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Promoção
Ministério do Esporte
Ministro de Estado do Esporte
Leandro Cruz Fróes da Silva
Secretária Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social -
SNELIS
Andréa Barbosa Andrade de Faria
Diretor do Departamento de Desenvolvimento e Acompanhamento de
Políticas e Programas Intersetoriais de Esporte, Educação, Lazer e
Inclusão Social - DEDAP
Rafael Azevedo Santos
Diretor do Departamento de Gestão de Programa de Esporte, Educação,
Lazer e Inclusão Social - DEGEP
Ângelo de Bortoli Filho
Coordenador-Geral de Inclusão Social - CGLIS
Hudson Gonçalves das Neves
Realização
Universidade Federal de Goiás
Reitor
Edward Madureira Brasil
Centro de Desenvolvimento de Pesquisas de Políticas de Esporte e Lazer
da Rede CEDES - Goiás
Coordenador
Dr. Wilson Luiz Lino de Sousa
Publicação
Coordenação Geral:
Dr. Wilson Luiz Lino de Sousa
Diagramação: Elisandra Lemos da Silva
Impressão: Formato 3 Gráfica e Editora
Ficha catalográfica
BRASIL. MINISTÉRIO DO ESPORTE. I Seminário Lutas e Artes Marciais:
dimensões educacionais e formação humana. Rio de Janeiro: Formato 3 Gráfica
e Editora, 2018. 40 p.
1. Lutas. 2. Artes Marciais
Agradecimentos
Apresentação
Ministro do Estado do Esporte
Leandro Cruz Fróes da Silva......................................................................................... 5
Introdução
Coordenador do Centro de Pesquisas da Rede CEDES de Goiás
Dr. Wilson Luiz Lino de Sousa..................................................................................... 7
SOBRE OS AUTORES.............................................................................................. 37
INTRODUÇÃO
Dr. Wilson Luiz Lino de Sousa
Coordenador do Centro de Pesquisas da Rede CEDES de Goiás
Coordenador do I Seminário
"Lutas e Artes Marciais: dimensões educacionais e formação humana"
Estamos aqui falando de Lutas e Artes Marciais, que é um dos temas de pesquisa
que integra a 5ª Linha de estudos da Rede CEDES: Observatório do esporte e da
atividade física.
Mas... REDE CEDES, que Rede é essa?
Quais estudos sobre Lutas e Artes Marciais já foram desenvolvidos pela Rede
CEDES?
A Rede CEDES é programa do Ministério do Esporte executado pela Secretaria
Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (SNELIS), que é
desenvolvido em parceria com Instituições de Ensino Superior (IES), públicas e
privadas. O objetivo geral da Rede é produzir e socializar informações e
conhecimentos fundamentados nas Ciências Humanas e Sociais, bem como realizar
formações, visando contribuir com a qualificação das políticas públicas de esporte e
lazer do País.
Para atender a esse objetivo geral a Rede CEDE tem como objetivos
específicos:
Promover a integração de pesquisadores, grupos de pesquisas, IES,
estudantes, gestores e outros agentes das políticas de esporte e de lazer com a
sociedade brasileira;
Fomentar pesquisas que contribuam com o aperfeiçoamento da política do
esporte e lazer e a promoção da equidade regional no desenvolvimento da
ciência no Brasil;
Democratizar o acesso a informações e conhecimentos sobre esporte e a
lazer;
Socializar conhecimentos sobre esporte e lazer por meio de atividades
educativas, eventos, Centros de Memória, publicações impressas distribuídas
gratuitamente (livros, periódicos, materiais didáticos e outros) e difundidas
por meios eletrônicos (Site do Ministério do Esporte, Repositório
Institucional Vitor Marinho da Rede CEDES e outros meios);
Promover a formação e o assessoramento de pessoas e instituições que
atuam com políticas públicas de esporte e lazer;
Viabilizar cooperação e intercâmbios nacionais e internacionais, fomentando
a produção e difusão de informações e conhecimentos, bem como trocas de
experiências entre pesquisadores, gestores e outros agentes de esporte e lazer.
09
Criada em 2003, a Rede apoia o desenvolvimento de pesquisas em 10 linhas de
estudos, que são:
Lutas tradicionais
BRINCAR, JOGAR, VIVER: IX jogos dos povos Indígenas. PINTO, Leila Mirte;
GRANDO, Beleni (Central de Textos, 2009)
AS LUTAS TRADICIONAIS KAINGANG DO SÉC XXI. RAMON, Paulo; FREIRE,
Luane (UEL, 2011)
CELEBRANDO OS JOGOS, A MEMÓRIA E A IDENTIDADE: XI Jogos dos Povos
Indígenas de Porto Nacional/Tocantins/2011. FERREIRA, Maria Beatriz Rocha; VINHA,
Marina (Dourados, 2015)
Judô
JUDÔ CIDADÃO: aprendizagem de práticas cooperativas e socializadoras. CÁRDENAS,
Ramón Núnez; FREIRE, Ivete de Aquino (2013)
Capoeira e Artes Marciais
ARTES MARCIAIS TRADICIONAIS: estudo do processo de implantação do Karatê
Kyokushin no Brasil e comemoração aos 40 anos da modalidade esportiva no Brasil.
(FUnB, 2014)
ESPORTE E LAZER NA CIDADE A PRÁTICA TEORIZADA E A TEORIA
PRATICADA. FALCÃO, José Luiz Cirqueira; SARAIVA, Maria do Carmo (Lagoa Editora,
2007)
PRÁTICAS CORPORAIS, v. 3. SILVA, Ana Márcia (2010)
CAMPOS DE VISIBILIDADE DA CAPOEIRA BAIANA AS FESTAS POPULARES,
AS ESCOL A S DE CAPOEIRA, O CINEMA E A ARTE (1955-1985). JUNIOR, Luís
(2010)
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Os estudos realizados e em andamento nos Centros de Pesquisas, desenvolvidos
em todas as linhas de estudos, indicam um aumento significativo da produção de
conhecimento que vem sendo realizada pela Rede desde sua criação. É importante
saber que de 2003 a 2014 a Rede CEDES apoiou a realização de 160 estudos. Mas,
com a implantação dos seus Centros de Pesquisas, a Rede se consolida como
Programa do Ministério do Esporte e estende sua atuação a todo território nacional
(26 Estados e Distrito Federal), estando, no momento, desenvolvendo outros 113
estudos científicos.
Os Centros de Pesquisas da Rede CEDES aglutinam 82 Instituições de Ensino
Superior, sendo: 21 da Região Norte, 30 do Nordeste, 08 do Sudeste, 13 da Região
Sul e 10 da Região Centro Oeste. Com isso, ao todo, a Rede integra, hoje, 114
Grupos de Estudos e 335 Pesquisadores brasileiros, que se dedicam às Políticas
Públicas de Esporte e Lazer.
O atual momento da Rede é inédito no Brasil e na América do Sul pela
abrangência nacional e a densidade do trabalho, que atende a todos os objetivos da
Rede.
O conjunto das ações científicas e educativas desenvolvidas pelos Centros tem
impactado significativamente na formação de estudantes, gestores e outros agentes
das políticas públicas de esporte e lazer. A Rede impacta também no trato de
questões prioritárias para a Política Nacional do Esporte, traduzidas pelas suas 10
linhas de estudo.
Toda a produção impressa da Rede CEDES é distribuída gratuitamente e, de
forma digital, disponibilizada para livre acesso pelo Repositório Institucional Vitor
Marinho. Este foi criado e funciona no laboratório LaboMídia do Centro de
Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina. Este Repositório objetiva
reunir, preservar e disponibilizar, organizadamente, toda a produção científica e
tecnológica da Rede CEDES.
Assim, dá visibilidade aos documentos reunidos num mesmo espaço digital,
cujo acesso aberto se faz por meio de um endereço comum, que facilita as
consultas dos usuários. Disponível em http://www.vitormarinho.ufsc.br/
12
14
O QUE SÃO AS LUTAS?
14
Com o desenvolvimento das forças produtivas e na medida em que a sociedade
se distanciou de suas origens naturais a Luta se tornou imprescindível. Nesse
contexto, surge a necessidade da preparação do guerreiro como atividade essencial à
manutenção de interesses de classe, ocorre o desenvolvimento de técnicas de
combate sofisticadas e de tecnologias de combate. O aprendizado da técnica passa a
se dar por meio de instrução – da Cultura de Luta.
Com o excedente econômico gerado pelo desenvolvimento da força produtiva a
exploração do homem pelo homem passou a ser uma atividade lucrativa e essencial.
As sociedades escravistas se caracterizavam pela existência de duas classes sociais
antagônicas: os senhores e os escravos. Já que toda a produção destes pertencia ao
seu senhor, aos escravos não interessava o aumento da produtividade. Por isso, a
única forma de aumentar a produtividade era aumentar o número de escravos.
Sobre esse período, a literatura especializada atribuiu grande importância aos
registros escritos sobre programas de formação para os meninos, onde o conteúdo
Luta aparece como fundamental para formação do cidadão grego (lembremos que
não eram considerados cidadãos gregos: mulheres, não gregos e escravos). A Luta
era elemento central na educação dos jovens gregos, e a guerra constituía tanto
parte integrante da vida em sociedade como atividade essencial para definir as
subjetividades, para a formação dos indivíduos e dos coletivos humanos.
Foi no período do Império, com a consolidação do projeto expansionista, que
Roma organizou uma estrutura militar financiada pelo Estado. Temos relatos
antigos sobre o oficio de guerreiro, mas em Roma, sobretudo no período imperial,
essa atividade ganhou contornos estatais, diferente da Grécia Antiga, em que os
cidadãos livres se ocupavam das funções do exército. Roma instituiu o soldado.
E eis que surge o termo Arte Marcial, que abriga um complexo de
conhecimentos voltados para a guerra, podendo ou não consistir em Luta/Luta
Corporal. Como arte significa condição mais avançada da razão humana, aquilo que
objetiva a criação, o novo, a vanguarda. E como marcial, significa atividade militar
que objetiva a guerra, que se trata de conflito que se apresenta em antagonismo aos
interesses de Estado, seja contra outro Estado, seja por conflitos internos, no
sentido de tomada do poder de Estado, ou de separação, constituindo um novo
Estado.
No período medieval, a antiga educação guerreira, tornou-se educação
cavalheiresca, isto é, assumiu também aspectos intelectuais. Tal destino era
reservado apenas aos meninos nobres. A honra, portanto, o comportamento
moralmente correto, mais ainda que a força, é a glória do cavaleiro. O
enobrecimento dos costumes cavalheirescos, do qual tanto se falou, era um dado
real da evolução histórica.
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No nosso entendimento, a sociedade que melhor expressou a transição das lutas
do feudalismo ao capitalismo foi a sociedade japonesa. Enquanto a Europa vivia ‘a
plenos pulmões’ a restruturação social para adaptar-se ao novo modelo produtivo,
o Japão vivia uma estagnação, que, posteriormente, condenaria o ‘xogunato’
(sistema de governo do Japão de 1192 a 1867) ao seu fim.
As revoluções sociais ocorridas na Europa, com as unificações territoriais e
investimento na tecnologia marítima e bélica, alteram significativamente as relações
de poder. Nesse sentido, a corte japonesa iniciou uma transformação social que
mudaria radicalmente a base produtiva desse País, com a explicita intenção de
igualar-se economicamente e belicamente às grandes potências ocidentais, tornando
incompatível o modo de vida do samurai, com a nova organização social. Em meio
a este processo, questionados sobre a necessidade de construção de valores sociais
próprios, aspecto necessário para construção da identidade nipônica, o Japão revê
suas orientações sobre o modelo e os conteúdos escolares.
Sob a ótica da nossa discussão, o processo educativo é uma mediação
fundamental na constituição cultural do indivíduo, que tem como função principal
reproduzir o próprio capital e suas formas de sociabilidade.
Nesse sentido, a explicitação da posição que ocupamos relacionada às Lutas, no
plano político e intelectual, justifica-se, no contexto deste texto, em função da
necessidade de um melhor esclarecimento sob as perspectivas que estão sendo
postas para o seu desenvolvimento. Desta forma, chamamos atenção para as
possibilidades concretas da formação política, como um aspecto inerente ao trato
do conhecimento Luta Corporal, afirmando que o ensino de Lutas, na ausência dessa
orientação, se resume a transposição didática de um conglomerado de gestos, tal
qual, a serviço da ordem, orientam para o favorecimento hegemônico.
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CULTURA OCIDENTAL E WING CHUN
Dr. Pedro Adalberto Gomes de Oliveira Neto
Universidade Federal de Goiás – UFG
“Kung Fu sem sistema não é Kung Fu, mas Kung Fu que é
só sistema não pode ser um bom Kung Fu” (Moy Yat).
A tradição filosófica assentada na tríade Sócrates, Platão e Aristóteles, seguida
pelo cristianismo medievo, concebeu o homem superior aos demais seres,
justificando que os humanos têm razão (Lógos e Ratio) enquanto os demais seres
não a possuem. Isso implica que essa característica específica da nossa espécie
merece cuidado quanto à sua compreensão, exatamente porque é mediante ela que
o homem pode se manter e reproduzir-se diante das intempéries naturais. Essa
essência humana deve ser compreendida, tanto em sua forma quanto em seu
conteúdo, para que o homem possa edificar o seu ethos, a sua ética, o que significa,
originariamente, o cuidado que devemos temos ter em relação a nossa casa, a
morada do ser. Nesse sentido, a razão foi sendo arquitetada no Ocidente como a
essência que possibilita a condução da existência humana. É exatamente por ela,
natureza e significado, que as pessoas podem conseguir se manter diante das
diferenças naturais ou humanas. Esse processo cultural implicou em certa
preeminência no conteúdo, na função e na finalidade prática da razão. Em uma
palavra, no Ocidente, a razão deve ser preenchida para que os homens possam
edificar o seu ethos, a sua ética, o cuidado consigo mesmo, com os outros e com a
natureza, o que impactou diretamente em uma concepção educacional estritamente
cognoscente.
Na modernidade, a razão continua a ser afetada por compreensões díspares.
Habermas nos indica duas reviravoltas ocorridas nesse período: o mentalismo
cartesiano e o transcendentalismo kantiano. O primeiro identifica a razão como a
faculdade de distinguir o verdadeiro do falso, e a define como o princípio da sua
filosofia, o que identifica a consciência com a autoconsciência e torna o Eu capaz
de representar objetos. A outra reviravolta, a transcendental, também entende a
autoconsciência como uma relação da consciência com o eu, mas Kant promove o
que Tugendhart denomina por revolução reflexiva ou a reflexão do eu sobre a
possibilidade do conhecimento, e nesse aspecto, Kant desloca a representação dos
objetos para a representação própria aos sujeitos.
Kant se propõe, em sua obra Crítica da razão pura, edificar um caminho seguro
para as ciências, o que só se torna possível porque ele desloca o olhar causal ao
fenomênico e, assim procedendo, tanto elabora uma teoria que inaugura a
epistemologia do século XIX pelo viés “lógico formal” quanto impacta diretamente
nas concepções educacionais. Trata-se de compreender a possibilidade do saber
pela sensibilidade e entendimento, o que significa que só se conhece investigando
fenômenos. O númeno, a coisa-em-si, a verdade se afasta do conhecimento, dado
que ela não se satisfaz com objetos sensíveis, o que torna a verdade inacessível ao
saber.
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Hegel nos alerta do perigo da filosofia se converter em lógica, edificando outro
princípio que, em paralelo ao kantiano, também inaugura, por outro viés, a
epistemologia do século XIX, o enfoque onto-lógico. Hegel critica o princípio
egoico dos modernos e defende que o Absoluto, como indeterminado, encontra-se
no começo do ser e do saber. Esse indeterminado se determina e se indetermina
em um processo formativo que estabelece etapas de reconhecimento da
consciência. Diferente de Descartes e Kant, Hegel não identifica consciência com
autoconsciência, mas aquela pode se encaminhar a esta mediante um processo
formativo, e pela alteridade.
A contemporaneidade que se inaugura pelos vieses “lógico formal” e onto-
lógico sofreu vários golpes ao que tange ao processo formativo, o que nos
credencia rever o gonzo cultural assentado no preenchimento da razão – próprio ao
ocidente – e procurar na cultura chinesa, em geral, e no Wing Chun, em particular,
auxílio à educação brasileira.
É nesse sentido que apresentamos o Wing Chun Kuen Kung Fu como uma das
fontes que, juntamente com o Tao Te Ching, pode nos oferecer oportunidades para
refletirmos sobre Arte Marcial e educação.
O que nos interessa em Hegel é o princípio onto-lógico por ele edificado: o
Absoluto, entendido como indeterminado. O que questionamos é o princípio
filosófico ocidental no qual a razão assume características específicas que nos
distanciaram de uma formação integral. Por isso, é chegada a hora de refletirmos
sobre o princípio do Tao, para Tze e o princípio filosófico hegeliano como
contribuições à formação brasileira. Isso nos possibilita encontrar em outras
culturas universalíssimas teorias e experiências que possam contribuir com a
formação integral do homem na atualidade. A cultura chinesa, de forma geral, e o
Wing Chun Kuen Kung Fu, em particular, nos parecem úteis ao nosso propósito.
Conta-se que em meados do século XVII, a abadessa Ny Mui criou um sistema de
arte marcial que, posteriormente será denominado por Wing Chun, o que significa
“belo tempo da primavera” ou “cantar a primavera”, o que significa seguir a energia
do fluxo criativo que se renova constantemente. Mais tarde, Ny Mui ensinou o seu
sistema para uma moça que se chamava Yim Wing Chun, o que fez com que Ny
Mui homenageasse o seu estilo de Kung Fu com o nome da amiga. Daí originou-se
o nome dessa arte marcial chinesa: Wing Chun Kuen Kung Fu. Wing Chun
significa “belo tempo da primavera”, Kuen, “punho” ou “estilo da primavera”,
Kung, “Treino, esforço” e Fu, “energia”. De forma que o Wing Chun prima pelo
emprego do Yin/Yang, suave e energético.
O sistema se compõe de seis níveis: Siu Nim Tao, Chum Kiu, Biu Je, Mui Fah
Jong, Luk Dim Poon Kwan e Baat Jaam Do, tendo como pilar os três primeiros,
nos quais se aprende o foco e o posicionamento, o desenvolvimento da conexão
corporal e a adaptação às adversidades. Assim como a cultura chinesa, o Wing
Chun sofre influência da filosofia taoísta, principalmente pela obra Tao Te Ching, de
Lao Tze.
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Diferente da cultura Ocidental, calcada no princípio da razão que deve ser
preenchida, da formação que se reduziu à superioridade do saber cognoscente, no
Tao Te Ching não se trata de um apossar-se do conhecimento, mas o de se pôr ao
caminho, caminhar, o próprio movimento, permitir-se ser-sendo, sem desejo, sem
vontade. A felicidade não consiste em encher-se de saber, mas no esvaziar-se do
ego. Trata-se do ‘não-desejar’, o que não significa ter uma atitude amorfa, morta,
como muito se entende no Ocidente. O ‘não-desejar’ é permitir. Permitindo pelo
vazio o Tao, o caminho já está a caminhar, o pleno já se põe presente. No verso 4
do texto Tao Te Ching, Lao Tze assevera que o caminho, o Tao, é vazio e ele assume
forma, harmonia na manifestação do caminho. As formas do Kung Fu e do Karatê
Dô são expressões máximas desse caminho. No Wing Chun, por exemplo, uma
forma deve se manter na transferência de energia de um movimento ao outro,
mantendo-se o corpo harmonizado no equilíbrio sempre constante e presente do
Yin/Yang.
Nesse sentido, o Homem Sagrado do Tao Te Ching é desapegado do ser, da
forma. Não há espaço para o preenchimento. Ele deve estar, como se vê no verso
6, em sintonia com o vazio. Diz Lao Tze: “O espírito do vale não morre, diz-se
místico feminino. A porta do místico feminino diz-se raiz do céu e da terra, suave e
multíflua. Parece lá existir, contudo opera fio a fio”. A harmonia é a manifestação
do caminho, o vazio, a sua natureza. Por isso, o caminho é o vazio e ele assume
forma. Alcança este nível, o homem que é Sagrado, o homem sábio ou aquele que
atingiu a união da consciência pura com a vida infinita. Ele não está em posse de
algo, como acima foi apontado em relação ao saber filosófico ocidental, em sua
origem, mas simplesmente permite o Tao.
Há pouco mais de 200 anos atrás, o Ocidente se consagrou como a cultura do
acúmulo, do preenchimento, da técnica, cada vez mais considerando a razão como
guia humano exclusivo ou principal nesse processo do saber e do ser, concebendo
a cultura como o arcabouço que deve ser cada vez mais recheada de novidades,
próprias a um progresso, a uma vida melhor, à felicidade. Pode-se depreender o
porquê do construto teórico kantiano ter causado um silêncio em sua época. Pode-
se organizar o mundo via o fenômeno, e a verdade se resguardar em outro mundo.
Em outros termos: pode-se construir um mundo fenomênico, aparente, sem
pessoas, mas com sujeitos, sem verdade, mas com validades, sem virtudes, mas
com leis. Esse silêncio fora abalado pelas considerações de Hegel que, em sua tese
de doutoramento (1986), afirma que seu trabalho doutoral nasceu da preocupação
da filosofia ter se convertido em lógica. Hegel nos anuncia o descalabro que
emergia em nossa cultura e inicia sua trajetória teórica, objeto dessa discussão.
Para criticar a perigosa orientação kantiana, a qual nos conduziria a um mundo
aparente e fenomenal, Hegel propõe outro princípio filosófico, o onto-lógico: o
indeterminado. Nesse sentido, Hegel se aproxima – em tese – de Lao Tze. Mas essa
aproximação é somente em tese.
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Hegel se mantém no caudal teórico ocidental, e embora tenha edificado um
princípio indeterminado, assim como Lao Tze o denomina, seu gonzo teórico é
maculado pela tradição da racionalidade ocidental.
A arte marcial, em geral, e o Wing Chun, em específico, podem propiciar um
processo formativo que considere o corpo ou a empiricidade imbricado, de forma
holística, com a natureza e, assim procedendo, há contribuições ao processo
formativo brasileiro suplantar a dicotomia marcante em nossa educação.
Figura 1. Bai Zhi Zen – Nome do Prof. Pedro em mandarim recebido por estar no
quinto nível do Wing Chun (significa: ‘aquele que preserva sabedoria’)
20
A LUTA CORPORAL E AS
ARTES MARCIAIS COMO PRÁTICAS ÉTICAS
Estudos filosóficos e psicológicos sobre Artes Marciais podem ser uma questão
chave para compreensão ética das relações humanas e culturais. A plasticidade e
variedade das Artes Marciais dificulta a compreensão de sua natureza ética comum.
Com recurso à fenomenologia, e mais especificamente à arqueologia
fenomenológica das culturas, apresentamos a matriz da experiência vivida das Artes
Marciais, bem como sua tendência à universalidade. Por esta abordagem,
resguardamos, todavia, o respeito e o cuidado com relação às particularidades
culturais das diferentes modalidades marciais, que não se reduzem a um
denominador comum universal. Referindo-se a Marte, o antigo e virtuoso deus
romano da guerra, sua etimologia ajuda a notar que não existem "artes areais", as
Artes de Ares, o antigo deus grego da guerra, cujo caráter era disruptivo e impulsivo.
Assim, as Artes de Combate se distanciam do transbordamento hostil, que é inerente
à experiência da briga, cuja estrutura intencional pode ser figurada pelo diagrama:
22
Praticar Artes Marciais designa como alguém exerce seu poder sobre outra
pessoa, bem como sobre como alguém experimenta o poder de outra pessoa
exercida sobre si mesmo. Na luta corporal isso se dá ao modo de um diálogo
corporal, um modo não violento de combater, ainda que feito com determinação de
vencer. Quando as Artes Marciais são apenas instrumentais e exclusivamente
destinadas a superar um inimigo, esse exercício de poder se traduz como um
exercício de violência.
Aceitar a violência aberta no ambiente de prática de Artes Marciais só se justifica
quando isto é entendido como fortalecimento na preparação do praticante para um
futuro confronto violento com um inimigo, quando extrapolar os limites das normas
de sensibilidade de alguém, visa brutalmente ‘endurecê-lo’, isto é, tornar a exposição à
violência algo conhecido e tolerável.
A possibilidade de violência é uma questão existencial de todas as Artes Marciais.
Sem referir-se à violência, sem referir-se a um tipo de código de conduta, escrito ou
não, que designa quando é válido e quando não é válido fazer uso das técnicas de
Luta, a Arte Marcial se reduz à Luta corporal, perdendo a dimensão atitudinal e ética
que a constitui.
Como a Arte Marcial moderna não é apenas um instrumento de combate, ao
contrário de um soldado que obedeça a ordens, o artista marcial deve incorporar
um senso de justiça que lhe permita tomar decisões autônomas e, como um
guerreiro, seguir seu coração.
23
ARTES MARCIAIS: saberes e poderes públicos.
24
No que diz respeito ao campo do entretenimento, nas últimas décadas
observamos a ascensão vigorosa dos torneios de Artes Marciais mistas denominados
“Mixed Martial Arts” (MMA). Esses, que envolvem lutadores com diferentes
extratos socioculturais, alimentando, possivelmente, vários elementos
idiossincráticos.
Por essas e outras razões, dada a vigorosa emergência dessas manifestações no
seio da vida cotidiana, se faz necessária uma imersão crítica e criativa no
denominado ‘universo marcial’.
A produção de conhecimento sobre o fenômeno das L/AM/MEC na
contemporaneidade será indispensável para alargar o entendimento sobre a
natureza dessas elaborações humanas e, especialmente, ampliar a compreensão e o
aperfeiçoamento na utilização dos saberes e dos poderes contidos nessas
tecnologias do corpo. As representações populares do senso comum, subsidiadas
por diferentes setores econômicos, reiteram determinadas ideias e imagens que,
ordinariamente, negligenciam essa presumida complexidade e
multidimensionalidade. É oportuno sublinhar que certos protagonismos
interessados em formatar as L/AM/MEC em objeto de consumo, bem como, em
permuta política, têm implicado em adorná-las com promessas e benefícios
audaciosos, de forma que seja socialmente aceito e, por fim, consumidas. Essa
situação é similar no âmbito do esporte como ferramenta de inclusão e redenção
social.
Nesses casos, restringe-se um fenômeno complexo e relevante, demasiadamente
humano e paradoxal, engendrando-o na dinâmica controversa das astúcias
institucionais à luz de conveniências políticas e econômicas. Nesse processo de
incorporação e transformação, são negligenciados ou descartados vários elementos
vantajosos ao desenvolvimento humano. Como exemplificação, conteúdos típicos
dessas atividades como torções, chaves, projeções, golpes de propulsão e utilização
de armas, devem ser redimensionados para lugares como escolas, clubes, empresas,
academias e organizações não governamentais com propósitos de inclusão social.
Como elucidação dessa assertiva, a denominação Lutas, por exemplo, se
inscreve como conteúdo da escolarização por meio da Educação Física Escolar, e
são pedagogizadas sob o formato dos ‘jogos e brincadeiras de oposição’. Do ponto
de vista da Educação Física, as L/AM/MEC são apropriadas pelo imperativo das
noções de atividade física, esforço físico ou pedagogia do movimento do corpo
humano. No caso do esporte, os Sistemas de Combate ou Artes Marciais devem se
submeter aos códigos, normas, regras e sentido de eficácia da instituição esportiva,
produzindo assim um impacto substancial na lógica e na condução dessas
manifestações culturais. Se tomarmos os objetivos das instituições militares, a
premência do combate e do conflito tende a enfatizar a busca pela eficiência
técnica em cenários específicos de conflito.
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Em suma, podemos cautelosamente admitir que o contato entre instituições
diversas desencadeiam processos de assimilação, transformação e sínteses muito
específicos, por vezes díspares, gerando configurações e práticas culturais
compostas por mutações, transgressões, perdas ou atualizações.
O Estado Democrático de Direito, na sua irrefutável responsabilidade de
fomentar ações políticas com vistas ao desenvolvimento da cidadania e do bem
estar social, tem a incumbência de assimilar parcelas expressivas do conhecimento
disponível de determinados campos da cultura, especialmente, daquelas que se
constituem objetos e conteúdos das suas ações.
Isto se faz necessário, porque as políticas públicas têm o potencial de produzir
repercussões tocantes na vida dos cidadãos e cidadãs, além da imperiosa
responsabilidade do uso adequado dos caros e limitados recursos públicos.
Por essas e outras razões relevantes, a produção de conhecimento sobre as
L/AM/MEC são indispensáveis para que possamos compreender
progressivamente este fenômeno tão complexo, de modo que sirva de subsídios
para qualificar as ações governamentais.
Precisamos valorizar a ideia de pluralidade e diversidade cultural, de tal sorte,
que a ação amplie as possibilidades de criação e reinvenção da pluralidade pulsante
das L/AM/MEC como culturas vivas, pautadas por uma pluralidade de saberes, de
modo a pavimentar um profícuo “movimentar-se” entre o “combate e o debate”.
Mais saberes e, sobretudo, melhores poderes para o usufruto crítico, criativo e
humanizador das L/AM/MEC!
26
UMA EXPERIÊNCIA COM O BUDÔ JAPONÊS E O JAPÃO:
Trajetórias, itinerários ou caminhos de formação humana
27
Do Kakutogi ao Budô : e três dimensões de estudo
29
Que o Japão é um país incógnita e contraditório, como toda cultura humana,
mas que possui elementos que os não-japoneses podem se beneficiar, e assim tenho
visto. Que precisamos pensar a esportivização contemporânea do Budô como uma
razão-ferramenta que ajuda, um ratio, mas também descaracteriza sutis propriedades
das artes intrínsecas da prática, a parte sensível, o sensus.
Então, temos também que artializar a prática, e mais ainda, de poetizar nosso
corpo. Que ele próprio escreva narrativas cotidianas dentro e fora do mundão e da
cena dos tatames dos Dôjô. Reencontrar nosso mito pessoal e coletivo, nessas
trajetórias, itinerários e caminhos para que nos tornemos cada vez mais humanos,
para além do ponto o qual alcançamos, agora tênue, nesses duzentos anos de
sociedade industrial descartável, perversa e destruidora da natureza.
Concordamos que ainda nos falta muito!?
30
A IMPORTÂNCIA DO TRATO DA LUTA NA ESCOLA
31
Existem no norte do País, indícios de combates corpo a corpo e
enfrentamentos com armas, registrados por meio de pinturas rupestres em paredes,
no sítio arqueológico do Parque Nacional da Serra da Capivara, no estado do Piauí.
Essas pinturas são atribuídas aos paleoíndios, grupos de seres humanos mais
antigos do que as nações indígenas que conhecemos hoje. Podemos notar dentre
esses registros, atividades de combate e o uso de armas. Características do que
denominamos de Luta, na contemporaneidade.
Atualmente, temos acesso a algumas manifestações ancestrais de Lutas
brasileiras como: o Huka Huka, praticado no Alto do Xingu; a Marajoara, muito
presente na cultura da Ilha de Marajó; e a Luta do Derruba Toco da cultura Pataxó,
nas regiões da Bahia e Minas Gerais. Assim como outras que foram incorporadas à
nossa cultura, através do legado africano e afro-brasileiro, como por exemplo o
Maculelê, o Batuque e a Capoeira.
É imprescindível que essas vivências, estas histórias e esses conhecimentos
estejam acessíveis aos nossos educandos e educandas. Por isso, é função docente
problematizar, sempre que possível, acontecimentos históricos, conteúdos e
informações relacionados à Lutas.
Na atualidade, as modalidades esportivas de combate e suas competições, bem
como suas organizações esportivas estão muito presentes. Vale destacar que a Luta,
enquanto esporte e suas competições, constituem-se em ressignificações da Luta
enquanto fenômeno cultural. Importante discutir as possibilidades de prática de
cada uma delas.
As competições de Mixed Martial Arts (MMA) e de Ultimate Fighting Championship
(UFC) são eventos contemporâneos que tentam traduzir uma lógica esportista nos
combates. Os lutadores são tratados como atletas, recebem salários e prêmios e
reproduzem um discurso com base em códigos de guerreiros samurais. Contudo, a
prática, como critério de verdade, acaba por revelar discursos falaciosos.
Todos esses comportamentos são ótimos temas para debates. Uma ação em
uma competição de Luta pode se transformar em uma ponderação sobre a
humanidade do ser, pode ser tema de um debate ou de uma atividade pedagógica
que envolva maior complexidade, incluindo pesquisa.
Outra discussão interessante é sobre a ética. Não são poucos os exemplos que
vimos de unfair play (jogo injusto, não cortês, que vai contra as regras e/ou
manipulação destas – má esportividade) em contraponto ao fair play (atitude
moralmente boa, jogo limpo ou o espírito esportivo no sentido de respeito às
regras estabelecidas). Conceito bastante presente, por exemplo, no futebol, mas,
todavia, com exemplos negativos. O fair play é uma das características do esporte
moderno, que vem sendo tantas vezes deturpada na atualidade.
Relacionado à Luta, podemos questionar a possibilidade de reconhecimento e
aceitação do perder. Saber perder e reconhecer que o outro foi melhor, foi mais
técnico
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técnico, aproveitou melhor as oportunidades em determinado momento, é um
comportamento louvável no universo das Lutas e Artes Marciais. A Luta indígena
Huka-huka pode ser usada para debater determinadas questões que presentes hoje
em dia na Luta enquanto modalidade esportiva de combate, na qual às vezes há
uma supervalorização de determinados aspectos e a aceitação de comportamentos
que seriam questionáveis em situações cotidianas distintas. Algumas referências
trazem a informação de que não há um árbitro e, sim, um observador denominado
de ‘dono da Luta’. Contudo, existe o reconhecimento, a partir das regras de quem
ganha e de quem perde, sem a necessidade de um observador externo. Esse
reconhecimento e aceitação mostra um comportamento interessante sobre perder e
ganhar. Também não há prêmio, somente reconhecimento e respeito.
O estudo das Lutas pode se configurar como uma quebra de paradigma do
eurocentrismo na escola. O professor de Educação Física, ao dar o tratamento
adequado ao conteúdo Luta, bem como ao estabelecer os nexos nele contido,
pertinentes às demandas para a formação de uma humanidade mais justa,
consciente, igualitária e ética, contribui para a construção de uma sociedade
solidária e fraterna.
Assim, Luta é um assunto vivo, constante no contexto societal, dialético, que se
transforma e se ressignifica.
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REALIDADE E POSSIBILIDADES DO ENSINO DAS LUTAS NO
BRASIL: SÍNTESES REFLEXIVAS ACERCA DO TRABALHO
DOCENTE
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WALTER ROBERTO CORREIA
Pedagogo, Professor de Educação Física, Livre Docente da Escola de Educação
Física e Esporte da USP. Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Mestre em Educação Física pela Escola de Educação Física e Esporte da
USP. Formação em Psicanálise pelo CEP - Centro de Estudos Psicanalíticos.
Mestre Qualificado em Ving Tsun/Kung Fu (Arte Marcial Chinesa) pela
International Moy Yat Ving Tsun Federation. Graduado em Aikido pelo Instituto
Takemussu.
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