aceitação universal do desporto. Com efeito ele é origi-
nário do contexto civilizacional ocidental e, mais ainda, da parte norte do hemis-
fério; é uma cultura corporal, agónica, lúdica e somática que traduz o modo
ocidental de interpretar e responder às questões do Homem e do sentido da vida.
Com raízes profundas e sólidas nas matrizes grega e judaico-cristã, nos mitos pro-
meteicos10 e bíblicos da cultura e da civilização, no Humanismo e Iluminismo, na
filosofia e modernidade ocidentais, ele representa uma maneira elaborada de olhar
para a ‘imperfeição’ de um homem, animado da necessidade e capacidade de se mo-
dificar e transformar, de evoluir e aperfeiçoar, de se superar e transcender, para ser
mais e melhor como humano e pessoa. É uma categoria antropológica e axiológica,
uma encenação filosófica e pedagógica do sentido da vida e do trato inter-humano,
reveladora do teor e grau da nossa humanidade, isto é, do modo e da forma como
aceitamos o outro. É um instrumento voltado para forjar o Homem como uma fi-
guração da ética e da estética, como uma mistura de Apolo (representante da beleza,
da luz, da harmonia e do rigor) e de Dionísio (representante da festa, do deleite, do
instinto, do excesso e da desmedida), como uma unidade de ser e parecer, de essên-
cia e comportamento.
O desporto e todas as outras expressões da cultura humana servem exactamente
para isso: para arrancar o homem do estado animal, dos instintos e impulsos primi-
tivos, das formas originárias e arcaicas. Para sublimar a nossa natureza original e,
em cima dela, edificar uma condição humana, marcada pela racionalidade, pela téc-
nica, pela arte, pela virtude, pela ética e pela estética, isto é, pela excelência.
Esse Homem é aquele que a trajectória da civilização e da sabedoria humanas, desde
os seus primórdios, vem idealizando e prescrevendo nas normas e leis, nos manda-
mentos e símbolos inscritos em tábuas de pedra, nos desenhos e pinturas das pare-
des das cavernas, na terracota, nos pergaminhos, assim como nas lendas e
mitologias.
Esse Homem é o da relação entre o Eu e o Outro, o que se revê na lonjura, na altura,
na distância, na transcendência, na elevação, na ânsia de perfeição, no mais-além.
Ele extrapola a realidade, mas é desejado, percebido, sentido e visto para ser incor-
porado nela e para a sublimar.11
Esse Homem é o da Torre de Babel e o do esforço titânico de escalar o céu. O Homem
feito do limo da terra e animado pelo fogo divino, o dos jogos e o do desporto, o
herói do Estádio esculpido nos mármores brancos de Poros e pintado em vasos e ân-
foras, cantado por poetas e filósofos, admirado e aclamado pelos seus semelhantes
e invejado pelos deuses do Olimpo; o Atleta dos Jogos de Olímpia e de todas as acró-
poles de promoção da cidadania. É o Homem grego: o semideus de Hércules e Pro-
meteu, capaz de façanhas inauditas e sobrenaturais, o ser teórico (theion + orao)12,
da contemplação e atracção do divino, do superior e transcendente, do harmonioso
e belo, existente na ordem do Cosmos e possível de incorporar no projecto humano.
É o homem judaico (e cristão): da redenção e salvação, animado pela ânsia da pro-
messa da Terra Prometida, situada para além da aridez do Monte Sinai, assaz dis-
tante e só alcançável através da observância normativa, de princípios, leis e ideais.13
Esse é o Homem afirmado e celebrado pelas proezas e excessos do seu corpo, quer
o dos atletas da idade média premiados como santos graças à ascese e mortificação,
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quer o dos santos dos novos tempos glorificados como atletas devido à superação e
exaltação. O Homem que procura a coroa de louros, a admiração e o reconheci-
mento nos mais distintos pódios olímpicos.
Esse é o homem que sente uma afinidade mágica com animais e monstros, que não
consegue desfazer-se da sua carne teimosamente animal, porém quer ser humano,
elevar-se acima do que é. Não possui um conceito de humanidade definitivamente
elaborado, nem conhece fronteiras que o distingam inequivocamente do animal,
contudo entrega-se a uma busca interminável. Sabe que nunca vai deixar de ser ma-
caco, mas não se contenta com tal e aspira a ter uma segunda natureza. E para tanto
assume a edificação da condição humana como um árduo e porfiado combate de
afirmação e sobrevivência numa arena em que ouve à sua volta vozes de penúria,
insuficiência e falta, amplamente difundidas e partilhadas.
Sim, é essencialmente para isso que serve o desporto. Para melhor conhecermos a
condição humana, para alargarmos os seus limites e possibilidades, para que ela seja
menos imperfeita, para que seja melhor e superior, de acordo com subidos parâme-
tros de ordem simbólica, ética e estética, nos planos espiritual, gestual e corporal.
Ele é um instrumento e investimento no progresso comportamental e moral; é fac-
tor de uma nova cidadania planetária e projecta o tão almejado humanismo para a
esfera do universalismo.
“Eu não sei porque estamos aqui, mas tenho a certeza de que não é
para nos divertirmos”, formulou Ludwig Wittgenstein (1889-1951), sugerindo que
estamos na vida amarrados ao imperativo de atingir voo, elevação, superioridade,
grandeza, qualidade, excelência.
A esta luz o desporto é um denominador comum da execução de capacidades, ha-
bilidades e potencialidades corporais transcendidas. Nele o corpo sobe até onde lhe
é possível, visando performances transbiológicas, para além dos imperativos da uti-
lidade quotidiana. Nele mostram-se os dois pólos antagónicos que correspondem à
dupla voz da nossa condição humana: a que se exprime em altura e a que nos em-
purra para a baixeza. Nele somos para além do que nos acorrenta à terra e ao corpo
e assim tornamos este um espírito incarnado.
Citius! Altius! Fortius! – eis o lema inspirador e fundador do desporto e do olimpismo.
Temos que ser mais lestos e rápidos no assumir dos deveres. Temos que ser mais
altos e rigorosos nos nossos objectivos, sonhos, projectos e actos. Temos que ser
mais fortes e ousados para abordarmos e ultrapassarmos os desafios, obstáculos e
perigos, para não cairmos na indignidade, na indecência, na indolência, na desídia
e na imoralidade.
O desporto é, portanto, muito mais do que um mero divertimento lúdico ou uma
simples actividade física. É uma exigente filosofia e pedagogia da existência, a afir-
mar que o homem tem que se cumprir em todos os campos e áreas do seu labor, não
sendo dispensado de se transcender e humanizar também pelas performances cor-
porais. É um meio, humildemente tentativo e pertinaz, de enxergar e inventar o
Homem e de perseguir o sentido da vida.
Como reza um ditado dos Cabilas, tribo do Norte de áfrica, “só Deus é Deus através
de si mesmo; os homens tornam-se Homens através dos outros homens”. Atingimos
a Humanidade através dos feitos e proezas dos outros; as performances de alguns
redimem-nos e sublimam-nos a todos.
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Não admira assim que o desporto, restaurado por Coubertin (1863-1937) com os
Jogos Olímpicos de Atenas em 1896, se tenha estendido rapidamente a todo o globo
e tenha adquirido o estatuto de cultura corporal, lúdica e somática, universalmente
atraente e predominante. Talvez por constituir um ponto de união de tudo aquilo
que perfaz o cerne das culturas corporais ancestrais e indígenas. Não acabou com
elas, mas avivou-as, renovou-as, transformou-as e insuflou-as com um ímpeto de
desportificação. O mesmo é dizer que o vasto panorama de práticas lúdicas e somá-
ticas, existentes nos mais recônditos locais do planeta, passou a avocar uma confi-
guração desportiva.
O fenómeno desportivo atravessou os séculos, em formas e modelos mais ou menos
codificados, elaborados e organizados; ressurge no início do século XX e desenvolve-
se flamejante e exponencialmente no seu decurso, sobretudo a partir dos anos 50,
após a segunda guerra mundial. Alastra a todas as idades, grupos e estatutos sociais
e culturais, anexa territórios anteriormente estranhos ou hostis (p. ex., prisões e
hospitais); é instrumentalizado para as mais diversas aplicações e intencões (edu-
cação, bem-estar, saúde, recriação, lazer, reabilitação, inclusão, espectáculo, tu-
rismo, comércio, indústria, moda etc.); passa do singular para o plural e torna-se um
traço marcante de um estilo de vida moldado pela desportividade. Não espanta que
muitos teóricos e intelectuais, porventura despeitados, classifiquem o século XX
como o “estranho século do desporto”; e, menos ainda, que se assista à emergência
e ascensão de um novo conceito e modelo de homem: o Homo Sportivus, prolonga-
dor do Homo Gymnasticus, do Homo Ludens e do Homo Olympicus, tradutor do Homo
Performator e filiado na tradição cristã do Homo Novus.
3. Dos problemas
Como se disse atrás, quem labora no desporto tem muito que reflectir e escrever,
para fundar e justificar um estatuto intelectual. Para contribuir para a melhoria do
desporto e para modificar os olhares e juízos que sobre ele se projectam, os modos
de o valorar e considerar.
Consequentemente confrontamo-nos sempre com o problema da legitimação e da
explanação do papel educativo e formativo do desporto, na escola e fora dela. Ou
seja, enfrentamos a necessidade de elaborar e formular argumentos que explicitem
e justifiquem a sua existência e função pedagógica.
Já nos defrontamos, várias vezes, com esta questão, com particular incidência na
defesa do direito da educação física e desportiva a ter assento no cânone das disci-
plinas escolares. Para o efeito socorremo-nos de uma pluralidade de perspectivas, tais
como:
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— Aquisição dos valores do fair play, do respeito pela diferença e valia dos outros,
da consideração e tolerância, assim como de atitudes de abertura, diálogo, inte-
gração e convivialidade.
— Coadjuvação na formação de um estilo de vida que assuma um papel estabiliza-
dor e orientador no âmbito da estratégia de prevenção de comportamentos des-
viantes, ligados ao consumo de drogas e às diversas formas da violência.
Na tentativa de somar argumentos demos de caras com uma frase de Peter Kline
que reza assim: “A escola deveria ser a melhor festa da cidade”. Isto lembrou-nos que
a necessidade de renovar a escola, de recriar e tornar mais atraentes as formas de
realizar a educação não dispensa, de maneira alguma, o contributo da actividade
desportiva. Com efeito a escola carece de riso, de entusiasmo, de dinamismo, de
palmas, de alegria e animação; precisa que se goste dela. Ora o desporto é um meio
primordial de revigorar a educação, de lhe emprestar uma cara de festa e euforia,
de apego e empatia, de quebrar a rotina escolar com competições internas e exter-
nas. Trata-se, enfim, de demonstrar coerência, de consumar o desiderato de despor-
tificar a escola e escolarizar o desporto.
Toquemos numa onda muito na moda, que é a de associar a educação física escolar
e a prática da exercitação corporal à problemática da saúde. A acentuação desta rela-
ção é tão intensa que deixa no esquecimento – se é que não exclui mesmo! – as ou-
tras ambições e finalidades educativas. Parece que nada mais conta! O ‘activismo’ e
o ‘intervencionismo’ físicos recebem forte vento pela popa, fazendo ondular a ban-
deira da estapafúrdia ‘actividade física’ e levando a arrear e abandonar o pendão do
desporto e do enfoque nos valores que ele encerra.
É verdade que estamos a assistir à instalação e alastramento de um preocupante
ambiente obesogénico, relaxado e indolente, ligado a altos índices de inactividade e a
baixos teores de desempenho, de aptidão e condição desportivo-corporais. E é tam-
bém sabida a conexão entre estes aspectos, a obesidade e as doenças cárdio-vascu-
lares. Daqui decorre uma séria ameaça não somente à saúde, mas igualmente à
realização de valores educativos e sociais. Com efeito a condição corporal cumpre
um papel instrumental ao serviço de outras condições e acepções (psicológica, afec-
tiva, cognitiva, social) da pessoa e da sua vida. O que é bem perceptível no caso dos
idosos e dos obesos.
Há, por conseguinte, razões ponderosas para encarar a necessidade de melhorar o
índice da activação corporal e da condição física das pessoas. Isto é, o ambiente obe-
sogénico não pode ser subestimado; pelo contrário, obriga-nos a olhar para além dele.
Parafraseando Fernando Pessoa, o corpo é a pessoa de fora que dá a imagem da pes-
soa de dentro, dos seus sentimentos, do estado da sua vontade, das disposições e
atitudes determinantes da conduta. Assim sendo, a quadratura obesogénica retrata
um mundo anafado e afogado em obesidade e adiposidade na alma, no coração e
nos olhos. Um mundo em que há mais indivíduos com excesso de peso do que com
fome, um mundo marcado, pois, pela falta de sensibilidade e decência.
Se apurarmos o olhar e a reflexão, veremos que a epidemia da obesidade se casa com
a ‘razão’ indolente. Esta detém o predomínio, a prevalência e a primazia na actual
conjuntura; e estende os seus tentáculos ao relativismo e à desclassificação cultural,
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golo nem o corpo basta, nem o espírito chega; ambos são requisitados em igual me-
dida e em perfeita harmonia. Ambos se misturam para revelar e celebrar a maravilha
exaltante da humana competência.
Mais alto, mais longe, mais veloz, mais resistente, mais forte! Não apenas no plano ges-
tual e motor, mas também e sobretudo no plano ético e estético, no moral e com-
portamental, no sentimental e espiritual. É por isso que aquele apelo vai além do
desporto e faz deste um emblema e factor da educação e da vida.
Em síntese, os problemas atrás aflorados constituem um teste à nossa acção. Desa-
fiam-nos a intervir na realidade, a semeá-la de metas, de sonhos e de sentido hu-
mano. A substituir os apelos e lamentações por estratégias de acção e
responsabilização. O mesmo é dizer que a escola não pode lavar as mãos face ao de-
senvolvimento da vontade e da capacidade de acção das nossas crianças. Se tivermos
em atenção que o perfil do dia-a-dia de cada criança se distingue também pela dife-
rença de tempo gasto em actividade motora e que o grau de inclinação para esta é
resultante do processo de socialização; se a escola ignorar este facto e não fizer nada
para criar uma atmosfera que motive para a prática desportiva os alunos mais fracos
e carenciados em termos motores; se habituar estes à permanência no insucesso,
na desilusão, na frustração, resignação, marginalização e exclusão; se favorecer ati-
tudes de recusa e saída do desporto, então não surpreenderá que os jovens apresen-
tem níveis baixos de aptidão física e de saúde.
Acresce que a educação funda-se precisamente na preocupação de enraizar uma
cultura do apreço, da valorização e fruição da vida! Ora a escola percorre este cami-
nho quando nela há movimento, carga, trabalho, suor e esforço; quando há golos,
cestos, pontos e remates; quando se corre, salta e luta; quando se vencem receios,
complexos e medos; quando se enfrentam e ultrapassam barreiras e obstáculos;
quando há optimismo e empenhamento; quando há desejo, gosto e oportunidade
de exercitar, aprender e render; quando há regozijo na vitória e a derrota forja o
ânimo e a determinação de tentar ganhar; quando agir, fazer e experimentar são os
verbos preferidos, e desistir, não participar e estar fora de jogo são comportamentos
proibidos; quando corpos grandes e pequenos, gordos e magros, fortes e débeis, ve-
lozes e lentos são iguais no gosto pela acção e pelo uso desportivo do corpo. Quando
tudo isto contribui para que a prática desportiva se torne uma necessidade vital, in-
tegrante de um estilo de vida fomentador da saúde. E isto é possível! Logo, sendo
possível, tem que merecer o nosso contagiante entusiasmo.
4. Das finalidades
Poderíamos prolongar este tipo de argumentos que certificam o cerne da educação
da saúde, hoje tão necessitada, reclamada e valorizada. Porém vamos fazer uma in-
flexão no discurso, mesmo sabendo que já está tudo dito e inventado, restando-nos
apenas pretextos para a inovação nos modos de dizer e de abordar os problemas.
Voltemo-nos para os fins do labor educativo.
Juan Carlos Tedesco lembra-nos que a crise da educação não é hoje o que era ontem:
“Não provém da deficiente forma como a educação cumpre os objectivos sociais
que tem atribuídos, mas, mais grave ainda, não sabemos que finalidades deve cum-
prir e para onde efectivamente deve orientar as suas acções.” Ou seja, esclarece Fer-
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180 d. C.): “Os homens nasceram uns dos outros; educai-os ou suportai-os.” É pre-
ciso ensiná-los a ser livres e a escolher.
A competência da liberdade não é algo dado ontologicamente na natureza humana,
mas sim uma conquista da nossa integração social. Como postulou Hegel (1770-1831),
“ser livre não é nada, tornar-se livre é tudo”. Não partimos da liberdade, mas cami-
nhamos para ela, libertando-nos da ignorância original, do determinismo biológico
ou social, de apetites e impulsos instintivos que a convivência ensina a controlar.
A liberdade não é a ausência original de condicionamentos. (Quanto mais pequenos
somos mais condicionados estamos por tudo aquilo sem o qual não poderíamos so-
breviver!) É a conquista de uma autonomia, simbolicamente instituída nas nossas
atitudes e escolhas e facultada pelas aprendizagens apenas possíveis na interacção
com os outros. E isto está bem presente no jogo desportivo, nas suas formas de
aprendizagem, treino e competição.
Em concordância com a perspectiva atrás delineada, a essência da educação é a de
ensinar a respeitar com algum temor aquilo que depois devemos fazer por livre, es-
pontânea e prazerosa vontade.22 Como formulou o escritor italiano Corrado álvaro
(1895-1956), “a educação seria a arte de parecer inofensivo”. O mesmo disse Aris-
tóteles (384-322 a.C.): “A inteligência é a insolência educada”.
Com isto pretende-se afirmar que as pessoas não nascem, mas são feitas pessoas,
mediante a sublimação dos instintos e impulsos presos à nossa natureza biológica
e animal. Precisam de se tornar humanas e neste processo são guiadas por outras,
educadas e treinadas na arte de educar e treinar seres humanos, servindo-se de ob-
jectos culturais. É com o intermédio destes que se pode entrever o apogeu do chão
e perseguir a utopia de tornar viável o sujeito inviável.
Mais, ninguém cresce sem modelos. Se as crianças e jovens não têm como modelo
o adulto e outras referências maduras, então correm o risco de se identificarem com
modelos propostos e exaltados pela televisão ou pela brutalidade das ruas - uma li-
mitação mutiladora do seu crescimento. É a criança que realiza o acto genial de
aprender, mas com o apoio dos outros.
Diz-se que Deus criou o mundo a partir do nada, mas o resultado de tamanho im-
proviso não aconselha a repetição do procedimento com as crianças. Estas crescem
em todas as latitudes com a ajuda dos adultos que lhes oferecem simultaneamente
suporte, encorajamento e resistência. Quando esta ‘tutela’ é descurada ou inexis-
tente, ficam sujeitas à deformação. Ou seja, a abolição da autoridade dos adultos e
da sua função de ensinar significa uma recusa em assumir a responsabilidade pelo
mundo em que são postos os mais novos.23
O desafio da educação é ingente, até porque, lembra Frei Bento Domingues, “só os
animais é que nascem quase prontos para a vida adulta”.24 Pelo que, adianta André
Malraux (1901-1976), “são precisos 60 anos e não 9 meses para fazer um homem”.25
Como se isso não bastasse, nesta obra não podemos contar com apoio divino, já que
estamos por nossa conta e risco, segundo a amarga achega de Aristóteles: “Deus é
demasiado perfeito para poder pensar noutra coisa senão em si próprio”. E o poeta
Manoel de Barros, voz iniludível do Pantanal brasileiro, não é menos cáustico: “Me
abandonaram sobre as pedras infinitamente nu”.
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Estamos condenados a sermos nós quem deve pensar e cuidar da nossa forma e con-
dição, beleza e perfeição. Somos os sujeitos do oitavo dia da criação. Chegou a nossa
vez da criação: da nossa e do mundo! Sabendo que na natureza tudo está disperso e
separado. Assim a condição ou forma humana (tal como a arte, a arquitectura, a mú-
sica, a literatura, o desporto, a dança ou a culinária) é o esforço e o resultado de jun-
tar e incorporar na pessoa ‘coisas’ dispersas e de dar ao conjunto conteúdo e forma
de harmonia, de ética, estética, performance e excelência.
É por isso que os professores são como os poetas e outros criadores e artífices. Têm
por ofício configurar a beleza, a virtude e excelsitude. Cuidam da pessoa de fora
para aumentar a expressão da pessoa de dentro. Para elevar a condição humana.
Consomem-se na tentativa de concretizar a intrigante formulação de Johann Wolf-
gang Goethe (1749-1832): “Se os macacos chegassem a experimentar tédio, pode-
riam tornar-se gente”. Porque criariam um método para o enfrentar e superar.
Mais, os professores entregam-se a transmitir o apego a símbolos e valores, tendo
em vista a constatação de Vergílio Ferreira (1916-1996), de que qualquer animal
pode tornar-se humano se conseguir descolar das coisas. A sua tarefa vê-se dificul-
tada, porquanto anota o espírito incisivo de José Saramago: “A mentalidade antiga
formou-se numa grande superfície que se chamava catedral; agora forma-se noutra
grande superfície que se chama centro comercial. O centro comercial não é apenas
a nova igreja, a nova catedral, é também a nova universidade”.
Sim, é próprio dos homens aprender, aprender de outros homens, ser ensinado por eles.
Mas... os educadores devem ensinar o quê? Aquilo que o outro precisa de aprender
e não consegue aprender sozinho, por não ser fácil, por custar afinco, disciplina,
método, esforço, orientação e controlo. Não há outra via. O ensino e a aprendizagem
são o processo árduo, mas imprescindível, para tentar produzir “indivíduos autó-
nomos, capazes de participar em comunidades, que saibam transformar-se, sem se
renegarem a si próprias, que se abram e ampliem sem perecer, que se ocupem mais
do desamparo geral dos seres humanos…” Para conseguir adquirir a estatura humana
em toda a sua plenitude. Sabendo que, ao contrário do animal, os recursos do me-
nino humano tendem para o ilimite. Que os indivíduos da nossa espécie permane-
cem até ao final dos seus dias imaturos, experimentadores e falíveis; mas sempre,
em certo sentido, juvenis, aprimoráveis, isto é, abertos a novos saberes. Que todos
morrem jovens!26
Não há volta a dar: ser humano é um dever e a sua aprendizagem também. E “o prin-
cipal bem que temos que produzir e aumentar é a humanidade compartilhada…”27
Esta súmula reveste uma esplêndida formulação e um grandiloquente ideal que
devem animar os nossos passos. Produzir e aumentar, ensinar e aprender a huma-
nidade compartilhada é preservar e aperfeiçoar as nossas próprias raízes, os traços
que distinguem e afirmam o homem. E entre estes, em função daquilo que me
anima neste escrito, queremos reafirmar a consciência da vida e da morte, os sím-
bolos, os sonhos, os ideais, os princípios, os valores, a procura da felicidade, o sen-
tido do humor, da admiração e do espanto, o riso, o jogo, a capacidade ilimitada de
aprender, isto é, aquilo que nos torna semelhantes uns aos outros e que está sempre
presente onde há homens com moral e saúde, éticos e sadios.
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apenas ao nosso aparato físico, à couraça óssea e muscular, à forma externa. Estamos
a pensar em tudo quanto nos define e apresenta como seres simbólicos, por dentro
e por fora, de alto a baixo, no corpo e na alma, nos pensamentos e actos, nos senti-
mentos e gestos, nos ideais e nas palavras, nas emoções e reacções. Estamos a pensar
no Homem-Todo, na grandeza da pessoa de dentro que se expressa e irradia na pes-
soa de fora. E a esse entendimento e estado holístico atrevomo-nos a chamar saúde
e forma da verdade, da beleza, da ética e da estética.
É este o trabalho primordial do homem e o da sua formação. E é também o seu des-
tino. Nascemos para nos formarmos. Para criarmos e acrescentarmos expressões da
forma humana sempre mais subidas e exigentes. Esta é uma obrigação de todos os
dias, a pedir labor e esforço continuados, já que o Homem é o inacabado e inconcluso,
um ser precário e transitório, por isso mesmo, ainda em formação; nunca está for-
mado de todo e, por mais perfeito que seja, permanecem nele máculas de imperfei-
ção a aguardar uma intervenção condizente e a deitar por terra as ideias do fim da
história e da criação ou vinda do Homem Novo.
Proclamou, há alguns anos, a publicidade da Reebock que há um atleta dentro de cada
um de nós. Sim, há um esboço e um projecto de homem à espera de realização. Nem
todos podem ser campeões, mas todos podem dar e revelar o melhor de si mesmo – acres-
centava o slogan publicitário da Coca-Cola nos Jogos Olímpicos de Barcelona (1992).
Sobretudo devemos e podemos trocar o insuficiente, o menos e o pior, que estão den-
tro de nós, pelo suficiente, o mais e o melhor, que estão fora de nós. É para isso que
servem a educação e o desporto, que há professores e treinadores e carecemos de
aprender e treinar um pouco todos os dias. Para nos formarmos. E somos nós os auto-
res desse feito, dessa obra mais ou menos esbelta ou tosca. Cada um é operário do edi-
fício da sua formação. E esta não é um espectáculo assente no divertimento, gozo e
prazer; custa sacrifício e suor, desprendimento e entrega, respeito e observância de
deveres, compromissos, obrigações, normas, princípios e valores morais e universais.
Já ficou dito e redito, a formação do homem e da sua autonomia, emancipação e
razão, à luz de bitolas humanistas, é a grande missão da Humanidade e da civilização
e das instituições criadas para esse fim. Em todos os tempos e lugares e pelos mais
diversos meios. Na era actual não decresce o imperativo de agarrar, com redobrado
afinco, o empreendimento; bem pelo contrário.
Está-se mesmo a ver que isto reclama a urgente revitalização da ética. Não como
uma religião, mas sim como um conjunto de ideais racionais vinculados ao objec-
tivo de viver mais e melhor (anseio enraizado no Humanismo e Iluminismo), re-
pondo e apreciando o cultivo das virtudes humanas, nomeada e fundamentalmente
das seguintes: a coragem e a fortaleza para viver com rectidão e suportar com cons-
tância, dignidade e firmeza as ameaças, as iniquidades, pressões e agravos feitos à
decência e ao bem público e comum; a generosidade e a justiça para dar ao outro
aquilo que lhe é devido, para conviver com o semelhante, para não ficar indiferente
aos seus problemas e para defender os sistemas e medidas de solidariedade; a tem-
perança, a prudência e a moderação para assegurar o domínio da vontade sobre os
apetites e instintos e proporcionar o equilíbrio nos usos e costumes; e a prudência
e a sabedoria para seguir a razão e discernir, em todas as circunstâncias, o bem e es-
colher a regra, a medida e a correcção dos meios para o atingir, assim como para so-
breviver às contrariedades que não podemos abolir.
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Precisamos de ética porque nos espaços por ela não preenchidos medram desordens,
conflitos e antagonismos impeditivos da vinda e florescimento da harmonia e da
felicidade. Por isso também ela corrobora que o principal bem a produzir e aumen-
tar, a ensinar e aprender é o da humanidade compartilhada.
Muito a propósito colocou Kant (1724-1804) a questão: “O bem universal será por
acaso uma ideia que possa prejudicar o nosso bem particular?” E a razão responde
mandando prolongar o esforço da civilização e humanização, de modo a alcançar
em todos os homens a liberdade, total e não parcial ou hemiplégica, da coacção e da
miséria, sejam elas materiais, espirituais e morais.
Ora o alimento preferido da miséria é a ignorância. Onde esta vigora, onde as pessoas
crescem sem adquirir competências para expressar e advogar a sua opinião, as suas
expectativas e posições, onde não têm possibilidades de cantar no coro polifónico
universal, aí vêem aumentados os seus problemas e vêem-se entregues nas mãos de
bruxos e exploradores dos mais diversos matizes. E aí reina a miséria e não a liberdade.
Esta triste realidade choca-se com a obrigação indeclinável da sociedade democrá-
tica em criar os cidadãos garantes da sua legitimidade, em dotar os indivíduos de
requisitos indispensáveis para que sejam pessoas em plenitude e em todo o tempo.
Em ensiná-los a inventar para si, durante toda a existência, uma vida sempre me-
lhor. Em facultar-lhes o acesso a conhecimentos que lhes permitam viver à altura
da sua época, ser contemporâneos do tempo que lhes foi dado viver, através do usu-
fruto da tecnologia, do progresso e dos bens que o distinguem. Em formar neles a
consciência do valor intrínseco da sua vida e do seu significado vital para a comu-
nidade. Em incentivá-los a que sejam o melhor que é possível ser, sabendo que será
sempre insuficiente e que por isso não permite descanso ou desistência o esforço
de continuar a mudar e a transformar o mundo, como se nele houvessem de viver
eternamente. Em entusiasmá-los a agarrarem-se ao projecto de configuração da
identidade, encarando esta como algo sempre dinâmico, com a inquietude do que
parece e é longínquo, mas também com a esperança do quanto já foi percorrido e
com o alvoroço de quem se levanta na alvorada e está sempre de partida para viajar
até às estrelas. Em estimulá-los a cultivar, conservar e transmitir o amor e a fideli-
dade ao humano.
Para este destino grandioso pode e deve a educação desportiva do homem convergir
por muitos caminhos. De resto o desporto é um lugar pedagógico por excelência. Ao
tornar evidentes as nossas fraquezas, insuficiências, mazelas e contradições, põe a
nu e convida a cultivar o que em nós falta. Cuidamos nele daquilo que nos falta e não
tanto do que em nós abundante; no seu código os deveres e compromissos, as normas,
obrigações e proibições sobrepõem-se, em muito, aos direitos, às lassidões e permis-
sões. Por isso mesmo é educativo e civilizador. Funda e reforça também a convicção
de que o caminho mais longo é o homem como pessoa moral. É para ela que vale ver-
dadeiramente a pena trabalhar e é para ela que sempre apontaram as fundamentações
antropológicas e filosóficas dos exercícios físicos e desportivos, como, por exemplo,
o fez Pestalózzi (1746-1827). É essa a estátua mais bela cuja projecção e construção
devem congregar todos os artistas de vanguarda. Uma estátua que seja a exaltação
simbólica e celebre o anseio e a consciência da ânsia do Homo Viator, de ser romeiro e
estar sempre a caminho, à procura de uma forma nova e superior.
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O desporto faz parte da luta contra a ideologia da impotência que nos sussurra que
não podemos fazer nada por nós, que não somos sujeitos principais da nossa cons-
trução, que nos devemos omitir e entregar nos braços de um destino de derrotados
e vencidos da existência. Ele parece apostado em dar razão ao aviso do Padre Antó-
nio Vieira (1608-1697): “Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Por-
tanto só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos, apenas
duramos”.
Lembra-nos o mandamento de persistirmos na humanização da terra, de maneira
modesta e realista. Sem metas e ilusões desmedidas, mas esgotando o campo do
possível por entre os apertos que amarram a condição humana à natureza do animal
e do bicho medular que igualmente somos.
Só não vê quem não quer ou é cego em matéria de convicções e ideias: o desporto
configura um teste da nossa forma e desafia-nos a procurar melhorá-la constante-
mente. Incita-nos a aprimorar a elegância e a combater a deselegância das reacções,
das atitudes e comportamentos; o índice do apego ou desapego à observância de
princípios e regras; o grau do respeito ou atropelo dos direitos e da pessoa dos outros.
E nem sempre ficamos contentes com a forma que ostentamos e ele nos revela. O
que confirma que Goethe tinha inteira razão e apurada visão. Que estamos longe
de exibir uma forma consentânea com a ideia de dignidade do Homem que Kant
nos atribuiu. Estamos longe de ser autênticos e belos, éticos e saudáveis; estamos
sempre aquém do gesto bonus e bellus, da bondade e da beleza, da verdade e da esté-
tica que inspiram a matriz humana.
Na presente conjuntura do mercado neoliberal (e do seu relativismo ético, legal e
moral), fria e racionalmente orientado para a produção de danos colaterais em todas
as esferas da vida e actividade humana, estamos muito longe de devotar às outras
pessoas o apreço, a consideração e a valorização que atribuímos aos bens de con-
sumo. Importa, pois, que treinemos as crianças e jovens a sentir respeito pelos ou-
tros, a demonstrar uma sensibilidade desperta e inquieta em relação ao destino de
exclusão e marginalização a que são condenados todos os que não cabem no topo
cada vez mais estreito da pirâmide, ocupado exclusivamente pelos poderosos e de-
finidores do que conta e vale.
Para tanto importa também que hasteemos, no mastro do dia-a-dia, a flâmula dos
princípios basilares da educação e do desporto, hoje e sempre:
6. Conclusão
O desporto instala em conceitos e preceitos, princípios e axiomas, direitos e deveres,
ilusões e utopias. É uma opção pela dificuldade, perante a tentação da facilidade.
Nele aprende-se que não podemos descansar e que o mérito e o sucesso sérios e hon-
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rados custam dedicação porfiada e suada, uma vez que o talento é raro, porquanto,
ao contrário do que consta no registo bíblico, Deus não criou o homem conforme à
Sua imagem e semelhança; somente quando se distrai, em dia de aniversário, é que
faz uma criatura à Sua medida. Somos produto da transpiração e, quase nada, da ins-
piração ou predestinação.
No desporto erguemos, assinala Fernando Savater, o apreço por dons universal-
mente valiosos (habilidade, agilidade, resistência, força, velocidade, aprumo, cor-
recção, elegância, honestidade, seriedade, jogo limpo...), afastamo-nos, a sete pés,
do gorduroso odor ao estábulo30 e celebramos como própria a excelência onde quer
que ela ocorra e seja quem for aquele que a demonstre.31
Enquanto não abdicarmos do modelo de Homem, fundado na nobreza e lhaneza do
carácter e no trabalho digno e honrado, que tem guiado a civilização, desde o início
até aos nossos dias, o desporto continuará a ser um investimento na emancipação
corporal e cívica das pessoas. Esta é tanto ou mais necessária do que o progresso
científico e tecnológico.
Ele desafia-nos a tomarmos a gnose e a técnica, a ética e a estética dos nossos actos
como pontes para a liberdade. Porque nós somos livres não tanto pela boca falante,
mas sim pela mistura que o corpo sabe realizar com os sentidos. Somos livres pelo
saber, pelo querer e fazer consequentes e não pelo apetecer e dizer negligentes; pela
palavra convincente e pela acção correspondente. Por fazermos convergir o eixo da
visão e o eixo das coisas e acções.
No desporto participamos na construção de pessoas e identidades cujo Ego é sempre
um espírito incarnado, uma tatuagem corpórea da alma. Ocupamo-nos da apropria-
ção e irradiação de símbolos, mitos e ideais através de desempenhos corporais. Da
adesão a uma cultura de metas e compromissos, de dificuldades e desafios, de há-
bitos e rotinas de trabalho para lá chegar. E assim procuramos anular as fronteiras
entre a alma e o mundo exterior; lavramos no esforço severo, incansável e sistemá-
tico de projectar a nossa natureza, nomeadamente o corpo, contra si própria, para
além e acima de si mesma, convidando-a a não se dar por satisfeita com o seu esta-
tuto, a exceder-se, a suplantar-se e a chegar a níveis para os quais não parece parti-
cularmente predestinada.
À herança e matriz helénicas adiciona a esperança judaico-cristã; transfigura a tragédia
grega por meio da excelência e enaltecimento dos actos e feitos corporais, iludindo a
dor e a potencialidade desta para nos destruir; com a promessa de saúde e longevidade
alimenta o sonho de um final feliz e assim o esforço é iluminado pelo sorriso.
Como todas as formas de criação nas letras, nas artes, na ciência etc., é um dos palcos
da competição humana onde se revelam qualidades e avanços, onde se partilham
anseios e projectos com os demais. Onde a valia, a competência e o poderio dos ho-
mens e povos podem ser afirmados sem o recurso à exibição e crueldade da violên-
cia gratuita e arrasadora.
É um esforço universal de estudo, conhecimento e melhoria da condição humana.
Um dos factores de exaltação da humanidade e da sua mestria em canalizar as forças
primárias e rasteiras da nossa natureza para fins que nos engrandecem e enterne-
cem. O campeão desportivo e os galardoados com o Prémio Nobel enfileiram neste
património.
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Este jogo celebra o poder do homem e da sua corporeidade em criar beleza, harmo-
nia, perfeição e arte. Exalta a plasticidade e a liberdade do corpo e a superação dos
seus limites. Civiliza e aprimora o corpo natural, moldando-o como artefacto cul-
tural. Intenta dar aos pés a agilidade das mãos e ao corpo a leveza do espírito e dos
ideais. E assim o empenhamento desportivo-corporal inscreve-se no objectivo de
aperfeiçoamento estético da conduta geral do homem em relação a nós e aos outros.
Faz parte do processo civilizador, coopera na formação do índice de civilização, ao
educar o indivíduo para a auto-imposição de limites e restrições, de inibições e con-
troles das reacções primárias, impulsivas e instintivas, para o apego e observância
conscientes das normas e regras, para a prática e reivindicação dos direitos como
um sujeito de iguais deveres.
O atleta, formulou Píndaro (521-441 a.C.), é “aquele que se deleita com o esforço e
o risco”. É isto que constitui o desporto e é constituinte de nós, expressão do nosso
ser. Carregamos este desafio e destino, o peso do sentido da vida e da existência.
Nós os humanos, porque somos e nos sabemos frágeis e precários, transitórios e
mortais, ansiamos e procuramos conquistar e beber da taça do mundo. Os Deuses,
porque são eternos e omnipotentes, não precisam de realizar feitos que concitem a
admiração dos seus semelhantes e projectem o seu nome para a eternidade.
Nós os humanos praticamos a única coisa que aos Deuses é vedado fazer: arriscar-
se ao fracasso, ao insucesso, à incerteza, à tensão, à desilusão e à derrota. Eles – os
Deuses - só sabem e podem ganhar; nós somos predestinados a assumir o risco de
perder, nascemos para cumprir o destino e fado de ganhar algumas vezes, de perder
muitas outras e de ter que aprender a perder e a suportar a derrota, mas sem perder
a face, a determinação e o gosto de insistir, treinar e competir, de tentar e ousar, de
melhorar e progredir. Chama-se a isto vencer, viver e existir.
É, pois, também com o concurso do desporto que intentamos aliviar a canga da sorte
dramática e trágica de Sísifo, almejar e saborear a dignidade e liberdade.32 É com o
seu ideário e o cumprimento das suas exortações e prescrições que, parafraseando
Richard Bach (autor do hino à liberdade humana intitulado Fernão Capelo Gaivota),
“podemos sair da ignorância, podemos ser criaturas perfeitas, inteligentes e hábeis.
Podemos ser livres! Podemos aprender a voar!”
Impõe-se, a terminar, um apontamento. Tudo quanto ficou escrito atrás pertence
obviamente ao campo do ideal, do desejável e do transcendente. Há que pôr os pés
no chão e aceitar que ele é áspero, duro, pedregoso e ruim. Todavia este reconheci-
mento e a evidência de que ele nem sempre se deixa transcender não autorizam a
queda no abismo do desânimo e demissão, da desculpa para a desistência e a inacção.
Estas são faltas infamantes. Enquanto indivíduos e cidadãos temos o direito de ver
tudo negro. “Mas – adverte Fernando Savater - enquanto educadores temos apenas
o dever de ser optimistas! E, na verdade, o ensino pressupõe o optimismo tal como
a natação exige um meio líquido para exercitar-se. Quem não quiser molhar-se, deve
abandonar a natação, quem sentir repugnância pelo optimismo, deve abandonar o
ensino e não pode pretender pensar em que consiste a educação. Porque educar é
acreditar na perfectibilidade humana, na capacidade inata de aprender e no desejo
de saber que a anima, acreditar que existem coisas (…) que podem ser sabidas e que
merecem sê-lo, que nós, homens, podemos melhorar-nos uns aos outros através do
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Notas
1 Professor Catedrático da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, CIFI2D - Centro de Investi-
gação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto.
2 Mestre em Ciências do Desporto, Estudante de Doutoramento da Faculdade de Desporto da Universi-
dade do Porto, CIFI2D - Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto.
3 Frei Bento Domingues: Companheiros de Viagem, in: jornal Público, p. 36, 8 de Novembro de 2009,
Porto.
4 SARAMAGO, José: A viagem do elefante, São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
5 A língua é verdadeiramente materna e o nosso berço parturiente. Dá-nos o leite de integração no
mundo: os valores, princípios, sonhos, ideais e inclinações; os modos de perguntar e responder, de ob-
servar e entender, de aperceber e valorar, de ser e estar.
6 Como Manoel de Barros (in: Retrato do Artista Quando Coisa), “gosto de viajar por palavras (mais) do
que de trem”.
7 FAUSTO DE BARRETO e CARLOS DE LAET: Anthologia Nacional ou Collecção de Excerptos dos Principaes Es-
criptores da Língua Portugueza do 20º ao 16º Século, 14ª Edição, Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1929.
8 FAUSTO DE BARRETO e CARLOS DE LAET, ibidem.
9 CURY, Augusto: O vendedor de sonhos, Editora Academia de Inteligência, São Paulo, 2008.
10 Prometeu, filho do Titã Jápeto, é, segundo a mitologia clássica, o Deus ou génio do fogo. Criou o
homem com o limo da terra e animou-o com o fogo que ele roubou, com esse fim, ao céu. Inicia assim a
primeira civilização humana. Como castigo Júpiter mandou Vulcano acorrentá-lo no monte Cáucaso,
onde um abutre lhe devorava o fígado, até que Hércules o livrou desse suplício.
11 Muito a propósito postulou Fernando Pessoa (1888-1935): “Os Deuses são a encarnação do que nunca
poderemos ser”. Funcionam como referência para o que queremos e devemos ser e como termo de com-
paração para o que somos.
12 O teórico é aquele que é capaz de idealizar e ver (orao) o superior e divino (theion).
13 Segundo a Bíblia foi no Monte Sinai, península montanhosa do Egipto sita entre os golfos de Suez e
Acaba, que Moisés recebeu de Deus, no meio de relâmpagos e trovões, o Decálogo, vulgarmente conhe-
cido como os Dez Mandamentos.
14 “O que Deus exige é por causa do Homem. O único interesse de Deus é o Homem. Como escreveu
Santo Ireneu, ‘a glória de Deus é o Homem vivo’, isto é, o Homem plenamente realizado em todas as di-
mensões. De tal modo Deus ama o Homem que quer que tenha um desenvolvimento íntegro de toda a
sua pessoa. Não pode desenvolver-se apenas numa dimensão, pois precisa de um crescimento holístico.
Deus quer que o Homem vá tão longe no seu ser quanto pode ser. É necessário sublinhar este desenvol-
vimento harmónico da pessoa toda, que é o que Deus quer. A pessoa deve desenvolver-se no seu ser físico
– também é necessário cuidar da saúde, por exemplo -, no seu ser intelectual – é preciso esforçar-se por
entender a realidade, entender-se a si mesmo e a sociedade -, no seu ser emocional – cada vez estamos
mais despertos para a importância das emoções positivas e negativas na existência humana -, no seu ser
social – os outros também existem e sem tu não há eu -, no seu ser artístico – sem beleza, não há salvação
-, no seu ser moral – é preciso aprender a distinguir entre bem e mal e a saber julgar do bem e do mal -, no
seu ser espiritual – não é o Homem, constitutivamente, o ser do transcendimento sem fim, até ao Infi-
nito?” (Anselmo Borges, in: Imagem de Deus e do Homem, Miriam – Revista Cristã de Actualidade,
Agosto/Setembro 2009, Vila Nova de Gaia).
15 BENTO, Jorge Olímpio: Contexto e Perspectivas. In: Contextos da Pedagogia do Desporto. Livros Hori-
zonte, Lisboa, 1999.
16 Segundo a Mitologia Grega, a incumbência de cortar as cabeças (7-10) da Hidra de Lerna, um misto de
serpente e dragão, foi o segundo dos doze trabalhos impostos ao semideus Hércules pelo seu irmão Eu-
risteu. Hércules ou Héracles executou esses trabalhos e realizou outros feitos notáveis, como o de desa-
correntar Prometeu das cadeias que o prendiam nas montanhas do Cáucaso.
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1. Introdução
A aplicação de conhecimentos acadêmico-científicos na intervenção constitui uma
das condições imprescindíveis nas profissões denominadas de academicamente
orientadas (Tani, 2008). Na realidade, é essa aplicação que garante a identidade pro-
fissional como tal. No entanto, é importante reconhecer que, especialmente na-
quelas profissões ainda incipientes, não se pode esperar a existência de um corpo
organizado e robusto de conhecimentos capaz de dar respaldo aos programas, pro-
jetos e procedimentos de intervenção profissional de uma forma abrangente. Daí a
necessidade de se lançar mão de outros conhecimentos como aqueles adquiridos
pela experiência pessoal e profissional que, mesmo ainda não testados por meio de
estudos acadêmico-científicos, mostram-se úteis na solução de problemas no coti-
diano da intervenção. Oportuno esclarecer que as profissões academicamente
orientadas são aquelas em que o seu exercício requer uma formação de nível supe-
rior, o que não é uma exigência para as profissões tecnicamente orientadas, nas
quais a formação desejada é, por exemplo, a de ensino médio profissionalizante.
A Educação Física e as Ciências do Esporte - doravante apenas Educação Física no
sentido lato para facilitar a comunicação e compreensão - são áreas de intervenção
ainda recentes em comparação às mais tradicionais como a Medicina e a Engenharia.
Isto implica uma atuação profissional em que conhecimentos adquiridos pela ex-
periência pessoal na perspectiva de praticantes da cultura de movimento - esporte,
ginástica, dança, jogos, exercício - ocupam ainda um lugar importante nos proce-
dimentos didático-pedagógico dos profissionais.
Evidentemente, para a Educação Física, a superação gradual dessa situação - a qual,
caso não buscada com a devida importância e atenção pode colocar em cheque sua
autenticidade e legitimidade como uma profissão academicamente orientada (Tani,
1996) - depende do seu amadurecimento como uma área de conhecimento, me-
diante estudos e pesquisas amplos e profundos acerca dessa cultura de movimento.
Apesar de ainda carecer de uma definição mais clara da sua base epistemológica
(veja, por exemplo, Tani, 1996, 1998), é também de se reconhecer que a Educação
Física, como área de conhecimento, demonstrou nessas últimas décadas um avanço
acadêmico-científico acentuado com um expressivo crescimento na sua produção
científica. Utilizar esses conhecimentos na intervenção constitui, portanto, uma
condição sine qua non para melhorar a qualidade da prática profissional e elevar o
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venção (para maiores detalhes veja, por exemplo, Tani, 2006, 2008; Tani & Corrêa,
2004; Tani, Freudenheim, Meira Júnior & Corrêa, 2004). No entanto, é preciso es-
clarecer que esses conhecimentos não dizem respeito a como deve ser essa inter-
venção. Em outras palavras, o estudo dos fatores que afetam a aquisição de
habilidades motoras com objetivo de compreender os processos e mecanismos de
aprendizagem resulta em conhecimentos básicos que podem servir fundamental-
mente como hipóteses operacionais para a intervenção, mas não como prescrição
da intervenção. Isto posto, a expressão “maior aproximação entre a Aprendizagem
Motora e Educação Física” colocada no objetivo do artigo pode ser mais bem quali-
ficada. Essa aproximação pode ser concretizada testando essas hipóteses operacio-
nais de duas formas: em primeiro lugar, estimulando a realização de pesquisas
aplicadas numa situação real de ensino-aprendizagem ou próximas, o que envolverá
a co-participação de pesquisadores e profissionais efetivamente engajados na in-
tervenção, seja nas escolas, clubes ou outras instituições; o segundo objetivo é, exa-
tamente por conta desse envolvimento, contribuir para que esses profissionais
assumam atitude de pesquisador, no sentido de reconhecer esses conhecimentos
como hipóteses operacionais a serem efetivamente testadas no cotidiano da sua
prática profissional.
2.1. Demonstração
Uma imagem vale por mil palavras! A demonstração - também conhecida como mo-
delação - tem sido apontada como a fonte mais adequada para fornecer informação
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(Shea, Wulf & Whitacre, 1999). A visualização em vídeo de boas tentativas próprias
de execução também se mostrou um procedimento eficaz de aprendizagem motora
(Starek & McCullagh, 1999). Essa tendência de reforço do comportamento motor
pela informação também vem sendo sustentada em vários estudos com conheci-
mento de resultados auto-controlado (Chiviacowsky, Wulf, Wally & Borges, 2009;
Chiviacowsky & Wulf, 2007). Existe ainda uma tendência de adultos e adolescentes
aproveitarem-se mais da demonstração do que crianças (Weiss & Klint, 1987), o
que sugere que a idade é uma variável importante para que os processos cognitivos
concernentes à demonstração sejam de fato efetivos.
Quando demonstrar também é um fator importante a ser considerado. O momento
em que a demonstração parece perder a efetividade em termos de aprendizagem é
o final da prática na fase de aquisição; pesquisas mostraram que as demonstrações
antes da primeira tentativa, e do início até o meio da prática são benéficas para o
desempenho nos testes de aprendizagem motora (Landers, 1975; Weeks & Ander-
son, 2000). A tentativa de explicação para a superioridade desses procedimentos
temporais baseia-se no modelo descritivo de Gentile (1972, 1987), uma vez que o
argumento dos autores é que as demonstrações no início do processo favorecem a
melhor obtenção da ideia do movimento. A frequência da demonstração refere-se
à relação entre as tentativas de prática e o número de demonstrações observadas.
A pesquisa de Sidaway e Hand (1993) demonstrou que 100% de frequência relativa
de demonstração proporcionou melhor aprendizagem da tacada do golfe em com-
paração a 20%, 10% e nenhuma demonstração. No que tange à freqüência da de-
monstração, a resposta depende da fase de aprendizagem do aprendiz e a
preferência dele sobre receber ou não a demonstração. Além disso, autores clássicos
da área sugerem que quanto mais prática motora, menor a necessidade de demons-
trações, uma vez que os aprendizes mais habilidosos são capazes de captar os pon-
tos-chaves com mais facilidade em relação aos iniciantes (Magill, 2007; Schmidt &
Wrisberg, 2008; Wrisberg, 2007). Ainda, há evidências que os aprendizes aprovei-
tam mais das demonstrações quando as solicitam (Wrisberg & Pein, 2002; Wulf,
Raupach & Pfeiffer, 2005), reforçando a tendência atual em estudos de aprendiza-
gem motora com regimes auto-controlados (Chiviacowsky, Wulf, Medeiros, Kaefer
& Tani, 2008; Chiviacowsky, Wulf, Medeiros, Kaefer & Wally, 2008; Chivia-
cowsky, Pinho, Alves & Schild, 2008; Corrêa & Walter, 2009).
A última categoria de pergunta é orientada ao como demonstrar. A demonstração
em velocidade reduzida (câmera lenta) mostrou-se importante para habilidades de
maior complexidade (Williams, 1989). Já para habilidades motoras cujos aspectos
temporais (ritmo e timing) são cruciais para o desempenho, a demonstração deve
ser realizada em velocidade real (Mendes, 2004). Wrisberg (2007) sugere que a di-
ferenciação entre habilidades motoras similares deve ser realizada com demons-
trações das duas habilidades em câmera lenta, por exemplo, o ataque potente e a
“largadinha” do voleibol, em que apenas o final do gesto é diferente. Ainda, a de-
monstração mostrou-se mais efetiva para habilidades fechadas (Weeks, 1992) já
que a reprodução do que foi observado não exige adaptações correntes a cada mu-
dança do ambiente. Por fim, a posição do aprendiz em relação a quem demonstra
também é uma variável importante; para algumas habilidades motoras tais como
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tiva (Bernstein, 1967; Gentile, 1972, 1987). Segundo Gentile, as condições de prática
devem, no estágio inicial, proporcionar ao aprendiz motor a obtenção da idéia geral
do movimento; no segundo estágio, as habilidades motoras abertas (ambiente ins-
tável – por exemplo, nadar no mar) devem ser diversificadas, enquanto as habili-
dades motoras fechadas (ambiente estável – por exemplo, nadar na piscina) devem
ser fixadas. Para Bernstein, os graus de liberdade devem ser restringidos no início
da prática para que depois sejam liberados. Embora esses modelos descritivos não
façam menção explícita a como exatamente estruturar a prática motora, a orienta-
ção que se pode deduzir é de pouca variação na prática inicial e introdução de va-
riação em momentos posteriores, exceção feita às habilidades fechadas no modelo
de Gentile, que indica pouca variação durante todo o processo.
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do que praticar algumas variações, quando a aprendizagem foi mensurada pelo de-
sempenho numa variação nova da habilidade (Kerr & Booth, 1978; McCracken &
Stelmach, 1977; Moxley, 1979; Newell & Shapiro, 1976). No entanto, a literatura re-
cente tem mostrado que, para melhorar o desempenho de retenção e transferência,
a prática constante deve ser realizada em momentos iniciais do processo, antes que
qualquer variabilidade seja introduzida (Corrêa, Benda, Meira Junior & Tani, 2003;
Corrêa, Barros, Massigli, Gonçalves & Tani, 2007; Paroli, 2005; Pinheiro & Corrêa,
2007; Shea & Wulf, 2005; Wrisberg, 2007). A teoria de esquema opera com os con-
ceitos de “programa motor generalizado” (PMG) e “parâmetros”. O PMG é uma su-
posta estrutura responsável pela geração de respostas dentro de uma categoria de
movimentos, por exemplo, o chute no futebol, o saque do tênis ou a estrela da gi-
nástica artística. Essa estrutura seria composta tanto por aspectos invariantes (se-
quenciamento dos componentes da habilidade, tempo relativo e força relativa)
como aspectos variantes (tempo e força absolutos); estes últimos “parametrizam”
as ações governadas pelo PMG, por exemplo, a musculatura específica utilizada para
realizar o chute ou a amplitude e velocidade do mesmo. A noção de variabilidade
de prática está diretamente relacionada à variação de parâmetros de um PMG.
Assim, é plausível assumir que depois que se adquire um entendimento do padrão
básico de movimento por meio de prática constante, esse padrão então deva ser va-
riado mediante prática variada. Uma criança de escolinha de voleibol que adquiriu
um PMG para o toque por cima pode começar a variar seus padrões por intermédio
de diferentes quantidades de força aplicadas na bola, diferentes finalizações do
gesto motor ou diferentes angulações do cotovelo. A prática com variação de parâ-
metros oferece a vantagem de reforçar tanto o padrão relativo de tempo entre os
componentes da habilidade motora como a capacidade de modificação do padrão.
Em outras palavras, o aprendiz aprende as regras para executar adaptações no pa-
drão básico de movimento, inclusive novas variações que eventualmente sejam ne-
cessárias em situações mais complexas. A criança que varia o toque por cima durante
a prática começa a entender a relação entre a força aplicada na bola e a precisão de
seus movimentos ou entre o modo de finalizar o movimento e a trajetória da bola.
Em suma, quanto mais variada a prática dos parâmetros, maior a capacidade de
adaptação do aprendiz para transferir o que foi praticado.
A variação da prática também pode ser referente a diferentes PMGs. A teoria da in-
terferência contextual (Battig, 1972; Shea & Morgan, 1979; Lee & Magill, 1983) for-
nece subsídios consistentes para estruturar esse tipo de variação. O fenômeno da
interferência contextual acontece quando a ordem em que se pratica várias tarefas
numa sessão afeta a aprendizagem dessas tarefas. Em comparação à prática por blo-
cos ou com interferência contextual baixa, a prática aleatória ou com interferência
contextual alta requer a prática de diferentes variações da tarefa que mais tarde fa-
cilitarão o desempenho de retenção e transferência (consultar Quadro 1 para exem-
plos dessas duas estruturas de prática). Esse melhor desempenho nos testes
proporcionado pela interferência contextual alta tem sido atribuído a noções de es-
quecimento e reconstrução do plano de ação (Lee & Magill, 1983) e de elaboração
(Shea & Morgan, 1979; Shea & Zimny, 1983). Esses são processos que promovem es-
forço cognitivo adicional porque o aprendiz engaja-se em atividades extras de pro-
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3. Considerações finais
Pesquisas sobre os fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras têm reve-
lado interessantes achados que podem contribuir para aprimorar a intervenção pro-
fissional em Educação Física. Afinal, entre um profissional que ensina habilidades
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motoras sem nenhum conhecimento de como ocorre a sua aquisição, e aquele que
o faz tendo uma noção dos processos envolvidos, deve haver diferença nos seus pro-
cedimentos didáticos (Tani, 2001).
No entanto, como foi discutido, os conhecimentos acerca do processo de aquisição
de habilidades motoras não nos dizem como elas devem ser ensinadas. Estabelece-
se, desta forma, um aparente dilema que reclama por uma solução prática: como
fazer com que esses conhecimentos tenham uma contribuição mais direta e efetiva
para melhorar a intervenção, seja na perspectiva do ensino, do treino ou da reabi-
litação? Três alternativas podem ser pensadas: a) a realização de pesquisas que, com
base nos conhecimentos sobre como o ser humano aprende habilidades motoras,
busquem métodos mais eficientes de ensinar habilidades motoras, ou seja, pesqui-
sas aplicadas; b) a realização de pesquisas de integração e síntese de conhecimentos,
em que a preocupação central seja a verificação experimental da aplicabilidade dos
conhecimentos, princípios e hipóteses derivados da pesquisa básica numa situação
real de prática profissional (para maiores detalhes, veja, Tani, 2006; Tani, Dantas &
Manoel, 2005). Esses dois tipos de pesquisa envolveriam uma co-participação de
acadêmicos e profissionais que efetivamente atuam na intervenção, pois procura-
riam sintetizar tanto conhecimentos acadêmicos como práticos e caracterizariam
um tipo de pesquisa em que é preciso conciliar ganho em validade ecológica com
certa perda em fidedignidade (veja, por exemplo, Freudenheim & Tani, 1998; Públio
& Tani, 1993; Públio, Tani & Manoel, 1995). Acredita-se que os resultados desse tipo
de pesquisa, em que a validade ecológica é enfatizada, podem ser transportados para
a situação de prática profissional com maior facilidade; c) a utilização desses conhe-
cimentos básicos na intervenção como hipóteses operacionais a serem testadas no
cotidiano da prática profissional. Essa última alternativa constitui a estratégia mais
rápida de aproximação entre a Aprendizagem Motora e Educação Física, com o
ganho adicional de contribuir para uma mudança de atitude dos profissionais, de
disseminador de conhecimentos prontos e acabados para pesquisador que testa hi-
póteses operacionais de intervenção. Como se sabe, essa atitude é altamente requi-
sitada em qualquer profissão na sociedade contemporânea e se constitui uma das
metas do próprio processo de formação profissional.
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Introdução
Embora seja corrente a ideia, bem arreigada no nosso padrão cultural, da “mente sã
em corpo são”, a verdade é que nunca o papel do exercício físico na saúde tem sido
tão exacerbado como nas duas últimas décadas. Num mundo actualmente desig-
nado de “globalizado”, mas simultaneamente bem diferenciado por enormes cliva-
gens sócio-económicas e culturais, a Educação Física tem sido chamada, não sem
controvérsia, e pelo menos em teoria, a desempenhar um papel relevante na saúde
das populações de diferentes estratos etários, naquilo que actualmente se designa
por construção de estilos de vida activos e saudáveis.
Por razões óbvias, toda a estrutura conceptual e operativa desta nova vaga de Epi-
demiologia da Actividade Física tem partido, sem qualquer sombra de dúvida, das
transformações económicas, sociais, urbanísticas e tecnológicas ocorridas nos países
designados de desenvolvidos, particularmente nos Estados Unidos e na Europa do
norte e do centro. De uma forma ou de outra, e no que diz respeito à educação for-
malizada, é esta nova forma de perspectivar a educação para a saúde, sobretudo a
partir dos olhares da Epidemiologia e da Saúde Pública que se tem espalhado por
todo o mundo. Um exame breve, mas inequívoco, dos objectivos e conteúdos des-
critos nos programas de educação física de distintos países do planeta não revela
grandes diferenças. Contudo, é importante ressaltar que, não obstante o conside-
rável avanço da uniformização de modelos sócio-económicos, o mundo (ainda) se
caracteriza por uma acentuada variabilidade cultural inquestionável, qualquer que
seja a óptica de leitura. À partida este facto parece conter um paradoxo: como é que
em sociedades culturalmente distintas se encontram propostas de solução aparen-
temente tão homogéneas?
No âmbito desta breve reflexão, a questão essencial que colocaremos é saber se, em
contextos sócio-geográficos e culturais tão diversificados, caberá à educação física
um papel muito uniforme na sua associação à saúde. Este texto, muito breve, pre-
tende apresentar algum pensamento sobre o papel da educação física na saúde em
países economicamente menos desenvolvidos. Esta “viagem” será marcada por dois
pilares: (1) o referente a fatias muito importantes e altamente generalizadas do es-
tado actual do conhecimento e, (2) a nossa experiência de investigação de carácter
epidemiológico e antropológico em Moçambique.
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Figura 1: Taxa de nados/mortos por mil partos (A) e prevalência de “stunting” (B) em
crianças até aos 5 anos em países de diferentes PIB´s (observe-se o paralelismo das li-
nhas nos dois indicadores)
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Embora a validade deste indicador (a altura) em crianças de idade escolar seja con-
troverso (Prista et al, 2003), a população Africana nesta faixa etária apresenta-se,
relativamente às restantes, com uma elevada taxa de “stunting”. Em Moçambique,
forma observadas taxas de “stunting” em idade escolar com grande variabilidade
em função do período de avaliação, classe social e região amostrada (campo e ci-
dade), sendo impossivel estabelecer valores nacionais. Por exemplo, os valores mé-
dios de altura das crianças e jovens urbanos de classe social priveligiada situam-se
acima do percentil 50, enquanto que os seus pares urbanos de classe social desfa-
vorecida situam-se por volta do percentil 25; as crianças e jovens de uma zona rural
têm valores médios abaixo do percentil 10. Esta observação expressa, inequivoca-
mente, o resultado da exposição a condições diversificadas do ponto de vista sócio-
económico, social e de saúde.
Concomitantemente com este estado de crescimento desigual, a actividade física
habitual das crianças mais desfavorecidas é extremamente mais intensa, assim
como alguns aspectos do seu rendimento corporal (Prista et al, 1997; 2009). Por
exemplo, a aptidão cardiorespiratória das crianças dos subúrbios de Maputo era
signficativamente superior à dos seus pares de classes priveligiadas apesar de apre-
sentarem maior incidência de “stunting. Ou seja, a expressão da relação da saúde e
da performance corporal não deve realizar-se de forma linear, mas sim através de
redes mais complexas de interacção de múltiplos factores. Esperar-se-ia que crian-
ças e jovens classificados de mal nutridos apresentassem deficiências ao nível da
aptidão física, o que não aconteceu. Provavelmente existem níveis de malnutrição
a partir dos quais isso será inevitável, o que não parece ser o caso das crianças de
Maputo. Por outro lado, as tarefas de sobrevivência e os jogos ao ar livre parecem
ter exercido um estímulo na prestação corporal que se sobrepõe, no caso da aptidão
fisica, aos efeitos nefastos do défice do crescimento estaturo-ponderal.
Estas e outras especificidades da realidade Africana não podem ser desprezadas na
definição de programas de educação física. A cópia mecânica dos programas “glo-
balizados” chega a atingir o absurdo. A grande variabilidade e as especificidades im-
põem uma avaliação criteriosa que permita uma definição contextual na
intervenção em educação física, sem se abandonar, em nenhum momento, aquilo
que poderemos designar de conhecimento factual bem consolidado em diferentes
realidades.
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países pobres para os 23% de pessoas com excesso de peso no mundo é já considerá-
vel, e está em pleno crescimento. Dos 396 milhões de obsesos estimados em 2005,
mais de 100 milhões já eram dos paises não desenvolvidos.
As estimativas para áfrica revelam uma evolução negativa, deveras assustadora,
dos factores de risco de doença cardiovascular a todos os níveis. De 2000 para 2030,
o crescimento previsto da prevalência do sobrepeso em áfrica em geral é de 14.9
para 28.7%, e o da obesidade é de 6.6 para 17.5% (Kelly et al, 2008). O crescimento
da diabetes é de 7,1% para 18.6% (Haslem e James, 2005). A hipertensão é já muito
elevada, neste caso por associação a uma forte propensão dos Africanos para valores
altos. Africa está entre as regiões com maior prevalência de hipertensão arterial (La-
wesa et al, 2006). Em consequência deste panorama, a estimativa de número de
mortes por doença isquémica na áfrica sub-sahariana aumenta, de 1990 para 2020,
em 125% nos homens e 141% nas mulheres. Por seu turno, a estimativa de alteração
da taxa de mortalidade provocada por acidente vascular cerebral é de 126 e 134%,
respectivamente para homens e mulheres (Yussuf et al, 2001). Isto quer dizer que
o número de mortes por isquemia cardíaca e acidentes vasculares cerebrais vai au-
mentar mais do dobro em áfrica, uma taxa muito superior daquela que se estima
para os países desenvolvidos, mas similar a outras regiões dos chamados países “em
desenvolvimento”.
As estatísticas em Saúde Pública são inequívocas quanto a este panorama. Os países
Africanos, como outros países não desenvolvidos, sofrem um crescimento abrupto
da mortalidade e morbilidade provocadas pelas doenças não transmissiveis. Estes
países são denominados países em transição epidemiológica.
Estudos realizados em Moçambique confirmam este quadro. O fim de vários perío-
dos de guerra, no ano de 1992, marcou uma clivagem no perfil socio-económico de
Moçambique com consequências a todos os níveis. O PIB per capita aumentou em
mais de 3 vezes de 1990 para 2007, repercutindo-se essencialmente numa alteração
de estilo de vida na cidade. De forma muito súbita, a cidade capital, onde se con-
centra uma enorme parte deste crescimento, viu a sua população triplicada, o tran-
sito aumentando exponencialmente, a televisão passando a constituir um produto
massivo com a oferta de dezenas de canais, os jogos electrónicos e os celulares subs-
tituindo os jogos ao ar livre. O espaço livre reduziu drasticamente com o aumento
da densidade populacional e a explosão da construção; os automóveis substituíram
a deslocação a pé, e o computador passou a fazer parte da cultura quotidina de mui-
tos cidadãos. Aliado a uma generalização do “fast-food”, a cidade capital em muitos
poucos anos passou de uma cidade virada para o movimento, para uma cidade virada
para o consumo e sedentária (Saranga et col, 2008).
Vários estudos têm mostrado as consequências deste fenómeno nas crianças de Ma-
puto. A comparação do estado de crescimento, composição corporal desenvolvi-
mento motor e indicadores de saúde da população escolar de Maputo antes e depois
do “boom” urbanístico, ilustra bem as alterações observadas (Saranga et col. 2002,
Damasceno et col. 2002, Prista et al, 2005). Em apenas 7 anos, de 1992 para 1999, a
população escolar de Maputo aumentou a prevalência de sobrepeso de 0 para 4%
nos rapazes e de 2% para 8% nas meninas. No mesmo período, os níveis de aptidão
fisica desceram significativamente em quase todas as componentes, com particular
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privacção, os sujeitos com genes propensos a uma maior retenção de energia teriam
mais chances de sobreviver. Se isto aconteceu, os genes da acumulação foram ob-
jecto de selecção. Nesse caso, numa situação de excesso de disponibilidade nutri-
cional, estamos em clara desvantagem. Como bem afirma Drauzo Varela “ Animais
com cérebros forjados em tempos de miséria não podem ter a geladeira cheia, churrasca-
ria, rodízio e disque pizza à disposição” (Drauzo Varela, Borboleta da Alma, pag. 147).
Esta hipótese tem sido seriamente estudada por geneticistas, biólogos, endrocrino-
logistas, entre outros interessados na temática (Chakravarthy and Booth, 2004). A
hipótese dos “thrifty genes”, consiste na possibilidade de existência de genes pro-
pensos a estimular uma maior retenção da energia o que, em situação de uma dis-
ponibilidade excessiva de hidratos de carbono, estaria a provocar não só a pandemia
da obesidade mas, o distúrbio insulinémico e o crescimento da diabetes tipo 2 que
se observa no mundo inteiro. Uma outra faceta, está na observação de que crianças
que nascem de gestações deficientes em termos alimentares, estão a apresentar ní-
veis elevados de distúrbios metabólicos (Cripps e col., 2008), o que traduziria um
problema semelhante. Trata-se de um fenómeno que parece agravar ainda mais o
debilitado estado de saúde pública dos países economicamente desfavorecidos. As
privações na gestação e na infância repercutem-se no estado adulto, também por
uma maior propensão para as doenças não transmissíveis. Isso poderia explicar o
facto de estarem a ser observados maiores níveis de obesidade em crianças que so-
freram o processo de “stunting”.
Em suma, parece que independentemente dos mecanismos específicos, estamos
perante uma desadaptação ao sedentarismo que, tendo uma resposta biológica, pa-
rece ser essencialmente induzido por uma alteração cultural. Os resultados da ava-
liação dos níveis de actividade física de diferentes populações à escala do planeta
conduzem-nos a este facto. Existe evidência que a relação do aporte energético/ac-
tividade física de alterou de 3 para 1, nos tempos ancestrais, para 7 para 1 nas socie-
dade modernas (Saris e col, 2003). Isto quer dizer que, da quantidade de energia
total que se estima um homem médio ingerir, cerca de 1/3 era dispendida em acti-
vidade pelos nossos ancestrais, enquanto que um cidadão urbano de hoje dispende
apenas 1/7 do que come. Se efectuarmos alguns cálculos comparativos, embora gros-
seiros, isto corresponderia a “engordar” aproximadamente 35 kg por ano.
A controvérsia sobre a atribuição do papel de “vilão” das doenças da modernidade
à alimentação e/ou ao sedentarismos parece pender para uma interacção de ambos
mas pendendo, em termos de significado, para a diminuição da actividade física.
Tudo indica que o que acontece é que nos tornamos abusivamente sedentários. Por
exemplo, na Reino Unido, embora o consumo calórico tenha diminuido de 1980
para 2000, a taxa de obesidade no mesmo período continuou a aumentar o que
nos conduz à constatação de que o controlo alimentar não parece resolver por si só
o problema. Definitivamente, a inactividade física tem de ser levada muito a sério
na resolução dos problemas epidemiológicos do século XXI.
Em áfrica, e não obstante a reduzida informação sobre o assunto, tudo indica que a
urbanização e a mecanização dos serviços está a conduzir-nos para um panorama
ainda mais drástico. Por um lado, não foram resolvidos os problemas sócio-ambien-
tais que causam as pandemias das doenças infecto contagiosas; por outro, não se
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Das soluções
É consensual pensar-se que uma boa solução para um qualquer problema passa, ne-
cessariamente, pelo reconhecimento e eliminação das suas causas. Mas é também
um dado adquirido que quando, ou enquanto, as causas não têm cura, é necessário
aprender a conviver com as mesmas. Esta estratégia reclama, necessariamente, um
delineamento estratégico adequado. O que não parece ser lógico é querer aplicar
constantemente o mesmo remédio e esperar resultados diferentes. Infelizmente
é isto que se tem feito em relação à obesidade e suas co-morbilidades, um pouco por
todo o mundo. Nas últimas décadas, esta prática estendeu-se com grande incidência
aos países menos desenvolvidos, sobretudo nos países Africanos.
Anteriormente foram identificadas as causas do problema em apreço, em quatro
níveis: espaços físicos, factores sociais, comportamentos e factores biológicos. Um
olhar sintético para cada uma destes níveis revela:
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dade fisica como uma componente de grande relevo, quando não a mais impor-
tante. A própria pirâmide alimentar traz na sua base a actividade física. O reconhe-
cimento médico e social da importância da actividade fisica parece estar
definitivamente solucionado, pelo menos ao nível do discurso oficial. Isso é já um
grande passo. Na prática, porém, esse reconhecimento não está ao nível das causas
e das soluções que conduzam a uma cura efectiva. A pandemia não está a parar, está
a crescer. Questiona-se então o papel da educação fisica neste quadro.
Embora haja que reconhecer o carácter dinâmico e contextual do que se constitui
como objectivos da educação fisica, e neste sentido ocorre alguma desadaptação em
momentos e espaços, parece haver um dilema enorme na educação em geral, e na
educação física em particular. A grande dificuldade do sistema educativo actual não
é o de definir como alcançar os objectivos, mas saber definir quais são os objectivos
(Bento, 2004). No caso da educação física, enfrentamos uma dificuldade enorme
em definir a sua identidade e papel.
Em termos genéricos, o papel do sistema educativo é o de possibilitar o acesso ao
conhecimento sistematizado e acumulado historicamente. No caso da educação
para a saúde trata-se de desenvolver, no aluno, conhecimentos, aptidões e atitudes
relativamente ao estilo de vida activo (Tani e Manoel, 2004). E a educação fisica
será provavelmente um dos meios mais eficazes que a escola tem ao seu dispor para
atingir este objectivo.
Assumindo um conceito de educação física como uma disciplina de carácter forma-
tivo, como qualquer outra disciplina, ser-lhe-á atribuída, na escola, o papel de dar ins-
trumentos à criança e ao jovem que lhe permitam ser e permanecer um cidadão
activo durante o seu crescimento e ao longo da sua vida. O método para atingir este
objectivo nem sempre é consensual. Contudo, somos em crer que, assumindo este
objectivo, não resta outra alternativa senão incluir na educação física escolar elemen-
tos que apetrechem o aluno de “saberes, aptidões e atitudes relativamente ao estilo
de vida activo”. Isto só poderá ser realizado com o concurso de elementos teóricos e
práticos. As duas aulas de educação física semanal, não podem pretender substituir a
prática quotidiana do exercício, ou do desporto, se assim pretendermos chamar.
É razoavel pensar-se que tornar um cidadão activo pressupõe a sua preparação desde
pequeno e que essa preparação deve ser realizada na escola. O que se observa, con-
tudo, é que, independentemente desta preparação, a vida quotidiana moderna “em-
purra o cidadão” para comportamentos sedentários, seja no lazer seja no trabalho.
áfrica não está, antes pelo contrário, livre desse estigma e, infelizmente, o seu po-
tencial rico potencial cultural, que se baseia em movimento muito associado ao
jogo e a dança, está sendo desaproveitado e inibido. A experiência em Moçambique
tem demonstrado um enorme asfixiamento da educação física relativamente a mo-
delos estereotipados. O jogo e a dança, no nosso entender, constituem um elemento
básico fundamental que tem de ser potencializado. Jogar e dançar está associado ao
prazer, que, nos aprece ser condição sine qua non para o sucesso de um plano de
tornar os cidadãos regularmente activos (Tani, 2002). Contudo a formação de um
cidadão consciente que na sua actividade contribua, pelo seu conhecimento e ati-
tude, para uma sociedade activa e saudável, tem de estar entre as prioridades do
papel da educação física.
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Agradecimentos
Ao nosso eterno Mestre José Maia por mais um “round” de ensinamentos na revisão
deste texto.
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A política trata do que há de mais complexo e mais precioso: a vida, o destino, a li-
berdade dos indivíduos, das coletividades, e, por conseguinte, da humanidade. No
entanto, é na política que reinam as idéias mais simplistas, menos fundamenta-
das, mais brutais, mais mortíferas. É o pensamento menos complexo que reina
nessa esfera que é a mais complexa de todas. Nela, são as estruturas mentais mais
infantis que impõem uma visão maniqueísta na qual se opõem Verdade / Mentira,
Bem / Mal.
Quantas vezes, na busca de uma adequação das propostas de Educação Física Escolar
ao Projeto Pedagógico da Escola, encontramos intermináveis debates estéreis de
posturas opostas como jogo x esporte, competição x cooperação, construtivismo x
crítico-superador, crítico-superador x desenvolvimentismo e tantos outros, mos-
trando atitudes dogmáticas simplistas de um “ou isto” “ou aquilo”? Aqui aparece o
reino, na esfera política de ação, do pensamento fechado sobre si mesmo, do pen-
samento dogmático, do pensamento linear. Claro está que não propomos um ecle-
tismo ingênuo, mas sim um pluralismo consciente que poderá favorecer o
entendimento e a ação das propostas curriculares em Educação Física no dia a dia
do professor na escola. O sentido tópico da coerência interna dessa área de conhe-
cimento deve, necessariamente, associar-se à coerência utópica do Projeto Pedagó-
gico da Escola e com ele fazer um diálogo que possibilite a aprendizagem
significativa do aluno.
Cremos que temas gerais como, por exemplo, o de sustentabilidade de vida no pla-
neta, deva merecer atenção quer do Projeto Pedagógico da Escola, quer da disciplina
Educação Física. A partir daí, talvez, constatemos a necessidade de reformular os
caminhos para uma formação profissional do Professor de Educação Física.
Um primeiro alerta nesta trilha que deverá ser observado por todos os profissionais
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Para saber ver é preciso saber pensar o que se vê. Saber ver implica, pois, saber pen-
sar, como saber pensar implica saber ver. Saber pensar não é algo que se obtém por
técnica, receita, método. Saber pensar não é só aplicar a lógica e a verificação aos
dados da experiência. Pressupõe, também, saber organizar os dados da experiên-
cia. Precisamos, pois, compreender que regras, que princípios regem o pensamento
que nos faz organizar o real, isto é, selecionar / privilegiar certos dados, eliminar
/ subalternizar outros.
Só esta menção já nos remete a propor mudanças nos valores até hoje presentes nos
cursos de formação profissional em Educação Física. Cursos ainda contaminados
por princípios positivistas de que o homem é explicado biologicamente como um
ser definido que apresenta desigualdades naturais, as quais justificam as desigual-
dades sociais, e assim, formam professores que vão atuar nas escolas valorizando o
desenvolvimento do físico e da moral. Sem compreender o real, porque não sabem
ver, novos professores saem carregados de valores subordinados aos códigos e sig-
nificados do contexto social dominante. E, esses, são transmitidos culturalmente,
por meio da educação.
Calcados em modelos de seleção de indivíduos “perfeitos” fisicamente e de exclusão
de incapacitados, os cursos de formação em Educação Física transformam concep-
ções, tendências, valores e percepções. Vimos, na história do século XX, que a for-
mação profissional da área realçou a importância, dentre outras, das regras
cumpridas, do privilegiar o sentido anatomofisiológico de corpo, dando com isto
um contorno de organização do real.
Sabemos que a Educação Física nasceu sob a égide da técnica e do rendimento em
solo europeu, marcada por uma visão funcional utilitarista da saúde e do adestra-
mento físico. Assim, o delineamento dado à formação desse profissional esteve por
muito tempo pautado no escopo biologicista. Mas, com a missão de ultrapassar a
pura e simples aquisição de conhecimento, o processo de formação docente deve
levar o licenciado em Educação Física a resgatar os aspectos humanos, a compreen-
der o ser na sua totalidade e na sua historicidade. É importante formar profissionais
com visão crítica da realidade, dinâmicos e participativos em suas ações. Para tanto,
devem conhecer novas bases epistemológicas produzidas na atualidade, as quais de-
nunciam a pura reprodução dos modelos esportivos como um fim em si mesmo,
propiciando o emergir de novos paradigmas que poderão nortear a formação do pro-
fissional de Educação Física.
Levar o licenciado à reflexão sobre seu papel, visando dar re-significado a seus pen-
samentos e as suas ações, através de um movimento dialógico permeado de dife-
rentes experiências individuais, em que o perceber e o perceber-se nas situações e
emoções vividas sejam considerados, pode estabelecer um vínculo entre o que é
ensinado na Universidade e o trabalho docente na escola, entre a formação e a atua-
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ção docente apoiada num Projeto Político Pedagógico da escola, sem transformar
teorias ou ideologias em dogmas, sem tentar negar o real. Aqui se concretiza o ver
e o perceber.
Desta forma, os novos profissionais poderão deixar de superficializar o relaciona-
mento com o outro e com o mundo como consequência da divisão sujeito-objeto,
da separação homem-mundo, apoiando-se em um pensamento não linear.
A formação de professores é um processo complexo que estabelece relações múlti-
plas, as quais mobilizam as dimensões ética, social, política, econômica e humana.
É a partir dessas relações que se dá a dicotomia teoria/prática, a distância entre uni-
versidade e escola, a separação entre pesquisa acadêmica e pesquisa na prática.
A apropriação de conhecimentos científicos e pedagógicos pelos futuros profissio-
nais deve permitir a leitura dos problemas em situações reais, visando a busca de
soluções para o contexto em que vivem. Não pautado num modelo aplicacionista
do conhecimento que dissocia a pesquisa da formação e da atuação profissional,
mas apoiado numa integração que promova reflexão para a ação.
Assim, devemos buscar novos princípios gerais para nossas propostas pedagógicas,
passando de uma ideia de ser humano mutilado, dissociado, para uma ideia de ser
humano num contexto da complexidade.
Aqui já temos um segundo pressuposto básico para sugerir modificações: devemos
partir do ser humano e aí enquadrar a formação profissional. Mais uma vez, recor-
rendo a Morin (1986, p.113):
Vamos partir do homem. Ele é concebido como ‘homo sapiens’ e ‘homo faber’.
Ambas as definições são redutoras e unidimensionais. Portanto, o que é ‘demens’
– o sonho, a paixão, o mito – e o que é ‘ludens’ – o jogo, o prazer, a festa – são ex-
cluídos do ‘homo’, ou, no máximo, considerados como epifenômenos. O senti-
mento, o amor, a brincadeira, o humor passam a não ter mais lugar, senão
secundário ou contingente, em todas as visões controladas pelo paradigma de
‘homo sapiens / faber’. (...)
Precisamos superar a noção de homem técnico (homo faber), associando a ela, in-
dissoluvelmente, a de homem imaginativo (que imagina, sonha, cria fantasmas,
mitifica).
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ensino preocupado com a condição humana. O caminho a ser trilhado para isso
exige: o enfrentamento de nossas incertezas; a aprendizagem do sentir, do ver e do
ouvir; uma educação para nos tornarmos pessoas compreensíveis e sensíveis, ações
ausentes no ensino escolar atual; o encontro com o real; o estabelecimento de uma
ética centrada no ser humano, entendido esse humano ao mesmo tempo como in-
divíduo, sociedade e espécie.
O que seria então um conhecimento pertinente? Segundo Morin (2000), seria co-
nhecer o contexto, o global, o multidimensional e o complexo. Para se chegar a esse
conhecimento não se necessita de uma reforma programática, mas sim, de uma re-
forma paradigmática.
Conhecimento pertinente e novos paradigmas que devem estar presentes na cons-
trução do Projeto Pedagógico da Escola.
O contexto é necessário ao conhecimento em qualquer área, inclusive a Educação
Física, mas não basta conhecer informações ou dados isolados porque isso é insufi-
ciente para um docente reflexivo. Já o conhecimento global significa mais do que
revela o contexto, pois é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo orga-
nizacional. Já nos afirmava Morin (2000, p. 37):
... tanto no ser humano, quanto nos outros seres vivos, existe a presença do todo
no interior das partes: cada célula contém a totalidade do patrimônio genético de
um organismo policelular; a sociedade, como um todo, está presente em cada in-
divíduo, na sua linguagem, em seu saber, em suas obrigações e em suas normas.
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rante mais de oito anos, realizando toques, manchetes, saques, na crença de que a
soma desses fundamentos propiciaria jogar voleibol. No entanto, muitos desses dis-
centes não conseguiram jogar o voleibol após esses anos.
Aplicar os critérios advogados pela teoria da complexidade, neste caso, provavel-
mente inverteria o vetor da aprendizagem. Deveríamos destinar mais tempo ao ato
de jogar, que é global e complexo, ao ato de refletir as experiências sobre esse jogo,
do que tempo destinado ao ato da aprendizagem repetitiva do movimento técnico-
mecânico de sacar, de dar toques ou manchetes. Contextualizar o jogo, o esporte,
os movimentos gímnicos, dentre outros pertencentes ao conhecimento histórico
da Educação Física, tanto na forma teórica quanto na prática, é superar a formação
tradicionalmente realizada nessa área.
Da mesma forma, na construção do Projeto Pedagógico da Escola não podemos im-
primir um método que privilegie a soma das partes para se alcançar um todo. Não é
somando conhecimentos estanques de disciplinas isoladas que o aluno conseguirá
apreender o entorno, o contexto, ou mesmo alcançar a cidadania. O ato de somar in-
formações, de localizar cidades em mapas, de reconhecer regras lingüísticas, de de-
senvolver habilidades motoras, de reconhecer fases na história da arte não garante o
conhecimento pertinente que leva ao reconhecimento da condição humana.
O Projeto Pedagógico da Escola deve favorecer o sentido da condição humana.
Agora, então, resta tentar responder o que seria ensinar a condição humana? Uma
Educação Física, como disciplina curricular, não deve servir para a formação de ani-
mais esplêndidos. Ela deve servir para que o ser humano possa, através do conheci-
mento e da prática de atividades físicas e esportivas, reconhecer-se como humano
numa relação de interação com o meio ambiente. Não conhecer essa íntima relação
de dependência ser humano / cosmos pode propiciar, como temos visto, um agra-
vamento da ignorância do todo, mesmo no avanço do conhecimento das partes.
Conhecer a condição humana é lembrar de que como seres vivos deste planeta de-
pendemos da biosfera terrestre. Assim, devemos reconhecer nossa identidade ter-
rena, física, psíquica e biológica. Nossa condição de hominização exige um processo
de humanização, sendo o ser humano constituído de um princípio biofísico e de
um princípio psicossociocultural, ambos dependentes. Esses princípios devem nor-
tear: as aulas de Educação Física na escola; a formação desse profissional; a materia-
lização do Projeto Pedagógico da Escola.
Neste sentido, a educação deverá ser um ensino universal, centrado na condição
humana, lembrando que conhecer o humano é situá-lo no universo e não separá-
lo deste e nem dicotomizá-lo.
A escola precisa desmitificar a chancela de uma aprendizagem unicamente “men-
tal”, abrindo espaços para trabalhos essencialmente corporais que representam pro-
cessos cognitivos. Só assim a Educação Física pode encontrar sua relevância no
ambiente escolar. O que propomos é que a corporeidade seja um instrumento pe-
dagógico que auxilie aos professores de outras áreas a compreenderem o ser hu-
mano de maneira mais complexa.
Enxergar as possibilidades corporais dos alunos como expressão de inteligência hu-
mana, tanto nas aulas de Educação Física como fora delas, permite reconhecermos
conhecimentos indizíveis revelados pelo corpo. Segundo Najmonovich (2001, p.23)
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“Só podemos conhecer o que somos capazes de perceber e processar com nosso corpo”.
Se o ser humano se expressa por meio de suas ações e qualquer ação é corpora, daí
defendermos também as possibilidades corporais na escola para além das aulas de
Educação Física, numa tese que parte das premissas que enfatizam que o cogito e o
corpo são aspectos de uma mesma realidade, que o corpo é o ser que realiza sua exis-
tência e que a relação ser humano / mundo é corporal.
Assim como propôs Merleau-Ponty (1994) devemos entender nossos corpos como
organismos cognoscentes, não apenas integrados, mas inseparáveis do seu meio. O
conhecimento pode ser desenvolvido num cenário escolar por diferentes rotas de
acesso, contextualizado no mundo em que se vive. As diferentes linguagens utili-
zadas numa situação de aprendizagem devem valorizar não só a resolução de pro-
blemas, mas também a criação deles.
É fácil perceber, na atualidade, a hegemonia do pensamento disjuntivo, em que de-
terminados conhecimentos fazem parte das ciências naturais e outros fazem parte
das ciências humanas. Esta separação homem / natureza, de certa forma, propiciou
o agravamento da ignorância do todo. Como exemplo, degradar a natureza no ter-
ceiro mundo não faz parte das preocupações do ser humano do primeiro mundo.
Na Educação Física, ao se deparar com estes novos valores integrativos, os procedi-
mentos da ação do profissional dessa área devem ser modificados. Há que se apre-
sentar práticas esportivas e atividades físicas que entrem em consonância com o
respeito à natureza, com formas de aprimoramento do conhecimento desta, po-
dendo ser a Educação Física Escolar um instrumento de ação e denúncia quando
este princípio for desrespeitado. Apenas como um possível exemplo, podemos rea-
lizar caminhadas com os alunos em trilhas, ou em margens de rios mostrando o des-
caso e até a agressão que alguns destes ambientes sofrem com o acúmulo de toda
forma de lixo. E ainda, relacionar as alterações que um ambiente poluído provoca
em nossos organismos, no aspecto da saúde.
Outro ponto recomendado por Morin (2000) e que deveria ser preocupação tanto
na formação profissional em Educação Física quanto na construção de um Projeto
Pedagógico na Escola, diz respeito à busca de uma ética do gênero humano. Esta
ética estaria calcada na tríade indivíduo / sociedade / espécie, sendo cada um destes
termos, ao mesmo tempo, meio e fim do outro.
Marina (2001) acredita que a ética deva fazer parte das preocupações no campo da
ciência como tarefa para o século XXI. Para Gardner (2006) a educação do novo mi-
lênio deve ser trabalhada junto às questões da moralidade. “Todo el proceso de inven-
ción de la ética se identifica con el proceso de una inteligencia que busca la mejor de sus
posibilidades, el modo más inteligente de ser inteligente”, afirmou Marina (2001, p.162).
Dentre as missões destinadas a esta ética propriamente humana, chamada por Morin
(2000) de antropo-ética, destacamos: respeitar no outro, ao mesmo tempo, a dife-
rença e a identidade quanto a si mesmo; desenvolver a ética da solidariedade; desen-
volver a ética da compreensão. As perguntas que fazemos agora a todos os leitores:
Esta missão não poderia e não deveria ser trabalhada, por exemplo, através de um
conteúdo da Educação Física Escolar chamado esporte? Não seria o esporte um ex-
celente instrumento para a incorporação de uma ética da solidariedade?
Há tempos atrás, assistimos a uma fita de vídeo que nos comoveu. Tratava-se do de-
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Se o homem, quando nasce, pode ser considerado um ser biológico por excelência,
em sua existencialidade, ao humanizar-se, realiza movimentos no sentido de se
superar e de caminhar em direção a si mesmo, em direção ao outro e em direção
ao mundo, passando de um estado inicial determinista de instintos, reflexos, fun-
ções orgânicas para uma intencionalidade guiada por racionalidade, inteligência,
criatividade, sensibilidade e afetividade. Essa sua facticidade, essa sua existencia-
lidade, onde o homem e o humano podem ser compreendidos pelos movimentos,
pela expressão, pela comunicação, é o que denominamos o conhecimento identifi-
cador da motricidade. (Moreira, 2001, p.24)
A Educação Física Escolar pode colaborar no Projeto Pedagógico da Escolar para uma
educação em que a vida passe a ser sinônimo de qualidade. Atender às formas ex-
pressivas da motricidade, como os esportes, os jogos, as atividades de aventura e
risco, as danças, os exercícios, por exemplo, e entendê-las, há de exigir de nós uma
revisão de muitos conceitos atuais vinculados à formação profissional do professor
de Educação Física.
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1. Introdução
A busca de um novo paradigma de formação de treinadores desportivos que pre-
tenda congregar sinergias e potencialidades, no sentido de melhor qualificar os pro-
fissionais que actuam no mundo do Desporto é, inexoravelmente, uma prerrogativa
do novo século. Estas demandas decorrem de movimentos sediados na Europa, a
partir de directrizes emanadas do processo de Bolonha para a área do Ensino, pre-
tendendo-se estabelecer para a profissão de Treinador de Desporto exigências forma-
tivas condizentes com as proclamadas para as demais profissões de formação
superior adstritas ao Desporto.
A emergência de dotar a formação deste profissional de bases consistentes, cienti-
ficamente fundadas, em referência às exigências profissionais, uniu um corpo subs-
tantivo de entidades internacionais, oriundas do sistema desportivo e educativo
europeu, em torno da reflexão e discussão desta problemática1. Resulta, daí, a ne-
cessidade de alicerçar a formação do futuro treinador desportivo de perspectivas
que, sem deixarem de configurar os valores éticos, culturais e científicos norteado-
res da sua construção, sejam capazes de responder às exigências proclamadas pelos
imperativos de âmbito profissional, contribuindo para o efeito o estabelecimento
de sinergias entre a formação sediada no sistema universitário e desportivo.
Este novo paradigma transita, inexoravelmente, de uma concepção de formação
centrada na aquisição de conhecimentos para o domínio de competências, não
numa visão tecnicista mas sobretudo holística da formação, onde os saberes de âm-
bito deontológico, relacional e humanista assumem paridade com os demais. De
facto, para obter sucesso na sua função, o treinador necessita de possuir uma com-
plexa teia de competências (Gilbert & Trudel, 1999), devendo estas ser abrangentes
em relação aos domínios que comporta e específicas em relação aos envolvimentos
desportivos onde se aplicam. Nesta conformidade, emerge que as competências
profissionais têm um sentido dinâmico e adaptativo face aos contextos e níveis de
prática profissional. Num nível macro de análise é impositiva a diferenciação das
competências profissionais do treinador desportivo em função do nível e contexto
de prática, isto é, o Treino de Crianças e Jovens e o Treino de Alto Rendimento, dada
a particularidade de finalidades e metas que os mesmos abraçam.
Requer ainda especial atenção neste âmbito, uma reflexão sobre os processos, meios
e métodos de formação do Treinador de Desporto, em suma, o confronto entre os
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“…há que reafirmar que a Universidade não é somente uma instituição para a qua-
lificação e habilitação académica de estudantes. Nem apenas para os dotar, refor-
çar e potenciar com conhecimentos científicos entendidos estes em sentido restrito.
Ela tem igualmente que os “formar” ajudá-los a promover e a tomar a “forma”
dada pelo saber que releva do humano, do cultural, do espiritual e do moral. Não
pode desfazer-se da obrigatoriedade de assumir um protagonismo axiológico de
iluminar a sociedade, as suas organizações e os seus sujeitos e actores com a luz de
axiomas e normativos éticos”.
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Do que foi exposto resulta que, mais do que adquirir elevado conhecimento teórico,
importa, acima de tudo, possuir conhecimento prático acerca de soluções a aplicar,
em cada situação particular de treino/competição. O mesmo será afirmar que no
processo de formação importa, sobretudo, que os treinadores em fase de formação
adquiram e dominem os conhecimentos que são capazes de aplicar. De facto, é o
sentido de aplicação dos conhecimentos que permite a consolidação das aprendi-
zagens sustentáveis a longo prazo; caso contrário, mesmo que o treinador em for-
mação possua um vasto conhecimento, não significa que o saiba aplicar, de acordo
com as particularidades das situações de treino/competição. Daí que é o conheci-
mento condicional (quando e onde aplicar procedimentos particulares), adquirido
pela aprendizagem experiencial, que confere apropriação ecológica ao conheci-
mento declarativo (informação factual sobre o que fazer) e processual (como fazer).
A importância da aprendizagem experiencial no processo de formação de treina-
dores é acrescida, por integrar o material de base necessário à construção do conhe-
cimento profissional, na medida em que o que sucede num contexto particular de
aprendizagem é que confere significado à solução que se adopta (Potrac et al., 2000).
Tal significa que os conhecimentos teóricos adquiridos só se tornam verdadeira-
mente úteis e significativos quando mostram ser eficazes, em contextos dinâmicos
sujeitos a circunstâncias únicas, apanágio do treino/competição (Jones et al., 2003).
Para tal, é necessário que, no processo de formação, a vivência de experiências prá-
ticas seja valorizada e que a participação nas actividades seja activa e deliberada,
em detrimento da participação passiva, na qual, o formando é apenas um mero re-
produtor das orientações prescritas pelo formador.
Promover nos formandos uma atitude proactiva em oposição à reactiva, esta última
estimulada frequentemente nas estratégias de formação tradicionais onde o for-
mando se limita a receber informação emitida pelo formador e a aplica reactiva-
mente sem a questionar, é crucial na edificação do conhecimento profissional.
Em suma, aprender experienciando não pode significar a utilização ausente de cri-
tério de situações práticas, sem referenciais pedagógicos e metodológicos nortea-
dores das estratégias de formação a aplicar. A aprendizagem experiencial deverá ser
aproveitada pelos formadores, enquanto meio prioritário de aprendizagem, desde
que se baseie na compreensão das decisões tomadas e nos erros cometidos. A refle-
xão sobre a própria aprendizagem, com incremento progressivo da autonomia e da
responsabilização nas decisões tomadas, decorrentes prioritariamente da adaptação
das soluções aos problemas reais, e não replicando acriticamente as prescrições
apontadas pelo formador, promove a aquisição de conhecimento profissional sus-
tentável a longo prazo.
Conclusões
Tradicionalmente, a formação de treinadores tem sido consumada em sede de sis-
tema desportivo, competindo às Universidades o papel maior, embora informal e
nem sempre reconhecido, de fornecer conhecimento pedagógico e científico sus-
tentado. Na actualidade, a eclosão de um novo paradigma de formação de treina-
dores na Europa, o qual projecta um envolvimento maior e mais comprometido da
Universidade, reconhece que a excelência profissional do treinador pode ser alcan-
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çada por mais do que uma via formativa, entendendo-se como desejável a existência
de convergências e tangências entre as diferentes vias. Este novo paradigma de for-
mação é, indubitavelmente, prenunciador da afirmação socioprofissional e da con-
solidação da carreira de treinador, onde, por certo, a formação académica pelo
ideário que sustenta e pelo acervo de conhecimento que comporta, fornece um
inestimável contributo na elevação e qualificação dos processos formativos e, con-
sequentemente, na perseguição da excelência profissional.
Neste alcance, deverá existir um esforço inegável em configurar curricular e peda-
gogicamente os programas de formação de alicerces conceptuais robustos, congre-
gando conteúdos diversificados e complementares, os quais perpassam os científico
e tecnológicos alcançando os do foro deontológico, relacional e humanista.
A necessidade de treinadores qualificados tem crescido de forma exponencial na
nossa sociedade, contrariando a crença geral de que qualquer um pode ser treinador,
desde que o deseje e que o seu passado desportivo o permita. Se esta necessidade é
hoje percebida como fundamental pela maioria dos agentes desportivos, também
é verdade que as ofertas de formação focam-se, no essencial, na optimização da per-
formance nos aspectos relativos ao conhecimento técnico e táctico (no caso dos
Jogos Desportivos) e no ensino e mestria das habilidades desportivas; por outro
lado, os conteúdos “mais teóricos” são abordados não raramente de forma abstracta,
longe dos problemas colocados pela prática e em particular dos envolvimentos e
particularidades situacionais que lhes conferem legitimidade e significado. Trata-
se, por isso, de uma formação básica, arredada de uma relação perene e auspiciosa
entre teoria e prática onde a primeira peca por ser demasiado abstracta e a segunda
demasiado funcionalista.
Deste modo, o saber em uso, ou seja o domínio de competências, como tão bem re-
fere Perrenoud (1993), emerge na actualidade como bússola orientadora da confi-
guração curricular dos cursos de formação. Todavia, o saber em uso não deve ser
confundido com o domínio de saberes técnicos, arredados das teorias que os sus-
tentam, mas sim sustentar-se em competências teoricamente fundadas, que per-
mitam ao treinador a capacidade de reflectir e compreender o sentido das suas
acções, pelo desenvolvimento de competências metacognitivas. Daí ser lícito e
apropriado afirmar que o treinador deve ser um “prático-teórico”.
Para almejar estes intentos os modelos de formação não podem basear-se mais em
estratégias de ensino altamente explícitas e prescritivas, assentes num estilo de en-
sino autocrático, onde os formandos assumem um papel passivo e onde, não rara-
mente, os conteúdos são abordados de forma abstracta, descontextualizados das
prerrogativas da prática.
O desenvolvimento destas competências, exige novas abordagens, construtivistas
e ecológicas, melhor servidas por estratégias de formação mais informais, mais im-
plícitas e mais flexíveis. Se o desenvolvimento profissional for percebido como re-
gido pela complexidade, resultado de uma multiplicidade de inter-conexões entre
dimensões micro, meso e macro, onde as dimensões individuais, grupais e organi-
zacionais se estruturam em sistemas dinâmicos, será necessário adoptar modelos
de formação que valorizem a reflexão, a aprendizagem experiencial e a mentoria
enquanto estratégias qualificantes da formação do Treinador de Desporto. A pesquisa
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notas
1 Estruturas europeias afectas à formação superior de profissionais de Desporto em geral e do treinador
em particular: European Coaching Council (ECC), da European Network of Sport Sciences, Education and
Employment (ENSSEE) em associação com o Thematic Network Project AEHESIS (Aligning a European Hig-
her Education Structure in Sport Science) e do International Council for Coaching Education (ICCE) (2006).
2 Entende-se por Desporto de Participação toda a prática desportiva organizada que se desenvolve em
múltiplos contextos de prática (escolas desportivas, núcleos desportivos, clubes, autarquias, etc.), com
quadros competitivos pouco formais ou mesmo informais.
3 Entende-se por Desporto de Rendimento toda a prática desportiva organizada que se desenvolve em
clubes, associações (selecções regionais) ou federações desportivas (selecções nacionais) com quadros
competitivos formais.
4 Diário da Republica, 1ª série nº 252 - 31 de Dezembro de 2008, Capítulo II, artigo 6º, 1º ponto, alínea a).
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A lógica que subsiste ao crivo da crítica e busca ancoragem no espectro social mais
amplo, esforça-se por tentativas de atrelamento e subordinação da Educação Escolar
aos interesses da instituição esportiva. Esse processo está devidamente registrado
nos anais da historiografia brasileira e mundial. Análises fomentadas pelas Ciências
Humanas sejam de teor sociológico, filosófico ou antropológico, anunciam e de-
nunciam de forma recorrente uma relação muito estreita entre autoritarismo e po-
pulismo em políticas de massificação das práticas esportivas.
O Esporte como manifestação sociocultural incontestável, está inserido na dinâ-
mica da vida cotidiana com toda sua multidimensionalidade, e desta maneira, as-
sentado sob os alicerces de sua inexorável ambigüidade, contradição,
paradoxalidade e, não menos verdadeiro, seu “encanto”. Dito de outra forma, o Es-
porte é “demasiadamente humano!” Assim, os aspectos econômicos, políticos, socio-
lógicos, antropológicos, ecológicos, técnicos, filosóficos, biológicos, históricos,
psicológicos, estéticos e éticos se entrecruzam reciprocamente e se interpõem como
desafios para todos aqueles que se ocupam direta ou indiretamente dele. O fenô-
meno esportivo é um grande empreendimento da sociedade globalizada, ajustado
ao espectro mais amplo da sociedade tecnológica, do mundo capitalista e, suntuo-
samente alinhado ao imperativo da “sociedade do espetáculo”.
Nesse contexto, se faz necessário sublinhar a pretensão de certos atores sociais em
sugerir a subordinação do sistema educativo formal (escolas, professores, alunos,
aulas e práticas educativas) aos ditames do sistema esportivo. Nosso entendimento
sobre essa questão incita-nos para o apontamento do recrudescimento de uma in-
compreensão generalizada/socializada tanto da natureza do fenômeno Esporte
como da especificidade da instituição escolar. As demandas proclamadas pelos pro-
tagonistas que defendem essas proposições, invariavelmente comportam interesses
econômicos e ideológicos que não necessariamente coincidem com os interesses
públicos mais legítimos e democráticos.
Como elucidação destas convicções identificamos – “Esporte é saúde”; “Esporte é in-
tegração social”; “Esporte é inclusão social etc.”. A linguagem disseminada ao grande
público se consubstancia de forma linear e homogeneizada, tendo a pretensão de
convencer a população dos presumíveis “benefícios” do Esporte como uma de-
manda universal. Neste ideário compartilhado no fluxo da vida ordinária pelos ci-
dadãos e cidadãs, lançamos como contraponto impertinente que o que estava em
jogo no “Jogo Grego Antigo” é distinto do que está em jogo no Esporte dos “tempos
modernos”, ou como preferem alguns, da “Modernidade Tardia!”.
Adicionando mais um elemento reflexivo em nossa discurssividade insólita, o jogar
para “louvar” as divindades gregas na antiguidade implica um fenômeno certa-
mente diferenciado do “esportear” para os patrocinadores no cenário da moderni-
dade mutante. Cabe aqui, portanto, destacar que nem sempre o Esporte é saúde! Nem
sempre o Esporte é inclusão e paz social. Melo (2001) nos provoca com sua pertinência
impertinente com a respectiva interrogação: Esporte é saúde: desde quando? Na con-
figuração “volátil” do Esporte como espetáculo, seus “tempos e lugares” já são pre-
viamente marcados, dito de outra forma, para cada corpo um lócus diferente na
“grande festa global”. Enfim, um “certo esporte” não vem, de fato, se legitimando
como direito amplo de e para todos.
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De onde são provenientes os saberes escolares? Quem realiza a seleção dos conteú-
dos a serem desenvolvidos na sala de aula? Que instâncias autorizam e legitimam
o que se ensina ou o que se aprende na escolarização? Quem responde pelo o que
não se ensina e o que não se aprende? Como é feita a construção e disponibilização
do conhecimento escolar? Qual é a função do componente curricular Educação Fí-
sica? O que justifica o tema Esporte como conteúdo escolar e na Educação Física?
Quais são as inevitáveis ênfases e omissões presentes no processo de estruturação
curricular? Nessa perspectiva, Canen & Moreira (2001) nos ofertam uma reflexão
pontual sobre os dilemas da construção curricular:
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Eles estão jogando o jogo deles. Eles estão jogando de não jogar um jogo. Se eu lhes
mostrar tal qual eles estão, quebrarei as regras do seu jogo e receberei a sua puni-
ção. O que eu devo pois é... jogar o jogo deles, ou seja, o jogo de não ver o jogo que
eles jogam! (Ronald Laing – “Laços”).
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1. Introdução
A estética do desporto constitui-se actualmente como uma área legitimada no seio
das ciências do desporto. A existência de associações internacionais como a Inter-
national Association for the Philosophy of Sport (IAPS), a British Philosophy of Sport As-
sociation (BPSA), ou a European Association for the Philosophy of Sport (EAPS), que se
estabelecem como sedes de análise, discussão, investigação e difusão deste domínio
de conhecimento (em conjunto com as restantes temáticas da filosofia do des-
porto), traduz-se em evidência objectiva desta realidade. A publicação, assídua e
consistente, de artigos em revistas de circulação internacional, desde o início da dé-
cada de 70 do século passado (das quais se destaca o Journal of the Philosophy of Sport),
assim como a sua presença em seminários e disciplinas de cursos de desporto de di-
ferentes faculdades de variados países, e ainda, a participação desta temática nos
mais diversos congressos de ciências do desporto, em particular, de filosofia do des-
porto, testemunham o seu desenvolvimento e consolidação, bem como o interesse
do seu contributo para a compreensão do fenómeno desportivo.
Neste contexto é importante destacar, ainda que de forma breve, o percurso desta
área na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto: a publicação dos primeiros
trabalhos surgiu pela mão de Marques (1990) e Marques e Botelho (1990), num con-
gresso submetido à temática Desporto, Ética e Sociedade. Em 1993, Marques desen-
volveu um trabalho fundador, intitulado Desporto, Arte e Estética. Fronteiras e espaços
comuns. Em 1996, a realização do seminário Cultura, Estética e Desportos, marcou
uma etapa importante na afirmação deste domínio de estudo. O primeiro doutora-
mento na área realizou-se em 2002 (Lacerda, 2002), ao qual se foram sucedendo
monografias de licenciatura, dissertações de mestrado e de doutoramento. A partir
de 2003 a estética do desporto passou a integrar os conteúdos da disciplina de In-
trodução ao Pensamento Contemporâneo da licenciatura, assim como módulos de al-
guns cursos de mestrado. Com a reestruturação dos planos curriculares determi-
nada pelas reformas de Bolonha, está presente no 1º ciclo de estudos como disci-
plina optativa e em diversos cursos de 2º ciclo.
O presente trabalho tem como principal propósito rever aspectos nucleares relativos
aos domínios da estética geral e da estética do desporto. Procuram esclarecer-se concei-
tos e expor as contribuições mais significativas da literatura internacional neste domí-
nio, realçando-se a divergência de opiniões e a falta de consenso quanto à relação
desporto-arte. Por último, assinala-se a importância da educação estética pelo desporto.
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2. A propósito de estética
As primeiras tentativas sistemáticas para definir a estética iniciaram-se no século
XVIII, em pleno auge da filosofia racionalista ocidental, pela mão de Baumgarten
(Munro, 1962; Souriau, 1970; Bayer, 1993; Estrada Herrero, 1988; Suassuna, 1996).
A ordem irrefutável da ciência newtoniana e da lógica cartesiana, compeliram a
maioria dos estudiosos a aceitar a supremacia do pensamento racional como o único
processo da consciência humana digno de confiança. Tudo o mais que se passava no
homem – sentimentos, crenças, intuições – não podia ser tomado seriamente, por-
que resistia à transformação numa entidade que pudesse ser estudada com as fer-
ramentas da lógica ou das emergentes ciências empíricas. Contudo, tão depressa a
hegemonia cartesiana se estabeleceu como começou a estimular a sua própria an-
títese (Csikszentmihalyi e Robinson, 1990). Tendo codificado a razão, Descartes
ajudou a mostrar quão pouco da experiência humana ela era capaz de explicar. O
trabalho de Baumgarten surgiu, justamente, como uma reacção às descrições pura-
mente racionais da consciência. Ele próprio era um membro da escola racionalista,
seguidor de Descartes e de Leibniz, discípulo de Wolff, mas, em contraste com os
seus mentores, sentiu que excluir as sensações e percepções do conhecimento, ar-
gumentando que eram inerentemente confusas, era sacrificar formas válidas de
consciência no altar da razão (Estrada Herrero, 1988). No final do século XX, os es-
tudos no domínio das neurociências vieram legitimar e premiar o vanguardismo
do pensamento de Baumgarten, mostrando que a emoção constitui parte integrante
dos processos de raciocínio e tomada de decisão (Damásio, 2000).
O termo estética foi criado por Baumgarten, em1750, para designar uma forma de
apreensão da realidade que era para si tão clara como a cognição lógica que Descartes
tinha “destilado” do fluxo da consciência. Esta nova disciplina respeitava: ao estudo
filosófico e científico da arte e do belo (Souriau, 1990), na perspectiva duma teoria
da sensibilidade (Bayer, 1993; Ferry, 1990) ou, duma “(...) ciência do conhecimento
sensorial, cujo objectivo é a beleza, em contraste com a lógica, cujo objectivo é a
verdade” (Munro, 1962, p. 6). Baumgarten considerava a estética como a parte da
gnoseologia que se ocupava do conhecimento sensível (Perniola, 1997). 1750 mar-
cou, com efeito, o ano em que este filósofo alemão publicou, com o título de Aes-
thetica, o primeiro volume duma obra sobre a temática estética, no sentido em que
a entendemos contemporaneamente. O termo surgiu derivando do uso substantivo
do adjectivo grego aisthetike remetendo, consequentemente, para o âmbito da sen-
sação, da sensibilidade, da imaginação (Estrada Herrero, 1988; Franzini, 1999).
Souriau (1970) refere-se a 1750 como a data do “baptismo” da estética, pois já muito
antes os filósofos se debruçavam sobre esta questão. Também Franzini (1999) evi-
dencia que não é possível fazer coincidir o nascimento da estética com o apareci-
mento de um termo. Desde a antiguidade se reflectia sobre a problemática estética,
mas de forma dispersa e pulverizada. Por outro lado, a arte era até aí um reflexo dum
outro mundo, imitação da natureza ou do divino, não inovação, antes e, acima de
tudo, perpetuação duma tradição. Ferry (1990) opina que em pleno cartesianismo,
com o romper da ordem cósmica da tradição, está criado o contexto para o surgi-
mento da estética cuja problemática constitui, em seu entender, um sinal evidente
do advento dos tempos modernos. Também Barilli (1994) refere que, embora Des-
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cartes não tenha tido propriamente uma estética, anunciava já Kant e o primado
do gosto sobre a ideia do belo em si. De igual modo Galard (2000) nota que, no século
XVIII, a emergência da subjectividade fez com que tenha havido uma viragem de
atenção para a relação entre o objecto julgado belo e a sensibilidade que o apreende.
Hegel, cuja obra constitui o primeiro sistema integral de uma filosofia da arte, re-
tomou a reflexão sobre o belo, que perspectivou determinado como a aparência ou
o reflexo sensível da ideia. Para Hegel a arte era, a par da religião e da filosofia, um
momento do espírito absoluto, constituindo uma das mais elevadas manifestações
históricas da verdade (Perniola, 1997). Também em Nietzsche a estética e a arte são
consideradas de forma privilegiada, pelo que Bayer, na sua História da Estética
(1993), refere que para este filósofo “A arte (…) é a afirmação da existência e o esti-
mulante do sentimento de vida. O belo é o que aumenta a vida; junta a vontade dis-
persa em todo o universo. O objecto de arte é igual ao da moral ou da ciência: procura
tornar a vida mais intensa.” (p. 327).
Souriau (1990) entende que, mais de dois séculos depois, o essencial das concepções
de Baumgarten não perdeu a sua validade, havendo contudo necessidade de as com-
pletar com contribuições de autores mais recentes. Deu-se uma verdadeira revolu-
ção na forma de olhar o problema da beleza. O alargamento do conceito de belo, a
questão de a noção de belo se ter cindido, em muito contribuiu para o enriqueci-
mento das concepções de Baumgarten. “O nascimento da estética como disciplina
filosófica está indissoluvelmente ligado a uma mudança radical da representação
do belo, quando este passa a ser concebido em termos de gosto e portanto a partir
daquilo que no homem vai surgir como a própria essência da subjectividade, como
o mais subjectivo do sujeito. Com efeito, com o conceito de gosto, o belo é reportado
intimamente à subjectividade humana e, no limite, acaba por ser definido pelo pra-
zer que proporciona, através das sensações ou sentimentos que em nós suscita.”
(Ferry, 1990, p. 33).
Também Alonso-Geta (1991) sublinha a dimensão essencialmente humana da es-
tética (e Genette, 1997, invoca-a como um ramo duma antropologia geral), refe-
rindo-se-lhe como algo que o homem experimenta, desenvolve e cria ao longo do
tempo, o que evidencia o carácter mutável desta face da realidade humana. A esté-
tica possui um conteúdo emotivo, sendo-lhe própria também uma inter-conexão
lógica entre sentimento, emoção e percepção (Alonso-Geta, 1991). Desta forma a
autora realça as questões da sensibilidade e do sentimento que confluem na estética
e que tão pertinentes se tornaram na actualidade. Acrescenta que a estética «(...)
necessita da conjugação e relação de duas dimensões, a objectiva (existência externa
do objecto) sobre a qual se exerce a actividade reflexiva e a subjectiva tanto na di-
mensão individual como social.» (Alonso-Geta, 1991, p. 758).
Hoje em dia, para Souriau (1990), o termo belo designa com precisão dois conceitos
diferentes: por um lado, o estudo daquilo que nos séculos XVIII e XIX se designava
por modificações do belo e que no século XX passamos a designar por categorias esté-
ticas; por outro lado, o termo belo pode designar o carácter comum a todas essas ca-
tegorias, isto é, o valor estético em geral - existe evidentemente aqui uma ordem de
preocupações especial, pelo que o estetólogo procura justamente a especificidade.
Assim, e na esteira de Adorno (1970), o conceito de belo deve figurar na reflexão es-
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3. Estética do desporto3
A literatura mais relevante dos últimos quarenta anos tem-se centrado predomi-
nantemente na delineação da experiência estética induzida pelo desporto, assim
como na identificação de semelhanças e diferenças entre o desporto e a arte. Podem
identificar-se quatro posições fundamentais no tratamento desta temática:
— o desporto como uma actividade com valor estético e como uma forma de arte;
— o desporto como uma actividade quase-artística e estética;
— o desporto como uma actividade não artística e estética;
— o desporto como uma actividade nem estética nem artística.
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tudos empíricos. Este autor interroga-se sobre o que se deve de facto estudar: o
atleta que pensa que actua como um artista? A performance, isto é, o «jogo bem jo-
gado»? Se não tomarmos a perspectiva do atleta ou a do espectador, deveremos cen-
trar-nos na do treinador? Ou deveremos antes considerar a forma como a
performance desportiva é julgada? Os valores estéticos estão nas actividades ou nas
atitudes dos sujeitos perante elas?
A diversidade e a riqueza das questões levantadas por Kuntz há mais de vinte e cinco
anos atrás, justifica que se continuem ainda a traduzir em questões de investigação
capazes de contribuir para o avanço do conhecimento nesta área. A sua chamada de
atenção para a importância dos estudos de carácter empírico, foi levada em grande
consideração pela faculdade de desporto da universidade do Porto onde, desde o
final da década de 90 do século passado, se têm desenvolvido numerosos trabalhos
a partir do ponto de vista dos intervenientes directos no fenómeno: atletas, treina-
dores, juízes, professores e estudantes de desporto. Considera-se que o contributo
esclarecido destes actores é fundamental para o desenvolvimento e consolidação
desta área das ciências do desporto.
Uma temática fundamental neste domínio, respeita à necessidade em identificar e
descrever o valor estético do desporto, o que remete para o contexto das categorias
estéticas. A partir de um artigo dedicado à ginástica, inserido na Sports Rules Ency-
clopedia (1966, cit. por Kuntz, 1985), Kuntz faz um levantamento das categorias
mencionadas como indicadoras de uma performance estética. São referidas a agili-
dade, o equilíbrio, a força, a elasticidade, o ritmo, a harmonia, a proporcionalidade,
a elegância, a facilidade, a precisão e o estilo, que devem coexistir com ausência de
falhas na execução. No artigo respeitante aos saltos para a água, surgem categorias
como suavidade, precisão, estilo, energia, arrojo, confiança e amplitude. Este tipo
de actividades é julgado de acordo com determinados padrões que o autor designa
por «normas estéticas formais». A este propósito, importa realçar que os regulamen-
tos deste tipo de modalidades podem ajudar a esclarecer o entendimento das cate-
gorias estéticas em contexto desportivo. Boxill (1988) salienta, aliás, que o princípio
subjacente às regras no desporto é sempre o de estabelecer um desafio, desafio que
obriga à evidenciação da excelência do corpo, produzindo uma resposta e uma ex-
periência estéticas. O desafio leva os atletas a não se satisfazerem apenas com mar-
car pontos, mas em marcá-los com estilo, com fluidez, com graciosidade (ibid.). As
preocupações com a eficiência dos gestos não se retiram, elas estão sempre presen-
tes, mas Boxill afirma que “(...) o método mais eficiente é habitualmente o que ma-
nifesta a excelência do corpo e o exibe em harmonia com os equipamentos e/ou os
factores da natureza. Quando o corpo se move de forma eficiente demonstra uma
fluência e uma graça que constituem a sua beleza.” (Boxill, 1988, p. 514). O autor
pensa que quanto maior a eficiência mais converge para a estética do corpo, até um
ponto em que eficiência e beleza se fundem numa só, como sucedia com a corrida
eficiente de Sebastian Coe ou a eficiência de nado de Mark Spitz.
O corpo manifesta-se, com efeito, como um dos elementos centrais da estética do
desporto, corpo que anima e dá vida ao movimento, corpo do atleta e corpo da
equipa, corpo desportivo e corpo do desporto. Para Masterson (1983), se existem
obras de arte no desporto, elas compreendem movimentos individuais e em grupo,
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ataque, defesa e contra-ataque, assim como ritmo, cor e composição, podendo exibir
elegância, estilo, graça, poder, economia ou outros elementos estéticos.
O elemento vitória, característica marcante da instituição desportiva, é frequen-
temente apontado como um óbice à estética do desporto. Kuntz (1985) interroga-
se se, por exemplo, ganhar uma competição de ginástica, o que requer a presença
de um conjunto de categorias estéticas, significa uma desvalorização da capacidade
artística do ginasta, que cumpre com todos os padrões estéticos estabelecidos? Re-
fere que numerosas vezes se deu conta de críticas a jogadores de ténis que venceram
competições jogando, contudo, sem graça e facilidade. Do ponto de vista conceptual
parece-lhe assim possível que o elemento não-estético, talvez mesmo anti-estético,
não seja o competir para ganhar, pela vitória, mas falhar em alcançá-la de acordo
com os padrões estéticos apropriados. Boxill (1988) entende também que o desejo
de vitória não obscurece necessariamente a beleza, argumentando que se a beleza
não é o objectivo único do desporto, também não o é relativamente às diferentes
artes. Para este autor, o forte desejo de vitória que marca presença indelével no des-
porto, não o afasta definitivamente do domínio da arte. Defende que quem pensa
que é preferível marcar pontos independentemente da forma como esses pontos
são marcados (que pode ser a mais desajeitada e desadequada possível), está a assu-
mir a perspectiva do “ganhar a qualquer preço”. Considera que o desejo de vitória
é evidentemente muito forte em todos os eventos competitivos, não se traduzindo,
contudo, no único objectivo. Do seu ponto de vista alguns atletas preferem perder
através duma boa prestação do que ganhar por meio de uma péssima realização.
Shannon Miller, que foi medalha de ouro na ginástica artística nos Jogos Olímpicos
de 1996, refere algo que, de certa forma, corrobora a opinião de Boxill: “Em 1996
senti a trave firme debaixo dos meus pés. Mesmo que não tivesse ganho uma me-
dalha naquele dia, ter-me-ia sentido igualmente fantástica. Não é possível imaginar
o que se sente quando todo o trabalho árduo se materializa num exercício magní-
fico, quando executamos as habilidades da forma que as tínhamos imaginado rea-
lizar tantas vezes nos nossos sonhos.” (cit. por Langsley, 2000, p. 16). Um outro
ginasta manifesta-se de forma idêntica: “Temos que nos lembrar que, em última
análise, somos os nossos próprios juízes e encontrar a satisfação interior que pro-
vém da apreciação honesta de nós próprios ao sabermos que demos o nosso me-
lhor.” (ibid., p. 203). Boxill (1988) afirma que também alguns treinadores optariam
por ver as suas equipas perder através dum jogo bem jogado do que ganhar por acaso,
por sorte, um jogo mal jogado. Em seu entender, num jogo bem disputado a vitória
não ocupa o papel principal; no “ganhar a qualquer preço” o jogo bem jogado passa
a um plano secundário. Boxill (id.) considera que isto é especialmente verdade
quando a vitória está associada a interesses pecuniários ou a qualquer outro propó-
sito exterior. Declara que um jogo bem jogado, esteticamente agradável, constitui
frequentemente o objectivo primordial e é sempre preferível ao “ganhar a qualquer
preço”. Para Boxill (1988) o desejo de vencer contribui até para elevar o carácter es-
tético do desporto (ao contrário de o diminuir): “Um jogo bem jogado agrada do
ponto de vista estético e só ocorre numa competição que envolva o desejo de ga-
nhar. Sem o desejo de ganhar existe uma falta de concentração que se repercute no
carácter artístico da performance.” (ibid., p. 515). Pensamos que ao desejo de ganhar
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contudo que, do seu ponto de vista, pode existir arte no desporto, citando como um
exemplo emblemático desta sua forma de pensar a Regata de Veneza.
Masterson (1983) sustenta uma posição mais assertiva, afirmando que se existe, de
facto, uma relação entre o desporto e as artes, então o drama (no sentido que tem
vindo a ser tomado, de peça ou composição teatral) é o parente mais próximo do
desporto. Para justificar a sua opinião Masterson procura suporte noutros autores.
Refere-se a Mumford (1966, cit. por Masterson, 1983) que entende que os espectá-
culos desportivos exibem elementos dramáticos, assim como a Maheu (1962, ibid.)
que descreve os aspectos emocionais do desporto e da arte dramática, e que rela-
ciona o envolvimento da audiência no teatro com a intensa empatia desenvolvida
entre os espectadores e os atletas no desporto. Menciona também Keenan (1975,
cit. por Masterson, 1983) que perspectiva as competições atléticas como formas sig-
nificativas de expressão humana, em que existe o envolvimento de tensão dramá-
tica; essa tensão advém do esforço dos atletas em ultrapassar as suas limitações,
assim como as dos outros. Masterson alude ainda a Kitchen (1966, ibid.) que afirma
que o drama e a tragédia desempenham um papel importante no desporto. Indica
uma série de autores próximos do teatro (Brook, Artaud, Stanislavski, Grotowski,
cit. por Masterson, 1983) que o perspectivam como uma forma particular de com-
preensão da realidade, como parte dessa mesma realidade, como um encontro vivo,
espontâneo e criativo entre o actor e a audiência, determinado pela performance dis-
ciplinada, sincera e autêntica do actor, sendo que o principal material que utiliza é
o seu corpo, que tem que ser treinado para obedecer. Masterson (1983) reconhece
aqui um forte ponto de convergência entre o teatro e o desporto, que complementa
com a perspectiva daqueles que descrevem o teatro e a arte de representar como
um veículo que permite emergirmos de nós próprios e preenchermo-nos, e com a
visão dos que enfatizam a relevância do desporto na compreensão do eu e da indi-
vidualidade única de cada um. Para Masterson (ibid.) é através do conhecimento de
si próprio, através duma actividade cujo instrumento é o corpo, que o desporto e o
teatro se relacionam de forma muito próxima. Um outro meio de expressão em que
o artista usa o seu corpo como o instrumento para a produção da obra é a perfor-
mance art, que Masterson (1983) situa também na fronteira do desporto. O uso do
corpo como um instrumento é assim comum ao teatro, à performance art e ao des-
porto, sendo que cada actividade proporciona um meio que encoraja os seus parti-
cipantes a descobrir as suas capacidades e limitações, favorecendo um melhor
conhecimento de si próprios (Masterson, 1983).
Deste modo, Masterson (1983) sustenta que ao desporto cabe um lugar entre as
artes, na medida em que no desporto se podem produzir obras de arte: “(...) a acção
superlativa de um indivíduo, ou de um grupo de jogadores, resolvendo os problemas
impostos pelo desporto, em acordo com as regras e com a ética, estimulados pelo
drama, tensão, incerteza e humor da ocasião, pode dar lugar a exibições da habili-
dade humana ligadas a coragem, força de vontade, determinação e esforço, que
podem manifestar beleza e o sublime, criando assim arte no desporto.” (Masterson
e Gaskin, 1974, cit. por Masterson, 1983, p. 181). Para o autor, o material que se pre-
tende trabalhar até à maestria é o corpo e o seu movimento. Em seu entender, o
desportista tenta exceder as limitações físicas quando procura executar movimen-
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tos que batam records ou quando se esforça por realizar melhor do que na vez pre-
cedente - os desportistas treinam o seu corpo com estas finalidades. Quando o con-
seguem e o realizam com excelência, o público reconhece-o, e descreve o jogo, a
corrida, o golo ou o movimento como belos; outras vezes os espectadores reagem
de acordo com a energia, a força, o vigor da exibição, que se transforma em “poder
humano” (Masterson, 1983).
Wertz (1985a,1985b) é um outro autor que partilha a opinião de que o desporto
pode, em circunstâncias determinadas, ser considerado uma arte. Entende que de-
cidir se o desporto é, ou pode ser arte é um problema contingente, o que significa
que se torna necessário analisar os casos individualmente, não sendo possível a ge-
neralização. Wertz (1985a, 1985b, 1988) pensa que o desporto pode constituir um
meio artístico tão facilmente como o barro, a tinta ou as palavras, condicionando
este seu entendimento a dois aspectos fundamentais: o contexto e a intenção, que
constituem traços das acções, necessários para que lhes seja atribuído significado.
A posição de Wertz é muito concordante com as concepções mais actuais, na me-
dida em que a intenção do artista é muito valorizada na arte contemporânea, em
articulação com a sua interacção com o campo cultural onde se operam as avaliações
estéticas e os reconhecimentos sociais. Este autor pensa também que é necessário
atender às circunstâncias em que decorre a intencionalidade para podermos afirmar
que um evento é arte. Não concorda com a posição de algumas teorias descritivas
da arte que sustentam que a mera existência de intenções artísticas (com a ênfase
nas intenções) é suficiente para que um objecto ou actividade sejam considerados
como tal. Em seu entender, o adjectivo “artístico” precisa de contribuir com algo
para o significado da expressão “intenções artísticas”. Wertz partilha a opinião de
Montague (1971, cit. por Wertz, 1985a) de que o que é requerido é que o processo
de criação ou realização manifeste a manipulação intencional do sujeito (artista)
do seu meio, em acordo com conceitos estéticos. Não basta existir a intenção de rea-
lizar algo artístico, é necessário o controlo estético do meio – no caso do atleta o
meio é o seu corpo (Wertz, 1985a). Quando o desporto é arte as intenções reflectem
a manipulação consciente do meio, através de conceitos estéticos (ibid.). Wertz
(1985a) reporta-se ao estudo de um caso para dar consistência à sua argumentação:
a atleta de patinagem artística Peggy Fleming. Considera na patinagem artística
duas componentes: o ringue (que funciona como palco) e o corpo que desliza no
gelo (o corpo é o meio). Os exercícios realizados por aquela atleta eram marcados
por valorizações estéticas; eram rotinas que iam para além do físico ou atlético, pos-
suindo “algo” adicionado que conferia fluidez, graciosidade e coerência aos movi-
mentos (ibid.). O autor refere que antes de Peggy Fleming praticava-se um tipo de
patinagem artística (que consistia num evento atlético, orientado exclusivamente
pelos aspectos técnicos); depois de Fleming, que introduziu a patinagem estética,
este desporto transformou-se. As realizações desta atleta eram justamente descritas
como artísticas, exibindo ligação entre os movimentos, num continum, ou unidade,
inquebrável durante todo o exercício (Wertz, 1985a). Wertz afirma que Fleming e
outros patinadores poderiam não ter a intenção particular de criar arte, mas a per-
formance resultante era passível de ser classificada como tal, devido ao controlo es-
tético exercido através do meio em questão. Também Hyland (1990) se refere ao
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indevida, do termo conteúdo estético, que conduz a que pareça (erradamente) que a
estética é algo que se pode acrescentar ou subtrair. Hyland (1990) considera esta
chamada de atenção por parte de Best muito importante pois, em qualquer discus-
são acerca da relação entre arte e desporto, é fácil e tentador passar do reconheci-
mento de ingredientes estéticos no desporto para a afirmação que,
consequentemente, o desporto deve ser arte. Um outro factor que para Best (1988a)
contribui também para uma certa confusão relativamente a este assunto respeita à
falta de distinção entre duas formas em que o termo Estética é utilizado: a forma
avaliativa e a forma conceptual. Quando se afirma que determinado indivíduo é um
“atleta estético” está-se a fazer uso do termo na sua forma avaliativa (positiva), o
que o faz equivaler a gracioso ou esteticamente agradável. Mas o autor entende que
a forma conceptual é a que deve interessar a quem reflecte sobre a estética do des-
porto, pois é a que inclui o belo e o feio, o gracioso e o sem graça (desajeitado), o es-
teticamente interessante e desinteressante, o que evidencia, em nosso entender, a
importância do recurso a categorias estéticas.
Para o autor é fundamental que se esclareça o que é que distingue a estética de ou-
tras formas de consideração dos objectos, apontando como uma característica im-
portante a estética ser um conceito não funcional (non-functional) e não útil / não
propositivo (non-purposive). Para melhor ilustrar o seu entendimento, Best (1988a)
recorda que uma obra de arte quando é considerada do ponto de vista estético, não
é relacionada com nenhuma função ou propósito externo que possa eventualmente
servir (como por exemplo, ser um bom investimento financeiro).
Uma outra questão que Best (1988a) chama ao primeiro plano com vista a esclarecer
o conceito de estética é a de meios e fins. Na arte, ou duma forma mais geral na es-
tética, a distinção entre meios e fins não se aplica, ao contrário do que acontece no
desporto. O autor discorda da opinião de Anthony (1968, cit. por Best, 1988a) que
sustenta que o desporto é uma forma de arte, assim como da de Carlisle, (1969, ibid.)
que afirma ser a estética o conceito unificador de todas as actividades que recaem
sobre a designação de Educação Física. Para Best (1988a) a maioria dos desportos
assemelham-se a uma obra de arte quando considerada como um investimento, isto
é, quando existe uma finalidade que é independente da maneira como é atingida.
Pensa que em grande parte dos desportos a maneira de atingir o objectivo principal
é de reduzida significância desde que, evidentemente, os regulamentos da activi-
dade desportiva em causa sejam cumpridos. Best (ibid.) considera que o factor pri-
mordial e a marca evidente do sucesso manifestam-se, em muitos desportos, pelo
atingir de um fim específico e independente. Qualquer pormenor de uma obra de
arte é importante para a sua valorização estética, enquanto que quando julgamos
algo através dos meios que conduzem ao fim desejado, há aspectos concernentes
aos meios que são irrelevantes, ou existem mesmo meios alternativos para atingir
a mesma finalidade. O autor refere que enquanto a arte possui meios e fins que são
contínuos, no desporto eles são descontínuos. Entendemos que a diversidade de
meios existente no desporto, ao contrário de o desvalorizar esteticamente, pode
contribuir para a sua valorização. Essa diversidade pode ser relacionada com impro-
visação e com criatividade, aspectos importantes na arte, assim como no desporto.
Uma outra problemática equacionada por Best (1988a) refere-se à questão da forma
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e do conteúdo na arte. O autor explica que existe uma íntima e peculiar relação entre
a forma de um objecto apreciado esteticamente, isto é, o carácter particular de ex-
pressão, e o seu conteúdo, ou seja, o que o objecto expressa. Isto conduz a que em
arte não possa existir alteração na forma de expressão sem a correspondente alte-
ração no que é expressado. Nota que é verdade que o objectivo de um desporto não
pode ser atingido isolado das regras e normas que regem a modalidade: marcar um
golo em futebol não se reduz à questão de colocar a bola dentro da baliza do adver-
sário, requer conformidade com os constrangimentos regulamentares. Contudo,
em contraste com uma obra de arte, dentro dos limites regulamentares existem
muitas formas de atingir o objectivo, isto é, marcar o golo (Best, 1988a).
Best (1988a) entende também que é necessário estabelecer diferenças quanto à im-
portância relativa da estética nos vários tipos de actividades desportivas. Por um
lado, existe um grupo alargado de desportos que designa por desportos propositivos
(purposive sports) em que a estética é pouco importante, ocorre de forma acidental,
podendo ser considerada como um sub-produto ou uma propriedade contingente
(Best, 1988b). Nesta categoria inclui desportos como o futebol, o atletismo ou o
squash. Considera que o propósito pode ser isolado da maneira como é atingido,
desde que conforme aos regulamentos. Contudo, certos movimentos, o jogo em si,
ou o espectáculo (performance) podem ser considerados do ponto de vista estético,
mas a estética não é central à actividade (ibid.). Afirma que neste tipo de desportos
o carácter da actividade é definido pelo propósito, que pode ser especificado de
modo independente, sendo a estética acidental, casual. Por outro lado, distingue
uma categoria de desportos diferente da anterior, na qual a finalidade não pode ser
isolada da estética. Para o autor estão neste caso, por exemplo, a natação sincroni-
zada, os trampolins, a ginástica, a patinagem artística e os saltos para a água. Designa
estes desportos por desportos estéticos (aesthetic sports) e, tal como o nome sugere,
a estética é-lhes inseparável (Best, 1988b). Afirma que, como nas artes, o seu pro-
pósito não pode ser dissociado da maneira de ser atingido; existe um fim intrínseco
que não pode ser identificado senão por recurso aos meios. A maneira como os mo-
vimentos apropriados são realizados não é acidental mas central à actividade des-
portiva. Saltar para a água não é sinónimo de atirar-se para a água; o objectivo não
é apenas que o atleta se atire de uma prancha para a água, mas a maneira como o faz
(Best, 1988a). Com efeito, há normas estéticas implícitas no termo “saltar para a
água”, o que conduz a que o salto não possa ser realizado de forma aleatória. Movi-
mentos desajeitados, descontrolados, sem graça, não podem fazer parte da tarefa
nem contribuir de maneira alguma para o seu sucesso. Assim, para Best (1988a), a
distinção é clara: um desporto propositivo é aquele em que, de acordo com as regras,
existe uma variedade indefinida de maneiras de atingir a finalidade; em contraste,
um desporto estético é aquele em que o propósito não pode ser especificado inde-
pendentemente da maneira de ser atingido. Para o autor não teria sentido, por
exemplo, dizer a um atleta de patinagem artística que não se preocupasse com a
forma como realizava os seus elementos, desde que atingisse o objectivo da patina-
gem; esse objectivo está inevitavelmente relacionado com a maneira como os mo-
vimentos são efectuados. Pelo contrário, já faria sentido incentivar uma equipa de
futebol a marcar golos sem se preocupar com a forma como esses golos fossem mar-
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cados. Se qualquer forma de se atirar para a água não cumpre com os requisitos dum
salto para a água, já qualquer forma de fazer entrar a bola na baliza adversária, den-
tro dos limites regulamentares, é considerada como golo, ainda que seja um golo de
sorte ou um golo marcado desajeitada e deselegantemente (ibid.). Para Best (1988a,
1988b) é importante, assim, realçar que o traço fundamental dos desportos estéti-
cos, o que os aproxima efectivamente da arte, consiste na quase identificação entre
meios e fins.
É exactamente esta característica que, do ponto de vista do autor, se evidencia, ou
é o fundamento também da apreciação estética dos desportos propositivos. De
facto, Best (ibid.) pensa que considerar esta categoria de desportos do ponto de vista
estético é reduzir o hiato entre meios e fins. Numa perspectiva puramente propo-
sitiva, qualquer forma de ganhar é válida, desde que de acordo com as regras, o que
já não basta quando o que está em causa são considerações estéticas (Best, 1988a,
1988b). O leque de possibilidades de atingir a finalidade de forma esteticamente sa-
tisfatória reduz-se, dado que o objectivo não é apenas ganhar, mas fazê-lo com o
máximo de eficiência e economia do esforço. Contudo o autor refere que a mais ele-
vada satisfação estética é experienciada pela observação do atleta que actua de
forma graciosa e económica mas que, igualmente, atinge o propósito do desporto
em causa: o jogador de ténis que executa um serviço eficaz com um estilo impecá-
vel, proporciona ao espectador maior satisfação estética do que se o falhar, com o
mesmo estilo impecável. A satisfação estética mais elevada requer portanto que a
acção seja direccionada para o fim em causa (Best, 1988a). A posição de Best relati-
vamente a este assunto satisfaz-nos bastante mas pensamos, no entanto, que o atin-
gir a finalidade de forma esteticamente satisfatória (para utilizarmos a expressão
do autor) não diminui o leque de possibilidades, antes o alarga. Ao entrarem em
jogo categorias como harmonia, ritmo, expressividade, criatividade, estilo, é au-
mentado o espectro de possibilidades de realização dos movimentos, o que contri-
bui para o enriquecimento das diferentes modalidades desportivas.
Best (1998a) reflecte também acerca do papel do contexto no sentimento estético
e realça dois aspectos que entende serem de grande importância no significado da
noção de experiência estética no desporto. O primeiro desses aspectos respeita a
que um movimento não pode ser considerado estético isoladamente, mas apenas
no contexto de uma acção particular inserida num desporto específico. Um gracioso
movimento de onda com o braço esquerdo pode ser muito efectivo em dança, mas
o mesmo movimento pode resultar feio e absurdo como parte da acção num serviço
de ténis, na medida em que diminui ou desvia a concentração do esforço da tarefa
específica (ibid.). Best (1989) considera que um movimento é esteticamente satis-
fatório apenas se, no contexto da acção como um todo, é visto como formando uma
estrutura uniforme que é tomada como o método mais económico e eficiente de
atingir o fim requerido. O segundo aspecto diz respeito à concepção, errada para
Best, de que os sentimentos funcionam como critério da qualidade estética, esta-
belecendo-se uma relação de dependência entre esta e aqueles. Esta falsa noção con-
siste em tomar o sentimento do performer ou o do espectador como o último árbitro
(Best, 1988a). Para o autor é importante não negligenciar que qualquer sentimento
só é inteligível se puder ser identificado pela sua manifestação característica em
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de obstáculos, o saber lidar com a pressão, etc. Best (1988a) refere que por exemplo
na pintura abstracta ou na dança pede-se muitas vezes que não se procure um sig-
nificado, mas que se apreciem simplesmente as linhas, as cores, o movimento, etc.
Faz notar, contudo, que é intrínseca à noção de arte a possibilidade de abordar temas
com relevância social, constituindo este, certamente, um factor crucial na maneira
como a arte tem influenciado a sociedade. Para Best (1988b) no desporto, mesmo
nas mais elevadas performances ou mesmo nos desportos estéticos, esta possibili-
dade não se constitui como um traço marcadamente presente, sendo que quando
surge, o seu carácter é extrínseco à actividade desportiva.
Best (1988b) argumenta contra as posições que defendem que porque a arte não
pode ser estrita e rigorosamente definida, qualquer objecto ou actividade podem
ser arte. Entende que se o termo se aplica a tudo não pode, significativamente, apli-
car-se a nada, deixando de ter sentido a existência da expressão arte. Só se existirem
algumas fronteiras, ainda que vagas e mutáveis, é que tem sentido a existência do
conceito de arte; afirmar que não há fronteiras, utilizando esse argumento para sus-
tentar que o desporto é arte, resulta na condenação que qualquer coisa o possa ser
(Best, ibid.).
Best (1988b) evidencia, contudo, que ao não considerar o desporto como uma arte
não lhe retira valor algum. Pelo contrário, o autor pensa que, julgado pelos critérios
da arte, o desporto seria considerado como uma arte pobre. Do seu ponto de vista,
há que julgar o desporto e os desportos pelos seus próprios padrões ou modelos, in-
cluindo os padrões estéticos (ibid.). Esta parece-nos ser, com efeito, a questão cen-
tral: a possibilidade de viver experiência estéticas e de emitir juízos estéticos
relativamente ao desporto.
Best alerta também para a utilização por parte de alguns autores (Anthony, 1968,
Reid, 1970, cit. por Best, 1988a) dos termos bonito e gracioso aplicados ao desporto,
no sentido de o aproximar da arte, o que para ele não passa, uma vez mais, de uma
indevida confusão de conceitos. Cita igualmente o caso de Lowe (1976, cit. por Best,
1988a) que evoca a beleza do desporto no sentido de o comparar às artes performa-
tivas, argumentando que beleza e os seus cognomes não implicam necessariamente
arte. Com efeito Best (1988b) entende que a beleza não garante o carácter de arte a
uma actividade, nomeando artistas como Munch e movimentos artísticos como o
dadaísmo, que no seu trabalho, de forma deliberada, desprezaram a beleza. Refere-
se ainda a Carlisle (1969, cit. por Best, 1988a) que aproxima da arte a patinagem ar-
tística, os saltos para a água, a ginástica e a natação sincronizada, por via dos critérios
estéticos que são aplicados à dança, discordando também deste ponto de vista. Su-
blinha, contudo, que apesar de não atribuir ao desporto, nem mesmo aos desportos
que designa por estéticos, o carácter de arte reconhece, em particular a estes últi-
mos, um elevado valor estético. Esta parece-nos que é a perspectiva mais profícua,
que permitirá avançar para além do impasse a que a definição das relações desporto-
arte acaba quase sempre por conduzir. O corpo humano, com o qual se realiza o mo-
vimento desportivo, não é certamente um objecto artístico, mas “(...) nas suas
estratégias de cooperação com o real, emerge como um objecto necessariamente
belo. Daí que o movimento utilizado para fazer desporto empreste a este último
essa mais-valia estética.” (Cunha e Silva, 1999, p. 60).
125
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Best (1988a, 1988b) menciona uma outra concepção, errada do seu ponto de vista,
respeitante aos termos dramático e trágico e às suas categorias (a que se fez alusão
no ponto anterior), que são aplicados de forma equívoca ao desporto pois, para ele,
não podem ser empregues noutros contextos com o mesmo sentido que o são na
arte. Afirma que em teatro, por exemplo, a tragédia acontece aos personagens de
ficção que estão a ser representados e não aos actores, isto é, às pessoas que dão vida
à representação. Em contraste, tragédia no desporto ocorre com os participantes,
com as pessoas reais que nele tomam parte (Best, ibid.). Para Best é claro que o ob-
jecto central da arte é um objecto imaginário, ao contrário do que se passa no des-
porto. Assim discorda de Reid (1970, cit. por Best, 1988a) que afirma que os
espectadores de desporto são o verdadeiro teatro dos nossos dias, de Carlisle (1969,
cit. por Best, 1988a) que sustenta que o cricket é uma forma de arte dramática e vi-
sual, de Kitchin (s.d., cit. por Best, 1988a) que se refere ao futebol como um drama
sem guião e de Keenan (1973, cit. por Best, 1988a) que declara que as provas de atle-
tismo, assim como outros desempenhos humanos, acarretam uma componente
dramática. Best (1988a) afirma que o sentido em que estes autores utilizam os ter-
mos trágico e dramático divergem do sentido em que são usados em arte: enquanto
um momento trágico em teatro representa um triunfo, uma marca de sucesso, um
momento trágico em desporto significa um fracasso para o atleta (mesmo que tenha
atingido esse momento de forma nobre e corajosa). Best (1988b) acrescenta ainda
que enquanto no teatro não é o carácter do actor que é mostrado mas sim o da per-
sonagem que o actor representa, no desporto é o carácter do atleta, da pessoa, que
é evidenciado. Em nosso entender há aqui dois aspectos a considerar: por um lado,
o termo dramático por referência a teatro, no sentido de uma representação o que,
em certa medida, também se passa no desporto que é, igualmente, uma represen-
tação. Por outro lado, dizer que o actor evidencia unicamente o carácter da perso-
nagem é limitador, pois este carácter está sempre condicionado e reflecte a
interpretação do actor; aquilo que se mostra e passa para o público não é impessoal,
está impregnado das características individuais e das possibilidades expressivas do
actor. Assim, parece-nos que é possível converter as divergências de Best em con-
vergências.
Best (1988a) refere-se ainda ao facto de as actividades desportivas e os movimen-
tos dos atletas serem um tema tratado na arte, por exemplo na pintura e na escul-
tura. Embora existam autores (nomeadamente Lowe, 1976, cit. por Best, 1988a)
que entendam este facto como mais um argumento a favor do desporto ser consi-
derado como arte, Best discorda, afirmando que apesar de o desporto poder cons-
tituir tema da arte, a arte não pode constituir tema do desporto; com efeito, falar
de tema em desporto não faz, para Best, qualquer sentido. O autor interroga-se se
a principal questão não será porque é que algumas pessoas estão tão fortemente
inclinadas em argumentar que os desportos são formas de arte? Best (1988a) de-
marca-se completamente da opinião que sustenta que esse facto elevaria o estatuto
de desporto. Subscrevemos este ponto de vista e até que, actualmente, o desporto
se manifesta como uma actividade com uma relevância cultural muito semelhante
à da arte, não necessitando da sua aproximação para que lhe seja atribuído reco-
nhecimento social.
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uma relação estética com o desporto e à sua apreciação. Em nosso entender, essa
capacidade para apreciar não tem que respeitar apenas ao desempenho do outro,
mas também ao desempenho próprio, do qual pode resultar prazer estético. Apren-
der a adoptar uma atitude estética em relação ao desporto, permite a focalização da
atenção em aspectos que não se prendem apenas com o produto da actividade
(como é muito comum por parte dos alunos no contexto escolar), mas que dizem
respeito sobretudo à qualidade do processo. Factores como a plástica do corpo em
movimento, a sua fluidez e harmonia, a qualidade técnica e táctica, o envolvimento
ambiental, os materiais utilizados, o vestuário e acessórios, as relações de coopera-
ção e oposição, etc., dizem respeito à apreciação do processo. Dotar os alunos da ca-
pacidade de considerarem estes aspectos, prende-se com educação estética pelo
desporto, educação essa que contribui para a estruturação da sua vida interior, pro-
movendo novas formas de sentir, conhecer e viver o desporto.
Na formação dos futuros professores de EF, procura evidenciar-se que em desportos
como a ginástica, por exemplo, o professor não deve centrar a sua actividade de en-
sino apenas nos aspectos funcionais/instrumentais da técnica, mas também nos as-
pectos estéticos, criando situações que potenciem a aprendizagem das habilidades
técnicas para a eficácia, que é, naturalmente, estética. Nos diferentes tipos de feed-
backs, há que destacar de igual modo a dimensão funcional e a dimensão estética.
Nas situações de avaliação, importa valorizar também os aspectos estéticos (que têm
que ter expressão na classificação), como a harmonia e fluidez de movimentos, o
equilíbrio na realização, a expressividade, a criatividade, a elegância, o estilo pessoal
(tão importante na expressão da singularidade de cada um). Estes aspectos, na edu-
cação estética pelo desporto, não podem estar desligados de outros como a utilização
de música nas aulas, a atenção dada ao estado e à aparência das instalações desporti-
vas e do material, às condições de iluminação, ao equipamento dos alunos. O papel
do professor é o de criar e cultivar a apetência para o prazer estético.
Nos jogos desportivos colectivos podemos falar em estética da técnica e da táctica,
que se expressa de múltiplas formas: no ritmo inerente à realização dos elementos
técnicos e do próprio jogo; na velocidade, qualidade e complexidade da organização
das jogadas, do ataque, do contra-ataque, da recuperação defensiva. Em todos estes
aspectos é possível apreciar a expressão e a plástica do corpo em movimento, pa-
tentes nas diferentes formas de locomoção, na variabilidade de posições assumidas
pelo corpo, na alternância entre tensão e relaxamento, no desenrolar de acções que
implicam constantes readaptações e combinações. Também nestes desportos a pro-
cura da chancela pessoal, de um estilo próprio, promove a manifestação do eu de
cada um. A apreciação do equilíbrio, ofensivo e defensivo, assim como do equilíbrio
na perspectiva biomecânica (que implica sinergia muscular e aparente ausência de
esforço visível), promovem igualmente a educação estética. Ainda a harmonia: de
movimentos, entre o corpo e a bola, o acordo entre os vários elementos da equipa,
a harmonia do todo, ou seja, do jogo. Até a perfeição, que num primeiro momento
se nos pode afigurar pertença do alto rendimento e não do nível de rendimento ca-
racterístico do desporto na escola, pode constituir uma categoria estética com um
potencial formativo importante, ao nível da correcção de movimentos, da adopção
de uma postura corporal adequada, da fidelidade a um determinado modelo de jogo,
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notas
1 Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP)
2 Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto (CIFI2D)
3 A autora realizou uma extensa revisão da literatura na sua tese de doutoramento (Lacerda, T., 2002,
Elementos para a construção de uma Estética do Desporto. FADEUP), que apresenta de forma resumida no
presente trabalho.
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livro:livro maputo 6/3/10 23:23 Page 133
Introdução
A temática Mulheres e Desporto e os Estudos de Género no desporto são relativa-
mente recentes em Portugal.
O despertar para estas temáticas, quer quanto objecto de investigação académica,
quer quanto objecto de problematização e intervenção cívica, remonta ao Congresso
Internacional Mulheres e Desporto, organizado pelo Movimento Democrático das Mu-
lheres, e realizado em Lisboa, em Novembro de1996. Este congresso, inspirado na
Declaração de Brighton (1994), documento desconsiderado pelas instâncias gover-
nativas em Portugal, e assim desconhecido ou ignorado no mundo do desporto, mo-
tivou congressistas para a discussão, a reflexão, a acção política em favor da
igualdade e da participação das mulheres no desporto a todos os níveis, funções e
esferas de competência, e para a investigação1;2.
Sendo, até então, uma problemática praticamente ignorada pelas instâncias públi-
cas e privadas, este congresso constituiu um momento marcante de reflexão e de
congregação de muitas vontades desportivas, já sensibilizadas para as desigualdades
entre homens e mulheres no desporto, mas sem mobilização para acções conjuntas.
A partir de então tais vontades materializaram-se, sobretudo, em duas vertentes:
na constituição da Associação Portuguesa Mulheres e Desporto (APMD3) e na mo-
bilização de um conjunto de docentes para a investigação desta temática na Facul-
dade de Desporto da Universidade do Porto (FADE.UP4)
O presente texto pretende, ainda que de forma sucinta, dar a conhecer trabalhos
desenvolvidos, quer pela FADE.UP, quer pela APMD.
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Entre estes dois marcos e após eles, temáticas usualmente investigadas na Educação
Física e Desporto foram sendo revisitadas através da dimensão de género, enquanto
categoria analítica, nomeadamente nos seguintes projectos:
Sucintamente, os resultados indicam que: (1) este modelo não é adequado e carac-
terizam-no como monótono, enfatizando a previsibilidade e repetição das matérias
(Botelho-Gomes et al., 200516) (2) a percepção das oportunidades de prática extra-
escolar é diferente para raparigas e para rapazes, sendo que o sexo feminino se re-
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cente mais da diferença de ofertas (Botelho-Gomes et al., 200517); (3) e (4) existe
ainda uma certa estereotipização de actividades físicas associadas ao género, e ati-
tudes e comportamentos sexistas nas aulas de Educação Física, que resultam em
relações de género problemáticas, percepcionadas e questionadas, fundamental-
mente pelas raparigas (Silva, Botelho-Gomes e Graça, 200518; Silva et al., 200619).
As iniquidades de género na aula de EF e sua monitorização (Silva, Botelho-
Gomes e Queirós, 200320) assim como as percepções de alunos e alunas acerca de
estereótipos de género foram também objecto de análise (Silva, Botelho-Gomes
e Queirós, 200421).
Nesta caminhada, investigaram-se ainda, por exemplo, as representações de género,
raça/etnia e de alunos/as com necessidades educativas especiais em manuais de edu-
cação física do 2º e 3º ciclos de ensino (Botelho-Gomes et al., 200822). Este estudo per-
mitiu verificar uma forte e consistente associação da educação física ao mundo
masculino, expressa pela hipervalorização do modelo masculino e sub-representação
da figura feminina nos manuais; e ainda uma acentuadíssima associação de maior
parte dos conteúdos aos rapazes. Os manuais transmitem, e assim perpetuam, este-
reótipos de género. Isto é: os manuais não contribuem para a alteração da narrativa
hegemónica do desporto (apesar do mundo real a desmentir): ‘varões’, ‘brancos’ e
‘perfeitos’, contrariando uma educação na cidadania, a socialização de rapazes e ra-
parigas em contexto escolar e a formação desportivo-corporal de todos/as.
A Educação Física, enquanto espaço de reafirmação de uma masculinidade hegemó-
nica, ficou bem retratada no estudo de Silva et al. (2008)23, onde se constatou, nomea-
damente, a presença, em discentes e docentes, de crenças que condicionam as
práticas desportivas ao género, e sinais muito claros de um ambiente homofóbico no
desenvolvimento de actividades desportivas. Estes sinais parecem resultar de ideo-
logias e visões estereotipadas que determinam quais as práticas desportivas não ade-
quadas aos rapazes, na salvaguarda da esperada e normativa heterossexualidade.
Docentes foram questionados acerca das relações de género nas classes de EF e
como concebem a organização das actividades em grupos mistos (Botelho-Gomes
et al., 200424). Os/as docentes consideram que as relações de género dependem fun-
damentalmente do conteúdo a ensinar/aprender; valorizam o trabalho em grupos
mistos; e afirmam que o curriculum de EF favorece maioritariamente os rapazes.
Estes exemplos sumários de estudos e respectivas conclusões convidam a uma re-
flexão muito séria acerca da importância da dimensão de género na formação de
docentes, de outros técnicos e dirigentes do desporto e sobre a orientação curricular
perfilhada em muitos países da União Europeia, nomeadamente em Portugal.
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pean Women and Sport (EWS); International Association of Physical Education and
Sport for Girls and Women (IAPESGW); International Working Group – Groupe Inter-
national de Travail (IWG-GIT) e Women Sport International (WSI).
A nível nacional, tem desenvolvido colaborações com a Associação Portuguesa de Es-
tudos sobre Mulheres, com a Confederação do Desporto de Portugal e Comité Olím-
pico de Portugal e com a Confederação Portuguesa das Associações de Treinadores.
A Associação, ao longo dos seus parcos dez anos de vida, participou em fóruns27, ci-
meiras, acções de formação, conferência, e colóquios relacionados com o seu âmbito
de intervenção e fez-se representar na Comissão de Educação, Ciência e Cultura /
Subcomissão de Juventude e Desporto, para expor o seu parecer sobre a proposta
da lei-quadro do desporto (2004).
A produção editorial tem sido uma das suas áreas de intervenção e de divulgação,
onde se destacam os seguintes livros:
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Nota conclusiva
Enquanto que no panorama internacional, tanto no domínio da investigação como
no domínio do labor das organizações não governamentais (ONG), ainda que usu-
fruindo de apoios públicos ou com parcerias com intuições desportivas, a matéria
das mulheres e desporto e os estudos de género no desporto, já são alvo de anos e
anos de interesse e trabalho sistemático, em Portugal este caminho é ainda recente
e atulhado de uma cultura organizacional conservadora e machista.
Por parte dos poderes públicos, designadamente da tutela do desporto, existe
grande insensibilidade para as discriminações e desigualdade de oportunidades
entre homens e mulheres no desporto. Ainda que no plano legislativo tenham feito
alusões a esta matéria, no plano operacional não existe qualquer directriz, qualquer
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Notas
1 Cf., Carvalho, Maria José; Cruz, Isabel. (2007). Mulheres e Desporto. Declarações e recomendações in-
ternacionais. Queijas: APMD.
2 Cf., Carvalho, Maria José; Silva, Paula. (2007). Pela igualdade no desporto: dez anos de intervenção da
Associação Portuguesa Mulheres e Desporto. ex æquo, 16, pp. 55-65.
3 www.mulheresdesporto.org.pt
4 www.fade.up.pt
5 Amâncio, Lígia (2003). O feminismo é um projecto mas também um método.... In: Notícias da Amadora,
edição 1526.
6 Carmo, Isabel; Amâncio, Lígia. (2004). Vozes Insubmissas: a história das mulheres e dos homens que lutaram
pela igualdade dos sexos quando era crime fazê-lo. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
7 Hall, Ann (1990). How should theorize gender in the context of sport? In: Messner, M. A.; Sabo, D.F.
(Eds.), Sport, Men and the Gender Order. Critical Feminist Perspectives. Champaign, IL: Human Kinetics,
pp. 223-240.
8 Hall, Ann (1996). The «Doing» of Feminist Research. In: HALL, A. (Ed.), Feminism and Sporting Bodies.
Champaign Il: Human Kinetics, pp. 69-87.
9 Silva, Paula; Botelho-Gomes, Paula; Graça, Amândio; Queirós, Paula (2005). Acerca do Debate Meto-
dológico na Investigação Feminista. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 5, (3), pp. 358-370.
10 Silva, Paula; Botelho-Gomes, Paula; Queirós, Paula (2006). Educação Física, Desporto e Género: o ca-
minho percorrido na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (Portugal). Movimento, 12 (1),
pp.31-58.
11 Considera-se como ‘primeiro ensaio’ na temática: Botelho-Gomes, Paula. Género, Coeducação e Edu-
cação Física. Implicações pedagógico-didácticas. In: Botelho-Gomes, P.; Graça, A. (Eds.), Educação Física
na Escola – Novos desafios, diferentes soluções. Porto: Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Fí-
sica da Universidade do Porto, 9-21, 2001.
12 Ferraz, Goreti (2002). Dissertação de Mestrado. Porto: FCDEF-UP.
13 Silva, Paula (2005).Tese de Doutoramento. Porto: FCDEF-UP. Com este trabalho, a autora recebeu o
Prémio Mulher Investigação Carolina Micaëllis de Vasconcellos, 2006 (in ex-aequo).
14 Botelho-Gomes, Paula; Graça, Amândio; Silva, Paula. Projecto financiado pelo Instituto de Inovação
Educacional – 2002/03.
15 Botelho-Gomes, Paula; Silva, Paula; Graça, Amândio; Queirós, Paula. Projecto Financiado pelo Instituto
do Desporto de Portugal – 2005/06.
16 Botelho-Gomes, Paula; Silva, Paula; Graça, Amândio; Queirós, Paula (2005). What about the physical
education curriculum? The students’ views of secondary school PE. In 10 Annual Congress European Col-
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17 Botelho-Gomes, Paula; Graça, Amândio; Silva, Paula; Queirós, Paula (2005). Opportunités de Pratique
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18 Silva, Paula; Botelho-Gomes, Paula; Graça, Amândio. (2005). Estudo dos preconceitos de alunos e alu-
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23 Silva, Paula; Botelho–Gomes, Paula; Goellner, Silvana. (2008). Educação Física no sistema educativo
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24 Botelho-Gomes, Paula.; Silva, Paula.; Queirós, Paula.; Graça, Amândio. (2004). Teacher’s Perceptions
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classes. In 9th Annual Congress European College of Sport Science. Clermont Ferrand, CD-ROM.
25 Publicação dos estatutos conforme publicação do extracto dos estatutos no D. R. nº 72 de 26-3-1998,
p.6.560
26 Em 1998 este órgão denominava-se Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e para os Di-
reitos das Mulheres (CIDM), e actualmente intitula-se Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género
(CIG) http://www.cig.gov.pt/
27 Destacamdo-se o Fórum Educação para a Cidadania, iniciativa impulsionada pelo Ministério da Edu-
cação e pela Presidência do Conselho de Ministros, resultando uma publicação disponível em
http://www.dgidc.min-edu.pt/cidadania/Paginas/default.aspx
28 Botelho-Gomes, Paula; Silva, Paula; Queirós, Paula. Queijas: APMD.
29 Cruz, Isabel; Silva, Paula; Botelho-Gomes, Paula. Lisboa: CIDM, Colecção fio de ariana.
30 Cruz, Isabel; Botelho-Gomes, Paula (Coordenação). Queijas: APMD.
31 Carvalho, Maria José; Cruz, Isabel. Queijas: APMD.
32 Carvalho, Maria José; Cruz, Isabel. Queijas: APMD.
33 Botelho-Gomes, Paula; Silva, Paula; Cruz, Isabel. Queijas: APMD.
34 Silva, Paula; Cruz Isabel; Botelho-Gomes, Paula. Lisboa: Presidência do Conselho de Ministros, Co-
missão para a Cidadania e Igualdade de Género.
35 Resolução nº 184/2003, de 25 de Novembro
36http://www.mulheresdesporto.org.pt/APMD%20%201%BAs%20resultados%20do%20estudo%20diagn%F3sti
co%20TREINADORAS%20NOV-09.pdf
140
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1. Introdução
Ao longo das últimas décadas o estudo do desenvolvimento motor na infância tem
sido apontado como uma das prioridades para o avanço na proposição de modelos
que orientem tanto a prática da educação física escolar quanto a do esporte fora do
contexto da escola (Gabbard, 2008; Gallahue & Cleland, 2003). Esse crescente in-
teresse pelo estudo do desenvolvimento motor gera uma questão que vem intri-
gando os pesquisadores da área – Como assegurar a validade ecológica de nossas
pesquisas sobre o desenvolvimento motor?
A pesquisa em desenvolvimento motor e a intervenção profissional na área foram
discutidas recentemente em uma publicação de Corrêa (2008), numa coletânea
onde o autor reuniu artigos de diferentes estudiosos da área do comportamento
motor para se debater especificamente a questão da validade ecológica apontada no
parágrafo anterior. Estudo e pesquisa em desenvolvimento motor foi também o
tema da coletânea de organizada por Rodrigues, Saraiva, Barreiros e Vasconcelos
(2009). Esse assunto gerou, ainda, as publicações de Catela e Barreiros (2008), e Bar-
reiros, Cordovil e Cavalheiro (2007).
De acordo com Bronfenbrenner (1979), uma concepção ecológica de desenvolvi-
mento em contexto tem implicações diretas com o método e com o delineamento
da pesquisa. Embora ele entenda como desejável que a pesquisa não fique restrita
ao ambiente do laboratório, ele adverte que o simples fato de transferir o contexto
da investigação para uma ambiente natural não é suficiente para garantir a validade
ecológica da pesquisa. Ao fazer a sua definição para validade ecológica Bronfenbren-
ner salientou que ela se refere “à extensão na qual o ambiente experienciado pelos
sujeitos de uma investigação científica tem as propriedades que lhes são atribuídas
ou que o pesquisador assumiu que o ambiente tivesse” (p.29). Estudos considerados
com “pouca validade ecológica”, por exemplo, podem ser vistos como incompletos
no sentido de não levarem em conta a relação dinâmica do indivíduo e contexto
presente no desenvolvimento motor. Porém, em meio ao um contexto tão diversi-
ficado, o problema de se assegurar validade ecológica em estudos no desenvolvi-
mento motor persiste como um desafio à pesquisadores.
Inerente à pesquisa em desenvolvimento motor está a questão de quais paradigmas
teóricos dão suporte a esses delineamentos de pesquisa. Gabbard (2008) analisa as
perspectivas teóricas subjacentes às pesquisas em desenvolvimento motor, e sa-
141
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lienta que nos anos recentes, visões mais abrangentes e explanatórias das mudanças
desenvolvimentais têm sido usadas. Esse autor enfatiza que “essas teorias conside-
ram o contexto ambiental nos quais o desenvolvimento ocorre, e tentam explicar
os mecanismos e processos responsáveis pelas mudanças” (p. 22). Gabbard comenta,
também, que essas novas teorias buscam oferecer explicações mais compreensivas
entre a interação dinâmica do organismo e ambiente, especificando relações que
influenciam o desenvolvimento motor.
Ao examinar as mais recentes abordagens teóricas ao estudo do desenvolvimento,
Gabbard (2008) usou o seguinte critério para apresentá-las. Inicialmente ele discu-
tiu as abordagens que davam destaque aos sistemas ambientais, e colocou nesse
grupo a teoria dos sistemas ecológicos, de Bronfenbrenner, e a perspectiva ecológica de
Gibson (1986). A seguir, ele discutiu as abordagens que enfatizavam os sistemas
biológicos, quando ele destacou o modelo do processamento de informação, a pers-
pectiva das estruturas coordenativas, a teoria dos sistemas dinâmicos e a teoria da sele-
ção de grupos neuronais. No terceiro grupo ele colocou o modelo dos “constraints”, de
Newell (1986).
Não é a proposta deste ensaio a análise e discussão de todas as abordagens teóricas
destacadas por Gabbard, no parágrafo anterior. Assim, nos limitaremos a mostrar,
inicialmente, a evolução do modelo teórico de Bronfenbrenner, desde sua proposi-
ção da Ecologia do Desenvolvimento Humano (1979), até à conclusão de sua teoria Bio-
ecológica do Desenvolvimento Humano, (2005, 2006). Após essa primeira etapa,
pretendemos mostrar as possibilidades de se usar o modelo Processo-Pessoa-
Contexto-Tempo (PPCT), de Bronfenbrenner, para se delinear pesquisas de desen-
volvimento motor em contexto e, assim, visar perspectivas que lhes assegurem
validade ecológica.
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A segunda parte do livro foi denominada como Criando crianças na América: passado,
presente e futuro. Essa segunda parte começa com uma severa crítica ao modo como
as crianças são criadas nos Estados Unidos, e para enfatizar essa crítica o autor usa
a expressão desconstrução da criança americana. Nessa desconstrução estão enfati-
zados a urbanização das cidades e os impactos da televisão. Bronfenbrenner enfa-
tiza, também, princípios e possibilidades de se melhorar as condições para o
desenvolvimento das crianças, e salienta a necessidade de se avançar das ciências
para as ações sociais. Ele conclui sua obra com a seguinte constatação:
143
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vive; como este processo é afetado pelas relações entre esses ambientes, e pelos con-
textos maiores nos quais os ambientes estão inseridos. (p.21)
O livro está dividido em quatro partes. A primeira faz uma introdução à orientação
ecológica e define os conceitos básicos dessa abordagem. A segunda é dedicada a ex-
plicar os elementos dos ambientes onde a pessoa em desenvolvimento participa
ativamente, e esses ambientes são denominados como microssistemas. Na terceira
parte Bronfenbrenner analisa diferentes tipos de microssistemas, e enfatiza o la-
boratório como um contexto ecológico, apontando as características que afetam o
desenvolvimento da criança nos diferentes tipos de instituições, tais como orfana-
tos, creches, e pré-escola. Na quarta parte o autor discute as implicações do mesos-
sistema, do exossistema e do macrossistema.
Na década de oitenta Bronfenbrenner esteve envolvido em uma série de temas
sobre desenvolvimento humano, que resultaram em uma quantidade de artigos e
dois capítulos em livros. No entanto ele não abordava explicitamente o seu modelo
teórico com os quatro níveis do contexto, microssistema, mesossistema, exossis-
tema e macrossistema:
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Ironicamente, tendo feito a crítica, eu devo agora admitir que ela também se apli-
que aos meus escritos. Qualquer pessoa que se dê o trabalho de examinar o meu
livro The Ecology of Human Development (Bronfenbrenner, 1979) irá descobrir
que ele tem muito mais coisas ditas a respeito da natureza e contribuição desen-
volvimental do ambiente do que a respeito do organismo ele próprio. (p. 89)
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obra de Kurt Lewin, que desenvolveu uma equação para explicar o Comportamento
como uma função conjunta de Pessoa e Ambiente. Bronfenbrenner substituiu o
fator Comportamento pelo fator desenvolvimento e apresentou a seguinte fórmula:
D = f (PE). Nesse capítulo ele novamente retoma a questão dos modelos de pesquisa,
e usa dados disponíveis em estudos de outros pesquisadores para acentuar a dife-
rença entre os “modelos teóricos de classe” e os modelos “teóricos de campo”. Bron-
fenbrenner destaca a superioridade do modelo “Processo Pessoa Contexto” sobre
os demais, apontando uma lacuna nesse tipo de modelo. “O elemento ausente é o
mesmo que foi omitido na fórmula original de Lewin, a dimensão tempo” (1992,
p. 201). Para complementar essa lacuna, ele recomendou a utilização do modelo que
ele denominou como cronossistema:
O outro fato marcante nessa década de noventa é a publicação em 1995, de seus dois
capítulos no livro de Moen, Elder e Lüscher. No primeiro capítulo Bronfenbrenner
faz uma análise de seu modelo teórico a partir de uma reflexão sobre a sua própria
história de vida, e denomina a si próprio como “um observador participante”. No
segundo capítulo ele apresenta as perspectivas futuras da ecologia desenvolvimen-
tal. É nesse capítulo que ele propõe formalmente o Modelo Bioecológico, composto
de seus quatro elementos: Processo, Pessoa, Contexto e Tempo. Ele também atualiza o
seu conceito para desenvolvimento humano:
Nesse segundo capítulo o autor explica de uma forma bastante clara, as caracterís-
ticas da pessoa no modelo PPCT. Inicialmente ele identifica dois tipos de caracterís-
ticas pessoais, que são importantes para o desenvolvimento do ser humano. As
primeiras são “as medidas já familiares de habilidade, aquisição, temperamento e
personalidade, medidas tipicamente pelos testes psicológicos” (1995, p. 634). Essas
características foram denominadas como recursos pessoais ou responsabilidades. O
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147
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A razão para este paradoxo é que a ciência psicológica tomou a física como o seu
modelo, e a física busca descobrir princípios universais: aqueles que se aplicam a
todos os fenômenos físicos, através do tempo e do espaço. Mas os seres humanos,
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4. Considerações finais
O modelo bioecológico de Bronfenbrenner abordado nesse capítulo é diretamente
relacionado a umas das questões principais que pesquisadores no desenvolvimento
motor encaram em seus estudos – “Como assegurar a validade ecológica de pesqui-
sas sobre o desenvolvimento motor?” Os conceitos apresentados apresentam pos-
sibilidades de incluir ou aumentar validade ecológica em estudos da área.
A descrição histórica da obra de Bronfenbrenner desde a sua concepção até o modelo
atual reflete as contradições, relações e interações que cercam o estudo do desen-
volvimento motor. Assegurar validade ecológica em pesquisas não é uma tarefa
fácil, devido à complexidade das relações e transformações dinâmicas entre o indi-
víduo e o ambiente. O modelo PPCT facilita o entendimento e dá a oportunidade a
pesquisadores de usar uma teoria que leva em consideração a importância dos as-
pectos fundamentais que promovem desenvolvimento.
Entender a teoria de Bronfenbrenner desde a sua concepção até o estado atual é parte
do entendimento do complexo e dinâmico processo que cerca o desenvolvimento
motor. Pesquisadores devem reunir esforços no sentido de incluir variáveis contextuais
e ambientais que sejam fundamentais para a explicação de mudanças no comporta-
mento motor. O modelo PPCT mostra alguns exemplos de como buscar e separar va-
riáveis influentes. Com alguns esforços, será possível se delinear futuras pesquisas em
desenvolvimento motor que levem em conta os quatro fatores do modelo bioecológico,
e possibilitem não apenas a replicação dos estudos existentes, mas, principalmente,
gerar novas hipóteses alternativas para se investigar as continuidades e mudanças nas
características motoras da pessoa em desenvolvimento e as propriedades dinâmicas dos
contextos em que essa pessoa está direta ou indiretamente inserida.
150
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151
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1. Considerações iniciais
Há consenso de que a quantidade e a qualidade da prática são aspectos cruciais para
a aquisição de habilidades motoras. O que tem sido objeto de investigação são as es-
pecificações das quantidades e qualidades de prática que mais favorecem a aquisi-
ção. Nesse sentido as perguntas feitas têm sido, por exemplo: a qual regime de
prática submeter os aprendizes a fim de promover uma aprendizagem eficiente?
Qual é a quantidade de prática necessária à aprendizagem de habilidades motoras?
A prática refere-se ao envolvimento sistemático do aprendiz com a habilidade mo-
tora. Dada a sua abrangência, no campo da Aprendizagem Motora, ela tem sido in-
vestigada em relação a diversos fatores, tais como: (a) tipo, metal e/ou física; (b)
organização, distribuída e/ou maciça (Lee & Wishart, 2005); (c) do todo e/ou das
partes (Corrêa, Silva & Paroli, 2004); e, (d) em relação à estrutura, variada (aleatória,
em blocos) e/ou constante (Corrêa, 2006).
O presente capítulo traz algumas reflexões e proposições baseadas em um conjunto
de pesquisas relativas a este último aspecto, a estrutura de prática. Nas referidas
pesquisas, a aprendizagem de habilidades motoras é abordada como processo adap-
tativo, isto é, como um processo contínuo que compreende a reorganização de ha-
bilidades motoras. Nesse contexto, a aprendizagem de habilidades motoras tem sido
concebida como envolvendo as fases de estabilização (funcional; formação de es-
trutura/padrão) e adaptação (reorganização da estrutura formada) (Choshi, 2000;
Tani, 2005). Especificamente, no presente capítulo, considerando as conclusões
desses estudos, são propostas a existência de quantidade e estrutura de prática óti-
mas para a promoção da aquisição de habilidades motoras.
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Por fim, esses aspectos, quantidade mínima de prática e desempenho critério re-
metem a dois dos principais aspectos manipulados na intervenção profissional em
educação física e esporte. Eles implicam, também, na existência de uma referência,
ao se pensar sobre o que é aprendizagem e/ou quando se considera que uma habili-
dade motora foi aprendida.
157
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Nota
1 Tema desenvolvido por ocasião do I Encontro Paulista de Comportamento Motor - EACH – USP (Corrêa,
2009).
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1. Introdução
No processo de ensino-aprendizagem nos jogos desportivos colectivos (JDC) é
comum verificar na estrutura de um treino de jovens, a exercitação de um conjunto
amplo e variado de diferentes habilidades motoras. De igual modo, é usual observar
que os jovens jogadores exercitam essa habilidade durante um certo tempo, depois
passa para outra habilidade e assim sucessivamente. O que está inerente a esta
forma de actuar, é o facto de se pensar que executando um determinado número
de repetições dessa habilidade, isso será suficiente para os jogadores alcançarem
um bom nível de domínio das mesmas. No entanto, o que podemos verificar, em
muitos casos, é que quando esses jovens passam à prática do jogo real, eles não con-
seguem aplicar essas habilidades no contexto do jogo, uma vez que elas não estão
devidamente adquiridas. Também, é usual ouvir comentários de treinadores em
que manifestam a sua surpresa pelo facto de observarem uma diferença na perfor-
mance da sua equipa dos treinos para os jogos. Que razões poderão contribuir para
tal, i.e., o que estará a efectuar no treino que contribua para não conseguir repro-
duzir o mesmo na competição? Esta constatação, leva-nos a questionar a possibili-
dade de este tipo de processo, baseado exclusivamente nas repetições dos gestos
técnicos e com particular incidência no estágio inicial da aprendizagem, ser o mais
indicado para os jovens jogadores poderem fazer a transposição das habilidades para
o seu desempenho no jogo.
Um dos aspectos mais significativos na formação de jogadores nos JDC, tem a ver
com a aprendizagem e aquisição das habilidades motoras do jogo. Integrados num
processo de formação mal orientado, teremos jovens com insuficiente qualidade
no desempenho das suas habilidades e, por conseguinte, no rendimento do jogo.
Para Druckman e Bjork (1991) citados por Schmidt e Wrisberg (2001) “a eficácia de
um programa de treino deveria ser medida não pela velocidade de aquisição de uma
tarefa durante o treino ou pelo nível de performance alcançado no final do treino,
mas pelo desempenho dos aprendizes nas tarefas pós-treino e situações do mundo
real que são o alvo do treino” .
Uma aprendizagem “tradicional” dos JDC, significa ensinar aos jovens os gestos téc-
nicos da respectiva modalidade desportiva e em impor a ordem no campo, através
da repartição formal dos jogadores. Contudo, é importante lembrar que a dinâmica
relacional do jogo nos JDC, resulta da existência simultânea de cooperação e oposi-
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ção, pelo que enquanto uma equipa tenta coordenar as suas acções para atingir os
seus objectivos, a outra (oposição) tem como finalidade contrariar, perturbar, essa
intenção do adversário. Esta noção central de oposição leva-nos a considerar as duas
equipas como sistemas com diferentes níveis de organização. Assim, durante o jogo
a relação de forças e o seu equilíbrio entre as duas equipas pode ser quebrado mo-
mentaneamente através dos confrontos. Por isso, cada equipa tenta obter um de-
sequilíbrio favorável para alcançar o seu objectivo. Isto significa, que os jogadores
são confrontados com constrangimentos e situações imprevistas, pelo que têm ne-
cessidade de se adaptar a essas situações que mudam constantemente e que resul-
tam desse confronto. Deste modo, torna-se necessário que os jogadores possuam
habilidades com qualidade, que lhes permitam, em situações de jogo com alguma
complexidade, intervir com eficácia no desempenho das mesmas. Isto significa que
a aquisição das habilidades no processo de aprendizagem deve ter em conta esta rea-
lidade, pois quanto mais elevado for o nível de prática mais exigente se torna para
o jogador a necessidade de saber e executar com eficácia as suas habilidades. Por
isso, é fundamental que os jovens jogadores, durante o seu processo de formação,
sejam sujeitos a um modelo de ensino que lhes permita adquirir e desenvolver as
suas habilidades de forma adequada.
De acordo com Gréhaigne et al. (1999), este tipo de análise, que privilegia a oposição
e a “gestão da desordem” como fonte de todo o progresso, parece colocar em evi-
dência novos conceitos para um ensino renovado dos JDC. Vários estudos vêm con-
firmando esta realidade e propondo a mudança de concepção, na qual se presta cada
vez mais atenção ao tipo de aprendizagem que os jogadores realizam. Ou seja, cada
vez mais se pretende que o jogador compreenda (perceba) aquilo que aprende e não
seja unicamente um simples executor de acções que não entende, exercendo os
chamados “modelos compreensivos” um papel determinante.
160
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161
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1.
C9&$ ,(,8
:.1+5
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Fig. 1 –
Modelo
de
Ensino
dos Jogos para
a Compreensão (Bunker e Thorpe, 1982)
(()'.
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163
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uma abordagem exclusivamente técnica, o jogador fica sem saber para que serve
tudo aquilo que se lhe oferece. Isto não significa, de todo, que devemos abandonar
o ensino da técnica nos JDC ou que o modelo de ensino técnico não deva ser utili-
zado. O que pretendemos questionar é a sua utilização dominante e quase exclusiva
na fase inicial do processo ensino-aprendizagem nos JDC. O modelo técnico terá a
sua intervenção mais justificada quando do refinamento das habilidades motoras
na fase autónoma do jogador.
Por conseguinte, a abordagem táctica do ensino dos jogos coloca o jogador no centro
do processo ensino-aprendizagem se pretendermos adoptar realmente uma pro-
gressão construtivista (Gréhaigne e Godbout, 1995; Rink et al., 1996).
1º — O estágio cognitivo
A aprendizagem no estágio cognitivo ou inicial é centrada em determinar o que pre-
cisa de ser feito a fim de realizar a habilidade correctamente e com sucesso. Ques-
tões como “Como faço para pontuar neste jogo?” “Como deverei posicionar-me em
relação aos meus colegas”? são observadas neste estágio. Por conseguinte o reforço
da performance neste estágio envolve largamente o pensamento e planeamento
(cognição) ao contrário da prática motora efectiva.
Padrões de movimentos anteriores (desenvolvidos por outras habilidades) são en-
caixados de uma nova forma. Os desenvolvimentos da performance tendem a ser
164
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muito rápidos, mas os níveis da mesma variam substancialmente com novas estra-
tégias a serem julgadas e muitas vezes abandonadas. A execução do movimento é
muito inconsistente e os aspectos perceptivos e decisionais da performance são
ambos lentos.
Durante o estágio cognitivo, uma boa instrução e demonstração podem desenvol-
ver a performance mais rápido do que mesmo a prática de tarefas. O transfer da
aprendizagem para outras habilidades motoras é mais susceptível de ser positivo
neste estágio, e o treinador deve ser capaz de ajudar os jogadores a adquirir as habi-
lidades traçando paralelos entre as necessidades de novas tarefas e os desportos que
os jogadores já conhecem.
2º — O estágio associativo
O segundo estágio da aprendizagem começa quando o jogador decidiu pela melhor
forma de realizar a tarefa e centrar a atenção em cima do tempo de execução das
habilidades motoras. Os jogadores neste estágio intermédio da aprendizagem tor-
nam-se progressivamente tanto mais consistentes e precisos na realização de pa-
drões particulares de movimento e mais capazes de gerarem novas respostas de
movimento quando necessário.
O desenvolvimento do estágio associativo é tipicamente gradual, mas a performance
é marcadamente mais consistente do que na fase cognitiva. Neste estágio da apren-
dizagem, o treinador poderia progressivamente tornar a situação prática mais com-
plexa (p. ex., introduzindo jogadores opositores ou novas opções de jogo), para
ajudar os jogadores tornarem-se mais familiarizados com as exigências perceptivas
e decisionais da competição.
3º — Estágio Autónomo
Depois de uma prática longa, alguns, mas não todos, jogadores entram na fase au-
tónoma da aprendizagem, onde o controlo das habilidades motoras necessárias
torna-se praticamente automático. Neste estágio, o controlo dos movimentos
torna-se tão preciso e o desempenho tão consistente e preciso que os jogadores não
precisam mais manter a verificação do feedback sobre a forma como eles estão a exe-
cutar os seus movimentos. Isto permite-lhes deslocar a sua atenção para outras ta-
refas, como observar o movimento de outros jogadores.
Contudo, nos JDC a realização superior das acções de jogo reclama um domínio das
habilidades técnicas que possa dar suporte à concretização de uma “dupla tarefa”,
que se traduz na capacidade do praticante deslocar a atenção de uma tarefa motora
(por ex., drible) para uma tarefa cognitiva (por ex., analisar os deslocamentos dos
colegas durante a acção de jogo). Vankersschaver (1983), refere que a evolução nessa
dupla tarefa, ao nível das etapas de formação, é caracterizada pela passagem pro-
gressiva do controlo visual ao controlo quinestésico. Através do refinamento téc-
nico, o jogador efectua, progressivamente, a passagem da atenção centrada na
execução motora para os aspectos de ordem decisional. Ao prevalecer, na relação
com a bola, o controlo quinestésico, o jogador tecnicamente evoluído fica liberto
para efectuar a “leitura” das situações de jogo e, consequentemente, poder optar
pelas melhores soluções.
165
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3. Tipo de Prática
Vários estudos realizados em condições laboratoriais (Shea e Morgan, 1979; Lee e
Magill, 1983), no âmbito da Aprendizagem Motora, alicerçados na teoria da inter-
ferência contextual, têm vindo a demonstrar que a variação das condições de prática
favorece o processo de aprendizagem (Godinho et al., 1999). Neste âmbito, os estu-
dos de investigação testam dois tipos de organização da prática durante a aquisição
da tarefa: constante e variada. Por prática constante entende-se a prática da mesma
tarefa sempre nas mesmas condições de realização. A prática variada consiste na re-
petição de variantes da mesma tarefa em que os seus parâmetros foram relativa-
mente alterados, proporcionando variações em torno da mesma habilidade. É
frequente verificar-se melhor performance do grupo com prática constante na aqui-
sição e níveis de desempenho superiores do grupo com prática variada nos testes
de retenção e transfer. Ou seja, a variabilidade das condições de prática (Fig.3) produz
efeitos negativos na aquisição (efeitos temporários), mas positivos na retenção e
transfer da aprendizagem (efeitos permanentes ou duradouros). Contudo as carac-
terísticas da tarefa motora ou o nível de desenvolvimento dos sujeitos, são aspectos
que parecem interferir com os efeitos atrás referidos. No entanto, Meira e Tani
(2001) não confirmaram o efeito da interferência contextual, quando se estendia a
quantidade de prática e admitem que ele não seja extensivo a todos os tipos de
aprendizagem”.
Uma das implicações mais importantes da investigação sobre a prática constante
diz respeito ao impacto das repetições dos movimentos na aprendizagem das habi-
lidades. O paradoxo da prática constante é que produz desempenho eficiente du-
rante o treino inicial, mas não cria aprendizagem duradoura. Os jogadores
conseguem um bom desempenho porque exercitam num ambiente estável e pre-
visível (o que é o oposto na maior parte das situações nos JDC, onde as habilidades
são de natureza aberta e de baixa organização) e como tal são capazes de sintonizar
bem os parâmetros do movimento de uma tentativa para a seguinte.
Assim, exercitar de acordo com uma série de condições tarefas diferentes preparam
melhor os jogadores para lidar com as condições de uma nova tarefa do que aqueles
que praticam em condições imutáveis (constantes). Fornecer uma série de condi-
ções de prática diferenciadas parece ser particularmente importante no treino de
tomada de decisão em JDC onde a adaptabilidade é fundamental para o sucesso da
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Fig. 3 – Efeitos na aprendizagem da
variabilidade das condições de prática
performance. Jogadores expert na tomada de decisão em JDC partilham essa carac-
terística como parte das suas
histórias
de práticas. Por isso, a variabilidade
que ob-
servamos no desporto,
necessita
também de uma variabilidade
na aprendizagem
(Ruiz Pérez, 1995; Schmidt, 1988). Os movimentos técnicos devem realizar-se em
com mudanças
situações para que o jogador compreenda quando e onde devem
levar a cabo determinada acção.
Se os jogadores têm de transferir muito do que eles aprenderam a partir da sessão
de treinos para a competição,
então a sessão de treinos deve imitar tão quanto pos-
sível a própria
modalidade
desportiva
(a competição).
Isto aplica-se
não só às com-
petências de execução do movimento, mas também às competências perceptivas
e decisionais. Praticar
e aprender
todas as competências
respectiva
da
modalidade
desportiva enquanto pratica o jogo (como ocorre na abordagem
ao ensino
das habi-
lidades nos jogos para a compreensão), parece ser uma melhor forma de aprender
do que a tradicional
abordagem de aprendizagem habilidades
das de forma isolada.
Experiências deprática variada, especialmente
durante os anos de formação, pare-
cem ter sido particularmente fundamentais para desenvolver aspectos da perfor-
mance em relação aos jogadores expert (Abernethy et al., 1998).
Daí existir um conjunto
de autores a reclamar da necessidade da aprendizagem
e
aquisição das habilidades serem realizadas de forma contextualizada (Graça., 1995,
2000; Gréhaigne et al., 1999; Temprado & Famose, 1999; Tavares, 2005; Tani et al.,
2006; Tani, 2008; Mesquita, 2008). Isto significa que o jogador deve aprender as
habilidades na presença de colegas e adversários para melhor compreender a razão
da aplicação dos seus movimentos, para além de proporcionar o recurso a outras va-
riações de movimento resultantes dos constrangimentos da situação. Por conse-
guinte, devemos ter presente da necessidade de o ensino da técnica nos JDC ser
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4. Considerações Finais
Aprendizagem e ensino sucedem-se ao mesmo tempo. Como a intenção é abordar
um ensino que produza aprendizagens significativas, devemos ter em conta os fac-
tores da aprendizagem que nos podem ajudar a elevar um ensino do jogo centrado
nos conhecimentos do jogador. De uma maneira geral, os padrões motores básicos
são relativamente fáceis de melhorar e refinar. Por um lado, a maturação, por outro,
a possibilidade de utilizá-los em diversos contextos, fazem deles os antecedentes
motores necessários para novas aprendizagens. Contudo a simples maturação não
deve ser a que condicione a aprendizagem e o ensino do jogo (pois não deve ficar
dependente da maturação do jovem para que se ensine).
Nesta perspectiva, no processo de aprendizagem, o que importa é conseguir apren-
dizagens motoras que podem ser aplicadas nos JDC, assim como sejam habilidades
mais ou menos efectivas, porque são acções que conduzem a colocar-se em posição
de vantagem perante os adversários e posteriormente realizar ou controlar algum
tipo de resposta. A questão é que é necessário que essa aprendizagem se produza no
contexto em que se vai aplicar.
Para os treinadores, o ensino compreensivo, do ponto de vista da aprendizagem mo-
tora, parece colocar uma dificuldade que não é fácil de resolver. O que ocorre quando
se coloca a um grupo de jovens jogadores uma situação táctica que não conseguem
solucionar porque não possuem ainda os meios (técnicas) que os ajudem a satisfazer
tal situação? Nesse contexto, o modelo de ensino utilizado tem uma importância
decisiva, pelo que deve utilizar o equilíbrio na exigência da técnica e da táctica em
cada momento do processo. Ou seja, o que desejamos é que os jogadores realizem
uma técnica com alto nível de exigência, pelo que se deve proporcionar um am-
biente táctico simples e vice-versa.
Um outro aspecto importante a considerar na aprendizagem das habilidades diz res-
peito à adaptação às mudanças que exigem padrões flexíveis de movimento. Se a
aprendizagem for totalmente dirigida, eliminando “liberdade” na escolha das res-
postas, a ênfase estará a ser dada apenas ao aspecto invariável da habilidade, cons-
tituindo para a formação de padrões de movimento estereotipados. No entanto, se
um excesso de liberdade for tolerado, será difícil adquirir a consistência necessária
para a realização do objectivo com experiência. Por isso, Tani et al. (2006), conside-
ram que se deve proporcionar liberdade na escolha de alternativas e encorajar os jo-
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1. Introdução
A adaptação do ser humano ao meio aquático (AMA) é, antes de mais, uma questão
de sobrevivência. Mais tarde ou mais cedo, com maior ou menor frequência, de
forma mais ou menos inusitada, qualquer pessoa acaba por contactar com o am-
biente aquático, seja ele natural (mares, rios, lagos,…) ou produzido pelo próprio
Homem (piscinas, tanques, represas,…). A capacidade de nele sobreviver vai depen-
der da quantidade e qualidade das adaptações até então adquiridas e do conheci-
mento que o sujeito tem deste meio. Neste contexto, a AMA é vista no seu sentido
mais lato: quanto melhor for a competência aquática de um indivíduo melhor será
a sua adaptação. Estará melhor adaptado à água o sujeito que nade todas as técnicas
padronizadas, parta e vire, jogue pólo aquático, salte e faça natação sincronizada,
entre outras competências não associadas a modalidades desportivas aquáticas. Em
sentido restrito, a AMA é vista como a primeira fase do ensino da natação ou de ou-
tras disciplinas aquáticas. Nesta fase procura-se resolver os problemas de equilíbrio,
respiração e propulsão que o “não-adaptado” sente e que decorrem das diferenças
existentes entre o meio terrestre e o meio aquático; procura-se ainda dotar o indi-
víduo de um conjunto de competências básicas que visam facilitar a aquisição de
competências mais complexas. Por exemplo, ensina-se o aluno a rodar no eixo
transverso com vista à futura aquisição das técnicas de viragem com rolamento.
Neste contexto, a AMA ultrapassa a importante relação do indivíduo com a sobre-
vivência no meio aquático, passando a ser olhada como pressuposto da aprendiza-
gem e, inclusivamente, do próprio rendimento desportivo futuro na natação.
O texto que a seguir se desenvolve está redigido de uma forma simples, usando uma
linguagem que se quer tão próxima possível da que se utiliza no bordo da piscina,
muitas vezes destituída de alguns dos formalismos que caracterizam a linguagem
científica. Foi intencional! E foi intencional porque reconhecemos ser, nos tempos
de hoje, difícil discutir estas questões apenas escorados na argumentação científica
e no discurso académico tradicional. De facto, se a natação é, de entre as modalida-
des desportivas, talvez a que evidencia mais exuberante desenvolvimento cientí-
fico, em muito devido ao efeito catalítico dos congressos mundiais da série
Biomechanics and Medicine in Swimming, a investigação em torno das questões pe-
dagógico didácticas tem sido escassa, se não virtualmente inexistente. Este artigo
pretende, neste contexto, ser uma espécie de grito, pelo menos no espaço da língua
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à força da gravidade, que atrai o corpo para o centro da terra e que é responsável
pelo facto desse corpo ter peso, na água há uma outra força a actuar sobre o corpo,
chamada força de impulsão hidrostática. A força de impulsão é a força que empurra
o corpo imerso para cima, na direcção da superfície, e é a resultante do efeito da
pressão hidrostática (força exercida pela água por unidade de superfície do corpo
imerso) que actua sobre o corpo, a qual é mais intensa nas zonas que estão a maior
profundidade. Esta força não é, contudo, normalmente suficiente para nos man-
termos à superfície com a face emersa, nomeadamente a boca e o nariz. Isso poderá
ocorrer nos bebés e nos idosos, especialmente nas senhoras, bem como nos obesos;
não tanto nos sujeitos adultos com composição corporal normal, sem sobrepeso. Se
o aluno ainda não conseguir sustentar-se na água, após a queda tenderá a emergir,
mas vai engolir e inspirar água e o afogamento ficará iminente, dando-se pouco
abaixo da interface entre o ar e a água.
Para melhor entender a emersão o aluno deve ser convidado a imergir em profun-
didade e a subir até à superfície ajudado pela força de impulsão. Podemos pedir-lhe
para descer a escada da piscina com apoio dos MS, para largar o bordo da piscina e se
impulsionar para o fundo, sentando-se, se conseguir, para descer agarrado a uma
vara, para descer juntamente com o professor ou impulsionado por ele. Mal o aluno
toque o fundo deve soltar-se de tudo a que estiver agarrado, dirigir o olhar para cima
e começar a subir, sentindo de que forma «algo» o empurra em direcção à superfície.
Se mover os MS e os MI, sobretudo de forma calma e convenientemente orientada,
sobe ainda mais rápido e mal se agarra ao bordo da piscina fica seguro. É natural que
o aluno sinta receio durante a realização destes exercícios, mas tal é absolutamente
natural e não devemos deixar de o incentivar para esta conquista tão importante.
A partir do momento em que o aluno já caminha na piscina para a frente, para trás
e para os lados, já molha a cara, abre os olhos e expira e já consegue imergir o corpo
todo até ao fundo da piscina, pode começar a saltar de pé, tendo o cuidado de melhor
se apoiar no bordo da piscina usando a flexão dos dedos dos pés.
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elas) atirou-se para dentro da água. Se não fosse o Sr. Marido [a autora do relato re-
fere-se ao seu próprio marido] atirar-se logo lá para dentro e trazê-la para fora, ela
tinha lá ficado e os pais nem sequer se tinham apercebido de nada.» (as expressões
a negrito foram propositadamente salientadas)
Sobre o relato anterior podem ser feitas duas importantes leituras: (i) nunca se deve
deixar uma criança sem vigilância próximo de volumes relevantes de água, mesmo
que a situação pareça «segura» e (ii) no ensino da natação, na fase inicial de AMA, a
utilização de braçadeiras, cintos ou outro material flutuador, além de retardar a
aquisição da autonomia aquática (tal como no bebé o uso do carrinho voador atrasa
a aquisição do andar), não permite que a criança aprenda que não sabe nadar, que
adquira a noção de risco. Tal como se depreende do relato, uma criança que sempre
vivenciou situações de flutuabilidade e segurança no meio aquático, sem nunca ter
percebido que tal capacidade lhe advinha das braçadeiras que sempre lhe foram co-
locadas, comporta-se como quem «sabe nadar». Esta criança nunca sentiu o seu
corpo a afundar-se na piscina, nunca teve necessidade de utilizar movimentos pro-
pulsivos que a dirigissem para a superfície (o simples esbracejar) e nunca tentou al-
cançar a parede ou outro apoio perto de si. Esta criança, além de se comportar como
quem «saber nadar», ou como se soubesse nadar, não tem o menor instinto de de-
fesa, de «auto-salvamento».
Em termos de ensino da natação, uma criança só adquire a noção de que se pode
afogar e de que necessita de fruir a água com respeito quando é confrontada com a
imersão completa da face, com a abertura dos olhos estando a face imersa e com o
salto de pé, imergindo e, posteriormente, recuperando a superfície.
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primeiro, que realizar expiração forçada e depois tem que adoptar a posição de me-
dusa só com o volume de ar residual. Se o aluno conseguir suportar a apneia expira-
tória vai sentir o seu corpo descer em direcção ao fundo da piscina, salvo nalguns
casos em que existe flutuabilidade positiva mesmo em apneia expiratória (bebés,
idosas, obesos,…).
2.7. ‘Deslize’
Um aluno que vai começar a aprender o deslize já tem, obrigatoriamente, a face bem
adaptada à água e é capaz de se colocar na posição horizontal. Também não revela
medos ou receios no contacto com a água.
Para ser capaz de deslizar o aluno tem que colocar um ou, se possível, ambos os MI
na parede e promover, depois, a extensão total do corpo. Inicialmente não será exi-
gida a posição hidrodinâmica, apesar de o aluno a dever conhecer (conf. 2.7.2). Nas
primeiras tentativas, o deslize pode ser realizado entre paredes (testa e lateral,
numa quina da piscina). Depois, deve começar a partir da parede testa e deslizar, o
mais possível, ao longo da pista. Nos primeiros deslizes pode permitir-se ao aluno
que se mantenha à superfície. Contudo, com o passar do tempo e à medida que ele
se torne mais competente, é necessário exigir que os deslizes ocorram sempre com
o corpo totalmente imerso.
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posterior e de baixas pressões, gradiente este que dá origem a uma força orientada
das altas para as baixas pressões (para trás) e de intensidade proporcional a esse gra-
diente de pressões e à área de corte do corpo que separa as referidas zonas de altas
e baixas pressões. É a esta força que se chama Arrasto de Pressão. Este tipo de arrasto
é o responsável pelo facto de não se dever elevar muito a cabeça quando se nada,
por exemplo. Elevando a cabeça, os MI tendem a afundar, criando muitos mais
zonas de estagnação e pontos de separação das partículas de água e aumentando o
arrasto de pressão. No deslize, se o aluno se deslocar com um bom alinhamento cor-
poral, em imersão, minimiza os pontos de estagnação e de separação e consegue
desloca-se a uma velocidade média superior, reduzindo a aceleração determinada
pelo arrasto hidrodinâmico.
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brincadeiras das crianças pelo varão de protecção da saída da escola em que as crian-
ças gostam de rodar. O aluno deve aprender a rodar com o corpo engrupado, para a
frente e para trás. A aquisição desta competência vai ser de grande valia na apren-
dizagem futura das viragens de rolamento. Também vai permitir ao aluno aprender
a retomar as suas referências em termos de orientação, depois de ter rodado na água,
uma competência importante para o auto-salvamento em caso de acidente aquá-
tico. Por exemplo, se o aluno alguma vez cair à piscina ou de um barco, mesmo de-
pois de duas ou três “cambalhotas”, saberá exactamente onde está.
Se estivermos a ensinar a nadar numa piscina de água rasa (com pé), podemos ajudar
o aluno a rodar. Numa piscina de água profunda (sem pé), podemos colocar o aluno
no bordo, na posição de grande flexão de MI (de “cócoras”), e ele terá de fazer as
“cambalhotas” deixando-se cair para a água e rodando.
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aluno estará pronto para novas aquisições. Podemos dizer que está adaptado ao meio
aquático. Não tem problemas em nadar sem óculos, sabe realizar respiração aquática
(inspiração aérea e expiração imersa), não precisa de braçadeiras ou flutuadores para
se manter à superfície, sabe colocar-se em posição hidrodinâmica, fazer “parafusos”
e dar “cambalhotas”.
Figura 1 – Entrada na
piscina, de cabeça, sem voo.
A entrada na água dá-se com as mãos em primeiro lugar e todo o corpo deve passar pelo
«buraco» aberto pelas mãos. Por fim, o aluno vai deslizar com o corpo em posição hidro-
dinâmica, a uma altura de cerca de 50 cm da superfície, habilidade que ele já aprendeu.
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3. Conclusão
O processo adaptativo ao meio aquático constitui a propedêutica do ensino das téc-
nicas de nadar, partir e virar. Pressupõe uma abordagem sequencial de conteúdos,
ordenados do mais simples para o mais complexo. Esta ordenação tem por base uma
fundamentação suportada na documentação técnica existente, na lógica e no co-
nhecimento didáctico, bem como nos princípios da mecânica de fluidos. Apesar de
carecer de validação científica, reune aceitação suficiente na comunidade técnica
e escora-se em vários anos de estudo, reflexão e experiência suportados pelas ciên-
cias do desporto. Assim é a proposta que aqui deixamos.
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Resumo
Genericamente, os propósitos desta pesquisa foram os seguintes: (1) identificar a influência de factores
genéticos e ambientais nos níveis de actividades físico-desportivas em famílias nucleares, (2) a possibi-
lidade de efeitos pleiotrópicos entre obesidade, sobrepeso e actividades físico-desportivas e (3) averiguar
a influência dos progenitores, estatuto sócio-económico, melhor amigo e professor de Educação Física
nos níveis de actividades físico-desportivas dos irmãos.
A amostra foi constituída por 1450 famílias (n=5800 sujeitos) de diferentes regiões do norte do país. A aci-
vidade físico-desportiva foi avaliada com o questionário de Baecke et al. (1982). Os procedimentos estatís-
ticos compreenderam: análise exploratória com o PEDSTATS, e agregação familiar com o HLM, e a pesquisa
de genética quantitativa com o modelo de componentes de variância implementado no software SOLAR.
Os principais resultados mostram os seguintes pontos: (1) a elevada qualidade da informação disponível;
(2) a presença de agregação familiar em todos os fenótipos considerados; (3) correlações baixas-a-moderadas
entre todos os fenótipos nos diferentes membros das famílias; (4) estimativas elevadas de heritabilidade
para os fenótipos relacionados com o desporto, e baixos-a-moderados para os outros fenótipos; (5) ausência
de efeitos pleiotrópicos entre índice de massa corporal e qualquer fenótipo marcador de actividades físico-
desportivas; (6) ausência de efeitos significativos do Prof. de Educação Física, e (7) um efeito saliente dos
amigos. Em suma, os resultados salientam a importância dos factores genéticos, dos amigos e da “irrele-
vância” do Prof. de Educação Física na variação populacional nos níveis de actividades físico-desportivas
de irmãos. Palavras-chave: factores genéticos, famílias, actividades físico-desportivas.
Abstract
The purposes of this study were: (1) to identify the importance of genetic and environmental factors in physical
activity of nuclear families, (2) the possibility of pleiotropic effects governing obesity, overweight and physical
activity, and (3) search for the influence of socioeconomic status, best friend, and physical education teacher in
physical activity of siblings. Sample size comprises 1450 nuclear families (n=5800 subjects) from different regions
of the north of Portugal. Physical activity was assessed with the Baecke et al (1982) questionnaire. Exploratory
data analysis was done with PEDSTATS, familial aggregation with HLM, and quantitative genetic analysis with
SOLAR. Main results show the following: (1) the high quality of all data; (2) the presence of familial aggregation
in all considered phenotypes; (3) low-to-moderate correlations among all family members in all phenotypes; (4)
high heritability estimates for sports related phenotypes, and low-to-moderate estimates to the other phenotypes;
(5) absence of pleiotropic effects among body mass index and all other physical activity related phenotypes; (6)
lack of relevant effect of physical education teacher, and (7) a high importance of peers (i.e., best friends). In sum,
these results show the importance of genetic factors in governing variation in physical activity phenotypes, as
well as the relevance of peers. Physical education teachers do not seem to influence to a substantial degree physical
activity of their students. Key-words: genetic factors, families, sport-physical activities.
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1. Introdução
Vivemos um tempo em que antropólogos físicos (Cordain et al., 1998), fisiologistas
de renome (Bar-Or & Rowland, 2004; Rowland, 2005; Willmore & Costill, 2004), e
especialistas em Saúde Pública (Andersen, 2003; Blair et al., 2001; Caspersen 1989;
Caspersen et al., 1985; 1998; Dishman et al., 2004) reclamam uma atenção redo-
brada para aspectos emergentes da Medicina Evolutiva face às ameaças de duas das
maiores epidemias da modernidade – a obesidade e o sedentarismo. As consequên-
cias são bem evidentes no aumento da prevalência das doenças crónico-degenera-
tivas e dos gastos esperados em medicação, apoio médico e hospitalar.
O homo sapiens sapiens transformou-se, num curto espaço de tempo (≈ 100-150
anos), naquilo que se designa por homo sedens, fortemente sensível aos mais varia-
dos factores de risco de doenças metabólicas (Dishman et al., 2004), que induzem
um aumento da prevalência da morbilidade e mortalidade (ver relatório do CDC,
1996), implicando uma redução drástica da qualidade de vida e fruição dos momen-
tos de recreação e lazer.
É um facto indesmentível que o ser humano possui uma estrutura biológica que im-
plica uma forte troca informacional com o ambiente, ao mesmo tempo que consome
energia para se manter vivo. Ora este consumo implica uma elevada funcionalidade
mecânica (i.e., a produção de trabalho) para que a “totalidade” dos sistemas e órgãos
funcione de modo altamente eficiente. Esta elevada funcionalidade desenvolveu-
se em épocas em que era caçador-recolector, mantendo-se em níveis elevados
mesmo quando inventou a agricultura (Cordain et al., 1998). O maior problema sur-
giu aquando da invenção de uma fortíssima tecnologia ligada à revolução industrial
e mais tarde à informatização, i.e., à robótica, e produção automática.
O consumo de energia total diário do ser humano organiza-se em três grandes ca-
tegorias: (i) o metabolismo de repouso que consome a maior parte da energia, ≈ 70%
dependendo do sexo e da quantidade de massa isenta de gordura; (ii) o efeito tér-
mico induzido pela ingestão de nutrientes, ≈ 10%; (iii) a actividade física (ActF) diá-
ria produzida voluntariamente pelos músculos esqueléticos, ≈ 20%. Destas
componentes, a que mostra uma maior variabilidade interindividual no seio de uma
qualquer população é a ActF. Conforme é bem evidente na Figura 1, o fenómeno
mais evidente em qualquer população de sujeitos aparentados, ou não, numa qual-
quer característica quantitativa é a da variação, qualquer que seja categorização da
ActF: ocupacional, de recreação, nas actividades domésticas, ou a sua manifestação
mais formal, organizada e culturalmente referenciada – o desporto.
Se nos conformarmos à noção que no seio de cada família se transmitem dois patri-
mónios fundamentais – o genético e o cultural, é de esperar a presença de um “pa-
drão” genérico de associação nos valores de ActF total entre sujeitos com diferentes
graus de parentesco, conforme mostramos na Figura 2, onde os valores de correlação
são significativamente maiores do que zero.
Estudar padrões de transmissão de características no seio de famílias nucleares, com
um grau razoável de extensão horizontal e vertical, tem sido um dos grandes pro-
pósitos da Genética Médica quando se pesquisam doenças raras, cujos modos de
transmissão seguem um padrão Mendeliano (sobre esta matéria consultar Rega-
teiro, 2003; Plomin et al., 2003). Contudo, é importante salientar que os fenótipos
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genéticos que estão na origem da variação e covarição entre familiares com níveis
distintos de parentesco. Os dois pontos seguintes procurarão traçar, sumariamente,
esta aventura.
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numa dada população, e que pode ser expressa por uma estatística designada por
heritabilidade (h2). Dito de modo bem simples, h2 significa o quanto da variação po-
pulacional na característica em causa pode ser atribuída a diferenças genéticas entre
sujeitos. Apresentar o valor desta estatística, da sua precisão e equivalência relati-
vamente a outros estudos, são tarefas muito relevantes.
A terceira etapa leva-nos mais longe reclamando DNA dos familiares. Trata-se de
realizar análises de Linkage com marcadores genéticos altamente polimórficos es-
palhados aleatoriamente no genoma com distâncias de cerca de 15-20 cM, tentando
identificar regiões cromossómicas (i.e., locais candidatos) que, com elevada proba-
bilidade, contêm genes que são responsáveis pela associação que existe entre mar-
cadores genéticos e a característica em causa. Esta etapa, altamente dispendiosa (na
casa dos 200.000 Euros) reclama, normalmente, amostras com uma extensão de
milhares de sujeitos.
A última etapa refere-se à possibilidade de utilizar um gene candidato que se pensa
ser responsável pela variação no fenótipo em estudo, e realizar um estudo de caso
controlo. Espera-se que para um dado genótipo, a frequência dos casos seja mais
elevada do que aquela que é de esperar por mero acaso. Esta etapa implica a geno-
tipagem de todos os sujeitos, casos e controlos, ou numa estratégia mais sofisticada
de association mapping, o que implica custos elevados de realização (também na
casa dos milhares de Euros).
É mais do que evidente que a presente pesquisa situa o seu olhar somente nas duas
primeiras etapas, consideradas fundamentais em todo o ciclo da EG. Sem sinais vi-
síveis e relevantes, não há qualquer sentido em realizar pesquisas altamente dis-
pendiosas de genética molecular.
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Em 1988, a mesma equipa (Perusse et al., 1988) coloca a sua atenção num grande
projecto nacional canadiano, e que amostrou cerca de 13.440 famílias, num total
de 34.363 sujeitos distribuídos por diferentes idades dos 7 aos 69 anos. O grande
propósito era investigar a presença de factores genéticos e culturalmente transmis-
síveis em famílias nucleares no que à sua aptidão física diz respeito.
A sua metodologia de análise é em tudo semelhante à do texto anterior, embora o
nível de sofisticação estatística seja mais elevado. Os fenótipos estudados referem-
se a características somáticas (da altura às componentes do somatótipo), e da apti-
dão física (PWC150, push-ups, força isométrica, …). Com base nos padrões de
correlação (baixos-a-moderados entre diferentes níveis geracionais na estrutura fa-
miliar), os autores formularam diferentes modelos que iam da transmissibilidade
genética e cultural dos dois progenitores, a que era específica e independente de
cada um. Os valores estimados de transmissibilidade variaram entre 27% e 48% para
todos os fenótipos.
Provavelmente, o primeiro estudo disponível na literatura internacional de realce
sobre actividade física em famílias é atribuído a Pérusse et al. (1989), cujo título é
bem esclarecedor: genetic and environmental influences on level of habitual physical
activity and exercise participation, e foi publicado na prestigiada revista - American
Journal of Epidemiology.
A partir do estudo das famílias francesas do Québec (Canadá), os autores recrutaram
375 famílias (≈ 1610 sujeitos), de que faziam parte 717 progenitores (43.2±5.2 anos)
e 893 filhos biológicos e adoptados (14.6±3.3 anos). O instrumento utilizado para
marcar a actividade física foi o questionário desenvolvido pela equipa e designado
por B3DPAR, baseado no auto-relato de 3 dias de todos os múltiplos de 15 minutos
nas mais diversas actividades minuciosamente descritas no questionário.
Com base num complexo processo de refinamento dos fenótipos utilizados, recor-
rendo a ajustamentos para a idade, sexo, idade x sexo, idade2, IMC, PWC150 e esta-
tuto sócio-económico, os autores utilizaram os resíduos normalizados para marcar
a ActF e a participação em exercício (e que correspondia a 5 vezes o metabolismo
de repouso). A análise estatística foi realizada a partir dos procedimentos da path
analysis dirigida para o campo da Epidemiologia Genética por Morton (1974) e Rao
et al. (1974; 1976), e que se encontram implementados no software BETA (Clonnin-
ger et al., 1979).
Os principais resultados salientaram as correlações de magnitude distinta entre fa-
miliares com grau distinto de parentesco. Por exemplo, nos níveis de ActF habitual,
o rMZ=0.72, rDZ=0.62, rirmãos=0.42, resposos=0.18, rpais-filhos=0.16. Na partici-
pação no exercício físico, os valores foram de rMZ=0.74, rDZ=0.76, rirmãos=0.34,
resposos=0.16, rpais-filhos=0.09. As estimativas dos factores transmissíveis para a
ActF habitual foram de ≈ 29% de efeitos genéticos, e de 0% na participação em exer-
cício! A maior fatia da variância total foi atribuída a factores não transmissíveis, si-
tuando-se entre 71% e 88%.
Depois de um interregno de cerca de 10 anos, os autores voltaram a dedicar a sua
atenção ao assunto, sob a mão de Simonen et al. (2002), e uma vez mais com a
mesma base de dados das famílias francófonas do Québec. Contudo, os fenótipos
utilizados para marcar a ActF foram distintos, embora baseados no B3DPAR, a que
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3. Propósitos da pesquisa
Os grandes objectivos desta pesquisa são os seguintes:
4. Metodologia
4.1. Amostra
Esta amostra é constituída por 1450 famílias (ntotal=5800 sujeitos) provenientes de
diferentes zonas do norte do país. As famílias foram contactadas pelos professores de
Educação Física dos filhos. Depois do consentimento escrito do encarregado de edu-
cação, do conselho executivo de cada escola e da Direcção Regional de Educação Norte
para realizar o estudo, foi enviado a cada agregado familiar um conjunto informativo
acerca dos propósitos da pesquisa, bem como de instruções adequadas para o preen-
chimento das informações requeridas. Passado um mês, cerca de 10% das famílias
foram re-contactadas para efectuar um re-teste da informação obtida, sendo que a
fiabilidade foi superior a 0.70 para todos os elementos do agregado familiar.
Estatísticas genéricas
Progenitores-descententes=5800 Masculino=2899
Irmandades=1450 Feminino=2900
Irmãs-irmãs=373 Média do tamanho do pedigree=2
Irmão-irmão=373 Tamanho do pedigree=4
Irmão-irmã=703
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4.3. Instrumento
O questionário utilizado na avaliação dos níveis de actividade física (AF) dos sujei-
tos foi o de Baecke et al., (1982). Este questionário é composto por 16 itens de res-
posta tipo Lickert, numa escala de 1 a 5 de ordem crescente de importância. Os itens
procuram estimar a actividade física total (AFT) através de três índices: actividade
física no tempo de escola/ trabalho (IAFET); actividade física no tempo dedicado ao
desporto (IAFD) e actividade física no tempo de recreação e lazer (IAFTL).
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(1) nível baixo – actividade que promove um consumo calórico médio de 0.76MJ/h
(ex: bowling, golfe, vela);
(2) nível médio - actividade que promove um consumo calórico médio de 1.26 MJ/h
(ex: badminton, ciclismo, dança, natação); e
(3) nível alto - actividade que promove um consumo calórico médio de 1.76MJ/h
(ex: boxe, futebol, remo).
A Actividade Física Total (AFT) corresponde ao somatório dos três índices anteriores,
em que AFT = AFET + AFD + AFTL.
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y = μ + Σ βjvij + gi + ei,
Ω = 2 Φσ2A + I σ2e.
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5. Resultados e Discussão
A análise e discussão dos resultados serão apresentadas sequencialmente face ao
enorme volume de dados, bem como à necessidade de entendermos melhor a im-
portância dos diferentes procedimentos estatísticos utilizados. Assim, a nossa se-
quência será a seguinte:
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PEDIGREE STRUCTURE
Individuals: 5800
Founders: 2900 founders, 2900 nonfounders
Gender: 2901 females, 2899 males
Families: 1450
Family Sizes
Average: 4.00 (4 to 4)
Distribution: 4 (100.0%), 0 (0.0%) and 1 (0.0%)
Generations
Average: 2.00 (2 to 2)
Distribution: 2 (100.0%), 0 (0.0%) and 1 (0.0%)
FEMALES:
[All Phenotypes] Min Max Mean Var SibCorr
Q13 2901 100.0% 1.000 5.000 3.404 0.782 0.175
Q14 2901 100.0% 1.000 5.000 3.260 0.710 0.095
Q16 2895 99.8% 1.000 5.000 3.329 1.353 0.393
Pdesp 2900 100.0% 0.000 1.000 0.248 0.187 0.346
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MALES:
[All Phenotypes] Min Max Mean Var SibCorr
Q13 2898 100.0% 1.000 5.000 3.353 0.724 0.156
Q14 2897 99.9% 1.000 5.000 3.119 0.794 0.136
Q16 2889 99.7% 1.000 5.000 3.228 1.617 0.268
Pdesp 2899 100.0% 0.000 1.000 0.426 0.245 0.335
ScoreD 1222 42.2% 0.030 14.570 4.015 7.768 0.385
Indice1 2899 100.0% 1.000 5.000 2.873 0.642 0.041
Indice2 2899 100.0% 0.750 5.000 2.289 0.557 0.437
indice3 2899 100.0% 1.000 4.750 2.802 0.338 0.185
IndiceT 2899 100.0% 3.750 12.500 7.964 1.459 0.285
Total 24401 93.5%
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COVARIATE STATISTICS
ALL DATA:
[All Phenotypes] Min Max Mean Var SibCorr
peso 5744 99.0% 22.000 130.000 64.916 213.217 0.183
altura 5548 95.7% 1.130 1.950 1.646 0.012 0.140
idade 5777 99.6% 6.000 78.000 30.398 225.397 0.131
IMC 5526 95.3% 11.730 41.210 23.689 16.882 0.224
age2 5777 99.6% 36.000 6084.000 1149.415 918977 0.114
age3 5777 99.6% 216.000 474552 49139 2746013994 0.102
agesex 5776 99.6% 6.000 128.000 45.327 739.996 0.111
Total 39925 98.3%
FEMALES:
[All Phenotypes] Min Max Mean Var SibCorr
peso 2876 99.1% 22.000 110.000 60.277 137.943 0.308
altura 2756 95.0% 1.130 1.860 1.601 0.006 0.242
idade 2890 99.6% 7.000 64.000 29.840 205.593 0.149
IMC 2744 94.6% 12.250 41.210 23.348 16.900 0.341
age2 2890 99.6% 49.000 4096.000 1095.956 800082 0.148
age3 2890 99.6% 343.000 262144 45368 2240377870 0.151
agesex 2889 99.6% 14.000 128.000 59.687 822.523 0.148
Total 19935 98.2%
MALES:
[All Phenotypes] Min Max Mean Var SibCorr
peso 2868 98.9% 22.000 130.000 69.569 245.531 0.228
altura 2792 96.3% 1.160 1.950 1.690 0.013 0.113
idade 2887 99.6% 6.000 78.000 30.957 244.676 0.133
IMC 2782 96.0% 11.730 40.120 24.026 16.642 0.276
age2 2887 99.6% 36.000 6084.000 1202.930 1032587 0.095
age3 2887 99.6% 216.000 474552 52915 3224626019 0.066
agesex 2887 99.6% 6.000 78.000 30.957 244.676 0.133
Total 19990 98.5%
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Cada diagrama de extremos e quartis corresponde a uma família (que tem 4 ele-
mentos). Como os sinais + (que correspondem à mediana) vão tendo valores cada
vez mais elevados, da família 1 à família 30, é evidente a presença de um “factor fa-
miliar” a governar este comportamento diferenciador das famílias, e que pode ser
de origem genética ou de herança cultural comum.
Por exemplo, a Figura 8 refere-se ao índice de actividade física total, onde é clara a
presença de um padrão diferenciador entre as famílias face ao comportamento as-
cendente da mediana.
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O número de respostas obtidas nas famílias nucleares não parece deixar lugar para
dúvidas, uma vez que as estimativas de heritabilidade se situam entre os 47 e os
99%, mesmo depois de ajustamentos para o sexo, idade, idadex*sexo, idade2. A va-
riância explicada por estas covariáveis é bem distinta – desde cerca de 1% até 20%.
Estamos diante de resultados de magnitude bem elevada, em termos de estimativas
populacionais, e que veiculam a ideia da adesão ao desporto e a variação da sua in-
tensidade ser governada por factores de ordem genética. No passado, o geneticista
italiano Gullio Gedda cunhou a expressão isodesportivização para designar um fe-
nómeno de prática de desporto corrente em famílias nucleares. Este autor subli-
nhava, no tempo em que pesquisou atletas de nível elevado, a ideia que a prática
de desporto de alto nível “corria em famílias”. Este facto ficou demonstrado mais
tarde em pesquisas realizadas em países do leste europeu, ao verificar-se a presença
elevada de linhagens de famílias de desportistas (Kovar, 1981). É evidente que ape-
sar de haver uma forte predisposição genética para a prática do desporto, não deve
ocorrer um argumento algo elitista ou eugenista em torno dos resultados obtidos.
Os genes não actuam num “espaço” vazio (Khoury et al, 1993; Lynch & Walsh,
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5.4.4. Efeitos dos amigos e do Prof. de Educação Física nos níveis de activi-
dades físico-desportivas
Os resultados elaborados com base em modelo de regressão múltipla não salientaram
qualquer influência substancial do Prof. de Educação Física. Pelo contrário, salientaram
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o papel dos amigos, quer se trate de ActF nos momentos de recreação e lazer, no índice
desportivo, ou no índice de ActF total. Estes resultados são algo preocupantes face à
responsabilidade acometida ao Prof. de Educação Física na construção de estilos de
vida activa e saudável. Por outro lado ao salientar a importância do amigo, relança a
temática dos outros significantes e do papel do envolvimento nas práticas desportivo-
motoras de um grupo de jovens socialmente agrupados em conjuntos de interesses.
Em suma, os dados revelam a ausência de importância do Prof. de Educação Física
nos níveis de ActF de crianças e jovens e remete um papel de destaque aos amigos
que ajudam, um dado grupo na construção social de hábitos e atitudes relativa-
mente ao corpo e ao Desporto.
6. Conclusões
As conclusões desta pesquisa podem situar-se em três planos:
213
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Bibliografia
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1. Introdução
Os benefícios da atividade física associados à saúde e ao bem-estar são bem discuti-
dos na literatura e reconhecidos pelas diversas entidades oficiais nacionais e inter-
nacionais 41,48. Os efeitos benéficos da atividade física foram assinalados quer em
crianças e jovens quer em adultos e são de caráter biológico 4,14,16,19,23,29,32 e psicoe-
mocional 8,18,33,34,42,43,46. Contudo, constata-se que, nos últimos anos, a prática ha-
bitual de atividade física em populações jovens vem diminuindo consideravelmen-
te em diferentes regiões do mundo 1,13,24,25, sendo o sedentarismo considerado um
dos principais problemas de saúde pública 48.
Apesar da sua importância na promoção de programas de saúde pública, pouco se
conhece sobre os hábitos de atividade física dos adolescentes brasileiros. No con-
texto brasileiro, os raros estudos localizados têm utilizado amostras pouco repre-
sentativa do segmento populacional envolvido, além de empregar instrumentos
de medida que contemplam dimensões específicas de atividade física 11,26,31.
O objetivo deste estudo foi analisar os níveis de pratica habitual de atividade física
e os fatores associados à adoção de comportamentos sedentários em adolescentes
de ambos os sexos, na faixa etária dos 15 aos 18 anos, residentes na cidade de João
Pessoa, Paraíba, Brasil.
2. Métodos
Para a elaboração do estudo foram utilizadas informações contidas no banco de
dados construído a partir de um levantamento descritivo de corte transversal, de
base populacional, envolvendo medidas antropométricas, percepções quanto à qua-
lidade de vida e à prática habitual de atividade física, além de informações sociode-
mográficas de escolares da cidade de João Pessoa, Paraíba, situado na região nordeste
do Brasil. A coleta dos dados foi realizada nos meses de setembro a novembro de
2007 e os protocolos de intervenção utilizados foram aprovados pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (Processo 689/06) e acompa-
nharam normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa
envolvendo seres humanos.
A cidade de João Pessoa, cenário do presente estudo, é a capital do Estado da Paraíba,
um dos nove Estados da região nordeste do Brasil, reconhecidamente uma das re-
giões brasileiras mais pobres. João Pessoa é uma das capitais brasileiras que apre-
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senta alguns dos piores indicadores de desenvolvimento humano do país. Seu Ín-
dice de Desenvolvimento Humano (IDH) está estimado em 0,683, distribuído em
IDH-Renda: 0,643, IDH-Longevidade: 0,620 e IDH-Educação: 0,785, enquanto o
IDH médio do Brasil é equivalente a 0,800 40.
Atividade física
As informações quanto à percepção da atividade física foram obtidas por intermédio
do Questionário Internacional de Atividade Física (International Physical Activity
Questionnaire – IPAQ) em seu formato curto, versão 8, tendo como referência a úl-
tima semana. As quatro questões do instrumento procuraram prover informações
quanto à freqüência (dias/semana) e à duração (minutos/dia) na execução de cami-
nhadas e de atividades cotidianas que exigem esforços físicos de intensidades mo-
derada e vigorosa, além do tempo (minutos/dia) despendido em atividades
realizadas em posição sentada nos estudos, no trabalho, no lazer, na ocupação do
tempo livre e nas atividades domésticas. Para categorização da prática habitual da
atividade física recorreu-se ao consenso proposto pelos idealizadores do IPAQ, con-
siderando três categorias: baixa, moderada e elevada 17.
Indicadores sociodemográficos
Foram levantadas informações quanto ao sexo, à idade, à situação conjugal dos pais,
ao núcleo familiar, ao número de irmãos, à escolarização dos pais, à classe econô-
mica familiar, ao tipo de escola, ao período de estudo, ao meio de transporte para
deslocamento até a escola, à jornada de trabalho, ao uso de tabaco e de bebidas al-
coólicas. Para definição da classe econômica familiar recorreram-se as diretrizes
propostas pela Associação Nacional de Empresas de Pesquisa, com base no nível de
escolaridade dos pais, condições de moradia, posse de utensílios domésticos, auto-
móveis e quantidade de empregados domésticos 1.
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Antropometria
Foram realizadas medidas de massa corporal e estatura, o que permitiu o cálculo do
índice de massa corporal (IMC). Para a determinação das medidas equivalentes à
massa corporal foi empregada balança antropométrica com definição de 10g, aferida
a cada dez pesagens, enquanto para a realização das medidas de estatura utilizou-
se estadiômetro de alumínio com escala de 1 mm, a partir dos procedimentos apre-
sentados pela Organização Mundial da Saúde 47. O IMC foi calculado mediante a
razão entre a medida da massa corporal expressa em quilogramas e da estatura ex-
pressa em metros ao quadrado (kg/m2).
Tratamento estatístico
O tratamento estatístico foi realizado mediante o pacote computadorizado Statis-
tical Package for the Social Science (SPSS), versão 17.0. Para testar a normalidade das
distribuições foi empregado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Recorreu à estatística
não-paramétrica uma vez que as distribuições não mostraram distribuição normal.
Para a caracterização do tempo despendido nas diferentes dimensões de atividade
física e da quantidade de MET’s equivalente à atividade física recorreu-se aos pro-
cedimentos da estatística descritiva (mediana e diferença interquartil) e, posterior-
mente, para comparar as variáveis selecionadas entre sexo e idade, à análise de
variância por postos de Kruskal-Wallis (K-W). Quando significantes, a análise de
variância foi complementada pelo teste U Mann-Whitney para identificar as dife-
renças específicas. O nível de significância foi fixado em pelo menos 5% (p < 0,05).
As proporções de adolescentes reunidos nas três categorias de atividade física pro-
postas pelo IPAQ (baixa, moderada e elevada) foram analisadas mediante tabelas
de contingências, envolvendo testes de qui-quadrado ( 2) para identificação das di-
ferenças estatísticas entre sexo e idade.
Para estabelecer a extensão das associações estatísticas entre os indicadores socio-
demográficos e os níveis relatados de atividade física recorreram-se aos cálculos dos
valores de odds ratio (OR), estabelecidos por intermédio da análise de regressão lo-
gística binária e ajustados para idade cronológica, assumindo intervalos de con-
fiança de 95%. Em sendo assim, para atender as condições do procedimento
estatístico, a atividade física foi dicotomizada em dois estratos, de acordo com as
categorias sugeridas pelo IPAQ: (a) sedentário, envolvendo aqueles adolescentes
classificados na categoria de baixa atividade física; e (b) não-sedentário, envolvendo
aqueles adolescentes classificados nas categorias de moderada e elevada atividade
física.
3. Resultados
Informações estatísticas quanto ao tempo despendido nas diferentes dimensões da
atividade física estimadas pelo IPAQ são mostradas na tabela 1. Ao analisar os valores
K-W, verifica-se que o tempo despendido em atividades que exigem esforços físicos
de intensidade vigorosa apresentou diferenças estatísticas favoráveis aos rapazes.
Por outro lado, as moças relataram se envolver significativamente mais tempo em
atividades do cotidiano que são desempenhadas em posição sentada. Quando das
comparações entre as demais dimensões de atividade física (caminhadas e esforço
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Atividade física
Idade Baixa Moderada Elevada
(Anos) Moças Rapazes Moças Rapazes Moças Rapazes
15 23,2 15,0 42,9 44,2 33,9 40,8
16 25,6 16,7 42,8 44,7 31,6 38,6
17 29,3 19,9 43,0 44,9 27,7 35,2
18 34,6 24,6 43,1 42,6 22,3 32,8
15 – 18 28,2 19,1 42,9 44,2 28,9 36,7
c2sexo 5,921 (p = 0,0166) 0,168 (p = 0,6841) 5,047 (p = 0,0248)
c2idade 9,050 (p = 0,0000) 0,351 (p = 0,9502) 8,396 (p = 0,0043)
221
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Tabela 3 – Valores de odds ratio e intervalo de confiança de 95% entre adoção de comportamento
sedentário e indicadores sociodemográficos de adolescentes de João Pessoa, Paraíba, Brasil, 20071.
Moças Rapazes
Situação Conjugal dos Pais
Solteiros Referência Referência
Casados 1,05 (0,70 – 1,46) 1,13 (0,75 – 1,58)
Separados/viúvos 1,39 (0,95 – 1,90) 1,41 (0,98 – 1,90)
Núcleo Familiar
Mãe ou pai Referência Referência
Pai e mãe juntos 1,14 (0,71 – 1,64) 1,11 (0,70 – 1,56)
Parente 1,23 (0,89 – 1,61) 1,27 (0,89 – 1,72)
Não-parente/sozinho 1,31 (0,95 – 1,72) 1,39 (0,99 – 1,86)
Número de Irmãos
≥ 5 Irmãos Referência Referência
3 – 4 Irmãos 0,97 (0,50 – 1,49) 1,04 (0,53 – 1,59)
1 – 2 Irmãos 1,32 (0,92 – 1,80) 1,21 (0,86 – 1,61)
Nenhum irmão 1,39 (0,96 – 1,90) 1,44 (0,99 – 2,04)
Escolaridade do Pai/Responsável
≤ 4 Anos Referência Referência
5 – 8 Anos 1,38 (0,99 – 1,85) 1,45 (1,08 – 1,8)
9 – 11 Anos 1,80 (1,35 – 2,38) 1,89 (1,41 – 2,36)
≥ 12 Anos 2,06 (1,58 – 2,61) 2,14 (1,64 – 2,73)
Classe Econômica Familiar
Classe E (Menor) Referência Referência
Classe D 1,32 (0,99 – 1,70) 1,27 (0,95 – 1,67)
Classe C 1,74 (1,35 – 2,16) 1,65 (1,35 – 2,01)
Classe B 2,41 (1,86 – 3,04) 2,12 (1,62 – 2,83)
Classe A (Maior) 2,98 (2,31 – 3,72) 2,61 (1,90 – 3,44)
Tipo de Escola
Pública Referência Referência
Privada 2,02 (1,59 – 2,52) 1,81 (1,39 – 2,31)
Período de Estudo
Diurno Referência Referência
Noturno 1,49 (1,07 – 1,98) 1,63 (1,19 – 2,11)
Tipo de Transporte para Escola
Caminhando/bicicleta Referência Referência
Ônibus 1,57 (1,12 – 2,10) 1,60 (1,19 – 2,13)
Carro 1,98 (1,44 – 2,62) 1,92 (1,42 – 2,58)
Trabalho Remunerado
Não trabalha Referência Referência
Trabalho eventual 1,14 (0,86 – 1,45) 1,21 (0,90 – 1,59)
Trabalha ≤ 20 horas/semana 1,32 (0,97 – 1,71) 1,40 (1,02 – 1,85)
Trabalha 20 – 40 horas/semana 2,45 (2,03 – 2,97) 1,53 (1,16 – 1,98)
Uso de Tabaco
Não-fuma Referência Referência
Parou de fumar 1,21 (0,85 – 1,62) 1,39 (0,94 – 1,94)
Fuma ≤ 10 cigarros/dia 1,78 (1,29 – 2,35) 1,94 (1,45 – 2,66)
Fuma > 10 cigarros/dia 2,86 (2,33 – 3,46) 2,07 (1,61 – 2,60)
Uso de Bebidas Alcoólicas
Não bebe Referência Referência
Bebe ≤ 6 doses/semana 1,64 (1,31 – 2,01) 1,57 (1,21 – 1,99)
Bebe > 6 doses/semana 2,92 (2,43 – 3,50) 2,14 (1,68 – 2,71)
IMC
< 20 kg/m2 Referência Referência
20 – 23 kg/m2 1,42 (0,98 – 1,97) 1,32 (0,91 – 1,83)
23 – 25 kg/m2 1,64 (1,15 – 2,22) 1,51 (1,09 – 2,08)
25 – 28 kg/m2 1,85 (1,32 – 2,46) 1,63 (1,18 – 2,14)
> 28 kg/m2 2,11 (1,56 – 2,79) 1,89 (1,38 – 2,48)
1
Análise ajustada para a idade.
222
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O tipo de escola e o período em que se estuda também contribuem para que os ado-
lescentes venham a ser sedentários. Nas moças, um comportamento sedentário
tem o dobro de chance de ocorrer entre as adolescentes que freqüentam escolas pri-
vadas em relação as que freqüentam escolas públicas (OR = 2,02; IC 95% 1,59 – 2,52).
No caso dos rapazes, é observado risco relativo voltado ao sedentarismo 81% maior
entre os adolescentes de escolas privadas em comparação com os de escolas públicas
(OR = 1,81; 95% IC 1,39 – 2,31). Quanto ao período em que estudam, moças e rapazes
que freqüentam escolas no período noturno apresentam, respectivamente, 49%
(OR = 1,49; 95% IC 1,07 – 1,98) e 63% (OR = 1,63; 95% IC 1,19 – 2,11) mais chances de
serem sedentários que seus pares que freqüentam escolas no período diurno.
Ao considerar o tipo de transporte que os adolescentes utilizam para se deslocarem
até a escola, constata-se que moças e rapazes que se deslocam de carro apresentam
por volta de duas vezes mais possibilidades de se tornarem sedentários (Moças –
OR = 1,98; 95% IC 1,44 – 2,62; Rapazes – OR = 1,92; 95% IC 1,42 – 2,58) quando com-
parados aos que se deslocam caminhando ou pedalando. Em se tratando de trabalho
remunerado, aqueles adolescentes que cumprem jornada de trabalho de 20-40
horas/semana, sejam moças ou rapazes, demonstram maior vulnerabilidade para
se tornarem sedentários diante de seus pares que não realizam trabalho remune-
rado. Contudo, as magnitudes dos valores equivalentes à OR destacam que o envol-
vimento com trabalho remunerado neste período da vida apresenta participação
acentuadamente maior na definição do sedentarismo entre as moças que entre os
rapazes. Moças com jornada de trabalho remunerado de 20-40 horas/semana de-
monstram risco duas vezes e meia mais elevado de serem sedentárias que seus pares
que não realizam trabalho remunerado (OR = 2,45; 95% IC 2,03 – 2,97). Entre os ra-
pazes, o risco equivalente foi uma vez e meia maior (OR = 1,53; 95% IC 1,16 – 1,98).
Quanto ao uso de tabaco e de bebidas alcoólicas, as estimativas encontradas revelam
que a exposição de risco dos adolescentes assumirem uma postura sedentária é pro-
gressivamente maior de acordo com a mais elevada quantidade de cigarros/dia e
doses/semanas utilizada. Os rapazes que fumam mais de 10 cigarros/dia e fazem
uso de mais de 6 doses/semana de bebidas alcoólicas demonstram possuir risco pró-
ximo de duas vezes maior de serem sedentários (uso de tabaco – OR = 2,07; 95% IC
1,61 – 2,60; uso de bebidas alcoólicas – OR = 2,14; 95% IC 1,68 – 2,71) em comparação
com aqueles que relataram não fazer uso de tabaco e de bebidas alcoólicas. No caso
das moças, nessas mesmas condições, o risco de se assumir uma conduta sedentária
entre aquelas que fumam e que fazem uso de bebidas alcoólicas é ainda maior, se
aproximando de três vezes mais (uso de tabaco – OR = 2,86; 95% IC 2,33 – 3,46; uso
de bebidas alcoólicas – OR = 2,92; 95% IC 2,43 – 3,50).
Os achados do estudo apontam que o excesso de peso corporal é outro atributo forte-
mente relacionado com a adoção de comportamentos sedentários entre os adolescen-
tes. As dimensões de OR encontradas permitem inferir que a proporção de ocorrência
do sedentarismo aumenta paralelamente aos maiores valores de IMC calculados em
ambos os sexos. Estima-se que os rapazes com peso corporal equivalente a IMC > 28
kg/m2 venham a apresentar risco 89% maior de serem sedentários (OR = 1,89; 95% IC
1,38 – 2,48) que seus pares com peso corporal equivalente a IMC < 20 kg/m2. No caso
das moças, o risco se eleva para mais que o dobro (OR = 2,11; 95% IC 1,56 – 2,79).
223
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4. Discussão
No presente estudo são apresentados dados acerca da atividade física e dos fatores
associados aos comportamentos sedentários de uma amostra representativa de ado-
lescentes entre 15 e 18 anos da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil, mediante ques-
tionário de auto-relato. Convém salientar que, quando comparados com métodos
de medidas mecânicas e eletrônicas, como é o caso dos pedômetros, dos acelerôme-
tros e da monitoração da freqüência cardíaca, os questionários para esta finalidade
podem eventualmente sobrestimar os níveis de atividade física 39. No entanto, ape-
sar das limitações, os questionários são extremamente úteis para analise de infor-
mações equivalentes à atividade física de grandes amostras em estudos
epidemiológicos 30. Neste sentido, o IPAQ, questionário empregado neste estudo,
vem sendo utilizado em alguns estudos no Brasil e em outros países, com resultados
satisfatórios. Um estudo anterior atestou a qualidade dos indicadores de validação
e das características psicométricas do IPAQ em adolescentes brasileiros 12.
Ao analisar as informações associadas ao tempo mediano despendido nas quatro di-
mensões de atividade física, relatadas pelos adolescentes mediante o IPAQ, verifi-
cou-se que os resultados apontaram os rapazes como sendo habitualmente mais
ativos que as moças e tendência de declínio nos níveis de atividade física durante a
adolescência em ambos os sexos. Apesar de ser possível encontrar algumas diferen-
ças conforme o tipo e a intensidade da atividade física realizada são consensuais
entre os estudos disponibilizados na literatura o entendimento de que a atividade
física tende a estar negativamente associada à idade, sobretudo nos últimos anos
da adolescência. Neste particular, as atividades de intensidade vigorosa são as que
mais diminuem com o avanço da idade 2,3,20,24,36. Embora diversos estudos na área
tenham procurado identificar as razões para esse declínio, permanece por esclarecer
se é resultado de fatores biológicos ou de fatores ligados ao ambiente, se da interação
de ambos os fatores, ou se por qualquer outro mecanismo de natureza social ainda
não possível de identificação.
A grande maioria dos estudos localizados na literatura tem mostrado que os rapazes
são fisicamente mais ativos que as moças 2,3,20,24,36. Este também foi o caso dos re-
sultados encontrados no presente estudo. No entanto, as diferenças registradas
entre ambos os sexos foram dependentes das categorias da prática habitual da ati-
vidade física equivalente a intensidade dos esforços físicos relatados.
Similar aos achados de outros estudos epidemiológicos descritivos 3,20,24 foi obser-
vado um significativo maior envolvimento dos rapazes em atividades físicas de in-
tensidade elevada (36,7% versus 28,9%), enquanto as moças mostraram maior
participação em atividades físicas de baixa intensidade (28,2% versus 19,1%).
A prevalência de sedentarismo dos adolescentes de João Pessoa, Paraíba, Brasil, foi
de 28,2% entre as moças e 19,1% entre os rapazes. Portanto, menor do que as cifras
encontradas na população de adolescentes de mesma idade da Finlândia, 50% entre
as moças e 41% entre os rapazes 35, e da Espanha, 40,8% em ambos os sexos 38. Nos
Estados Unidos levantamento nacional mostrou uma prevalência de sedentarismo
em adolescentes de mesma idade entre 43% e 60% 6.
Apesar de a prevalência do sedentarismo encontrado no presente estudo ser menor
do que a encontrada na literatura para a adolescência são cifras bastante preocupan-
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5. Conclusões
Na população de adolescentes de João Pessoa, Paraíba, Brasil, a prevalência do se-
dentarismo se aproximou de 24%. O estudo indicou a extensão com que seleciona-
das variáveis sociodemográficas podem estar associadas ao sedentarismo. Com o
aumento da classe econômica familiar e do nível de escolarização dos pais diminui
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230
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1. Introdução
As doenças e agravos do mundo contemporâneo refletem as condições e os estilos
de vida das populações. Vivemos em uma era de transições e contradições. Há as
doenças da miséria, da subnutrição e da falta de saneamento; e há as doenças decor-
rentes do comportamento, do nosso jeito de viver. Ainda que para as doenças da mi-
séria concorram muito mais fatores econômicos e políticos, para ambos contribuem
a educação e o acesso às oportunidades para escolhas na vida das pessoas.
Dados da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2005) indicam que mais de 60%
das mortes no planeta decorrem de doenças e agravos não transmissíveis (DANT),
condições que poderiam, em grande proporção, ser evitadas ou retardadas, expan-
dindo significativamente os anos de vida ativa e autônoma (e reduzindo enorme-
mente os custos públicos e pessoais com tratamentos precocemente requeridos).
Não por acaso, a OMS e os governos em grande parte das nações estão empenhados
em “promover a saúde”, focando em ações que levem a melhores condições e estilos
de vida, reduzindo, assim, as chances de doenças e agravos sabidamente evitáveis
(WHO, 2003). O conceito revisado por O’Donnel (2008, p.iv) define Promoção da
Saúde como a:
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3. Métodos
População e amostra
A população alvo deste estudo incluiu alunos do ensino médio matriculados no pe-
ríodo noturno das escolas estaduais de Florianópolis (aproximadamente 13 mil alu-
nos em 43 escolas), e em Recife (aproximadamente 50 mil alunos em 113 escolas).
A faixa etária na amostra compreendeu alunos de 15 a 24 anos, levando em consi-
deração o perfil etário dos alunos que freqüentam o ensino médio noturno. A esco-
lha dessa população decorreu das seguintes evidências: (a) 70% dos estudantes do
ensino médio freqüentam escolas públicas; (b) em torno de 50% dos estudantes
nesse nível estudam a noite; (c) a inatividade física e os maus hábitos alimentares
são mais prevalentes entre estudantes do período noturno; (d) Florianópolis e Re-
cife podem proporcionar comparação da efetividade da intervenção entre jovens
estudantes de duas regiões diferentes do país.
Neste estudo, as escolas dos grupos de intervenção (10 escolas, cinco em cada ci-
dade) e controle (também cinco em cada cidade) foram selecionadas aleatoria-
mente, após terem sido pareadas a partir de informação sobre o porte e a localização
da escola em cada cidade. As avaliações do impacto foram feitas através de questio-
nário aplicado em três ocasiões: março (baseline) e dezembro (pós-intervenção) de
2006, e junho de 2007 (follow-up). Todos os alunos do ensino médio noturno foram
expostos à intervenção, mas responderam ao questionário aqueles pertencentes às
turmas de primeiro e segundo anos (2006), dentro da faixa etária considerada (15 a
24 anos).
Considerando os cálculos amostrais necessários para garantir representatividade e
poder de demonstrar diferenças significativas nas observações (se elas realmente
existissem), estimou-se que seria necessária uma amostra com, pelo menos, 1.872
estudantes. Considerando as perdas que poderiam ocorrer pela evasão escolar,
foram aplicados, aproximadamente, 2.500 questionários, buscando assegurar, ao
término da intervenção, o número mínimo desejado.
Basicamente, a intervenção concentrou-se nas seguintes ações:
234
livro:livro maputo 6/3/10 23:24 Page 235
Variáveis do estudo
Os comportamentos que foram pesquisados e considerados para efeito de avaliação
da intervenção foram determinados a partir da literatura específica (Baranowski
et al., 1998; Sallis et al., 2000; Salis et al., 2001) incluíram: (a) prática de atividades
físicas (número de dias da semana em que o jovem acumulava 60 minutos ou mais
de atividades físicas de intensidade moderada a vigorosa - AFMV); (b) hábitos se-
dentários (horas por dia assistindo TV ou usando computador/ vídeo game; (c) con-
sumo de frutas e verduras (número de dias por semana em que o jovem referiu
consumo desses alimentos); e (d) consumo de refrigerantes (número de dias por se-
mana em que o jovem referiu consumo dessa bebida).
A escolha dos indicadores se deveu à prevalência desses comportamentos entre ado-
lescentes, a provável associação com o ganho de peso observado em outros estudos
publicados, o conhecimento acumulado de outras intervenções para mudança 6 de
comportamento, e os valores culturais associados com tais comportamentos
comportamento, e os valores culturais associados com tais comportamentos (Pate, Trost, (Pate,
Trost,Mullis
Mullis et2002;
et al., al., 2002; Wechsler
Wechsler et al., 2000).
et al., 2000).
Avaliação
Formativa
Avaliação do Processo
Relatório Final
Setembro 2007
PERÍODO DE INTERVENÇÃO
Avaliação formativa
Avaliação
Esta forma de formativa
avaliação serve para se conhecer as condições iniciais das escolas, in-
cluindo infra-estrutura, recursos disponíveis, estrutura curricular, professores e
Esta formapor
receptividade de parte
avaliação serve para
da direção se conhecer as
e responsáveis condições
pelas iniciais
cantinas. das informações
Essas escolas,
servem para identificar
incluindo possíveis
infra-estrutura, recursos discrepâncias entre escolas
disponíveis, estrutura curricular,intervenção
professores ee con-
trole,receptividade
evitando-seporque variáveis
parte intervenientes
da direção e responsáveis afetem os resultados.
pelas cantinas. Visitas preli-
Essas informações
minares às escolas e reuniões com a direção, professores e alunos forneceram
servem para identificar possíveis discrepâncias entre escolas intervenção e controle, as
informações iniciais necessárias para a avaliação formativa.
evitando-se que variáveis intervenientes afetem os resultados. Visitas preliminares às
escolas e reuniões com a direção, professores e alunos forneceram as informações
iniciais necessárias para a avaliação formativa.
235
Avaliação do processo
Avaliação do processo
Esta forma de avaliação ocorreu durante todo o período de intervenção, com os se-
guintes objetivos: (a) documentar se todos os aspectos da intervenção estão aconte-
cendo conforme planejado; (b) registrar se as etapas da intervenção ocorrem dentro
do cronograma inicialmente previsto; (c) verificar se as atividades são consistentes
com a fundamentação teórica e princípios gerais da intervenção; (d) verificar se al-
guma modificação nas escolas controle pode ameaçar as comparações planejadas.
A parte mais formal da avaliação do processo foi conduzida por um avaliador inde-
pendente e permitiu que se fizessem as necessárias correções na intervenção du-
rante seu desenvolvimento. Reuniões periódicas foram realizadas entre a equipe
de intervenção e os avaliadores do processo, nas duas cidades em que se desenvol-
veu o projeto Saúde na Boa - Florianópolis e Recife.
Este projeto foi submetido e aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos em Recife (Instituto Materno-Infantil de Pernambuco) e Florianó-
polis (UFSC).
4. Resultados principais
Com a intenção de que a intervenção fosse construída de modo a permitir sua dis-
seminação em outras escolas estaduais do ensino médio no país, enfatizou-se um
número limitado de variáveis e ações específicas. O foco foi nas mudanças de com-
portamentos alimentares (consumo de frutas e verduras, e consumo de refrigeran-
tes) e atividade física moderada a vigorosa acumulada ao longo da semana
(incluindo prática de exercícios e esportes durante a semana e o deslocamento para
a escola).
Partiu-se da hipótese de que os estudantes das escolas experimentais demonstra-
riam comportamentos mais saudáveis (alimentação e atividade física) após a expo-
sição à intervenção que aconteceu de março a novembro de 2006.
A intervenção foi planejada de acordo com os seguintes critérios: (a) incluir ativi-
dades culturalmente relevantes e de baixo custo; (b) enfatizar atividades simples e
fáceis de serem implementadas; (c) sempre que possível, incluir informações de
saúde nos programas das disciplinas; (d) as atividades deveriam ser facilmente man-
tidas e disseminadas para outras escolas após o período de intervenção. Esperava-
se que as ações planejadas pudessem modificar positivamente tanto as variáveis
mediadoras (conhecimento, atitudes, auto-eficácia), como os comportamentos (há-
bitos alimentares e atividade física).
As características dos estudantes dos grupos intervenção e controle são apresenta-
das na tabela a seguir. Em geral, 55,7% dos 2.155 sujeitos incluídos na amostra inicial
eram do sexo feminino, refletindo a realidade de que mais moças do que rapazes
freqüentam (e concluem) o ensino médio em escolas públicas. A média de idade de
18,4 anos (DP=2,3) também indica que uma significa parcela (um terço) dos estu-
dantes tem mais de 18 anos, sendo a faixa delimitada para este estudo entre 15 e 24
anos (a faixa da juventude, segundo a OMS).
Uma proporção maior de estudantes em Florianópolis tinha um emprego, conside-
ravam-se de pele branca, e consumiam menos frutas que seus correspondentes de
Recife. Em geral, os grupos controle e intervenção podem ser considerados seme-
lhantes no início da intervenção.
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1 Auto-referida; 2 Menos de 5 dias/sem com 60 min+ AFMV; 3 Consumo em pelo menos 5 dias/sem;
4 IMC; Cole et al., 2000; 5 Excelente + Muito Boa + Boa; 6 Qui-quadrado
A prevalência de inatividade física foi medida pela referência de não realizar ativi-
dades físicas moderadas a vigorosas (AFMV) por um período acumulado de 60 mi-
nutos em nenhum dia da semana (Prochaska, Sallis & Long, 2001). Destaca-se que,
para ambos os sexos e nas duas cidades, houve um impacto significativo da inter-
venção na diminuição da proporção de estudantes que relataram não realizar ati-
vidades físicas em qualquer dia da semana. Isso reforça a idéia de efetividade do
projeto Saúde na Boa em relação à inatividade física dos jovens estudantes.
237
livro:livro maputo 6/3/10 23:24 Page 238
5. Dificuldades e limitações
A maior limitação deste estudo está relacionada com a redução no tamanho da
amostra entre as coletas, no início e no final do ano letivo de 2006. Pesquisa com-
plementar por telefone mostrou que isso se deveu, principalmente, à ocorrência de
greve de professores no período de desenvolvimento da pesquisa, tanto em Recife
quanto em Florianópolis. Uma análise das características dos sujeitos nas duas co-
letas (pré e pós-intervenção) revelou que as perdas foram mais significativas entre
sujeitos do sexo masculino e aqueles com idades entre 20 e 24 anos, mas de uma
forma similar em ambas cidades e nos grupos controle e intervenção. A perda equi-
valente nas duas cidades e grupos reduz a probabilidade de alteração significativa
nas características da amostra em função do elevado abandono dos escolares.
A pesquisa complementar (por telefone) realizada com 249 estudantes que aban-
donaram seus cursos naquele ano ajudou a entender as causas e períodos em que
esses alunos deixaram de ir às aulas. Aproximadamente um terço deles afirmou ter
deixado a escola para trabalhar. Outros haviam mudado de cidade ou deixaram de
ir às aulas por problemas de saúde. Independentemente da razão alegada, o maior
número de desistências ocorreu durante as greves de professores. Aproximada-
238
livro:livro maputo 6/3/10 23:24 Page 239
mente 15% não se encontravam na escola durante o período de coleta, que durou
aproximadamente 10 dias, e 54% dos respondentes afirmaram que pretendiam re-
tornar à escola no ano seguinte.
Algumas dificuldades na implementação da intervenção foram:
Diversas publicações com relatos deste projeto estão disponíveis em periódicos es-
pecializados: (a) Validação do instrumento de coleta (Nahas et al., 2007); (b) Des-
crição dos métodos do projeto (Nahas et al., 2009a): Efetividade da intervenção –
atividade física (Barros et al., 2009); e Comparação de dados entre cidades (Nahas
et al., 2009b).
6. Conclusões gerais
Este estudo foi proposto para observar os efeitos de uma intervenção de base escolar
nos hábitos alimentares e de atividade física de estudantes do período noturno das
escolas estaduais de ensino médio de Recife e Florianópolis. Tais cidades foram es-
colhidas por representarem realidades sócio-culturais distintas neste país.
O projeto Saúde na Boa foi planejado em tal maneira que envolvesse relativamente
poucos recursos, com ações simples realizadas pelos próprios membros da comuni-
dade escolar, com particular destaque para os professores de Educação Física. A
equipe de pesquisa dava o necessário suporte e orientação, mas as ações eram efe-
tivadas pelos professores e funcionários, uma vez que se pretendia que tais inicia-
tivas pudessem ser continuadas e disseminadas.
Diversos artigos foram publicados e outros estão sendo desenvolvidos, e as princi-
pais conclusões sobre a efetividade da intervenção podem ser apresentadas: (a) A
intervenção mostrou-se efetiva na redução da proporção de estudantes que relata-
vam não realizar, nenhum dia da semana, 60 minutos de atividade física moderada
239
livro:livro maputo 6/3/10 23:24 Page 240
a vigorosa (AFMV); (b) A proporção de estudantes que relatou incluir frutas e ver-
duras em sua alimentação em menos de três dias por semana diminuiu significati-
vamente no grupo de intervenção, aumentando no grupo controle; (c) O consumo
de refrigerantes (dias de consumo por semana) diminui no grupo de intervenção,
mas não se modificou no de controle.
A possibilidade de se expandir o projeto para outras escolas e localidades deve ser
considerada. Autoridades das áreas de saúde e educação podem utilizar as evidências
deste estudo de intervenção e de outros similares para orientar e justificar investi-
mentos para promover hábitos mais saudáveis na população estudantil do ensino
médio, em particular os que freqüentam as escolas públicas no período noturno.
Não se pode afirmar que as evidências deste estudo possam ser estendidas aos alu-
nos do período diurno, mas as dificuldades seriam certamente menores do que as
encontradas no ambiente noturno.
Financiamento:
ILSI / PAHO / CDC – Healthy Lifestyles, Healthy People Project
CNPq
240
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Introdução
O mundo de hoje está a passar por uma forte zona de turbulência. É o desencanto
da economia, são as tensões religiosas – civilizacionais? – que emergem um pouco
por todo o lado, são as agressões ambientais provocadas por alguns e sentidas por
todos. Enfim, convulsões que põe a nu a falácia de um sistema que tudo prometeu
e pouco conseguiu cumprir.
No que diz respeito ao desencanto da economia parece que estamos a viver um pe-
ríodo análogo àquele ocorrido no final dos anos 20 do século passado. Para Jean La-
croix (in 31) a crise económica de 1929 inscreveu-se na vastidão de uma crise
axiológica que colocou o homem numa situação periférica em relação a valores es-
cusos. O desenvolvimento científico também não fica imune às crises do ser hu-
mano, reflectindo essas convulsões, resistindo a algumas e cedendo a outras.
Estamos no limiar de uma nova forma de ver os problemas, fazendo convergir múl-
tiplas visões para o mesmo fenómeno, rejeitando abordagens únicas e indiscutíveis.
A complexidade não pode ser invocada apenas como uma subtileza semântica para
desresponsabilizar as nossas incapacidades para lidar com fenómenos que necessi-
tam de abordagens profundas e diferenciadas.
Edgar Morin (27) apresenta a ideia de um novo cientista. Compara-o a um chefe de
orquestra que convoca vários conhecimentos (instrumentos musicais) em harmo-
nia para compreender um determinado fenómeno, embora não dominando ne-
nhum desses instrumentos.
Também temos pretensões de convocar para a compreensão do sedentarismo/obe-
sidade o maior número de instrumentos da orquestra do saber. Tarefa ingrata pois
nem ao menos conhecemos os seus nomes, muito menos as suas sonoridades.
Temos uma ideia do som do violino, do piano ou de um ou outro instrumento de
percussão. Queremos juntá-los para que assim consigamos escutar o som do uni-
verso, o som da vida, no fim de contas a sinfonia universal lembrada pelos estóicos.
Provavelmente estamos perdidos num labirinto e por isso, quais desesperados, so-
corremo-nos de tudo para ultrapassar as dificuldades impostas pelo desconhecido.
Lembramo-nos de Wittgenstein (37: 103) quando, num dia do ano de 1948, afirmou
não sabemos do que é que andamos à procura até o encontrarmos. Não sabemos qual é
o caminho, mas vamos por aqui porque cremos que será a melhor via para alcançar
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O espanto
Em tempos aprendemos na Metafísica de Aristóteles que a filosofia tem origem num
espanto. Ampliando este princípio para todo o tipo de conhecimento, podemos con-
siderar a existência de um espanto perante as coisas e de um outro espanto perante
o ser. É espantosa a harmonia do universo, a criação da vida e tantas outras coisas
que nem reparamos dada a velocidade a que vivemos. É espantoso o que nos rodeia,
desde o desabrochar de uma simples flor até à mais sofisticada máquina construída
pelo génio humano.
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Também é para nós um espanto que haja um ser que viva pensando, que tenha cons-
ciência que é sábio (homem sábio sapiente – homo sapiens, sapiens – ou seja, homem
sábio que sabe que o é), que perceba a sua finitude e que ao mesmo tempo se consi-
dere um ser ínfimo e grandioso.
Tudo isto é causador de espantos, mas também é maravilhoso que nos deleitemos com
pequenos aspectos do nosso quotidiano, de pequenos gestos e atitudes que nos parecem
corriqueiros, ou com factos colossais e insondáveis como é o caso da nossa origem.
O homem é recente na história do cosmos. Sem entrar em grandes detalhes, se fosse
possível comprimir o tempo do universo a um ano (o big-bang teria acontecido às 0
horas do dia 1 de Janeiro) o homo sapiens sapiens apareceria apenas nos últimos mo-
mentos do dia 31 de Dezembro. Porém, falamos de 100.000 anos1. É um pequeno
lapso de tempo cósmico mas um longo tempo humano. A evolução dos seres vivos
é lenta quando vista pelo relógio humano, mas mesmo assim alguém nascido há
30.000 anos poderia viver entre nós. As suas capacidades seriam iguais às nossas.
Tim Ingold (19) afirma que os cérebros desses seres humanos são em tudo iguais
aos actuais. Até aqui nada de estranho. Contudo, quando viajamos um pouco por
este mundo verificamos que grandes acontecimentos que marcam a humanidade
como a invenção da escrita, edificações relevantes, sítios arqueológicos considera-
dos pela UNESCO como fazendo parte do património da humanidade são recentes,
tendo menos de 10.000 anos.
Apenas para ficarmos com uma ideia sobre o tempo, convém sublinhar que Biblos,
a cidade habitada mais antiga do mundo, a actual Yabayl situada a sul de Beirute,
teve a sua origem em 5000 a.C., isto é, há cerca de 7.000 anos; que as pirâmides do
Egipto foram construídas há cerca de 4.500 anos; e que a fundação do famoso Reino
da Babilónia aconteceu há 4.300 anos. Mais antigas são as origens de Jericó, 9.000
anos, mas mesmo assim dentro do lapso de tempo considerado.
O próprio Dilúvio, figura de grande importância na religião cristã, deverá ter ocor-
rido no sexto milénio antes da nossa era, embora este acontecimento deva ser ana-
lisado por um outro referencial que não apenas pelo diapasão da ciência.
A invenção da escrita também só tem meia dúzia de milhares de anos. A roda, ele-
mento técnico tão elementar nas nossas vidas, terá sido inventada também há
5.000 ou 6.000 anos. Não mais do que isso!
Sócrates, apenas como curiosidade, nasceu por volta de 470 a.C. Só por aqui ficamos
com uma noção um pouco mais clara da contingência do tempo.
A velocidade humana, qual drama na percepção de Michel Mafesolli (25), é uma
constante em muitos domínios. Tudo acontece com uma velocidade estonteante,
não havendo sequer tempo para compreender os acontecimentos que estão a de-
correr, uma vez que outros já se precipitam. Também a sequência de civilizações
que nasceram e desapareceram nos últimos 10 milénios tem sido impressionante,
pelo que importa tentar descortinar qual o acontecimento que permitiu que tal
evolução se registasse na humanidade. Não foi decerto apenas uma simples vontade
de construir tanto em tão pouco tempo, numa clara ruptura com o passado imemo-
rial, que levou o homem a actuar desta forma.
Cremos que houve uma razão profunda, talvez singular, que levou o nosso ante-
passado a construir cidades, monumentos, a escrever, a inventar, a instalar-se no
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das terras aráveis. O mundo não mudou assim tanto nos últimos 50 anos, tempo de-
corrido desde que esta frase foi pronunciada. O que se alterou, estou certo, foi a
consciência pelo dramatismo da situação. Passámos da consciência de um mundo
aterrorizador para um outro a evidenciar uma tremenda fragilidade. A um Planeta
vitorioso sucedeu-se uma t(T)erra queimada, destruída, vencida pelo descomunal
poder adquirido pelo homem. Os desertos ampliam-se. Os oceanos sobem conti-
nuamente. As condições climatéricas degradam-se sem cessar provocando despren-
dimentos das calotes polares, numa incrível sucessão de causas-efeitos que
produzem novas causas e assim por diante, quase até à possibilidade do absurdo da
aniquilação total da vida no planeta. O homo demens de Edgar Morin2 mostra-se em
toda a sua plenitude.
Um vulcão pode entrar em erupção unicamente por causas naturais, expressando
apenas a necessidade do interior terrestre de se descomprimir. Contudo, na inge-
nuidade do cidadão comum, a causa já não é apenas atribuída à natureza mas tam-
bém ao homem. No fim de contas estamos perante uma derivação do chamado
efeito de borboleta. Se uma simples mariposa bate as asas em Hong-Kong, lá longe,
em Nova Iorque, acontece um furacão. Se alguém se constipa e espirra na Europa,
acontece um terramoto nas mais recônditas regiões asiáticas. A escala não será
muito diferente, pelo menos na visão simples de quem é vítima de fenómenos da
natureza. A globalização é um jogo que se desenvolve em muitos tabuleiros. Tam-
bém se joga no campo do simbólico.
Perante esta autêntica cascata de acontecimentos é legítimo concluir que o tempo
do Holocénico ou pós-glaciar, tem um significado muito para além daquele impre-
ciso normalmente atribuído aos tempos geológicos. O Holocénico é a nossa época,
onde o homem se desenvolveu de sobremaneira, criando uma ruptura em relação
a uma existência antiquíssima.
A necessidade de dividir o tempo em períodos levou a que se considerasse a história
a partir da invenção da escrita, ou seja por volta do ano de 4000 a.C. A história com-
porta assim 5 a 6 milénios (15), o que significa que a maior parte do tempo de exis-
tência da humanidade não é devidamente considerada.
Atribuindo-se o valor que se queira conceder a Santo Agostinho (33), cremos que é
muito interessante verificar que este extraordinário homem da Igreja Católica tenha
proposto a data de 5000 a.C. para a criação do universo, o que nos atira para os inícios
do Holocénico, não podendo separar-se esta criação da própria criação humana.
As grandes edificações surgem apenas nos últimos milénios. Parece que tudo se
centrou nesse breve período de tempo. Que terá acontecido para que tal tivesse
ocorrido? Ao que parece, e de acordo com inúmeros especialistas, alguns dos quais
já referenciados, surgiu a agricultura. Muito provavelmente a história recente do
homo sapiens sapiens se funde com a história da agricultura (1), que se tornou pos-
sível por via de uma profunda alteração ambiental.
Intimamente associada à agricultura, a que Jacques Barrau (1) denomina de domes-
ticação das plantas, colocando-a a par da domesticação de animais, fazem o seu apa-
recimento a ideia de propriedade, de hierarquia, de desigualdade, enfim, da
sociedade devidamente organizada, como nos lembra ainda Dominique Simonnet
(35). Neste mesmo sentido apontam as palavras de Jean-Marie Pesez (28) quando
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É óbvio que este quadro-resumo não termina no ponto 6, sendo possível alargá-lo
um pouco mais, mas neste momento não será necessário proceder de tal forma.
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Reflexões finais
Cremos que a principal conclusão que podemos retirar deste ensaio é a íntima liga-
ção do homem com a natureza, formando um par irresolúvel, que ao longo dos tem-
pos, com ênfase para os dois últimos séculos, tem gerado um campo de tensão entre
aqueles que preconizam uma superioridade do homem sobre todo o resto e aqueles
que o vêem como uma parte integrante da natureza e, por isso, sem o direito de a
destruir.
Como tentámos mostrar ao longo deste trabalho, foi uma singularidade geológica
que poderá ter desencadeado uma sucessão de acontecimentos que levaram que um
determinado tipo de vida se impusesse.
A vida humana liga-se à vida do planeta que é a nossa casa cósmica. Sabemos que pos-
suímos hoje uma capacidade enorme para a modificar, como tem sido anunciado e
denunciado por muitas pessoas e instituições. O homem é uma autêntica força da na-
tureza, conseguindo moldar em poucos momentos aquilo que outras forças produzi-
ram num colossal lapso de tempo. Como vem documentado na Suma Perfectionis, obra
alquímica do século XIV, o que a natureza só pode aperfeiçoar num grande espaço de
tempo, nós podemos concluir em pouco tempo com a nossa arte (in 24: 183) A história hu-
mana poderia ser sintetizada numa simples fórmula: da sujeição às forças da natureza,
até à assunção do estatuto de força natural. É uma simples fórmula, imprecisa, mas
reveladora do papel do homem nesta nossa Casa Comum que é o Planeta.
A Terra, esse impressionante Planeta Azul, qual expressão dialéctica, é influenciada
pelo homem e influencia fortemente o nosso viver quotidiano. Se existir um holo-
causto qualquer, que provoque uma extensa alteração do clima, como já no passado
ocorreu por diversas vezes, o homem sobrevivente (se o houver) saberá adaptar-se
à natureza resultante desse cataclismo, construindo uma renovada forma de estar,
moldando-se de acordo com as condições existentes, criando muito provavelmente
uma inovadora civilização, construindo ou construindo-se como um novo ser. Pen-
sar no homem sem esta estreita relação com a Terra5 é, a nosso ver, pensar mal.
Nesta fusão do homem com a Terra (ou com a geia) funda-se uma nova visão de
homem, do nosso homem. É por isso que ambicionamos desenvolver uma nova
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Notas
1 Os números referentes à idade do homem variam bastante, havendo quem aponte um tempo menor e
outros autores que o ampliam para valores superiores. O tempo aqui proposto é um razoável compro-
misso entre ambas posições.
2 A designação homo demens é recorrente no discurso de Edgar Morin. Ver, por exemplo, Cultura e barbárie
europeias (26) Lisboa: Instituto Piaget. Se bem que muitas vezes este demens é sinónimo de louco, por
outras pode significar intuição. Assim, o homo sapiens demens é um ser que ao mesmo tempo é racional
e intuitivo, podendo por via de qualquer uma delas chegar ao paroxismo da loucura.
3 Convém esclarecer que a agricultura foi decisiva para o estabelecimento em grande escala de popula-
ções sedentárias, mas não foi a única causa fundadora desse modo de vida. A este respeito seguimos a
posição prudente de Andrew Sherratt (34)
4 Esta palavra não surge aqui com a força com que a matemática a utiliza, mas apenas para designar um
simples acontecimento invulgar. Se o holocénico foi mesmo uma singularidade [de tipo matemático] é
coisa que não poderemos afirmar por… ignorância.
5 A palavra terra é polissémica. Pode ser um planeta, um bocado de solo ou o próprio solo, um lugar.
6 Giordano Bruno foi um filósofo italiano que viveu no século XVI.
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1. Introdução
A hipertensão arterial caracteriza-se por uma doença na qual os níveis de pressão
que o sangue exerce sobre as paredes das artérias são mantidos acima de valores
considerados normais. Assim, são considerados hipertensos, indivíduos cujos valo-
res de pressão arterial sistólica e/ou diastólica de repouso permanecem iguais ou
acima de 140 e 90 mmHg, respectivamente (1, 2).
A hipertensão arterial é conhecida como um assassino silencioso, pois apesar de não
apresentar sintomas evidentes, causa grandes consequências ao organismo, promo-
vendo lesões em diversos órgãos-alvo, como coração, rins, retina e cérebro (1). Desta
forma, a hipertensão arterial é um dos principais fatores de risco para o desenvolvi-
mento de doenças cardiovasculares, explicando 40% das mortes por acidente vascu-
lar cerebral e 25% daquelas relacionadas à doença da artéria coronária (2).
A prevalência de hipertensão arterial varia consideravelmente em diferentes loca-
lidades. No Brasil, inquéritos regionais demonstraram taxas variando de 22,3 a
43,9% da população adulta (1). No estudo de Framigham, estima-se que indivíduos
normotensos aos 50 anos têm 90% de chances de desenvolver hipertensão no de-
correr de suas vidas (2).
Desta forma, observa-se que a hipertensão arterial é uma doença de alta prevalência
e com consequências maléficas ao organismo, sendo sua prevenção e tratamento
uma importante questão de saúde pública.
O tratamento da hipertensão arterial se faz por medidas medicamentosas e não me-
dicamentosas. Dentre os medicamentos anti-hipertensivos incluem-se os bloquea-
dores adrenérgicos, os bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona,
os diuréticos e os antagonistas dos canais de cálcio, entre outros. Em relação às me-
didas não medicamentosas, destaca-se a mudança de hábitos alimentares com a re-
dução do consumo de sal, álcool e alimentos de alto grau calórico, a perda de peso e
a prática regular de atividades físicas (1).
Em relação aos exercícios físicos, os exercícios aeróbicos são os classicamente indi-
cados para os indivíduos hipertensos. Entretanto, mais recentemente, os exercícios
resistidos também passaram a ser indicados, em complemento aos aeróbicos, para
esta população (3-5).
Para se analisar o efeito de qualquer conduta em indivíduos portadores de qualquer
doença, é importante ponderar os riscos e benefícios que tal conduta pode determinar
256
livro:livro maputo 6/3/10 23:24 Page 257
para uma população específica. Desta forma, este capítulo discutirá os riscos e os be-
nefícios inerentes aos exercícios aeróbicos e resistidos para indivíduos hipertensos.
Quando consideramos os riscos do exercício em hipertensos, ele se refere à possi-
bilidade da pressão arterial se elevar demasiadamente durante a execução do exer-
cício. De fato, um aumento exacerbado e, principalmente, abrupto da pressão
arterial aumenta a possibilidade de rompimento de aneurismas (regiões enfraque-
cidas da parede arterial) pré-existentes (6), causando acidente vascular cerebral he-
morrágico, dissecação de aneurisma de aorta ou mesmo morte. Este é um risco
especialmente importante em hipertensos, pois estes pacientes têm maiores chan-
ces de terem aneurismas (7). Por outro lado, os benefícios específicos do exercício
físico em indivíduos hipertensos caracterizam-se pela possibilidade deste exercício
reduzir a pressão arterial desses pacientes, reduzindo a morbimortalidade cardio-
vascular nesta população (1). Este benefício pode ser conseguido a partir do efeito
agudo pós-exercício, decorrente de cada sessão de treinamento, ou do efeito crônico
do exercício, decorrente da prática regular por um período de tempo.
Assim, nas partes seguintes deste capítulo, serão discutidos, para os exercícios aeró-
bicos e resistidos, os efeitos agudos durante e após o exercício, bem como os efeitos
crônicos do treinamento, a fim de permitir uma ponderação final em relação aos
riscos e benefícios de cada um destes tipos de exercício e a elaboração de conceitos
gerais para uma prescrição eficaz e segura.
2. Exercício aeróbico
Caracterização do Exercício Aeróbico
Os exercícios aeróbicos se caracterizam pela realização de esforço físico, cuja pro-
dução de energia resulta da utilização do oxigênio(3). Quando realizados de forma
regular caracterizam o treinamento aeróbico, que promove melhoras expressivas
na via oxidativa de produção de energia. Para se obter esses efeitos, os exercícios
devem envolver a participação de grandes massas musculares (pelo menos 1/6 da
massa muscular total do organismo), que se contraiam ciclicamente, em intensi-
dade leve a moderada e por longa duração(3).
257
livro:livro maputo 6/3/10 23:40 Page 258
Figura 1. Resposta da pressão arterial sistólica (PAS) durante o exercício aeróbico. Pai-
nel A. Resposta observada ao longo do tempo em exercícios de diferentes intensidades:
30 e 50% do VO2pico. Painel B. Resposta observada no exercício realizado com 1 ou 2
pernas em 50% do VO2pico.
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Esta hipotensão pós-exercício tem importância clínica, pois ela é mais evidente em
indivíduos que têm pressão arterial elevada, tem magnitude significante e perma-
nece durante um longo período de tempo. Nesse sentido, a hipotensão pós-exercí-
cio aeróbico tem sido verificada em homens e mulheres, jovens e idosos (19, 20),
normotensos e hipertensos (21). Sua magnitude média é de 5 a 10 mmHg para os
indivíduos normotensos e 20 mmHg para os hipertensos(22). Além disso, ela pode
durar por até 16 horas em hipertensos (23).
Diversos fatores podem potencializar a ocorrência, a magnitude e duração da hipo-
tensão pós-exercício. Neste sentido, o efeito da intensidade do exercício é bastante
controverso, mas de modo geral, pode-se dizer que em normotensos, os exercícios
aeróbicos de maior intensidade promovem maior efeito hipotensor pós-exercício
(24), porém a intensidade elevada nem sempre tem maior efeito (25, 26). De ma-
neira geral, exercícios entre 40 e 60% do VO2pico promovem bom efeito hipotensor
pós-exercício na população hipertensa. A duração do exercício exerce uma impor-
tante contribuição na hipotensão pós-exercício. Assim, exercícios mais prolongados
promovem queda da pressão arterial pós-exercício mais precoce, de maior magni-
tude e que permanece por mais tempo (26). Normalmente, exercícios com 30 a 45
minutos de duração promovem bom efeito hipotensor pós-exercício. Em relação
ao tamanho da massa muscular exercitada durante o exercício aeróbico, exercícios
envolvendo maiores grupos musculares, provocam hipotensão pós-exercício de
maior magnitude e duração (27, 28). Assim, exercícios de caminhada, corrida e ci-
cloergometria promovem bom efeito hipotensor pós-exercício. Todos os aspectos
citados acima (maior intensidade, maior duração e maior massa muscular) impli-
cam em gasto energético despendido durante a realização do exercício físico. De
fato, exercícios que promovem um maior dispêndio energético resultam em maior
hipotensão pós-exercício (27) e parece haver um gasto energético mínimo para de-
sencadear a queda da pressão arterial pós-exercício.
Os mecanismos responsáveis pela ocorrência da hipotensão pós-exercício aeróbico
ainda não estão plenamente estabelecidos (29). Do ponto de vista hemodinâmico,
quando a recuperação é feita na posição deitada, o mecanismo responsável pela
queda da pressão arterial é a redução da resistência vascular periférica. Por outro
lado, quando a recuperação é feita na posição sentada, algumas pessoas têm a queda
da pressão arterial por redução da resistência vascular periférica e outras por redu-
ção do débito cardíaco (24). A queda do débito cardíaco resulta da redução do volume
sistólico pós-exercício, uma vez que a frequência cardíaca permanece elevada por
vários minutos durante a recuperação (24). Quando a hipotensão pós-exercício
ocorre em virtude da diminuição da resistência vascular periférica, essa diminuição
se dá pela manutenção da vasodilatação periférica no período pós-exercício (30).
260
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A meta-análise mais recente sobre este assunto verificou reduções médias de 3,0 e
2,4 mmHg para as pressões arteriais sistólica e diastólica, respectivamente, após o
treinamento aeróbico, sendo que esta redução foi mais expressiva nos indivíduos
hipertensos, -6,9 e -4,9 mmHg, respectivamente (32). Embora tais reduções possam
parecer modestas, elas são semelhantes às obtidas com medicamentos anti-hiper-
tensivos. Além disso, sabe-se que reduções de apenas 2 mmHg, quando sustentadas,
representam reduções de 6% na mortalidade por acidente vascular encefálico e 4%
na mortalidade por doença da artéria coronária (2).
Considerando-se a pressão arterial ambulatorial, ou seja, de 24 horas, o efeito do
treinamento aeróbico ainda não foi plenamente estabelecido, mas a maioria dos es-
tudos verifica redução desta pressão, sobretudo no período de vigília, quando o hi-
pertenso está acordado (32). Entretanto, para que o efeito do treinamento seja
evidenciado na pressão arterial de 24 horas parece ser necessário um período mais
longo de treino.
É importante ressaltar ainda que o treinamento aeróbico também reduz a pressão
arterial durante o próprio exercício, ou seja, a pressão arterial medida numa deter-
minada intensidade absoluta (carga) de exercício é menor após um período de trei-
namento aeróbico. Além disso, nos pacientes hipertensos, a pressão arterial para a
mesma intensidade relativa (percentual do VO2max) de exercício também se reduz
com o treinamento (33).
Todos os efeitos hipotensores relatados anteriormente podem trazer consequência
para o tratamento dos hipertensos. Desse modo, alguns pacientes são capazes de
controlar sua pressão arterial sem a necessidade do uso de medicamentos após o
treinamento físico e, em outros, a dose ou o número de medicamentos podem ser
reduzidos após o treino (34). Entretanto, é importante ressaltar que aproximada-
mente 25% dos hipertensos não respondem com queda da pressão arterial ao trei-
namento aeróbico, o que pode estar ligado a características genéticas (35).
261
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3. Exercício resistido
Caracterização do Exercício Resistido
O exercício resistido, também chamado de exercício com pesos, exercício de força
ou musculação, se caracteriza por um exercício que requer que os músculos de um
determinado segmento corporal se movam (ou tentem de mover) contra uma força
de oposição, normalmente representada por algum tipo de equipamento, por elás-
ticos, por pesos livres, por outros acessórios, ou mesmo pelo peso do próprio corpo
(42). De modo geral, os exercícios resistidos normalmente são isotônicos/dinâmi-
cos, ou seja, apresentam movimento articular com alternância de contrações con-
cêntricas e excêntricas. Porém, algumas vezes, estes exercícios podem ter
características isométricas/estáticas (ausência de movimento apesar da geração de
tensão), como quando o exercício é feito em alta intensidade ou é levado até a
exaustão muscular momentânea (43).
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Figura 4. Pressão arterial sistólica e diastólica medidas durante a execução de uma série
do exercício de extensão de pernas em 40% de 1 RM até a exaustão em um indivíduo
normotenso (painel A) e um hipertenso não medicado (painel B).
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Figura 5. Valor máximo da pressão arterial sistólica (PAS) atingido durante a execução
do exercício de extensão de ambas as pernas em: Painel A – normotensos (NT), hiperten-
sos (HT) e hipertensos medicados com atenolol (HT med) realizando o exercício em 40%
de 1 RM até a exaustão; Painel B – hipertensos em 40 e 80% de 1 RM conduzido até a fa-
diga concêntrica.
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Com relação à redução da pressão arterial clínica, a maioria dos estudos observou
redução da pressão arterial, tanto sistólica quanto diastólica, pós-exercício em hi-
pertensos e normotensos (53-70) (Figura 6). Porém, existem estudos que mostra-
ram manutenção ou mesmo aumento da pressão arterial após a realização do
exercício(55, 57-60, 62, 63, 65, 67-75).
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livro:livro maputo 6/3/10 23:40 Page 266
Figura 7. Pressão arterial sistólica (PAS) de repouso medida em indivíduos idosos nor-
motensos submetidos a um período de treinamento resistido de intensidade progres-
siva. Painel A - 10-12 semanas de treinamento (8 a 12 RM). Painel B - 16 semanas de
treinamento (4 RM).
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Por outro lado, poucos estudos foram realizados com indivíduos hipertensos. Dos
que analisaram apenas hipertensos (79-81), nenhum observou redução efetiva da
pressão arterial com o treinamento resistido, e apenas um deles, que envolveu o
treinamento de baixa intensidade, verificou uma pequena queda (79). Por outro
lado, os que mostram efeitos benéficos do treinamento resistido em reduzir os ní-
veis de pressão arterial investigaram hipertensos diabéticos ou associaram os exer-
cícios resistidos aos aeróbicos (82, 83), de forma que estes fatores podem ter
influenciado os resultados encontrados. Alguns estudos (80, 84) avaliaram também
266
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4. Considerações finais
Diante do exposto, fica evidente que, como qualquer conduta executada em indi-
víduos portadores de doenças, tanto o exercício aeróbico quanto o resistido promo-
vem riscos e benefícios para os indivíduos hipertensos, porém adaptações podem
ser feitas na prescrição destes exercícios a fim de minimizar os riscos e maximizar
os benefícios.
Em relação ao exercício aeróbico, observa-se que o risco existe em função da pressão
arterial sistólica aumentar durante sua execução, principalmente em hipertensos
hiper-reativos. Porém, este risco pode ser controlado, pois é possível medir a pressão
arterial sistólica com a técnica auscultatória durante o exercício (13, 14) e, se o nível
estiver muito elevado, maior que 180/105 mmHg (13, 14), é possível minimizar o
risco reduzindo-se a intensidade do exercício. Por outro lado, este tipo de treina-
mento trás benefícios expressivos, promovendo redução de grande magnitude e
duração na pressão arterial após a realização de cada sessão de exercício (hipotensão
pós-exercício), que pode ser maximizada em hipertensos através do exercício de
menor intensidade, mas com maior massa muscular e maior duração. Além disso,
cronicamente, o treinamento aeróbico também trás benefícios já bastante compro-
vados e expressivos, reduzindo a pressão arterial de repouso, durante o exercício e
nas 24 horas do dia, o que pode resultar em menor necessidade de uso de medica-
mentos. Cabe ressaltar que estes benefícios podem ser maximizados pelo treina-
mento de menor intensidade, mas com maior volume (maior duração por sessão e
maior número de sessões por semana).
Dessa forma, o exercício aeróbico apresenta risco baixo e controlável em hiperten-
sos, e promove benefícios expressivos sobre a pressão arterial desses pacientes,
sendo imprescindível sua recomendação para esta população. Para se maximizar os
267
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1. Introdução
Descrita pela primeira vez em 1817, a doença de Parkinson (DP) é uma patologia
neurológica, crônica, degenerativa e progressiva que ocorre devido à disfunção dos
neurônios secretores de dopamina dos núcleos da base, mais especificamente da
substantia nigra pars compacta. Dados epidemiográficos revelam a grande relevância
social da DP, uma vez que o número de idosos vem crescendo em todo o mundo
(LUTZ et al., 2001) e a DP atinge principalmente adultos com mais de 50 anos de
idade (VAN DEN EEDEN et al., 2003).
A DP é a segunda patologia neurodegenerativa em incidência na população mun-
dial acima dos 60 anos de idade, sendo que acomete cerca de cinco milhões de pes-
soas ao redor do mundo (OLANOW, STERN & SETHI, 2009). Especificamente no
Brasil, sua prevalência não é conhecida (SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA DA
SAUDE – BRASIL, 2002), mas estima-se que em 2030, 340 mil pessoas sejam aco-
metidas pela DP no país.
Como consequência do déficit dopaminérgico, os pacientes com DP apresentam si-
nais e sintomas motores (MORRIS et al., 2001; HAUSDORFF, 2009) e não-motores
(STELLA et al., 2007a; 2007b) e, considerando o amplo quadro de comprometimen-
tos, o tratamento multidisciplinar que inclua profissionais de todas as áreas da saúde
(Educação Física, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição e Terapia Ocu-
pacional) é recomendado. Estes profissionais devem estar qualificados para intervir
e avaliar o efeito desta intervenção por meio de métodos e instrumentos específi-
cos. O sucesso do tratamento depende do relacionamento avaliação-intervenção,
uma vez que as avaliações apresentam o quadro do paciente e auxiliam no direcio-
namento da intervenção profissional.
Dentre as áreas da saúde, a Educação Física vem promovendo benefícios que com-
preendem aspectos motores e cognitivos através de programas de atividade física
especialmente desenvolvidos para esta população (TANAKA et al., 2009; GOBBI et
al., 2009a). De maneira geral, estes programas têm o objetivo de melhorar compo-
nentes da capacidade física e funções cognitivas, de modo que possam ser observa-
dos benefícios em relação à autonomia e à qualidade de vida dos pacientes.
Segundo o Sistema CONFEF/CREFs, o profissional de Educação Física no Brasil é
especialista em atividades físicas e tem o propósito de prestar serviços que favore-
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2. A doença de Parkinson
A presente seção deste capítulo tem como principal objetivo caracterizar os pacien-
tes com DP quanto aos seus comprometimentos motores e não motores. Essa ca-
racterização se faz necessária para que seja possível ao leitor e ao educador físico,
dentro do aspecto da sua profissão, identificar as principais necessidades desses pa-
cientes. Ainda, para que se torne claro o processo que leva o paciente a apresentar
tais sinais e sintomas, uma breve revisão sobre a neurofisiopatologia da DP é apre-
sentada a seguir.
A DP é uma doença neurodegenerativa progressiva caracterizada pela perda dos
neurônios dopaminérgicos nigroestriatais localizados na parte compacta da subs-
tância negra, situada nos núcleos da base, que inerva o neocórtex (MOORE, 2003).
Esta estrutura tem como principal função o controle dos movimentos, ou seja, a re-
gulação da atividade dos neurônios motores superiores.
A dopamina é um dos principais neurotransmissores envolvidos na DP, sendo que
sua principal função é a regulação das vias direta e indireta dos núcleos da base.
Além da dopamina, outros neurotransmissores têm papel fundamental nesta re-
gulação, tais como, ácido gama-amino butírico (GABA), acetilcolina, substância P,
encefalina e glutamato. Consequentemente, na DP ocorre redução do envolvi-
mento na via direta e aumento de disparos na via indireta. De forma geral, as afe-
rências da substância negra estão reduzidas, dificultando a geração de atividade
inibitória pelo caudado e putâmen. Portanto, esta alteração na via direta faz com
que a inibição tônica do globo pálido (segmento medial ao tálamo) esteja alterada
(PURVES et al., 2005), reduzindo a excitação talâmica do córtex motor. A Figura 1
apresenta a contribuição dos neurotransmissores para as alterações nas vias
direta/indireta na DP.
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Avaliação funcional
a) Andar: a avaliação da locomoção pode ser realizada através de testes laboratoriais
e de campo. Na avaliação em laboratório, a análise cinemática do padrão locomotor
é a mais utilizada e recomendada (PIERUCCINI-FARIA et al., 2006; VITÓRIO et al.,
2009). Para a avaliação de campo, os testes mais indicados são os testes de 6 minutos
(SCHENKMAN et al., 1997) e de 2 minutos (LIGHT et al., 1997), nos quais o partici-
pante realiza a caminhada em um corredor, indo e voltando, sendo quantificada a
distância percorrida.
b) Postura: a associação de vários componentes pode determinar o controle postural.
Assim, para avaliação completa da postura, é necessário verificar a oscilação corpo-
ral, o alinhamento postural (VIEIRA, BRINO & SOUZA, 1999) e a amplitude de mo-
vimento articular (DUARTE & MOCHIZUKI, 2001). Os instrumentos mais
indicados e utilizados para este tipo de avaliação são as análises cinemática (BAR-
ROS et al., 1999) e cinética (MOCHIZUKI & AMADIO, 2003) e a goniometria (PAL-
MER & EPLER, 2000).
c) Atividades da vida diária e déficits motores: para a avaliação do desempenho na rea-
lização das atividades da vida diária e dos déficits motores, os instrumentos mais
aplicados em pacientes com DP são: a Parkinson’s Disease Rating Scale (WEBSTER,
1968); o Physical Performance Test (PASCHAL et al., 2006); e a Parkinson Activity Scale;
(NIEUWBOER et al., 2000). Estes testes avaliam as atividades da vida diária, consi-
derando os sinais e sintomas específicos da DP. Neste aspecto, além de testes espe-
cíficos, instrumentos não específicos como a Escala de Sydney (HELY et al., 1993)
e a Schwab and England Activities of Daily Living (SCHWAB & ENGLAND, 1969) tam-
bém são amplamente utilizados.
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Avaliação cognitiva
a) Geral: a avaliação cognitiva geral é importante para verificar o nível de compro-
metimento cognitivo do paciente com DP. Para isso, os testes mais aplicados são: o
Mini-Mental State Examination (HOOPS et al., 2009) e o Montreal Cognitive Asses-
sment (NAZEM et al., 2009). Ambos os testes apresentam pontos semelhantes a
serem avaliados (orientação para tempo, orientação para local, registro de palavras,
atenção e cálculo, lembrança de palavras mencionadas, linguagem e capacidade
construtiva visual) e levam em consideração a escolaridade da pessoa avaliada. En-
tretanto, o Montreal Cognitive Assessment tem sido mais sensível que o Mini-Mental
State Examination para avaliar o estado cognitivo geral de pacientes com DP (ZADI-
KOFF et al., 2008).
b) Funções executivas: as funções executivas estão relacionadas com o planejamento
de tarefas e a resolução de problemas. Costumeiramente, são avaliadas através de
escalas validadas para pacientes com DP, como: a Frontal Assessment Batery (LIMA
et al., 2008), que avalia processos neurocognitivos associados ao lobo frontal do cé-
rebro; o Wisconsin Card Sorting Test (MATSUI et al., 2007), instrumento neuropsi-
cológico que avalia funções executivas, uma vez que é sensível em identificar
disfunções do córtex pré-frontal; o Category Fluency Test (animals and supermarket
items) (LUTEIJN & BARELDS, 2004), que avalia fluência verbal e, de modo qualita-
tivo, é utilizado na análise das estratégias organizacionais quando o rápido acesso
às informações semânticas é requerido; o Controlled Oral Word Association Test (BEN-
TON & HAMSHER, 1976), que mensura a capacidade do avaliado de fazer associa-
ções verbais com estímulos específicos; o Tower of London-Drexel Test
(CULBERTSON & ZILMER, 2001), que avalia funções executivas e identifica défi-
cits cognitivos e executivos através tarefas de resolução de problemas;
c) Atenção: a atenção é importante para a memória de longo prazo para captação da
informação recebida. Algumas escalas validadas para pacientes com DP são utiliza-
das para este fim, como: a Wechsler Adult Intelligence Scale - Third Version (WAIS-III)
Similarities (WECHSLER, 1997a), que avalia atenção concentrada através de um
teste de procurar símbolos; o Digit Symbol Test (WECHSLER, 1981), que avalia a
atenção concetrada; o Trail Making Test part B (REITAN, 1992; XANTHOPOULOS et
al., 2008), que avalia o nível de função executiva relacionada a atenção, incluindo
conjunto de deslocamento e flexibilidade cognitiva; o Stroop Color Word Test part C
(STROOP, 1935), que avalia atenção seletiva; e a adapted version of WAIS-R forward
and backward digit span (LINDEBOOM & MATTO, 1994; DEMAKIS et al., 2001), que
avalia a velocidade e a eficiência visuomotoras, a capacidade de coleta de informa-
ção através da visão, a aprendizagem, a criação e a manutenção de conjunto e o es-
forço de atenção sustentada.
d) Memória: a memória é uma capacidade que tende a ser comprometida na DP e
pode ser classificada em memória de curta e de longa duração (TANAKA et al.,
2009). Os principais testes utilizados para a avaliação da memória são: o Corsi’s Block-
Tapping Test (COOLS et al., 1984), que avalia a capacidade de memória visual de
curto prazo e a aprendizagem visuoespacial; a Block span forward (Wechsler Memory
Scale – Revised, WECHSLER, 1997b), que avalia a memória declarativa episódica e a
capacidade de evocação (memória de longa duração); o Rey Auditory Verbal Learning
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Test (REY, 1964; TIERNEY, 1994), que avalia a aprendizagem e a memória verbal, in-
cluindo inibição proativa e retroativa, retenção de codificação versus recuperação
e organização subjetiva; o Rivermead Behavioural Memory Test (WILSON, COCK-
BURN & BADDELEY, 1985), que avalia aprendizagem e retenção contextual verbal
e aspectos executivos da memória verbal e visual.
A partir dos instrumentos apresentados, é possível verificar que, para a avaliação
de alguns aspectos, existe a necessidade de desenvolvimento de testes específicos
para pacientes com DP. A especificidade da avaliação possibilita o melhor conheci-
mento do estado geral e específico do paciente, possibilitando o planejamento e a
prescrição de programas de exercícios que atendam as necessidades de cada caso.
Para isso, a formação/capacitação do profissional precisa integralizar conhecimen-
tos a respeito destas avaliações.
No entanto, algumas lacunas na formação do educador físico são evidentes. Por
exemplo, poucas disciplinas dos cursos de Educação Física procuraram ensinar mé-
todos de avaliação para populações especiais, como é o caso do paciente com DP.
Assim, o tópico a seguir aborda esta problemática.
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um programa regular com exercícios físicos para pacientes com DP (PROPARKI), vin-
culado ao curso de graduação em Educação Física. O Programa de atividade física para
pacientes com doença de Parkinson (PROPARKI) tem característica multidisciplinar,
envolvendo educadores físicos, fisioterapeutas e médicos, além de alunos de gradua-
ção e pós-graduação dos cursos de Educação Física e Fisioterapia.
A pesquisa realizada nas IES particulares de São Paulo não apresentou nenhuma
instituição que desenvolva projetos de extensão relacionados à atividade física e
pacientes com DP. No entanto, algumas faculdades apresentam, vinculadas a grade
curricular no curso de graduação em Educação Física, disciplinas que relacionam
atividade física e doenças crônicas neurodegenerativas.
Em relação às IES federais no Brasil, exceto São Paulo, 42 instituições com cursos
de Educação Física foram incluídas na busca. Nenhuma disciplina específica ou pro-
jetos de extensão relacionados com o curso de Educação Física foram localizados.
Dentre as 26 IES estaduais no Brasil com curso de graduação em Educação Física,
um projeto de extensão envolvendo atividade física e DP foi localizado na Univer-
sidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Este projeto, intitulado Projeto de
Parkinson, envolve um grupo de ajuda mútua, musicoterapia e vivências corporais,
administrado por alunos e profissionais de Fisioterapia e Educação Física.
Quanto às IES particulares de outros estados brasileiros, foram incluídas no total
79 faculdades, 23 universidades, 22 centros de ensino, 10 institutos e uma unidade
de ensino. Dentre estas IES, apenas o Centro Universitário Metodista do Rio Grande
do Sul cita a DP na grade curricular, incluída na disciplina de Anatomia. Além disso,
não foram encontrados projetos de extensão direcionados para pacientes com DP
em nenhuma IES particular.
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6. Considerações finais
O presente capítulo abordou aspectos da formação profissional em Educação Física
para o atendimento de pacientes com DP em equipe multidisciplinar. Diante desta
problemática, os tópicos “A DOENÇA DE PARKINSON” e “EXERCÍCIO E DOENÇA
DE PARKINSON” oferecem informações importantes para subsidiar a atuação pro-
fissional de educadores físicos no planejamento, implementação e avaliação da in-
tervenção através de atividades físicas e intelectivas. Além disso, instrumentos de
avaliação amplamente utilizados nos pacientes foram apresentados de maneira su-
cinta, com o intuito de representar um ponto de partida para aqueles que desejam
obter mais informações sobre os testes de interesse.
O conjunto de estudos envolvendo os diferentes benefícios da atividade física em
pacientes com DP ressalta a importância da associação da terapia farmacológica com
o exercício físico no tratamento. Em síntese, a literatura específica mostra que pro-
gramas de atividade física, tanto direcionados para a melhora de parâmetros espe-
cíficos como dos componentes gerais da capacidade física, promovem benefícios
significativos na qualidade de vida de pacientes com DP. Entretanto, novos estudos
devem buscar o estabelecimento de consensos a cerca do melhor delineamento de
um programa de atividade física, considerando frequência semanal, intensidade,
volume, tipo de atividade, entre outros. É importante ressaltar que as atividades
propostas devem atender aos interesses individuais dos envolvidos, visando conci-
liar a busca por uma melhor condição geral com o prazer em estar se exercitando.
A pesquisa sobre a formação do profissional de Educação Física mostrou que as IES
não oferecem disciplinas específicas sobre a DP. No entanto, disciplinas relaciona-
das apresentam informações a respeito da doença em seus diferentes aspectos e,
assim, podem subsidiar a atuação do profissional junto aos pacientes com DP. O pro-
fissional de Educação Física deve saber integrar os conhecimentos das diferentes
disciplinas para o planejamento e implementação de programas de intervenção.
Duas das instituições brasileiras de ensino superior IES pesquisadas (UNESP Rio
Claro e UESB) apresentam projetos de extensão universitária que oferecem ativi-
dades físicas específicas para pacientes com DP. Além de beneficiar os pacientes
através de prestação de serviço de alta qualidade, tais projetos contribuem para a
formação e a capacitação dos estudantes e profissionais envolvidos, representando
uma oportunidade de vivência da prática profissional dentro de uma abordagem de
caráter multidisciplinar. Ainda, a existência de programas dentro de universidades
favorece o desenvolvimento de pesquisas que podem avançar o conhecimento a
cerca dos benefícios do exercício físico sobre pacientes com DP.
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inerente a todos os seres vivos e que se expressa pela perda da capacidade de adap-
tação e pela diminuição da funcionalidade [3] estando assim associado a inúmeras
alterações com repercussões na mobilidade, autonomia e saúde desta população.
Os comportamentos tipicamente associados aos idosos referem-se à passividade e
imobilidade, com reduzida actividade física, criando determinado tipo de padrões
e estereótipos que determinam, frequentemente, a forma de agir deste extracto po-
pulacional. Este sedentarismo dos idosos é, na generalidade dos casos, mais o resul-
tado de imposições sociais e culturais do que uma incapacidade funcional da sua
sustentação [3]. De facto, a senescência associada ao declínio das diversas funções
e órgãos, não deve ser atribuída exclusivamente ao envelhecimento per si, mas fun-
damentalmente à inactividade física e ao desuso [3].
Neste sentido, e em termos de saúde pública interessa, sobretudo, conhecer as for-
mas de tentar atenuar esta degeneração progressiva.
Entre outras, a inactividade física incontestavelmente contribui, quer para o maior
risco de desenvolvimento das doenças cardiovasculares (DCV), sendo o risco de de-
senvolver uma DCV cerca de 1,5 vezes maior em pessoas com baixos níveis de acti-
vidade física [4], quer para um agravamento da incapacidade funcional observada
na generalidade dos idosos [3]. Assim, se, por um lado, a inactividade é um impor-
tante factor de risco para o desenvolvimento de DCV e perda de funcionalidade, pelo
contrário, o aumento da actividade física, entendida não apenas no seu aspecto for-
mal e estruturado mas também não-formal, tem reflexos determinantes na dimi-
nuição dos efeitos deletérios do envelhecimento dentro dos vários domínios físico,
psicológico e social [5]. Adicionalmente, são notórios os efeitos do exercício físico
na melhoria da composição corporal e consequentemente na redução de factores de
risco das diferentes patologias características da sociedade contemporânea [6].
Ao longo dos anos, um número crescente de estudos tem tentado analisar a poten-
cial influência do exercício físico na idade biológica, capacidade funcional e saúde
do idoso (para refs. ver [7]). Por exemplo, diferentes estudos têm demonstrado que
o declínio físico e funcional associado ao envelhecimento pode, mesmo em sujeitos
com idade extrema, ser revertido através do exercício físico. Para além disso, sabe-
se também que a prática de exercício físico está associada à redução da incidência
de doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes tipo II, neoplasia do intestino,
bem como, a estados de ansiedade e depressão [8]. A prática regular de actividade
física tem sido relacionada com o aumento do conteúdo mineral ósseo e com a re-
dução do risco de quedas e fracturas osteoporóticas [9]. Assim, um aumento na ac-
tividade física formal e não formal pode vir a ser uma estratégia preventiva efectiva,
tanto para o indivíduo como para a sociedade, sendo uma forma de melhorar a saúde
pública [10].
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O exercício físico encerra vários objectivos ao nível físico, fisiológico, social e psi-
cológico, que se resumem num objectivo principal que é a melhoria do bem-estar
e da qualidade de vida da pessoa idosa [3].
Para ajudar a entender a frequência com que devem ser feitos os diferentes tipos de
actividade física para promover a saúde e a qualidade de vida necessários para um
envelhecimento saudável, a Pirâmide da Actividade Física é uma importante ferra-
menta [11]. Assim, na base da pirâmide temos as actividades físicas não-formais (do
dia-a-dia) que correspondem às actividades do nosso quotidiano e que são facil-
mente modificáveis. No segundo patamar da pirâmide, encontramos as actividades
aeróbias de carácter mais formal ou planeado, como é o caso da caminhada moderada-
a-vigorosa e do jogging. No terceiro patamar encontram-se as actividades de força e
de flexibilidade. Finalmente, no topo da pirâmide encontramos o período de inacti-
vidade, que deve ser reduzido ao máximo.
O American College of Sports Medicine (ACSM) [12] recomenda para o bem-estar e
a saúde em geral da população idosa, um programa de exercício físico completo e
multidimensional onde sejam incluídas as diferentes componentes da aptidão física
tais como a resistência aeróbia, força muscular, equilíbrio e flexibilidade.
São variadíssimas as actividades que podemos apresentar a este escalão etário, desde
as danças e jogos tradicionais, até exercícios mais localizados de reforço muscular,
passando pelas actividades aquáticas, o caminhar, exercícios de flexibilidade, equi-
líbrio, coordenação (velocidade de reacção e movimento), exercícios de relaxa-
mento e respiratórios, sendo que a forma ideal de trabalho é a combinação das
diferentes actividades.
Dentro deste propósito, o treino de flexibilidade, de força e de resistência aeróbia
tem merecido particular atenção.
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ter uma amplitude de movimento do ombro mais elevada, não significa que a arti-
culação da coxo-femural também o terá.
Segundo Alter [15] existem dois tipos fundamentais de flexibilidade: estática e fun-
cional (ou dinâmica). A primeira refere-se à manutenção de uma postura por um
período de tempo, sem ou com ligeiro movimento a uma velocidade reduzida. Este
tipo de flexibilidade está associado com a colocação do músculo no seu máximo de
alongamento, suportando esta posição durante um determinado período de tempo.
A flexibilidade dinâmica corresponde à capacidade para utilizar a amplitude de mo-
vimento de uma articulação na execução de uma da actividade ou função, indepen-
dentemente da velocidade ser normal ou aumentada. Assim, vemos que a
flexibilidade é específica do padrão genético, de cada articulação, mas também da
actividade física desenvolvida.
De acordo com Norkin e White [16] a amplitude de movimento de uma articulação
ou grupo articular pode classificar-se em passiva e activa. A amplitude activa de
movimento designa a quantidade de movimento articular realizada por um indi-
víduo de forma voluntária no decorrer do arco de movimento para uma determi-
nada articulação ou grupo articular, sem qualquer assistência externa. A amplitude
passiva, por seu lado, refere-se à quantidade de amplitude de movimento articular
avaliada pelo examinador, sem o auxílio do indivíduo.
A diminuição da amplitude articular resulta, entre outros da atrofia muscular que
é uma importante manifestação do envelhecimento no idoso. Assim, observa-se
uma redução no tamanho das fibras e também no seu número, sendo estas substi-
tuídas por colagénio que progressivamente diminuem a elasticidade muscular e
consequentemente a amplitude articular [14].
A quantidade de colagénio tende desta forma a aumentar com a idade. Para além
disto esta proteína, com o envelhecimento, torna-se mais cristalina e tende a au-
mentar o número de ligações cruzadas entre as suas fibras, ficando com um maior
diâmetro, e consequentemente reduz a sua extensibilidade e a aumenta a sua re-
sistência ao movimento. Por conseguinte é fácil compreender que os tecidos que
contêm colagénio na sua composição, como os músculos, tendões e ligamentos,
ficam menos propensos a serem alongados [14].
As fibras de elastina também apresentam alterações motivadas pelo envelheci-
mento, tais como a fragmentação das suas fibras ou o seu enfraquecimento, calci-
ficação e aumento do número de ligações cruzadas. Todas estas modificações
conduzem a uma perda progressiva da resiliência articular e a um aumento da sua
rigidez [14].
Para além das alterações degenerativas articulares e musculares, associado ao en-
velhecimento está o fenómeno de inactividade física ou desuso. O desuso é a maior
causa de declínio da flexibilidade em idosos, pois produz um aumento da rigidez
dos tecidos conectivos (ligamentos, tendões, músculos), restringindo a amplitude
articular [17]. A imobilidade prolongada conduz à formação anormal de ligações cru-
zadas entre as fibras de colagénio, que levam à diminuição da capacidade de alon-
gamento da estrutura afectada, seja ela músculo, fáscia ou ligamento.
Apesar de treino aeróbio e de reforço muscular serem aqueles mais frequentemente
recomendados para os idosos, a inclusão de exercícios de flexibilidade num pro-
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além dos mecanismos atrás referenciados, outra das possibilidades implicada neste
processo, é o facto dos idosos terem uma reduzida capacidade de activar completa-
mente os seus grupos musculares [45].Este declínio quantitativo e qualitativo na
funcionalidade e estrutura do sistema muscular tem implicações significativas na
capacidade funcional do idoso [46]. Vários estudos têm demonstrado uma correla-
ção positiva entre a força muscular, particularmente a força dos extensores do joe-
lho, com a velocidade de marcha [47], com a subida de degraus[47], com a
capacidade de se levantar de uma cadeira [48] e com a capacidade de realizar dife-
rentes actividades do dia a dia [47]. No estudo de Avlund et al.[47], os idosos (idade
média de 75 anos) que apresentavam reduzidos níveis de força nos músculos ex-
tensores do joelho, apresentaram também uma maior fatigabilidade, bem como
uma maior necessidade de ajuda na realização de diferentes actividades diárias.
Níveis moderados de força são necessários para a realização de inúmeras tarefas diá-
rias, tais como, carregar pesos, subir escadas, levantar-se de cadeiras, etc. Neste sen-
tido, a força adquire uma importância cada vez mais acentuada com o avançar da
idade [46].
Para além deste facto, a literatura sugere que os baixos índices de força estão re-
lacionados com a maior susceptibilidade de ocorrência de quedas e consequentes
fracturas, facilitadas pela desmineralização óssea comum neste escalão etário [49,
50]. Embora ainda não tenha sido estabelecida uma relação de causa-efeito entre
a força muscular e a incidência de quedas, diferentes estudos suportam esta hi-
pótese [51, 52].
Dado que, tal como referido anteriormente, a fraqueza muscular contribui para al-
terações na mobilidade, autonomia, bem como, para o maior risco de quedas e frac-
turas nos idosos, um adequado programa de treino de força pode constituir-se como
um meio importante para a vida diária do idoso.
Neste sentido, apesar do exercício aeróbio ser aquele que, tradicionalmente, é o
mais recomendado para aumentar a aptidão física e saúde, o treino de força pode e
deve ser, hoje, considerado como um componente fundamental do programa geral
de exercício físico do idoso.
O treino de força é de extrema importância para este escalão etário uma vez que as-
sume um papel fundamental, não só na manutenção e promoção da saúde, mas
também na independência do idoso para a realização das suas tarefas diárias. Dife-
rentes estudos têm demonstrado que, independentemente da idade e do sexo, com
estímulos adequados de treino é possível aumentar a força e resistência muscular
dos músculos exercitados [53]. Para além dos factores mais relacionados com a fun-
cionalidade, o treino de força parece ajudar a manter ou até melhorar a densidade
mineral óssea [54], a taxa metabólica basal [55], a sensibilidade da insulina [56], o
tempo de trânsito intestinal e a diminuir a dor e a incapacidade induzidas pela de-
generação articular [29].
Todavia, apesar dos benefícios induzidos pelo treino de força, este deve reger-se de
acordo com um conjunto de princípios e procedimentos, deve ser progressivo e in-
dividualizado, induzindo estímulos para os principais grupos musculares envolvi-
dos nas actividades quotidianas. Deste modo, devem ser realizados exercícios para
os membros superiores favorecendo as actividades motoras diárias, bem como para
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Deste modo, durante estas sessões de trabalho de força, e com o propósito de mini-
mizar a fadiga sem sobrecarregar o sistema muscular e cardiovascular, não apenas
se deve trabalhar de forma alternada a parte inferior e superior do corpo, como tam-
bém, os intervalos entre as séries devem permitir a recuperação completa.
Resumindo, o treino progressivo de força com intensidade moderada, realizado com
técnicas apropriadas, pode e deve ser efectuado com elevada tolerância por idosos
saudáveis, desempenhando um papel importante enquanto estratégia para a ma-
nutenção e/ou aumento da força muscular.
Finalmente, e após todas as considerações de âmbito mais fisiológico, importa sa-
lientar que um programa de exercício físico deve ser prescrito de acordo com as ca-
racterísticas, necessidades, objectivos, nível inicial, estado de saúde e de condição
física dos idosos. Dentro deste propósito, aconselha-se, antes de se iniciar um pro-
grama de exercício físico, a realização de um exame médico-desportivo que permita
por um lado, avaliar a condição física do sujeito e, por outro lado, despistar possíveis
contra-indicações. De igual modo, a ênfase deve ser, pelo menos numa fase inicial,
colocada em factores motivacionais capazes de provocar alterações no estilo de vida,
tornando a actividade física como parte integrante dos seus hábitos de vida.
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1. Introdução
A prática regular de exercícios físicos ao longo de toda a vida é aceita como inter-
venção que contribui para a prevenção e tratamento de diversas condições patoló-
gicas e a manutenção da aptidão funcional. Nesse contexto, há certa concordância
sobre a necessidade de se manterem os níveis de potência aeróbia máxima, força
muscular e flexibilidade. De fato, acumulam-se investigações buscando compreen-
der como o organismo que envelhece reage ao treinamento físico, bem como definir
as relações dose-resposta relativas a essas variáveis de aptidão funcional.
O presente capítulo descreve, com uma abordagem aplicada, o que a literatura dis-
ponível apresenta quanto à forma pela qual as variáveis mencionadas respondem
ao treinamento físico regular. Em cada seção, o texto inicialmente analisa as possi-
bilidades de o exercício acarretar efeitos positivos. Em seguida, são discutidos as-
pectos metodológicos da sua prescrição, considerando as características das pessoas
idosas. No intuito de estabelecer uma ponte entre a discussão teórica e a prática
concreta, encerra-se o capítulo com a apresentação de um programa de atividades
físicas desenvolvido sob a forma de Projeto de Extensão Universitária, pelo Labo-
ratório de Atividade Física e Promoção da Saúde da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, denominado Projeto Idosos em Movimento: Mantendo a Autonomia.
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6 – Uma estratégia interessante para aplicar o treinamento aeróbio em idosos é mesclar os treinamentos
‘contínuo’ e ‘intervalado’ na mesma sessão de exercício. Inicialmente, a maior parte da sessão é destinada
ao trabalho contínuo, enquanto o intervalado vai tomando maior proporção, conforme o idoso for apri-
morando a sua condição. A intensidade do esforço deve ser monitorada continuamente para modifica-
ções nas cargas de trabalho.
7 – A fase de aquecimento deve ser gradual, para evitar fadiga precoce e desconforto durante a sessão de
treinamento. O período de volta à calma também deve ser bem planejado para a recuperação do idoso,
diminuindo as chances de ocorrências cardiovasculares associadas à brusca interrupção do trabalho.
8 – Com relação à prevenção de lesões ortopédicas, maiores cuidados devem ser tomados nas atividades
de maior impacto, principalmente quando as mesmas apresentam intensidades, durações e frequências
elevadas de treinamento.
9 – Uma boa hidratação é fundamental para o idoso realizar o trabalho nas durações e intensidades pro-
postas, dadas as dificuldades de termorregulação. A falta de hidratação pode levar à fadiga precoce, além
de afetar diretamente as respostas hemodinâmicas e cardiovasculares ao esforço. Idosos têm menor sen-
sibilidade à sede quando desidratados, fazendo com que sua reidratação voluntária seja menos frequente.
Além disso, têm resposta renal mais lenta ao sódio e à água, tornando-os mais suscetíveis aos riscos de
hiponatremia do exercício. Por isso, pausas para hidratação devem ser estimuladas, independentemente
da solicitação nesse sentido.
10 – Possíveis mudanças no sistema cardiorrespiratório podem ocorrer no nível submáximo, com reper-
cussões evidentes sobre a independência funcional. A inclusão de exercícios aeróbios regulares, mesmo
com intensidade e volume reduzidos, pode contribuir para a melhoria da condição cardiorrespiratória e
manutenção da autonomia de idosos.
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Importa saber que, em quaisquer dos casos, seja na produção de hormônios, seja na
possível diferenciação de células-satélite, o idoso parece manter as condições fisio-
lógicas para hipertrofiar a musculatura em resposta a cargas e volume adequados de
treinamento (Hikida et al., 2000; Thornell et al., 2003; Kostka et al., 2003; Smilios
et al., 2007; Cadore et al., 2008). Por outro lado, nota-se que, apesar de os idosos pro-
vavelmente serem fisiologicamente capazes de hipertrofia continuada, programas
de treinamento capazes de produzi-la devem associar carga e volumes compatíveis
com as necessárias respostas hormonais e de diferenciação celular. Isso deve ser le-
vado em conta no planejamento de programas de exercícios para idosos, já que nem
sempre esse tipo de estímulo é confortável, predispondo de certa maneira à evasão
do treinamento (Farinatti, Monteiro, 2008). Além disso, cargas e volumes elevados
colocam em maior risco a integridade do aparelho locomotor do praticante.
Em termos gerais, programas de treinamento da força levam em conta os seguintes
fatores: a) tipo e número de exercícios; b) intensidade do esforço; c) número de sé-
ries; d) número de repetições; e) duração dos intervalos entre séries e exercícios; f)
forma de condução dos exercícios; g) freqüência semanal de treinamento; i) siste-
mas de treinamento.
A escolha dos exercícios deveria priorizar a associação com atividades importantes
para a autonomia funcional, como a locomoção e tarefas diárias. O estabelecimento
de uma relação ótima no volume total de trabalho (interação entre sobrecarga, re-
petições, séries e freqüência semanal) envolve aspectos ligados a praticamente
todas as variáveis da prescrição. Além disso, podem existir demandas requeridas
por outros tipos de treinamento, como o aeróbio. Algumas das características que
podem ajudar na determinação do volume de treinamento são: a) estabelecer ob-
jetivos primários e secundários na prescrição; b) identificar as atividades que pro-
vocam maiores demandas energéticas nos idosos (incluem-se aí exercícios formais
e atividades cotidianas); c) identificar características específicas relacionadas à re-
cuperação (dor, desconforto, falta de disposição etc.); d) dosar a freqüência semanal
em função do volume de atividades diárias e características específicas de recupe-
ração; e) testar gradativamente a evolução do volume de trabalho incluindo-se aí
exercícios, repetições, cargas e freqüência de treinamento, dentre outros fatores;
f) considerar os aspectos psicológicos, principalmente os relacionados à motivação
para o treinamento.
É aceito que cargas abaixo de 60% da força máxima acarretariam efeitos modestos
de treinamento em idosos, situando-se a faixa ótima de sobrecarga entre 80 e 90%
(Frontera et al., 1988; Fiatarone et al., 1994; ACSM, 2009a). Contudo, deve-se lem-
brar que, quanto maior a carga, maior o tempo que musculatura de pessoas de idade
avançada exigiria para recuperar-se. Uma estratégia para otimizar os ganhos obti-
dos, sem espaçar as sessões semanais, seria trabalhar com resistências variáveis, ao
invés de impor uma sobrecarga intensa e contínua em todas elas (Hunter et al.,
2001). O trabalho com variação de cargas, por alguma razão, tenderia a otimizar a
execução de tarefas com exigência submáxima de força e padrão coordenativo es-
pecífico, independentemente da repercussão na força máxima absoluta. De qual-
quer forma, a manipulação das cargas relaciona-se ao sistema de treinamento
empregado. O ritmo de progressão das cargas varia muito entre os indivíduos idosos,
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tro a seis vezes por semana cada grupamento muscular, de forma que cada um deles
não seja solicitado mais do que três vezes na semana.
A questão das lesões sempre vem à baila quando se discute a intensidade do treina-
mento de força para idosos. Apesar de reconhecer-se que cargas elevadas possam
predispor a acidentes, alguns estudos parecem sugerir que, quando comparados in-
divíduos jovens com pessoas de idade avançada, o risco para lesões musculares e so-
brecarga cardiovascular excessiva não é muito diferente (Featherstone et al., 1993;
Roth et al., 1999, 2000; Bermon et al., 2000). A tolerância cardiovascular aos exercí-
cios resistidos também parece não se alterar como efeito do envelhecimento. As
respostas agudas de duplo-produto tendem a ser as mesmas que em indivíduos jo-
vens: a sobrecarga cardíaca eleva-se rapidamente quando se trabalha com cargas
elevadas, mas a duração da atividade sendo curta, acabaria por limitar os riscos de
isquemia (Benn et al., 1996; Pollock et al., 2000). Por outro lado, em termos crônicos
o treinamento da força traria benefícios, já que a sobrecarga cardíaca relativa dimi-
nuiria para intensidades absolutas similares de trabalho muscular (Pollock et al.,
2000; Fletcher et al., 2001). Enfim, sessões de treinamento da força parecem ser ca-
pazes de induzir hipotensão pós-exercício (Polito et al., 2003; Simão et al., 2005;
Polito, Farinatti, 2006; Campos et al., 2009), o que por si só é um efeito desejável
para sujeitos idosos.
Na perspectiva da prescrição do exercício, dados disponíveis em nosso laboratório
sugerem que: a) o tempo de tensão (número de repetições) acarreta uma sobrecarga
cardíaca maior que trabalhos curtos com cargas elevadas (Farinatti, Assis, 2000;
Lucas, Farinatti, 2007; Polito et al., 2007); b) o número de repetições tem efeito pre-
ponderante sobre as respostas de freqüência cardíaca e pressão arterial, em relação
ao número de séries e intervalo de recuperação (D’ávila et al., 2001; Polito et al.,
2004); c) o número de séries tem efeito cumulativo sobre as respostas de pressão
arterial (principalmente diastólica), independentemente do intervalo de repouso
(D’ávila et al., 2001; Polito, Farinatti, 2009); d) a alternância de grupamentos mus-
culares na execução de exercícios contínuos exerce efeito favorável nas respostas
cardiovasculares agudas ao treinamento contra-resistência (Veloso et al., 2003). Por
outro lado, o fracionamento das séries pode ser contraproducente, caso seja neces-
sário mobilizar a carga a partir da inércia (Polito et al., 2008); e) exercícios diferentes
para os mesmos grupamentos musculares podem associar-se a respostas cardiovas-
culares diversas (Leite, Farinatti, 2003). O conjunto desses resultados indica que a
manipulação de algumas variáveis pode diminuir o estresse cardiovascular asso-
ciado ao treinamento da força. De forma geral, evitando-se contrações ou movi-
mentos cíclicos mantidos por longo tempo, em um mesmo grupamento muscular,
tende-se a obter menores valores finais de freqüência cardíaca e pressão arterial ao
final das séries de exercícios. Aconselha-se, portanto, a adoção de estratégias como
alternância de grupamentos musculares ou fracionamento das séries, na prescrição
do treinamento para idosos, cujo risco de intercorrência cardiovascular não deve
ser negligenciado.
Finalizando, apresenta-se no Quadro 2 um conjunto de recomendações para a elabo-
ração e aplicação do treinamento de força em idosos (Quadro 2). Logicamente, elas
devem ser analisadas com cautela em função das características individuais do prati-
cante, as quais, como se sabe, são por demais heterogêneas em idades avançadas.
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1 – O praticante deve dominar a técnica dos exercícios antes de iniciar o treinamento com sobrecarga.
2 - A integridade ósteo-mio-articular, assim como a segurança cardiovascular, são aspectos que devem
ser considerados na elaboração dos programas. Nem sempre a maior carga ou o maior volume de trabalho
são os mais adequados para produção do efeito desejado.
3 – Séries conduzidas de forma alternada podem associar-se a uma menor sobrecarga cardiovascular para
um mesmo número de repetições, contribuindo para o controle das respostas cardiovasculares durante
o esforço.
4 – O número de exercícios geralmente varia de 8 a 12. Porém, isso depende dos objetivos e necessidades
dos praticantes, bem como da forma de periodização adotada.
5 – A resistência utilizada pode variar entre 50 e 80-90% de uma 1 repetição máxima (RM), dependendo
da prioridade do trabalho. Alternar cargas nas sessões de treinamento parece ter bons resultados com
idosos. Além disso, deve-se evitar a manobra de Valsalva, facilitando o retorno venoso e diminuindo as
respostas cardiovasculares agudas.
7 – Recomenda-se para o iniciante a realização de uma série de cada exercício, progredindo para séries
múltiplas ao longo do treinamento. Os intervalos de recuperação entre exercícios e séries dependem da
sobrecarga utilizada e da capacidade de recuperação. Por isso, não deveriam ser fixos, antes variando em
virtude da percepção do praticante.
8 – Preconiza-se para iniciantes entre 8 a 12 repetições por exercício. Posteriormente, em função dos
objetivos da prescrição, esse número pode diminuir, com aumento das cargas. A velocidade de movi-
mento deve ser confortável, priorizando a técnica da execução do exercício e, portanto, a segurança do
praticante.
9 – A freqüência semanal dependerá do nível de aptidão do praticante. Para iniciantes que trabalham
com cargas não elevadas, o programa poderá ter lugar em quase todos os dias da semana. Para os mais
adiantados, que treinam com cargas elevadas, a freqüência semanal de trabalho por grupamento mus-
cular deveria diminuir.
10 – A quebra da rotina no treinamento deve ser sempre considerada, para aumentar o potencial de ade-
são do praticante. Aliás, isso é válido para qualquer tipo de treinamento empregado em idosos. A duração
total do treinamento não deveria ultrapassar 1:30 h.
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9 - Não é preciso realizar um número demasiado de repetições. Cada exercício pode ser trabalhado de
3 a 5 vezes. Deve-se lembrar que a repetição excessiva de movimentos em sua máxima amplitude
pode predispor os praticantes a lesões. A freqüência semanal de treinamento varia de 3 a 5 vezes. Con-
tudo, isso pode variar, dependendo do grau de condicionamento do idoso e dos objetivos com a prática
do exercício.
10 - Incluir exercícios de alongamento em todo tipo de treinamento, tanto na etapa inicial (aqueci-
mento), quanto na final (volta à calma), sendo que nesta última deve-se evitar alcançar amplitudes má-
ximas.
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Finalmente, de posse dos resultados dos testes, é marcada consulta com médico do
programa, que avalia as condições de participação do aluno. A reavaliação dos par-
ticipantes do projeto é anual, seguindo os mesmos princípios.
É importante ressaltar que o controle médico não é utilizado com fins de excluir pos-
síveis candidatos do ingresso nas atividades do projeto. Normalmente e tanto quanto
possível, a avaliação médica é utilizada como fonte de informações sobre comprome-
timentos que possam ser agravados pela atividade física, que ofereçam certo risco ou
que possam ser compensados por ela. Assim, indivíduos com hipertensão em repouso
ou reativa ao esforço, diabetes, problemas ósteo-articulares ou déficits cognitivos
preocupantes, são acompanhados com mais cuidado durante as aulas – por exemplo,
no caso dos diabéticos a glicemia deve ser controlada antes e depois das sessões, no
caso de hipertensos reativos, a pressão deve ser observada antes, durante e após as
sessões e assim por diante. Além disso, dependendo do caso, o aluno pode ser enca-
minhado a atendimento complementar, de maneira que se adotem estratégias tera-
pêuticas ou preventivas relativas a problemas específicos diagnosticados.
Mas as estratégias de avaliação do Projeto IMMA não se esgotam na dimensão clí-
nica. O nível de autonomia de ação dos participantes é apreciado duas vezes por
ano, no início e fim do período letivo. Para tanto, foi adotado como teste padrão o
Sistema Senior de Avaliação da Autonomia de Ação (SysSen) (Farinatti, 1998, 2000; Fa-
rinatti, Vanfraechem, 1999, 2000; Farinatti et al., 1998, 2008). O teste consiste em
um questionário para levantamento as necessidades em termos de força de mem-
bros superiores e capacidade cardiorrespiratória para atividades realizadas em três
dimensões (o que se faz, o que se deve fazer em virtude de imposições ambientais
e o que se desejaria fazer, mas não se faz atualmente) e um teste de campo visando
estimar o potencial de satisfação daquelas necessidades, no âmbito da aptidão física.
Do cruzamento dessas informações obtém-se um índice que exprime o quanto o
idoso tem de potencial para realizar atividades que respondam às necessidades im-
postas pelo ambiente físico, mas também às suas próprias aspirações quanto às ati-
vidades correspondentes a uma vida autônoma.
Antes das aulas, algumas rotinas pré-participação têm lugar. A pressão arterial e a
glicemia de todos os idosos são aferidas e comparadas com as informações sobre a
preexistência de quadros de hipertensão arterial ou diabetes, bem como quanto ao
nível de normalidade esperado em função dos medicamentos utilizados. De posse
desses dados, o professor tem condições de decidir sobre a participação na aula e
sobre a necessidade de encaminhamento médico. Após a aula a pressão arterial e a
glicose sangüínea voltam a ser controladas, de maneira que se controle o retorno
aos valores tensionais de repouso e se evitem episódios de hipoglicemia. Todas as
rotinas preventivas são exibidas na lista de chamada aplicada pelos professores,
apresentada na Figura 1. Na lista, além do nome dos alunos, é possível visualizar ra-
pidamente os comprometimentos de cada um deles, de forma a auxiliar o processo
decisório e facilitando a atenção individualizada, mesmo que a aula se dê em grupos.
Esta lista de chamada, aliás, representa uma ponte bem sucedida em os exames mé-
dicos pré-participação e a atuação do professor. Na verdade, é através dela que os re-
sultados da avaliação do médico são efetivamente aplicados na rotina das aulas, o
que nem sempre é feito em programas desse tipo.
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acarretadas pelo baixo nível de escolaridade dos idosos a quem o Projeto atende (5%
de analfabetos e 56% com ensino fundamental incompleto).
Enfim, para melhor controlar a questão da segurança nas atividades físicas e apri-
morar o desempenho didático-pedagógico do professor, foi idealizado um esquema
padrão para as aulas, estas últimas concebidas de forma ampla. As condições para
uma aula não dizem respeito apenas ao local, mas também ao conteúdo, a lição, ou
seja, ao ensinamento que ocorre naquele local. Refletir sobre a aula não é uma tarefa
fácil, pois significa penetrar na profundidade da intencionalidade das atividades pe-
dagógicas. Assim, com fins de treinamento dos recursos humanos, abraçou-se a
idéia de que as sessões de atividades físicas para os idosos (as aulas) seriam elabora-
das obedecendo a um esquema pedagogicamente pré-determinado, ainda que sufi-
cientemente flexível para permitir adequações. Com a adoção desse tipo de
esquema almejou-se inibir ‘tentativas perigosas de originalidade’, principalmente por
parte de alunos em treinamento ou profissionais com pouca experiência com as
pessoas idosas. O esquema IMMA para aulas de ginástica/dança é composto de seis
partes, conforme descrito no Quadro 4.
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6. Considerações finais
A prática sistemática de atividades físicas pode atuar de forma positiva na redução
e/ou manutenção de diversos aspectos associados à saúde e autonomia funcional
das pessoas idosas. No contexto da elaboração de programas de exercícios para essa
população ao menos três pontos devem ser considerados. Primeiramente, há que
conhecer as modificações acarretadas pelo processo de envelhecimento sobre as va-
riáveis fisiológicas relevantes aos objetivos perseguidos e às condições objetivas da
prática do exercício. Em segundo lugar, é necessário estabelecer com base nesse co-
nhecimento as expectativas quanto aos efeitos do treinamento, bem como os pos-
síveis efeitos e riscos associados ao programa de exercícios. Enfim, é necessário
conhecer as bases fisiológicas que regem a elaboração do treinamento e as possibi-
lidades de sua aplicação no contexto com que se lida.
O presente capítulo procurou abordar aspectos nessas três dimensões fundamentais
para o delineamento de programas de treinamento visando o desenvolvimento da
aptidão física e a promoção da saúde das pessoas idosas. É claro que um texto desta
natureza não consegue esgotar as múltiplas possibilidades da prescrição do exercício
para idosos, por demais abrangentes e complexas. Assim, optou-se por restringir a
discussão às qualidades físicas por nós consideradas como básicas para a funciona-
lidade do idoso: capacidade cardiorrespiratória, força muscular e flexibilidade. Da
combinação dessas qualidades, em um contexto funcional, definem-se outras qua-
lidades físicas importantes, como o equilíbrio ou a coordenação motora.
As evidências aqui apresentadas sugerem que há uma clara tendência ao declínio
no desempenho em todas as qualidades físicas aqui discutidas. Por outro lado, fica
igualmente claro que a prática sistemática de atividades físicas, em qualquer idade,
pode contribuir para minorar essas perdas e, mesmo, revertê-las. Outro aspecto im-
portante estabelecido pelos estudos disponíveis diz respeito ao potencial das pes-
soas idosas em responderem aos estímulos do treinamento. Na verdade, os efeitos
benéficos da prática do exercício sobre a capacidade física e funcional dão-se, fre-
qüentemente, em resposta a volumes e intensidades reduzidos de treinamento.
Coerente com essa premissa, foram descritas as características de um programa de
atividades físicas desenvolvido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o Pro-
jeto IMMA, que já conta com 20 anos de experiência acumulada e centenas de aten-
dimentos. Nota-se que a abordagem do Projeto IMMA opta por uma perspectiva
inclusiva, valendo-se da avaliação pré-participação para determinar condutas dife-
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1. Palavras iniciais
“Envelhecer é um privilégio e uma conquista social”, segundo a declaração da Organi-
zação Mundial da Saúde. De fato, as características populacionais, como a longevi-
dade de diferentes países, demonstram a transformação da sociedade mundial. A
população idosa brasileira, por exemplo, saltará de 9% (18 milhões) a 18% (33 mi-
lhões) da população total, no período de 2005 a 2022. Esse processo ocorrerá, por-
tanto, em apenas 17 anos, enquanto que na França, a população idosa passou de 7%
para 14% em 115 anos. Considerando-se o total de habitantes desses dois países em
números absolutos (Brasil: 192 milhões; França: 64 milhões), a transformação da
sociedade brasileira tem sido significativa e, conseqüentemente, a adaptação terá
de ser rápida.
Os debates sobre as mudanças da previdência social já têm tomado os noticiários
há alguns anos. Foram elaboradas algumas leis no sentido de garantir serviços e di-
reitos da população idosa (Lei Orgânica da Assistência Social, Lei 8.742/1993; Polí-
tica Nacional do Idoso, Lei 8.842/1994; Portaria Nº 2.528 de 19/10/2006; Estatuto
do Idoso, 2003). No entanto, há de se ter um cuidado especial com a saúde pública,
já que existe um risco aumentado em adquirir doenças crônico-degenerativas com
o avanço da idade.
A prática regular de atividade física ao longo do processo de envelhecimento, em par-
ticular, também tem papel de destaque na qualidade da vida humana. O envelheci-
mento se caracteriza por um conjunto de mudanças, as quais muitas vezes estão
associadas a aspectos negativos. A diminuição progressiva das capacidades motoras
(força, velocidade, resistência, agilidade e flexibilidade), que são as capacidades gerais
para realizar uma variedade de habilidades motoras, é um exemplo das transforma-
ções que acompanham o avanço da idade. Essa diminuição de capacidades motoras
implica em um decréscimo significativo no desempenho de tarefas cotidianas.
Tal dificuldade influencia negativamente a habilidade em interagir de forma efetiva
com o ambiente. Por sua vez tal fato ocorre como conseqüência do próprio decrés-
cimo no desempenho de tarefas cotidianas. O resultado desse processo ocasiona
numa diminuição da qualidade de vida, que está relacionada a valores pessoais e
inúmeros outros fatores, dentre eles a prática de atividade física, que tem se mos-
trado eficiente na minimização das perdas referentes às capacidades motoras de
idosos (Chodzko-Zajko, 2009).
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vidade física (por exemplo), seria oferecer condições para que o sistema/indivíduo
pudesse escolher uma resposta motora adequada. Isso significa oferecer possibili-
dades de escolha. Segundo Mark Latash1 (comunicação pessoal), seria pretensão do
pesquisador ou do professor saber mais do que o SNC de uma pessoa.
Embora haja evidências que apontam declínios na aquisição de habilidades motoras
de idosos (Gehring, 2008) comparados a adultos jovens (McNay & Willingham,
1998; Ruiz et al., 2007; Seidler, 2007a), os resultados de pesquisa demonstram que
idosos são capazes de modificar o comportamento de forma qualitativamente su-
perior em função da prática. Isso foi evidenciado tanto em tarefas motoras realiza-
das em laboratório de pesquisa (Santos & Tani 1994, 1995; Seidler, 2007b), como em
tarefas motoras de maior validade ecológica como o malabares (Voelcker-Rehage &
Willimczik, 2006), ou o golfe (Steinberg, 2000; Steinberg & Glass, 2001).
A faixa etária dos grupos considerados idosos merece algum destaque, visto que a
maior parte dos delineamentos de pesquisa reúne, em geral, todos os indivíduos
acima de 60 anos de idade. Esse critério de agrupamento parte da premissa, segundo
a qual, após os 60 anos de idade não ocorrerão mudanças significativas em termos
de desenvolvimento. Com isso, muitas vezes tais grupos experimentais incluem
indivíduos desde os 60 anos de idade até indivíduos entre 80 e 90 anos de idade.
Embora a utilização de grupos mais homogêneos em termos de idade cronológica
possa facilitar a compreensão do envelhecimento, a viabilização da pesquisa, em
termos metodológicos, é dificultada. É necessário considerar que as mudanças de
desenvolvimento continuam a ocorrer ao longo de todo o ciclo de vida (Santos,
2002), portanto, agrupar pessoas de 60, 70, 80 e 90 anos de idade (ou mais) é um
equívoco. Recentemente, Gehring (2008) demonstrou diferenças de desempenho
na aquisição de uma habilidade motora de dois grupos de idosos, um de 60-64 anos
de idade e outro de 75-79 anos de idade.
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de 80% dos idosos envolvidos em programas de atividades físicas são mulheres. No-
vamente, supõe-se que esses programas não atraem a população idosa masculina.
Outra característica da população idosa brasileira é a diversidade cultural, pois, além
das diferenças regionais de um país de grande dimensão territorial, há a influência
do processo de imigração (8% Italiano; 7% Português; 3% Espanhol; 2% Alemão; 1%
Africano; 1% Japonês), que pode gerar outras preferências por atividades.
Portanto, constata-se que: (a) andar é a principal atividade, mas idosos não a fazem
com a freqüência desejada; (b) a maioria dos idosos faz atividade física sozinho; (c)
a oferta de programas de atividade física para idosos é baixa; (d) programas de ati-
vidade física parecem atender principalmente mulheres idosas; (e) e as diferenças
individuais na população idosa são altas.
4. Considerações finais
Muitas vezes, a preocupação com o envelhecimento se circunscreve a questões nu-
mérico-demográficos, à aposentadoria da sociedade, ao tratamento de doenças e,
mesmo, ao desenvolvimento de tecnologias ou metodologias anti-envelhecimento.
No entanto, tais preocupações devem estar comprometidas com a melhoria da qua-
lidade de vida da população idosa.
É fato que o declínio das capacidades motoras é inevitável ao longo do envelheci-
mento, porém, a curva desse declínio pode ser reduzida quando a atividade física
sistematizada é utilizada como forma de intervenção. A importância que essa ati-
vidade exerce sobre a qualidade de vida dos seres humanos, particularmente, du-
rante a velhice, tem sido consistentemente confirmada. Tais intervenções, em
geral, envolvem a repetição de movimentos cíclicos e de baixa complexidade, com
o objetivo de aumentar a eficiência fisiológica dos praticantes (exercícios de mus-
culação, caminhada, etc.).
Considerando também que a capacidade de aprender movimentos é mantida com
o avanço da idade, a aquisição de habilidades motoras parece ser um caminho pro-
missor no sentido de subsidiar programas de atividades físicas para idosos, con-
forme sugerido por Santos & Fonseca (2004). Estas autoras apontaram para a
possibilidade de um programa de atividades físicas para idosos que utilize conteú-
dos envolvendo a prática de habilidades complexas. Tais habilidades possibilitariam
também as desejáveis mudanças fisiológicas que a tradicional prática de habilidades
simples (exercícios de musculação, caminhar, pedalar, etc.) promove. Essa forma
de intervenção envolveria a preparação de um ambiente que expõe os indivíduos a
desafios e situações de resolução de problemas. Esse conjunto de condições ambien-
tais levaria a uma série de adaptações e ajustes na seleção de respostas motoras, para
que os objetivos das tarefas sejam realizados com sucesso.
Finalmente, com o intuito de envolver a população idosa brasileira em programas
de atividade física de forma efetiva serão apontados alguns fatores, os quais gestores
ou a sociedade como um todo poderiam considerar: as diferenças culturais e regio-
nais; diferenças inter-individuais e de gênero; oferta de serviços e/ou oportunida-
des para a atividade física em todo o país; e locais adequados para a prática de
atividade física (incluindo calçadas seguras).
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A palavra motivação é derivada do verbo em latim movere, que aparece com diversas
definições (PINTRICH; SCHUNK, 2002). Segundo Afonso Antonio Machado e Fer-
nando Cesar Gouvêa (1998), as questões semânticas permeiam os estudos relacio-
nados à motivação.
Numa revisão de literatura sobre a motivação humana observaram-se alguns anta-
gonismos no suporte teórico-conceitual que impedem a construção de um referen-
cial teórico homogêneo.
No início do século XX, os motivos eram chamados de instintos, por se acreditar
que eram forças herdadas, irracionais e imperiosas, comuns à espécie, comenta
Linda L. Davidoff (2001). Hoje as pesquisas mostram a diversidade de definições
sobre motivação e teorias tentando explicar o funcionamento desta força misteriosa
e desconhecida, que leva as pessoas a agir em direção ao alcance de objetivos. Porém,
ainda há confusão e desconhecimento sobre o que é motivação.
Nos ambientes empresariais e na educação, o tema é abordado sob diferentes pers-
pectivas, e notamos o interesse dessas áreas sobre o aprofundamento das questões
motivacionais para o trabalho, para os estudos e aprendizagem e até para o autoco-
nhecimento (WINTERSTEIN; VEDITTI JUNIOR, 2009).
Em Portugal, Jorge Olímpio Bento (1986) lembra que “os motivos representam as
forças interiores, o ‘motor psíquico’ da atividade de aprendizagem, as forças motri-
zes que põem a atividade em movimento” [...] “Motivos são forças motrizes atuais
da atividade; um decurso adequado da atividade ocasiona que se consolidem como
qualidades psíquicas da personalidade” (p. 73). Paula Brito (1994) ao refletir sobre
os motivos que nos impulsionam para a prática e a participação desportivas, lembra
que “um motivo é um fator dinâmico (consciente e inconsciente, fisiológico, afe-
tivo, intelectual, social, em interação por vezes) que age influenciando o compor-
tamento ou conduta de um indivíduo na direção de um objetivo, fim ou meta,
consciente ou inconsciente aprendidos” (p. 18).
No Brasil, pensamos que processo de ajustamento de um indivíduo ou de um grupo
ao meio físico e social é condicionado por um sem número de fatores, dentre os
quais encontramos os motivos ou propósitos. Realmente, a conduta humana seria
inexplicável e incompreensiva, se deixássemos de considerar esses elementos que
impelem o indivíduo à ação, à reação, ao esforço, à luta e até mesmo ao sacrifício
(FARIA JUNIOR, 1969). Esses elementos podem ser estudados quanto à sua natu-
reza: biológica, psicológica e social. E quanto à sua duração e persistência, que
podem ser transitórios, quando condicionam a conduta do indivíduo durante curto
espaço de tempo (horas, dias), sem marcar, profundamente, a sua personalidade, e
permanentes, quando deixam marcas profundas na personalidade do indivíduo,
desde a sua infância até a sua morte (FARIA JUNIOR; RIBEIRO, 1996).
Suzi de Fátima Fleury (1998) entende motivação como um estado mental, envol-
vido em diferentes sentimentos, como entusiasmo, zelo e confiança nas conquistas.
Destaca também como o “traço comum em pessoas de sucesso e atletas renomados
a capacidade de se motivar para poder suportar as rotinas de treinamento” (p. 76).
Samia Hallage Figueiredo (2000) considera motivação como “o estudo das condi-
ções que determinam a efetividade do estímulo contingente como reforçador ou
punidor” (p. 66). Fernando Cesar Gouvêa (2001) entende que o nível ótimo de mo-
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tivação nos desportos e outras atividades é único e específico de cada tarefa. Assim,
a motivação refere-se a fatores e processos que levam as pessoas à ação ou à inércia
em determinadas situações. Dietmar Martin Samulski (2002), por seu turno, con-
ceitua motivação como a totalidade dos fatores que determinam formas de com-
portamentos dirigidos a um determinado objetivo e a caracteriza como um processo
ativo, intencional e dirigido a uma meta, o qual depende da interação de fatores
pessoais (intrínsecos) e ambientais (extrínsecos).
Assim, a motivação é uma condição fundamental e indispensável para o alcance dos
objetivos pessoais. Varia de indivíduo para indivíduo, pois as necessidades, os objetivos
e os valores sociais são diferentes e variam conforme o tempo. A motivação tem sido
um dos fatores comportamentais estudados no meio desportivo, por ser de fundamen-
tal importância para a mobilização positiva de uma equipe. Além da influência no re-
sultado competitivo, a motivação para a superação da árdua rotina diária dos
treinamentos no alto nível é outro ponto de grande importância (CAMPOS, 2009).
O estudo da motivação mostra-se como um fator de impacto que permite conhecer
porque os indivíduos escolhem determinado desporto e os fatores que determinam
a adesão, a manutenção, o abandono e o reingresso nessas atividades.
Robert S. Weinberg e Daniel Gould (2008) afirmam que os professores de educação
física querem motivar crianças pouco ativas, mais interessadas em videogames, os
técnicos querem que seus atletas continuem treinando e os fisioterapeutas querem
motivar seus clientes a continuarem seu programa de reabilitação. Percebe-se então
que a motivação é importante tanto para as pessoas, como para os atletas, como
para vários profissionais. Ter sucesso inclui saber os fatores e os métodos para in-
tensificar a motivação.
O desenvolvimento demográfico, com suas espetaculares consequências, colocou
em destaque uma mudança significativa do que é ser idoso e a importância das ati-
vidades físicas e desportivas para este grupo populacional. O conceito imaginativo
e desejável de uma velhice ativa, sã e satisfeita integra a atividade física e o des-
porto, como tratamento indispensável para os idosos, tanto na área de prevenção e
da compensação sadia como no aumento do bem estar geral e a melhoria da inde-
pendência e a competência nas atividades diárias (DENK, 2003).
No Brasil, documentos como a Política Nacional do Idoso (BRASIL. CONGRESSO
NACIONAL. 1994) e mais recentemente, o Estatuto do Idoso (BRASIL. CON-
GRESSO NACIONAL, 2003) “tentam garantir os direitos, a integração e a partici-
pação do idoso na sociedade” (SILVA, 2009). Algumas políticas municipais reforçam
os dizeres dos documentos federais. A Política Municipal do Idoso (NITERÓI. Câ-
mara Municipal de Niterói, 1999), por exemplo, preconiza “incentivar e criar pro-
grama de lazer, esporte e atividades físicas que proporcionem a melhoria da
qualidade de vida do idoso e estimulem sua participação na comunidade” (p. 7).
Como se deduz, a participação de idosos brasileiros no desporto é um fato recente,
computado a partir das últimas décadas do século XX, mas com uma rápida disse-
minação. Surgiu, então, uma série de estudos e investigações sobre o tema motiva-
ção dos idosos e prática de atividades físicas e em especial o desporto. Além disto, a
motivação e a atividade física podem melhorar a socialização na convivência do
idoso com outras pessoas.
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Mas existem críticas a estes modelos onde a tendência é de se pensar que as raízes
de um dado comportamento estão no controle individual.
Por outro lado, no nível interpessoal as teorias assumem que a vida social resulta na
influência recíproca dos indivíduos com a sociedade (FARINATTI; FERREIRA, 2006).
Na década de 1970 surgiram, na área acadêmica, vários modelos teóricos compor-
tamentais que tentaram compreender racionalmente a mudança de comporta-
mento, muitos deles usados nos programas de promoção da saúde (FERREIRA,
2008).
Alguns desses modelos de intervenção em promoção da saúde são citados por Paulo
de Tarso Veras Farinatti e Marcos Santos Ferreira (2006), como por exemplo: o Mo-
delo de Crença em Saúde (Health Belief Model), de Irwin M. Rosenstock (1974), que
focaliza a percepção do indivíduo em relação a possíveis ameaças para a saúde, assim
como possíveis comportamentos a adotar para prevenir ou administrar o problema;
a Teoria da Ação Racional (Theory of Reasoned Action) de Icek Ajzen e Thomas J. Mad-
den (1986), que busca identificar os fatores determinantes do comportamento in-
tencional; a Teoria do Comportamento Planejado (Theory of Planned Behavior) de
Icek Ajzen (1991), que trata a intenção (racional) como principal fator da decisão de
mudar comportamento; a Teoria de Aprendizagem Social (Social Learning Theory)
de Albert Bandura (1977), que parte da premissa de que as pessoas e seu ambiente
interagem continuamente, descrevendo fatores psicológicos que estariam na ori-
gem de comportamentos; e o Modelo Transteórico ou Estágios de Mudança (Trans-
theoretical Model or Stages of Change Model) de James O. Prochaska e Carlo C.
DiClemente (1982), que se refere à prontidão para mudança de comportamento.
Verificou-se então que esses modelos e teorias são os mais citados e representativos
também nos estudos sobre motivação e a adesão à prática de atividades físicas,
sendo que o Modelo Transteórico, conforme Farinatti e Ferreira (2006) é um dos
mais conhecidos e utilizados em estudos relacionados à mudança de comporta-
mento individual em vários campos. Simone Teresinha Meurer (2008) confirma
essa afirmativa quando explica que existem vários estudos envolvendo a temática
motivação para a prática de atividades físicas e que há dificuldades na seleção dos
instrumentos quando se pretende avaliá-la, especialmente na população idosa no
Brasil. Porém, ela concluiu que a Teoria dos Estágios de Mudança de Comporta-
mento ou Teoria do Modelo Transteórico foi a mais utilizada nos estudos de avalia-
ção da motivação para a prática de atividades físicas de idosos.
Os modelos na área da motivação e da adesão são adaptações de propostas vindas
de diversificadas áreas como a saúde, a psicologia, a sociologia, o marketing e a eco-
nomia e possuem vários objetivos. Desde prevenção de doenças, como a adesão ao
exercício físico ou até mesmo como melhorar a comunicação e o aumento de vendas
de um produto.
Esses modelos consideram diferentes teorias no que se refere a mudança de com-
portamento e manutenção de atitudes e tentam explicar estas questões diante de
múltiplos fatores condicionantes como os pessoais, os sociais, os ambientais, os si-
tuacionais entre outros.
MODELO TRANSTEÓRICO OU MODELO DE ESTáGIOS DE MUDANÇAS. (PRO-
CHASKA; DiCLEMENTE, 1982).
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* Doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto; Pós-Doutorado pela Universidade de Londres. Dou-
torado em Educação Física pela Universidade Livre de Bruxelas. Professor Titular pela UNIVERSO.
** Mestre em Ciências da Atividade Física pela UNIVERSO
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1. Introdução
Ao longo dos últimos anos, a exclusão social, entendida com uma situação de falta
de acesso às oportunidades oferecidas pela sociedade aos seus membros, tem figu-
rado entre os temas mais debatidos nos meios acadêmicos e políticos. Este interesse
é normalmente justificado pelo número crescente de indivíduos que vivem as con-
seqüências deste processo, permanecendo à margem da sociedade contemporânea
(BULLA; MENDES; PRATES, 2004).
A criminalidade, considerada um dos indicadores mais complexos de exclusão so-
cial, tem acompanhado o crescimento desse processo não somente nos países mais
pobres, mas no mundo como um todo. É perceptível a preocupação dos governos e
da sociedade civil com esse fato, uma vez que a criminalidade, em especial entre jo-
vens, tornou-se um sério problema em vários países.
No Brasil, dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística com-
provam o aumento da criminalidade, que pode ser exemplificado pela taxa de mor-
talidade por homicídios, que cresceu 130% de 1980 a 2000, passando de 11,7 para 27
por cada 100 mil habitantes (IBGE, 2004). As estatísticas evidenciam que um nú-
mero significativo dos envolvidos em crimes violentos é composto de jovens do
sexo masculino, com idades entre 15 e 24 anos, geralmente pobres e moradores das
periferias dos grandes centros urbanos.
Frente a esta situação, diferentes setores do governo e da sociedade em geral têm
se mobilizado para encontrar formas de combater a exclusão social e aspectos a ela
relacionados, entre eles a criminalidade. Entre as iniciativas voltadas para o enfren-
tamento da criminalidade juvenil, a utilização de atividades físicas e esportivas tem
se ampliado em diferentes países.
Os estudos voltados para a relação das atividades esportivas com o enfrentamento
da criminalidade juvenil costumam centrar atenção na prevenção, evitando o en-
volvimento dos jovens com o crime, e na reabilitação, promovendo ações e ofere-
cendo oportunidades para que os jovens que cometeram delitos refaçam suas vidas
e retornem ao convívio social (DONNELLY et al, 2007; BAILEY, 2006; COALTER;
ALLISON; TAYLOR, 2000; MASON; WILSON, 1988).
De modo geral, as iniciativas voltadas para a prevenção utilizam todos os tipos de
atividades físicas e esportivas, ao passo que as voltadas para a reabilitação têm em-
pregado principalmente atividades físicas e esportivas praticadas próximas à natu-
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Desta forma, para facilitar a análise, os materiais foram organizados em três cate-
gorias: a) os estudos que buscam verificar as reduções nas taxas de reincidência cri-
minal entre jovens infratores participantes de programas de AFAN; b) as pesquisas
que focam em benefícios psicológicos e sociais provenientes da prática de AFAN,
como a elevação da auto-estima, auto-imagem, autoconfiança, liderança e trabalho
em equipe, considerados fatores de proteção em relação ao comportamento delin-
qüente e, assim, prevenindo contra novos envolvimentos de jovens infratores com
o crime; c) os trabalhos que buscam averiguar tanto as reduções nas taxas de rein-
cidência criminal, quanto os benefícios sociais e psicológicos da prática das AFAN
para jovens infratores.
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O trabalho realizado nos Estados Unidos, com estudantes do ensino médio do Estado
do Colorado, demonstrou que jovens em situação de risco e envolvidos com a crimi-
nalidade obtiveram melhorias na auto-estima, capacidade de concentração e controle
pessoal, as quais normalmente são reduzidas nestas populações. Os participantes de
atividades de escalada apresentaram níveis superiores nestes indicadores. O autor
conclui que as AFAN podem afetar positivamente estes jovens em situação de risco,
prevenindo seu envolvimento com a criminalidade (CROSS, 1999).
Russell (1999) investigou quatro programas Norte Americanos de AFAN que obje-
tivam a reabilitação de jovens infratores: Anasazi, no Estado de Arizona, fundado
nos anos 60 e considerado um dos mais antigos; School of Urban and Wilderness Sur-
vival, fundado em 1981 no Estado de Idaho e que desenvolve AFAN durante 21 dias;
Aspen Achievement Academy, que realiza programas com 52 dias de duração; Cathe-
rine Freer Wilderness Therapy Expeditions, no Estado de Oregon e que desenvolve
suas atividades em expedições de 21 dias. De um modo geral, estes programas em-
pregam principalmente a canoagem, a vela, o trekking, a escalada, a orientação e o
montanhismo e possuem acompanhamento psicológico e terapêutico, além do en-
volvimento direto e indireto dos familiares nas atividades propostas. O estudo de-
monstrou que os jovens participantes destes programas elevaram seus níveis de
auto-estima e auto-imagem, além de desenvolveram novas habilidades sociais e co-
nhecimentos em geral, os quais auxiliaram na solução de problemas pessoais e em
seus relacionamentos com seus pais, amigos e sociedade como um todo. Por fim, o
autor conclui que a participação em AFAN não deve ser entendida como a simples
oportunidade para a prática de atividades recreativas em contato com a natureza,
mas como uma ferramenta capaz de propor benefícios para os jovens. Neste sen-
tido, o envolvimento dos pais durante os programas de AFAN pode acentuar estes
resultados positivos. Assim, reduzindo efetivamente o envolvimento com a crimi-
nalidade, fato que, outras intervenções, muitas vezes, não conseguem realizar com
sucesso (RUSSELL, 1999).
Outro estudo desenvolvido por Russell (2005), que possui uma abordagem predo-
minantemente qualitativa e é uma continuação de sua pesquisa realizada em 2003,
focou nos participantes e, principalmente em seus pais. Neste estudo, foram en-
trevistados 47 jovens e seus pais, permitindo ampliar a compreensão de efeitos em
longo prazo advindos da participação em atividades de trekking, acampamento, es-
calada e montanhismo. A maioria dos pais e dos jovens considerou a participação
em programas de AFAN como sendo positiva e que os benefícios obtidos, após dois
anos, ainda estavam presentes. Além disso, os pais afirmaram que estes benefícios
afetaram suas famílias como um todo relatando que seus filhos obtiveram melhoras
em relação à concentração, auto-estima e autoconfiança. Entretanto, as entrevistas
também evidenciaram que mais da metade dos jovens continuaram a utilizar dro-
gas e parte destes estava envolvida com atos criminosos.
A relevância de aproximar os pais dos jovens infratores em trabalhos desenvolvidos
em programas de AFAN também está presente no trabalho desenvolvido por Crisp
(1998). Para análise comparativa, o autor selecionou 14 programas desenvolvidos
na Inglaterra, Escócia, Nova Zelândia e Estados Unidos. De um modo geral, os pro-
gramas de longa duração apresentaram objetivos complexos e os de curta duração
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desenvolvimento das atividades, que podem chegar até seis meses ininterruptos e
superam a maior parte de outras iniciativas preventivas; as interações sociais pro-
venientes das práticas de AFAN, o que pode estimular o desenvolvimento de habi-
lidades ligadas ao trabalho em equipe e liderança, além da aceitação de ordens e
conselhos dos demais.
Outro trabalho a demonstrar que as AFAN podem ser mais eficientes do que outras
abordagens para a reinserção da criminalidade foi realizado por Russell, Hendee e
Cooke, (1998). O foco desta pesquisa foi o Programa Descoberta ao Ar Livre reali-
zado entre 1993 e 1995 por quatro centros da Federal Job Corps, nos Estados Unidos.
A Federal Job Corps é um programa voltado para jovens em situação de risco que é
realizado em mais de 130 centros de atendimento. A comparação dos jovens infra-
tores que participaram deste programa de trekking e acampamento, com uma se-
mana de duração, com os jovens que permaneceram nos centros da Federal Job Corps
realizando outras atividades, permite afirmar que foram alcançadas diminuições
nas taxas de reincidência criminal, elevações em indicadores de auto-estima e auto-
imagem, bem como o desenvolvimento de competências comunicativas, de lide-
rança e para o trabalho em equipe entre os participantes das AFAN. Além disso,
demonstram, através de uma avaliação indireta, que para cada dólar investido pelo
Governo Norte Americano neste programa, foi produzida uma economia superior
a 1,52 dólares. Os autores sustentam assim a viabilidade de ações deste tipo por parte
do governo, por ser uma ação preventiva e de baixo custo.
De fato, as AFAN demonstraram ser ferramentas importantes para a reabilitação de
jovens infratores. Entretanto, existem autores que afirmam que devemos ter cau-
tela ao utilizar essas atividades. Raymond (2004), por exemplo, analisou os níveis
de auto-estima e auto-imagem em jovens que participaram do Programa Flanders
realizado na Austrália, envolvendo trekking e acampamento, com jovens infratores
que não realizaram tais atividades. Os resultados indicaram aumento na auto-es-
tima e auto-imagem em curto e médio prazo, além da diminuição das taxas de rein-
cidência criminal do primeiro grupo. Contudo, o autor ressalta que estes resultados
não devem ser generalizados para todos os programas de AFAN, uma vez que, os re-
sultados alcançados por estes programas variaram de acordo com o perfil dos parti-
cipantes. Dessa forma, devido à heterogeneidade dos programas não é possível
afirmar que todos venham a obter resultados positivos.
5. Considerações finais
As AFAN, cada vez mais presentes na sociedade contemporânea, têm ocupado um
papel importante entre as iniciativas voltadas para a reabilitação de jovens infrato-
res. Além disso, têm sido foco de um número crescente de investigações científicas.
De uma forma geral, estas investigações buscam verificar os ganhos gerados pelas
AFAN em relação às taxas de reincidência criminal e os benefícios psicológicos e so-
ciais. Alguns estudos tratam desses aspectos separadamente, enquanto outros os
examinam em conjunto.
De acordo com os estudos analisados, as AFAN apresentam características que as tor-
nam instrumentos muito úteis para a reabilitação de jovens infratores. Alguns autores
sustentam que a utilização das AFAN para a reabilitação da criminalidade em jovens
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pode obter alguns resultados que não são atingidos por outras ações realizadas em
centros de atendimento para infratores. As atividades mais empregadas em progra-
mas de reabilitação para esse público incluem: trekking, montanhismo, escalada,
rapel, arborismo, canoagem, atividades de acampamento, vela e espeleologia.
Os resultados encontrados em relação ao público feminino, presente em um nú-
mero reduzido de estudos, demonstraram que tanto homens quanto mulheres
obtêm diminuições nas taxas de reincidência criminal e benefícios psicológicos e
sociais em virtude da prática de AFAN. Entretanto, os interesses em relação às ati-
vidades demonstram ser diferentes entre os sexos.
De maneira semelhante ao público feminino, existem poucas pesquisas que levam
em consideração os aspectos sócio-econômicos e étnicos dos participantes de pro-
gramas de AFAN, todavia os que o fazem encontram resultados positivos. Neste
sentido, tanto os jovens brancos, que perfazem o público da maior parte das ações
investigadas, como os pertencentes a minorias étnicas, demonstram ser beneficia-
dos pelas AFAN.
Em relação à idade dos participantes, os estudos analisados não encontraram dife-
renças significativas, demonstrando não existir uma idade mais adequada para a
participação em atividades deste tipo.
Em relação aos custos e benefícios desses programas existem fortes indicativos de
que estes são economicamente viáveis. Neste sentido, alguns estudos afirmam que
os investimentos neste tipo de programas podem gerar economias em outros seto-
res da sociedade, uma vez que as abordagens tradicionais de reabilitação da crimi-
nalidade necessitam de recursos até 50% superiores para atingirem resultados
semelhantes aos dos programas de AFAN.
Outro aspecto a ser ressaltado é que os jovens infratores demonstram preferência
em participar de programas de AFAN, em relação a outras intervenções institucio-
nais. Isso ocorre em virtude de dois aspectos principais: os jovens não percebem a
prática de AFAN como uma forma de punição, mas como uma maneira de provarem
sua importância. O outro se deve a duas das características fundamentais das AFAN,
que são a presença de desafios a serem superados, com um menor número de regras,
bem como a inexistência de competições. Desta forma, permitindo o convívio, por
um determinado período, em um ambiente distante da sociedade e de suas regras,
consideradas injustas por parte dos jovens infratores.
O envolvimento dos familiares e de integrantes da comunidade próximos dos indiví-
duos infratores é considerado como uma estratégia importante para aumentar os be-
nefícios gerados pela prática das AFAN. Os responsáveis pelos programas de AFAN,
bem como os jovens infratores que participaram destas iniciativas, declaram que esta
aproximação na elaboração, execução e após o término das atividades deva ser imple-
mentada, para que os resultados possam permanecer por um período mais prolongado.
Entre as críticas mais presentes nos trabalhos analisados estão a inconsistência me-
todológica e a inexistência de avaliações na maioria destas iniciativas. De um modo
geral, estas são justificadas pela complexidade desta área e as possíveis soluções
estão relacionadas ao incentivo para a realização de mais estudos, bem como a cons-
cientização dos executores e coordenadores de projetos de AFAN da importância
de avaliar todas as ações desenvolvidas.
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Além disso, as teorias psicológicas e sociais1 que buscam sustentar a relação da prá-
tica das AFAN como a redução da criminalidade entre jovens infratores não conse-
guem explicá-la completamente. Desta forma, evidencia-se a necessidade de mais
estudos e, inclusive, a formulação de teorias mais robustas que possibilitem uma
compreensão mais profunda do assunto.
Há dúvidas também em relação aos efeitos de diferentes modalidades de AFAN, ao
tempo de duração destas atividades, à presença ou não de acompanhamento psico-
lógico, ao envolvimento da família, às características e às competências dos respon-
sáveis, principalmente dos instrutores e ao perfil dos participantes.
Por fim, existe a necessidade de maiores investigações, uma vez que parece não ser
apropriado afirmar que todas as modalidades de AFAN, desenvolvidas para diferen-
tes públicos, podem ser favoráveis para a reabilitação de jovens infratores. Em
pesem essas limitações, cabe destacar que já existem estudos suficientes para sus-
tentar a conclusão de que as AFAN podem ser empregadas como instrumentos úteis
para a reabilitação de jovens infratores.
1
O trabalho desenvolvido por Jeffrey Seagrave intitulado Sport and juvenile delinquency, publicado na
revista Exercise Sport and Science Reviews, n. 11, 1983, bem como o de Walter Schafer, Some Social
Sources and Consequences of Interscholastic Athletics: The Case of Participation and Delinquency, pu-
blicado no International Review for the Sociology of Sport, n. 1, vol. 4, 1969, apresentam teorias sobre
a relação da prevenção da criminalidade por meio de atividades físicas e esportivas.
370
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O fenômeno das ações das ONGs está cada dia mais presente no cotidiano da popu-
lação. Nos Jogos Panamericanos do Rio, em julho de 2007, houve grande divulgação
sobre os trabalhos realizados por instituições sem fins lucrativos, principalmente
os que são mantidos ou organizados por atletas ou ex-atletas de renome, como a
Fundação Gol de Letra fundada pelos ex-jogadores de futebol Raí e Leonardo, o Ins-
tituto Guga Kuerten, do tenista de mesmo nome ou ainda o trabalho do judoca Flá-
vio Canto com crianças e jovens das “favelas” do Rio de Janeiro.
A participação e o sucesso de atletas panamericanos que iniciaram a prática espor-
tiva em ONGs também receberam atenção da mídia. O primeiro medalhista de ouro
brasileiro nesta edição dos Jogos, o atleta Diogo Silva, do taekwondo, iniciou sua
trajetória esportiva em um projeto social. Outro medalhista de ouro, o atleta Edson
Isaías da Silva, da canoagem, também começou a praticar a modalidade numa ONG.
Mesmo não sendo declarada a formação de atletas de alto rendimento como objetivo
das ONGs, é fato que muitos talentos são iniciados pelo trabalho social. Segundo a
própria Hortência, ex-jogadora de basquetebol, campeã mundial e vice-campeã olím-
pica, que durante os Jogos Panamericanos, defendia o incentivo fiscal para projetos
socioeducativos que atuam com o esporte, afirmou em diversos meios de comunica-
ção3 que ela própria iniciou a prática esportiva em um projeto social.
Não somente os destaques esportivos em competições de alto-rendimento foram
divulgados, como também exemplo de jovens que afirmam ter mudado os rumos
de sua vida por causa da vivência esportiva nos projetos4.
Tudo começou em 2000, quando o projeto Educação Criança e Futuro foi inserido
na comunidade. Eu comecei a participar do projeto como aluno e virei monitor.
Em 2006, eu me tornei Professor e hoje eu estou dando aula em um novo pólo, na
Ilha do Governador (Rodrigo Borges, morador da “favela” da Rocinha, R.J., judoca
do projeto organizado pelo atleta Flávio Canto).
O esporte me deu o direito de estudar em colégios bons, vou poder estudar em uma
faculdade. Além disso, me trouxe disciplina e me afastou de drogas e bebidas (Aline
Torres, atleta da Vila Olímpica da Mangueira).
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nefícios aos moradores. Esta triagem acontece porque, segundo a liderança da as-
sociação do local, já se implantaram muitos projetos que tinham como propósito
principal à promoção da própria empresa, sendo projetos que se utilizavam da fama
de maior favela do Estado para conseguir uma imagem inicial de credibilidade e se
aproveitar da facilidade de divulgação, visto a popularidade da comunidade. Assim
que atingido tal objetivo, a empresa finaliza seus investimentos, não dando conti-
nuidade ao processo iniciado.
Como resultado, a empresa continua com a possibilidade de divulgar seu suspeito
compromisso social, mesmo omitindo que tenha sido um projeto passado. Já na co-
munidade o sentimento de serem utilizados e manipulados permanece, tanto que
provocou esta ação de triagem aos projetos. Outra possível conseqüência é o senti-
mento de não merecimento por projetos bons e duradouros, servindo, ao contrário
de auxiliar, por afetar a auto-estima de seus moradores. Nas memórias coletadas,
esta conseqüência também foi afirmada por um dirigente local5.
Atualmente se destaca nos meios de comunicação a imagem da empresa que auxilia
comunidades periféricas, e com isso, agrega valor positivo à sua imagem. No en-
tanto, infelizmente existem casos em que este auxílio é divulgado de maneira a
não representar a ação implantada de fato. Além disto, problemas como a pressão
por número mínimo de atendidos, em detrimento da qualidade da intervenção,
ações de maior impacto aplicadas sem atender às características da comunidade,
utilização da imagem da população em eventos e programas publicitários sem re-
torno adequado, são fatos que precisam ser refletidos e evitados nos programas dos
projetos sociais. Muniz (2001), com relação a problema desta natureza enfrentado
em um centro comunitário estudado, afirma:
Por outro lado, as empresas que se utilizam de ações sociais como ferramenta de
marketing correm o risco de sofrer o que o autor chama de efeitos colaterais inde-
sejáveis, pois a população pode identificar a possível chantagem emocional, rejei-
tando a partir deste ponto, seus produtos.
Como, em sua maioria, as ONGs não geram receitas próprias, é necessária a captação
de recursos, que aliada à possibilidade de lucro das empresas do segundo setor, vem
formando uma legião de profissionais atuantes nesta área (MONTAÑO 2002).
Esta nova possibilidade de ação tem provocado diversos efetivos negativos nas
ONGs. Montaño (2002, p. 208) afirma: “Por outro lado, a atividade de ‘captação de
recursos’ no ‘terceiro setor’ pode levar a uma perda de identidade, perda de rumo,
descaracterização da ‘missão’ da organização”.
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Este mesmo autor cita uma matéria da revista Exame (Exame 2000:24) sobre cap-
tação de recursos com o título: “O melhor jeito de pedir”. E descreve o desvio da
missão e modo de atuar das ONGs para a obtenção dos recursos, como a necessidade
de adequar o projeto a ser “vendido” ao perfil da empresa e não do público com
quem trabalha, ou sobre os benefícios da doação, relacionando-o com os possíveis
ganhos da empresa e não com os da comunidade atendida e também discute a me-
lhor época para abordar a empresa ignorando se existem necessidades mais desta-
cadas pela sociedade atendida em determinadas épocas do ano. E finaliza afirmando:
Desta forma, os recursos, que já não são “autogerados”, também não são “autoge-
ridos”. Com isso, a perda de rumo, a descaracterização da “missão” organizacio-
nal, a submissão dos seus valores e filosofia aos interesses da agência “doadora”
representam uma fortíssima tendência.
Com essas características, uma atividade - a captação de recursos - que deveria ser
funcional torna-se essencial, e, ainda mais, torna-se fundamento da “missão” or-
ganizacional. Assim, as organizações do “terceiro setor”, como num frenesi, vol-
tam-se para a captação de recursos. O que deveria ser atividade auxiliar torna-se
atividade central, tamanha a dependência dessas organizações por esses recursos
externos (MONTAÑO 2002, p. 210).
O problema é tão atual e real que foi exposto na forma de filme6 nacional, um drama
ficcional, mas que pode retratar a realidade vivida em muitos duvidosos projetos
sociais. No entanto, parcerias com a iniciativa privada podem ser positivas. Chinelli
(1993) descreve uma relação entre uma ONG e empresa privada na qual esta última
não interviu na administração dos valores repassados e nem na missão e forma de
trabalho da instituição, desencadeando processos interessantes de gestão:
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O objetivo principal do projeto para a ONG, responsável pedagógico pelas ações, era
a de contribuir para a formação cidadã dos jovens esperando ser capaz de transfor-
mar sua realidade e a da comunidade em que viviam, utilizando-se como eixo nor-
teador o esporte, e como mencionado, mais especificamente na modalidade
voleibol. Como objetivos específicos, estavam a ampliação do universo cultural dos
educandos, o desenvolvimento de conhecimentos voltados para a manutenção da
saúde, contribuir para a formação do jovem enquanto cidadão crítico, participante
e transformador de sua realidade, oportunizar a formação profissional em áreas so-
ciais, de educação e de saúde, desenvolver competências e habilidades psicomoto-
ras, sócio-afetivas e cognitivas, promover a integração do programa com as
comunidades local e escolar.
Até o período em que atuamos no projeto aconteciam torneios competitivos que se
realizavam em três etapas. A primeira dentro dos próprios, onde todos os alunos
participavam. A segunda, em nível regional, reunia-se os alunos classificados por
qualidade técnica no esporte e merecimento alcançado pelo compromisso e esforço
nas atividades propostas, em um torneio estadual. Por fim, os classificados repre-
sentariam os núcleos e seu estado na etapa nacional, realizado na cidade de Curitiba.
Portanto, o projeto se desenvolvia em várias partes do Brasil.
O grupo foco da pesquisa foi formado por 30 adolescentes de 15 e 16 anos, que fre-
qüentaram treinamentos da modalidade e participaram de muitas outras ações a
partir do esporte, entre o início de 2003 até final de 2005. Estes jovens foram esco-
lhidos por terem sido pioneiros em diversas ações através da proposta esportiva
dentro e fora do espaço do projeto.
Entendeu-se por significados a busca por uma interpretação da teia de relações ocor-
ridas na comunidade estudada, levando-se em conta as motivações, tensões e emo-
ções que dinamizam as ações do local.
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Qualquer modalidade motiva. Eu acho que eles não têm muito. Pouca coisa que
você dá a eles já é bom. Eles não precisam muito... (ZALUAR, 1994, p. 85).
Eu não cobro nada deles. Eles brigam comigo. “Pô, você! Gente, eu não posso cobrar
isso aqui de vocês. Também não posso exigir demais, se a pessoa não quer fazer,
não faz. Isto aqui não é um clube não, bicho”. Quando eu entrei para a Fundação
me deram um toque que era nível recreativo. Como eu adoro bagunça, então vou
dar minha aula de bagunça... (ZALUAR, 1994, p. 95).
Bento (1999, p. 63) afirma que é necessário repensar a pedagogia que para substituir
o emprego do esporte como ferramenta ideológica ou onde se privilegiava apenas
os mais aptos excluindo-se todos os outros, implantou-se uma espécie de ética in-
dolor, com afrouxamento dos vínculos a compromissos e deveres a tudo que impli-
que trabalho, esforço, disciplina, sacrifício, afinco, persistência e suor.
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Desta maneira o esporte tratado neste estudo é aquele que sofre um tratamento pe-
dagógico seguindo sempre a visão do fenômeno como possibilidade educacional, nos
diferentes níveis e situações. Como afirma Santana (2005), não é possível escapar da
educação ao se fazer, assistir ou planejar o esporte. Ou ainda, em Bento (2007, p.33):
Mas qual tratamento pedagógico desenvolver? Educar para quê? Entende-se que o
caminho a ser percorrido por uma proposta pedagógica em um projeto socioeduca-
tivo que utiliza o esporte como eixo sugere possibilidades de minimização ou reso-
lução dos problemas identificados pela comunidade em questão. Antecipando
algumas questões que serão analisadas posteriormente, são problemas a serem con-
siderados: baixa auto-estima, a falta de pertencimento a um grupo que lhe dê ex-
pectativas de evolução e desenvolvimento, as poucas opções para o distanciamento
do tráfico, a exclusão de ambientes culturais e educacionais de qualidade, a educa-
ção formal de má qualidade, entre diversos outros.
Desta forma, é aconselhado que o tratamento pedagógico a ser elaborado e posto
em prática seja adequado e procure auxiliar o jovem no combate a tais flagelos que
enfrentam cotidianamente, permeados por valores que se distanciem desta lógica
individualista da vantagem em detrimento do outro e sim da melhoria das condi-
ções de vida particular e em comunidade.
Assim acredita-se que é possível educar aprendendo o esporte, se aprimorando, atin-
gindo bom nível de performance conforme possibilidades, admirando, sonhando, en-
tendendo, pesquisando, ensinando aos outros. Sobre isso, Freire (2003) defende um
lema: que se ensine o esporte a todos, que se ensine bem a todos, que se ensine mais
do que esporte a todos, e finalmente que se ensine a gostar do esporte.
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Não tinha a ver, era só... Porque às vezes eles vinham com a cabeça de que era um
zoológico, vamos lá olhar os bichinhos, vamos fazer uma coisinha ali e tudo bem.
A proposta não era essa. Liderança 1
Desta forma, tanto na implantação como durante a execução dos projetos existe
um acompanhamento e controle da comunidade, que preza pela continuidade dos
trabalhos em benefício de seus moradores:
Nossa, vinha muita gente. Teve várias pessoas. Porque Heliópolis tem uma história,
por exemplo, o Cingapura daqui é diferente, por quê? Porque Heliópolis é diferente.
Tem comércio, 3 quartos, porque quando vinham e diziam vai ser assim a gente
dizia não, vamos conversar. Então esta forma de se organizar, o povo quando
passa a ter consciência da força que ele tem, eu acho que ele muda. Liderança 1
Com relação ao ensino do esporte, fica bastante claro o desejo dos educandos por
dar continuidade ao aprendizado, não permanecendo nas atividades essencial-
mente recreativas e com características de iniciação da modalidade, que no caso
deste projeto, era o voleibol. Quando perguntado sobre a continuidade no processo
que vivenciaram, buscando aprofundamento na modalidade, percebe-se que este
caminho está ligado ao desejo de melhorar, de evoluir:
Nossa, isto foi muito bom, porque vários adolescentes aqui não tinham muita coisa
para fazer. Quer dizer, ia para a escola, fazer um curso, quem tivesse condições,
quem não tivesse ficava em casa, na rua, fazendo o que não devia. Então eu acho
que isto foi uma ótima iniciativa, não é? Porque vai dando prioridade para alguns
adolescentes de conhecer outros lugares, outras pessoas, eu acho que teria que con-
tinuar. Porque tudo que é bom a gente tem que continuar e melhorar cada vez
mais, não é? Jovem 8
Também se afirma que existe uma relação entre o aprendizado do esporte e o apren-
dizado para ser aplicado em outras situações da vida:
Por mais que pareça exigir demais querer desenvolver um projeto que tenha um
foco maior no voleibol, numa coisa de aprender um pouco mais, acho que não seria
ruim desenvolver um projeto assim no sentido de que as pessoas têm capacidade
de querer fazer algo mais, e eu acho que o mais importante, que por mais que a
gente talvez não seja, por mais que não se forme jogadores profissionais, a gente é
capaz de refletir essa busca na vida. Eu posso não ter conseguido isso, mas eu vou
correr atrás de outras coisas, e vou dar o meu máximo, sempre! Jovem 2
No estudo original (Hirama, 2008), nas discussões sobre a pedagogia do esporte, de-
fende-se um tratamento pedagógico específico onde se consideram as individuali-
dades, a realidade dos educandos, ensinando bem a modalidade e além dela. Foi
encontrada em alguns depoimentos a forma de estimulação capaz de “seduzi-los”
para o desejo de continuar a se desenvolver:
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Ah, sempre aquela coisa, aquela pontinha... Por exemplo, tinha aula na segunda,
aí no final da aula o Professor deixava meio aquela coisa: “Ah, na próxima aula a
gente vai aprender posicionamento!” e a gente ficava todo ansioso para a outra
aula. Tinha os amigos também da turma e mesmo que a gente fosse tomar bolada,
mesmo que a gente não conseguisse cumprir a proposta da aula, a gente sempre
ficava ansioso para completar aquilo na próxima aula. E nunca era um ciclo que
se encerrava. Era contínuo sempre, e a gente sempre ficava na expectativa para a
próxima aula, ver o que a gente podia aprender, para campeonatos também, a
gente ia se preparando o ano inteiro e eu acho que era isto que criava esta expec-
tativa na gente. Jovem Nova Geração 7
Então, no começo não, eu acho que no começo não, até porque eles não tinham este
costume de ter este compromisso. Mas isto foi criado com o tempo. Eles se compro-
meteram depois. Claramente eu vejo que da metade do processo até o final, eles se
comprometeram. Do começo até a metade eles estavam iniciando, eles estavam
num processo de comprometimento. E eu acho que a ações que foram feitas du-
rante o processo fizeram com que eles se comprometessem. Professor 1
Olha, em mim não. Mas depois que a gente... Eu encontro alguns que começam a
falar daquele tempo, a lembrar, e eles começam a falar umas coisas que às vezes
ficaram marcadas, mas eu acho, é, por ter ficado marcado e porque foi relevante,
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não é? Mas eu acho que também foi necessário para a gente conseguir caminhar
naquela competição.
[...] Pessoal, claro, ficavam tristes porque tinham perdido, não iam ficar alegres,
mas eu acho que motivava, motivava, claro. A gente sabia que foi trabalhado tam-
bém que o mais importante não era ganhar tudo, quer dizer, o mais importante
era você competir, lutar para ganhar o jogo, fazer o time todo voltado para aquilo,
todo mundo trabalhando focado no objetivo, acho que foi muito importante. E
apesar de a gente ter perdido foi enriquecedor também. Jovem 1
Eu vejo assim, não vou falar que eu não ficava decepcionado por perder quase
todos os jogos, mas assim, eu tentava levar tipo como um desafio para a vida. Por-
que assim, a gente treinava, treinava e chegava na hora não dava certo. Porque
será, ficava pensando. Chamava o pessoal para se esforçar cada vez mais, mas não
dava. Então eu procurava, tipo, depois de um certo tempo, a refletir a respeito da
vida também, porque se a gente levar para nossa vida, realmente para nós há esta
dificuldade, chegar a um certo nível, chegar onde você quer chegar, alcançar sua
meta, seu objetivo, é realmente difícil. Tem vários obstáculos, várias dificuldades,
e isto ocorreu muito. Hoje eu procuro levar para minha vida pessoal, porque difi-
culdade eu vejo direto e então eu fico procurando abraçar as oportunidades para
chegar num objetivo maior que eu quero. Jovem 3
O pessoal não chegou a ver que poderia ser superior, poderia superar o que todos
achavam deles, Sobressair sobre esta característica que julgavam eles. [...] Acho
que não. Mudava muitas vezes quando o time conseguia se sobressair, conseguia
mostrar que estava lá para jogar. Um exemplo foi o jogo contra Jundiaí, o time co-
meçou a ficar com medo, o nosso começou a se sobressair, passar deles, jogar muito
bem, daí não começaram as risadinhas, começaram a perceber, ficaram assusta-
dos, um pouco. Jovem 3
Bom, para gente eu acho que isto diminuiu, porque a gente vê que nós somos im-
portantes! Não somos insignificantes como as pessoas do outro lado vêem! Para
eles eu acho que somos coitadinhos não é? Mas vai de cada um fazer aquilo que a
gente realmente é. Se você quer ter potencial, você vai ter potencial. Agora se você
não quiser, quiser ser um coitado, um fraco, você vai ser. Jovem 9
388
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Ô, bastante. E muitos, acredito, que mudou o pensamento. A gente não sabe por
que a gente não continuou convivendo. As pessoas que eu encontro são raras e eu
só falo um oi, não tenho mais aquela amizade que tinha antes, aquele apego. Mas
a maioria, acho que o I., você, serviu para acordar o pessoal. Acho que é por isso
que quando você saiu foi para isto. Para você vir e fazer todo mundo acordar. Acho
que se não tivesse surgido, estou sendo até um pouco radical, mas eles não teriam
este pensamento então eles estariam na mesma. Eles estariam na mesma vida, na
mesma fase, na mesmice. Jovem 6
Sempre foi um aprendizado para a gente conhecer mais o time, porque era um
time grande, num set você ficava com um time, no outro você ficava com outro.
Mas foi aprendizado mesmo, para a gente conhecer mesmo o ambiente onde a
gente estava pisando. E não é só jogar voleibol no núcleo, tinha um outro mundo
maior aí fora que a gente tinha que se habituar. Jovem 1
Eu penso também o tanto que vôlei me propiciou, não é? Foi muito legal, não é?
As viagens, eu acredito que se eu não tivesse entrado no vôlei estaria na favela fa-
zendo nada não é? Até hoje! Jovem 3
Com aquele jeito de árbitro amigo, a gente podia visualizar melhor as dificuldades
que cada um tinha. Poder conversar mais com ela, auxiliar nas dificuldades que
elas tinham, ter aquele contato mais pessoal. Jovem 3
Ah, me sentia uma Professora! Era ótimo, porque você está ensinando uma coisa
que você aprendeu. Ensinando uma coisa que você já sabe para uma pessoa que
não sabe ainda. Ou que sabe que você esta ajudando aquela pessoa a melhorar. É
uma sensação muito boa! Jovem 8
389
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Retornando aos jovens e a questão dos sonhos, eles se colocam da seguinte maneira:
Ah, como a J. (J11) falou: eu acho que a gente aprendeu mesmo o que é sonhar, por-
que acho que a gente não tinha este sonho, eu até sabia, mas não exatamente, que
nem você falou uma vez que existia um muro assim e que a gente tinha que olhar
por cima dele. A gente tinha que chegar até ele e olhar por cima. Eu acho que o pro-
jeto mostrou isto, a olhar o que tem por fora, porque antes a gente só tinha aquele
mundinho, era só aquele e já era. Jovem 10
Nosso mundo era só isso, terminar o ensino médio, trabalhar vai de faxineira,
(Risos)... Mas é, acho uma vergonha, minha irmã, ela é nova, acabou os estudos e
podia procurar algo melhor e ela não, é faxineira. 22 anos. Porque, porque eu acho
que ela não teve a mesma oportunidade de a gente tivemos. Eu também. Antes de
eu entrar no projeto eu pensava, qual vai ser meu futuro. Meu futuro é eu casar,
ter 3,4 filhos, e trabalhar num serviço de merda, para ganhar uma merda, enten-
deu? Agora não, antes no projeto eu queria ser jogadora ou Professora de vôlei,
mas agora não, eu comecei a trabalhar numa área diferente e eu penso outra coisa,
já. Então eu não posso falar eu quero ser administrador de empresa, porque pode
mudar daqui a dois anos. No projeto eu aprendi a correr atrás, porque viver é di-
fícil, no meu trabalho às vezes eu faço muito esforço e ninguém reconhece, porque
minha patroa saiu de férias e eu fiquei com a responsabilidade toda dela e às vezes
eu fico chateada porque ela não reconhece, ai eu penso hoje não, mas amanhã com
certeza ela vai reconhecer, porque um dia se eu sair de lá ela vai sentir muita falta,
então com o projeto eu aprendi correr atrás das coisas que eu quero. Jovem 11
390
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Não, eu acredito que na vida, se você tiver um sonho, você vai querer alcançar de
qualquer jeito, não? Mas ao não alcançá-lo, com as outras pessoas eu não sei, mas
comigo, eu não fiquei triste. Eu sei que é um sonho, não impossível, mas um sonho
extremamente difícil, mas eu sei que não poderia ter desistido. Mas das conseqüên-
cias que foram acontecendo eu comecei a desviar meu sonho, talvez aquele poderia
ser meio supérfluo. Procurei imaginar um sonho mais próximo da minha reali-
dade, um sonho que talvez seria significante para mim, algo com a minha cara,
meu estilo, uma perspectiva melhor. Jovem 310
Não era diretamente relacionado na quadra, mas a gente viu o resultado fora. Era
com a família onde a gente estava mais focado. Tinha depoimentos de família que
chorou quando o filho falou: “Mãe, eu quero fazer uma universidade!” Não o fato
dele querer fazer uma universidade, mas o fato dele conseguir sonhar ! Porque
antes isto também não tinha. Liderança 1
Para mim me ajudou em escolher o que eu queria fazer com relação à minha pro-
fissão, depois que eu comecei a fazer monitoria eu vi que era aquilo que eu queria,
fazer Educação Física. Me ajudou a escolher minha profissão11. Jovem 9
Sim. Foi uma coisa muito simultânea, foi concomitante. Na hora que eu estava co-
meçando o ensino médio, então foi uma coisa... Eu já, pelo apoio da minha mãe e
pelo meu comportamento na escola, eu sempre tive vontade de fazer uma coisa ba-
cana, de ter um trabalho legal, não sei se eu tinha a intenção de conquistar inde-
pendência, mas o meu futuro é este mesmo. Mas acho que participar do projeto
me deu mais garra para correr atrás disto. E acho que mais importante, aliou a
vontade que eu tinha de ter algo mais à noção do mundo onde eu estava, onde eu
estou, das pessoas com quem eu convivo, das diferenças entre elas, e do que signi-
ficaria conquistar isso. Eu acho que isto foi importante, porque nem sempre a
gente tem essa visão: “puxa, olha o que eu estou para fazer!” Acho que me deu mais
força ainda, me motivou mais ainda e me deu a importância e o esforço que eu
teria que fazer. Jovem 5
391
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Além de dar a aula ele tem que conhecer os alunos, os moradores, muitas vezes o
tráfico, e dependendo da realidade, isto é importante, ele tem que conhecer o con-
texto em que ele está inserido, ele tem que fazer parte do contexto, ele tem que, na
verdade, viver no contexto. As pessoas precisam conhecê-lo. Eu acho que a trans-
formação vai vir daí. A partir do momento que o Professor é reconhecido dentro
da comunidade como uma pessoa que não é da comunidade, e as pessoas percebem
que ele está lá para ajudar e ele está conseguindo realizar mudanças na realidade
que ele está inserido, através de vida dele, eu acho que o trabalho consegue ter fru-
tos a partir daí. Educador 1
Tem a questão da amizade, de você conhecer seu aluno, se preocupar com ele, e eu
acho que quando a gente conhece realmente o aluno, sua realidade, quando a gente
dá a oportunidade para ele falar simplesmente da vida dele, eu vejo que o aluno se
sente confiante, o aluno fala: caramba, nele eu posso confiar! Ele não é um estra-
nho! Acho que é isto: a gente não pode ser um estranho para o aluno! Educador 2
Olha, tem que gostar mesmo, viu! Gostar daquilo que faz. Acho que é importante
em qualquer profissão, tem que gostar mesmo, se sentir parte daquilo que o manda
chuva está te falando. Se sentir parte e amar, eu acho que é o principal. É você amar
392
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aquilo que você está fazendo. Só a chance deste Professor poder...vai trabalhar com
crianças , não é? Com todas as faixas de idade, e pode trazer muitos benefícios
para estas crianças. Eu acho que o principal é ter que gostar mesmo. Jovem 1
Primeiro o Professor tem que manjar muito do esporte que ele está trabalhando. Por
exemplo, se você está no voleibol, você tem que entender do voleibol. Educador 1
É lógico, importante conhecer do que a pessoa tem que conhecer do que ela esta fa-
lando. Não vai falar de voleibol e chegar lá falando de chuchu! Tem que ter uma
base, uma formação legal. Jovem 5
A figura do educador como um exemplo a ser admirado é fato descrito pelos jovens
e afirmado como relação fundamental no cotidiano do projeto:
Acho que ser for um projeto social, tem que ter uma preocupação cem formar pes-
soas, em ser exemplo, é inevitável, os alunos vão olhar para esta pessoa e vão dizer:
“ puxa, quando eu crescer eu quero ser assim, eu quero fazer isso!”, então de qual-
quer forma ele tem que ter consciência de que ele vai ser um modelo, então ele tem
que ter um comportamento que de certa forma seja exemplar. Jovem 5
E acho que ele tem que ser alegre. Não demonstrar que ele está triste porque o Pro-
fessor é o espelho do aluno, então o aluno reflete nele, quando o Professor está triste
ele fica triste, quando o Professor fica alegre. Jovem nova geração 1
Ah, uma pessoa que entenda as dificuldades, não é? Que tenha paciência. Porque
assim: as pessoas não são iguais, cada um tem seu jeito, que tenha paciência com
o jeito de cada um, que tenha um lugar adequado, um lugar que precise, arrumar
parcerias também. E ir cultivando. Para os adolescentes verem que o que eles estão
fazendo é o melhor para eles. È que nem uma escola. Que nem, tem as escolas, mas
o pessoal fala que as escolas não prestam. Mas porque que as escolas não prestam?
Porque o Professor entra na sala, não fala um bom dia, já vai escrevendo, na hora
que vai embora já apaga, vai embora, não dá um tchau, então é assim, se você cul-
tiva, a pessoa vai se apegar, vai ter carinho, e quando você precisar daquela pessoa
ela não vai te dizer um não! Se você souber lidar com ela. Eu acho que independente
do lugar, ou do dinheiro, de qualquer coisa, independente de tudo isso, é a culti-
vação entre as pessoas, porque se você tratar uma pessoa bem, você pode treinar
na rua. Jovem 8
393
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Primeira coisa ele tem que ter aquela coisa, eu não sei dizer o nome, sabe aquela
coisa para cativar os alunos, além de ser o Professor, ser amigo também. Primeiro
de tudo ele tem que ser amigo dos seus alunos depois vem o Professor. Acho que é
o mais importante. Jovem 9
Mas o primeiro foco foi mesmo a questão da carência, sabe. De ter alguém mesmo
que olhasse. Eles chegaram lá, uns chegaram tão desengonçados, tão sem nada, e
de repente você viu um homem, virou um homem, sabe, de cabeça, de atitudes,
então eu acho que isto contribuiu. Liderança 1
Mas eu acho que é isto, já que você está ali, você tem que saber quais são as regras
verdadeiras, e aí você vai estar fortalecendo seu grupo, porque ele está tendo en-
tendimento do todo, se você trabalha o indivíduo picado, o rendimento dele é pi-
cado. E você não pode cobrar um rendimento integral. [...] Então eu acho que tem
que trabalhar tendo claro qual é o objetivo que você quer com seu esporte, com este
grupo qual é o foco que eu quero atingir, também deixe claro para ele, e aí ele vai
ter esta opção, é isto mesmo que eu quero, é desta forma que eu quero trabalhar, e
ele vai render muito mais. Liderança 1
Uma das educadoras afirmou conhecer outros grupos que, por falta de um objetivo
definidos, de direção, apresentam outra característica:
Então, eu conheço outros jovens que participam de outros projetos, aqui dentro
de Heliópolis, e comparando com este grupo, eu acredito que estes outros jovens
eles não tem uma organização como eu enxerguei neste grupo. Que até hoje, eu
acho que eles são ainda organizados, não é? Eu acho meio desorganizados os jo-
vens dos outros projetos, não tem uma direção, é aleatório. Educador 3
Eu me lembro que no começo, os meninos, era como se você pegasse uma pessoa
sem nada na cabeça. E aí, durante este tempo a gente foi tendo vivências, a gente
foi amadurecendo como grupo, e estes adolescentes foram crescendo, porque eles
estavam dentro de um ambiente, que é o Heliópolis e parece que eles só conseguiam
ver o Heliópolis. Não conseguiam ver além do Heliópolis. Eu acho que a experiên-
cia, estes anos de convívio com os adolescentes ajudaram-nos nisso. A criar uma
expectativa que eles não tinham. Eles achavam que eles tinham que ficar no He-
394
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liópolis, passar a vida, muitos falavam isso, passar a vida toda no Heliópolis, e não
tinham, não tinham objetivos, não tinham metas a alcançar. Educador 1
Eu acho que tem várias coisas que contribuem. Tem a questão do desemprego, que
muitos se acomodam por isso. Eu acho que tem a questão de falta de estímulo dos pais
desses jovens, muitos pais, não estou falando que são todos, mas muitos pais não es-
timulam, não pressionam este jovem para que ele se interesse em outras coisas. E eu
acho que fez a diferença foi que nós suprimos esta falta dos pais dos jovens que tiveram
esta experiência. Eu acho que a gente contribuiu nisso. A gente fez o que muitas fa-
mílias não estavam conseguindo fazer. Que era dar este estímulo. Educador 1
Porque a gente via a figura do Professor fazendo assim então eu vou tentar fazer
como ele, mas era uma criação, a gente criava muito como monitor, eu me sentia
mais valorizado, mais pertencente ao projeto. Falava: “Caramba, eles acreditam
em mim e eu posso contribuir de alguma forma no aprendizado destas novas
crianças, não é?” Jovem 2
O grupo indica ter sido construído através da influência de diversos aspectos. Como
já colocado anteriormente, as responsabilidades atribuídas aos jovens, o objetivo a
ser alcançado, a formação das equipes e a mediação dos educadores estão presentes
neste depoimento, como uma síntese das análises deste tema:
A gente fala até hoje que o que fez com que o grupo ficasse reunido é que a gente
queria treinar vôlei, daí veio o Professor, e aí o Professor junto com os adolescentes
395
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que fizeram que a gente quisesse estar aqui, que fizessem a gente se tornar autô-
nomos, que a gente corresse atrás dos nossos objetivos, coisa que com os jovens
desta segunda fase (chamados neste estudo como a nova geração) que a gente fala,
não está acontecendo. Mas aí eu não sei se é por causa do Professor ou por causa
do interesse dos jovens, porque naquela época tinha os dois lados, a gente tinha o
Professor que era, como posso explicar, acho que o nosso suporte, que nos segurava
era ele, qualquer problema que a gente tinha a gente recorria a ele, e ele sempre aju-
dava a fortalecer o grupo e até a gente mesmo em questões pessoais, até. Acho que
foi isto que fortaleceu o grupo. Acho que pela confiança do resto dos Professores
também, a amizade que todo mundo tinha pelo outro, responsabilidades que a
gente tinha contribuiu bastante. Jovem 7
A relação de amizade formada entre os jovens é uma das afirmações mais presentes e
valorizadas quando o assunto é o pertencimento do grupo. A permanência desta ami-
zade após o término da equipe de voleibol é relatada por vários jovens e educadores:
Com relação ao time, nós fechamos um grupo muito legal, até mesmo depois do
treino nós nos reuníamos, a gente conversava fora tanto de voleibol como de di-
versos assuntos, a gente tinha aquele laço de amizade. Na hora da dificuldade pro-
curar saber, montar uma estratégia para sobressair da dificuldade. Acho que este
laço de amizade que acabou ficando, de conversar, durou muito tempo. No outro
dia a gente se reunia para conversar, discutir sobre voleibol, acho que este é um
ponto legal. Jovem 3
A maneira como o grupo agia com cada integrante pode indicar os motivos desta re-
lação forte de amizade:
Por... Eu era travado, mas todo mundo, você vê, o trabalho que foi feito foi tão bom,
mas tão bom, eu acho que eu não estou viajando na maionese, foi tão bom, porque
se eu fosse jogar na minha escola, voleibol com os meus colegas, eu ia ouvir um
monte de... Não é, besteira: “Ah, você não sabe jogar!” Não iam nem me deixar
jogar, não ia nem entrar na quadra. Mas aqui o pessoal procurava ajudar, era tra-
balhado com a gente: “Procura ajudar seu colega!” E o pessoa ajudava mesmo. E
eu era travado mesmo, não conseguia, mas ninguém se cansava de falar para mim
como eu deveria fazer, e eu tentava fazer, mas ... Jovem 1
Este último jovem, quando questionado se achava que fazia parte do grupo, res-
ponde:
Me sentia, me sentia sim. Eu não tinha, claro, o mesmo desempenho que o P., o V.,
mas me sentia, eles me incluíam no grupo. Apesar de ser travado eles me incluíam!
Jovem 1
A afirmação de alguns jovens alegando que o projeto simbolizava a sua segunda casa
pode indicar a maneira como se sentiam pertencentes aqueles espaços:
396
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Eu escutei da boca do I. (jovem de uma geração mais nova) que a 2ª casa dele era
a sede, porque ele amava as aulas de voleibol, porque ele tinha prazer. Eu acredito
que era por causa da aula. Através das aulas que eles amavam eles acabavam se
comprometendo com as outras coisas porque tinha algo que lhes dava muito pra-
zer. Educador 3
Com certeza. A gente chamava ali de segunda casa. A gente se sentia bem lá dentro.
Jovem nova geração 1
Às vezes até a primeira porque a gente passava lá maior parte tempo lá do que em
casa. Jovem nova geração 1
Têm jovens que na mudança enquanto pessoa, de se cuidar, também isto teve. Ele
se tornou mais questionador, mais amigo do outro. Eles se fortaleceram enquanto
grupo. Eu acho que isso foi bacana, eles traziam coisas enquanto grupo. Não fala-
vam no individual. E para esta comunidade acho que é isto que é importante, não
é? Porque se você começa a trabalhar no individual, você se perde, e eles vieram
com uma força enquanto o grupo. Liderança 1
397
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O tratamento pedagógico afirmado neste estudo sugere que se considere uma série
de requisitos que tornem um projeto capaz de estimular transformações na vida de
seus educandos e familiares:
É pertinente concluir ainda que o esporte, se tratado de forma adequada, pode tam-
bém se vincular as outras dimensões da vida dos jovens participantes de projetos
socioeducativos de forma a colaborar efetivamente para minimizar as pressões exer-
cidas pela exclusão vivida por todos os moradores de comunidade periféricos. No
entanto é imperativo refletir nas nuances desta intervenção. A teia de relações que
cada grupo vive é bastante complexa e buscar conhecê-la poderá fazer da ação so-
cioeducativa uma “ponte” para novos caminhos até então escondidos ou invisíveis
aos olhos de seus moradores.
Conhecer, entender e adequar os detalhes nas relações vividas com requisitos como
os que foram levantados é o que se acredita dar tratamento pedagógico às ações.
Tais requisitos sugerem a necessidade de repensar projetos que por medo de excluir
seus jovens, atuam de maneira descontinuada, descontextualizada, sem cobranças
e, desta forma, diminuem suas possibilidades de romperem com as barreiras da fa-
vela. Parece pouco possível pensar em formação eficaz para jovens em situação de
risco sem oferecer-lhes estímulos e aprendizados que de fato possam contribuir para
a batalha diária contra a exclusão e outros riscos emanados pela localização geográ-
fica e formas de organização social. Estes aprendizados poderão ser mais facilmente
adquiridos através do esforço, dedicação, perseverança, superação, o que pode sig-
nificar que nem todos aceitarão o desafio, uns por não se atraírem pelo eixo da pro-
posta, outros por não se sentirem no momento de se comprometerem, outros...
No entanto, o medo de frustrar é partir do pressuposto de que não são capazes, de
398
livro:livro maputo 6/3/10 23:24 Page 399
que são fracos para tanto. Mas provavelmente estes jovens moradores de comuni-
dades periféricas – os favelados - sejam os mais habituados a lidar com a frustração,
pois a enfrentam cotidianamente. Acredita-se que é aconselhável ter como eixo
norteador para uma proposta de educação não-formal em uma comunidade perifé-
rica, a idéia de que os jovens são capazes de superar os limites impostos pelo meio
em que vivem, acreditando que ter baixas expectativas para com eles se traduz em
uma ofensa ou até mesmo um equívoco em projetos dessa natureza. Desta forma,
o foco e alvo das ações no projeto socioeducativo indica ser o de oferecer possibili-
dades capazes de provocar transformações para que os problemas deixem de ser su-
portados para passarem a ser, de fato, superados!
Notas
1
A denominação “favela” aparece entre aspas, pois geralmente vem “carregada” de sentido pejorativo,
o que não reflete a intenção de sua utilização no presente estudo. Seu uso é justificado por ser uma pa-
lavra bastante conhecida, aparecendo inclusive em produções científicas e pelo fato da comunidade foco
do estudo ser chamada comumente de favela de Heliópolis, inclusive pelos próprios moradores. Segundo
o novo dicionário Aurélio, favela significa conjunto de habitações populares toscamente construídas e
desprovidas de recursos higiênicos. Em Heliópolis, muitas construções apresentam fundações sólidas,
algumas com vários andares e recursos higiênicos. No entanto, regiões com estas mesmas características
mantêm a denominação de “favelas”, provavelmente por suas origens.
2
Informações retiradas do site: www.unicef.org.br
3
Extraído do site www.globo.com e www.diário.com.br
4
Extraído do site www.globo.com/rjtv, na sessão globo comunidade.
5
HIRAMA,L. K. H.. ALGO PARA ALÉM DE TIRAR AS CRIANÇAS DA RUA: O papel da pedagogia do esporte
em projetos socioeducativos. Unicamp, Campinas, SP (Dissertação de Mestrado), 2008.
6
O filme chama-se: Quanto vale ou é por quilo, de direção de Sergio Bianchi, distribuição Europa Filmes,
2005. Sinopse retirada do site 2001 o cinema está aqui, no dia 22 de janeiro de 2008: Quanto Vale ou É
Por Quilo? Desenha um painel de duas épocas aparentemente distintas, mas, no fundo, semelhantes na manu-
tenção de uma perversa dinâmica sócio-econômica, embalada pela corrupção impune, pela violência e pelas
enormes diferenças sociais. No século XVIII, época da escravidão explícita, os capitães do mato caçavam negros
para vendê-los aos senhores de terra com um único objetivo: o lucro. Nos dias atuais, o chamado Terceiro Setor
explora a miséria, preenchendo a ausência do Estado em atividades assistenciais, que na verdade também são
fontes de muito lucro Com humor afinado e um elenco poucas vezes reunido pelo cinema nacional, Quanto Vale
ou É Por Quilo? Mostra que o tempo passa e nada muda. O Brasil é um país em permanente crise de valores.
7
Denominação dada aos meios de intervenção educacional não pertencentes ao ensino escolar. Têm
como características a não fixação de tempos e locais, a flexibilidade de conteúdos e métodos em ade-
quação aos grupos trabalhados. Simson (2001, p. 9)
8
O estudo original refere-se à dissertação de mestrado elaborada por Leopoldo K. Hirama e orientada
pelo prof. Dr. Paulo Cesar Montagner defendida na FEF-Unicamp em 17 de setembro de 2008, com o tí-
tulo “ALGO PARA ALÉM DE TIRAR AS CRIANÇAS DA RUA: O papel da pedagogia do esporte em projetos so-
cioediucativos”. As memórias e falas coletadas estão registradas na dissertação e encontram-se disponíveis
para cópias/download na biblioteca digital da Universidade Estadual de Campinas
(www.unicamp.br/bc).
9
Segundo sites: www.unas.org.br ou www.pt.wikipedia.org/wiki/heliópolis
10
Atualmente este jovem está cursando faculdade de Logística na rede particular através de convênio
com uma ONG local.
11
Atualmente esta jovem está cursando faculdade de Educação Física na rede particular através de con-
vênio com uma ONG local.
399
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400
livro:livro maputo 6/3/10 23:24 Page 401
Marcelo, 16 anos, acorda diariamente antes das seis horas da manhã, organiza seu
material de treino, seus livros e cadernos escolares, come algo de forma rápida e
pega um ônibus no município de Nova Iguaçu, deslocando-se até a Associação Atlé-
tica Portuguesa, um clube de futebol da segunda divisão, localizado na Ilha do Go-
vernador, Rio de Janeiro1. Chega ao destino por volta das oito horas da manhã, se
encontra com seus companheiros e treina das nove ao meio-dia. Sai correndo para
sua escola em Nova Iguaçu e chega, geralmente, 40 minutos atrasado. Tem liberação
dos professores por ter apresentado uma declaração do clube. Às terças e quintas-
feiras, sai da escola antes do término do horário, também com a anuência dos pro-
fessores, para treinar futsal na Gávea (Clube de Regatas do Flamengo), um bairro
localizado na zona sul da cidade que fica a 50 km de Nova Iguaçu. Nos dias de treino
de futsal Marcelo chega em casa por volta das dez e meia da noite.
A história de Marcelo se assemelha à de muitos jovens dos estratos sociais mais baixos
de nosso país. A vida corrida entre ônibus, treinos e escola demonstra o investimento
de tempo, esforço e recursos que estes jovens e suas famílias fazem em função do
sonho de tornar-se jogador de futebol, única forma que eles veem de ascender social-
mente em um país onde a qualidade do ensino público deixa muito a desejar.
As questões que nos guiam para pensar a relação entre a formação profissional no
futebol e a escolarização básica no Brasil são as seguintes: Como explicar o interesse
de um contingente significativo de jovens brasileiros do sexo masculino e o inves-
timento de tempo, recursos e esforços para profissionalizar-se em um esporte que
possui um mercado restrito, com poucas vagas e poucas chances de sucesso? Como
os jovens que estão oficialmente inscritos nos clubes de futebol conciliam a forma-
ção no futebol com a escola básica?
O mercado para atletas de futebol no Brasil, apesar dos dados não serem precisos,
gira em torno de 10 a 15 mil postos de trabalho. Parte desses postos é formada por
empregos sazonais e bastante precários. O mercado nacional é formado pelos 500
clubes de futebol credenciados às subsidiárias da FIFA – organismo supranacional
que detém o monopólio do futebol espetáculo (DAMO, 2005). Embora o número
de clubes possa parecer expressivo para formar o mercado do futebol, o número de
postos de trabalho valorizados economicamente é restrito. Dos 500 clubes vincu-
lados à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), apenas 4%, isto é, 20 clubes, pos-
401
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suem 90% da preferência dos torcedores (idem). Tal preferência indica que apenas
poucos clubes possuem potencial de exploração e geração de receitas economica-
mente significativas junto ao público consumidor.
Se olharmos com atenção a pirâmide salarial deste esporte no Brasil, veremos que
estamos longe do sonho de riqueza e mobilidade social. Os dados disponibilizados
indicam que 84% dos jogadores, de todas as divisões do futebol profissional no Brasil,
recebem salários de até R$1.000,00, 13% recebem entre R$1.000,00 e R$9.000,00, e
apenas 3% recebem acima de R$9.000 por mês2. Esses indicadores não sofreram mu-
danças significativas nos últimos seis anos3. Mesmo que em determinados momen-
tos os jornais e a televisão divulguem as dificuldades e percalços desta profissão, isso
parece não desestimular a demanda de jovens que batem às portas dos clubes. Tor-
nar-se um jogador de prestígio que venha a ser negociado para um clube europeu é
o que alimenta o sonho desses jovens. Esse tipo de formação tem hoje o mercado in-
ternacional como alvo. Mas o destino dessa massa de jogadores formados no país,
quando aproveitados no futebol profissional, será possivelmente trabalhar na 2a, na
3a e na 4a divisão do futebol no Brasil. Apesar disso, o grande contingente vinculado
às categorias de base representa a aposta na profissão.
O início da carreira no futebol não é nada fácil. O “vestibular” para vestir a camisa
de um clube tem uma relação candidato/vaga inimaginável para o sistema escolar.
Ao analisar o processo das “peneiradas”, um dos meios mais popularizados de acesso
ao início da carreira, Toledo (2002) indica que estatisticamente a taxa de aprovei-
tamento é próxima a 1%. Em 1995, por exemplo, dos 3.500 jovens que se aventura-
ram nas “peneiras” do São Paulo Futebol Clube, apenas cinco foram aproveitados;
em 1996, no mesmo clube, apenas dois dos 4.000 candidatos foram aproveitados.
Em 2008, o Flamengo teve mais de 1.000 candidatos de todo o Brasil tentando uma
vaga nas categorias de base do “Ninho do Urubu”4, e apenas dois foram seleciona-
dos5. Se são tão poucas as possibilidades de sucesso, o que explica tanta procura e
investimento? Para além das respostas culturais, ou seja, aquelas que explicam o
papel socializatório do futebol em nossa sociedade, as hipóteses que podemos le-
vantar para explicar o alto investimento de tempo, trabalho corporal e o desejo des-
ses jovens e suas famílias são as seguintes: a) quanto menor o capital cultural da
família do jovem, maior será o investimento na carreira de jogador; b) o processo
de formação no futebol pode render prestígio social e alguma remuneração ou ajuda
de custo ainda na formação; c) as poucas oportunidades de ascensão social na socie-
dade brasileira, somadas à precariedade da escola pública brasileira6 e do mercado
de trabalho para as novas gerações, transformam o futebol profissional em projeto
familiar para as camadas populares (RIAL, 2006).
De acordo com Damo (2005), o menino que passa nesse “vestibular” e ingressa nas
categorias de base do futebol terá que realizar um investimento estimado em 5.000
horas de exercícios corporais, treinos de técnicas esportivas e psicológicas ao longo
de 10 anos de formação no esporte. Apenas para termos uma ideia do que significa
esta informação, se considerarmos que o aluno da escola pública brasileira perma-
nece em média quatro horas por dia na escola e que cada ano deve ter 200 dias leti-
vos, a formação ao longo dos nove anos do ensino fundamental terá uma carga de
7.200 horas. No ensino médio, a carga será de 2.400 horas. Para exemplificar, o atleta
402
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que começasse na categoria mirim aos 12 anos, idade equivalente ao 7° ano escolar,
se completasse o ensino médio aos 18 anos, quando estaria no último ano de juvenil,
teria tido uma carga horária de 5.600 horas na escola. Isso demonstra o significado
do tempo de 5.000 horas estimado por Damo (2005) para a formação no futebol.
Na pesquisa que estamos realizando7, levantamos uma série de dados de atletas de
12 a 20 anos inscritos oficialmente na FERJ (Federação de Futebol do Estado do Rio
de Janeiro). O tempo médio de treino semanal de todas as categorias é de 14 horas
e 20 minutos, sem contarmos o tempo destinado aos jogos. Se considerarmos que
esses atletas de futebol geralmente têm um mês de férias, variando um pouco de-
pendendo da categoria, num ano em que eles tenham em média 49 semanas de ati-
vidades nos clubes, a carga horária anual destinada aos treinos será de 702 horas e
20 minutos. De acordo com nossa pesquisa, se projetarmos isso pelos nove anos de
formação, considerando apenas as categorias estudadas (do mirim até os juniores),
o atleta terá tido uma carga de 6.321 horas de treinos. Observe-se que nossas esti-
mativas consideram apenas o tempo de treino no Rio de Janeiro, sendo superiores
às encontradas por Damo (2005) em seu estudo.
Esses dados demonstram que desde cedo os jovens atletas entram num rígido regime
disciplinar que regula horários e comportamentos dentro e fora do clube, no sentido
de formar o ethos do jogador de futebol. Tal regime se assemelha à disciplina do
mundo do trabalho. Vale lembrar que esse regime tende a ser mais controlado para
os atletas que vivem albergados nos clubes e longe de suas famílias. A partir da cate-
goria mirim, aos 12 anos, podem receber alguma ajuda de custo para passagens, gastos
básicos ou incentivos financeiros, dependendo, é claro, da estrutura financeira do
clube e do potencial do atleta. No Clube de Regatas do Flamengo, por exemplo, todos
os atletas das categorias de base do futebol recebem ajuda de custo para passagens e
gastos básicos. A partir dos 16 anos de idade, quando podem oficialmente assinar
contratos de trabalho, eles podem receber incentivos financeiros que variam entre
R$1.200,00 a R$2.000,00, sendo que esses valores podem até ser superiores em al-
guns casos. É claro que essa não é a realidade da maioria dos clubes, mas o regime de
trabalho corporal e a dedicação para a formação profissional no futebol é semelhante,
com ou sem remuneração. Todos alimentam a esperança de uma transferência para
um grande clube com remuneração ainda na fase de formação.8
Diante disso, argumentamos que esses atletas podem ser considerados jovens
aprendizes de uma profissão, mesmo que essa atividade e esse tipo de instituição
formadora, o clube, não estejam contemplados no Decreto 5.5989, de 1° de dezem-
bro de 2005, que regula a formação profissional do jovem aprendiz. Por outro lado,
as resoluções do referido decreto sobre os direitos do jovem aprendiz e deveres das
instituições formadoras, entre eles a adequação do horário das atividades de forma-
ção profissionalizante à escola, podem não ser observadas pela maioria dos clubes.
Sabe-se que os atletas de todas as categorias de base geralmente treinam cinco vezes
por semana, e em momentos de competição treinam fora do turno normal ou via-
jam para jogar. Assim, no caso do futebol a rotina de treinos semanais é que acaba
condicionando o horário de frequência à escola. Um levantamento de informações
com 186 atletas-estudantes, de 15 a 17 anos, nos clubes do Rio de Janeiro,10 revelou
que 41,9% destes jovens estudavam à noite. A opção por este turno se dava em fun-
403
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ção do atraso escolar destes alunos com relação a outros da mesma faixa etária. Além
disso, conforme a idade avança, a dedicação ao esporte exige mais tempo, e estudar
à noite passa a ser uma forma de conciliar a escola com o cotidiano dos treinos.
Como contraponto à realidade brasileira, Souza; Vaz; Bartholo; Soares (2008) nar-
ram a trajetória de Leandro11, um adolescente de 12 anos contratado para jogar no
Clube Feyenoord, na Holanda. Na época, ele havia sido matriculado em uma escola
holandesa regular, cujas aulas ocorriam de segunda a sexta-feira, das 9 às 16 horas
(sete horas diárias de permanência), e os treinos ocorriam no final da tarde e durante
parte da noite. Isso porque, na Holanda, é a escola que determina o horário dos trei-
nos, e mesmo os jovens imigrantes devem estar matriculados na escola regular. Esse
é um bom exemplo para pensarmos a relação escola-futebol em nosso país e os in-
vestimentos que nossos clubes realizam na formação escolar de nossos atletas.
Os dados sugerem que a carreira no futebol pode ser uma aposta com poucas chan-
ces de realização. No entanto, o destino dos jovens que não conseguem concretizar
este sonho seria diferente se eles tivessem investido pesadamente na escola pública
que existe hoje no Brasil? Os argumentos que temos para buscar respostas são os
seguintes: a) sabemos que a escola brasileira tem baixa qualidade e é desinteressante
(uma pesquisa recente revelou que o principal motivo de abandono escolar até o
ano de 2006, dentre outros apresentados, era a falta de interesse intrínseco na es-
cola, apontada por 43,3% dos jovens que abandonaram a escola [NERI, 2009])12; b)
a taxa de desemprego entre os jovens é significativamente mais alta quando com-
parada com a população economicamente ativa (PEA), e ela tende a aumentar entre
aqueles que possuem baixa escolaridade (SCHWARTZMAN; COSSÍO, 2007); c) em
termos de probabilidade, a sociologia da educação aponta que a origem social e a es-
colarização dos pais determinam a localização dos filhos na estratificação social
(BOURDIEU, 1998; SCHWARTZMAN, 2004; 2006); d) durante conversas com jo-
vens atletas, constatamos que o futebol se torna o foco de suas vidas e, com isso, a
escola, as tarefas escolares e outras possibilidades de formação cultural ficam em
segundo plano e não são valorizadas por eles.
Diante desse cenário, entendemos que a aposta dos virtuosos no futebol é bastante
razoável, pois o modelo atual de ensino público no Brasil é desinteressante e pouco
produtivo não só para os atletas, mas também para grande parte dos jovens brasi-
leiros.
Agradecimentos: A pesquisa que deu origem a este texto conta com o apoio do CNPq, Faperj e Funda-
ción Carolina-Espanha.
404
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Referências bibliográficas
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CATANI, A. (Orgs.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 39-65.
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no Brasil e na França. Porto Alegre, Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Gra-
duação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005, 434 p.
HELAL, R.; SOARES, A.J.G.; SALLES, J.G. do C. Futebol. In: DaCOSTA, L.P. Atlas do esporte no Brasil. 1ª ed.
Rio de Janeiro: Shape, 2005, p. 257-259.
NERI, M.C. O paradoxo da evasão escolar e as motivações do sem escola. In: VELOSO, F.; PESSÔA, S.;
HENRIQUES, R.; GIAMBIAGI, F. (Orgs.). Educação básica no Brasil: construindo o país do futuro. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009, p. 25–50.
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SCHWARTZMAN, S. As causas da pobreza. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
__________. Programas sociais voltados à educação no Brasil. Sinais Sociais, 2006, v. 1, p. 114-145.
SCHWARTZMAN, S.; COSSÍO, M.B. Juventude, educação e emprego no Brasil. Cadernos ADENAUER, Ge-
ração Futuro, 2007, v. 7, p. 51-65.
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tino em meninos brasileiros. Horizontes antropológicos [online], 2008, vol.14, n.30, p. 85-111. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832008000200004&lng=en&
nrm=iso> Acesso em: 22/out/2009.
TOLEDO, L.H. Lógicas do futebol. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2002.
Notas
1
A distância entre este município e a Ilha do Governador é de 38 km.
2
Dados da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 2009 amplamente divulgados pela mídia.
3
CBF (2003).
4
Centro de treinamento do Flamengo em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
5
SporTV Repórter, Programa intitulado “Olheiros Virtuais”, Canal SporTV, exibido em 23/set/2009.
6
Dados sobre a precariedade do ensino público no Brasil podem ser esclarecedores do quadro que estamos
descrevendo: o índice de repetência de alunos é de 20,6%, o maior da América Latina. A formação dos
professores no ensino básico é insuficiente. Dos professores de 1ª a 4ª série/2° ao 5° ano, apenas 47%
têm diploma universitário; destes, apenas 43% têm diploma em licenciatura. De cada 100 crianças ma-
triculadas na 1ª série/2° ano do ensino fundamental, 88,6% chegam à 4ª série/5° ano, 57,1% à 8ª série/9°
ano e 36,6% ao 3° ano do ensino médio. Com relação ao gasto médio por aluno, o Brasil – país com a eco-
nomia mais diversificada e desenvolvida da América do Sul – fica atrás de seus vizinhos Argentina, Uru-
guai, Chile e Colômbia. Ver “Escola Brasil” (O Globo, Rio de Janeiro, 22/jul/2006).
7
Os dados apresentados fazem parte de uma pesquisa mais ampla que analisa a conciliação entre a formação
profissional no esporte e a escolarização básica. A pesquisa “Formação profissional no esporte e escolarização
de atletas no Rio de Janeiro” está atualmente em curso e é financiada pela Faperj e pelo CNPq.
8
Dados coletados no Club de Regatas Vasco da Gama mostraram que os atletas do juvenil (a partir dos
16 anos) que são avaliados com potencial podem conseguir contratos que variam de R$600,00 a
R$3.000,00. Fonte: Idem.
9
As instituições formadoras do Sistema S (SENAI, SENAC, SESI) foram contempladas, mas é evidente
que os clubes esportivos não figuram no decreto.
10
Dados da pesquisa “Formação profissional no esporte e escolarização de atletas no Rio de Janeiro”, que
está atualmente em curso e tem financiamento da Faperj e do CNPq.
11
Este atleta entrou ilegalmente na Holanda, com passaporte falso, e foi ouvido pela CPI da Nike. Seu
nome no artigo supracitado é fictício.
12
Análise a partir da base de dados do PNAD 2004 e 2006.
405
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Desporto e Turismo:
a importância dos eventos desportivos
Elsa Pereira — Universidade do Algarve – epereira@ualg.pt
Margarida Baptista — FMH / Universidade Técnica de Lisboa
Gustavo Pires — FMH / Universidade Técnica de Lisboa
Introdução
Na era da globalização, o fenómeno desportivo assume contornos de interface com
os demais sectores da sociedade. O desporto conquista um significado social e eco-
nómico crescente, não só nas vertentes da competição e do espectáculo, movimen-
tando cada vez mais pessoas e valores, mas também na sua vertente do lazer, do
prazer pela prática desportiva, no contributo que estas práticas dão para o bem-estar
dos indivíduos e das populações. Neste sentido, Pires (2007:18) refere que “tal como
ao tempo dos primeiros jogos na Grécia antiga, o desporto é portador de um capital
social simbólico a uma escala global que não deve ser menosprezado”.
Por seu turno, o turismo é considerado uma das maiores indústrias da actualidade,
representando aproximadamente 6 por cento das exportações de bens e serviços a
nível mundial (WTO, 2007).
A relação entre o desporto e o turismo sempre existiu, sempre se praticou natação
nas praias, se fez passeios nas montanhas durante as férias, etc. No entanto, esta
relação têm-se vindo a intensificar e a consolidar. Gratton e Taylor (2000) afirmam
que o desporto relacionado com o turismo é uma parte crescente do mercado turís-
tico (in Deane & Callanan, 2004).
De uma maneira geral, as primeiras referências que nos surgem sobre o tema focam-
se no impacto dos grandes eventos desportivos e sua relação com o turismo. Facto
que, aliás, julgamos ter despoletado o interesse pelo tema do Desporto e Turismo.
Não existem dúvidas quanto ao enorme impacto económico que os grandes eventos
desportivos provocam ao nível de todo o sistema turístico da região onde decorrem.
Estes sempre foram indutores de uma relação com o turismo; recorde-se, por exem-
plo, os Jogos Olímpicos da Antiguidade que constituíam um pólo de atracção, fazendo
com que os diferentes povos se deslocassem a Olimpo para poderem assistir.
Os eventos e nomeadamente os desportivos têm-se tornado mais valias para os paí-
ses, destinos e cidades que os acolhem. Neste sentido, têm proliferado os estudos
que se debruçam sobre esta temática. Recentemente, a literatura que aborda esta
problemática apresenta uma linha de investigação que se foca na importância do
pensamento estratégico, de intencionalidade, para que a comunidade receptora
possa de facto tirar o máximo partido dos eventos desportivos. A perspectiva de po-
tencializar/maximizar os benefícios do evento, representa uma mudança funda-
mental, pois opta-se por desfocalizar a investigação, da tradicional análise de
406
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impactos cuja orientação se centra nos resultados, para uma refocalização na estra-
tégia, no planeamento. Não basta recebermos o evento para que o impacto esperado
aconteça, é necessário à priori, definir estratégias, linhas de acção, no sentido de ca-
pitalizar as oportunidades proporcionadas pelo evento.
Ao longo deste texto, e partindo de uma breve retrospectiva conceptual do desporto
e turismo, pretendemos abordar a linha de investigação que se centra na potencia-
lização dos eventos desportivos e apresentar o design do Estudo de Caso sobre Po-
tencialização de Eventos Desportivos Náuticos no Município de Portimão, Algarve.
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— atrair turistas, com o consequente aumento dos seus gastos médios diários;
— melhorar a qualidade da oferta pela diversidade ou inovação de actividades que
tem a capacidade de proporcionar;
— contribuir para o aumento do turismo de qualidade/diminuição do turismo de
massas;
— a diversificar espacial e temporalmente a actividade turística;
— melhorar a notoriedade e imagem do destino devido à oferta de férias activas/di-
nâmicas /desportivas;
— promover o destino turístico devido à oferta de férias activas/dinâmicas /des-
portivas e à melhoria da animação;
— criar postos de trabalho;
— aumentar a satisfação/fidelização dos clientes;
— contribuir para um desenvolvimento endógeno e integrado;
— viabilizar a obtenção de mais rendibilidade a longo prazo;
— aumentar a procura global do produto turístico/desportivo (quota de mercado
e volume de vendas).
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Gammon & Robinson (2003) criaram um modelo que acenta num eixo bidireccio-
nal que diferencia por um lado “Sports Tourism” (Desporto e Turismo), onde o des-
porto é a primeira motivação para viajar, e por outro “Tourism Sport” (Turismo e
Desporto), em que as férias são a primeira motivação para viajar (p.23). Dentro de
cada uma das dimensões iniciais existe ainda a subdivisão em duas categorias, a
”hard” e a “soft”.
No modelo apresentado por Kurtzman & Zauhar (2003) são definidas cinco cate-
gorias diferentes para classificar as actividades do Desporto e Turismo:
O modelo da autoria de Standeven & De Knop (1999:64) é dos mais antigos da lite-
ratura e procura ilustrar uma relação funcional entre o desporto e a actividade tu-
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rística usando dois critérios. Por um lado a natureza da experiência desportiva (am-
biental ou interpessoal), por outro lado, a natureza da experiência turística (como
a experiência cultural de um lugar, natural ou artificial de acordo com os diferentes
ambientes em que se pode desenrolar, nomeadamente: zonas costeiras, zonas ru-
rais, zonas históricas, zonas culturais e de entretenimento).
De realçar que todos os modelos apresentados incluem os eventos desportivos como
uma categoria com especificidades que importa relevar.
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Baseamo-nos no Model for Sport Event Leverage desenvolvido por Chalip (2004) e
no Model for Social Leverage de O’Brien & Chalip (2007) que ainda não foi aplicado
à organização de eventos e reclama verificação empírica.
Perspectiva Investigacional
De acordo com Guba & Lincoln (1994) o paradigma de investigação deve ser um
guião que de forma integrada contribui para a definição da natureza da realidade
que se pretende analisar, da relação entre o investigador e o que se pretende inves-
tigar e da forma como iremos conhecer essa realidade.
Neste sentido procuramos apresentar os princípios orientadores que nos serviram
de guião. A investigação que estamos a desenvolver no âmbito do processo estraté-
gico não assenta na possibilidade de se estabelecerem relações entre causas especí-
ficas e efeitos específicos, acções específicas e resultados específicos. As ciências da
complexidade ajudam-nos a compreender que quando as organizações funcionam
numa instabilidade limitada, as relações entre causa e efeito tendem a desaparecer.
A sensibilidade, dos sistemas complexos, às condições iniciais faz com que a relação
entre acções individuais e resultados globais não sejam identificáveis (Stacey, 1995).
De facto a nossa preocupação prende-se com a análise dos eventos desportivos, do
portfolio de eventos desportivos náuticos, da forma como são geridos para que se
torne um contributo para o desenvolvimento social. Como afirma Mintzerb (2005)
o desenvolvimento organizacional pretende atingir o desenvolvimento social. Esta
análise justifica-se, na medida em que nos sistemas em mudança, as dinâmicas não
se limitam a acções de causa e efeito, sendo as acções inovadoras e imprevisíveis
que originam nova direcções estratégicas. Stacey (1995) afirma que o focus da in-
vestigação deve ser centrado na compreensão das dinâmicas de grupo nos proces-
sos de aprendizagem política e organizacional auto-organizados
espontaneamente, através dos quais as organizações inovam. A perspectiva da
complexidade, sugere o estudo, acerca de como a aleatoriedade das conexões entre
as pessoas e as regras simples de decisão que usam, pode conduzir a padrões com-
plexos e globais de comportamento, assumindo a forma de nova direcção estraté-
gica e renovação organizacional.
Stacey (1995) sugere que o “paradigma da complexidade” fornece um quadro de
referência para uma nova perspectiva de análise do processo estratégico. O quadro
de referência fornecido pela “ciência da complexidade” baseia-se no estudo de
sistemas não lineares e de “network feedbacks” (GleicK,1987; Waldrop, 1992;
Kauffman, 1991, 1992; Gell-Man, 1994, in Stacey, 1995). O estudo destes sistemas
tem demonstrado que para produzir comportamentos contínuos de mutação,
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criatividade e inovação, os sistemas têm que operar longe do equilíbrio, onde são
conduzidos por feedbacks negativos e positivos para estados paradoxais de estabi-
lidade e instabilidade, previsibilidade e imprevisibilidade. A dinâmica de sucesso,
nestes sistemas, pauta-se pela sua capacidade de permanecer afastado do equilí-
brio adaptativo, em estados de instabilidade, irregularidade e imprevisibilidade
(Stacey, 1995).
Apesar de a maioria dos trabalhos neste campo terem sido desenvolvidos em siste-
mas naturais (Gleick, 1987; Waldrop, 1992; Prigogine & Stengers, 1984; Nicolis &
Prigogine, 1989) verifica-se um grande interesse em aplicar as descobertas subja-
centes aos sistemas sociais (Anderson, Arrow & Pines, 1988; Nonaka, 1988; Peters,
1991; Wheatley, 1992; Zimmerman, 1992; Stacey, 1991, 1992, 1993; Goldstein, 1994)
(in Stacey, 1995). Stacey (1995) advoga que os investigadores organizacionais
devem enquadrar as suas investigações no paradigma da complexidade, pois as or-
ganizações são sistemas não lineares de “network feedback”. Isto implica que as
propriedades destes sistemas, como a instabilidade limitada, a espontânea auto-or-
ganização e ordem emergente, devam ser aplicadas às organizações. A perspectiva
dos sistemas complexos advogada por Stacey (1995), está centrada na dinâmica de
todo o sistema. Foca-se na procura de processos centrais de evolução e de transfor-
mação, e na instabilidade e nas dinâmicas de desordem que aqueles geram, na net-
work informal da organização.
Sendo esta perspectiva um dos princípios orientadores da nossa investigação, e
sendo os eventos desportivos uma alavanca num processo de evolução e transfor-
mação do Município de Portimão, urge compreender como o são, ou seja de que
forma são um contributo, uma mais valia para o desenvolvimento local, quais as
estratégias e tácticas inerentes à sua potencialização, quais as dinâmicas que pro-
movem, como evolui o processo.
Nesta linha Morin (1990) enfatiza que o conceito de estratégia, neste caso refe-
rindo-se à estratégia política, pelo facto de lidar com incerto, com o acaso, com múl-
tiplas interacções, necessita de uma abordagem em consonância com o paradigma
da complexidade. “A estratégia permite, a partir de uma decisão inicial, encarar um
certo número de cenários para a acção, cenários que poderão ser modificados se-
gundo as informações que vão chegar no decurso da acção e segundo os imprevistos
que vão surgir e perturbar a acção” (Morin, 1990:116). Para Morin (1990) a comple-
xidade é incerteza, acaso, indeterminação, ordem e desordem o que leva a que o in-
vestigador científico se enquadre nesta perspectiva epistemológica, que passa pela
aceitação da contradição, da imprecisão, da incerteza e da ambiguidade.
De acordo com esta perspectiva, interessa não só analisar e compreender as estra-
tégias, como a evolução dessas estratégias e os caracteres da sua diversificação. No
nosso entender só compreendendo e analisando as acções poderemos caracterizar
e compreender as estratégias. É na interacção com o meio que a estratégia se ex-
pressa, no sentido pretendido inicialmente ou noutro diametralmente contrário.
A estratégia, não sendo um programa pré-definido a aplicar invariavelmente no
tempo, necessita para ser conduzida, de uma organização que não se reja pelos prin-
cípios da programação, que tenha capacidade de reflexão para integrar os elementos
que possam contribuir para o seu enriquecimento.
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A nossa opção direccionou-se, assim, para uma abordagem qualitativa, pois este é
um estudo desenvolvido em contexto de vida real que procura ter em conta os pon-
tos de vista dos que estão envolvidos nos fenómenos (Denzin & Lincoln, 2000).
Apesar de nos basearmos no modelo de análise criado por Chalip (2004) e O’Brien
& Chalip (2007), procurando analisar em termos empíricos como se comporta, con-
sideramos fundamental a compreensão dos processos e significados, através dos ac-
tores sociais e suas interacções. Queremos compreender o que fazem, como fazem,
porque fazem, quais os principais actores, obstáculos e facilitadores do processo de
potencialização dos eventos. E daí a opção também pelo paradigma interpretativo/
construtivista pois permite analisar a realidade social sendo construída através da
compreensão das acções dos indivíduos ou do grupo nos seus contextos naturais
(Denzin & Lincoln, 2000). Este contempla a multiplicidade dos contextos sociais,
incluindo a do investigador e neste caso, sendo a minha formação de base as ciências
do desporto e todo o meu percurso profissional nesta área, sem dúvida que vai in-
fluenciar a minha visão da potencialização dos eventos.
O enfoque inicial dedutivo baseia-se nos itens definidos no modelo que citámos.
Estes itens assumem o papel de “conceitos sensibilizadores” pois servem-nos de
guia na aproximação à realidade empírica. No entanto, na iteração e reflexão com
e acerca da realidade observada, procuramos estar atentos a itens de potencialização
emergentes, numa perspectiva de abertura e enriquecimento dos conceitos através
dos dados que recolhemos da realidade (Blumer, 1969, in Moreira, 2007). De facto
o enfoque dedutivo caracterizou a fase inicial de aproximação ao contexto, mas foi
dando lugar a uma interacção entre dedução e dados observáveis pois assume-se
com esta investigação a pretensão de se produzir teoria. Corroboramos a afirmação
de Nogeste (2007) quando nos diz “however, to the point where after the initial in-
ductive or dedutive stage, the research becomes a series of iterations or interplays
between deduction and induction”, pois de facto, os sucessivos passos são constan-
temente acompanhados por fluxos iterativos de retroacção, permitindo um refazer
e aperfeiçoar constante das etapas iniciais de investigação.
Metodologia
Considerámos o método de investigação mais adequado o Estudo de Caso - Poten-
cialização dos Eventos Desportivos Náuticos no Município de Portimão. De acordo
com Yin (2003:19) “os estudos de caso representam a estratégia preferida quando
se colocam questões do tipo “como” e “porquê”, quando o pesquisador tem pouco
controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenómenos con-
temporâneos inseridos em algum contexto da vida real”.
O contexto seleccionado reúne as condições para propiciar uma investigação neste
âmbito, pois definiu uma estratégia de desenvolvimento que tem como alavanca
os eventos desportivos (apresenta um programa anual relevante de grandes eventos
desportivos internacionais e uma empresa pública municipal, a ExpoArade, que tem
como objecto, entre outros, a “organização, gestão e exploração de eventos”).
Os eventos desportivos náuticos foram-nos referidos como aposta prioritária pelo
vértice estratégico da ExpoArade. A orientação da investigação no sentido dos even-
tos desportivos náuticos parece-nos adequada pois, numa perspectiva do desenvol-
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Conclusão
Um dos maiores desafios para o desenvolvimento do Desporto e Turismo é fazer
compreender aos políticos tanto do sistema desportivo como do turístico que os be-
nefícios que advêm de uma visão estratégica em conjunto, num sistema híbrido,
composto por dois sectores diferentes, constituiem-se como imprescindíveis. A
aposta deverá ser centrada nas sinergias regionais, pois a este nível as possibilidades
de cooperação são mais elevadas. Destacamos a colaboração das autarquias locais e
associações de municípios, entidades de turismo, parques naturais, associações para
o desenvolvimento regional, empresas privadas, universidades, e outras que se jus-
tifiquem de acordo com a especificidade dos projectos. Em nosso entender a criação
de associações especializadas de Desporto e Turismo, facilitadoras de redes de coo-
peração, de plataformas de comunicação e de lobby5 será o passo seguinte como es-
tratégia de desenvolvimento.
O nosso enfoque de investigação procura estudar uma das categorias do Desporto
e Turismo – os Eventos Desportivos. Gostaríamos de salientar que, ao longo da re-
colha de dados do nosso trabalho, fase que está praticamente no seu terminus, fomos
desenvolvendo a análise qualitativa dos mesmos numa perspectiva de “evolutio-
nary case study approach” (Dawson, 2008), o que nos permitiu identificar itens de
potencialização que não constavam no modelo base e que após reflexão nos orien-
tou para o refinamento dos instrumentos de recolha de dados e aplicação da versão
renovada. Queremos reforçar a especial importância que terá neste trabalho, após
o processo de redução dos dados, a triangulação dos mesmos, de acordo com as várias
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Notas
1 Vide http://www.sptourism.net.
2 Vide www.tandf.co.uk/journals.
3 Associação que conta com mais de 20 Estações Náuticas espalhadas por toda a Espanha.
4 De realçar que o actual Plano Estratégico Nacional do Turismo (2006-2015) define nos seus eixos estra-
tégicos, nomeadamente no “Eixo I – Territórios, Destinos e Produtos”, o turismo náutico como um pro-
duto prioritário para o Algarve (TP, IP, 2007 in Pereira, 2008).
5 Veja-se o caso de Espanha com a criação da primeira Estação Náutica em 1995 e com a criação da Asso-
ciação Espanhola das Estações Náuticas em 2000.
423
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Estas duas funções são características de todos os seres vivos, que se podem dividir
em função do processo nutricional:
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Grupo Momento Energia (kcal) Proteínas (%) Gorduras (%) CHO (%)
Fundistas Fase Competitiva 2.961±559 17.6±5.0 30.8±12.6 51.1±16.3
Homens (n=22)
Surfistas Fase Competitiva 2708±520 18.2±2.2 35.0±4.8 46.8±5.0
Homens (n=23)
Meio-fundistas Fase competitiva 2953±1009 17.2±2.9 30.1±5.0 52.7±6.2
Mulheres (n=27)
Temos de analisar os resultados, não em função das médias que podem ser pouco
esclarecedoras, mas em função das amplitudes que nos permitem verificar que en-
quanto alguns desportistas apresentam sérios défices energéticos e nutricionais
outros alimentam-se em excesso o que pode trazer problemas de saúde e de sobre-
carga ponderal que poderá afectar o rendimento desportivo. Em relação às percen-
tagens relativas os vários macronutrientes é de salientar o reduzido aporte de
carbohidratos e a excessiva ingestão de proteínas, panorama que é reforçado por
outros estudos que realizamos com outros tipos de populações.
Em relação às populações africanas importa referir que uma dieta fundamental-
mente vegetariana pode permitir o acesso aos nutrientes essenciais para uma boa
saúde e para a obtenção de bons rendimentos desportivos. Foram estudados os há-
bitos alimentares dos atletas quenianos do grupo étnico dos Kalenjin, do qual pro-
vêm alguns dos melhores meio-fundistas e fundistas do mundo, e verificou-se que
93% dos alimentos utilizados são de origem vegetal, correspondendo os carbohi-
dratos a 78% do aporte calórico total (Christensen et al., 1998).
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3. Sobrecarga de Carbohidratos
A energia consumida durante o exercício é principalmente fornecida pelos carbo-
hidratos e lípidos, por isso para a melhoria da endurance é necessário regular o me-
tabolismo destes dois substratos. Durante o exercício de endurance, o glicogénio é
gradualmente depleccionado o que vai progressivamente dificultando a manuten-
ção de um dado nível de intensidade de exercício. Uma forma efectiva de melhorar
a endurance consiste no aumento das reservas musculares e hepáticas de glicogénio
antes do exercício. Quando o glicogénio tecidular está depleccionado, a actividade
da enzima glicogeno-sintetase (que promove a síntese de glicogénio nos tecidos)
está transitoriamente elevada, induzindo o aumento da quantidade de glicogénio
armazenado a partir da conversão dos vários carbohidratos.
De forma a preparar convenientemente um dado evento desportivo, principal-
mente esforços de endurance, deve-se obviamente reduzir a intensidade e volume
de treino e aumentar, pelo menos nos últimos 3-4 dias que antecedem a competi-
ção, o aporte de energia proveniente dos carbohidratos para cerca de 70% do aporte
calórico total. Devem ser ingeridos entre 8-10 g de CHO por kg de peso corporal.
Assim, um atleta com 60 kg deve ingerir entre 480-600 g de carbohidratos. Deve-
se ter cuidado de não aumentar a quantidade de energia ingerida numa fase de ate-
nuação do treino; assim deve-se reduzir o aporte de gorduras e proteínas para
contrabalançar o aumento no consumo de CHO, evitando-se assim que o excesso
calórico se transforme em gordura, facto que pode afectar o rendimento desportivo.
Com este procedimento podemos aumentar até ao dobro as reservas de glicogénio
muscular o que é benéfico para esforços de elevada intensidade que se prolonguem
no tempo (e.g. futebol, corridas de meio-fundo e fundo, etc.). Ter em atenção que
o armazenamento de glicogénio pode aumentar o peso corporal, pois cada grama
de glicogénio é armazenada com 3 gramas de água. No entanto, este aumento de
peso, ao contrário do derivado do aumento da gordura corporal, é benéfico pois cor-
responde a mais energia para o músculo e a mais água para os processos termo-re-
guladores. A sobrecarga de carbohidratos só é efectivamente eficaz para actividades
que durem pelo menos 90 minutos.
Num estudo realizado por Bergstrom et al. (1967) foi demonstrado que um nível
inicial de glicogénio muscular de 1.75 g/100 g de músculo húmido permitiu a exe-
cução de uma dada carga estandardizada por 114 minutos; quando o conteúdo de
glicogénio muscular foi alterado para 0.63 ou 3.31 g/100 g, o tempo até à exaustão
foi de 57 e 167 minutos, respectivamente. Este estudo histórico, permite-nos veri-
ficar a importância das reservas iniciais de glicogénio muscular na performance em
esforços prolongados
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Um atleta deve estar bem hidratado antes do exercício o que pode ser comprovado por
uma urina clara e abundante. Antes da competição deve-se tentar beber até 500 ml de
fluido e cerca de 150-250 ml cada 15 minutos durante o esforço. Beber tanto quanto o
possível após o esforço. Deve-se treinar a ingestão de bebidas durante o treino para ha-
bituar o organismo a esvaziar, em esforço, os fluidos que chegam ao estômago.
A sede não é um bom indicador de desidratação, a diminuição do peso corporal sim;
no entanto é necessário despir as roupas molhadas cujo peso pode esconder as per-
das hídricas estabelecidas.
Para rehidratar deve-se beber água, sumos de frutas (diluídos com 50% de água), be-
bidas desportivas, soluções de rehidratação oral. Podemos fazer também a nossa
própria bebida. álcool, chá e café actuam como diuréticos e não são bebidas adequa-
das para o restabelecimento de fluidos perdidos pelo exercício.
Como nota importante, importa referir que embora um atleta deva beber antes e
durante o exercício para repor os fluidos perdidos pelo suor, evitando a desidratação
e os perigos consequentes, deve-se ter em conta que a sobrecarga hídrica pode levar
a uma situação de hiponatriemia, que se caracteriza por uma baixa maciça de sódio
sanguíneo causado por uma excessiva diluição o que pode conduzir a síncope fatal.
Assim as melhores bebidas para rehidratação após exercício físico intenso e prolon-
gado devem ter algum sódio para fixar a água no organismo e algum açúcar para aju-
dar à reposição das reservas musculares e hepáticas de glicogénio.
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5. Bebidas Desportivas
A reposição de fluidos é conseguida através da ingestão de água simples. No entanto,
em alguns casos a utilização de bebidas desportivas é mais benéfica.
As bebidas aconselhadas aos atletas podem ser:
— Isotónicas
— Hipertónicas
— Hipotónicas
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cular induzida pelo exercício, não tinha qualquer efeito na melhoria da perfor-
mance após recuperação quando comparado com a ingestão exclusiva das bebidas
desportivas usuais (Millard-Stafford et al., 2005).
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inclusive ter efeitos deletérios quer na performance quer na saúde dos indivíduos.
Por exemplo, Gomez-Cabrera et al. (2008), comprovaram que a suplementação de
1 g diária de vitamina C reduz a expressão dos factores-chave de transcrição envol-
vidos na biogénese mitocondrial, reduzindo a eficiência do treino de endurance e
inibindo a recuperação da função muscular após exercício excêntrico (Close et al.,
2006).
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8. Mulheres Desportistas
A mulher desportista, em virtude da pressão na procura de um corpo extrema-
mente funcionante (nas fundistas do atletismo o peso supérfluo paga-se com a afec-
tação da economia de corrida) ou esteticamente sugestivo, ocorre com frequência
em situações de desordem alimentar. A procura da magreza extrema reduz drasti-
camente a percentagem de gordura corporal, podendo induzir situações de ame-
norreia primária ou secundária que podem estar relacionadas com a emergência de
situações de osteopenia e osteoporose.
Uma mulher desportista, para o bom funcionamento do seu processo hormonal,
não deve privilegiar a magreza por si, mas procurar um corpo equilibrado adaptado
à sua modalidade desportiva através duma dieta adequada em quantidade e quali-
dade, às suas exigências físicas.
Particularmente nos esforços de endurance a mulher pode desenvolver situações
de anemia que podem afectar quer a performance quer a saúde.
A anemia é particularmente deletéria para os atletas ao afectar o transporte sanguí-
neo de gases (O2-CO2) reduz a capacidade de trabalho físico e pode provocar fadiga,
fraqueza e tonturas. Numerosos factores podem contribuir para o desenvolvimento
de anemia nos atletas: exigências aumentadas de ferro e aumento das perdas (uma
perda consistente de ferro ocorre através da sudação), hemólise mecânica intravas-
cular (incluindo a denominada hemólise plantar) e a pseudo-anemia dilucional (que
ocorre por aumento da fixação de água e consequente aumento do volume plasmá-
tico). Acresce que nas mulheres atletas, a todos estes factores tem de ser acrescen-
tada a perda de sangue (e consequentemente de ferro) pela menstruação.
Normalmente, em atletas, a anemia é derivada da deficiência em ferro (Beard &
Tobin, 2000).
De uma forma geral, as deficiências minerais são raras em atletas, com a possível
excepção de ferro e cálcio, particularmente nas mulheres. A mulher atleta com uma
pobre ingestão de cálcio mas também períodos irregulares apresentam um risco
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(muito por culpa da fast food); no entanto, os vários tipos de carne podem fazer
o mesmo efeito se forem completadas com a ingestão de pílulas de óleo de fígado
de bacalhau, para aumentar o aporte de ácidos gordos ómega-3, factores muito
importantes numa dieta equilibrada.
— De uma forma pedagogicamente correcta deve-se ensinar os jovens a reduzir os
alimentos de elevada densidade calórica, ricos em gordura e açúcar (fritos, ham-
búrgueres, doces, etc.). Atenção reduzir não é eliminar pois os jovens ao estabe-
lecer uma dada relação afectiva (prazer-desprazer) com os alimentos não podem
ser abruptamente privados daquilo de que gostam.
— Aumentar o aporte de vitamina C, através de alimentos naturais ricos neste nu-
trimento (morangos, kiwi, abacaxi, laranja, acerola, etc.).
— Beber leite com regularidade ou em sua substituição iogurte ou queijo. É de reter
que o jovem em crescimento necessita de um aporte aumentado de cálcio para
os seus ossos, dentes e função muscular.
— Beber água em quantidade e várias vezes ao dia.
— Optar por uma dieta variada; a diversidade alimentar permitirá o acesso facili-
tado a maior número de nutrientes evitando carências nutricionais.
— Controlar e reduzir o consumo de sal e açúcar. São os pais, desde as idades mais
temporãs, que devem habituar os filhos numa culinária pobre em sal e de redu-
zido teor em açúcar. Tal atitude contribuirá positivamente na luta contra a hi-
pertensão (sal) e obesidade e diabetes mellitus de tipo II (açúcar).
— Para aumentar o aporte de fibras alimentares não são necessários suplementos
específicos. Deve-se aumentar a ingestão de frutos frescos e legumes (estes atra-
vés de sopas quando houver resistência por parte dos jovens).
PRATO PRINCIPAL. Peixe cozido, assado na brasa ou grelhado com muito pouca
gordura, a limpar de pele e gorduras visíveis; em alternativa, carne magra muito
tenra ou picada, grelhada.
Massa cozida, arroz ou farinha de pau sem estrugido, ou puré de batata. Nunca ve-
getais, leguminosas ou batatas (a não ser em puré)
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PÃO. Tostas ou pão tostado; nunca fresco. Pode usar-se até 15g de manteiga
11. Conclusão
Embora com especial atenção à hidratação e metabolismo dos carbohidratos abor-
damos alguns assuntos que frequentemente preocupam os desportistas. As análises
e sugestões apresentadas não podem ser consideradas como dogmas nutricionais
mas somente como referências. A educação nutricional de um desportista é um pro-
cesso sempre em evolução que acompanha o nível de desenvolvimento científico
das áreas biológicas. O bom senso é a regra de ouro para abordar a nutrição humana,
sabendo-se que quanto mais rica e diversificada for a alimentação menos riscos se
correm de desenvolver défices nutricionais.
439
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Considerações iniciais
Biomecânica é uma disciplina entre as ciências derivadas das ciências naturais, que se
ocupa de análises físicas de sistemas biológicos, conseqüentemente, de análises físicas
de movimentos do corpo humano. Quando dimensionamos a biomecânica no con-
texto das ciências derivadas, cujo objetivo é estudar o movimento, devemos lembrar
que esta reivindicação científica apoia-se em dois fatos fundamentais: a) a biomecânica
apresenta claramente definido seu objeto de estudo, definindo assim sua estrutura de
base do conhecimento; b) seus resultados de investigações são obtidos através do uso
de métodos científicos, envolvendo todas as etapas do trabalho científico.
Naturalmente estes aspectos são amplamente dinâmicos e não devem sofrer soluções
de continuidade em função do tempo, admitindo avanços científicos que colaboram
para o crescimento do próprio conhecimento científico. Assim, é muito importante
dizermos que não é suficiente a matéria de estudo estar definida, mas também é ne-
cessário que existam métodos de estudo próprios para que se aplique na investigação
do movimento. Seu atual estágio de desenvolvimento é expresso pelos novos proce-
dimentos e técnicas de investigação, nas quais podemos reconhecer a tendência cres-
cente de se combinar várias disciplinas científicas na análise do movimento.
Nos últimos anos, o progresso das técnicas de medição, armazenamento e proces-
samento de dados contribuiu enormemente para a análise do movimento humano.
É claro que nenhuma disciplina se desenvolve por si mesma; para a sua formação, a
biomecânica recorre a um complexo de disciplinas científicas e, particularmente
no caso da biomecânica, pode-se observar uma estreita relação entre as necessidades
e exigências da prática do movimento humano.
O corpo humano pode ser definido fisicamente como um complexo sistema de seg-
mentos articulados, em equilíbrio estático ou dinâmico, ou em situação de ausência
de equilíbrio, onde o movimento é causado por forças internas atuando fora do eixo
articular, provocando deslocamentos angulares dos segmentos, e por forças externas
ao corpo. Em princípio deve-se considerar que a estrutura funcional do sistema bio-
lógico passou por um processo organizacional evolutivo de otimização, que se dife-
rencia sensivelmente do caminho de aperfeiçoamento técnico do movimento. Em
contraposição a um corpo rígido, a estrutura biológica do corpo humano permite a
produção de força através da contração muscular, que transforma o corpo num sis-
tema autônomo e independente, produzindo o seu próprio movimento. Desta ma-
441
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neira definimos que a ciência que descreve, analisa, e modela os sistemas biológicos
é a biomecânica, logo uma ciência de relações altamente interdisciplinares dada a na-
tureza do fenômeno investigado. Assim, a biomecânica do movimento busca explicar
como as formas de movimento dos corpos de seres vivos acontece na natureza a partir
de parâmetros cinemáticos e dinâmicos (ZERNICKE, 1981).
Conhecimentos científicos possibilitam o desenvolvimento de métodos para o es-
tudo de fenômenos naturais, indispensáveis para a compreensão dos parâmetros
que compðem o universo do movimento humano. A biomecânica interna investiga
as forças que tem sua origem dentro do corpo e que na maioria dos casos pressu-
põem conhecimento da biomecânica externa. Portanto, com relação a aplicação da
biomecânica para análise e investigação de movimentos do corpo humano e con-
sequentemente do movimento esportivo, poderíamos apresenta-la subdividida em
duas áreas de estudo: biomecânica interna e biomecânica externa.
Na área de análise do movimento esportivo, o comportamento da sobrecarga arti-
cular e os efeitos dos mecanismos motores no processo de aprendizagem são exem-
plos de áreas do conhecimento, que se relacionam com a diagnose no esporte.
Portanto referimo-nos ainda a uma biomecânica do esporte, que se dedica ao estudo
do corpo humano e do movimento esportivo em relação as leis e principios físico-
mecânicos incluindo os conhecimentos anatômicos e fisiológicos do corpo humano.
No sentido mais amplo de sua aplicação, ainda é tarefa da biomecânica das ativida-
des esportivas a caracterização e otimização das técnicas de movimento através de
conhecimentos científicos que delimitam a área de atuação da ciência, que tem no
movimento esportivo seu objeto central de estudo. A biomecânica do esporte inte-
gra ainda outras áres da ciência que também possuem no movimento esportivo a
definição do seu objeto de estudo.
O relacionamento entre os parâmetros estruturais do movimento faz-se presente,
na prática, através da real interdependência entre dois parâmetros: o qualitativo e
o quantitativo, dada a natureza da tarefa de movimento a ser realizada. Assim sendo,
encontramos distintos tipos de relacionamento com participação de maior ou
menor grau dos parâmetros estruturais para cada tarefa de movimento. Quanto
maior a interdependência mais avançado é o processo de especialização e maturi-
dade do movimento. Muito raramente poderíamos encontrar tarefas de movimento
de interesse de estudo onde não existisse interdependência alguma entre estes pa-
râmetros estruturais do movimento. Portanto, quanto maior a interdependência,
tanto maior é a possibilidade de entendermos a estrutura de movimento na sua con-
cepção mais complexa para a análise.
No processo de investigação do movimento em biomecânica, busca-se a definição
de um método para a orientação da análise experimental, procedimento que poderá
envolver uma técnica ou um conjunto delas, permitindo o esclarecimento de pro-
blemas na estrutura da investigação. Assim, o primeiro passo é o estabelecimento
de objetivos para o desenvolvimento da análise do movimento humano.
Outro aspecto muito importante em estudos biomecânicos é o desenvolvimento
de uma ampla base de dados relativa a informaçðes acerca do movimento humano.
A possibilidade de intensificar as interpretaçðes estatísticas de modelos biomecâ-
nicos depende, em primeiro lugar, da expansão dos parâmetros e variáveis do mo-
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vimento nesta ampla base de dados, que devemos buscar através de estudos expe-
rimentais e demais registros sobre informações de testes em biomecânica.
Através da biomecânica e de suas áreas de conhecimento correlatas podemos analisar
as causas e fenômenos do movimento. Para que possamos entender melhor a com-
plexidade do movimento humano e explicarmos suas causas, é necessário que outros
aspectos da análise multidisciplinar sejam também consideradas. Além da biomecâ-
nica fazem parte desse campo de estudo e de pesquisa outras importantes disciplinas
como a antropometria, a neurofisiologia, a fisiologia geral, a bioquímica, o ensino e a
aprendizagem do movimento, a psicologia, a física, a matemática, entre outras.
Considerando-se o movimento humano como o objeto central de estudos em edu-
cação física e esportes, analisamos suas causas e efeitos produzidos em relação à
biomecânica e às demais áreas de estudos que compõem esta multidisciplinar in-
terdependência no estudo do movimento humano. Para a investigação deste mo-
vimento, torna-se necessário, pela complexidade estrutural do mesmo, a aplicação
simultânea de métodos de mensuração nas diversas áreas do conhecimento da ciên-
cia. A este procedimento denomina-se «Complexa Investigação« do movimento. Este
procedimento deve envolver todos os métodos de pesquisa em biomecânica, de-
terminados pelas variáveis a serem observadas na análise do movimento, como,
por exemplo, a combinação simultânea e sincronizada de procedimentos cinemá-
ticos e dinâmicos tão comuns e necessários para a interpretação do movimento.
Todo estudo biomecânico depende da determinação de grandezas mecânicas, que
podem ser interpretadas como propriedades do corpo humano em análise compor-
tamental, ou mesmo entendidas no processo de desenvolvimento como sendo pas-
sível a alterações. Medir uma grandeza física significa estabelecer uma relação entre
esta e uma grandeza-unidade de mesma natureza. Padronizar procedimentos de
medida em biomecânica torna-se uma tarefa difícil, pois o processo de coleta, ar-
mazenamento e digitação de dados depende muito dos avanços tecnológicos e das
mudanças que ocorrem, o que nos impede de traçar técnicas definitivas. Essas mu-
danças ocorrem no sentido tanto da pesquisa básica quanto nas aplicações da bio-
mecânica (WOLTRING, 1992).
A determinação de forças internas assume destacada relevância científica e tecno-
lógica na análise biomecânica do movimento humano. A partir da análise dessas
forças, importantes considerações acerca do controle do movimento e da sobrecarga
mecânica imposta ao aparelho locomotor podem ser feitas, contribuindo de forma
efetiva na busca de parâmetros de eficiência do movimento e/ou proteção do apa-
relho locomotor. As forças internas podem ser obtidas através de modelos físico-
matemáticos aplicados ao corpo humano. Em função da simplificação da
representação do aparelho locomotor, estes modelos permitem o cálculo dessas for-
ças, a partir de variáveis oriundas da dinamometria, da cinemetria e da antropome-
tria (AMADIO & DUARTE, 1996; SOUSA, 2007; SOUSA et al., 2007).
Quanto às técnicas de medição em biomecânica poderíamos relacionar os métodos
que representam todo o suporte de desenvolvimento e evolução da ciência, parti-
cularmente em biomecânica do esporte: a) simulação e otimização computacional
da técnica de movimento; b) comando e controle da técnica de movimento por
computação; c) análise da sobrecarga do aparelho locomotor.
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Por sua vez, a biomecânica, como já classificamos, pode ser dividida em interna e
externa, dada a grande diferença de sua abordagem e aplicação. A Biomecânica In-
terna se preocupa com as forças internas, as forças transmitidas pelas estruturas
biológicas internas do corpo, tais como forças musculares, forças nos tendões, liga-
mentos, ossos e cartilagem articular. Elas estão intimamente relacionadas com a
execução dos movimentos e com as cargas mecânicas exercidas pelo aparelho loco-
motor, representadas pelo stress, que é o estímulo mecânico necessário para o de-
senvolvimento e crescimento das estruturas do corpo. O conhecimento destas
forças internas tem aplicações como o estudo clínico da marcha originada por ano-
malia muscular, transplante de tendão ou amputação de membros, por exemplo,
para aperfeiçoamento da técnica de movimento, assim como na determinação de
cargas excessivas durante as atividades físicas em esportes de alto nível ou em ati-
vidades laboriais do cotidiano. A determinação das forças internas dos músculos e
das articulações ainda é um problema metodológico não totalmente resolvido na
biomecânica, mas seguramente constitue-se a base fundamental para melhor com-
preensão de critérios para o controle de movimento (CHAO, 1986).
O sistema de comando estabelece uma sequência relacionada ao processo de ativa-
ção de centros nervosos para o controle de movimento. Esta sequência de ativação
dos padrões musculares podem modificar-se em função de respostas do sistema sen-
sorial periférico, do controle articular ou mesmo por ação de outros receptores. A
interação entre o sistema nervoso central, sistema nervoso periférico e o sistema
músculo-esquelético define a base de funcionamento e comando de movimento,
que tem por pressuposto um modelo constituído, fundamentalmente segundo o
princípio causa e efeito (VAUGHAN et al 1992) conforme ilustrado na fig. 1.
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para rotação:
¨ = Mi(i+1)z + Mi(i-1)z
Iizϴiz
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xi-xi(i-1) xi(i+1)-xi
Fi(i+1)
Mi(i+1)
Ji(i+1)=(x
) Fi(i+1)
FEy
yi(i+1)-yi
E
rCM=(xi,yi) FEx
m ig
yi-yi(i-1)
Fi(i-1)x
Ji(i-1)=(x i(i-1),yi(i-1))
Mi(i-1)z
Fi(i-1)y
onde:
qiz é o ângulo do eixo longitudinal do segmento entre as duas articulações Ji(i-1) e
Ji(i+1);
Iiz é o momento de inércia do segmento i sobre o eixo z passando pelo centro de
massa;
FE é uma força externa sobre o ponto E.
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gébricas onde somente as forças são desconhecidas. No entanto, os erros nas me-
didas antropométricas e a diferenciação numérica, que determina os erros ex-
perimentais na medida das posições, podem comprometer a confiança nos
resultados obtidos;
b) O segundo procedimento utiliza um processo iterativo para determinar as forças
que minimizarão a energia total no movimento, utilizando então critérios de
otimização para minimizar a energia. O problema é que a seleção destes critérios
necessita de fundamentos fisiológicos e que os valores específicos para as forças
de vínculo articular não podem ser determinados a priori. Resalte-se que esta-
mos nos referindo a critérios de otimização para as forças e momentos externos
e não para as forças internas.
DESLOCAMENTO
x i , y i , zi parâmetros parâmetros forças
geométricos inerciais externas
φi , θi , ψ i
VELOCIDADE
x i , y i , zi
φi , θi , ψi EQUAÇÕES DO MOVIMENTO
Fi,j = m i a i
i, j
ACELERAÇÃO
xi , yi , zi M i , j = Ii α i
i, j
φi , θi , ψi
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O corpo humano constitui uma estrutura por demais complexa para ser reprodu-
zido em detalhes por um modelo. Invariavelmente, mesmo em um modelo com-
plexo para uma característica, ele apresenta um elevado grau de simplificação sob
outro aspecto. Por exemplo, a descrição do andar parte de um modelo de um seg-
mento considerando apenas o membro inferior para até um modelo de 17 segmen-
tos considerando o corpo inteiro (MILLER, 1979). Em outro exemplo,
CROWNINSHIELD & BRAND, em 1981, modelaram o segmento inferior do corpo
num complexo modelo de 47 músculos, mas considerando o segmento inferior
composto por estruturas rígidas. BAUMANN & STUCKE (1980), consideraram os
segmentos como estruturas deformáveis, admitindo deslocamento de massa, num
modelo bastante complexo, mas com as ações musculares sendo representadas por
grupos musculares, reduzindo bastante o número de linhas de força.
No desenvolvimento de um modelo mecânico para o sistema músculo-esquelético
do corpo, ou de segmentos específicos, geralmente é considerado que a estrutura
esquelética é mantida em equilíbrio por tensões musculares. Todos os músculos
considerados no modelo são tratados como forças de tensão, dirigidas ao longo das
linhas de ligação entre os pontos de origem e inserção (HERZOG, 1987; BAUMANN,
1992). Então o modelo mecânico consistirá de estruturas rígidas, representando os
segmentos corporais, unidos por juntas com graus de liberdade variáveis em função
da articulação modelada e da complexidade do modelo. Estes segmentos são ligados,
em pontos específicos, por linhas de ação representando os músculos.
Um dos grandes problemas da biomecânica é a natureza mecanicamente redun-
dante do sistema músculo-esquelético, havendo músculos que podem desempe-
nhar funções sinergísticas. Desde que há mais músculos presentes do que são
requeridos para produzir qualquer situação de equilíbrio estático ou padrão de des-
locamento observado pela cinemática, as equações clássicas de análise cinética não
permitem uma solução única das forças musculares cruzando as articulações. O sis-
tema é indeterminado, uma vez que há mais incógnitas do que equações (GLITSCH,
1992), como exemplifica o modelo da fig 6, para o segmento inferior.
Portanto com o auxílio do modelo supra referido (fig 6) buscamos a determinação de
parâmetros biomecânicos de sobrecarga, baseando-nos fundamentalmente na quan-
tificação do momento de rotação na articulação, como indicador de força interna.
Algumas limitações devem ser consideradas em relação à utilização do modelo no
processamento destas forças internas, entre elas a falta conhecimento sobre o prin-
cípio do recrutamento da força muscular humana e a função como ela se distribui.
Assim buscamos através do princípio da minimização de forças e tensões, uma pos-
sível resolução para estes parâmetros internos indicadores da sobrecarga mecânica
ao aparelho locomotor. Claramente este sistema é indeterminado, uma vez que
temos mais incógnitas, forças musculares e forças de contato e vinculo articular,
do que equações. Este sistema matematicamente indeterminado é um problema de
distribuição e envolve calcular as forças internas agindo no sistema músculo-es-
quelético usando as forças e momentos articulares conhecidos. Com o objetivo de
acharmos uma solução para o problema, o sistema é tornado de duas maneiras: a)
ou reduzindo o número de incógnitas (método de redução); b) ou aumentando o
número de equações do sistema (método de otimização), até que o número de equa-
ções e incógnitas seja o mesmo.
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método mais realístico por acreditar que a natureza procura a eficiência do corpo
humano, como já afirmavam os irmãos Weber, em 1836, dizendo que a locomoção
é realizada de modo a otimizar, ou seja, a minimizar o custo metabólico.
Os problemas de otimização, em geral, são definidos por três quantidades: a função
custo, as variáveis de design, e as funções de vínculo. A função custo é a função a ser
otimizada. Para o problema de distribuição em biomecânica, a seleção e justificação
do critério ótimo tem sido um dos grandes problemas. Uma grande variedade de
funções custo tem sido utilizadas com sucessos diferentes. Os critérios, segundo a
natureza do método de otimização, podem ser agrupados em lineares e não lineares.
Os primeiros critérios de otimização desenvolvidos postulavam que a força mus-
cular total ou o trabalho muscular utilizado deve ser o mínimo possível, portanto
são as funções custo que estão sendo minimizadas (SEIREG & ARVIKAR, 1973 e
ZAJAC & WINTERS, 1990). As variáveis de design são as variáveis que são sistema-
ticamente alteradas até que a função custo seja otimizada e todas as funções de vín-
culo sejam satisfeitas. As variáveis de design devem estar contidas na função custo,
e para o problema de distribuição, elas geralmente são as magnitudes de cada força
muscular. As funções de vínculo restrigem a solução do método de otimização para
certas condições de contorno. Por exemplo, as forças musculares devem ser maior
ou igual a zero, uma vez que o músculo só pode fazer força de tração.
Diversos métodos têm sido propostos baseados em critérios fisiológicos, isto é, no
tipo de fibras, áreas da secção transversal dos músculos, ângulo de penação, densi-
dade e massa do músculo, velocidade de contração, entre outros critérios (PIERRY-
NOWSKI & MORRISON, 1985; CROWNINSHIELD & BRAND, 1981 e BRAND et al
1982). O método de otimização, no entanto, também apresenta limitações. Pri-
meiro, o cálculo das forças transmitidas pelas estruturas no joelho tem sido simpli-
cado, ignorando os ligamentos e seus processos de controle de movimento
(vínculos). Segundo, em alguns critérios de otimização (principalmente os critérios
lineares) a atividade muscular dos antagonistas não é adequadamente estimada.
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(A) (B)
Fig 11: Momentos intersegmentares para a articulação do tornozelo (A) e do joelho (B),
relativos ao peso corporal (PC) durante o tempo de apoio para o ciclo da marcha e res-
Fig 11:pectivos
Momentos intersegmentares
valores do coeficiente depara a articulação
variação do VECCHIA,
(CV) (DALLA tornozelo (A) e do joelho
1998).
(B), relativos ao peso corporal (PC) durante o tempo de apoio para o ciclo da marcha e
As pesquisas em biomecânica ainda são carentes de padronizações metodológicas,
respectivos valores do coeficiente de variação (CV) (DALLA VECCHIA, 1998).
bem como são imcompletos os modelos utilizados para a formação de teorias com
explicação causal do movimento. Desta forma, fica restrita a possibilidade de com-
parações entre resultados de diversos autores e ainda corremos riscos de utilização
As pesquisas em biomecânica ainda são carentes de padronizações
de modelos físico-matemáticos não adaptados as características do movimento em
metodológicas,
estudo. Entretanto,bemcom como são imcompletos
o acelerado desenvolvimento os científico
modelos eutilizados
tecnológicopara
que a
observamos atualmente, encontramo-nos numa situação onde sempre surgem
formação de teorias com explicação causal do movimento. Desta forma, fica
novas possibilidades e opções de procedimentos na elaboração e operação de dados
restrita a possibilidade
e estas instruções de comparações
estão sendo utilizadas ementre resultados
biomecânica, de diversos
colaborando autores
assim para e
o progresso, modernização, automatização e, enfim, enorme auxílio na análise do
ainda corremos riscos de utilização de modelos físico-matemáticos não
movimento humano de maneira mais precisa e científica.
adaptados
Apresentamos as acaracterísticas do movimento
discussão metodológica em estudo.
dos parâmetros Entretanto,
de sobrecarga com o
do aparelho
locomotor, em função de duas razões fundamentais: (a) apresentação das depen-
acelerado desenvolvimento científico e tecnológico que observamos
dências dos parâmetros dinâmicos em relação à sua determinação e melhor inter-
atualmente,
pretação dos encontramo-nos numa
valores apresentados situação onde
na literatura; sempre osurgem
(b) possibilitar cálculo novas
dos
parâmetros de sobrecarga. Portanto a sobrecarga do aparelho locomotor foi tema
possibilidades e opções de procedimentos na elaboração e operação de dados
tratado de forma metodológica, com a preocupação de ilustrar o significado das for-
eças
estas instruções
de reação do solo,estão sendo utilizadas
suas componentes em biomecânica,
e demais parâmetros de colaborando assim
orientação e posi-
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1. Introdução
A natação é uma modalidade muito particular. Por um lado, consiste numa activi-
dade individual, cíclica e fechada, isto é:
(i) trata-se de uma modalidade onde o resultado, as mais das vezes, decorre apenas
do desempenho de um sujeito, não estando, por isso, sujeito às circunstâncias
da interacção, da oposição, do entendimento, da cumplicidade, etc.;
(ii) trata-se também de uma modalidade cujo movimento ou técnica característica
e predominante é inúmeras vezes repetido em treino, e em competição, com
uma frequência determinada e com características que perduram no tempo,
sendo sobretudo influenciáveis, de forma aguda, por fenómenos de fadiga, ou,
de forma crónica, por efeito de aprendizagem ou lesão. Neste contexto, o movi-
mento desportivo é facilmente definível, sendo susceptível de ser descrito, no
limite da simplicidade, pela seguinte relação de parâmetros quantitativos:
v = DC * FG , (1)
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samos que pela primeira vez, que no trajecto motor, sobretudo dos membros supe-
riores do nadador, prevaleciam os deslocamentos oblíquos mas dominantemente
transversais relativamente à direcção pretendida para o nado. Segundo Counsilman
(1971), estes trajectos sugeriam que o nadador utilizava para a propulsão não apenas
a força de arrasto hidrodinâmico propulsivo oposto ao deslocamento dos segmentos
propulsivos, mas também a força ascensional hidrodinâmica produzida pelas mãos
(e também pelos antebraços) e pelos pés dos nadadores, em obediência ao definido
pelo Teorema de Bernoulli e no quadro de um efeito hidrodinâmico particular, de-
signado por efeito venturi, ou efeito de asa, ou aerofoil.
Depois de Counsilman (1971) foram muitos os autores e os trabalhos de investiga-
ção consagrados à afirmação desta perspectiva teórica, nomeadamente os de Schlei-
hauf (1974, 1979, 1984, 1986), Schleihauf et al. (1983, 1988), Wood (1979), Berger
(1996), Berger et al. (1996). Entretanto, o centro de alto rendimento de Colorado
Springs (USA Swimming), enquanto liderado por John Troup e, depois, enquanto
dirigido por Jane Cappaert, publicava numerosas análises cinéticas tridimensionais
da acção propulsiva de múltiplos nadadores (Cappaert et al., 1992a, b), que contri-
buíram decididamente para a afirmação da “teoria da força ascensional” ou “teoria
da asa”, a qual ganhou grande divulgação, sobretudo com a obra de Ernest Maglis-
cho, publicada em 1982: “Swimming Faster”.
A produção de força ascensional hidrodinâmica em torno de uma asa, ou de um
aerofoil, ou de um segmento propulsivo de um nadador, requer, entretanto, regi-
mes de escoamento estável, menos fáceis de conceber quando se percebe as conti-
nuadas mudanças de direcção e de velocidade da mão do nadador, do que quando
se aprecia a cinemática da asa de um avião ou de um hélice de uma embarcação, por
exemplo.
A “teoria dos vórtices”, inicialmente proposta pelos trabalhos de Colwin (1984,
1985a, b) e de Ungerechts (1985) e, depois, implementada pelos desenvolvimentos
de Arellano (1999), veio a alimentar o conjunto de argumentos que sustentavam a
observação de escoamentos estáveis, compatíveis com os vários vórtices de extre-
midade observados, mas veio igualmente mostrar que as fases de mudança de di-
recção e de velocidade de deslocamento da mão e, sobretudo, do pé, deveriam
assumir um papel decisivo na propulsão do nadador, a qual deveria decorrer, tam-
bém, em regimes de escoamento instável.
Com o crescente reconhecimento da importância dos escoamentos instáveis em
torno dos segmentos propulsivos do nadador cresceram também as críticas à “teoria
da asa”, críticas que vieram proporcionar algumas situações muito interessantes
na comunidade científica, umas mais pelas objecções teóricas propriamente ditas,
outras mais pela reacção de alguns autores.
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teórica ela mesma, mas à metodologia utilizada para avaliar a mecânica propulsiva
do nadador com base nela, particularmente no que respeita à precisão dos procedi-
mentos cinemétricos imagiológicos utilizados para descrever a posição, orientação
e velocidade da mão durante o trajecto motor tridimensional do nadador.
A crítica mais consistente de entre as que são apresentadas reporta-se exactamente
às garantias de observação de condições de escoamento estável em trechos suficien-
temente longos do trajecto motor, para que a força ascensional hidrodinâmica possa
efectivamente ser produzida e, assim, desempenhar um papel qualquer, esperada-
mente de alguma relevância.
Todavia, os argumentos mais recorrentemente observados gravitam em torno da
não “prevalência” da força ascensional hidrodinâmica (L) em favor da força de ar-
rasto propulsivo (Dp), ou em torno de uma hipotética oposição entre Bernoulli e
Newton (Catteau, 1997; Hellard, 1997), facto que constituiria uma verdadeira no-
vidade teórica em Física.
O que é interessante notar é que não nos parece que essa tenha alguma vez sido
uma questão central; isto é, não entendemos que a comunidade tenha estado preo-
cupada com a possibilidade de L ser sempre, ou predominantemente, dominante
sobre Dp, mas tão só com a possibilidade dela desempenhar um efectivo papel pro-
pulsivo, por pequeno que fosse.
Para além deste “pormenor”, os elementos nucleares de crítica parecem ser os se-
guintes:
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Por último, insistimos que não se trata de discutir se L, ou Dp, são circunstancial-
mente mais importantes. Claro que se L assumisse sempre o protagonismo, a acção
de nadar seria especialmente mais eficiente (deGroot e Van Ingen Schenau, 1988),
podendo mesmo acontecer que seja exactamente esse, um dos pormenores mais
relevantes que distinguem os nadadores de melhor nível dos de menos bom nível.
De resto, sobra claramente a noção de que a mão do nadador se comporta como uma
asa especialmente “rústica” com uma razão L/Dp muito reduzida quando, por
exemplo, comparada com a asa de um avião (Sanders, 1997a, b). Pudera! Não foi para
isto que a evolução da espécie a “imaginou”…
De facto, num estudo recente recorrendo à Dinâmica Computacional de Fluidos –
DCF - (Marinho et al., 2007), foi possível constatar que a mão e o antebraço do na-
dador não são hidrodinamicamente neutros. A 45º de inclinação ( = 45º) da mão
relativamente à direcção do seu deslocamento e com uma orientação rádio-cubital
do escoamento, o valor de CD é sensivelmente o dobro de CL (0.62 vs. 0.32, respec-
tivamente). Significa isto que, nos dias de hoje, não se poderá sustentar, no quadro
da teoria da asa, que a mão e o antebraço do nadador possam circunstancialmente
funcionar em regime de predominância de L sobre Dp, mas significa também que
não parece coerente negligenciar a possibilidade de optimizar hidrodinâmicamente
a acção propulsiva do nadador em ordem ao aproveitamento do ainda que pequeno
contributo que L possa proporcionar para a propulsão total produzida pelo nadador.
A este respeito, de resto, os resultados mais recentes acerca da questão do afasta-
mento dos dedos do nadador durante a acção propulsiva, também obtidos através
de DCF (Marinho et al., no prelo), mesmo contrariando os dados experimentais ob-
tidos por Schleihauf (1979) há mais de três décadas, tornam evidente a subtileza
das relações hidrodinâmicas que se estabelecem no decurso da acção propulsiva dos
nadadores de elite. Neste estudo foi possível mostrar que L e Dp, mas especialmente
este último, são potenciados por ligeiros afastamentos interdigitais, provavelmente
por efeito de prolongamento hidrodinâmico da superfície propulsiva devido à vor-
ticidade estabelecida entre os dedos.
4. Conclusão
Em conclusão, pensamos que neste domínio, como em tantos outros da nossa vida
e do pensamento contemporâneo em particular, a procura de um equilíbrio, inclu-
sivamente na esfera da ciência, parece ser sempre uma solução avisada, mesmo re-
conhecendo que os saltos qualitativos mais impressionantes tendem a ocorrer
exactamente da negação do estabelecido. Parece todavia, que neste particular ainda
não será o caso...
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Introdução
Elaborar um capítulo no terreno da literatura infantil pode ser considerado de
menor valor por parte da comunidade científica de várias áreas do conhecimento.
Dita asserção é corroborada pelos que outrora se dedicaram ao tema como, a título
de exemplo, Moreno Verdulla (1994), que ressaltou que a literatura infantil é uma
parte da literatura universal comumente ignorada.
Uma consulta ao Dicionário das ciências da educação (DICCIONARIO..., 1988) re-
vela a pouca atenção que se dá à literatura infantil: “Não resulta fácil definir este
ramo da literatura, que durante tanto tempo foi considerado como subliteratura [...]”
(p. 874, grifo nosso e tradução nossa).
Tatiana Monteiro (2007) confirma que a literatura infantil encontra, desde o seu
surgimento no cenário cultural mundial, inúmeros obstáculos à sua legitimação.
Pari passu, Carrasco Rodríguez (2005) admite que “até bem pouco tempo atrás a li-
teratura infantil não era considerada um campo de investigação digno do mundo
acadêmico [...]” (p. III-IV, tradução nossa).
Muito mais arriscado é aunar o tema da literatura infantil à Educação Física e ao
Desporto, quando se verifica que a tendência das pesquisas brasileiras, seja em um
nível de formação inicial ou stricto sensu, é apresentar enfoques biológicos e técni-
cos (BOTELHO, OLIVEIRA, 2006; BOTELHO, OLIVEIRA, FARIA JUNIOR, 2007;
FARIA JUNIOR, 1987; 1999). Soma-se a esta tendência, o fato dos cursos de Educa-
ção Física no Brasil estarem sob a égide das Ciências da Saúde (BRASIL, 1997; DO-
CUMENTOS..., 1999; KISS, 1982). Consequentemente, o trabalho em tela pode ser
considerado frívolo por alguns investigadores que se cercearam a uma visão positi-
vista da Ciência.
Não obstante, e à raiz das asserções apresentadas, este texto tem por objetivos dili-
genciar e ilustrar a utilização da literatura infantil no campo da Educação Física e
do Desporto.
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Diversas são as abordagens para conceituar a expressão literatura infantil. Para au-
tores de diferentes blocos linguísticos, ela é definida como:
— “O material escrito para crianças desde zero até os 12 ou 13 anos de idade.” (KIM-
MEL, 1986, p. 17, tradução nossa).
— “Uma obra estética destinada a um público infantil.” (BORTOLUSSI, 1987, p. 16,
tradução nossa).
— “A definição de literatura infantil repousa no coração de seu próprio desígnio: é
uma categoria de livros cuja existência depende totalmente das supostas rela-
ções com um determinado público leitor: as crianças.” (LESNIK-OBERSTEIN,
1996, p. 17, tradução nossa).
— Um ramo da literatura que está dirigido a meninos e meninas que ainda não che-
garam à primeira fase da adolescência. Tal literatura apresenta um conjunto de
funções: didática, lúdica, literária, sociocultural, axiológica, entre outras, e, ade-
mais, divide-se em diferentes categorias: fábulas, contos, novelas, poesia e ou-
tras. Os textos destinados à literatura infantil (geralmente são os livros ditos
infantis os que constituem as primeiras experiências leitoras) podem ser escritos
por diferentes grupos etários (crianças, jovens, adultos e idosos), mas, sempre
terão como público principal as crianças (BOTELHO, 2009a).
Função didática
São vários os autores que indicam a existência de uma função didática na literatura
infantil (BORTOLUSSI, 1987; ESCARPIT, 1986; KIMMEL, 1986; RECUERDOS...,
1997; SáNCHEZ CORRAL, 1995). Por exemplo, Escarpit recorda que a literatura di-
dática é, em todos os países, a primeira etapa da literatura infantil.
A literatura infantil sempre foi didática. Como adultos, sempre tentamos ensinar
às crianças; é uma relação natural ensinar às crianças o comportamento, e as his-
tórias se desenvolvem a partir destas premissas. Nos séculos XVII e XVIII a forma
de se transmitir esses ensinamentos era bem direta (KIMMEL, 1986, p. 18, tradu-
ção nossa).
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Função lúdica
Por sua vez, há também os autores que chamam a atenção para a existência de uma
função lúdica na literatura infantil (CARRASCO RODRÍGUEZ, 2005; MORENO
VERDULLA, 1994).
Para Moreno Verdulla, a literatura infantil é um jogo de crianças. A função lúdica
da literatura transforma a mensagem em puro jogo, gratuito, sem o pragmatismo
da comunicação usual. Esta função é frequentemente utilizada na poesia infantil,
na folclórica, nas cantilenas, nos trava-línguas e nas canções.
Efetivamente, durante anos, longe das salas, onde não havia outra coisa que te-
diosos exercícios de gramática ou de história da literatura, sempre houve um re-
fúgio para as crianças que gostavam de leitura: um mundo de canções e livrinhos,
de contos e, posteriormente, de gibis, que foram lidos ansiosamente, que se recons-
truíram diariamente e que se integraram aos jogos infantis até o ponto de perder
página por página e afetar sua frágil existência. (MORENO VERDULLA, 1994, p.
15, tradução nossa).
Função literária
A função literária que se associa à literatura infantil está relacionada à aprendiza-
gem, pelas crianças, dos modelos narrativos, teóricos e dramáticos.
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Os autores que têm sua formação inicial na área de Literatura e que escrevem obras
infantis ou a respeito delas reivindicam que este tipo de livro deveria exercer ex-
clusivamente sua verdadeira (ou principal) função: a literária.
Que o conto esteja vinculado à educação parece que é um fato comprovado, mas
que deva conter doses tão fortes de didatismo é uma opinião discutível, pois já se
viu como em épocas anteriores foi precisamente este o elemento que impediu o es-
tabelecimento de uma autêntica comunicação literária, o verdadeiro encontro
entre emissor e receptor. (BORTOLUSSI, 1987, p. 43, tradução nossa).
Função sociocultural
Cervera (1989), apresentando as razões para se incluir a literatura infantil na escola,
indica dois objetivos que exemplificam sua função sociocultural:
“Nos livros escritos para os mais pequenos predomina o mundo mágico, onde apa-
recem cenas e situações da realidade que a criança vivencia em muitos casos.”
(SARTO, 1994, p. 65, tradução nossa). Portanto, iniciar o acesso à representação da
realidade oferecida por meio da literatura e compartilhada por uma sociedade de-
terminada é uma das funções da literatura infantil (COLOMER, 2008).
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Função axiológica
A função axiológica da literatura infantil está relacionada à questão da transmissão
de valores e contravalores a partir das narrativas apresentadas pelos autores de obras
infantis.
Sarto (1994) recorda que os livros infantis de hoje deixaram de ser histórias fáceis
(onde tudo estava resolvido) e histórias fechadas (das que não se tinha nada mais a
dizer) para ser histórias abertas (sem resolver) e com uma grande riqueza de valores,
que deixam a critério da imaginação da criança a possibilidade de elaborar seu pró-
prio juízo crítico.
Nos livros escritos para meninos e meninas podem encontrar-se todos os temas da
sociedade: imigração, separação dos pais ou divórcio, pobreza, solidariedade, tra-
balho e desemprego, velhice, marginalização, xenofobia, racismo, família, doenças,
morte, injustiça, delinquência, droga etc. (SARTO, 1994, p. 65, tradução nossa).
Peter Hunt (1999), em seu livro Entendendo a literatura infantil, ratifica a função
axiológica deste tipo de literatura:
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Por exemplo, Amarílio Ferreira Neto (2005), registrando o histórico das publicações
brasileiras periódicas de ensino, técnicas e magazines na área, apresenta a seguinte
asserção:
[...] Se a Educação Física obteve seu espaço legal com a contribuição dos impressos
de ensino e técnico, sua legitimidade, no século XXI, requer impressos de ensino
voltados para a orientação da intervenção pedagógica na escola, tanto com chan-
cela da esfera pública como de caráter comercial. (p. 776).
Com o escopo de identificar materiais literários para a área, foram realizadas três
buscas (nos meses de março, maio e dezembro de 2009) na base Esporte & Arte:
Diálogos –projeto desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
e subvencionado por diferentes agências de fomento– e verificou-se que esta im-
portante base continha unicamente dois livros com temática relacionada à Educação
Física e ao Desporto registrados na categoria literatura infanto-juvenil.
Uma consulta em diferentes livrarias brasileiras (Saraiva, Livraria Pontes, Livros
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Por meio da linguagem as crianças aprendem a escutar, falar, ler, escrever e sole-
trar. Da mesma maneira que em outras áreas da aprendizagem, os fundamentos
da linguagem podem ser aprendidos mais facilmente por intermédio de experiên-
cias que as crianças já conhecem e já desfrutaram. Muitas destas experiências
foram originadas a partir dos jogos, e, na escola, o jogo é desenvolvido por meio
da Educação Física. (MILLER; WHITCOMB, 1957, p. 277, tradução nossa).
Os autores em seu livro elaboraram uma lista de cinco páginas que reuniu 86 livros
infantis organizados segundo critérios de nível escolar e também por categorias
como histórias desportivas específicas para meninas; histórias escritas para meninos e
meninas sobre estrelas do desporto; e livros de habilidades e conhecimentos.
O exemplo ora destacado decerto representa um grande avanço da Educação Física per-
tencente ao bloco anglófono e, por sua vez, revela uma visão prospectiva em relação à
importância da utilização de materiais específicos da literatura infantil na disciplina.
Ainda nesse contexto linguístico, Ritchie Gabbei e Heidi Clemmens (2005) utili-
zaram livros infantis para desenvolver aspectos relacionados à expressão corporal
na disciplina de Educação Física. Para os autores, fontes literárias, como livros pu-
blicados ou mesmo estórias e poemas criados pelos alunos, podem ser utilizadas
para desenvolver sequências de movimento e de dança em aulas de Educação Física.
Utilizando a técnica de mímica, Gabbei e Clemmens uniram linguagem e movi-
mento por meio da literatura, e utilizaram um esquema de aula com quatro fases:
a primeira constitui a fase de mímica das ações contidas nos livros infantis; a se-
gunda compreende a divisão da turma em grupos, a destinação de partes da narra-
tiva do livro infantil para cada grupo e a criação de uma breve sequência de dança
baseada na narrativa; a terceira fase é composta por movimentos mais subjetivos e
abstratos, que explorem diferentes posturas cênicas; e a quarta constitui a organi-
zação lógica de uma sequência de dança e a apresentação do produto final.
Igual ao caráter pioneiro no uso da literatura infantil na área, os primeiros trabalhos
acadêmicos que empregaram a análise de conteúdo nos livros infantis também
foram originados no âmbito da língua inglesa, exemplos são os textos Sexismo na
literatura de educação física das séries iniciais: uma análise de conteúdo (HIL-
DRETH, 1979) e Impotência feminina adquirida no esporte: uma análise da litera-
tura infantil (WEILLER; HIGGS, 1989).
Somente quase quatro décadas depois do trabalho de Miller e Whitcomb (1957) foi
publicado na Espanha o trabalho Contos motores (CONDE CAVEDA, 1994). Neste
livro, foram incluídos 25 contos para que os professores possam lê-los aos alunos e
também aplicá-los às aulas de Educação Física.
Nessa obra de dois volumes, todos os contos estão estruturados e organizados por
meio de um quadro sinóptico, que inclui a idade sugerida para a aplicação do conto,
o número de alunos, o local, os materiais, os objetivos gerais, a proposta, os conteú-
dos e alguns desenhos ilustrativos.
O conto motor, que também pode ser denominado conto para brincar e jogar, é um
tipo de conto que apresenta características e objetivos próprios, podendo ser clas-
sificado como uma variante do conto cantado e do conto representado (CONDE CA-
VEDA, 1994).
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Segundo Conde Caveda, este tipo de conto reúne todas as condições para ser utili-
zado como uma alternativa válida de se ensinar jogando, uma vez que sua inerente
qualidade lúdica é um fator que favorece o aprendizado da criança.
Uma revisão não exaustiva da literatura, ainda que ampla, identificou algumas ini-
ciativas que relacionaram os contos motores ou propriamente o conto às atividades
próprias da Educação Física e do Desporto (ARTEAGA CHECA; ZAGALAZ SáN-
CHEZ; CEPERO GONZáLEZ, 1999; CIDONCHA FALCÓN; DÍAZ RIVERO, 2009;
GONZáLEZ PIÑERO; MENDOZA PEÑA, 2007ab; HERNáNDEZ; GÓMEZ LECUM-
BERRI, 2008, 2009; HERRERA RUIZ, 2008; JIMÉNEZ ORTEGA; VELáZQUEZ ME-
JÍAS; JIMÉNEZ ROMáN, 2008; LAS AVENTURAS DE PIENSANTODO Y
CABEZAHUECA..., 2008; MARTÍNEZ CALLE, 2007; ROVIRA DE RIVAS, 2003).
Nesse contexto, Ruiz Omeñaca (2008, 2009) apresenta à comunidade acadêmica o
que denominou de contos motores cooperativos, uma variante do conto motor, que,
como o próprio nome indica, apresenta relação com as atividades físicas cooperativas.
Segundo Ruiz Omeñaca (2008), o conto motor cooperativo pode ser um excelente
referencial, uma vez que: a) propicia um marco idôneo para a interdisciplinaridade;
b) favorece uma educação baseada no conjunto das características pessoais dos alunos;
c) estimula o desenvolvimento da criatividade em sua acepção mais ampla; d) possui
um caráter flexível em relação ao tratamento dos aspectos ligados ao conhecimento
corporal; e) permite integrar atividades, jogos, desafios e opções metodológicas de ca-
ráter cooperativo; f) vai ao encontro da idéia de uma educação intercultural; g) pode
favorecer a discussão sobre valores em um rico cenário educacional.
Outra proposta interessante foi a desenvolvida por Gil Madrona (2006), na qual o
autor e seus colaboradores utilizaram, nas aulas de Educação Física, os jogos popu-
lares que aparecem na ilustre obra Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Estes jogos
foram trabalhados também de forma interdisciplinar e de modo teórico-prático com
outras áreas de ensino, como Língua, Ciências e História. Numa primeira fase, foram
identificados quais eram os jogos motores populares que apareciam na obra de Cer-
vantes. Em uma segunda etapa, adaptaram esses jogos às características de cada con-
texto escolar para, finalmente, desenharem uma proposta de intervenção
educativa. Uma das finalidades do projeto foi permitir, por intermédio desta obra
imortal da literatura universal, que os alunos compreendessem o contexto socio-
cultural em que vivem.
Rafael Guimarães Botelho (2009b), revisando parte da literatura infantil em língua
castelhana, assinala três maneiras de se utilizar esta literatura em uma Educação
Física voltada para a paz, a saber: 1ª livros infantis podem contribuir à Educação
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Figura 2. Breve relato de aplicação da literatura infantil em uma aula de Educação Física.
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A modo de conclusão
A primeira ideia que se conclui é que o professorado de Educação Física não pode
preterir uma manifestação tão importante como a da literatura infantil em seu dia-
a-dia.
Que o campo da Educação Física e do Desporto sofre influência de diferentes áreas
é tema já discutido. No entanto, descurar as diferentes manifestações que o campo
da Literatura oferece a esta área de estudo é uma atitude que visa a cercear cultu-
ralmente a prática da disciplina.
A Educação Física e o Desporto no Brasil carecem de iniciativas acadêmicas que
identifiquem e analisem materiais de literatura infantil de lavra própria e que reúna
estas informações em uma base de dados voltada aos que se dedicam à Educação Fí-
sica e ao Desporto em seus diversos níveis de ensino e pesquisa.
Notas
Rafael Guimarães Botelho. Licenciado em Educação Física (2002) e Mestrado em Educação (2006)
– Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Aperfeiçoamento em Metodologia da Pesquisa (2003) e Es-
pecialização em Ética Aplicada e Bioética (2003) – Fundação Oswaldo Cruz. Mestrado em Iniciação à
Pesquisa em Educação Física e Esporte: didática e desenvolvimento profissional (2009), Diploma de Es-
tudos Avançados em Didática da Expressão Corporal (2009) e doutorando em Educação Física e Esporte:
didática e desenvolvimento profissional (2007-) – Universidade Autônoma de Barcelona.
“Este trabalho foi elaborado com o apoio do Programa Alßan, Programa de bolsas de alto nível da União
Européia para América Latina, bolsa número E07D403960BR.”
481
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O Monte Olimpo ainda é a morada dos Deuses. Habitar no Olimpo é o sonho su-
premo do Homem e a Educação o seu instrumento para lá chegar. Na medida em
que a finalidade da Pedagogia é a realização do Homem, ela é, em primeiro lugar,
uma Ideologia, uma Visão, lugar de reflexão sobre o Homem no seu caminho para
a Transcendência. A educação, ainda antes de ser do domínio da ciência, é do domí-
nio da arte, fundando-se não na prosa mas na poesia. Exige que se reconheça, como
afirmava o poeta Teixeira de Pascoaes, “A essência das coisas é de natureza poética
e não científica”. Está, por isso, mais perto da Alma. Não há, portanto, educação
que não seja uma educação para a transcendência, que não envolva o sentido espi-
ritual da vida, que não caminhe pelas veredas da moral e da ética. Na realidade, toda
a educação é uma educação moral. A educação é sempre orientada por um ideal de
Humanidade, por uma axiologia, por um sistema de valores e de crenças, daí resul-
tando uma determinada concepção de Homem e uma particular intenção de
(trans)formação do Homem. Essa transformação é sempre um projecto enraizado
na Utopia, sempre aberto e livre, sempre criador de humanidade. Na realidade, o
Homem é sempre um homem de desejo, mais percurso do que meta; o que o move
é o mal-estar provocado por uma realidade que deseja que mude, pela angústia da
sua condição humana, pela presença esperada do divino. A dimensão espiritual do
mais simples acto educativo pode estar oculta mas, como o ar que se respira, não
deixa de estar presente. A pedagogia inspira-se em ideais filosóficos, em desejar para
o Homem uma vida mais verdadeira, mais pura e mais bela. Os ideais platónicos de
Verdade, de Bem e de Beleza, relembrando a “Pampaedia” de Coménio, fundam o
nosso ideário pedagógico. Que todos sejam educados em todas as coisas e total-
mente. E que o façam em pleno desenvolvimento da transcendência, tornando
todos os homens, o mais possível, semelhantes a Deus.
Este ideário educativo, se dominantemente ocidental, mergulha não só no solo e
mar helénico mas, também, em territórios mais distantes, nas velhas culturas e ci-
vilizações orientais. Um ideário largamente transcultural, não-contingencial, que
nos remete para a essência do humano, para um sentido do caminho da humani-
dade, para níveis de universalismo que importa desocultar.
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Essa didáctica olímpica a que nos referimos deve inspirar-se, sendo essa uma das
suas fontes fundamentais de produção de saberes, na investigação científica e na
análise dos paradigmas e metodologias que têm vindo a desenvolver-se, nomeada-
mente, no âmbito da educação para o desenvolvimento pessoal e social, da educação
moral e ética e do desenvolvimento de competências de vida. Os conhecimentos aí
produzidos são de vital importância para a concretização dos ideais olímpicos e o
Movimento Olímpico não pode esquecer essa preciosa fonte de inspiração para as
suas práticas formativas. Infelizmente, sendo fundamental, só o discurso filosófico
e pedagógico não será suficiente.
No âmbito da Pedagogia Olímpica existirá, sempre, a necessidade de intervir sobre a
educação moral, sobre a educação do carácter, sobre a qualidade moral das decisões e
do comportamento individual. Importa reconhecer, no sentido de optimizar essas
intervenções, seguindo Campbell & Bond (1982), que o carácter é determinado por
variáveis como a hereditariedade, as experiências da infância, a modelação pelos adul-
tos significativos, pela influência dos pares, pelo meio físico e social, pelos media,
pelos conteúdos ensinados nas organizações de pertença (família, escola, igrejas, etc.)
e pelas situações e papéis específicos que o indivíduo vai assumindo na vida.
No âmbito desta problemática, da educação para os valores, muitos programas têm
sido, na última década, desenhados na perspectiva de influenciar o desenvolvi-
mento de valores morais. Muitos têm equacionado os contributos do desporto, por
exemplo, na educação do carácter (Shields & Bredemeier, 1995). No entanto, em-
bora exista algum suporte empírico sobre o valor do desporto neste desenvolvi-
mento, existe, também, a ideia de que efeitos contrários podem acontecer (Danish,
Petitpas & Hale, 1990, 1993).
Na realidade, parece que os seus efeitos sobre o desenvolvimento pessoal e social
dos desportistas tem menos a ver com a prática em si mesma e mais com a filosofia
das organizações desportivas, a qualidade dos processos de orientação do treino, a
natureza do envolvimento parental e das experiências e recursos individuais dos
participantes (Smith & Smoll, 2002).
No que se refere à Educação para os Valores, algumas estratégias parecem ter impactos
significativos sobre o desenvolvimento do carácter: as actividades devem ser dirigidas
por adultos que exercem a sua autoridade de forma firme, sensitiva e imaginativa,
revelando-se comprometidos tanto com o desenvolvimento das competências des-
portivas como com o desenvolvimento do carácter, sendo exigentes, em ambos os
domínios, não só com os praticantes mas, também, consigo mesmos. Essa direcção
das actividades deve concretizar-se num contexto que mantenha a disciplina através
de códigos disciplinares claros e aceites como legítimos (Wynne, E. 1989). Por outro
lado, esse ambiente deve ser estruturado para que os praticantes tenham diversas
possibilidades de praticar comportamentos pró-sociais, fornecendo-lhes formas de
reconhecimento dessas boas condutas. As boas práticas sugeridas envolvem a criação
de condições para que os praticantes vivam um conjunto de papéis que valorizam,
dentro de um grupo afectivamente investido, em ambientes onde exista aceitação
pelos pares e sentimentos de pertença (Petitpas & Champangne, 2000). O clima emo-
cional percebido e a sua correcta gestão representa um pano de fundo estruturante
da possibilidade de afectar o desenvolvimento de valores.
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saber promover o clima moral no grupo de trabalho, (7) saber envolver os pratican-
tes na acção moral.
A educação olímpica não deve deixar de se basear na capacidade de autonomia da pes-
soa, do atleta, aceitando o facto de que não existe, sobre muitas matérias, consenso
moral e de que se vive em ambientes culturais e interculturais de relativismo moral.
Importa, portanto, contrariar práticas doutrinadoras e pensamentos únicos, acei-
tando que algum relativismo ideológico e alguma neutralidade do treinador pode ser
necessária para facilitar quer a clarificação de valores quer a discussão de dilemas mo-
rais. Esta posição didáctica parece ser decisiva na clarificação dos valores pessoais na
medida em que ajudará o desenvolvimento do espírito crítico e da autonomia.
Esta neutralidade não deve, apesar disso, como vimos, ser um fundamento decisivo
da intervenção na formação em valores; o treinador, não pode ser um simples faci-
litador desta formação. Para Cunha (1996), a educação moral exige, também, trans-
missão clara e directa de valores, a proclamação de valores e ideais, de uma forma
equilibrada e baseada na racionalidade, enfatizando o raciocínio mas, também, os
conteúdos. A explicação e demonstração racional, o uso de grandes exemplos, um
ambiente de diálogo, de racionalidade e de liberdade, são aspectos decisivos a con-
siderar nas estratégias formativas neste domínio.
Por outro lado, recordamos, a clarificação de valores pessoais não pode fazer esque-
cer que uns valores são mais justos e equilibrados que outros e que, se é difícil de-
fender a tese da universalidade dos valores olímpicos, não deixará de ser verdade a
existência de grandes consensos civilizacionais em torno de um grupo significativo
desses valores.
A existência de fases do desenvolvimento moral, referenciadas, por exemplo, por
Kohlberg (1971), vem, ainda, sublinhar o facto de que os processos de formação, de
suporte ao desenvolvimento do raciocínio e educação moral, devem estar de acordo
com os estádios de desenvolvimento moral, colocando-se, deste modo, desafios
muito diferenciados aos programas de formação olímpica.
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ção moral sejam aprofundados. Neste sentido, importa que a formação de profes-
sores e treinadores não seja, apenas, dirigida para competências ligadas ao conhe-
cimento dos aspectos técnico-tácticos ou metodológicos que mais directamente
dizem respeito ao rendimento desportivo, mas que possam, também, influenciar,
as suas competências profissionais no que se refere ao desenvolvimento de valores.
Tal exigirá, também, uma formação pessoal centrada sobre as suas atitudes, valores
e crenças, bem como as suas próprias concepções de Homem, de Vida, de Missão. O
mesmo imperativo deve estender-se para as formações de outros profissionais liga-
dos ao mundo do desporto: os dirigentes desportivos, os juízes e árbitros, os médicos
e paramédicos, os jornalistas, os psicólogos do desporto, etc.
Palavras Finais
O Olimpismo é uma teoria e uma prática ao serviço do Homem. Neste sentido,
existe para servir o Desporto na justa medida em que serve a Humanidade que neste
se substancia. O Olimpismo, enquanto praxis, exige aos seus diversos agentes muito
mais do que uma intervenção técnica; exige uma intervenção fundada na filosofia
e, simultaneamente, na ciência, esclarecendo, deste modo, e tornando mais eficaz,
a sua intervenção no plano ético e de orientação dos seus potenciais efeitos forma-
tivos para aspectos da formação e do desenvolvimento moral, da formação do ca-
rácter, da formação pessoal e social dos diversos agentes desportivos.
Na realidade, o que pode ser aprendido pode ser ensinado e, no que se refere à for-
mação de valores e atitudes, tal evidência não pode ser esquecida. Tal exige uma Di-
dáctica Olímpica. A educação olímpica define-se no âmbito de um quadro
conceptual que não só permite mas exige, uma intervenção sobre a identidade pes-
soal, sobre o desenvolvimento de competências de vida (independência, autono-
mia, auto-estima e percepção de competência, auto-realização e auto-desafio,
responsabilidade pessoal e social,) que se concretizará nos ambientes desportivos
e em contextos mais alargados de pessoas e circunstâncias. As tentativas de procurar
afectar o desenvolvimento de valores exigem um conhecimento aprofundado dos
processos de desenvolvimento e de educação para os valores. Afectar a motivação,
a definição de objectivos, o desejo e a ambição, desenvolver valores adequados face
à competição, aprender a respeitar as regras e os outros, desenvolver o fair-play e
os comportamentos éticos, as relações com os outros no que se refere ao respeito e
à aceitação da diversidade, aprender a ganhar e a perder, são tudo aspectos verda-
deiramente essenciais da educação olímpica que têm que se traduzir em práticas
formativas concretas e eficazes.
Como promover a integridade? O compromisso e o empenhamento? Como promo-
ver o respeito pelos direitos dos outros? Como promover o sentido de justiça e a
preocupação com os outros?
Neste sentido, praticar desporto é, em primeiro lugar, uma experiência moral e es-
pera-se que, do envolvimento nessa prática moral, resulte cooperação, amizade, ge-
nerosidade, magnanimidade, compaixão, sentido de justiça, autenticidade,
transcendência, humanidade, por fim.
Em síntese, o desenvolvimento humano na sua dimensão de formação moral e
ética, de educação para os valores e de desenvolvimento de competências pessoais
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e sociais que se transferem para outros contextos de vida, representa o sonho por
detrás do projecto pedagógico que o Olimpismo encarna.
Trata-se, portanto, de um projecto de desenvolvimento humano, de largos e lon-
gínquos horizontes, sem dúvida, utópico, no melhor sentido desta palavra. É que a
utopia, ocupando-se de imaginar o futuro, é a verdadeira fonte da juventude, a
fonte da imortalidade.
1
Professor Associado da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa
495
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496
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Como afirmou Melo de Carvalho (2000),1 num artigo a que intitulou “Olimpismo:
hipocrisia ou função humanista?”, a crise do Olimpismo encontra-se encerrada em
duas questões fundamentais: por um lado, uma comercialização sem fronteiras; por
outro, um falso discurso que procura escamotear a realidade da situação. E conti-
nuou dizendo que enquanto a estrutura do Movimento Olímpico é cada vez mais
poderosa, o Ideal Olímpico tem vindo a caminhar progressivamente para a sua fra-
gilização. Entretanto, decorreram quase dez anos em que aconteceram significati-
vas mudanças sociais, económicas e políticas. Não restam dúvidas que o Movimento
Olímpico aumentou significativamente o seu poder, contudo fica por saber se o
mesmo se passou com o Ideal Olímpico, ou se, pelo contrário, como Melo de Car-
valho afirmou vai para dez anos, acabou por ficar mais fragilizado.
A nossa resposta relativamente à questão colocada é a de que, desde 2001, com a
liderança do actual presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), Jacques
Rogge, o Movimento Olímpico tem vindo a mudar em questões fundamentais,
pelo que a maneira como hoje opera, é bem diferente daquela em que operou du-
rante a segunda metade do século XX. Está-se numa situação ideal? Estamos em
crer que não, contudo, o que é facto é que, na actual presidência têm vindo a acon-
tecer algumas mudanças de sinal positivo que, tendo em conta o título do artigo
de Melo de Carvalho, nos levam a pensar que as coisas no Movimento Olímpico
começam a inclinar-se mais para o lado da função humanista do que para o lado
da hipocrisia. E estão a inclinar-se mais para o lado da função humanista, na me-
dida em que Jacques Rogge conseguiu ultrapassar a maior das mistificações que
acompanharam o Movimento Olímpico durante toda a segunda parte do século
XX que, contra toda a evidência, partia da ideia de que “o desporto nada tem a ver
com a política”. Esta ideia foi cunhada por Avery Brundage (1887-1975) que pre-
sidiu ao COI de 1952 a 1972 que, de uma forma falaciosa, a fundamentava da se-
guinte maneira: “Se aceitarmos que num mundo imperfeito como o nosso, se
deixe de praticar desporto, cada vez que as leis humanas são violadas, nunca ha-
verá competições internacionais.”2
O mundo mudou, o desporto mudou, a presidência do COI mudou, estão criadas
condições para que as coisas melhorem no Movimento Olímpico. A nossa tese é a
de que estão a melhorar.
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1. Sociedade em Rede
Nos últimos anos, a internet tomou conta do mundo e estabeleceu uma rede de re-
lações virtuais entre milhões de pessoas, absolutamente inimaginável ainda há
meia dúzia de anos. Ora, este facto está a transformar a maneira como o sistema
desportivo mundial funciona e a maneira como se relaciona com outros sistemas
sociais. Hoje, estão a surgir diversas comunidades interessadas directa ou indirec-
tamente no fenómeno desportivo que interagem na rede em tempo real 24 horas
por dia. Em consequência, o Movimento Olímpico passou a estar presente na inter-
net desde logo através do site do COI, mas também passou a ser escrutinado através
de um sem número de sites e de blogues independentes com capacidade para, de
um momento para o outro, mobilizarem o interesse e a acção de milhões de pessoas
por todo o mundo.
Deste modo, a sociedade da comunicação em rede coloca as mais diversas organiza-
ções e os respectivos líderes debaixo dos olhares do mundo. Qualquer assunto que há
uns anos era tratado na maior das privacidades, hoje, de um momento para o outro,
salta para a rede podendo assumir um “efeito de borboleta” e provocar uma tempes-
tade social à escala do planeta. Estamos a funcionar cada vez mais a partir de redes de
interesses, de organizações e de pessoas que estabelecem entre si à volta dos mais di-
versos assuntos, temas e problemáticas, relações fluidas e mutáveis, mas também de
consequências imprevisíveis. De facto, o mundo está cada vez mais a funcionar
menos em regimes piramidais de hierarquias lineares pelo que cada vez faz menos
sentido que determinadas organizações reivindiquem para si o vértice de uma qual-
quer pirâmide hierárquica de poder na medida em que o verdadeiro poder está na rede
de comunicação, de informação e de conhecimento que funciona sem limites à escala
mundial. Quer dizer que, no mundo em rede, a pirâmide organizacional tradicional
da civilização industrial está a deixar de ter o sentido e a importância de outrora.
Assim sendo, o sistema desportivo mundial começa a funcionar com uma descentra-
lização extrema e um alto padrão de flexibilidade que obriga as mais diversas organi-
zações a um ajustamento em tempo real às novas realidades e provocações que, a todo
o momento e de todos os lados, surgem no sistema que transcende fronteiras, iden-
tidades e interesses corporativos ou nacionais. Por exemplo, hoje, o COI, a FIFA e a
UEFA, com frequência, pretendem intervir nos Estados nacionais. Por sua vez, redes
de Estados nacionais, como é o caso da União Europeia (EU), também fazem vingar
as suas opiniões junto das organizações supranacionais.3
Constata-se ainda que o sistema está a evoluir de organizações multinacionais para
redes internacionais à medida que o processo de globalização se desenvolve. Por isso,
o COI está a deixar de ser uma organização transnacional de representação mítica, em
que a sua imagem foi construída em benefício próprio a partir de uma ideia de Pierre
de Coubertin (1863-1837) e dos seus amigos, para passar a ser uma organização inter-
nacional a funcionar em redes mais ou menos formais e cada vez mais descentraliza-
das. A estratégia de Jacques Rogge de alterar a correlação de forças no interior do próprio
COI, fazendo com que cada Federação Internacional lá passe a estar representada é um
sinal de uma certa desagregação do “poder duro” do Movimento Olímpico Internacio-
nal, protagonizado na última metade do século XX, fundamentalmente por Avery
Brundage (1887-1975), e por Juan Antonio Samaranch (1920).4
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Para além do mais, Jacques Rogge anunciou que o COI vai realizar uma série de re-
formas durante o próximo mandato a fim de melhorar o seu funcionamento bem
como manter os Jogos Olímpicos como um evento desportivo de superior qualidade.
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— Criar um sistema mais estruturado a fim de que, de uma forma rotineira, se faça
a revisão e actualização do programa de modalidades desportivas olímpicas;
— Melhorar o sistema de julgamento e de arbitragem anti-doping;
— Tomar medidas para restringir o tamanho e o custo dos Jogos.
O COI ainda adoptou a proclamação do Milénio das Nações Unidas relativa ao De-
senvolvimento (agenda 21 - questões ambientais) e recebeu das Nações Unidas
apoio no que diz respeito à Trégua Olímpica; ao desenvolvimento e à educação atra-
vés do desporto; e à ajuda humanitária e à protecção da saúde em todo o mundo.
Repare-se que nada disto é conversa vã, na medida em que há vontade, as pessoas
estão disponíveis e os recursos financeiros também existem. Durante o mandato
de Jacques Rogge o COI quadruplicou suas reservas financeiras de US $ 105 milhões
em 2001 para mais de US $ 400 milhões em 2009, pelo que aumentou significati-
vamente a distribuição de fundos às Federações Internacionais, aos Comités Olím-
picos Nacionais e ao Programa Solidariedade Olímpica que proporciona assistência
financeira aos mais diversos projectos de desenvolvimento do desporto, no âmbito
da formação de atletas.
Contudo, na dialéctica de confronto de ideias numa estrutura em rede, alguns dos
seus membros serão sempre “mais iguais do que os outros”. Não se deve estranhar
tal situação. De uma maneira geral, as relações de interdependência tendem a ser
assimétricas. Como refere Melo de Carvalho, o fosso entre os países ricos e o 3º e
4º Mundos, alarga-se produzindo injustiças globais à escala do Planeta. Contudo, a
denúncia sistemática e permanente dessas injustiças passou a fazer parte da rede e
o COI já não pode pretender viver à margem delas, quer dizer, noutro mundo. Hoje,
são múltiplas as ONGs que interagem no sistema exercendo sobre o COI enormes
pressões tal como, por exemplo, a “Play the Game”8 que tem realizado uma acção
notável em termos de combate à corrupção no desporto.
Nesta perspectiva, o desporto é assumido como um instrumento de desenvolvimento
humano pelo que à semelhança do que fazia Pierre de Coubertin, deve voltar a ser
considerado uma ferramenta de “soft-diplomacia”, ao serviço das relações interna-
cionais a fim de catalisar as transformações necessárias ao desenvolvimento e ao pro-
gresso. Se tal vier a acontecer, podemos dizer que o desporto está integrado numa
dinâmica do chamado “soft power”9 que, ao longo da história do século XX, aconteceu
por diversas vezes e em várias circunstâncias, umas com êxito, outras sem qualquer
êxito. Por exemplo, aconteceu com êxito em 1971 em plena Revolução Cultural chi-
nesa10 com a abertura da China ao mundo através da política do ping-pong desenca-
deada por Mao Zedong, que acabou por ser bem mais eficaz do que o chamado “hard
power” e da diplomacia de confronto de forças entre os dois países desde 1949. Acon-
teceu sem qualquer êxito nos Jogos de Montreal (1976) quando vários países africanos
protestaram contra o facto da equipa de râguebi da Nova Zelândia ter feito uma di-
gressão pela áfrica do Sul, “furando” o boicote desportivo em vigor. Os países africa-
nos recusavam-se a participar nos Jogos a menos que a equipa da Nova Zelância fosse
afastada. O COI, em virtude do râguebi não ser uma modalidade olímpica, tentou ig-
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norar a questão e o tiro saiu-lhe pela culatra. A 48 horas do início dos Jogos, 30 países
e cerca de 1000 atletas abandonaram Montreal.11
Entretanto, a atribuição da realização dos Jogos da XXIX Olimpíada à cidade de Pe-
quim, veio trazer uma nova dinâmica política e social ao Olimpismo moderno que
tem vindo a estabelecer um corte com o “discurso de avestruz”, quer dizer, a diplo-
macia do silêncio desencadeado nos anos cinquenta por Avery Brundage, com a má-
xima de que “o desporto nada tem a ver com a política”. Hoje, este tipo de discurso,
embora muitos dirigentes ainda o queiram manter, está condenado ao fracasso na
medida em que as estruturas de autoridade em linha estão cada vez mais desajus-
tadas à dinâmica informacional/global, pelo que as lideranças das organizações des-
portivas têm de se adaptar a uma nova forma de relações institucionais em rede,
em alternativa ao modelo neo-clássico do passado do “quero posso e mando” de
Avery Brundage que determinava simplesmente aquilo que podia ou não fazer
parte da agenda.
Agora, na perspectiva de Castells, a globalização e a “informacionalização” estão
estruturalmente relacionadas com o funcionamento em rede e a flexibilidade.
Assim, também as mais diversas organizações desportivas para além do modelo tra-
dicional começaram a funcionar numa teia de redes múltiplas que fazem parte de
uma grande diversidade de contextos institucionais. Perante este quadro, em que
o poder, muitas vezes, é exercido de uma forma aleatória, o COI foi levado através
de Jacques Rogge a protagonizar um discurso novo que, pelo menos aparentemente,
começa a colocar novamente os valores da ideologia Olímpica no centro do desen-
volvimento do Movimento Olímpico. Com este novo posicionamento, o COI:
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dos Jogos Olímpicos, para fazerem passar as ideias em que acreditavam. Ora, isto
representou um corte profundo relativamente à atitude dos três presidentes do COI
que o antecederam, bem como com o pensamento da generalidade dos líderes des-
portivos a nível mundial que, salvo raras excepções, nunca souberam muito bem
para que lado é que haviam de emitir opinião.
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— A Fédération Internationale des Ligue des Droit de L’Homme (FIDH), com a data
de 11 de Fevereiro de 2007, escreveu uma carta ao COI e a Jacques Rogge aler-
tando-o para o facto de: “no futuro, tanto a história como a sociedade civil vão
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E a este respeito a HRW ainda vai mais longe na medida em que afirma que a ques-
tão “não é saber se o COI é uma organização que defende os Direitos Humanos,
mas se o Movimento Olímpico respeita os direitos do Homem. Se for esse o caso,
permanecer em silêncio enquanto se intensifica a repressão na China não é acei-
tável”.23
Assim, através das mais diversas ONGs que controlam as atitudes e comportamen-
tos dos governos, bem como de outras ONGs pode haver evolução e progresso no
que concerne ao respeito pelos Direitos Humanos.
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bro, realizada pelo meu colega Pál Schmitt, detentor de duas medalhas olímpicas e
membro do COI. (…) A minha opinião pessoal é que nenhum político eleito em elei-
ções livres e justas e figura sénior na vida nacional no âmbito da União Europeia
devia ir aos Jogos de Pequim e acredito que o seu Comité devia decidir para o futuro
que os jogos se deveriam realizar para sempre em Atenas, que organizou com par-
ticular sucesso os Jogos de 2004.”24
Nunca alguém pertencente a uma instituição como o Conselho da Europa tinha ido
tão longe a afrontar o COI e as suas posições. Estas posições são muitíssimo impor-
tantes na medida em que a história do Olimpismo moderno ensina-nos que os pro-
blemas da corrosão do carácter não estão no Olimpismo nem nos Jogos Olímpicos
porque os seus valores e os seus ideais são perenes e estão inscritos na Carta Olím-
pica, mas pelas fraquezas da própria condição humana. O problema está nos diri-
gentes que têm corrompido o Olimpismo e os próprios Jogos Olímpicos, a fim de
obterem vantagens pessoais. Muitos deles, estão lá há demasiados anos. Já só são
capazes de defenderem os seus próprios interesses pelo que são completamente in-
capazes de ouvir qualquer crítica por muito justa que seja. Por isso, como refere
Melo de Carvalho (2000), enquanto a estrutura do Movimento Olímpico é cada vez
mais poderosa, o Ideal Olímpico tem vindo a caminhar progressivamente para a sua
fragilização. Depois, dizemos nós, quando os princípios e os valores deixam de co-
mandar o desporto, este transforma-se numa actividade de alienação de massas à
margem do desenvolvimento humano. Por isso, sempre que surgem pessoas como,
entre outros, Helen Lenskyj, Andrew Jennings ou Edward McMillan-Scott, uma
académica, um jornalista e um político, só nos podemos regozijar.
Hoje é possível dizer que com Jacques Rogge a tradicional política de silêncio do
COI, começou a alterar-se para uma atitude proactiva com o fim de evitar que um
Movimento Olímpico, sem agenda e sem projecto político, ande sistematicamente
atrás dos acontecimentos. Contudo, ter uma agenda bem definida e projectos apon-
tados para a construção de um futuro comum não é fácil para uma organização
como o COI em que participam mais Comités Olímpicos Nacionais do que o número
de países que fazem parte da ONU.
3. Líderes Mundiais
Em 2001, com a decisão de atribuir a Pequim a organização dos Jogos, o COI “armou
uma bomba relógio” que podia rebentar de um momento para outro. E rebentou. E
os Jogos Olímpicos de Pequim vieram, mais uma vez, colocar na agenda dos líderes
mundiais as questão das relações entre o desporto e a política. E de uma forma bem
diferente daquelas que aconteceram em Moscovo (1980) e em Los Angeles (1984).
Entretanto, o mundo mudou e os problemas deixaram de poder ser equacionados
da mesma maneira. Por isso, se o boicote puro e duro aos Jogos de Pequim sempre
foi uma hipótese mais do que remota, a ausência das principais figuras mundiais na
cerimónia de abertura, embora tenha sido referida por alguns líderes, também
nunca teve reais condições de sucesso. O mundo, em 2008, vivia num equilíbrio
periclitante pelo que praticamente ninguém estava interessado em arvorar grandes
atitudes de efeitos imprevisíveis. Era a “realpolitik” a funcionar.
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“Realpolitike”
No quadro da “realpolitik”, a posição do COI não foi fácil. De facto, Jacques Rogge
foi apanhado sozinho na defesa dos Direitos Humanos, entre os interesses da RPC
em abafar a contestação à sua política de Direitos Humanos e os interesses dos di-
versos líderes mundiais preocupados em não afrontar o poderio económico e finan-
ceiro da China. Só depois das contestações no Tibete em Março de 2008, tendo como
pano de fundo a véspera da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim,
é que os líderes mundiais se dignaram emitir opinião sobre o assunto que, de uma
maneira geral, foi no sentido de não incomodar a RPC:
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Neste novo século, os Jogos Olímpicos são vistos pelos dirigentes da generalidade
dos países com olhos bem diferentes daqueles com que os viram nos anos oitenta.
Contudo, o cidadão comum, minimamente atento, também suspeita que a posição
da generalidade dos dirigentes políticos perante a China se fica a dever ao enorme
receio que agora existe sobre o poderio económico e financeiro daquele país. Por
isso, devemos entender a generalidade das posições mais por razões de interesse do
que por razões de solidariedade. Porque, bem vistas as coisas, a Europa e os EUA
estão de certo modo reféns do poder económico e financeiro da China. Por exemplo,
o governo chinês condenou o encontro em Londres entre o Primeiro-ministro do
Reino Unido, Gordon Brown e o Dalai Lama, líder espiritual tibetano no exílio. O
Ministério de Assuntos Exteriores chinês afirmou que o encontro “interfere nos as-
suntos internos da China e fere os sentimentos do povo chinês”. Brown recebeu o
Dalai Lama no Palácio de Lambeth, sede da Arquidiocese de Canterbury na capital
britânica e não numa instalação do Estado o que reforçaria a oposição de Londres
face à questão do Tibete. Brown jogou com prudência a fim de não prejudicar as re-
lações económicas com a China. Mesmo assim, os chineses permitiram-se criticar
a sua atitude!39
De uma maneira geral, os diversos líderes mundiais agiram de uma forma mais ou
menos concertada e sensata no sentido de não perturbarem não só o equilíbrio in-
terno como externo da China. Ninguém estava interessado em agitar, antes pelo
contrário, se os Jogos Olímpicos servissem para estabilizar o sistema mundial tanto
melhor.
Boicotar Vs Pressão
É claro que seria profundamente penalizante para as relações internacionais se a
Europa, os EUA ou um grupo significativo de países resolvesse boicotar os Jogos de
Pequim ou até mesmo só a cerimónia de abertura. Só uma política de “terra quei-
mada” podia advogar uma medida deste tipo para pressionar a RPC relativamente
aos Direitos Humanos. Contudo, quanto àqueles que afirmam que o boicote aos
Jogos Olímpicos de Moscovo (1980) não teve quaisquer resultados políticos, seria
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bom que considerassem que o boicote aos Jogos teve certamente alguma coisa a ver
com a queda do muro de Berlim. Pelo menos, abalou a consciência das populações
e, certamente, as convicções dos líderes que nos anos oitenta já tinham conheci-
mento de que as coisas não iam bem no país. Também podemos perguntar se, em
1936, tivesse havido um boicote aos Jogos Olímpicos de Berlim o caminho do na-
zismo na Alemanha teria sido o mesmo. Estamos em crer que não. Os Jogos de Ber-
lim foram um autêntico hino ao nazismo e serviram de estímulo ao grande ditador
para avançar com os seus projectos que conduziram à hecatombe da II Guerra Mun-
dial. Ao tempo, muito embora Pierre de Coubertin tivesse apoiado a realização dos
Jogos de Berlim (1936), o que é facto é que estava velho, doente, falido e frustrado
pela desconsideração que os franceses lhe dedicavam, pelo que os nazis, aprovei-
tando-se do seu débil estado psicológico, se utilizaram dele. Acabou por morrer um
ano depois dos Jogos. Teve a sorte de não ver o arranque da guerra desencadeada
pelos alemães. Teria de lamentar profundamente o discurso que proferiu através
da rádio, aquando da cerimónia de encerramento dos Jogos de Berlim (1936): “que
o povo alemão e o seu chefe sejam agraciados por quilo que acabam de conseguir.”
O problema que se coloca é o de saber se é legítimo os líderes mundiais participarem
em eventos desportivos à escala mundial de uma forma completamente desinte-
ressada das barbaridades e das injustiças que estão a ser cometidas pelo país da ci-
dade anfitriã, e fazê-lo utilizando hipocritamente a desculpa de que “o desporto
nada tem a ver com a política” pelo que os atletas não podem deixar de competir. A
generalidade dos líderes mundiais, respondeu que sim, muito embora reconheça-
mos que seria bem pior se tivessem respondido que não.
As condições sociais em 2008 eram completamente diferentes das de 1936 ou até
mesmo das de 1980. Numa perspectiva mundial no que diz respeito à construção
da paz e do desenvolvimento humano, o mundo em geral e a China em particular
ganharam muito mais com a participação de todos os países nos Jogos do que ga-
nhariam se os Jogos tivessem sido boicotados por alguns, mesmo que poucos, países.
E ganharam na medida em que, hoje, o sistema mundial de comunicação não tem
nada a ver com o passado mesmo que recente. Nos tempos que correm, o mundo é
uma pequena aldeia em que as comunicações fluem com uma grande facilidade e a
uma velocidade vertiginosa, pelo que faz mais sentido utilizar os meios tecnológi-
cos que permitem um envolvimento alargado a centenas de milhões de pessoas nos
mais diversos pontos do planeta, do que um boicote decidido nos gabinetes duma
nomenclatura política qualquer, com pouco impacto a nível mundial.
4. Os Líderes Desportivos
Apesar dos princípios expressos na Carta Olímpica, que esclarecem a vocação e a
missão do Movimento Olímpico, a generalidade dos líderes, sobretudo na segunda
metade do século XX, a partir dos Jogos Olímpicos de Helsínquia (1952),40 devido
à “guerra fria” em curso, procuraram produzir um discurso “politicamente cor-
recto”, em que o desporto foi invariavelmente considerado uma actividade assép-
tica, desenvolvida à margem da sociedade, sem qualquer contacto com as realidades
mais comezinhas do mundo, da vida e da política, pelo que nada tinha a ver com os
pecados do mundo e dos homens.
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— Milan Zver, o ministro esloveno dos desportos que presidiu à reunião entre as
autoridades governamentais e os responsáveis pelos Comités Olímpicos da Eu-
ropa dos 27 – note-se que a Eslovénia presidia à União Europeia – afirmou ser
contra o boicote aos Jogos Olímpicos. E argumentou: “a pressão política através
do desporto não funcionou. O boicote aos Jogos Olímpicos de Moscovo foi bem
ineficiente a nível político. Por outro lado feriu seriamente o Movimento Olím-
pico. O desporto é um instrumento de diálogo”50
Pacto de Silêncio
O problema é que os dirigentes desportivos e políticos, como geralmente não atri-
buem ao desporto a importância política que efectivamente o desporto tem en-
quanto agente catalisador, depois, quando surge uma qualquer questão mais
complicada para resolver, então, não sabem o que fazer. Deste modo, limitam-se a
correr atrás dos acontecimentos.52 E, como quem não sabe gerir controla, começam
a engendrar todo o tipo de processos implícitos e explícitos a fim de minimizar os
estragos. Foi esta a posição da Associação Olímpica Britânica – recordamos que Lon-
dres vai organizar os Jogos em 2012 – ao elaborar um “código de silêncio” para os
atletas seleccionados para participarem nos Jogos de Pequim. Ao tempo, a comuni-
cação social dizia: “os atletas britânicos terão de assinar um contrato comprome-
tendo-se a não falar sobre política ou Direitos Humanos para poderem participar
dos Jogos Olímpicos de Pequim, que serão disputadas este ano, informou a Associa-
ção Olímpica Britânica (BOA). Para poder pertencer à equipa britânica, os atletas
terão que aceitar um contrato que estabelece que eles ‘não vão comentar sobre qual-
quer assunto político sensível’ que envolva o país sede, disse o porta-voz da BOA,
Graham Newson.”53
Tem sido esta “política” de “esconder a cabeça na areia” que mais tem prejudicado o
Movimento Olímpico, pelo que também é absolutamente incompreensível a posição
da Associação de Comités Olímpicos Nacionais (ACON) expressa pelo seu Presidente,
o mexicano Mário Vázquez Rana, ao cabo da reunião (2005ª) de três dias realizada
em Pequim. No comunicado emitido, a ACON para além de aprovar por unanimidade
uma declaração contra um boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, decidiu tam-
bém não mencionar a questão do Tibete a fim de não ser acusada de interferência!
Contudo, numa primeira declaração que depois acabou por ser emendada, a ACON
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pedia uma “resolução justa e razoável para o conflito interno que afecta a região do
Tibete”.54 A posição da ACON55 peca por estar completamente à margem dos verda-
deiros problemas que envolvem o Movimento Olímpico que ou são solidários com os
próprios problemas da humanidade, ou não servem para nada.
Felizmente para o Movimento Olímpico, a posição desumana da ACON foi ultra-
passada por Jacques Rogge que, no mesmo dia, apelou à China para que tivesse uma
atitude pacífica relativamente aos tumultos no Tibete, reafirmando que o recurso
à violência é incompatível com os Jogos Olímpicos. Ao contrário da generalidade
dos dirigentes do Movimento Olímpico, Jacques Rogge, assumiu com coragem uma
mudança de atitude relativamente às relações do desporto com a política, estabe-
lecendo um corte radical com a diplomacia de silêncio do passado, que acabou por
ter a sua máxima expressão numa Tocha Olímpica a caminho de Pequim, protegida
por uma equipa de “gorilas”.
Jacques Rogge provocou um corte com um discurso pretensamente apolítico que,
na realidade, sempre consubstanciou posições políticas – veja-se, por exemplo, o
caso das duas Chinas –56 profundamente desajustadas não só ao ideário de Pierre de
Coubertin, como à dinâmica de solidariedade que deve orientar a missão do Movi-
mento Olímpico ao serviço do Direitos do Homem e do desenvolvimento humano.
Em conformidade, Jacques Rogge inaugurou uma “diplomacia silenciosa” que pro-
cura resolver os problemas fora do alarido da comunicação social, em oposição a
uma “diplomacia do silêncio” que caracterizou a política do COI durante a segunda
metade do século XX, bem simbolizada pelo comunicado da ACON emitido da reu-
nião realizada em Pequim.
A Regra 51
Infelizmente, a generalidade dos dirigentes desportivos pratica objectivamente
uma “diplomacia do silêncio” quando afirma: “se [os atletas] não quiserem, podem
não ir, mas se vão aceitam as regras da Carta Olímpica.”57 Depois, remetem tudo
para a Regra 51 da Carta Olímpica. Claro que, como certamente a grande maioria
dos atletas nunca leu a Carta Olímpica e jamais ouviu falar da Regra 51 ou de outra
qualquer, acaba por ficar constrangido a emitir qualquer opinião. A questão da edu-
cação olímpica, como refere Nelson Todt (2007) passa pela assunção dos rituais e
cerimónias olímpicas como instrumentos integradores de uma prática curricular
interdisciplinar que continua arredada dos sistemas educativos. Quando um atleta
chega aos Jogos Olímpicos, deve chegar não só porque cumpriu uma marca olímpica
mas, também, porque é detentor de uma cultura que lhe permite saber aonde está
e como é que deve estar. Ora, isto só é possível a partir de uma educação olímpica
no ensino obrigatório que, depois, se deve projectar e cultivar na vida de atleta.58
Como esta prática nunca aconteceu, a Regra 51 da Carta Olímpica59, foi utilizada
como uma arma destruidora do livre pensamento e da crítica por aqueles que têm
do Olimpismo uma visão mesquinha, retrógrada e anti-democrática. A Regra 51 de-
nomina-se esclarecedoramente: “publicidade, demonstrações, propaganda”:
512
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Quer dizer, a Carta Olímpica não proíbe nem limita o direito à expressão de opinião
nos locais olímpicos, mas tão só:
“Demonstrações ou propaganda política, religiosa, ou racial”,
Ora, isto é uma coisa completamente diferente.60
Assim, o impedimento dos espaços olímpicos a demonstrações ou a propaganda po-
lítica, religiosa ou racial expressa na Carta Olímpica, parece-nos ser uma medida
perfeitamente aceitável na medida em que não podemos imaginar que, em plenos
Jogos Olímpicos, possa acontecer uma demonstração de propaganda do regime do
país anfitrião, uma manifestação de atletas islamitas e uma contra manifestação de
atletas judeus ou cristãos ou, ainda, uma manifestação de atletas latinos contra
anglo-saxónicos ou vice-versa. Também não concebemos que possam ser expostos
cartazes com estes temas ou outros semelhantes.
Estamos de acordo que a Carta Olímpica não permita demonstrações ou propaganda
no espaço olímpico, sob pena de ninguém se entender. Por isso, uma organização
tipo “Team Darfur”61 ultrapassa em muito o direito de opinião de qualquer cidadão,
até porque, desde logo, começa a conflituar com os direitos dos outros. Organizações
como a “Team Darfur” têm todo o direito de se manifestarem mas fora do espaço
olímpico. No entanto, os atletas olímpicos que participam nos Jogos, a título indi-
vidual ou através da missão de que fazem parte, têm o direito de manifestar as suas
opiniões sejam elas quais forem aonde quer que seja, porque eles estão na sua pró-
pria casa e na sua própria festa.62 A festa, quer os dirigentes gostem quer não, é dos
atletas não é dos dirigentes.
E a respeito da Regra 51 Jacques Rogge mais uma vez foi esclarecedor quando se di-
rigiu à 205ª reunião dos Comités Olímpicos Nacionais realizada em Pequim: “a ca-
pacidade de alguém expressar a sua opinião é um direito humano básico e como tal
não necessita de ter uma cláusula específica na Carta Olímpica porque está lá im-
plicitamente. (…) Mas pedimos que não exista propaganda ou demonstrações nos
recintos dos Jogos pela simples e boa razão de que temos 205 países e territórios re-
presentados, muitos dos quais estão em conflito, e os Jogos não são o local para
tomar posições políticas ou religiosas.” 63
No mesmo comunicado, Jacques Rogge colocou ainda a questão sob outro prisma:
“se os atletas genuinamente desejarem expressar as suas opiniões, tudo bem. Mas
não nos esqueçamos, que também existe um direito de ‘não expressar opinião’. Os
atletas não devem sentir qualquer obrigação moral de terem de falar. Eles merecem
o direito de poderem concentrar-se na sua preparação e não devem ser obrigados a
expressar a sua opinião se não o desejarem fazer.” 64 Ao colocar o problema nestes
termos, o Presidente do COI deu uma lição magistral aos dirigentes que, completa-
mente desactualizados relativamente aos novos tempos, impedem o normal de-
senvolvimento do Movimento Olímpico no sentido do desenvolvimento humano
e no da verdadeira celebração da humanidade, que passa necessariamente por uma
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soas. E devido às mais diversas pressões sobre o COI realizadas por organizações go-
vernamentais e não governamentais, Jacques Rogge encontrou a oportunidade para
quebrar uma prática de mais de cinquenta anos, simbolizada por uma comprome-
tedora política de silêncio, em que todo e qualquer assunto que tivesse a mínima
inconveniência para os dirigentes do Movimento Olímpico, era simplesmente co-
locado no índex.
Hoje parece claro que as coisas com Jacques Rogge começaram a mudar. De tal forma
que, perante os protestos que atingiram um volume de ruído absolutamente ex-
traordinário, a 10 de Abril de 2008, numa atitude absolutamente inédita no Movi-
mento Olímpico, Jacques Rogge fez um dramático apelo às autoridades da RPC
solicitando-lhes que cumprissem a promessa assumida em 2001, quando se com-
prometeram a melhorar a sua política em matéria de Direitos Humanos a fim de
poderem receber a realização dos Jogos olímpicos.
E ele tinha razão até porque para que não existissem dúvidas acerca do espírito dos
acordos celebrados, imediatamente no ano seguinte, em 2002, Jacques Rogge in-
formou o mundo através de uma entrevista à BBC, que o Governo do RPC tinha
prometido “melhorar a agenda social da China, incluindo os Direitos Humanos”
quando em 2001 foi atribuída a Pequim a organização dos Jogos da XXIX Olimpíada.
Na referida entrevista à BBC, Jacques Rogge deixou ficar claro que: “esperava que o
padrão de Direitos Humanos melhorasse, sob pena do COI ter de, sobre o assunto,
tomar uma decisão.” (…) “Pedimos claramente à China que respeite esse compro-
misso moral”.69
Entretanto, as autoridades chinesas através Jiang Yu, a porta-voz do Ministério dos
Negócios Estrangeiros da RPC, apressaram-se a pedir ao COI para não relacionar
“factos políticos irrelevantes” com os Jogos Olímpicos. E durante uma conferência
de imprensa em Pequim Jiang Yu ripostou a Jacques Rogge: “esperamos que os
membros do COI continuem a respeitar a Carta Olímpica. A perturbação e a sabo-
tagem do percurso da chama são contra o espírito da Carta Olímpica, as leis inter-
nacionais e os habitantes de todo o mundo que defendem a paz.”70
Quer dizer, no fundo, os dirigentes da RPC não aprenderam nada durante mais de
50 anos e o inútil problema das “duas Chinas”, que só serviu para massacrar pessoas
e queimar projectos desportivos como aconteceu com todos aqueles que tiveram
de subordinar os resultados desportivos aos ditames da política e dos dirigentes chi-
neses. Repare-se que houve, pelo menos, um atleta chinês que se suicidou em vir-
tude de ter sido obrigado a sacrificar os resultados desportivos aos ditames dos
interesses do partido.
Agora, à semelhança do passado, bem vistas as coisas, a divergência pública entre o
COI e o Governo da RPC constituiu um rude golpe na estratégia chinesa para manter
dissociados os Jogos Olímpicos das questões politicamente delicadas para o regime.
Do lado do Movimento Olímpico, tal divergência representa uma nova oportuni-
dade, na medida em que significa o início de uma nova era na diplomacia do COI,
em que as relações entre o desporto e a política deixaram de ser equacionadas no
secretismo das reuniões privadas e na hipocrisia das afirmações de conveniência,
para passarem a ser pública e claramente assumidas. Ora, este facto, pode significar
que estamos a entrar numa nova era em que o COI, apesar de todos os incómodos,
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quer passar a controlar a sua agenda política e a deixar de andar atrás dos interesses
de terceiros. Na realidade, Jacques Rogge assumiu a crise não só como uma contra-
riedade absolutamente normal na vida das organizações, mas, também, à boa ma-
neira da cultura chinesa, como uma boa oportunidade para provocar um salto
qualitativo nas relações diplomáticas do COI. E disse: “é uma crise, não existe qual-
quer dúvida acerca disso”71
Em simultâneo, avisou o mundo que o COI passou a ter a sua própria agenda polí-
tica, o que significa que, se por um lado, não se deixa manipular pelos interesses
das grandes potências, por outro lado, começa a demonstrar que sobre assuntos po-
líticos que interferem com o normal funcionamento do Movimento Olímpico é ob-
rigado a ter opinião e a tomar decisões, por muito que elas custem.
Assim, Jacques Rogge, pelo menos aparentemente, fez o trabalho de casa, quer
dizer, estudou a história do Olimpismo de maneira a não cometer os mesmos erros
dos seus antecessores. Ao fazê-lo, iniciou uma nova era no Movimento Olímpico
em que o COI assume uma posição própria, relativamente aos diversos regimes po-
líticos e às autoridades dos respectivos países.
Ora, se esta perspectiva está a acontecer em termos internacionais, o que se espera
é que venha também a desenvolver-se em termos nacionais, de maneira a que seja
preservada a independência dos CONs. Até porque, se os responsáveis dos CONs,
por um lado, estão sempre prontos a reivindicar a sua independência relativamente
aos respectivos governos, não podem depois andar de “mão estendida” a pedir aos
governos o dinheiro que os pode alimentar, mas que lhes corrompe a dignidade e a
independência e os põe não ao serviço da juventude mas ao serviço dos respectivos
regimes. Isso sim, é a utilização a todos os títulos reprovável do desporto pela polí-
tica e da política pelo desporto.72
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“Tibete Livre” ou que protestem em defesa dos Direitos Humanos seriam pura e
simplesmente presos.
A um mês do início dos Jogos, a organização de defesa dos Direitos Humanos HRW
afirmava sem quaisquer dúvidas que a RPC “continua a restringir a liberdade de
movimentos dos jornalistas no Tibete e noutras regiões, violando a sua promessa
de acesso livre e sem limites.”73 Entretanto, o COI ficou no fio da navalha por três
razões fundamentais:
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lhores Jogos Olímpicos possíveis, aos atletas que os merecem. Vamos fazê-lo através
de uma colaboração intensa e próxima com o Comité Organizador dos Jogos de Pe-
quim. A atribuição dos Jogos Olímpicos ao país mais populoso do mundo divulgará
o Olimpismo a um quinto da humanidade. Acreditamos que a China mudará
abrindo-se ao escrutínio do mundo através dos 25000 representantes dos mídia que
assistirão aos Jogos. Os Jogos Olímpicos são uma força para o bem. Eles são um ca-
talisador para a mudança e não uma panaceia para todos os males. As ONGs e os ac-
tivistas dos Direitos Humanos querem influenciar os Jogos e pedem ao COI que
actue a seu lado. O COI respeita as ONGs e os grupos activistas e as suas causas e
dialoga frequentemente com eles – mas nós não somos nem uma organização po-
lítica nem uma organização activista. Como referi a semana passada, os aconteci-
mentos no Tibete são um assunto de grande preocupação para o COI. O COI já
expressou a esperança de que o conflito seja resolvido pacificamente, tão breve
quanto possível. A violência sejam quais forem as razões é contrária aos valores e
ao espírito Olímpico. O COI continuará a respeitar a causa dos Direitos Humanos.
O COI trabalhará determinadamente com a China para o bem dos atletas e o sucesso
dos Jogos Olímpicos.”76
Depois, no dia seguinte, durante a cerimónia em Olímpia, o Presidente do COI sem
alvoroços e sem quaisquer dramas mostrou-se empenhado numa “diplomacia si-
lenciosa” no sentido de obrigar o regime de Pequim, não a mudar porque não seria
realista pretender que a China mudasse a sua política de um dia para o outro, mas a
iniciar pequenas atitudes e gestos de abertura que, no futuro, podiam significar
muito. De facto, em alternativa a qualquer boicote ou posição de força, parece-nos
a atitude mais inteligente a que procura pressionar a China obrigando-a aos poucos
a mudar, não só relativamente à sua política interna como externa.
Assim, no seu discurso, Jacques Rogge mostrou-se preocupado com a violência no
Tibete, onde a China reprimiu com desnecessária violência manifestações de tibe-
tanos. Mas também afirmou que: “o COI é uma organização desportiva que não
pode fazer mais do que juntar-se aos líderes mundiais num apelo para que seja en-
contrada uma solução pacífica para o problema.”77
Ora, esta perspectiva do COI, representa uma mudança radical relativamente a um
passado dominado por uma “diplomacia do silêncio”, institucionalizada por Avery
Brundage.
A Pressão em Processo
Aqueles que entendem o desporto enquanto agente de desenvolvimento humano,
não podem descansar sobre as vitórias conseguidas. Nesta conformidade, o melhor
que podem fazer é continuar a pressionar o sistema a fim de não o deixar regressar
à posição inicial. É neste sentido que entendemos a posição de Sophie Richardson,
directora para a ásia da HRW, quando numa conferência de imprensa em Hong
Kong afirmou: “o COI disse que prefere uma diplomacia silenciosa (...), o problema
é quando é tão silenciosa que se torna insustentavelmente inaudível.”78 Sophie tem
razão e está certa quando pressiona Jacques Rogge e o COI. A pressão deve ser reali-
zada antes dos Jogos, durante os Jogos e depois dos Jogos.
Também a AI, a dez dias de início dos Jogos, acusou a China de os estar a aproveitar
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A Trégua Olímpica
É nesta perspectiva que vemos a posição do Secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon,
ao solicitar que os conflitos a decorrerem em todo o mundo estabeleçam tréguas,
de acordo com uma tradição da Grécia Antiga. Tal trégua segundo Ban Ki-Moon: “
permitiria uma pausa para reflectir sobre os elevados custos da guerra, uma abertura
ao diálogo e um intervalo capaz de abrir caminho a cuidados de auxílio às popula-
ções afectadas.”80
Mal sabia Ban Ki-Moon que não passariam dez dias sem que dois países se envol-
vessem em guerra precisamente na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos. De
facto, a Rússia e a Geórgia envolveram-se num conflito a todos os títulos lamentável
que só veio, mais uma vez, provar que, muito embora o Homem seja um ser de es-
perança ele está marcado no seu código genético pela violência que pode conduzir
à guerra. De facto, quando o homem está em paz não há nada que deseje mais do
que a guerra e quando está em guerra não há nada que deseje mais do que a paz. Por
isso, a guerra longe de passar a ser uma relíquia dos tempos bárbaros e primitivos
da humanidade, apenas se tem vindo a modernizar através dos novos conhecimen-
tos científicos e das conquistas das novas tecnologias. Os gregos antigos sabiam que
os Homens, na sua tacanhez, tinham necessidade de violência para se sentirem glo-
rificados. Para suprirem essa necessidade sem os custos trágicos da guerra inventa-
ram os Jogos Olímpicos e assim, tornaram a paz gloriosa, através do prazer lúdico
da violência controlada. Era a trégua olímpica. Pela primeira vez na história do
Olimpismo moderno a paz foi ignorada por duas potências vizinhas durante a Paz
Olímpica. Ficará para a posteridade o conflito entre a Rússia e a Geórgia iniciado
precisamente na abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Por isso, não faz qualquer
sentido continuar a afirmar que o desporto nada tem a ver com a política. E Ban Ki-
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5.6. Conclusão
A nossa tese defende que as coisas estão a mudar e que Jacques Rogge é um presi-
dente portador de futuro. Na realidade, entre o discurso reaccionário de Avery Brun-
dage e a perspectiva mercantilista Antonio Samaranch, Jacques Rogge, com o seu
exemplo e a sua prática, tem vindo a dar um novo rumo ao Movimento Olímpico.
O “soft power” tem sido a sua estratégia.
Quando Melo de Carvalho em 2000 afirmava que a crise do Olimpismo se encontrava
encerrada, por um lado, numa comercialização sem fronteiras e, por outro, num falso
discurso que procura escamotear a realidade da situação, ele tinha razão. Provavel-
mente ainda tem, contudo, no mundo em que vivemos, por vezes, surgem de onde
menos esperamos sinais de esperança. Até prova em contrário, Jacques Rogge veio
trazer, à escala mundial, sinais de esperança para o Movimento Olímpico.
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Notas
1 Carvalho, Melo de (2000). Olimpismo: Hipocrisia ou função humanista? Avante, 1403, 19 de Outubro.
(http://www.pcp.pt/avante/20001019/403t4.html).
2 Brundage, Avery (1973). Memórias. Madrid: Instituto Nacional de Educación Física, p.260.
3 A Lei Bosman do Tribunal de Justiça da União Europeia permitiu que os futebolistas enquanto traba-
lhadores comunitários, não se vissem impedidos de jogar noutro país da União Europeia por normas in-
ternas da UEFA e das respectivas Federações nacionais de Futebol.
4 Na última metade do século XX exerceu ainda a presidência do COI de 1972 a 1980 Michael Killanin
(Lord Killanin) (1914-1999), contudo, a sua liderança nada teve a ver com a de Brundage ou Samaranch.
5 Jacques Rogge é o primeiro presidente do COI a presidir à instituição tendo um período limite de tempo
que foi aprovado pelo Comité Executivo do COI em finais de 1999. A partir de então, as presidências do
COI ficaram restritas a um período de oito anos, seguido de mais um mandato único de quatro anos. Por-
tanto existe um limite de 12 anos o que devia ser um exemplo para muitos dirigentes dos vértice estra-
tégico do mundo do desporto que estão há doze, dezasseis, vinte, vinte e quatro e mais anos agarrados
ao poder, com enormes prejuízos para as instituições.
6 Castells, Manuel (2000) A sociedade em Rede – A era da informação: economia, sociedade e cultura.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Vol. I.
7 Esta agenda de trabalho, em grande medida, decorre das teses do XIII Congresso Olímpico realizado
em Copenhaga de 3 a 5 de Outubro de 2009. Este congresso teve uma ampla participação na medida em
que ele próprio funcionou em rede a uma escala mundial.
8 A organização “Play the Game” (www.playthegame.org), sediada na Dinamarca, tem por objectivo pro-
mover a ética, a democracia e a transparência no mundo do desporto. Esteve associada à realização do
XIII Congresso Olímpico.
9 Nye, Joseph S. (2004). Soft power the means to success in world politics. USA: Perseus Books Group.
10 A Revolução Cultural da China foi um movimento de massas na RPC ocorrido entre 1966 e 1976, de-
sencadeado por estudantes e trabalhadores, contra a burocracia que tomava conta do Partido Comunista
Chinês. Por exemplo, o grande obreiro das duas candidaturas da RPC à organização dos Jogos Olímpicos
e actualmente membro do COI, He Zhenliang, foi apanhado pela “revolução cultural” tendo sido desta-
cado pelo Partido para trabalhos na província. Em Novembro de 1969 Zhenliang foi enviado pelo Partido
para “May 7 Cadre School” na província de Shanxi para reeducação onde ficou durante um ano e meio”.
Cf.: Liang, Lijuan (2007). He Zhenliang and China’s Olympic Dream. Pequim: Foreign Languages Press.
p.90.
11 Os Jogos de Montreal acumularam problemas sobre problemas. Para além do referido, a derrapagem
financeira ficou na história do desporto e a ameaça dos EUA abandonarem os Jogos devido à questão das
duas chinas também pairou no ar.
12 In: http://www.iht.com/articles/2007/08/07/opinion/edrogge.php.
13 In: Le Monde, 15/10/07.
14 Lenskyj, Helen J. (2000). Inside the Olympic industry: Power, politics, and activism. Albany: State
University of New York Press.
15 A organização como prisão psíquica é vista como um lugar de constrangimentos psicológicos, em opo-
sição aos exageros racionalistas de outras perspectivas: (1) Factores como agressividade, avareza, medo,
ódio, desejo sexual, não têm um estatuto formal dentro das organizações; (2) As pessoas estão presas
consciente ou inconscientemente aos valores da organização; (3) Pelo que esta metáfora se relaciona
também com a cultural. Qualquer organização que se preze, seja ela um clube ou um banco, é um sistema
cultural, onde as pessoas comungam sentimentos, valores, ideais com vista a, através de uma estratégia
deliberada, se atingirem os objectivos por todos desejados. Por isso, quem pertence a uma organização
está sujeito a regras que deve voluntariamente assumir e respeitar, pelo que podemos dizer que está
numa “prisão psíquica”. (Conf.: Morgan, Gareth (1986). Images of Organizations. London: Sage.
16 Jennings Andrew & Simon, V. (1992). Los Senores de los Anillos. Poder, Dinero y Doping en los Juegos
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47 Ibidem.
48 Ibidem.
49 Ibidem.
50 Ibidem.
51 In: Swissinfo.CH, consultado em: 29/7/2008).
52 O Presidente da República, Cavaco Silva declinou o convite para assistir à abertura dos Jogos Olímpicos
de Pequim. Não são conhecidas as razões, a não ser as tradicionais dificuldades de agenda, no entanto, o
Comité Olímpico de Portugal (COP) emitiu um comunicado onde “esclarece que não existe qualquer
relação entre a conjuntura política actual e a ausência do Presidente da República nos Jogos Olímpicos
de Pequim” (Público, 20/3/08), como se o COP alguma vez pudesse esclarecer o pensamento e as moti-
vações de Cavaco Silva. Dizem que a decisão foi tomada antes dos acontecimentos. Ora, tal afirmação é,
no mínimo, subvalorizar a capacidade de análise dos problemas de Cavaco Silva, desde logo porque há
muito que se sabia que as coisas com a China no que diz respeito ao Darfur, ao Tibete e aos Direitos Hu-
manos iriam certamente perturbar a organização dos Jogos Olímpicos.
Para além de tudo o mais, Cavaco Silva evita aquilo que aconteceu ao seu antecessor durante os Jogos de
Atenas (2004), quando foi envolvido através da comunicação social numa hipotética candidatura à rea-
lização dos Jogos Olímpicos em Lisboa.
53 In: Terra, 10/2/2008, http://www.cinform.com.br/conteudo/?codigo=7591.
54 In: www.esportes.terra.com (consultado em: 9/4/08).
55 Entretanto, a 7/04/08 o Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) apressou-se a informar a
agência Lusa o que ia acontecer: “Nenhum dos Comités Olímpicos apoia um boicote nem retaliações
que prejudiquem os Jogos Olímpicos”.
56 Sobre o caso das duas Chinas ver: Pires, Gustavo (2008). O Olimpismo hoje. De uma diplomacia do si-
lêncio para uma diplomacia silenciosa. O caso das duas chinas. Revista Portuguesa de Ciências do Des-
porto. 9 (2) (supl.1), 159-195.
57 Vicente Moura, Presidente do Comité Olímpico de Portugal, in: Público, 14/2/2008.
58 Através de consulta ao site do COP (31/7/2008) podemos verificar que a Carta Olímpica não está lá.
59 Sobre a Regra 51 da Carta Olímpica ver: Pires, Gustavo & Marcelino João (2008) A Carta Olímpica –
Regra 51. In: www.forumolimpico.org.
60 Repare-se ainda que a Regra 51, bem como o seu “Texto de Aplicação”, são na versão francesa da Carta
Olímpica (Julho de 2007), constituídos por 5232 caracteres. Destes, 128 caracteres dizem respeito à im-
possibilidade de serem realizadas demonstrações ou propaganda política, religiosa ou racial nos locais
olímpicos. Todos os restantes mais de 5 mil caracteres, têm a ver com marketing e publicidade. Portanto,
o que está fundamentalmente em causa é a defesa dos símbolos Olímpicos de eventuais abusos comer-
ciais que sobre eles podem ser exercidos e, jamais o direito à livre expressão.
61 “Team Darfur” é uma união internacional de atletas empenhados em denunciar o que se passa em
Darfur no Sudão a fim de que se possa pôr um fim à dramática situação. http://teamdarfur.org/aboutus
(consultado em:27/9/2008).
62 A Regra 51 não diz que, na Aldeia Olímpica ou noutro local qualquer, um atleta não pode dar uma en-
trevista a um órgão de comunicação social manifestando a sua opinião contra a política da República
Popular da China, por exemplo, relativamente ao Darfur. Também não está escrito na Carta que um
atleta não pode manifestar a opinião no seu blogue, sobre os Direitos Humanos na China ou em qualquer
outro país. Também não vemos como se possa impedir que uma missão de um qualquer país, expresse
através do seu chefe de missão uma qualquer posição relativa a qualquer assunto. Só assim, o Olimpismo
deve ser entendido como um instrumento ao serviço do desenvolvimento humano que deve marcar a
sua própria agenda e jamais deixar-se instrumentalizar.
63 © IOC/R.Juilliart - 10 April 2008: “Freedom of expression is a basic human right”.
http://www.olympic.org/uk/news/olympic_news/full_story_uk.asp?id=2535
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1. Maturação biológica
1.1. Conceito
A maturação é o processo de tornar-se ‘maduro’ ou completamente desenvolvido.
É o processo que marca o progresso em direcção ao estado adulto. Entre as princi-
pais características da definição realçamos as seguintes: (1) é um processo direc-
cionado para um alvo, (2) é um processo que requer organização e especialização,
(3) é um processo limitado no tempo e comum a todos os indivíduos e (4) é um
processo regulado por genes e características do envolvimento (Silva et al. 2004;
Freitas et al. 2002).
A maturação ocorre e é eventualmente alcançada em todos os tecidos, órgãos e sis-
temas de órgãos, mas cada um deles a diferentes velocidades e taxas. Como resul-
tado, a avaliação da maturação biológica varia de acordo com o sistema corporal
considerado. Regra geral, o sistema esquelético, reprodutor (sexual) e somático são
usados na avaliação da maturação biológica. A maturação dentária é ocasionalmente
utilizada, mas a informação resultante tende a divergir dos restantes sistemas (Beu-
nen et al. 2006).
A maturação dos diferentes sistemas tende a ocorrer de forma independente da
idade cronológica, pelo que a idade cronológica não é um bom indicador da matu-
ração biológica. Genericamente, a maturação biológica na criança e no adolescente
é um conceito operacional porque o processo não pode ser observado ou medido di-
rectamente. Os indivíduos variam no nível de maturação alcançado, num dado
ponto do tempo, no momento em que ocorre o evento maturacional e na taxa de
maturação (Malina et al. 2004). Assim, num grupo de crianças com a mesma idade
cronológica, algumas estão biologicamente avançadas, outras acompanham a sua
idade cronológica e, ainda, outras estão atrasadas. As três categorias ou estatutos
não representam qualquer desvio à normalidade.
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lética na idade óssea. Os critérios para avaliar o desenvolvimento de cada osso man-
tiveram-se inalterados (Beunen et al. 2006).
O método Fels (Roche et al. 1988) foi desenvolvido em crianças, adolescentes e jo-
vens adultos que participaram no ‘FELS Longitudinal Study’ (South-western Ohio,
USA). Um total de 335 rapazes e 332 raparigas, de raça branca, do estatuto socioe-
conómico médio, foi seguido desde o nascimento até à idade adulta. As radiografias
à mão e ao punho foram efectuadas no 1º, 3º, 6º, 9º e 12º mês; em intervalos de 6
meses do 1º ano de vida até aos 18 anos; e em intervalos de 2 anos depois dos 18 anos
e até aos 22 anos. Um total de 7,308 radiografias, do sexo masculino e de 6,515, do
sexo feminino, foi utilizado no desenvolvimento do método. O número de radio-
grafias, por criança, variou entre 1 a 38.
O método consiste na avaliação individual (método de pontuação ou aproximação
individual) de 22 ossos da mão e do punho, nomeadamente, o rádio, cúbito, ossos do
carpo (grande osso, unciforme, piramidal, pisiforme, semi-lunar, escafóide, trapézio
e trapezóide), adutor sesamóide do polegar, 1º, 3º e 5º metacarpos, falanges proximais
do 1º, 3º e 5º dedos, falanges médias do 3º e 5º dedos e falanges distais do 1º, 3º e 5º
dedos. Cada indicador teve que satisfazer 5 critérios (discriminação, universalidade,
fiabilidade, validade e plenitude). Os indicadores são extensivamente definidos e
apresentados 13 rácios (divisão do diâmetro da epífise pelo diâmetro da metáfise) para
os ossos longos. Os critérios para cada indicador de maturação e estádios são baseados
na alteração em forma dos ossos do carpo e na epífise/ metáfise de cada osso longo. O
número de indicadores a ser avaliado, numa dada idade cronológica, varia em função
da idade cronológica e do sexo. O estádio de cada osso e/ou os rácios obtidos são pos-
teriormente introduzidos num programa (FELShw) para estimar a idade esquelética
e o erro padrão de estimativa (Roche et al. 1988).
Os três métodos são similares na sua estrutura mas diferem nos indicadores, escalas
de maturação e amostras de referência. Os métodos Greulich e Pyle (Greulich e Pyle,
1959) e Fels (Roche et al. 1988) fornecem apenas uma idade esquelética. O método
Tanner-Whitehouse (Tanner et al. 1962; 1975; 1983; 2001) apresenta uma, duas ou
três idades esqueléticas. Dadas as diferenças no método e na amostra de referência,
a estimação da idade óssea, por cada um deles, não é equivalente. Isto é, a avaliação
de um mesmo raio-x, pelos três métodos, pode conduzir a idades esqueléticas dis-
tintas (Malina et al. 2004).
Independentemente do método utilizado, o controlo da qualidade dos resultados
de avaliação é essencial. A variação no seio de cada observador (fiabilidade intra-ob-
servador) e entre observadores (fiabilidade inter-observador) pode ser considerável
e deve ser referida. Paralelamente, o uso do raio-x não está isento de algumas limi-
tações. O exame radiográfico à mão e ao punho envolve uma pequena exposição à
radiação. Finalmente, os estádios são arbitrários e sugerem passos discretos num
processo contínuo (Beunen et al. 2006).
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sexuais secundárias: mama e menarca nas raparigas, órgãos genitais (pénis e testí-
culos) nos rapazes, e pêlos púbicos em ambos os sexos. O desenvolvimento da
mama, órgãos genitais e pêlos púbicos é frequentemente avaliado numa escala de
5 estádios, inicialmente descritos por Reynolds e Wines (1948) e popularizados por
Tanner (1962). O estádio 1 é indicativo de ausência de desenvolvimento (estádio
pré-púbere), o estádio 2 é definido como o desenvolvimento inicial ou aparência,
os estádios 3 e 4 os estádios intermédios e, finalmente, o estádio 5 indica o estado
adulto ou maduro (Freitas et al. 2002; Tanner, 1962).
A avaliação das características sexuais secundárias é comummente efectuada atra-
vés da inspecção visual (exame clínico) e fotografia. Fora do contexto clínico, a auto-
observação de crianças e jovens tem sido crescentemente utilizada. A auto-avaliação
deve ser efectuada num quarto privado, usando fotografias de boa qualidade e des-
crições simplificadas. Há uma necessidade de controlo da qualidade da avaliação
(fiabilidade intra e inter-observador). Genericamente, a reprodutibilidade em ob-
servadores experientes é boa, com cerca de 80% de acordos na avaliação dos estádios
(Beunen et al. 2006; Malina et al. 2004).
A idade na menarca, a primeira menstruação, é talvez a característica sexual secun-
dária mais utilizada na avaliação da maturação sexual, nas raparigas. A sua estimação
é possível através de três métodos: (1) prospectivo, interrogando as mesmas rapari-
gas em intervalos regulares de 3 a 6 meses; (2) retrospectivo, perguntando às rapa-
rigas pós-menarcais ou mulheres a data de ocorrência da primeira menstruação; e
(3) ‘status quo’, indagando um grande número de raparigas, no intervalo etário 9-
16 anos, acerca do seu estado menarcal. Os dois primeiros métodos fornecem a idade
da menarca para indivíduos, enquanto o método ‘status quo’ fornece uma estima-
tiva da idade da menarca de uma dada amostra (Beunen et al. 2006). A média de
idade na menarca das raparigas madeirenses é 12.56 ± 0.98 (Freitas et al. 2002).
Outras características sexuais secundárias incluem os pêlos axilares, nos dois sexos,
os pêlos faciais e a alteração do tom de voz, nos rapazes. Regra geral, estes indica-
dores apresentam um desenvolvimento tardio durante a puberdade e não são muito
utilizados na quantificação da maturação biológica (Beunen et al. 2006; Malina et
al. 2004). Na avaliação dos órgãos genitais dos rapazes uma estimativa mais directa
é fornecida pela palpação do volume testicular e comparação com o orquidómetro
de Prader (Holtain Ltd, Crymych, UK). Os modelos variam entre 1 a 25 ml; o volume
3 ml representa o início do crescimento testicular e o volume 25 ml o estádio adulto
(Largo e Prader, 1983a).
As características sexuais secundárias são relativamente fáceis de avaliar, reflectem
um sistema biológico importante e estão proximamente relacionadas com o eixo
hormonal subjacente. Contudo, apresentam limitações, como por exemplo, a arbi-
trariedade dos estádios, a sua limitação à puberdade e a invasão da privacidade (Beu-
nen et al. 2006). Paralelamente, no caso da fotografia, há dificuldade em visualizar
o aparecimento dos pêlos púbicos. A inspecção visual, nos exames clínicos, também
não permite reconfirmar ou comparar os dados com exames anteriores (Taranger,
1976). Ao nível da auto-avaliação do desenvolvimento da mama, pêlos púbicos e ór-
gãos genitais, há a tendência para que algumas crianças adulterem o seu estatuto
de maturação (Freitas et al. 2002).
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(1) O primeiro sinal de desenvolvimento dos órgãos genitais nos rapazes (estádio 2
- G2) ocorre entre os 9 e os 13 anos, numa percentagem igual ou superior a 90%.
Nas raparigas, cerca de 95% alcançam o estádio 2 do desenvolvimento da mama
(B2) e dos pêlos púbicos (PH2) entre os 8 e os 13 anos. O estádio maduro dos ór-
gãos genitais dos rapazes (G5) é alcançado entre os 12 e os 17 anos em mais de
90% dos elementos das diferentes amostras. Um intervalo mais precoce e ex-
tenso é observado nas raparigas. Cerca de 100% atingem o estádio maduro do de-
senvolvimento da mama (B5) e dos pêlos púbicos (PH5) entre os 11 e os 18.9
anos. Isto quer dizer que aos 12 anos um elemento do sexo masculino ou femi-
nino poderá ter iniciado ou alcançado o estádio maduro no desenvolvimento
das características sexuais secundárias.
(2) A média de idade no ‘takeoff’ (início do salto pubertário) é 8.0 e 10.3 anos em
amostras do sexo feminino europeias e norte-americanas, e a idade no PVA é de
cerca de 2 anos mais tarde (10.8 a 12.2 anos). Os eventos correspondentes para o
sexo masculino ocorrem cerca de 2 anos mais tarde. Os desvios padrão das ca-
racterísticas somáticas variam entre 0.7 e 1.2 anos, indicando um grau elevado
de variação inter-individual no ‘timing’ do salto pubertário (Beunen et al. 2006).
(3) O desenvolvimento dos órgãos genitais nos rapazes precede o desenvolvimento
dos pêlos púbicos. O PVA ocorre depois do estádio 4 do desenvolvimento dos ór-
gãos genitais (G4). Nas raparigas, o PVA ocorre depois do B2 ou PH2 e é sempre
anterior à menarca. O desvio é de cerca de 1 ano, em ambos os sexos, pelo que
esta sequência pode ser completamente alterada.
(4) Nos estádios intermédios do desenvolvimento dos pêlos púbicos (PH3 ou PH4)
os elementos das diferentes amostras encontram-se distribuídos entre os está-
dios iniciais e finais do desenvolvimento dos órgãos genitais (G2, G3, G4 e G5).
Uma distribuição similar é observada em algumas das combinações possíveis:
órgãos genitais/pêlos púbicos; pêlos púbicos/mama; e mama/pêlos púbicos. A
relação entre o PVA e os diferentes indicadores de maturação sexual é idêntica:
no momento em que este ocorre, as crianças encontram-se distribuídas entre
PH2 e PH5; G2 e G5; e B2 e B5. O mesmo é valido para a relação menarca/mama
e menarca/pêlos púbicos: B2 e B5; PH2 e PH5, respectivamente.
(5) Uma grande de indivíduos encontra-se em PH3 ou PH4, no momento em que
ocorre o PVA. Nas raparigas, cerca de 51% encontram-se em B3, no momento do
PVA e mais de 60% encontram-se em B4 ou PH4, na idade que ocorre a menarca
(Marshall e Tanner, 1970). Análise semelhante é possível efectuar na relação ór-
gãos genitais/pêlos púbicos ou pêlos púbicos/órgãos genitais: a grande maioria
dos elementos encontra-se em dois estádios (por exemplo, G4 ou G5) quando
fixamos um indicador maturacional (por exemplo, PH5).
(6) A duração da transição pubertária do G2 ao G5, B2 ao B5 e do PH2 ao PH5 é va-
riável. A duração média é 2,2 anos para o desenvolvimento da mama e 2.7 anos
para o desenvolvimento dos pêlos púbicos nas raparigas Suíças (Largo e Prader,
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É possível, pois, sugerir que o grande intervalo de variação no ‘timing’ e ‘tempo’ im-
plica grandes limitações sobre o uso da sequência média do desenvolvimento dos
indicadores de maturação biológica (Beunen et al. 2006).
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masculino, seguidos dos 8 aos 18 anos de idade, foram mais concordantes do que os
gémeos DZ para o desenvolvimento dos órgãos genitais (G2 a G5) e desenvolvi-
mento dos pêlos púbicos (PH2 a PH5) (Koniarek 1988b). As raparigas MZ foram
também mais concordantes do que as raparigas DZ para os estádios do desenvolvi-
mento da mama e dos pêlos púbicos no ‘Wroclaw Twin Study’ [Orczykowska-Swiat-
kowska (1988); ver também Towne et al. (2005) e Malina et al. (2004)].
Os coeficientes de heritabilidade dos parâmetros da curva de crescimento e, assim,
dos indicadores da maturação somática ou morfológica foram igualmente estima-
dos. As estimativas de h2 para o ‘timing’ do salto pubertário em gémeos Suecos e
Polacos estavam contidas no intervalo 0.49 a 0.76, excepto para o PVA nas raparigas
Suecas (Fischbein, 1977; Hauspie et al. 1994). As similaridades intra-par da curva de
crescimento foram também mais elevadas nos gémeos Suecos (r = 0.85) do que nos
gémeos DZ (r = 0.54) [Fischbein e Nordqvist (1978); ver também Towne et al.
(2005)]. Mais recentemente, Beunen et al. (2000) quantificaram a variação genética
e de envolvimento nos parâmetros biológicos do salto pubertário em 99 pares de
gémeos com idades compreendidas entre os 10 e os 18 anos. O contributo genético
para o ‘timing’ e velocidade do salto pubertário em estatura estava compreendido
entre 0.89 e 0.93, levando os autores a concluírem que a maioria das características
do salto pubertário estavam sob um forte controlo genético.
Recentemente, uma análise efectuada em crianças nepalesas (Towne et al. 2005a)
revelou um ‘linkage’ significativo (LOD = 3.32) do tempo de maturação esquelética
no intervalo dos 6 aos 18 anos a marcadores genéticos no cromossoma 3p. Em crian-
ças norte-americanas que participaram no ‘Fels Longitudinal Study’, Duren et al.
(2005) encontraram um ‘linkage’ significativo da cortical do segundo metacarpo e
idade esquelética à mesma localização no cromossoma 3p. Os dois estudos forne-
cem alguma evidência de um gene ou genes no cromossoma 3p que influencia (m)
a maturação esquelética e crescimento ósseo na infância. A variante B1 (CYP3A4*B1
‘variant genotypes’) parece estar, também, associada ao início do desenvolvimento
da mama em meninas com 9.5 anos (Kadlubar et al. 2003). Similarmente, Raivio
et al. (1996) observaram que a variante ‘LH-B allele’ estava associada a um volume
testicular mais pequeno em rapazes Finlandeses.
Embora os processos de maturação biológica e os indicadores correspondentes es-
tejam sob controlo genético, um grande número de factores de envolvimento estão
associados à variação na maturação Estas condições incluem a qualidade de vida,
tamanho da família ou número de irmãos, área de residência, estatuto sócio-eco-
nómico (ESE), clima, altitude, raça/etnia e doença (Beunen et al. 2006). Em ado-
lescentes Ingleses e Polacos, os indivíduos que pertenciam ao ESE elevado
alcançaram o PVA e a menarca, em média, mais cedo do que os colegas do ESE baixo
(Malina et al. 2004). A relação entre alguns critérios de estratificação social e a ma-
turação esquelética foi também investigada em crianças e jovens Dinamarqueses.
Andersen (1968) observou que a percentagem de crianças atrasadas na maturação
esquelética aumentava significativamente quanto mais baixo o estatuto social. No
âmbito do ‘Leuven Growth Study’, Renson et al. (1980) encontraram resultados um
pouco distintos. As habilitações literárias dos pais, a profissão do pai e o grau de ur-
banização da área de residência não estavam associados, na sua maioria, a qualquer
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