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DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL:

OLHARES INTERDISCIPLINARES
VOL. 3
Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus
Natasha Nickolly Alhadef Sampaio Mateus
Jesse Lindoso Rodrigues
(Orgs.)

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL:


OLHARES INTERDISCIPLINARES
VOL. 3

TUTÓIA-MA, 2021
EDITOR-CHEFE
Geison Araujo Silva

CONSELHO EDITORIAL
Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI)
Diógenes Cândido de Lima (UESB)
Jailson Almeida Conceição (UESPI)
José Roberto Alves Barbosa (UFERSA)
Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL)
Julio Neves Pereira (UFBA)
Juscelino Nascimento (UFPI)
Lauro Gomes (UPF)
Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI)
Lucélia de Sousa Almeida (UFMA)
Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ)
Meire Oliveira Silva (UNIOESTE)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS)
Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL)
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
2021 - Editora diálogos
Copyrights do texto - Autores e autoras

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei no 9.610, de 19/02/1998. Esta obra pode
ser baixada, compartilhada e reproduzida desde que sejam atribuídos os devidos créditos de
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livro é de total responsabilidade do autor e está consubstanciado pelo Conselho de Ética em
Pesquisa (CEP/UFT), sob o parecer nº 2.442.471.

Capa: Geison Araujo Silva.


Diagramação: Geison Araujo Silva.
Revisão: Editora Diálogos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

D286
Debates sobre educação no Brasil [livro eletrônico] : olhares inter-disciplinares
vol. 3/ Organizadores Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus, Natasha Nickolly
Alhadef Sampaio Mateus, Jesse Lindoso Rodrigues. – Tutóia, MA: Diálogos,
2021. –

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-89932-00-0

1. Educação – Brasil. 2. Prática de ensino. 3.Interdisciplinaridade. I. Mateus,


Yuri Givago Alhadef Sampaio. II.Mateus, Natasha Nickolly Alhadef Sampaio.
III. Rodrigues, Jessé Lindoso.
CDD 371.72

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

https://doi.org/10.52788/9786589932-00-0

Editora Diálogos
contato@editoradialogos.com
www.editoradialogos.com
SUMÁRIO

Apresentação ................................................................................................. 8

Capítulo 1 - O Enem e o ensino de história local: uma abordagem sobre os seus


efeitos no ensino de história do Maranhão................................................... 10
Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus, Sandra Regina Rodrigues dos Santos

Capítulo 2 - O Ensino da leitura da charge em perspectiva discursiva e


interdisciplinar no Ensino Fundamental ....................................................... 26
Claudia Maria Chiarion

Capítulo 3 - Projeto Educar é Transformar: um curso pré-vestibular de educação


popular voltado para democratizar acesso ao ensino superior para pessoas
LGBTQ+ ..................................................................................................... 42
Genival Gomes da Silva Júnior, Janelene Freire Diniz,
João Guilherme Rodrigues Mendonça

Capítulo 4 - Indisciplina escolar e as práticas pedagógicas dos professores .... 52


Ranna Alves, Luciano Campos da Silva, Daniel Abud Seabra Matos

Capítulo 5 - Mapeamento das produções do Instituto Federal de Mato Grosso


– IFMT sobre bullying no ambiente escolar ................................................ 71
Victor Hugo de Oliveira Henrique, Suzana Rodrigues de Almeida Martire

Capítulo 6 - O papel da família ante os processos de aprendizagem e


desenvolvimento de discentes dos anos finais do ensino fundamental: um estudo
exploratório ................................................................................................. 82
Michell Pedruzzi Mendes Araújo, Sandra Borsonel Kiefer,
Rita Barcelos da Silva, Cinthia Leticia de Carvalho Roversi Genovese

Capítulo 7 - Educação do Campo: uma aproximação conceitual em sua


materialidade histórica.................................................................................. 99
Marizete Andrade da Silva
Capítulo 8 - Direito educacional no Brasil: legislação educacional e
cidadania ................................................................................................112
Arlindyane Santos da Silveira , Conceilândia Mendes de Sousa

Capítulo 9 - Dos porões nos arquivos para as salas de aula: a produção de um


material didático sobre Zeferina ................................................................. 123
Lilian Soares da Silva, Viviane Carla Bandeira dos Santos

Capítulo 10 - A lei 10639/03 como demanda histórica dos movimentos


negros ........................................................................................................ 138
Felipe Riccio Schiefler, Luize Batista Campos

Capítulo 11 - A inclusão escolar de pessoas com deficiência, transtornos


globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação no Brasil sob a
perspectiva do princípio da igualdade material ........................................... 149
Angélica Pinheiro Cunha, Camyle Nunes de Almeida, Juliana Cunha dos Santos,
Samara Pereira Gonzaga dos Santos

Capítulo 12 - Construção e reconstrução identitária da mulher indígena


brasileira .................................................................................................... 164
Luiz Carlos Rodrigues da Silva

Capítulo 13 - Mídias Digitais e Críticas sociais e Políticas: uma análise a partir


do gênero charge ........................................................................................ 176
Francilane Lima de Sousa, Eva de Moraes Lima Moura, Antonio Michel de Jesus
Oliveira Miranda

Capítulo 14 - As medidas do passado e os impactos no presente: a Reforma


Pombalina de 1757 e seus desdobramentos na história da língua portuguesa do
Brasil, na educação e no ensino .................................................................. 190
Stephanie Sales Rodrigues Nonato, Gabriele Teixeira Diniz

Sobre os organizadores ............................................................................. 204

Sobre os autores e autoras ........................................................................ 206


APRESENTAÇÃO

A obra Educação no Brasil em debate: olhares interdisciplinares volume 03 teve


por finalidade dar visibilidade para o debate em torno da educação brasileira sob
diversos olhares, isto é, como cada área do conhecimento (Ciências Humanas,
Ciências da Natureza, Linguagens, Códigos, Matemática e suas Tecnologias)
vem sendo aplicada no âmbito escolar, desde a educação básica ao ensino
superior. Buscou-se discutir os entraves que historicamente assolam a educação,
bem como os novos problemas que desafiam os educadores/as e educandos/as
no cotidiano escolar.
Além disso, procurou-se pesquisas que tratem de novas metodologias,
Políticas Públicas destinadas à educação, a função social da escola, história da
educação, política, história e Cultura Afro-brasileira, formação cidadã, impacto
da educação na sociedade, currículo escolar, Direito, legislação, cultura escolar,
Educação de Jovens e Adultos (EJA), educação inclusiva, educação indígena,
práticas docentes, ludicidade, práticas esportivas na escola, e uso de Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs), dentre outras temáticas voltadas para
a educação. Foram aceitos trabalhos que versem sobre educação em qualquer
área do conhecimento, experiências pedagógicas, relatos de caso, revisão
bibliográficas, pesquisas documentais etc.
Este volume 03 contém quatorze capítulos, com autores de diversas partes
do Brasil e pesquisadores vinculados a instituições estrangeiras, a saber: O
Capítulo 01 - O Enem E O Ensino De História Local: Uma Abordagem Sobre
Os Seus Efeitos No Ensino De História Do Maranhão, dos autores Yuri Givago
Alhadef Sampaio Mateus e Sandra Regina Rodrigues dos Santos. O Capítulo
2 - O Ensino da Leitura da Charge em Perspectiva Discursiva e Interdisciplinar no
Ensino Fundamental, da autora Claudia Maria Chiarion. O Capítulo 3 - Projeto
Educar é Transformar: um curso pré-vestibular de educação popular voltado para
democratizar o acesso ao ensino superior para pessoas LGBTQ+, dos autores Genival
Gomes da Silva Júnior, Janelene Freire Diniz e João Guilherme Rodrigues
Mendonça.
O Capítulo 4 - Indisciplina escolar e as práticas pedagógicas dos professores,
dos autores Ranna Alves e Luciano Campos da Silva. Capítulo 5 - Mapeamento
das Produções do Instituto Federal de Mato Grosso – IFMT sobre Bullying
no Ambiente Escolar, dos autores Victor Hugo de Oliveira Henrique e Suzana

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 8


Rodrigues de Almeida Martire. O Capítulo 6 - O papel da família ante os
processos de aprendizagem e desenvolvimento de discentes dos anos finais do ensino
fundamental: um estudo exploratório, das autoras Michell Pedruzzi Mendes
Araújo, Sandra Borsonel Kiefer, Rita Barcelos da Silva e Cinthia Leticia de
Carvalho Roversi Genovese. Capítulo 7 - Educação do Campo: uma aproximação
conceitual em sua Materialidade Histórica, da autora Marizete Andrade da Silva.
Capítulo 8 - Direito educacional no Brasil: legislação educacional e cidadania, das
autoras Arlindyane Santos da Silveira e Conceilândia Mendes de Sousa.
O Capítulo 9 - Dos porões nos arquivos para as salas de aula: a produção de
um material didático sobre Zeferina, das autoras Lilian Soares da Silva e Viviane
Carla Bandeira dos Santos. Capítulo 10 - A lei 10639/03 e o ensino brasileiro, dos
autores Felipe Riccio Schiefler e Luize Batista Campos. Capítulo 11 - A inclusão
escolar de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação no Brasil sob a perspectiva do princípio da igualdade
material, dos autores Angélica Pinheiro Cunha, Camyle Nunes de Almeida,
Juliana Cunha dos Santos e Samara Pereira Gonzaga dos Santos. Capítulo 12
- Construção e reconstrução identitária da mulher indígena brasileira, do autor
Luiz Carlos Rodrigues da Silva. Capítulo 13 - Mídias Digitais e Críticas sociais e
Políticas: uma análise a partir do gênero charge, dos autores Francilane Lima de
Sousa, Eva de Moraes Lima Moura e Antonio Michel de Jesus Oliveira Miranda.
Capítulo 14 - As medidas do passado e os impactos no presente: a Reforma Pombalina
de 1757 e seus desdobramentos na história da língua portuguesa do Brasil, na
educação e no ensino, de autoria de Stephanie Sales Rodrigues Nonato e Gabriele
Teixeira Diniz.
Esta coletânea vem ao grande público com o objetivo de proporcionar um
espaço de discussão para questões pertinentes relacionadas às pesquisas acerca da
Educação. Portanto, almejamos que a leitura dos capítulos, a partir deste debate
interdisciplinar, colabore para levantar discussões, consultas, estudos, pesquisas,
construções e desconstruções, reflexões etc., e o surgimento de outras sobre estas
problemáticas tão importantes para o debate da educação no Brasil.

Boa leitura a todas e todos!

Os organizadores

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 9


CAPÍTULO 1

O ENEM E O ENSINO DE HISTÓRIA LOCAL: UMA


ABORDAGEM SOBRE OS SEUS EFEITOS NO ENSINO DE
HISTÓRIA DO MARANHÃO

Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus


Sandra Regina Rodrigues dos Santos

Introdução

Nas aulas que tratem do ensino de História Regional ou Local, o docente


deve proporcionar sentido ao cotidiano do estudante, agregando a ele valores
que sejam capazes de transformar comportamentos e conteúdos que não
sejam sem significados e que resultem no distanciamento do estudante de sua
realidade (MARTINS; MATEUS, 2020). Sobre a História Regional, Bittencourt
(2012) fala que essa História “tem sido indicada como necessária para o ensino
por possibilitar a compreensão do entorno do estudante, identificando o passado
sempre presente nos vários espaços de convivência” - escola, casa, comunidade,
trabalho e lazer -, ” e ao mesmo tempo “por situar os problemas significativos da
história do presente” (BITTENCOURT, 2012, p. 168). Conforme essa autora,
a História Local tem sido elaborada por pesquisadores de diversos tipos. Políticos
ou intelectuais de diferentes proveniências dedicam-se a dissertar histórias locais
nas finalidades distintas, e alguns destes autores comumente criam memórias
mais do que verdadeiramente a história.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de nº 9.394, que passou a vigorar em

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-1 10
20 de dezembro de 1996, rege os princípios gerais da educação, e desde sua
promulgação essa lei sofre inúmeras atualizações, que acontecem de acordo com
as demandas exigidas pela sociedade vigente. Nessa Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) de 1996, no Artigo 26, assegura que os currículos do ensino fundamental
e médio devem ter uma “base nacional comum, a ser complementada, em cada
sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida
pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela” (BRASIL, 1996). Nisto inferimos, que os estudos locais e regionais são
embasados pela Lei que rege a educação brasileira.
De acordo com os PCNs, para se constituir cidadãos conscientes e críticos
da realidade em que estão inseridos, é preciso fazer seleções pedagógicas pelas
quais o estudante conheça as problemáticas e “os anseios individuais, de classes
e de grupos - local, regional, nacional e internacional - que projetam a cidadania
como prática e ideal”; distingam “as diferenças do significado de cidadania para
vários povos; e conhecer conceituações históricas delineadas por estudiosos do
tema em diferentes épocas” (BRASIL, 2000, pp. 36-37). Nisso compreende-se,
que os estudos históricos locais e regionais contribuem na construção de um
cidadão crítico e consciente.
Assim, este trabalho tem por objetivo discutir os desdobramentos da
implementação do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), no ensino de
história do Maranhão. Para isso, apresenta-se um breve histórico do Ensino de
História do Maranhão, em seguida, discute-se como o ENEM tem impactado
o Ensino de História Regional. O referencial teórico pautou-se em trabalhos
de autores(as) como Bittencourt (2015). A metodologia é bibliográfica, pois
utilizou-se obras dos seguintes autores(as) Cabral (1987), Martins (2014),
Gomes (2017), Silva (2017), Mateus (2018); e documental, porque, recorreu-
se a legislação nacional que rege a educação brasileira, como a atual LDB e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a fim de demonstrar bases legais na
condução do ensino de História abordando a temática local e regional.

Breve Histórico do Ensino de História do Maranhão

O surgimento da disciplina História do Maranhão1 acontece no contexto

1 Se levarmos em consideração os apontamentos de Barbosa de Godóis que, nesse período, percebe a ausência de um
material de didático, quando surge a disciplina de História do Maranhão, atestemos isso em suas palavras escritas em 1904:
“A falta de um livro que facilitasse o estudo dos alunos de Instrução Cívica da Escola Normal fez-nos ir escrevendo, em 1899,
o resumo de preleções que teriam de ser feitas nas lições próximas, achando-se dessa maneira, no fim do ano letivo, composto
um volume dessa disciplina, de acordo com o programa oficial daquele instituto [...] Era a primeira vez que se lecionava essa

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 11


do advento da República, em que essa disciplina acompanha a tendência de
elaborar uma memória nacional e também tencionava na construção da
identidade nacional guiada pelos ideais republicanos. Dayse Marinho Martins
em sua dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Cultura e
Sociedade (PGCULT) intitulada Currículo e Historicidade: a disciplina História
do Maranhão no sistema público estadual de ensino (1902-2013) (2014), mostra
o surgimento da disciplina História do Maranhão, para essa pesquisadora,
a referida disciplina nasce por necessitar de abordagem no sistema oficial de
ensino dos aspectos arrolados à memória e cultura local. Os conhecimentos
sobre a História do Maranhão foram organizados em obras que realçaram uma
seleção de conteúdos. Para tal escopo, os estudos se basearam em uma visão de
História situada na narrativa e na transmissão de interpretações históricas. “De
tal modo, na trajetória da instrução pública maranhense, a História do Maranhão
se relacionou às necessidades do contexto histórico e social; predominando
uma concepção factual de História que precisa ser redefinida nas propostas
curriculares atuais” (MARTINS, 2014, p. 14).
A historiadora Maria do Socorro Coelho Cabral no artigo O ensino de
História do Maranhão no 1º Grau (3a. e 4a. Séries) (1987), é pioneira em abordar
a realidade do ensino e dos livros didáticos referentes à História do Maranhão.
A metodologia utilizada por Cabral se constituiu de questionários, aplicados
a 125 professores de quarenta escolas das redes federal, estadual e municipal.
De acordo com Cabral (1987, p. 16-17), a História do Maranhão “tal como é
contada nesses livros constitui-se, pois, numa representação mística da realidade
maranhense. Nessa história, a ação, o movimento, o quotidiano do homem
maranhense não tem lugar, está à margem”. A versão contada dessa história é
“segundo a ótica de um determinado grupo, que passa a se constituir, depois de
veiculada nas escolas, na visão de história do senso comum”.
Cabral (1987, p. 30) sugere que no ensino de História “o professor,
juntamente com os alunos devem, a partir de suas experiências dentro da
realidade em que vivem, selecionar os assuntos que julgam pertinentes e que
têm interesse em conhecer”. Destarte, essa historiadora chama atenção, no final
da década de 1980, para o modo de como se operava o ensino de História do
Maranhão apontando os livros didáticos, a disciplina e os conteúdos ensinados

matéria com certo desenvolvimento, naquela escola, constituindo o objeto de uma sala de aula especial, e também o primeiro
ano em ocupávamos um lugar no professorado maranhense [...] em 1902, se nos oferecia idêntica situação, aos termos de
iniciar na mesma escola o curso de História do Maranhão, que, pela reforma do instituto, teria de formar a matéria de uma
outra aula, separada da de História do Brasil” (GODÓIS, 2008, p. 19).

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pelos professores. Para Cabral (1987, p. 30), deveria haver “elevação do nível de
ensino de História do Maranhão”, mas adverte que “é uma tarefa árdua, lenta,
que exige o esforço e a participação, sobretudo, dos professores e dos alunos,
elementos mais envolvidos nesse processo”. Afirma que “métodos prontos,
capazes de realizar tal façanha, não existem, uma vez que o caminho para se
atingir tais objetivos tem que ser descoberto, criado, sobretudo, por professores
e alunos a partir da realidade que os rodeia e de suas experiências”.
Em outro artigo intitulado O Papel do Negro na Historiografia Maranhense
(1988), Cabral (1988) lembra a situação de descaso em relação ao negro na
historiografia maranhense, consequentemente, no ensino de História do
Maranhão. No período da escrita desse artigo, a autora menciona o modo como
se tratava a História do negro no Maranhão, sendo o “negro é visto como um
mero instrumento, incapaz de pensar, de possuir uma consciência histórica, de
construir ou fazer História” (CABRAL, 1988, p. 107). Quanto aos materiais
didáticos daquele período, a pesquisadora critica o livro didático Terras das
Palmeiras publicado em 1977 das autoras Nascimento e Carneiro, pois nesse
livro:

[...] tem-se uma ideia da sociedade maranhense como um todo harmônico,


onde não há conflitos, exploração, preconceitos. “Todos (os maranhenses) têm
igualmente acesso as riquezas da terra”, devendo se sentir, por isso mesmo, “seres
felizardos”[...] Nesses textos, a real situação do negro hoje no Maranhão não
é questionada, nem sequer apresentada, da mesma forma que é silenciada sua
história. O conteúdo desses livros, com certeza, influencia a prática pedagógica
das escolas, com relação ao ensino e aprendizagem da História. A transmissão
de forma não questionadora ou crítica dessa narrativa não oportunizará o aluno,
sobretudo o aluno negro, a se aperceber como ser histórico, passando a ver a
História como um relato monótono, com o qual não se identifica, por se mostrar
distante de seus interesses e experiências (CABRAL, 1988, p. 107).

Como se observou a necessidade que se dessem mais atenção à história


que contempla os estudos da História do Maranhão não é um problema novo.
A professora Maria do Socorro Coelho Cabral realizou uma pesquisa com
professores em 1987, em que verificou a necessidade das aulas de História
contemplarem os estudos locais e regionais. Conforme essa pesquisadora:

Todos os professores, com exceção apenas de 6 deles, concordam que o aluno


deve estudar mais História do Maranhão nas séries posteriores. Muitos desses
professores justificaram sua resposta, afirmando que o aluno deve receber mais
informações sobre seu Estado nas séries seguintes, uma vez que o ensino ministrado

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em apenas uma ou duas séries (3a. e 4a.) não é suficiente para possibilitar ao
estudante um conhecimento mais amplo da realidade de seu Estado (CABRAL,
1987, p. 27).

Recentemente, Márcio Henrique Baima Gomes em sua dissertação de


mestrado apresentada a Programa Pós-Graduação Ensino, História e Narrativa
(PPGHEN) A História do Maranhão no Currículo do Ensino Médio (1996 –
2016) (2017), ao analisar o lugar da História do Maranhão no currículo da rede
estadual de ensino do Maranhão, ainda observa as questões não solucionadas
levantadas por Cabral (1987) na década de 80 do século XX. Esse pesquisador
assinala que não é por ausência de pesquisas ou de uma historiografia regional
que os conteúdos de História do Maranhão não são contemplados no currículo
da rede de ensino estadual, mas:

É provável que a falta de interesses dos gestores públicos no financiamento e


distribuição de materiais didáticos específicos sobre a História do Maranhão,
ou ainda que o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) tenha inviabilizado
o estudo da História Regional, ou até mesmo uma possível falta de formação
docente estejam dificultando o ensino de História do Maranhão nas escolas da
rede estadual [...] é interessante propor uma valorização da História regional/
local (em especial a História do Maranhão) nos currículos e livros didáticos no
intuito de tornar o ensino de História mais significativo e proveitoso aos alunos
do Ensino Médio da rede Estadual do Maranhão (GOMES, 2017, p. 27; 70).

No que tange a Histórias Regional, Loraine Slomp Giron no artigo Da


memória nasce a História (2000), diz que, a história regional, filha do espaço e
da dependência, considerada por muitos “como apenas bastarda do Clio [...] o
preconceito contra a história regional é tão antigo como a própria História. Já os
gregos rejeitam a história regional, ao estudar grandes mudanças históricas que
excluem, não só a história local, como os historiadores locais”. A compreensão
histórica dos gregos, “bem como sua filosofia, permanecem ao longo dos séculos.
A história regional continua sendo repelida para fora da história geral, tanto
então como agora. Tal rejeição tem um sentido e obedece a alguns pressupostos
teóricos e ideológicos” (GIRON, 2000, p. 28-29).
Diante deste preconceito com os estudos locais e regionais, notamos, de
modo geral, que o próprio ensino de História do Maranhão, enquanto objeto
de estudo, tem atraído poucos pesquisadores2, como exemplo, em pesquisa
2 Com exceções dos seguintes trabalhos: Beatriz Andrade, O discurso educacional do Maranhão na Primeira República

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 14


feita na biblioteca do curso de graduação em História da Universidade Estadual
do Maranhão (UEMA) entre os anos de 2012 e 2013, observamos que não
constam trabalhos de conclusão de curso, que abordassem o ensino de História
do Maranhão na qualidade de objeto de pesquisa.
Das 37 monografias, sendo 15 em 2012, e 22 em 2013, não houve produção
acerca do ensino de História Local ou Regional, contudo, vale dizer que com
o advento do PPGHEN, atual PPGHIST criado pela Resolução n. 1054/2013
CEPE/UEMA e aprovado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior) em julho de 2013, tem como público alvo todos
os portadores de diploma superior em História ou áreas afins, que almejam
melhorar sua qualificação e capacitar-se para atuação no Magistério da Rede
Básica de Educação, e:

[...] visa qualificar profissionais dedicados à docência no ensino básico e


contribuir com o seu papel de agente condutor de práticas pedagógicas. A
finalidade é atualizar competências e habilidades capazes de proporcionar um
refinamento teórico-metodológico e pedagógico do historiador-docente, ante
as novas diretrizes para o Ensino de História, estabelecidas desde a elaboração
dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Assim, pretendemos contribuir para a
transformação do professor-docente em agente ativo do processo de construção
de novas estratégias pedagógicas, capazes de alterar o cotidiano do ensino da
História em nosso Estado. Para tanto, a reflexão sobre os aspectos epistemológicos
e metodológicos que envolve o campo da História, será apreendida a partir da
interface entre História, Ensino e Narrativas, eixos a serem desenvolvidos e
articulados a partir do conhecimento historiográfico, estratégias metodológicas e
múltiplas linguagens, inseridas no cotidiano escolar (UEMA, 2013, p. 01).

Diante disso, é evidente o aumento da produção de trabalhos voltados para


o ensino de História Local ou Regional, ou seja, referentes ao ensino de História
do Maranhão. Além disso, o curso de graduação da UEMA sofreu o impacto
com a chegada da PPGHEN, atual PPGHIST3, onde surgiram trabalhos de
conclusão de curso destinados ao ensino de História do seu estado.

(1984); Maria Regina Nina Rodrigues, Estado Nacional e Ensino Fundamental (Maranhão 1930 – 1945) (1991); Maria do
Socorro Coelho Cabral, Política e educação no Maranhão: 1834 – 1889 (1984) e O Ensino de História do Maranhão elaborado
(1987), Lilian Leda Saldanha, A Instrução Pública maranhense na primeira década republicana (1992); Diomar das Graças
Motta, As Mulheres professoras na política educacional no Maranhão (2003); César Augusto Castro, Infância e trabalho no
Maranhão provincial: uma história da Casa dos Educandos Artífices (1841-1889) (2007); Odaléia Alves da Costa, Produção
de uma disciplina escolar e os escritos em torno dela: os Estudos Sociais do Maranhão (2008) e O Livro do Povo na expansão do
ensino primário no Maranhão (1861-1881) (2013); Ana Carolina Neres Castro Licar A questão de livros da Escola – Modelo
Benedito Leite: cultura material escolar e poder disciplinar no Maranhão (1900-1911) (2010); Diulinda Pavão Costa O Cenário
Educacional na Princesa da Baixada (1920-1960) (2012); Dayse Marinho Martins, Currículo e Historicidade: A disciplina
História do Maranhão no sistema público estadual de ensino (1902 – 2013) (2013).
3 Sobre isso, ver: MATEUS (2018).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 15


Desse modo, notamos que muitas vezes a História Local e Regional
tem permanecido longe dos interesses e alcance dos estudantes. No caso do
Maranhão, isso acontece em parte devido à ausência de material didático4 que
aborda a História Local e Regional. Outro fator que tem diminuído o interesse
pela história local foi à adesão das universidades públicas ao Exame Nacional de
Ensino Médio (ENEM), que fez com que os estudantes dessem pouca atenção
à história que contempla os estudos locais e regionais. É importante ter em
vista que, “o trabalho com a História Local no ensino pode ser um instrumento
idôneo para a construção de uma História mais plural, menos homogênea,
que não silencie as especificidades”. Também é relevante, pois “pode facilitar a
construção de problematizações, a apreensão de várias histórias lidas a partir de
distintos sujeitos históricos, das histórias silenciadas, histórias que não tiveram
acesso à História” (SCHMIDT, 2007, p. 191).

O Enem e suas edições (1998-2016): uma problemática para a


História Local/Regional/Maranhão

Sabemos que o ensino de História do Maranhão enfrenta problemas quanto


à exclusão dos conteúdos a serem aplicados na educação básica. Isso se deve
em parte pelas ausências bibliográficas que abordem a história local de forma
didática e pelas escolas seguirem um currículo nacional para que os estudantes
tenham condições para prestar o ENEM. A exceção ainda ocorre no vestibular
da Universidade Estadual do Maranhão que não aderiu a esse programa, mas
mesmo assim os estudantes, na maioria das vezes, só têm acesso aos conteúdos de
história do Maranhão em cursos preparatórios de pré-vestibular, prejudicando
aqueles que não têm condições financeiras para pagá-los.
Conforme Martins (2014, p. 197), mesmo que vinculado a uma perspectiva
tradicional de vestibular, o programa da disciplina História no processo seletivo
da UEMA demonstra “na transposição didática dos conteúdos, a renovação
historiográfica das últimas décadas. Ilustra elementos da história regional sob o
viés da problematização, da abordagem cultural, ampliando a compreensão do
contexto histórico em sua complexidade”.
O Exame Nacional de Ensino Médio foi criado em 1998, no governo do
presidente Fernando Henrique Cardoso, como forma de verificar a qualidade

4 Sobre isso, ver: MATEUS (2018).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 16


do Ensino Médio avaliando as competências e habilidades dos estudantes. No
ano 2004, essa prova nacional passou a contemplar os estudantes com bolsas
de estudo em Instituições de Ensino Superior (IES) particulares por meio do
Programa Universidade para Todos (ProUni). Em 2009, houve modificações em
sua estrutura, isto é, o ENEM foi instituído em muitas universidades públicas
como forma de ingresso unificado dos estudantes no ensino superior por meio
das notas obtidas nesse exame e, recentemente, os estudantes para financiarem
seus estudos em faculdades particulares também precisam da nota para utilizarem
no Financiamento Estudantil (Fies). Nisso observamos, as transformações que
o ENEM vem submetendo-se, pois em sua criação não se teve pretensão de ser
selecionador dos estudantes para o ingressarem no ensino superior, contudo
ferramenta de avaliação da qualidade do ensino médio.
A instituição do ENEM ocorreu por meio da Portaria MEC Nº 438,
de 28 de maio de 1998, o seu Artigo 1º diz que seria como procedimento de
avaliação do desempenho do estudante, com os objetivos de conferir ao cidadão
parâmetro para autoavaliação, com vistas à continuidade de sua formação e a sua
inserção no mercado de trabalho; criando referência nacional para os egressos de
qualquer das modalidades do ensino médio; fornecendo subsídios às diferentes
modalidades de acesso à educação superior; constituindo-se em modalidade de
acesso a cursos profissionalizantes pós-médio.
No Artigo 2º dessa mesma portaria, o ENEM, constituir-se-ia de uma
prova de múltipla escolha e uma redação, avaliaria as competências e as
habilidades desenvolvidas pelos examinandos ao longo do ensino fundamental e
médio, indispensáveis à vida acadêmica, ao mundo do trabalho e ao exercício da
cidadania, sua base seria a matriz de competências especialmente definida para
o exame (BRASIL, 1998). Essa portaria recebeu modificações pela portaria nº.
462, de 27 de maio de 2009, que acrescentou no Artigo 1º dois incisos, sendo
eles: “promover a certificação no nível de conclusão do ensino médio, de acordo
com a legislação vigente; avaliar o desempenho escolar do ensino médio e o
desempenho acadêmico dos ingressantes nos cursos de graduação”. No Artigo
2º, tem o início de sua redação alterada do seguinte modo: o “ENEM, que se
constituirá de uma prova de múltipla escolha de cada área do conhecimento, e
uma redação...”. Na edição de 2017, o Enem não certifica mais o ensino médio,
o que retoma a ser feito através do Exame Nacional de Certificação de Jovens
e Adultos (ENCCEJA), que acontece por meio de uma parceria com estados e
municípios.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 17


Nessas alterações é nítido que o ENEM a partir de 2009 aumentou as
suas finalidades; o número de questões saltou de 63 para 180; antes a prova
acontecia em um dia, passou para dois; o estudante não se submete às provas
por disciplinas específicas, mas por áreas de conhecimentos divididas em:
linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias;
matemática e suas tecnologias; e ciências da natureza e suas tecnologias. A
disciplina História está inserida na área de Ciências Humanas e suas tecnologias.
De tal modo, observamos os conteúdos de História que vêm sendo postos ao
longo de sua primeira edição, em 1998, até a edição de 2016 para sustentar que
os conteúdos específicos da História do Maranhão não são colocados, o que
antes da unificação dos vestibulares tradicionais ainda eram contemplados no
currículo nacional, com a unificação deixaram de ser exigidos, fazendo com que
os estudantes se interessem menos ainda pela história local. Desse modo, muitos
docentes diminuem a já insignificante carga-horária dedicada a esses conteúdos,
que acaba por predominar a história Geral e do Brasil com os fatos históricos e a
historiografia do centro-sul, excluindo as demais regiões do país, aqui específico
o Maranhão.
Na tabela abaixo dividimo-la por ano de cada exame, a quantidade de
questões de história com os tópicos de História Geral junto aqueles assuntos que
se referem à Europa, EUA, etc, isto é, aos fatos históricos que não se deram no
Brasil. A História do Brasil faz menção aos episódios históricos que ocorreram
no Brasil, mas os que não se passaram no Maranhão. Por fim, a História do
Maranhão remetendo-se aos eventos históricos que se efetivaram nessa região do
país. Como podemos constatar o exame não traz questões sobre o Maranhão5,
isso é um dos problemas enfrentados pela História Local ou Regional.

QUANTIDADES DE QUESTÕES DE HISTÓRIA NO ENEM


ANO HISTÓRIA HISTÓRIA DO HISTÓRIA DO
GERAL BRASIL MARANHÃO
1998 4 4 0
1999 4 1 0
2000 3 0 0
2001 6 3 0

5 A questão de número 27 da edição de 2012 cita o Maranhão no que concerne às mulheres quebradeiras de coco-babaçu
junto com os estados do Piauí, Pará e Tocantins.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 18


2002 7 1 0
2003 8 1 0
2004 5 4 0
2005 3 1 0
2006 5 4 0
2007 4 3 0
2008 8 6 0
2009 19 14 0
2010 12 18 0
20106 10 15 0
2011 10 17 0
2012 14 10 1
2013 12 19 0
2014 18 19 0
2015 10 12 0
20167 12 13 0
2016 11 09 0
Tabela 01 – Provas do Enem de 1998 a 2016.
Fonte: Provas do Enem de 1998-2016.

O Enem foi instituído com a justificativa de desfazer um ensino preso em


memorização de conteúdos prescritos nos vestibulares tradicionais. Esse exame
tenciona por meio de questões que estimulem o raciocínio do estudante através
das habilidades e competências para solucionar os problemas.

As competências que dão suporte à avaliação do Enem estão baseadas nas


competências que os indivíduos desenvolvem. Estas competências são descritas
nas operações formais da teoria de Piaget, tais como, a capacidade de levantar todas
as possibilidades para resolver um problema, a capacidade de formular hipóteses,
combinar todas as possibilidades e separar as variáveis para testar a influência de
vários fatores, o uso do raciocínio hipotético dedutivo; aspectos de interpretação,
análise, comparação, e argumentação, e a generalização a diferentes conteúdos

6 Por causa de alguns cadernos de provas terem sido impressos de forma errada, os candidatos prejudicados se submeteram
a uma nova prova.
7 Devido às ocupações nos prédios públicos contra a PEC que limita o aumento aos gastos públicos e a proposta de reforma
do Ensino Médio, a prova não pode ser aplicada em 405 locais, assim os candidatos que fariam o teste nesses locais realizaram
o exame em uma data.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 19


[...] Ao mesmo tempo, nas avaliações do Enem, a inteligência é encarada não
como uma faculdade mental ou expressão de estruturas cognitivas inatas, porém é
compreendida como o uso de estratégias cognitivas básicas voltadas para a análise
da realidade. E isto em uma situação problema que deve ser elaborada dentro
de um contexto, de modo que se possa avaliar a emergência das habilidades
cognitivas, o “saber fazer” (DIAS, 2009, p. 27, grifos da autora).

De acordo com Martins (2014, p. 196), as avaliações externas assinalam


para contradições na relação entre o discurso apregoado através das propostas
curriculares nacionais e, o que acontece na prática do currículo na conjuntura
do sistema educacional. No que se trata da disciplina História, os documentos
oficiais, baseados em uma concepção construtivista de ensino-aprendizagem
apontam o estudante como sujeito histórico, destacando o enfoque de conteúdos
da História Local/Regional, contudo, as provas do Enem são ordenadas com
suporte em conteúdos mais gerais incorporados a competências e ilustrados
questões associadas à História Geral ou do Brasil. Dado seu grande alcance, o
Enem não abrange aspectos que compõem a História Regional/Local. Desse
modo, o Enem “limita a compreensão de uma manifestação cultural local à
interpretação de texto informativo, sem a percepção da complexidade do
fenômeno e sua inserção no contexto histórico regional”.
Os pesquisadores, Monike Gabrielle de Moura Pinto e Ricardo de Aguiar
Pacheco em O Enem como referência para o ensino de História (2014), dizem
que, quando, em 2009, o Enem passou a ser a principal via de acesso ao Ensino
Superior, adquiriu uma proporção gigantesca na educação no Brasil. Dessa
maneira, a avaliação nacional tornou-se uma referência para “a atuação dos
professores em sala de aula e para a formulação dos currículos do Ensino Médio,
que buscam preparar os educandos para o ingresso no Ensino Superior através
da prova do Enem, e não mais para os vestibulares” (PINTO; PACHECO,
2014, p. 80).
De acordo com Pinto e Pacheco (2014, p. 80), o Enem, sendo como
ferramenta de avaliação e observação do nível de qualidade da educação nacional
no nível médio, analisa sobretudo as habilidades e competências dos estudantes,
em que houve mudanças nas questões exigidas, que passaram a exigir do
estudante não mais a memorização de datas e fatos marcantes do passado. “A
implementação da avaliação por habilidades tem provocado os professores da
Educação Básica a uma prática que prepare o estudante para a avaliação nacional
de forma diferente do que era avaliado nos vestibulares”.
Outro aspecto apontado por esses autores, diz respeito à quando se confronta

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 20


as características das questões de História cobradas no exame e as orientações
legais da LDB e dos PCN, observa-se o espaço dedicado à História do Brasil e
à História Geral no Enem. Em que se percebe que esse exame no que se refere
ao destaque destinado à História do Brasil, “vai de encontro ao que é solicitado
pela legislação educacional, uma vez que o espaço dado à história nacional foi
diminuindo com o passar do triênio analisado” (PINTO; PACHECO, 2014, p.
81). Em contrapartida, Pacheco e Pinto também destacam o exame em algum
momento estando em consonância com a legislação, ao percebem que:

[...] os temas e debates das questões focadas na História Política e na História


Social aparecem com mais destaque por estarem relacionados à postura cidadã
e à reflexão crítica sobre o processo histórico e a realidade social vivida pelos
estudantes. Dessa forma, constatamos a preocupação por parte do exame de
avaliar o senso crítico do estudante sobre uma dada realidade sociopolítica,
trazendo para a prova a discussão sobre a cidadania tal como solicita a LDB
e os PCN [...]Por outro lado, os itens têm privilegiado temas da História Política
e da História Social, afastando-se da História Econômica e incorporando muito
pouco os temas da História Cultural, foco da produção historiográfica mais
recente ― que evidencia um esforço de efetivar as orientações legais que
valorizam a formação cidadã e a preparação para a política na sociedade,
solicitando a formação de um sujeito crítico, reflexivo e consciente de seu
papel político (PINTO; PACHECO, 2014, p. 83;84, grifos nossos).

Ao mesmo tempo, a legislação difunde a proximidade dos conteúdos


de História com o cotidiano dos educandos, ao enfatizar o maior número de
conteúdos de História do Brasil. No entanto, o Enem anda na direção contrária,
alargando o espaço dedicado à História Geral. De outra forma, apresenta avanço
no que se trata de temas e discussões que permitem e corroboram a constituição
da cidadania e da postura crítica dos estudantes (PINTO; PACHECO, 2014).
Contudo, Pacheco e Pinto não deixam de lado os problemas advindo com a
implementação do Enem, a exemplo da História Regional/Local:

No que diz respeito à valorização da história nacional, o Enem tem se afastado


do estudo de aspectos locais das organizações sociais, voltando a se concentrar na
história eurocêntrica [...] A História do Brasil, e por conseguinte a história local,
acabou perdendo espaço no exame que direciona a formulação dos currículos
da Educação Básica. Isso contrasta não apenas com as orientações da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mas também com os Parâmetros
Curriculares Nacionais. Assim, percebemos que o Enem, ao valorizar questões
de História Geral, retornou ao primado da história eurocêntrica, distanciando-se
do contexto social dos alunos (PINTO; PACHECO, 2014, p. 84, grifos nossos).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 21


Mais recente, Francinéia Pimenta e Silva defendeu a dissertação de mestrado
no PPGHEN intitulada O Enem e o Ensino de História: o lugar da História local
no Ensino Médio (2017), na qual defende a hipótese de que o ENEM reforçou a
minimização dos conteúdos de história local no ensino médio. Sua análise indica
que a abordagem da História local em sala de aula quando acontece se explica
pela possibilidade de correlação com determinado conteúdo da história nacional.
Essa pesquisadora ressalta que a necessidade de uma interferência pedagógica do
docente para tornar o ensino da história local um componente proeminente
para a constituição cidadã dos jovens maranhenses. Usou como referência 07
professores e 200 alunos/as do Centro de Ensino Liceu Maranhense, escola
campo de pesquisa através da aplicação de questionários abertos cujas perguntas
investigaram acerca do ENEM e o ensino de História local.
Silva (2017, p. 34) sinaliza que o Enem endossa as políticas de financiamento
por meio dos resultados de desempenho dos examinados, o governo federal tem
o Enem como um instrumento que admite aferir a realidade educacional de
todo o país e identificar o fosso entre as redes de ensino particular e pública.
O controle da educação a partir dessas ferramentas de avaliação decorre da
imposição de instituições financeiras como o Banco Mundial que possui
seus alicerces capitalistas e carecem, por conseguinte, ajustar todos os setores
incluindo o educacional aos padrões dos organismos internacionais. “Assim o
ENEM além de direcionar os conteúdos, o acesso às universidades também
insere a educação na cadeia financeira. E limita as especificidades regionais de
uma participação mais concreta”.
A pesquisadora Dayse Marinho Martins (2014), elenca outra consequência
do Enem para a História Local/Regional, segundo essa autora:

No que concerne à disciplina História do Maranhão, as diretrizes curriculares da


rede estadual reduziram o enfoque da temática a conteúdos esparsos mesclados a
questões globais ou nacionais. A referida conjuntura ilustra a adequação do ensino
à necessária melhoria dos índices educacionais preconizada pelo documento em
questão, ou seja, privilegia conteúdos globais contidos nos exames nacionais
(MARTINS, 2014, p. 197).

Na conclusão de sua pesquisa, Silva (2017) observou que os docentes e


discentes quanto ao ensino de História consideram seu estudo importante,
apontam como uma falha os currículos não abordarem essa temática. Contudo,
os professores entrevistados confirmam sua hipótese, quando questionados se
trabalham os conteúdos de História do Maranhão em suas aulas, justificando

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 22


com os seguintes argumentos, sintetizados pela autora:

[...] essa temática não faz parte do currículo da série que trabalham endossam
o planejamento e o registro de conteúdo no diário eletrônico. A ausência desse
conteúdo no currículo torna- se um problema por que não é prioridade, não
é contemplado pelo ENEM, e os documentos oficiais que regem a educação
trabalham em formato de sugestão, sendo assim por mais que haja interesse dos
docentes, esbarram no cumprimento de outras demandas. O ensino de história
local exige do professor base teórica e recursos pedagógicos que auxiliem na
sua prática por isso perguntamos sobre as dificuldades para desenvolver essa
abordagem, e compreendemos o desconforto dos docentes ao elencarem alguns
entraves como a necessidade de um material didático comum para os discentes,
turmas cheias que comprometem uma atividade de campo, mas sobretudo,
a quantidade excessiva de conteúdo que já são exigidos na carga horária da
disciplina (SILVA, 2017, p. 34).

Considerações finais

Diante do exposto, notamos que, com a implementação do ENEM, os


conteúdos específicos da História do Maranhão, que ainda eram contemplados
no currículo nacional, deixaram de ser exigidos, fazendo com que os estudantes
se interessem menos ainda pela história local, assim como muitos docentes
diminuam a já insignificante carga-horária dedicada a esses conteúdos.
Assim, reiteramos a importância da História Local/Regional no ensino de
História, neste caso, a História do Maranhão. O indivíduo faz uso da História
para estudar a experiência humana dos outros no tempo, com essa pretensão,
na História deve haver o cuidado na seleção dos conteúdos e sua organização,
já que a finalidade desse ensino visa contribuir para a formação de consciências
individuais e coletivas.
Nesse sentido, para Schmidt (2007), a História Local/Regional tem papel
fundamental em produzir a inserção do estudante na comunidade da qual
ele faz parte, “criar a sua própria historicidade e produzir a identificação de si
mesmo e também do seu redor, dentro da História, levando-o a compreender
como se constitui e se desenvolve a sua historicidade em relação aos demais,”
compreendendo “quanto há de História em sua vida, construída por ele mesmo,
e quanto tem a ver com elementos externos a ele – próximos/distantes; pessoais/

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 23


estruturais; temporais/espaciais” (SCHMIDT, 2007, p. 190).

Referências

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Nacional (Lei n. 9.394, de 20/12/1996). Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em: < http://
portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf>. Acesso em: 17 maio.2017.
BRASIL. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
história, geografia. Brasília: MEC/SEF, 1997, v.5, p. 19-45.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio).
Brasília: MEC, 2000.
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo, Cortez
Editora, 2012.
CABRAL, Maria do Socorro Coelho. O ensino de História do Maranhão no 1º Grau (3a. e
4a. Séries). Cad. Pesq. São Luís, UFMA, jul./dez. 1987.
CABRAL, Maria do Socorro Coelho. O Papel do Negro na historiografia. Cad. Pesq. São
Luís, UFMA, jan./jun. 1988.
DIAS, Maria da Graça Bompastor Borges. O desenvolvimento das competências que
nos permite conhecer. In: BRASIL, Exame Nacional do Ensino Médio. Textos teóricos
metodológicos. Brasília: MEC/INEP, 2009.
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Nadir Emma (Orgs) A memória e o ensino de História. Santa Cruz do Sul: EDUNISC –
ANPUH – RS, 2000, p. 23-38.
GODÓIS, Antônio Batista Barbosa de. História do Maranhão: Para uso dos alunos da
escola normal. 2 Ed. São Luís: EDUEMA, 2008.
GOMES, Márcio Henrique Baima. A história do Maranhão no currículo do ensino
médio (1996 – 2016). 2017. 125f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação
em História, Ensino e Narrativas, Universidade Estadual do Maranhão, São Luís, 2017.
MARTINS, Dayse Marinho. Currículo e Historicidade: a disciplina História do
Maranhão no sistema público estadual de ensino (1902-2013). 2014. 263 f. Dissertação
(Mestrado em Cultura e Sociedade) – Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2014.
MARTINS, Dayse Marinho; MATEUS, Yuri Givago Alhadef Sampaio. Um olhar sobre
os Livros didáticos no Ensino de História do Maranhão. Outros Tempos, vol. 17, n. 30,
2020, p. 43-68.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 24


MATEUS, Yuri Givago Alhadef Sampaio. A BALAIADA NA SALA DE AULA: ensino
de História do Maranhão Imperial e a produção do paradidático “A Guerra da Balaiada”.
2018. 196 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e
Narrativas, PPGHEN – Universidade Estadual do Maranhão, São Luís, 2018.
PACHECO, Ricardo Aguiar. PINTO, Monike Gabrielle de Moura. O Enem como
referência para o ensino de História. Cadernos da Pedagogia. São Carlos, Ano 8 v.8 n.15,
p. 76-85, jul-dez 2014.
PORTARIA MEC Nº 438, de 28 de maio de 1998. Institui o Exame Nacional do Ensino
Médio - ENEM
SILVA, Francineia Pimenta e. O ENEM e o ensino de História: o lugar da história local
no ensino médio. 2017. 120f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em
História, Ensino e Narrativas, Universidade Estadual do Maranhão, São Luís, 2017.
UEMA. PPGHEN: Dissertações. Disponível em <http://www.ppghen.uema.br/>.

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CAPÍTULO 2

O ENSINO DA LEITURA DA CHARGE EM PERSPECTIVA


DISCURSIVA E INTERDISCIPLINAR NO ENSINO
FUNDAMENTAL

Claudia Maria Chiarion

Introdução

Este artigo é um recorte do trabalho de pesquisa de doutorado1,


fundamentado em uma perspectiva discursiva, que objetivou refletir sobre a
importância da leitura crítica das charges com alunos do ensino fundamental,
com o intuito de contribuir na sua formação leitora do gênero discursivo charges
em seus diversos aspectos e possibilidades.
Ensinar leitura nessa perspectiva é perceber que as interações verbais e
sociais são constituintes na construção de conhecimento. Assim, o ponto fulcral
dessa pesquisa foi: que leitor/leitora a escola deve formar? Dessa pergunta
nasceu a problematização da tese, que está centrada na seguinte questão: como
a abordagem discursiva pode colaborar no ensino da leitura crítica e proficiente
dos gêneros charge num trabalho interdisciplinar no ensino fundamental?
Emergiu desse problema, ainda, a necessidade de estabelecer uma parceria
com os professores da área de humanas – Língua Portuguesa, História, Geografia,
Artes e Inglês – para desenvolver um trabalho de leitura com os alunos do 8ª
ano2 do Ensino Fundamental e, especialmente, como o trabalho coletivo desses
docentes poderia corroborar para aprendizagem da leitura crítica dos alunos.

1 Tese defendida em julho de 2018 na Universidad Columbia del Paraguay - PY


2 A pesquisa aconteceu em uma unidade escolar municipal localizada no município de São José dos Campos-SP. Participaram
todos os alunos matriculados nos 8º anos A.B.C.D.

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-2 26
Tendo definido os parâmetros da pesquisa, o trabalho foi organizado por
intermédio de leituras bibliográficas e utilização de questionário estruturado
fechado, segundo (MORESI, 2003), e posteriormente aplicados aos sujeitos desta
pesquisa. A metodologia aplicada foi qualitativa e quantitativa, participaram
todos os alunos matriculados nos 8ª ano A, B, C, e D do Ensino Fundamental
II, os docentes das áreas de humanas de uma escola municipal, e o coordenador
pedagógico. Para embasar essa pesquisa buscou-se nos postulados a base do
pensamento bakhtiniano inserindo-se numa perspectiva enunciativo-discursiva
da linguagem.
Há muito repousava a preocupação do ensino da leitura nas escolas e,
para a tessitura dessa pesquisa, cabe dizer que o envolvimento da pesquisadora
iniciou-se com as indagações e inquietações como docente3. Elas começaram a
ser (re)significadas no grupo de pesquisa, de linha bahktiniana, na UNITAU4,
quando a visão de professora de Língua Portuguesa, atuando em sala de leitura5,
se ampliou.
Com esse grupo de pesquisa, houve a motivação em aprofundar
teoricamente o ensino de leitura com fundamento teórico discursivo - que
concebe o sujeito constituído de linguagem, e propõe leitores situados, que se
engajam, e se posicionam em relação ao que leem com criticidade, a fim de se
tornarem letrados no mundo globalizado.
Essas experiências foram sementes do despertar para o questionamento
do ensino da leitura numa perspectiva mais ampla e, dessa experiência pessoal,
foi proposto um trabalho interdisciplinar na escola, lócus da pesquisa, com
o gênero discursivo charge, seguindo orientação dos PCNs. Nesse sentido,
a interdisciplinaridade deve partir da necessidade sentida pelas escolas, dos
professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que
desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez
vários. Explicação, compreensão, intervenção são processos que requerem um
conhecimento que vai além da descrição da realidade e mobiliza competências
cognitivas para deduzir, fazer inferências ou previsões a partir do fato observado
(BRASIL, 2000, p.76). Em parte, porque a fragmentação curricular prejudica

3 A pesquisadora também lecionava na unidade escolar como docente em sala de leitura.


4 Universidade de Taubaté
5 Todas as escolas da rede municipal têm salas de leitura. O principal objetivo é despertar o prazer de ler. Nesse espaço,
coordenado por até dois professores responsáveis, o aluno é introduzido no universo da leitura, por meio de histórias,
debates, dinâmicas em grupos, dramatizações. http://www.sjc.sp.gov.br/secretarias/educacao_cidadania/sala_de_leitura.aspx

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a aprendizagem, e não possibilita que o aluno se torne um leitor proficiente.
Sendo assim, viver em uma sociedade contemporânea, globalizada, onde o
conhecimento está em constante evolução, exige que nossos alunos tenham
conhecimentos de leitura que permitam a ele esse acesso ao conhecimento
intelectual e, por consequência, o desenvolvimento que o levará a construção da
sua autonomia como ser humano.
Outro questionamento se refere ao contexto do ensino tradicional da leitura
que trabalha com foco, especificamente, nas habilidades hierarquizadas, como:
decodificar, identificar a ideia principal no texto, ou seja, centrada na repetição
e memorização, além da mentalidade de professores de outras áreas atribuírem a
função de ensinar a ler exclusivamente ao professor de Língua Portuguesa.
Essa visão reducionista prejudica o ensino, pois todo educador é responsável
pelo ensino da leitura “é preciso ensinar métodos que permitam estabelecer as
relações recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo”. (MORIN,
2000, p.14).
Assim, para que o trabalho com a leitura dentro das escolas seja eficaz, é
preciso concebê-la como responsabilidade de todos os educadores na sua prática
docente, assumindo-a como meio de construção do conhecimento (MORIN,
2001), acredita-se que trabalhar com a interdisciplinaridade pode favorecer a
qualidade do ensino, mas, segundo o autor “para seguir por esse caminho, o
problema não é bem abrir as fronteiras entre as disciplinas, mas transformar
o que gera essas fronteiras: os princípios organizadores do conhecimento”.
(MORIN, 2002, p. 24-25).
O foco do trabalho interdisciplinar deve ser sempre assegurar a
complementaridade, as trocas, com um mesmo objetivo: proporcionar aos
alunos a apropriação dos conhecimentos, além da capacidade leitora proficiente
criando um ambiente que favoreça a oportunidade de aprender a todos os alunos.
Assim, partindo dessas indagações, a pesquisa se justificou na medida em
que se entende que o objetivo maior da escola seja formar o leitor proficiente, e
dessa maneira, como pesquisadora, estaria relacionando três eixos interessantes:
a leitura da charge, a teoria dialógica do discurso e o trabalho interdisciplinar.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 28


Leitura, teoria discursiva e interdisciplinaridade

Nos dias de hoje, com o fenômeno da globalização, com a expansão da


tecnologia e dos meios de comunicação, os jornais e revistas se tornaram cada vez
mais subjetivos na transmissão dos fatos. Essa atual fase da globalização provocou
reações e obrigou a uma redescoberta das particularidades, das diferenças e esse
processo de integração global também estabeleceu uma nova relação entre as
culturas, dessa forma, ela perpassa pela sociedade contemporânea e rompe
fronteiras, integrando e conectando o homem pós-moderno.
A relevância da leitura é tema consensual e conhecer os processos e
mecanismos envolvidos nesta aquisição leitora dos alunos é fundamental para a
adequação do ensino e para a prevenção das dificuldades de aprendizagem nesta
área.
A busca pela promoção da leitura e o desempenho dos alunos nessa
aquisição leitora tem preocupado não só pesquisadores e pedagogos da área,
mas os órgãos governamentais como uma prioridade política. Os resultados dos
estudos internacionais não têm sido particularmente elogiosos no que tange
às competências leitoras dos alunos, como visto em resultados do SAEB/Prova
Brasil que tratam dos níveis de escala e desempenho em Língua Portuguesa do
Inep.
Inserida neste grande contexto no processo ensino-aprendizagem,
a leitura tem se constituído, nas últimas décadas, uma preocupação dos
pedagogos e estudiosos na formação educacional de jovens educandos. Assim,
dessa preocupação na prática pedagógica, emergem muitas teorias e modelos
explicativos para o fenômeno complexo da leitura, alguns se sucedem ou
coexistem.
Teóricos e estudiosos na área têm buscado um modelo que consiga dar
conta e suprir as necessidades, além de atender às expectativas previstas na LDB.
Partindo desse pressuposto, há uma gama de teorias e de modelos disponíveis
no processo de aquisição leitora, no entanto, cabe reforçar que a ênfase do nosso
estudo foi a leitura do gênero discursivo charge, no entanto, não tem como
dissociá-lo do processo inicial que se dá na alfabetização, e, por conseguinte, no
letramento.
Sobre a leitura, há de se levar em conta suas demandas históricas. Ou seja,
anterior à emergência de se ler o mundo globalizado, existiam outras demandas

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 29


relacionadas ao ato de ler: primeiramente, foi suficiente ensinar na escola o
domínio do código e a decifração.
Infelizmente, a leitura permaneceu inacessível às classes populares por
muito tempo. Bernard Mandeville, em 1723, já dizia que “ler, escrever, contar é
[...] muito perniciosos ao pobre [...]. Homens que devem permanecer e terminar
seus dias numa árdua, fatigante e dolorosa quadra da vida, quanto antes a ela se
acostumar, mas pacientemente a suportarão” (apud ABREU, 1999, p.13). Essa
mentalidade impedia que a camada mais pobre tivesse acesso à leitura.
Com base em dados do IBGE6, para o Brasil, as taxas de analfabetismo
têm ainda índices preocupantes. Ao longo da última década, o Ministério da
Educação construiu uma política sistêmica de enfrentamento do analfabetismo.
Este se tornou um campo de investigação profícuo e instigante para muitos
pesquisadores.
A escola constitui o espaço por excelência de aprendizagem, valorização e
consolidação da leitura, cooperando com o processo de legitimação do código
escrito no mundo capitalista. Não aprender a ler é estar de fora desse mundo.
Um leitor proficiente deve ser capaz de atribuir valor as informações
veiculadas, construindo assim, o seu posicionamento crítico. Ler não é só
decifrar, como num jogo de adivinhações o sentido de um texto. “É a partir
do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os
outros textos significativos” (LAJOLO, 2009, p.59).
Esse novo processo que integra o homem e o conecta ao mundo também
cria a necessidade de um leitor capaz de ler e compreender os diferentes tipos
de discursos com proficiência e tornou-se uma competência indispensável para
o êxito social e profissional, revelando-se essencial na formação do homem em
geral na sociedade. Segundo Paulo Freire (2005) “aprender a ler, alfabetizar-se é,
antes de tudo, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa
manifestação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica”.
Assim, a linguagem ultrapassa sua função comunicativa, ela permite ao
homem vivenciar, abstrair e generalizar um processo de interlocução com seus
semelhantes, bem como, formular conceitos e atividades mentais complexas.
Nesse novo mundo, ler é ir além da decodificação; é agir criticamente de acordo
com a expectativa criada pelo gênero discursivo.

6 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE se constitui no principal provedor de dados e informações
do país, que atendem às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas
governamentais federal, estadual e municipal.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 30


No entanto, para que o leitor se torne ledor crítico ele deve ultrapassar essa
barreira e se ater à ideologia subjacente ao discurso, ou seja, deverá saber ler o
implícito, reconhecer que todo e qualquer discurso representa outro ponto de
vista e que autor e leitor se posicionam em relação ao que leem.
Ao conceber as charges como gênero discursivo não se leva em conta
somente a materialidade do discurso, mas a soma entre ele e contexto sócio-
histórico-cultural como uma prática social mediada pela linguagem. A partir
desses postulados, buscou-se para esse estudo construir um aparato teórico-
metodológico que possibilite vivenciar a leitura dos gêneros charge em sala de
aula.
E todo esse conhecimento se dá geralmente nesse confronto das diferenças;
e o ambiente escolar é um dos laboratórios que favorece essa construção, pois ela
é um espaço social, capaz de promover à aquisição do conhecimento. A escola é
como um complexo vivo, que engloba uma variedade de disposições culturais,
portanto, é um universo impregnado de heterogeneidade. É o espaço perfeito
para iniciar uma revolução nos antigos paradigmas.
Quando se imagina uma sala de aula em um processo interativo, acredita-
se que todos terão possibilidade de aprender a ler, estabelecer relações entre
os gêneros discursivos e com as outras áreas do conhecimento, levantar suas
hipóteses e, chegar à conclusão que aprender é parte de um amplo processo
dinâmico de construção.
Nesse prisma, ensinar a leitura na perspectiva dialógica apresenta-se como
uma alternativa, pois ela é de natureza social, portanto, ideológica, não existindo
fora do contexto sócio-histórico-cultural que assume uma concepção dialógica
de interação, que se aproxima do regimento da LDB, que preconiza um leitor
consciente, proficiente e crítico.
O ponto de partida dessa pesquisa foi então alicerçado sob as bases teóricas
de Bakhtin e seu Círculo que constroem sua teoria dialógica do discurso. A base
que fundamenta a perspectiva discursiva postula que os sujeitos, ao falarem, não
apenas expressam seu pensamento; mas, sobretudo, exercem uns sobre os outros
e produzem pontos de vista, ou seja, assumem posições axiológicas de sujeito.
Em resumo, a noção de linguagem/língua na perspectiva discursiva é
entendida como um fenômeno vivo que se nutre do contínuo desenvolvimento
social, ou seja, o dialogismo não é apenas a referência de um texto a outro, mas
as relações (dialógicas) que se dão entre as vozes, essas vozes expressas em um

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 31


mesmo texto ou em diferentes textos, ou nos diálogos face a face do cotidiano
ou em amplos diálogos que se estabelecem, marcadas ou veladamente, elas
interagem, por meio de sujeitos que as enunciam.
Essa multiplicidade de vozes está, portanto, intrínseca ao discurso, elas
constituem a partir das diferentes experiências de interação humana. Essa
concepção faz considerar que a linguagem não é reflexo direto da realidade dos
fatos da vida, mas materializa-se como construção discursiva dos fatos sociais e
é percebida a partir dos signos ideológicos e nos juízos de valores sobre o qual o
sujeito está inserido.
Dentro deste constructo, cabe ainda incluir o contexto “extra verbal”, que
seria composto pela articulação do verbal e o não verbal, o dito e o não dito,
o posto e o pressuposto, o entendido e o subentendido é o todo, ou seja, é
constitutivo da linguagem.
São essas diversas vozes que constituem o sujeito comunicante por meio do
dialogismo, pois para Bakhtin (2003) o homem é um ser social que pronuncia
e ao fazê-lo se faz por meio dos gêneros discursivos.

Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que


o organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a moldar o
nosso discurso em forma de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já
adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras [...] (BAKHTIN, 2009).

Nesse sentido, em toda situação comunicativa, oral ou escrita, existe


um modo de organização verbal, socialmente constituído, que consagra um
repertório de estruturas enunciativas que orienta o locutor no uso da língua e na
compreensão dos enunciados, e essa profusão de vozes do discurso se materializa
na forma de gêneros.
A competência leitora está ancorada no domínio de saberes compartilhado
no mundo social no qual esse enunciado está inserido. Tal fenômeno pode ocorrer
de forma intuitiva sem que o leitor se dê conta dos mecanismos utilizados para
a compreensão dos discursos. Assim, a leitura de charges, em uma perspectiva
discursiva, é muito mais que uma atividade de mera decodificação, visto que
o leitor para produzir sentido ao que lê precisa estabelecer arregimentação das
vozes e posições discursivas dos diversos interlocutores e enunciadores inscritos
no discurso.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 32


Demanda, assim, um processo de organização de sentidos exposto sob os
diferentes segmentos que dá materialidade a esse discurso. Para ler é preciso
que o leitor construa significados e os compreenda considerando o discurso,
o contexto onde se realiza o enunciado. Visto sob a ótica da enunciação, para
ler uma charge é preciso ter um conjunto de habilidades competências que
possibilitem a interpretação deste global desse discurso.
Dessa forma, o leitor ao final da leitura deve perceber que o chargista
recupera as informações veiculadas na mídia, geralmente notícias anteriores,
para que, em seguida, possa fundi-las e direcioná-las no momento da criação da
charge.
Nesse sentido, ensinar a leitura deve acontecer continuamente com
as diferentes formas e objetivos no contexto do cotidiano, e, para que tenha
sentido para o discente, ele precisa interagir com uma gama de gêneros para
ampliar seu repertório, os seus objetivos e interesses. Nesse sentido, o trabalho
interdisciplinar se torna viável para preencher essa lacuna, pois todos os
professores, independentemente da disciplina que lecionam, são responsáveis
pelo ensino de leitura.
Paulo Freire (1996) buscou em suas pesquisas evidenciar a importância
do trabalho interdisciplinar, como uma possibilidade de transformar e torná-lo
novo, pois “ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi
novo e se fez velho e se dispõe a ser ultrapassado por outro amanhã” (FREIRE,
1996, p. 31). Para o autor, o conhecimento é uma construção contínua e, neste
sentido, fica evidente a importância da interdisciplinaridade na produção do
novo conhecimento, na ampliação de novos horizontes.
A interdisciplinaridade apresenta-se como o “novo” diante do conhecimento,
em todas as esferas onde os indivíduos atuam no coletivo, visando sempre
garantir a construção de um conhecimento globalizante, rompendo com os
limites das disciplinas fragmentadas. Tal reivindicação visava um novo olhar na
concepção do ensino e a aprendizagem, pois, para o contexto, já não era mais
possível aceitar um conhecimento fragmentado e desconectado do cotidiano e
do mundo.
O estudo da leitura da charge, em perspectiva discursiva e interdisciplinar
é uma oportunidade de trabalho em sala de aula, pois permitem atividades
com outros discursos, motivando os educadores na formação crítica de leitores,
capazes de se posicionar socialmente e exercer sua cidadania nas variadas esferas
de atividade humana.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 33


Metodologia

O trabalho foi organizado por intermédio de leituras bibliográficas.


Na esfera metodológica, a pesquisa se classificou como levantamento de dados
(DIEHL e TATIM, 2004, p. 60), com abordagem quali-quantitativa, cujos
dados foram apurados mediante observação e participação nas aulas, além dos
questionários7 diagnósticos com perguntas estruturadas fechadas que segundo
Moresi (2003) é o instrumento mais usado para o levantamento de informações.
Após a aplicação do questionário diagnóstico8, os alunos tiveram a segunda
etapa da pesquisa composta por 06 aulas expositivas, mas antes foi oferecida
aos docentes e coordenador pedagógico uma formação sobre a teoria discursiva
Bakhtiniana, com objetivo de embasar o trabalho de intervenção. Após essa
etapa, foram ministradas aulas com a presença dos discentes, respeitando o
horário de cada disciplina.
Encerrado a segunda etapa foi aplicado outro questionário pós-intervenção
com foco na aferição da aprendizagem e que contou com a participação de 1039
alunos matriculados nos 8º anos A. B. C. e D. na mesma Unidade Escolar10, dois
docentes11, e um coordenador pedagógico, no total de 106 participantes.

Discussão e Resultados

Para analisar essa pesquisa, optou-se por apresentar a interpretação


por meio das temáticas: leitura das charges, perspectiva discursiva, trabalho
interdisciplinar e dividida em três partes que compuseram a pesquisa. O
questionário diagnóstico foi muito importante, pois, a partir das respostas,
puderam ser traçados os percursos da pesquisa e principalmente orientou a

7 Os questionários foram realizados em meio digital, utilizando a ferramenta Google Forms.


8 Por se tratar de um volume de 109 discentes, demorou dois dias para concluir essa etapa, mas, desse modo, todos os 109
alunos participaram, respondendo ao questionário. O questionário diagnóstico dos docentes e do coordenador também foi
aplicado na mesma sala, usando o laptop da pesquisadora, que estava disponível na página do Google Forms e online. Todos
os professores da área de humanas responderam as questões. Desse modo, conseguiu-se que todos os sujeitos da pesquisa
participassem (100%). Aplicados os questionários foram agendadas com os professores as aulas de leitura das charges,
respeitando o horário normal de cada disciplina.
9 Seis alunos foram transferidos, ou seja, a pesquisa iniciou-se com 109 alunos e somente 103 responderam o questionário
pós-intervenção.
10 O lócus da pesquisa foi uma escola municipal, localizada no município de São José dos Campos-SP.
11 Os três docentes participantes da primeira etapa do questionário não trabalhavam mais na Unidade Escolar.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 34


pesquisadora para a elaboração da formação dos docentes referente a teoria
discursiva, bem como, orientou a intervenção em sala de aula no ensino da
leitura das charges.
As questões do questionário diagnóstico aplicado aos alunos nas questões
nº 1, 2 e 4 dizia respeito ao conhecimento da charge, sua composição gráfica e
a linguagem verbo-visual e, por fim, relacioná-las com a imagem de uma charge
veiculada na Folha de S. Paulo. Em síntese dessas três questões, evidenciou que
os alunos não tinham conhecimento das características da charge, pois eles
atribuíram que tiras e charges era a mesma coisa, e, quando se trabalha com a
perspectiva dos gêneros discursivos, segundo Bakhtin (2003), é extremamente
importante ensinar as características específicas de cada gênero, além de mostrar
onde são veiculadas, nesse caso, o Jornal Folha de S. Paulo.
As questões nº 1, 4, e 6 do questionário diagnóstico, aplicado aos docentes,
e as questões nº 6, 8 e 10 aplicadas ao coordenador, estavam relacionadas com
o conhecimento da charge. Resumindo as seis questões, pôde-se perceber que
os docentes e o coordenador tinham um conhecimento superficial do gênero
charge. Com essas respostas, foi possível e necessário à pesquisadora traçar um
plano de formação que atendesse os docentes e o coordenador acerca do gênero
discursivo charge.
As questões 2, 3 e 5 diziam respeito ao trabalho dos docentes com a
leitura das charges e com a linguagem verbo-visual. Segundo os dados coletados
no questionário, os docentes afirmaram contemplar em seus planos o estudo das
charges e outros gêneros com linguagem verbo-visual. Quanto ao questionário
diagnóstico dos alunos na questão 2, foi perguntado se, em algum momento,
algum professor já havia trabalhado a leitura da charge com eles, e mais de 80%
dos alunos afirmaram que os docentes trabalharam em sala de aula a charge.
Ainda no questionário diagnóstico dos docentes, foi perguntado, nas
questões nº 2, 4 e 7, que diziam respeito da matriz curricular que rege o ensino
no município de São José dos Campos, se os docentes tinham o conhecimento
do documento e se o mesmo contempla o ensino das charges e de gêneros com
linguagem verbo-visual. Nos dados coletados, os docentes afirmaram conhecer
o documento, e afirmaram também que eles contemplam o ensino das charges
e da linguagem verbo-visual; já o coordenador afirmou não ter conhecimento se
o documento contemplaria o ensino das charges e da linguagem verbo visual.
As questões 5, 2, 3, 8 e 10 do questionário diagnóstico diziam respeito à
importância da formação dos docentes e do coordenador pedagógico sobre o

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 35


trabalho de charge e a leitura verbo-visual. Pelas respostas obtidas no questionário
diagnóstico dos docentes e da coordenação, percebeu-se que eles conheciam
a perspectiva discursiva apenas superficialmente. Com essas informações em
mãos, a pesquisadora traçou um plano de formação em perspectiva discursiva e
interdisciplinar com esses docentes e coordenadora antes da intervenção em sala
de aula.
Após a leitura dos resultados do questionário diagnóstico foi necessário
oferecer aos docentes e coordenador uma formação para trabalhar a leitura das
charges em perspectiva discursiva, bem como, oferecer subsídios teóricos acerca
do trabalho interdisciplinar.
No primeiro momento da aula, foi preciso trabalhar com os alunos e
docentes das áreas de humanas as diferenças entre os gêneros tira e charge, dentro
de um paradigma discursivo (BAKHTIN, 2003). Esses dados apareceram no
questionário diagnóstico que revelou que os alunos atribuíram à tira como se
fosse uma charge. Esse foi o ponto de partida nos estudos de leitura em um
trabalho interdisciplinar em sala de aula.
Após as discussões com os alunos acerca dos gêneros discursivos, focou-se
propriamente na leitura de duas charges, ambas veiculadas no jornal Folha de
S.Paulo conforme ilustração a seguir:

Durante a aula, foi necessário acionar outras informações, por exemplo,


mostrar aos alunos as notícias e reportagens sobre a PEC (tema central das
charges). Outro exemplo do uso da internet foi para mostrar onde são veiculadas
as charges e as tiras.
Após a intervenção que se deu através de seis aulas expositivas de leitura,
foi aplicado um questionário pós-intervenção12 com todos os participantes

12 Os números de participantes do questionário pós-intervenção difere dos primeiro, pois seis alunos foram transferidos, ou

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 36


envolvidos: um coordenador pedagógico, 02 docentes e 103 discentes; e, pelas
respostas, pôde-se perceber que todos concordaram ser importante trabalhar a
leitura sob a perspectiva discursiva, pois ela ampliou a visão de mundo quando
os conectou a outros discursos e contextos.
Percebeu-se durante a pesquisa que os docentes trazem ainda enraizados
a antiga metodologia tradicional de lecionar, há entre eles uma resistência em
romper com esse modelo técnico de ensinar.
Durante a intervenção, percebeu-se claramente essa resistência dos docentes
em participar como regentes, ou seja, dos cinco participantes da pesquisa, apenas
a docente de Geografia aceitou ministrar a aula com seus alunos. Já os demais
professores da área de humanas preferiram ficar como “espectadores”.
Lembrando que a proposta da pesquisa era que os professores, após
receberem a formação dada pela pesquisadora, que os embasava na teoria
discursiva e no trabalho interdisciplinar, assumissem e pusessem em prática o
ensino de leitura sob essas perspectivas. No entanto, diante da recusa em atuar
como docentes ministrando as aulas, quem assumiu a regência das aulas de
leitura foi pesquisadora – que deveria apenas atuar como mediadora.
Assim, com base nos resultados do questionário pós-intervenção, verificou-
se que todos os participantes concordam que o trabalho interdisciplinar colaborou
no processo de aprendizagem significativa da leitura de charges. Percebe-se isso
no resultado das questões 2 e 3 dos alunos; 1, 7 e 5 dos docentes; e 1 e 2 do
coordenador, seguindo nessa ordem de respostas respectivamente.
Todos os docentes e coordenador assinalaram ser importante trabalhar
interdisciplinarmente. No entanto, faltou ficou evidente que falta mais
conhecimento para embasar o trabalho interdisciplinar, mais acesso à formação
continuada.
No que diz respeito à qualidade e importância da formação continuada,
tanto os docentes quanto o coordenador afirmaram ser importantes, como visto
nas respostas dos das questões 4 e 6; e das respostas do coordenador nas questões
3, 4, 5, 6 e 7. Ambos afirmaram que, após a formação dada pela pesquisadora,
seus conhecimentos foram ampliados, pois o domínio de teorias é o resultado
de práticas efetivas, significativas, contextualizadas.

seja, a pesquisa iniciou-se com 109 alunos e somente 103 responderam a ultima etapa. Os três docentes participantes da
primeira etapa do questionário saíram da unidade escola antes do término da pesquisa.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 37


Sabe-se que mudanças não acontecem da noite para o dia, o trabalho
interdisciplinar deverá ser incorporado gradativamente. Esse novo paradigma de
trabalho em conjunto não deve ser entendido nem aplicado de modo a anular
à contribuição de cada disciplina e sua importância em particular, mas ser uma
conduta que venha a impedir que se estabeleça a supremacia de determinada
ciência, em detrimento de outras igualmente importantes à construção do
conhecimento.
Outro item importante destacado nesse trabalho, e que pode ser um
percalço no trabalho interdisciplinar, está relacionado com a permanência do
docente nas escolas. O projeto iniciou-se com cinco participantes. Após as aulas,
somente dois professores permaneceram na unidade escolar, como visto nos
questionários pós-intervenção que contou com as respostas de dois docentes.
Esse “rodízio” prejudica o funcionamento da escola, os professores não criam
vínculo com os alunos, não investem na sua própria formação.
De acordo com resultados dos questionários pós-intervenção pode-se
afirmar que ensinar leitura sob a luz da teoria discursiva mostrou-se eficaz no
trabalho em parceria com docentes e discentes, como visto nas respostas dos
alunos nas questões 1, 2, 3 e 7, que mostrou o resultado da aprendizagem,
ou seja, após a intervenção em sala de aula, mais de 80% das turmas do 8º A.
B. C. e D. se apropriaram da leitura do gênero discursivo charge, aprenderam
suas características específicas, a linguagem verbo-visual e seus recursos, como
desenhos, representação de expressões corporais e faciais, onomatopeias, recursos
gráficos, o uso das cores (que são significativas e acrescentam sentidos, além de
serem carregadas de significação).
Assim, para trabalhar a leitura em um contexto discursivo e interdisciplinar
é preciso concebê-la como algo mais amplo, significa discutir com os gêneros
do discurso, replicando e avaliando posições e ideologias que constituem seus
sentidos; é, enfim, trazer o discurso para a vida.
E a charge é um gênero que possibilita aos docentes e alunos essa ampla
discussão, pois ela vem carregada de vozes, de ideologias, ironia, sarcasmo,
que se manifestam em outros discursos, por exemplo, as notícias anteriores à
publicação das charges, pois deixam entrever ainda outras vozes.
Ensinar a leitura da charge considerando não só a materialidade do discurso,
mas todo contexto sócio-histórico-cultural como uma prática social mediada
pela linguagem e o uso das tecnologias, como a internet, favoreceu e despertou
no aluno o gosto da leitura proficiente, bem como, os tornou protagonistas do
processo de aprendizagem.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 38


Considerações

Sabe-se que a escola é um microcosmo da sociedade. Ela reflete seus


problemas e inquietudes. Nesse sentido, apesar de viver numa sociedade letrada,
na qual a linguagem está presente em vários suportes, o trato com leitura, no
âmbito escolar, ainda se faz de modo tradicional e muitas vezes ineficiente, num
nível superficial.
Na verdade, é preciso romper com esse antigo paradigma de ensinar
leitura só como decodificação ou apenas com foco no explícito. O docente deve
compreender que o processo da aquisição da linguagem é uma prática social
que leva em conta não apenas o aspecto material da língua, mas também todos
os significados resultantes do uso da linguagem em situações reais de interação
social.
Dessa forma, o processo de aquisição leitora resultará das relações sociais
oportunizadas pelo docente e seus alunos; isso implica o uso e a realização
efetiva da linguagem em suas mais diversas situações do cotidiano. No entanto,
é preciso que a escola proporcione um ambiente que os alunos sintam prazer
em aprender a ler, proporcionar vivências de aprendizado nos anos iniciais,
com bases sólidas desde a alfabetização e letramento. A aquisição da leitura
proficiente, certamente fará com que aluno compreenda e leia o mundo no qual
está inserido socialmente.
Assim, a escola e os docentes têm em mãos um grande desafio: ensinar
seus alunos decodificar o código e ir além; ensinar o sentido do que é lido,
a fim de formar cidadãos críticos e conscientes capazes de ter uma visão de
mundo emancipadora inclusive com a capacidade de promover uma ação social
transformadora.
É papel da escola também oportunizar a leitura com diferentes gêneros
discursivos, sabe-se que ler o gênero “charge” é uma tarefa difícil que exige do leitor
que seja acionado conhecimentos prévios, possibilita também uma interação do
leitor com a realidade, releva a criatividade do produtor, desperta a curiosidade
e o mantém atualizado de forma descontraída e humorada. Cabe ao leitor ainda
contextualizar o momento de produção da charge para que possa assim ter uma
atitude responsiva, concordando ou discordando do posicionamento ideológico
do chargista.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 39


No momento em que a leitura da charge é compreendida pelo leitor ela
forma a opinião, assim ler sob esse prisma exige do leitor que ele saiba ir além
da decodificação, exige que ele consiga ler o conjunto, o explícito, implícito,
perceber intenções e tirar conclusões acerca do que foi lido, um exemplo disso é a
presença da ironia, do sarcasmo, da ambiguidade nas charges, para compreendê-
los são exigidas do leitor essas habilidades.
Essa pesquisa pretendeu que os alunos se tornassem leitores e ledores
como aquele que compreende aquilo que lê, e que diante do que lê, assume
uma posição no que concerne a valores, ideologias, e outros discursos. Para se
construir essa visão de leitura com o aluno é necessário que a escola e docentes
adotem práticas de ensino coerentes com essa nova perspectiva discursiva.
Finalmente, espera-se que as ações desenvolvidas nessa pesquisa sejam
impactantes no que se refere à produção do conhecimento leitor, além da
melhoria visível na qualidade da educação. Ao creditar à leitura grande potencial
para o fomento à aprendizagem, insere uma nova concepção acerca do aprender,
além de motivar novas discussões a respeito da leitura crítica, e essa pesquisa
vem corroborar em como a teoria bakhtiniana pode auxiliar o trabalho docente,
bem como, formar leitores críticos, capazes de compreender e se posicionar
criticamente diante do que lê.

Referencias

ABREU, M. (Org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas, São Paulo: Mercado de
Letras: Associação de Leitura do Brasil. São Paulo: Fapesp, 1999.
BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas
fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 11.ed. Trad. Michel Lahud e
Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2009.
______. Estética da criação verbal. 4.ed. Trad. P. Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: bases legais. Brasília: MEC, 2000.
DIEHLL, A. TATIM, D. Pesquisa em ciências sociais aplicadas: métodos e técnicas. São
Paulo. Pearson Prentice Hall, 2004.
FREIRE. P. A importância do ato de ler. Cortez Editora. São Paulo: 2005.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo. Paz e
Terra, 1996.

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LAJOLO. M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. Ática. São Paulo, 2009.
MORESI, E. (Org). Metodologia da pesquisa. Brasília: PUC, 2003.
MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá
Jacobina. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
______. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad.: Eloá
Jacobina. 7a ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 200
______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.www.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 41


CAPÍTULO 3

PROJETO EDUCAR É TRANSFORMAR: UM CURSO PRÉ-


VESTIBULAR DE EDUCAÇÃO POPULAR VOLTADO PARA
DEMOCRATIZAR O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR
PARA PESSOAS LGBTQ+

Genival Gomes da Silva Júnior


Janelene Freire Diniz
João Guilherme Rodrigues Mendonça

Introdução

O tema desta pesquisa está posto na área de Educação e Relações de


Gênero e Sexualidade. Mais precisamente, trata sobre a escolarização e o acesso
à universidade de pessoas LGBTQI+. Foi realizado em um curso pré-vestibular
de educação popular chamado “Projeto educar é transformar desenvolvido
pelo Movimento Rua - Juventude Anticapitalista do estado de Pernambuco”,
com enfoque não só no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) mas
também no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e
Adultos (Encceja). A participação enquanto professor de química se deu no
ano de desenvolvimento de projeto por meio de uma chamada em rede social
e realização de inscrição para atuar como voluntário, por identificação com a
temática e por acreditar na proposta e nos projetos sociais que buscam a inserção
do oprimido nas camadas maiores de acesso ao ensino superior que são os
projetos de educação social. O projeto em si obteve 60 inscrições do público
LGBTQI+ e as aulas eram realizadas aos sábados.
O estudo possui foco no acolhimento das mulheres trans e público
LGBTQI+ em geral, em especifico mulheres trans, por sofrem bastante
discriminação da sociedade machista que vivemos assim como do grupo LGBT
por conta da aperência e de seu esteriotipo, principalmente em ambientes formais

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-3 42
de ensino, as escolas institucionalizadas, as quais por várias vezes provocam
evasão diante da hostilidade e preconceito dirigidos a quem desvia da norma
heteronormativa impregnada na sociedade.
O ensino de Química é oportuno não só porque por esta ser um
componente importantíssimo da nossa cultura. Acima de tudo, a natureza da
atividade científica a torna uma ferramenta com características únicas para o
desenvolvimento de habilidades essenciais a qualquer cidadão, assim como
a matemática e a física. Em sua maioria, os alunos sentem muita dificuldade
em questões voltadas às fórmulas matemáticas e cálculos, podendo, assim,
causar complicações em alguns conteúdos que serão trazidos pelo professor
quando trabalha introdução à química, que tem como essência a junção dos
conhecimentos abordados pelas disciplinas de química e física, além de exigir do
aluno um conhecimento de interpretação textual para que possa resolver questões.
Como resultado da investigação, foi possível observar que os estudantes ainda
sentem dificuldades nas disciplinas exatas, referentes a uma maior compreensão
em cálculos, fórmulas, principalmente, à leitura e, desta feita, com conteúdos
com referência à disciplina de matemática, que é um contexto de base escolar
de muitos alunos.
Com esse público em específico, a situação se torna ainda mais grave, pelo
fato de muitas mulheres trans já estarem longe da escola há mais tempo e não
lembrarem de muitos conteúdos trabalhados na escola.
Podemos inferir que alguns educadores se julgam não preparados para este
tipo de didática, de trabalhar com o diferente, por não serem bem formados
nas Instituições de Ensino Superior (IES). Com isso, deparamo-os com a
concepção de Gauthier et al. (1998, p. 20) para um dos grandes desafios à
profissionalização, no que diz respeito a dois erros: o primeiro estaria relacionado
ao fato de se conceber o ensino como um ofício sem saberes, em que “certas
ideias preconcebidas apontam para o enorme erro de manter o ensino numa
espécie de cegueira conceitual”. Para o ato de ensinar, nessa perspectiva, bastaria
conhecer o conteúdo, ter talento, ter bom senso, seguir a própria intuição, ter
experiência ou ter cultura.
O segundo erro envolveria a ideia do ensino como um corpo de saberes
sem ofício, o que levaria à formalização do ensino, mas de um modo em que
haveria uma redução de sua complexidade e, assim, ele não mais encontraria
correspondente na realidade. Esses saberes provocam o esvaziamento do
contexto concreto de exercício do ensino. A ideia de um ofício feito de saberes

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 43


deve nortear, conforme esses autores, o caminho em busca da profissionalização
docente.
No campo profissional, os educadores devem ser capazes de se colocar à
disposição da inovação, tanto científica quanto pedagógica. Cada professor deve
se preocupar em também se adequar aos diferentes tipos de alunos que uma escola
possui, às características de cada um, evidenciando a heterogeneidade em sala
de aula e lembrando que todos são diferentes e tem suas peculiaridades. No caso
das mulheres trans, elas se enxergam assim e devem, portanto, ser respeitadas,
deixando claro para o professor em sala de aula que ele deve se despir e não
tomar partido politico, religioso e social, pois ele é formador de ideias.
A evasão em si é decorrência da não aceitação do diferente, do não se sentir
pertencente, tornando-se uma forma de defesa dessa população vulnerável em
busca dos seus iguais, que é o que o projeto educar é transformar buscou realizar.

Por uma educação emancipadora, plural e inclusiva

Um número expressivo de voluntários(as) manifestaram-se e aceitaram


o convite. Desta feita, marcada uma reunião presencial, o projeto saiu do
imaginário e tomou forma. Foi do encontro de diferentes identidades com
diferentes histórias, diferentes idades, desejos e anseios inúmeros, mas um
desejo em comum se consolidou: o de criar um ambiente horizontal, autônomo
e popular de ensino destinado, inicialmente, a mulheres travestis e pessoas
transexuais binárias e não-binárias em prol da escolarização e a tão sonhada vaga
na universidade pública e/ou certificado de ensino médio.
Depois de toda essa articulação, as aulas começaram propriamente em
agosto de 2017. Com encontros aos sábados, das 13h às 17h, no Demec (R. do
Hospício, 762). A preocupação seria com o Encceja, que permite que pessoas
que deixaram os estudos concluam o ensino médio.
Apesar da falta de uma sala adequada e do número ainda relativamente
pequeno de aulas, o curso foi muito bem acolhido desde seu início, o que
permitiu que ele germinasse dia após dia no centro da cidade, pois estava posta
ali uma oportunidade para as mulheres trans através da qual elas poderiam ser
quem elas realmente são, não ser chamada de João, mas Joana, não de Nicolas,
mas sim Nycolle.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 44


Assim, o projeto se tornou parte fundamental para a população LGBTQI+,
visto que, à semelhança das pessoas de baixa renda, de negros e negras, a
população LGBTQI+, sobretudo de trans e travestis, já sofre um processo de
marginalização dentro do próprio ambiente escolar, pois não se sentem parte
do processo de escolarização, mesmo havendo A Resolução 1/18, que foi
homologada em janeiro de 2018, pelo então ministro da Educação, Mendonça
Filho. Esse documento permitiu que os alunos maiores de 18 anos solicitem que
a matrícula seja feita usando o nome social. Muitos professores ainda têm acesso
ao nome de registro das mulheres trans e se utilizam deles, muitas vezes com má
fé, como forma de agressão verbal, causando desconforto e explicitando a evasão
pelo não pertencimento das mesmas no ambiente escolar.
A evasão, inclusive, das pessoas trans e travestis não ocorre necessariamente
por livre escolha, mas compulsoriamente, devido ao processo de bullying, de
preconceitos, sofridos na escola, que é só mais um ambiente de opressão entre
diversos outros que estão estampados na sociedade.
Os números alarmantes são reflexo dos ambientes hostis proporcionados
pela discriminação de alunos e funcionários, situação que leva essas mulhures
trans e travestis a buscar outras fontes de renda, como a prostituição, não restanto
outras perspectivas, motivação e interesse para buscar estratégias de superação
dos mais diversos preconceitos vivenciados no ambiente escolar.

Desafio de ensinar Ciências

Aprender ciência, na perspectiva proposta por Bachelard (1996), significa


romper com experiências com o mundo sensível, significa colocar em crise
conceitos tradicionais da experiência comum. Entretanto, isso significa
estabelecer uma hierarquia de valor entre conhecimentos do senso comum e
científico, pois estes se referem a racionalidades diferentes, não redutíveis uma
à outra.
Autores como Weffort (1995), Gadotti (1995), Paro (2002) afirmam que
embora os currículos de ciências variem em função de diferentes contextos
sociais, todos eles se preocupam em desenvolver um entendimento adequado
sobre a natureza da ciência. Embora, segundo Hodson (1985), sempre tenha
havido a preocupação em implementar este objetivo no ensino de ciências.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 45


Uma grande questão é um grande desafio do ensino de ciências atual é o
de sensibilizar os educadores a incorporar a reflexão filosófica sobre o ensino
de ciências nos currículos e também nas visões que os professores transmitem.
Desta forma, provavelmente os estudantes passarão a conceber a ciência de uma
forma mais crítica, menos superficial e mais humana.
Não são recentes as preocupações em relação à ineficiência da formação
em química ao longo do EF. Em geral, os professores de ciências têm formação
deficiente em química, por isso é necessário intensificar o debate e a reflexão em
torno desta problemática para que a química, tão presente na vivência cotidiana,
possa ser mais contemplada na formação básica dos alunos, trazendo maior
contribuição para a melhoria na qualidade de vida.
Livros-texto definem o lugar da química no ensino fundamental no 9ºano,
ao longo de um semestre, na área de ciências. Paradoxalmente, os temas estudados
em ciências nas séries anteriores são o ar, a água, o solo, alimentos e alimentação,
saúde, meio ambiente, higiene, seres vivos, transformações, fenômenos, energia,
ciclos de vida, corpo humano. Vale perguntar: esses temas não são assuntos de
química? E que química é essa que não está presente em temas como esses?
Qual a especificidade do conhecimento químico que circula no meio escolar?
Que química é essa que se “ensina” nas escolas? (ZANOS; PALHARINI, 1995).
A escola é uma instituição com a missão de oferecer aos educandos diversos
saberes socialmente construídos visando à inserção dos estudantes na cultura de
seu grupo e o preparo do jovem cidadão para a vida em seu contexto social. Os
saberes socialmente construídos são matéria prima na interação entre o professor
e o aluno. Há, contudo, muita confusão na função social da escola. Uma parte
deste desarranjo relaciona-se com a linguagem utilizada na relação entre o
educador e o estudante. A relação entre professor e aluno, numa perspectiva
teórico-metodológica, implica numa aprendizagem relacionada a conteúdos
formais, seja em uma determinada disciplina, em nosso caso a química ou
currículo.
Segundo Marques, (2006, p. 89)

Surge assim a escola como lugar, tempo e recurso destinado às aprendizagens em


interação dialogal dos nelas interessados com o Outro socialmente qualificado,
para compartilhar do entendimento, da organização e da condução dos processos
formais do aprender mediado pelo ensinar.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 46


Inferimos, assim, que o educador deve atuar como mediador do
conhecimento, de forma que os alunos aprendam os saberes escolares em
interação com o outro, e não apenas recebam-no passivamente. É dessa forma,
que o docente contribuirá para que o aluno desenvolva o senso crítico e possa
cada vez mais participar ativamente de sua “prática social” atuando como sujeito
em meio à sociedade.
A postura estritamente técnica de determinada teoria pedagógica
visa resultados classificatórios, isto é, preparar o indivíduo para responder
conteúdos. Percebe-se que na relação educador e educando existe outro nível
de aprendizagem, há um tecido permeado de ideias, de cultura e moral de
uma sociedade. Portanto, na relação ensino-aprendizagem, professor-aluno,
educador-educando permeiam lugares, objetivos e pressupostos diferentes.
Entre as investigações relacionadas ao ensino de Química, cabe ressaltar
aquelas que vêm evidenciando as representações de alunos e professores sobre a
natureza da ciência, como uma forma dessas constituírem possíveis obstáculos
para a renovação do ensino de Ciências, sendo a química uma ciência com
base experimental é muito natural que a realização de experimentos tenha papel
importante em seu ensino. Professores e elaboradores dos currículos de química
para o ensino médio tendem a considerá-los como parte necessária e integral do
ensino da disciplina.

Resultados e discussão

Durante os anos de formação em Licenciatura Plena em Química pela


Universidade Fedreal Rural de Pernambuco, trilhei um caminho bastante
complicado em relação ao conhecimento de química, por ser um jovem pobre,
vindo de escola pública e ter passado o ensino médio sem professor da disciplina
e quando tinha o professor para lecionar a disciplina de química o mesmo era
formado em outra área de atuação. Neste momento, pude estabelecer uma
“meta, uma forma de olhar a sociedade escolar” e conectá-la a temáticas de
meu interesse trazer de forma didática os conhecimentos de química para que
o estudante a estudante pudesse ter acesso ao conhecimento necessário para
adentrar os portões das universidades ou até mesmo conseguir o seu certificado
de conclusão de ensino médio. Atráves deste projeto na qual as mulhesres trans
puderam estudar de forma igualitária com seus pares, sem discriminação quanto a

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 47


sua identidade de gênero, e apreder de forma sistemática as disciplinas necessárias
para sua formação e crescimento acadêmico. Os encontros da disciplina de
química não aconteciam todos os sábados por existir outras disciplinas
necessárias para a execução das provas e o número expressivo de voluntários,
mais a cada encontro ficou nítido que aquele espaço demorou muito para
chegar e que seria necessário mais movimentos como esses de pessoas engajadas
com a questão social, com o saber do próximo. E através do projetos muitas
mulheres trans puderam participar do (Encceja), nem todas obtiveram sucesso
pois seriam necessários um número maior de encontros, bem como mais tempo
de dedicação e empenho, todavia essa proposta trouxe diversas contribuições
na vida dessas mulheres, que puderam ser ouvidas, e que tiveram seu espaço
no contexto escolar, oportunizando às alunas participantes vislumbrar outras
possibilidades de futuro e crescimento.

Considerações finais

Concluímos que o desenvolvimento de um pré-vestibular com as


características do projeto educar é amar é e sempre será trabalhar nos limiares
da contradição entre aquilo que se quer fazer e as possibilidades de atuação
na realidade.è ir de encontro com paradigmas impostos pela sociedade
heteronomativa e de encontro com uma sociedade excludente que além de fazer
a exclusão das mulheres trans pelo seu estereótipo ainda fazem pela sua condição
educacional que muitas vezes como é o caso de muitas matriculadas no projeto
tem dificuldades não só com as ciências exatas como é o caso da química, fisica
e matematica, mais essa dificuldade educacional transcendem as disciplinas
escolares por ter sido negada outrora no ambiente escolar regular, pela opressão
sofrida durante anos e estampada em forma de exclusão.
O ENEM, bem como as demais formas de acesso ao ensino
superior, está atrelado à lógica meritocrática presente nas universidades
públicas ou privadas, tornando-se mais uma vez uma ferramenta seletiva
onde que consegue transcender os alicerces do saber adentra os demais acabam
que se esbarrando com questões contextualizadas nas quais estas mulheres trans
não estão familiarizadas, e acabam de encontro com estudantes que estão mais
preparados por terem acesso a cursinhos e disciplinas isoladas das disciplinas
específicas da seleção do seu curso. Ainda sobre o ENEM, temos visto que esta
ferramenta ainda é aquela que valoriza seus estudantes considerando apenas o
mérito individual.

48
O preconceito e a discriminação rompem com a possibilidade
do mérito individual, visto que mesmo sob um prisma individualista de
construção do conhecimento as possibilidades de alcance do mérito são
negadas, haja vista que muitos estudantes precisam de seus sustentos, precisam
como nossas meninas dos seus trabalhos e no sábado ainda precisam está em um
ambiente de aprendizado para que possam onseguir sua vaga na universidade ou
até mesmo conseguir seu diploma de ensino médio.
É diante disso que se considera de extrema importância
a discussão da transexualidade atrelada às reivindicações por mais
oportunidades na educação, novos espaços de acesso ao ensino superior, mais
oportunidades para as classes negligenciadas, às mulheres trans que precisam
ser reconhecidas pela sua luta e tentativas de adentrar nesse sistema seletivo.
A aquisição de conhecimentos em química é apenas um pequeno passo para
estas estudantes, que necessitam superar ainda os mais diversos obstáculos nesse
longo e árduo caminho de reconhecimento e reafirmação, de modo que se
tornem capazes de ocupar os diversos espaços nas universidades, no mercado de
trabalho, na sociedade, enfim superando as diversas formas de exclusão por elas
vivenciadas. Ademais, com o entendimento da transexualidade como
identidade de gênero, é imprescindível a discussão desse tema quando se
pretende discutir os entrelaçamentos entre educação. É isso que o movimento
rua quer trazer à tona, que os voluntários que trabalham suas disciplinas a cada
sábado almejam proporcionar.
É nesse sentido que, neste estudo, buscou-se apresentar brevemente
algumas contribuições em relação à dificuldade do ensino de ciências não
só para o Educar é transformar, mas todos os estudantes de modo geral. Para
concluir algumas ideias, é necessário, aqui, destacar que a negociação com
a lógica capitalista de educação é não muito mais que uma tentativa de
sobrevivência para o grupo de transexuais e travestis. E, por esse motivo, a
aprovação nos processos seletivos se constitui em um momento de comemoração
e euforia pela realização de uma travesti ou uma transexual conseguir romper
com as desigualdades sociais, preconceitos e exploração nesse sistema opressor e
conquistar o seu espaço.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 49


Referências

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CAPÍTULO 4

INDISCIPLINA ESCOLAR E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS


DOS PROFESSORES1

Ranna Alves, Luciano Campos da Silva,


Daniel Abud Seabra Matos

Introdução

Atualmente, muito se fala sobre a indisciplina no ambiente escolar, sendo


que diversos estudos e reportagens veiculadas pelas mídias apontam que o
fenômeno se mostraria uma realidade educacional cada vez mais perturbadora.
Como já enfatizava Aquino, em seu livro de 1996, “há muito os distúrbios
disciplinares deixaram de ser um evento esporádico e particular no cotidiano
das escolas brasileiras, para se tornarem, talvez, um dos maiores obstáculos
pedagógicos dos dias atuais”. Recentemente o autor reafirma essa constatação
em um mapeamento da discursividade sobre a indisciplina escolar presente
em artigos publicados em periódicos da área educacional entre 1998 e 2015.
Com razoável margem de segurança, o autor afirma que “a indisciplina é
uma das queixas predominantes dos profissionais da educação” (AQUINO,
2016, p. 668). De fato, a indisponibilidade de dados longitudinais que nos
permitam comparar a evolução do fenômeno nas escolas brasileiras, não nos
permita afirmar que ele venha se agravando. Contudo, as queixas constantes dos
professores, a repercussão midiática do tema e as mudanças que se observam
nas escolas, especialmente nos sistemas de autoridade, parecem indicar o seu
agravamento ou pelo menos que mudanças significativas em relação a forma de
sua manifestação nas escolas venham ocorrendo2.
Diante desse contexto, não é de se estranhar que o interesse pela temática e os
estudos sobre o fenômeno venham aumentando consideravelmente nas últimas

1 Este trabalho contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG),
Universidade Federal de Ouro Preto
2 Os trabalhos de Testanier (1967), Prairat (2003) e Silva (2007) nos dão indícios de uma mudança nas formas de
manifestação da indisciplina nas escolas.

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-4 52
décadas (SZENCZUK, 2004; ZECHI, 2008, LEDO, 2009; AQUINO, 2016).
Alguns autores chegam mesmo a afirmar que o fenômeno da indisciplina tem se
tornado uma variável central para se compreender as desigualdades educacionais
“ao lado de variáveis sociológicas clássicas como a origem social, o sexo e a raça”
dos estudantes (SILVA; MATOS, 2017, p. 384). Silva e Matos (2017) laçam
vários argumentos nesse sentido, cabendo destacar dois: 1) A forte presença do
fenômeno nas escolas brasileiras vem sendo confirmada em diversas edições de
avaliações em larga escala, por exemplo, a Pesquisa Internacional sobre Ensino e
Aprendizagem (TALIS), o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(PISA), o Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (PROEB)
e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). 2) A associação frequente
entre o clima disciplinar em sala de aula e o desempenho escolar dos estudantes
nessas avaliações em larga escala.
Outro aspecto relevante diz respeito às explicações que vêm sendo dadas
para o fenômeno no campo acadêmico. De um modo geral, as pesquisas sobre
indisciplina têm evidenciado que o fenômeno é complexo e multifacetado,
abarcando diferentes e diversos fatores: sociais, familiares, escolares e
pedagógicos. Por isso, Silva (2007), por exemplo, nos convida a evitar as
explicações deterministas ou simplistas, chamando a nossa atenção para o fato
de que os comportamentos de indisciplina ocorridos em sala de aula encontram
suas condições de possibilidade no cruzamento de diferentes fatores: sociais,
familiares e escolares. Assim, alerta para o fato de que, em que pese a existência
de diversos fatores sociais na explicação da indisciplina, o fenômeno tende a ser
fortemente afetado por condicionantes propriamente escolares. Daí que diferentes
autores vêm buscando compreender aquilo que nomeiam como os “fatores
pedagógicos da indisciplina” (RUTTER, 1979; KOUNIN, 1977; ESTRELA,
1986; AMADO, 1998). Dentre esses fatores, vêm ganhando destaque aqueles
que se relacionam mais especificamente à atuação dos professores em sala de
aula: características pedagógicas, relação com os estudantes, modos de exercício
da autoridade docente, entre outros.
Diante desse contexto, buscamos nesse artigo realizar uma discussão a
partir de autores do campo de pesquisa da indisciplina escolar (HARGREEVES
et al., 1975; RUTTER et al., 1979; LAWRANCE et al., 1985, 1986; DOYLE,
1986; ESTRELA, 1986; AMADO, 1998; SILVA, 2007), que se propuseram
em suas investigações inventariar e classificar os diversos comportamentos de
indisciplina, da complexidade do conceito de indisciplina, a partir da sua relação
com o conceito de disciplina e com as regras escolas, assim como, buscamos
distinguir o fenômeno da indisciplina de violência escolar. Num segundo
momento, apresentamos os trabalhos mais relevantes sobre a temática das

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relações entre indisciplina e as práticas pedagógicas dos professores (RUTTER,
1979; KOUNIN, 1977; ESTRELA, 1986; AMADO, 1998), trabalhos esses
com grande repercussão internacional, a fim de identificar as práticas pedagógicas
que eles vêm associando ao clima disciplinar em sala de aula.

Indisciplina escolar

Como seria interessante saber, não apenas sob a forma de impressões empíricas, mas
através de observações metódicas, de que modo funciona este sistema nas diferentes
escolas de uma localidade, nas diferentes regiões, nos diferentes momentos do ano, nos
diferentes momentos do dia; quais são os delitos escolares mais frequentes; como varia
sua proporção no conjunto do território; ou segundo as regiões, como depende da idade
da criança, do seu estado familiar, etc.
(DURKHEIM, 2001, p. 78).

A frase em epígrafe ilustra o quanto a preocupação em inventariar os


comportamentos de indisciplina ocorridos no âmbito escolar tem sido, já há
algum tempo, alvo da preocupação dos pesquisadores. Como lembra Silva
(2007), se os termos e as comparações empregadas pelo fundador da sociologia
francesa soam forte aos ouvidos atuais, ele não deixa de revelar que o sociólogo
situa-se como uma espécie de precursor dos estudos sobre a indisciplina escolar
ao apontar, em Educação e Sociologia, a importância da realização de pesquisas
sobre esse fenômeno e indicar as linhas metodológicas gerais que eles deveriam
seguir.
Desde Durkheim, outros trabalhos acadêmicos têm insistido nessa tarefa,
recorrendo para isso a diferentes abordagens teóricas e metodológicas. Porém,
um desafio inicial que se coloca aos investigadores consiste justamente em definir
o que se entende por indisciplina e quais tipos de comportamentos poderiam
ser abarcados sob esse conceito. Esse constitui, aliás, o nosso desafio inicial
ao propormos a construção de um instrumento de pesquisa capaz de realizar
um amplo inventário desses comportamentos nas escolas. Como veremos, o
conceito de indisciplina é fortemente marcado pelo contexto histórico, social,
político e pedagógico de cada época, de modo que caracterizar o que constitui
disciplina e indisciplina é tarefa muitíssimo complexa. Complexidade que ganha
novos contornos quando, mais recentemente, outros conceitos passam a ser

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 54


empregados no campo acadêmico e pedagógico para dar conta da multiplicidade
de comportamentos disruptivos que atingem o interior das escolas e das salas de
aula de todo o mundo: violência escolar, incivilidade, bullying, etc.
Desse modo, inicialmente, caberia interrogar: o que poderia ser considerado
indisciplina na escola contemporânea? A que tipo de comportamentos nos
referimos quando utilizarmos esse conceito no âmbito escolar? Em que a
indisciplina se assemelha ou se distingue, por exemplo, do fenômeno mais
recente da violência escolar?
De um modo geral, os pesquisadores tendem a concordar que para
definirmos indisciplina, faz-se necessário examinarmos primeiro o conceito de
disciplina escolar, uma vez que é em função dele que podemos compreender
em que consiste os comportamentos que nas escolas são caracterizados como
indisciplina escolar.
Como lembra Estrela (1992) as regras fazem parte de todas as instituições,
e na instituição escolar elas desempenham uma função pedagógica específica de
regular a vida na sala de aula e nos outros ambientes da escola, assim como tem
como pressuposto estabelecer padrões gerais de conduta social. Portanto, para
a autora, “as regras criam as condições necessárias às aprendizagens coletivas,
[...] desempenham um papel de regulação funcional, harmonizando o sistema
normativo e o sistema produtivo da aula”. (ESTRELA, 1992, p. 62). O seu
objetivo principal é garantir as condições necessárias ao desenvolvimento do
processo de ensino e aprendizagem em sala de aula, ou seja, permitir que o
trabalho pedagógico seja realizado.
De fato, como lembra Amado (2008), todas as instituições tendem a
regular a condutas das pessoas e, por isso, desenvolvem alguns pontos de acordo
que orientam em comum as ações de cada um dos seus membros. Para o autor
as regras constituem essa espécie de conhecimento comum e geral, sobre quais
tipos de comportamentos seriam aceitáveis e em quais contextos. Vale ressaltar
que análises sócio-históricas sobre a constituição da “forma escolar” a partir
do século XVI, como aquelas realizadas por Vincent, Lahire e Thin (2001),
indicam que a existência de regras que regulam as atividades escolares seria algo
inerente à forma e à cultura escolar, e por conseguinte, inerente à própria relação
pedagógica.
Contudo, se numa perspectiva funcionalista, as regras escolares assumem
características estáveis funcionando como meros instrumentos de socialização
das crianças, numa perspectiva interacionista elas e os mecanismos que são
acionados para colocá-las em funcionamento, não são percebidos como universais

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 55


e estáticos, variando sempre em função das características sociais e culturais de
cada instituição e/ou docente, sociedade e tempo histórico (DELAMONT,
1987). Como lembra Amado (2001, p. 97 apud Barre, 1994), “de um ponto
de vista interacionista, se, por um lado, se aceita a existência das regras, fruto de
uma vontade coletiva, por outro lado, dá-se uma cuidadosa atenção aos modos
como elas são formuladas, mantidas, manipuladas, abolidas e suplantadas.”
Assim, a abordagem interacionista nos convida a pensar as regras escolares
dentro da sua complexidade e nos alerta para o fato de que, embora a sua
interiorização e imitação pelos estudantes possa fazer com que elas se apresentem
como uma obviedade, na verdade, possuem uma história, não são estáticas,
podem ser negociadas, infringidas e abolidas. Amado (2001), por exemplo,
evidencia que as regras escolares são múltiplas e cumprem funções diferenciadas
no âmbito escolar. Cita como exemplos regras institucionais, situacionais,
pessoais ou idiossincráticas. As regras institucionais são aquelas que abrangem
indistintamente todas as pessoas dentro espaço da escola, independente do
período de tempo ou situação/contexto que haver dentro na escola. A regras
situacionais são mais numerosas e complexas, e, portanto, dependentes de
algumas situações e contextos específicos, como por exemplo, as regras da sala
de aula, do recreio, da aula de educação física, etc. E por fim, as regras pessoais
ou idiossincráticas são definidas especificamente por determinados professores,
ou seja, a sua aplicação se relaciona às características pessoais e/ou pedagógicas
de cada docente.
Essa distinção revela, entre outras coisas, que as regras em sala de aula
não abrangem todas as particularidades, havendo um espaço profícuo para
interpretações e negociações. Nem sempre constituem prescrições rígidas, mas
uma espécie de referência mais ampla para as condutas dos estudantes. No
Brasil, a investigação realizada por Silva (2007), por exemplo, observou que nas
turmas investigadas haviam regras que eram valorizadas e empregadas apenas
por alguns professores, tendo em vista características idiossincráticas desses
docentes. Contudo, o autor salienta que, diferentemente do que fazem crer
muitos estudos interacionistas, a maior parte dessas regras eram empregadas
indistintamente pelos diferentes professores, parecendo assumir um caráter
“universal”. Entre essas regras o autor destaca aquelas relativas à comunicação e
mobilidade na sala de aula, ao cumprimento de horários e das atividades na sala
de aula, à interação entre alunos e entre alunos e professores. As observações
realizadas por Silva (2007, p. 104) demonstrem que todos os professores,
independentemente de suas características pessoais e/ou pedagógicas, empregam

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 56


esse conjunto de regras. Nas palavras do autor “aparentemente indispensáveis
para o cumprimento do trabalho pedagógico.” Entretanto, todas essas regras
comportam exceções. Assim, as conversas em sala de aula, por exemplo, embora
façam parte desse conjunto de regras “universais”, em momentos específicos
tendem a ser plenamente autorizadas por alguns docentes, comportando
exceções que lhes retiram o caráter transgressor.
De fato, todas essas questões mencionadas acima apontam para a
complexidade que envolve a elaboração de um instrumento quantitativo para
inventariar comportamentos de indisciplina, uma vez que, no contexto concreto,
eles sempre envolvem exceções, margens de negociações e interpretações
subjetivas. Assim, será sempre preciso construir os itens de modo a evidenciar o
seu claro caráter transgressor. O caráter complexo dessa tarefa nos impõe alguns
limites práticos e nos alerta para a para a necessidade de rigor na elaboração
dos itens de modo que eles realmente versem sobre comportamentos que no
contexto poderiam de fato ser interpretados como indisciplina.
Discutido o que são as regras escolares, estamos agora em condições
de aprofundar melhor o que são os comportamentos de indisciplina que
procuraremos inventariar por meio do nosso instrumento. Como afirmam
diferentes autores, a indisciplina tende a ser caracterizada justamente como o
oposto da disciplina, ou seja, a quebra ou incumprimento das regras estabelecidas
(ESTRELA, 1992; AMADO, 1998; SILVA, 2007). Portanto, conforme sinaliza
Estrela (1992, p. 17) a indisciplina é definida pela negação da disciplina, ou pela
“desordem proveniente da quebra das regras estabelecidas”. Aliás, é justamente
por meio da intervenção do professor sobre os comportamentos considerados
transgressores que as regras das quais falamos anteriormente tendem a ser
evidenciadas, conhecidas e reconhecidas no ambiente escolar. Como alerta Albert
Cohen (1971, p. 19 apud Amado, 2001, p. 102) “cada regra cria um desvio em
potencial”. Poderíamos dizer que cada transgressão indica para o expectador
a regra que é valorizada em um dado ambiente institucional. Desse modo, na
perspectiva interacionista, os desvios às regras são vistos ao mesmo tempo como
produto e processo da interação social, ou seja, conforme já sinalizamos, dada
a complexidade das regras escolares, torna-se difícil determinar a priori quais
comportamentos devem ou não ser considerados como indisciplina, já que só o
serão dentro de determinado contexto (AMADO, 2000).
Entretanto, observa-se todo um esforço da comunidade científica no
sentido de inventariar esses comportamentos visando melhor compreendê-los e
relacioná-los a diversos aspectos da vida escolar. Essas tentativas têm produzido
inventários e tipologias dos comportamentos de indisciplina, sendo alguns deles

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 57


mais difundidos na literatura acadêmica.
Como exemplo, temos o estudo mais conhecido de Rutter et al. (1979),
realizado em doze escolas secundárias de Londres, na década de 1970. Essa
famosa pesquisa, intitulada “15 mil horas”, devido essa ser a média das horas que
as crianças e jovens ingleses passavam na escola naquela época, estudou mais de
dois mil alunos, coletando informações sobre a frequência, resultados nos exames
públicos, comportamento dos estudantes na escola e fora dela. Para classificar
os tipos de indisciplina em sala de aula, Rutter e colaboradores criaram uma
escala de comportamento “pupil behaviour scale”, uma ferramenta de avaliação
comportamental para o ambiente da sala de aula composta por 25 itens, que
combina medidas de autoavaliação e observações dos professores para diversas
faixas etárias de alunos. Essa escala destina-se a descrever o comportamento de
cada aluno relativos à diversos comportamentos como faltar às aulas, vadiagem,
conversar, uniforme/vestimenta, destruição do patrimônio escolar (grafitti),
violência, e ações fora da escola. (AMADO, 2021, p. 102).
Outro estudo foi aquele realizado por Lawrance et al. (1985, 1986) que
investigou as percepções dos professores sobre o comportamento indisciplinado
dos alunos na sala de aula de vários países europeus (França, Alemanha,
Dinamarca, Suíça e Reino Unido). O estudo foi realizado a partir de entrevistas
com os docentes, a fim de identificar as suas experiências, sentimentos e emoções a
respeito dos comportamentos de indisciplina. O estudo foi realizado no período
de duas semanas, sendo registrado os seguintes tipos de comportamentos: abuso
da linguagem, vandalismo, roubo, insolência não-verbal, entrada tardia na aula,
falar/conversar, recusa da autoridade, brusquidão, arreliar ou usar da violência
para com os pares, turbulência, ameaçar os professores, violência para com os
professores, faltar às aulas e vadiagem.
Já Doyle (1986), em sua revisão da literatura, encontrou alguns tipos de
comportamentos de indisciplina na sala de aula como sendo os mais frequentes,
tais como: atrasos, interrupções, falta de material, desatenção, conversa, gritos,
ligeiras formas de agressão física e verbal. Raramente comportamentos mais
violentos ocorriam. O autor pontuou que a preocupação dos professores estava
direcionada as formas de comunicação em sala de aula (conversa), tendo em
vista que esse comportamento era um impeditivo para que os alunos escutassem
o que era dito e assim, realizassem as tarefas propostas. Portanto, a valorização do
silêncio se apresentava como uma exigência nesse ambiente, assim como, outros
tipos de comportamentos, como: estar sentado, controlar os movimentos, olhar

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 58


para frente, não se deslocar.
Numa outra perspectiva, autores realizam a categorização dos
comportamentos desviantes, ação que melhor permitirá dar respostas ao conjunto
dos problemas disciplinares postulados. Hargreeves et al. (1975), por exemplo,
em seu estudo intitulado “Deviance in Classrooms” criou categorias para designar
os comportamentos de indisciplina que ocorrem em sala de aula, podendo essas
ser agrupadas em cinco categorias que somam os desvios as regras que versam
sobre um conjunto de comportamentos desviantes na sala de aula, quais sejam:
conversa, movimento, tempo, relação professor-aluno e relação aluno-aluno.
Seguindo também esse modelo, a pesquisadora portuguesa Maria Teresa
Estrela (1986), em seu clássico “Une étude sur l’indiscipline en classe”, utilizando a
observação naturalista em sala de aula, criou quatro categorias para os incidentes
disciplinares observados, assim como, contextualizou esses comportamentos
em: 1) comportamentos que perturbam a comunicação em sala de aula, 2)
comportamentos que perturbam o rendimento do curso (deslocações, distrações
e brincadeiras), 3) comportamentos que perturbam as relações humanas (relação
com os pares e com os professores) e 4) comportamentos que violam os hábitos
sociais estabelecidos.
Já Amado (1989), em outro estudo realizado em solo português, propôs a
enfrentar o desafio de inventariar e classificar os comportamentos de indisciplina,
a fim de contribuir para a demonstração da “dimensão pedagógica” do fenômeno.
Assim, em seu trabalho de mestrado realizou uma análise de conteúdo de 775
“participações disciplinares” de uma Escola Secundária de Lisboa no período de
1981 a 1986. A partir desse corpo documental organizou os comportamentos
registrados em três grandes categorias: a categoria do processo-aula, a categoria
da relação aluno-aluno e a categoria da relação professor-aluno. A primeira
categoria “processo-aula” diz respeito aos comportamentos que não cumprem as
regras de funcionamento da aula e impedem a realização do trabalho pedagógico,
ou seja, incidem diretamente sobre o processo de ensino e aprendizagem. A
segunda categoria “relação aluno-aluno” trata dos comportamentos que põem em
xeque o relacionamento entre os alunos, como brigas, extorsões, xingamentos,
intimidações e roubos. A terceira categoria proposta pelo autor é a da “relação
professor-aluno” composta por tipos de comportamentos que, de alguma forma,
põem em causa a autoridade do professor, como agressões, insultos, réplicas
grosseiras, vandalismo contra o patrimônio dos mesmos, entre outros.
Posteriormente, já no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990,

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 59


em outros trabalhos, o autor passa a lidar com questões centrais que afetam
a discussão sobre o que deveria ser considerado disciplina e indisciplina nas
escolas, uma que, como lembra o próprio autor, a partir da década de 1980, com
o agravamento constante da questão da violência escolar e da sua repercussão
social e acadêmica, passou-se a assistir certa tendência a se abandonar o conceito
de indisciplina em favor de um uso mais genérico do conceito de “violência
escolar” que passa a designar os mais diversos tipos de comportamentos que
perturbam à ordem no ambiente escolar (AMADO, 2004). Por isso, Amado
(2001), ciente de que os comportamentos disruptivos que afetam as escolas
são variados propõe que se fale em “indisciplinas”, no plural, com o objetivo
de que a diversidade de acontecimentos que ocorrem no ambiente escolar seja
diferenciada conforme sua natureza, intensidade e gravidade.
Contudo, a partir de então o que se verificou no campo acadêmico e
pedagógico foi uma indistinção conceitual entre esses dois fenômenos, o que
muitas vezes fez com que eles passassem a ser confundidos. Como resultado,
como alertam alguns autores, aos poucos o conceito de violência passou a
absorver o conceito mais clássico de indisciplina, se tornando uma espécie de
aglutinador simbólico dos diferentes tipos de comportamentos transgressores
ocorridos nas escolas. Para muitos, esse tipo de confusão ocorreria especialmente
porque nas últimas décadas, condições políticas e sociais específicas fizeram
com que o conceito de violência sofresse um alargamento, de modo a englobar
comportamentos que antes eram considerados triviais no meio social e escolar
(SILVA; NOGUEIRA, 2008, p. 23). Daí certa tendência de que a violência
passasse a eclipsar o conceito clássico de indisciplina (PRAIRAT, 2003).
Se, por um lado, muitos autores consideram inapropriado delimitar a
priori os limites do que vem a ser ou não violência no contexto escolar, outros
passaram a evidenciar os riscos pedagógicos, sociais, e acadêmicos de uma
tal indistinção. Silva e Nogueira (2008), por exemplo, lembram que embora
em alguns momentos os termos se confundam, na grande maioria das vezes,
possuem natureza bem distinta. E as consequências de um uso alargado do
termo do termo violência contribuiria para criminalizar comportamentos triviais
que no contexto não possuem a gravidade postulada. Ao contrário, existiria
também o risco de que os comportamentos de violência fossem “mascarados”
sob a designação de indisciplina, daí que usar apenas o conceito de indisciplina
também seria inapropriado. (SILVA; MATOS, 2014, p. 717).
Buscando superar esse problema, alguns trabalhos passaram a se preocupar

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 60


em efetuar possíveis distinções entre os dois fenômenos. O artigo de Estrela
e Amado (2000) intitulado “Indisciplina, violência e delinquência: Uma
perspectiva pedagógica” constitui um exemplo desse tipo de tentativa. No
entanto, como lembra Silva (2007, p. 32) embora os autores reconheçam no
artigo que violência e indisciplina seriam comportamentos distintos, “acabam
por incluir no conceito de indisciplina, os comportamentos de violência e
delinquência, ou seja, designam por um mesmo vocábulo comportamentos que
eles mesmos reconhecem como muito distintos.”
Preocupado com essa questão da indistinção entre os conceitos de indisciplina
e violência, no Brasil, Silva (2007, p. 36) em sua tese de doutorado intitulada
“Disciplina e indisciplina na aula: uma perspectiva sociológica”, efetuando dois
tipos de movimentos analíticos, passou a defender a necessidade e a possiblidade
de distinção entre os dois conceitos. No primeiro movimento, após analisar
detalhadamente as confusões e oscilações que marcavam o emprego desses dois
conceitos na literatura acadêmica, conclui que, em que pesem semelhanças e
alguns pontos de interseção entre os dois fenômenos, a própria literatura indicava
que na maior parte dos casos seria possível se reservar o emprego do conceito
de indisciplina “apenas àqueles comportamentos que violam mais diretamente
as regras criadas estritamente com vistas à garantia das condições necessárias à
realização do trabalho pedagógico.” Portanto, o conceito de indisciplina deveria,
ser utilizado para designar apenas comportamentos que ocasionam a quebra
das regras criadas com finalidades pedagógicas. Nesse sentido, a disciplina
cumpriria uma função de meio educativo, ao buscar garantir que o trabalho
pedagógico possa ser realizado3. Portanto, os comportamentos de indisciplina
se constituem de transgressões a regras tipicamente escolares, que possuem
pouca gravidade intrínseca, ocorrem com frequência e têm grande capacidade
de interferir e ou interromper o desenvolvimento do trabalho pedagógico na
escola. Já a violência escolar violaria regras sociais mais abrangentes, que traria
prejuízos físicos, morais, psicológicos ou materiais às pessoas ou instituições,
podendo ser expressa de modo verbal ou simbólica, tais como os assassinatos,
os roubos, o porte de armas, o tráfico de drogas, as ameaças, as agressões físicas
ou psicológicas, comportamentos que possuem enorme gravidade intrínseca e

3 Com isso não se quer dizer que a disciplina escolar cumpre apenas a função de meio educativo, ao funcionar como
mecanismo garantidor do funcionamento escolar. Ela é também um fim educativo uma vez que se encontra associada à
função socializadora da escola. Assim a disciplina escolar como fim educativo tem papel importante na socialização dos
estudantes, preparando-os para viver em sociedade, que lhes exigirão valores e atitudes indispensáveis ao exercício da
cidadania, “tais como cumprimento de obrigações, o senso de responsabilidade, o gosto pelo trabalho, o zelo pelo patrimônio
público, o respeito às pessoas, às autoridades, às leis e às diferenças culturais”. (SILVA, p. 4, 2010).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 61


que na maioria dos casos possuem penalidades previstas no Código Penal. Já
num segundo movimento analítico, com base em observações diretas de duas
salas de aula e nos discursos dos professores, o autor conclui que eles de fato
costumam efetuar esse tipo de distinção ao associarem a indisciplina às formas
de comportamento consideradas triviais, mais frequentes e menos graves e
que feririam mais especificamente as regras que visam assegurar a realização
do trabalho pedagógico. Já em relação aos comportamentos de violência, os
docentes estariam de acordo quanto à raridade dos comportamentos de violência
ocorridos na escola, assim como, os associam às formas de comportamentos
de maior gravidade, e que feririam regras sociais mais abrangentes, tendo em
vista sua capacidade de causar danos físicos, morais, psicológicos ou materiais.
(SILVA, 2007, p. 96).
Como resultado do seu trabalho realizado durante o período de um
ano de observações, o autor inventaria e classifica os comportamentos nas
seguintes categorias: Desvios às regras da comunicação na aula, que agregam os
comportamentos de conversar, gritar e fazer barulho durante a aula; Desvios às
regras da mobilidade na aula, que dizem respeito as ações de ficar em pé, deslocar-
se e sair da sala de aula sem a permissão do professor; Desvios às regras relativas
aos horários na aula, ou seja, comportamento de descumprimento dos horários
estabelecidos parar entrada e saída na aula; Desvios às regras das atividades na
aula, que se resumem nos comportamentos que envolvem a não realização das
atividades propostas pelo professor; Desvios às regras do espaço da sala de aula,
com o comportamento de jogar lixo no chão da sala de aula; Desvios às regras
relativas à relação entre os alunos, com os comportamentos de realizar gozações,
brincadeiras desagradáveis xingamentos ou discutir com os colegas na aula, e
Desvios às regras relativas à relação professor/aluno, que se referem as práticas
de desobedecer às ordens do professor, realizar réplicas, deboche ou gozações à
ação disciplinadora do professor.

As práticas pedagógicas dos professores

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 62


De início é preciso destacar que, conforme nos lembra Silva (2007), existiria
na literatura acadêmica certa tendência a explicar a indisciplina unicamente a
partir da sua associação com a vida familiar dos estudantes4. O autor explica
que, segundo essa ótica os alunos reproduziriam na escola os comportamentos
de indisciplina que manifestariam e desenvolveriam no ambiente familiar. A
indisciplina seria, portanto, um reflexo da forma como eles vivem, aprendem e
se comportam em casa.
Mas como explicar a recorrência dessa associação entre indisciplina e vida
familiar no campo acadêmico? Para responder a essa questão seria possível
mobilizar uma série de hipóteses. Contudo, seria impossível deixar de mencionar
a força com que determinados trabalhos clássicos produzidos nos anos de 1960,
conseguiram produzir no campo acadêmico a ideia de que aquilo que ocorre no
interior das escolas está diretamente relacionado à vida familiar dos estudantes
(COLEMAN, 1966; BOURDIEU, 1975). Dentre esses trabalhos destaca-se o
chamado Relatório Coleman, produzido em território americano. Os resultados
desse relatório e as reações que ele provocou no campo acadêmico e educacional,
faz com que ele seja considerado uma espécie de marco para o campo dos estudos
sobre as diferenças de desempenho escolar entre os estudantes, mas também para
a identificação dos fatores que explicam os seus comportamentos no ambiente
escolar.
O relatório sobre a Igualdade de Oportunidades Educacionais (COLEMAN
et al., 1966) é um survey proposto pelo governo dos Estados Unidos na década
de 1960, que tinha como objetivo mais geral investigar se existiam diferenças
extremas nos estabelecimentos escolares americanos entre crianças negras e
brancas. Assim, a pesquisa que deu origem ao Relatório Coleman, apontou de
forma explicita e quantitativa as diferenças de desempenho entre grupos étnicos,
raciais e, por implicação, classes sociais nos Estados Unidos.
Como resultados, o estudo apontou que o nível socioeconômico se mostrou
como o fator de maior peso sobre o desempenho escolar, que a estrutura física
das escolas teve uma relação ínfima com a variação no nível de desempenho
acadêmico dos estudantes, acompanhada da qualificação de seus professores. A
conclusão que se teve do relatório foi a ideia de que os processos internos das
escolas reproduziam as desigualdades sociais e culturais que já vigoravam no
país, em vez de alterar significantemente essa realidade preexistente, conforme

4 Essa visão é também frequentemente detectada nos trabalhos empíricos que recolhem os depoimentos de professores sobre
as causas da indisciplina. (SILVA, 2007).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 63


expresso no relatório:

De uma maneira geral, as fontes de desigualdade de oportunidades educacionais


parecem se encontrar, em primeiro lugar, no próprio lar e nas influências culturais
que o cercam; depois, elas se encontram na ineficácia das escolas em remover o
impacto do lar e no desempenho e na homogeneidade cultural das escolas que
perpetua as influências sociais do lar e de seus ambientes (COLEMAN, 1966, p.
73-74, apud BROOKE; SOARES, 2008, p. 44).

Portanto, após a sua publicação em 1966 o relatório Coleman, evidenciou


que as escolas comparadas umas com as outras, ou seja, o efeito relativo entre as
escolas investigadas, não faziam ou faziam pouca diferença no desenvolvimento
dos estudantes. Essa percepção foi corroborada no relatório de Christopher
Jencks, intitulado Desigualdade: uma Reavaliação do Efeito da Família e
Educação Escolar na América em 1972, que reexaminou evidências estatísticas
de diversas investigações, incluindo o relatório Coleman.
Em geral, essa percepção de pessimismo sobre o impacto que as escolas
poderiam ter no desenvolvimento dos alunos, foram difundidos pelos trabalhos
de Coleman et al. (1966); Plowden (1967); Jensen (1969); Basil Bernstein (1970);
Bowles (1971); Jencks (1972); Bowles e Gintis (1976), que apresentavam cada
um, uma perspectiva diferente dos fatores que influenciava o comportamento e
o desempenho dos alunos, tais como: hereditários, de sorte, familiares, escolares,
de desigualdade política, econômica, social, de classe, étnico-racial, etc. Ou seja,
esses surveys em larga escala contribuíram para criar a impressão de que as escolas
faziam pouca diferença.
Após a publicação do relatório, várias críticas e questionamentos foram
realizadas por diversos pesquisadores, e, portanto, as conclusões derivadas do
trabalho de Coleman não foram aceitas como ponto final para a discussão
sobre a contribuição da escola para explicar as diferenças de desempenho dos
estudantes (BROOKE; SOARES, 2008). Com sabemos a maior parte dos
estudos em eficácia escolar tem foco no desempenho acadêmico dos estudantes,
sendo suas análises baseadas nos resultados das avaliações externas, ou em testes
de habilidades básicas de leitura e matemática.
Daí o surgimento de vários trabalhos que procuraram efetuar uma
reavaliação ou questionar os principais aspectos do relatório. Muitos desses
trabalhos se dedicaram a questionar a ideia de que as escolas não faziam diferença,
buscando identificar, medir e analisar o peso dos fatores escolares na explicação

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 64


do desempenho e dos comportamentos dos alunos. Surge a partir daí toda uma
linha de investigação destinada a compreender os chamados efeito-escola e
efeito professor. Em tais trabalhos as características pedagógicas dos docentes e
o comportamento dos estudantes é tomado como uma variável a ser explicada,
e não apenas o desempenho acadêmico dos estudantes. Na linha de investigação
desses trabalhos, a socialização situa-se como um dos objetivos a serem atingidos
pelas escolas.
Dentre esses estudos realizados, ganham relevância para o objeto dessa
dissertação, o trabalho de Rutter et al. (1979), na medida em que pode ser
considerado pioneiro em trabalhar a eficácia ou efeito da escola e do professor
no que tange ao comportamento escolar dos alunos. Vejamos em linhas gerais o
tipo de trabalho desenvolvido por esse autor e seus principais resultados.
O trabalho desenvolvido por Michael Rutter e colaboradores, realizada na
década de 1970 com mais de dois mil alunos em doze escolas secundárias de
Londres, trata-se de um estudo longitudinal intitulado 15 mil horas (em inglês,
Fifteen thousand hours), por ser esse o tempo médio que os estudantes ingleses
passavam na escola naquela época. Os autores tinham por objetivo responder a
três questões: As experiências dos alunos na escola têm alguma consequência?
Faz alguma diferença a escola que frequentam? Quais são as características da
escola que realmente fazem diferença?
Para tanto, os autores empregaram quatro medidas de resultados:
frequência às aulas, comportamento escolar, desempenho dos estudantes nas
avaliações e delinquência juvenil. O diferencial desse estudo foi evidenciar que
as diferenças nesses índices não se explicavam em função das características que
os alunos apresentavam antes do seu ingresso na escola secundária, mas sim das
experiências durante os anos passados na escola secundária.
Sendo assim, uma vez controladas as diferenças que os alunos apresentavam
antes do seu ingresso na escola, o estudo de Rutter e colaboradores apresentaram
como resultados, que os índices de desempenho nos testes, frequência,
comportamento e delinquência juvenil nas escolas secundárias variavam
enormemente entre as escolas.
Nas conclusões desse estudo os autores, em resumo, apontaram várias
considerações a respeito dos resultados da investigação, quais sejam: 1) as
escolas secundárias do centro de Londres apresentaram diferenças significativas
em relação ao comportamento e aproveitamento de seus alunos; 2) essas
diferenças não explicaram inteiramente as variações entre as escolas em relação

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 65


ao comportamento e desempenho posterior de seus alunos, o que significa
que a experiência durante os anos da escola secundária pode influenciar o
progresso dos alunos.; 3) as variações entre as escolas nas medidas de diferentes
resultados mostraram-se razoavelmente estáveis, pelo menos no período de
quatro a cinco anos; 4) as escolas, salvo algumas exceções, tiveram desempenho
bem semelhantes em todas as diferentes medidas de resultados (frequência,
comportamento, delinquência, desempenho); 5) as diferenças de resultados
entre as escolas não foram decorrentes de ordem fatores físicos, administrativa
ou organizacional; 6) as diferenças de medidas de desempenho entre as escolas
resultaram, sistematicamente, de diversos fatores, tais como ênfase no trabalho
acadêmico, didática do professor, disponibilidade de incentivos e premiações,
boas condições para os alunos e o nível de responsabilidade que desenvolveram
neles. Ou seja, fatores dependentes da prática pedagógica dos docentes. 7)
os resultados também foram influenciados, por fatores externos ao contexto
escolar, e, portanto, não relacionados a prática pedagógica dos professores. 8)
os fatores externos ao contexto escolar, como o do nível acadêmico inicial do
corpo discente foi mais evidente em relação à delinquência juvenil, e menos
significativo no caso do comportamento dos alunos em sala de aula e na escola.
9) o efeito combinado de todas as medidas investigadas foi mais forte do que
qualquer uma das medidas vistas individualmente. 10) as descobertas desse
estudo indicam que a instituição escolar e as práticas pedagógicas dos docentes
são, em algumas medidas, responsáveis pelo comportamento e desempenho dos
estudantes após experiência adquirida na escola.
É importante ressaltar que a existência de dados longitudinais foi de suma
importância para evidenciar, após controladas todas as variáveis investigadas, a
relação entre os processos e os resultados escolares. O estudo também pontuou
que as escolas e os professores têm uma margem de liberdade para fazer escolhas,
tomar decisões sobre como conduzir as atividades e de como interagir com os
estudantes. Nas palavras dos autores “as ações dos professores influenciam o
comportamento dos alunos, que, por sua vez, influenciam o procedimento
do professor, que, de novo, irá afetar os alunos.” (RUTTER et al., 1979 apud
BROOKS; SOARES, 2008, p. 230). Essa constatação de que a prática docente,
com maior ou menor eficácia, tem efeito e repercussão sobre o comportamento e
as aquisições dos alunos por meio de suas ações em sala de aula, foi corroborada por
demais estudos sobre o chamado efeito escola e efeito professor. (REYNOLDS,
1976; MORTIMORE et al., 1988; LEVINE; LEZOTTE, 1990; SAMMONS;
HILLMAN; MORTIMORE, 1995; BRESSOUX, 2003).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 66


Desde trabalhos pioneiros destaca-se uma série de investigações que têm
sido conduzidas no sentido de compreender o papel desempenhado pelas escolas
e professores na promoção ou prevenção dos comportamentos de indisciplina.
Trata-se de autores que, filiados as mais diferentes correntes disciplinares e
perspectivas metodológicas, buscam abordar os chamados fatores pedagógicos
da indisciplina (KOUNIN, 1977; ESTRELA, 1992; AMADO, 1998).
A pesquisa realizada por Kounin (1977), intitulada “Discipline and Group
Management” foi uma espécie de precursor da corrente investigativa do classroom
management, termo que diz respeito ao gerenciamento da sala de aula ou
simplesmente gestão da sala de aula. (AMADO, 1998). Em síntese, o classroom
manegament, abordagem de cunho pedagógico, concede grande ênfase ao papel
preventivo e/ou promotor do professor para a ocorrência de comportamento de
indisciplina na sala de aula. O trabalho de Kounin de 1977 talvez seja o mais
significativo dos trabalhos dessa vertente. Realizado a partir de observações e
registro em vídeo de diversas aulas do ensino primário, Kounin (1977) apontou
que a gestão eficaz da sala de aula por parte do professor é capaz de promover
a prevenção de comportamentos de indisciplina. Para tanto, o autor procurou
estabelecer correlações entre a disciplina ou a indisciplina dos alunos e as técnicas
de organização (management) utilizadas pelos professores.
Quatro técnicas de management são apresentadas pelo autor. Trata-se de
técnicas instrumentais com impacto direto nos comportamentos indesejáveis
dos alunos, a saber: 1) Withitness: diz respeito à capacidade do professor em
demonstrar aos alunos que sabe o que se passa na sala de aula, mesmo em
momentos que ele não esteja de frente para os alunos. 2) Overlappingness: é a
técnica que permite ao professor observar e atender a mais de uma situação ao
mesmo tempo. 3) Smoothness and momentun: trata-se da capacidade do professor
em manter o ritmo da aula, evitando sobressaltos entre as suas diferentes etapas.
4) Maintening group focus: significa que professor consegue manter o grupo
concentrado na realização das tarefas. Para isso, utiliza diferentes formas para
manter o envolvimento dos alunos na aula. Portanto, em síntese, os resultados
desse estudo apontam que a indisciplina seria fruto do não envolvimento do
aluno nas atividades propostas pelo professor.
Outros trabalhos relevantes ao nível internacional que dão grande ênfase
aos fatores escolares na explicação do fenômeno da indisciplina são aqueles
desenvolvidos por Estrela (1986; 1992) e Amado (1998). A pesquisadora
portuguesa Maria Teresa Estrela, em seu estudo intitulado “Une étude sur

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l’indiscipline en classe”, de 1986, alertava para o fato de que o fenômeno da
indisciplina na escola é uma questão que assume uma dimensão pedagógica. Para
a autora os fenómenos de indisciplina se manifestam numa situação pedagógica
e a propósito dela, ou seja, todo o comportamento de indisciplina tem origem na
relação pedagógica devido as características da mesma. A autora afirma em seu
trabalho que no início do século XX, críticas à escola tradicional denunciaram o
caráter repressivo de suas práticas, o que acabou por proporcionar o início de uma
educação pautada na prática de liberdade, em que o professor deixa de ser um
transmissor direto do saber para se transformar num organizador do ambiente
de aprendizagem, que deve ser estimulador e incentivar o desenvolvimento da
autonomia do aluno.
A partir desse momento, o papel do professor como responsável pelo
comportamento de indisciplina em sala de aula ganha centralidade. Tendo
em vista que do professor é exigido a capacidade de manter a ordem em sala,
esses passam a dividir-se em duas categorias: os que se fazem respeitar e os que
não se fazem respeitar. (ESTRELA, 1986). Sendo assim, os resultados dessa
investigação nos apontam em relação aos comportamentos de indisciplina
e prática pedagógica do professor, as seguintes conclusões: 1) a dificuldade
em dar atenção a duas ou mais situações diferentes. 2) A comunicação nesse
ambiente é distribuída de forma bastante irregular, em que, os alunos sentindo-
se ignorados pelo professor manifestam comportamentos de desinteresse e de
fuga à tarefa, formando rede de comunicações clandestinas. 3) Os professores
por vezes não cumprem as regras que eles próprios criaram. 4) O maior número
de comportamentos desviantes ocorre quando há formação de grandes grupos.
5) O arcabouço de respostas dos professores aos comportamentos de indisciplina
é limitado e, algumas vezes, contrário a princípios pedagógicos.
Amado (1998), em sua tese de doutorado, orientada por Maria Teresa
Estrela, investigou o fenômeno da indisciplina junto a turma do 7º ano de
escolaridade de uma escola secundária portuguesa, durante o período de três
anos, portanto, acompanhou a turma no 8º e 9º anos de escolaridade. Para o
autor, a indisciplina é entendida numa perspectiva “que se dá no contexto da aula
e, em grande parte, devido as características específicas desse mesmo contexto”.
(AMADO, 2001, p. 18). De modo mais específico, é o fenômeno “que se
concretiza no incumprimento das regras que presidem, orientam e estabelecem
as condições das tarefas na aula, e, ainda no desrespeito de normas e valores que
fundamentam o são convívio entre pares e a relação com o professor, enquanto
pessoa e autoridade”. (AMADO, 2001, p. 179). A metodologia empregada nessa

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investigação foi a observação participante, em que o autor buscou identificar
quais fatores internos e externos, contextuais e subjetivos estão relacionados
ao problema da indisciplina. Portanto, mesmo Amado (1998) reconhecendo a
forte influência dos chamados fatores externos, o autor apresentou como uma
face da mesma moeda, os fatores da indisciplina centrados no professor. Esses
fatores se dividem em dois grandes eixos: 1) a falta ou má direção do ensino, que
se traduzem em estratégias de ensino inadequadas e incompetências de ordem
pedagógica. 2) a relação problemática entre professor e aluno, que abarcam a
falta de autoridade e firmeza do professor, a demonstração de falta de experiência,
prática pedagógica autoritária, incoerente e injusta em relação aos alunos. Sendo
assim, tendo em vista a perspectiva interacionista, em que a indisciplina “se
dá no contexto da aula e, em grande parte, devido as características específicas
desse mesmo contexto”, o trabalho de Amado (2001) aponta a prática docente
do professor como uma das variáveis determinantes da indisciplina. (AMADO,
p. 18).

Considerações finais

A revisão da literatura sobre os comportamentos de indisciplina escolar e,


posteriormente, sobre as práticas pedagógicas docentes associadas à melhoria
do clima disciplinar em sala de aula, nos permitiu contribuir para o campo de
investigação da indisciplina escolar, ao apresentar condicionantes propriamente
escolares e pedagógicos que contribuem para a ocorrência da indisciplina na
sala de aula. Como lembra Silva (2007), embora considerados mais triviais e de
pequena gravidade, quando comparados aos casos típicos de violência escolar,
a relevância em abordar o tema está relacionado à alta frequência com que
ocorrem na sala de aula e sua forte capacidade de inviabilizar o desenvolvimento
das atividades escolares, o que faz com que o fenômeno da indisciplina venha
ocupando lugar de destaque nas análises sobre as diferenças de desempenho
entre os estudantes. Por fim, é possível dizer a partir da literatura analisada
que relacionar o clima disciplinar em sala de aula às práticas pedagógicas dos
professores ainda constitui um objeto de estudo negligenciado nas pesquisas
brasileiras, sendo esse diálogo mais profícuo na literatura internacional.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 69


Referências

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contemporâneo e a violência escolar. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 15-62.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 70


CAPÍTULO 5

MAPEAMENTO DAS PRODUÇÕES DO INSTITUTO


FEDERAL DE MATO GROSSO – IFMT SOBRE BULLYING
NO AMBIENTE ESCOLAR

Victor Hugo de Oliveira Henrique


Suzana Rodrigues de Almeida Martire

Introdução

O fenômeno denominado bullying aumenta a cada dia em nossa sociedade,


e têm sido um tema reiteramente investigado tanto no Brasil como em outros
países. O bullying escolar tem ganhado destaques após algumas escolas apontarem
o aumento de práticas de violências ocorridas no ambiente escolar (FANTE e
PEDRA, 2008).
Diante dessa realidade, as vítimas de bullying podem desenvolver sérios
problemas de se relacionar, autoestima, insegurança, agressividade, entre outras.
Muitas vezes, o ambiente escolar constitui-se como um local propício para a
ocorrência de comportamentos agressivos, sofrimento e medo, os quais podem
ocasionar graves consequências individuais e sociais, principalmente para os
jovens envolvidos (NETO, 2005).
Existem diversos relatos de pesquisa que têm evidenciado os fatores que
motivam o fenômeno do bullying e com o perfil dos sujeitos (CARVALHO,
TRUFEM, & PAULA, 2009). Nessa direção, Pinheiro e Williams (2009) e
Tortorelli, Carreiro e Araujo (2010) apresentam uma a associação entre a
violência doméstica e a violência escolar.
Em relação ao perfil dos envolvidos, Lisboa, Braga e Ebert (2009),
Cristovam, Osaku, Gabriel e Alessi (2010) e Nikodem e Piber (2011) apontaram
que o bullying está imergido em meninos e meninas e que é necessário que os

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-5 71
docentes e demais profissionais da educação fiquem atentos ao que acontece no
ambiente escolar. Moura, Cruz e Quevedo (2011), Diorio e Oliveira (2011) e
Gomes e Rezende (2011) evidenciaram que a maioria dos agressores é menino
e as agressões mais frequentes são as verbais. Ao relacionarem gênero e bullying,
Kuhn, Lyra e Tosi (2011) reforçam que meninos estão mais relacionados com o
bullying direto e meninas com o bullying indireto. O primeiro é caracterizado,
sobretudo, por agressões físicas, e o segundo envolve agressões mais sutis,
manifestando-se geralmente de forma verbal. Sendo assim, o bullying pode
estar presente nas relações de modo explícito ou de modo mais sutil, podendo
ser associado a brincadeiras típicas da idade. Nesse sentido, é importante que
os profissionais da educação saibam identificar para intervir adequadamente
(FRANCISCO & LIBÓRIO, 2009; SILVA, 2010).
Destacamos a importância da ciência e da construção do conhecimento para
o combate do fenômeno bullying na escola, por isso pesquisas de mapeamento
são significativas, procurando superar o desafio de conhecer o já construído e
produzido para depois buscar o que ainda não foi feito. Enfatizamos algumas
pesquisas realizadas com intuito de realizar mapeamentos da produção acadêmica.
Franco e Cicillini (2016) mapearam a temática do universo trans e a
educação entre 2008 a 2014 em anais de eventos, artigos em periódicos, capítulos
de livros, teses e dissertações. Os pesquisadores identificaram que é preciso de
mais estudos sobre a temática.
Outro trabalho, mapeou a produção científica sobre a área socioambiental
em periódicos científicos da educação ambiental entre 2010 a 2014. O
pesquisador evidenciou que existe uma produção pequena sobre o tema e as que
existem, estão centralizadas em regiões específicas do país (HENRIQUE, 2018).
Aproximando com o tema dessa pesquisa, temos o trabalho de Manegotto,
Pasini e Levandowski (2013), que realizaram uma revisão de artigos científicos
sobre o bullying escolar. As pesquisadoras encontraram 37 trabalhos, entre
2009 e 2011 e elas identificaram que o fenômeno vem ganhando cada vez mais
destaque nas áreas da psicopedagogia, direito e educação física, mas ainda poucos
trabalhos ressaltando a importância do psicólogo no combate ao bullying.
Nesse sentido, esta pesquisa teve como objetivo realizar um mapeamento
da produção do Instituto Federal do Mato Grosso – IFMT.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 72


Algumas considerações sobre o fenômeno Bullying

A Lei nº 13.185, em vigor desde 2015, classifica o bullying como


intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de
humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos,
insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros. Art. 1º Fica
instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying) em todo
o território nacional (BRASIL, 2015).
De acordo com os estudos de Dan Olweus (1993), o bullying é definido
como um subtipo de comportamento agressivo que gera atos violentos e, na
maioria das vezes, ocorre dentro das escolas. Esses podem ser: Verbais; Físicas;
Inexistência de palavras ou contato físico; Exclusão intencional de um grupo;
Obrigação de cumprir a vontade de outra pessoa.
De acordo com as autoras Abramovay e Rua (2003) a violência escolar
é um fenômeno antigo em todo problema social podendo ocorrer, conforme
já classificado pela ciência e adotado pelo senso comum, como indisciplina,
delinquência, problemas de relação professor-aluno ou mesmo aluno-aluno.
A escola surge como um ambiente propício para a ocorrência da violência,
por ser contexto de manifestação de muitas diferenças, pois abrange pessoas
advindas de diferentes contextos sociais, com diferentes hábitos, formações,
constituições, e pela forma como lida com essas diferenças e por ser espaço de
“tensões entre o sistema escolar e a expectativa dos jovens” (ABRAMOVAY,
2005, p.28).

Percurso Metodológico da Pesquisa

O trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa que, segundo Chizzotti


(2003), recobre um campo transdisciplinar envolvendo as ciências humanas e
sociais, assumindo diversas formas de análise, e busca encontrar os sentidos dos
fenômenos humanos e entender seus significados.
No trabalho não desconsideramos as críticas já colocadas por autores em
relação à falsa dicotomia quantidade/qualidade (BAUER, GASKELL, 2000;
MINAYO, 2001). No decorrer da pesquisa, quando se considera importante, os
dados quantitativos são explorados e utilizados.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 73


É necessário levar em consideração que os dados quantitativos traduzem a
grandeza com que um fenômeno se manifesta, consequentemente, sendo uma
qualificação dessa grandeza, mas esses dados necessitam ser interpretados
qualitativamente (GATTI, 2002). Neste trabalho os dados quantitativos serão
considerados, mas em nenhum momento substituirá os qualitativos. Os aspectos
sugeridos por estes autores foram considerados para a construção da coleta,
análise dos dados e organização do trabalho.

Procedimento de coleta dos dados

No presente trabalho foi realizado um levantamento bibliográfico da


produção acadêmica do Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT). O corpus
documental consistiu nos anais dos eventos disponíveis no site de Publicações do
IFMT1, que consistem nos seguintes eventos: IV Workshop de Ensino, Pesquisa,
Extensão e Inovação do IFMT Campus Cuiabá (WORKIF)2, V Workshop de
Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação do IFMT Campus Cuiabá (WORKIF)3,
VI Workshop de Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação do IFMT Campus
Cuiabá (WORKIF)4, III Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão do IFMT
Campus Rondonópolis (CEPEX)5, X Jornada de Ensino Pesquisa e Extensão do
IFMT Campus Confresa6, III Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão do IFMT
Campus Confresa (JENPEX)7 e do III Jornada de Ensino Pesquisa e Extensão
do IFMT Campus Cáceres (JENPEX)8. O corpus documental analisado também
foi composto pelas dissertações produzidas no Programa de Pós-graduação
em Ensino (PPGEn/IFMT) e do Programa de Pós-Graduação em Educação
Profissional e Tecnológica (ProfEPT/IFMT). As dissertações foram encontradas
na Plataforma Sucupira9.
As palavras-chaves utilizadas para a seleção dos trabalhos analisados foram
“bullying”, “violência escolar” e “conflitos”.

1 https://eventos.ifmt.edu.br/publicacoes/
2 https://eventos.ifmt.edu.br/media/upload/files/ANAIS-DO-IV-WORKIF.pdf
3 https://eventos.ifmt.edu.br/publicacoes/1/WORKIF/
4 https://eventos.ifmt.edu.br/publicacoes/7/WORKIF2019/
5 https://eventos.ifmt.edu.br/publicacoes/2/CEPEX/
6 https://eventos.ifmt.edu.br/publicacoes/3/XJornada/
7 https://eventos.ifmt.edu.br/publicacoes/5/JENPEX/
8 https://eventos.ifmt.edu.br/eventos/10/3JENPEXCACERES/
9 https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/listaTrabalhoConclusao.jsf

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 74


Após selecionados, os trabalhos foram classificados em resumos simples,
resumos expandidos, artigos completos ou dissertações de mestrado, foram
também quantificados o gênero da autoria da pesquisa (masculino ou feminino)
e cidade de realização do trabalho.
Foram também classificados de acordo com o contexto escolar (educação
infantil, ensino fundamental I, ensino fundamental II, ensino médio ou ensino
superior) e a natureza da pesquisa realizada (qualitativa ou quantitativa).

O Instituto Federal de Mato Grosso – IFMT

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso


– IFMT, foi criado nos termos da Lei nº. 11.892, de 29 de dezembro de 2008,
mediante integração do Centro Federal de Educação Tecnológica de Mato
Grosso, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Cuiabá e da Escola
Agrotécnica Federal de Cáceres, é uma instituição de educação superior, básica
e profissional, pluricurricular e multicampi, especializada na oferta de educação
profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino. Vinculada ao
Ministério da Educação, possui natureza jurídica de autarquia, com autonomia
administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar
(IFMT, 2019).
O IFMT tem no Estado de Mato Grosso a sua área de atuação geográfica,
conta com 14 campi em funcionamento (Alta Floresta, Barra do Garças, Cáceres,
Campo Novo do Parecis, Confresa, Cuiabá – Octayde Jorge da Silva, Cuiabá
– Bela Vista, Juína, Pontes e Lacerda, Primavera do Leste, Rondonópolis, São
Vicente, Sorriso e Várzea Grande). Possui ainda cinco campi avançados, nos
municípios de Diamantino, Lucas do Rio verde, Tangará da Serra, Sinop e
Guarantã do Norte (IFMT, 2019).
O IFMT possui como missão “educar para a vida e para o trabalho” (IFMT,
2019, p. 20) e como visão, “ser uma instituição de excelência na educação
profissional e tecnológica, qualificando pessoas para o mundo do trabalho e
para o exercício da cidadania por meio da inovação no ensino, na pesquisa e na
extensão” (IFMT, 2019, p. 20).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 75


Resultados e discussão

Aqui apresentaremos os dados do mapeamento realizado a partir


das publicações do IFMT. No Programa de Pós-Graduação em Educação
Profissional e Tecnológica (ProfEPT/IFMT) não foram encontrados trabalhos
relacionados com a temática desta pesquisa, já no Programa de Pós-graduação
em Ensino (PPGEn/IFMT) foram identificadas 4 dissertações de mestrado. No
IV WORKIF não foi encontrado trabalhos relacionados, no V WORKIF foi
encontrado 1 trabalho, no VI WORKIF foram identificados 2 trabalhos, no III
CEPEX foi encontrado apenas 1 trabalho, na X Jornada de Ensino Pesquisa e
Extensão do IFMT Campus Confresa, na III JENPEX Campus Confresa e na
III JENPEX Campus Cáceres não foram encontrados trabalhos sobre o tema
desta pesquisa. Ao total, foram identificados 8 trabalhos para a análise nesta
pesquisa.

Dados gerais sobre a produção do IFMT

O quadro 1 apresenta os dados gerais dos trabalhos que compõem o corpus


documental deste artigo. O Programa de Pós-graduação em Ensino (PPGEn/
IFMT):

tem por finalidade um trabalho interdisciplinar que agregue as diversas áreas


do conhecimento, a fim de atender essa demanda específica e responder às
expectativas dos candidatos das diversas áreas de formação (bacharelado,
licenciatura e tecnólogos) com interesse em investigar ensino nas suas respectivas
áreas de conhecimento (IFMT, s/d).

Nesse sentido, o PPGEn possui um potencial para pesquisas relacionadas


ao bullying no ambiente escolar, mas sua primeira turma teve início em 2016,
ou seja, é um programa recente, isso pode justificar a quantidade pequena
de trabalhos. Em relação aos demais trabalhos, tivemos 2 artigos completos
publicados em eventos do IFMT e 2 resumos (Quadro 1).
Cód. Título Tipo Origem Ano
Jovens vivendo com HIV/AIDS:
Tr01 sentidos a partir de suas vivências Dissertação PPGEn/IFMT 2018
no ambiente escolar
A mulher e o ensino-aprendizagem
agropecuário: violência e bullying
Tr02 Dissertação PPGEn/IFMT 2018
nas vivências e cotidianidades
escolares
Bullying, racismo e identidade
no contexto escolar dos cursos
Tr03 Dissertação PPGEn/IFMT 2019
técnicos integrados ao ensino
médio do IFMT
Violência escolar, bullying e
Tr04 violação de direitos humanos no Dissertação PPGEn/IFMT 2019
cotidiano escolar
Relações sociais juvenis no
Artigo
Tr05 ambiente escolar em duelo com a V WORKIF 2018
completo
aprendizagem
Tr06 Bullying: caminhos para o combate Resumo VI WORKIF 2019
Construção de um aplicativo para
Tr07 denúncias de bullying no IFMT Resumo VI WORKIF 2019
campus Rondonópolis.
Xô bullying - construção de
um aplicativo para denúncias Artigo
Tr08 III CEPEX 2019
de bullying no IFMT campus completo
Rondonópolis
Quadro 1 – Trabalhos publicados pelo IFMT relacionados ao Bullying escolar
Fonte: Dados da pesquisa

O gráfico 1 apresenta a proporção dos trabalhos em relação ao gênero da


autoria da pesquisa. Para os artigos completos foram considerados o primeiro
autor da pesquisa. Podemos observar uma pequena diferença, tendo uma maior
produção feita pelo gênero masculino em relação ao feminino.
É importante reforçar que a presença efetiva das mulheres no espaço oficial
da ciência é, em termos históricos, muito recente, alcançando algo em torno
de um século apenas. Uma inclusão que exigiu das pioneiras coragem e muita
perseverança para se defrontar com a tradição (SBPC, 2019).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 77


Gráfico 1 – Gênero e autoria
Fonte: Dados da Pesquisa

Em relação ao contexto escolar, por meio da leitura dos trabalhos, foi


identificado um trabalho relacionado ao Ensino Médio, 5 pesquisas relacionadas
a Educação Profissional e Tecnológica10 e 2 com Abordagem Genérica do
Contexto Educacional11.
Quanto a natureza dos trabalhos, identificamos 6 pesquisas com percurso
metodológico relacionado a pesquisa qualitativa, como podemos observar nos
excertos a baixo:

“O estudo, de viés qualitativo, investigou [...]” (Tr01)

“Trata-se de uma investigação qualitativa que parte de uma diversidade de


instrumentos de coleta de dados e informações [...]” (Tr03)

“Tem como eixo metodológico a pesquisa qualitativa” (Tr06)

10 Trabalhos no contexto escolar de cursos técnicos de nível médio (integrado, concomitante, pós médio etc.), cursos técnicos
modulares ou sequenciais, cursos de tecnologia em nível de graduação, ou outras modalidades de educação profissional e
tecnológica que ocorrem em instituições de ensino.
11 Trabalhos que não tratam com especificidade qualquer contexto educacional, escolar ou não escolar, ou seja, trabalhos que
lidam com o fenômeno educativo sem fazer referência específica a qualquer espaço ou nível educacional.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 78


Considerações finais

O fenômeno denominado bullying aumenta a cada dia em nossa sociedade,


tem ganhado destaques pois as práticas dessa violência têm aumentado no
ambiente escolar. Conforme revisão bibliográfica, Fante e Pedra (2008) e
Neto (2005), o ambiente escolar tornam um lugar propício para a ocorrência
de comportamentos agressivos, sofrimento e medo, os quais podem ocasionar
graves consequências sociais e individuais, como: de se relacionar, autoestima,
insegurança, agressividade, medo, sofrimento, entre outras.
O mapeamento dessa pesquisa o corpus documental dos anais dos eventos
e dissertações de mestrados disponíveis no site de Publicações do IFMT, revelou
uma quantidade pequena de trabalhos publicados na temática de bullying
escolar, de modo que tal discussão aponta para um campo fértil para a realização
de estudos sobre o fenômeno, pois vem ganhando cada vez mais destaque nas
áreas da psicopedagogia, direito e educação física, mas ainda poucos trabalhos
ressaltando a importância do psicólogo no combate ao bullying.
Observou –se que, em relação ao gênero da autoria da pesquisa uma
pequena diferença, tendo uma maior produção feita pelo gênero masculino em
relação ao feminino.
Contudo, vale salientar importância de a escola estar atenta às manifestações
dessa violência, trabalhando em políticas de prevenção, uma vez que esse
fenômeno tem sequelas psicológicas e físicas os envolvidos.

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DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 81


CAPÍTULO 6

O PAPEL DA FAMÍLIA ANTE OS PROCESSOS DE


APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DE DISCENTES
DOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

Michell Pedruzzi Mendes Araújo, Sandra Borsonel Kiefer,


Rita Barcelos da Silva, Cinthia Leticia de Carvalho Roversi Genovese

Introducão

Este estudo aborda a importância da família para o processo de


aprendizagem e desenvolvimento de alunos inseridos nos anos finais do ensino
fundamental. É importante dizer que tanto a escola quanto a família têm uma
grande participação no desenvolvimento psicológico, mental e intelectual com
funções educacionais, sociais que contribuem para formação de um cidadão
crítico (REGO, 2003).
O interesse da família pela rotina escolar dos filhos é fundamental para
os seus processos de aprendizagem e desenvolvimento. Quando os discentes
percebem que os genitores ou responsáveis se interessam por sua vida escolar e por
situações vivenciadas na escola, sentem-se motivados, valorizados, o que culmina
em um melhor rendimento e melhor autoestima. Os genitores, estando sempre
presentes na vida escolar e educacional dos filhos, proporcionam diminuição de
problemas de evasão escolar, e aumento no rendimento e nas habilidades sociais
e afetivas dos educandos.
Nesse caminho, é importante salientar que a família tem um grande
impacto e influência no comportamento e no modo de ser do indivíduo,
gerando proteção, bem-estar, dando oportunidade ao indivíduo de crescer de
forma equilibrada e ciente do seu papel na sociedade (KREPPNER, 2000).

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-6 82
Marchesi (2004) nos diz que a educação não é uma tarefa que a escola
possa realizar sozinha sem a cooperação de outras instituições e, a nosso ver,
a família é a instituição que mais perto se encontra da escola. Sendo assim,
se levarmos em consideração que Família e Escola buscam atingir os mesmos
objetivos, devem elas comungar os mesmos ideais para que possam vir a superar
dificuldades e conflitos que diariamente angustiam os profissionais da escola e
também os próprios alunos e suas famílias. Nesse caminho, entendemos que

[...] a escola nunca educará sozinha, de modo que a responsabilidade educacional


da família jamais cessará. Uma vez escolhida a escola, a relação com ela apenas
começa. É preciso o diálogo entre escola, pais e filhos (REIS, 2007, p. 6).

A escola tem o papel de grande importância de desenvolver o conhecimento


e a aprendizagem, onde existem diferenças de pensamentos, onde limites devem
ser colocados para que não tenha conflitos devidos a diversidade dentro da
escola. A família deve acompanhar o desenvolvimento acadêmico de seus filhos,
observando suas atividades escolares, trabalhos e provas para entender o que se
passa na vida escolar de seu filho, a fim de poder ajuda-los a cumprir as suas
atividades para obtenção de uma boa aprendizagem (SANDERS; EPSTEIN,
1998).
De acordo com Evangelista (2003), a família é essencial no desenvolvimento
do ser humano. Seja por aspecto cultural, social e como cidadão, toda a população
faz parte da mais antiga família. Portanto, falar da família se relaciona com a
escola, e faz-se imprescindível um estudo sobre a situação atual da família, não
esquecendo que essa concepção vem passando por diversas transformações ao
logo do tempo. A família é o principal argumento de socialização e interação
do ser humano, mesmo que ao longo do tempo se acasale com outros assuntos
como o trabalho e a escola.
É necessário fazer uma análise da família no contexto atual. Infelizmente,
devido a problemas da contemporaneidade encontrados no seio de nossa
sociedade, há um afastamento dos pais acerca da rotina escolar dos seus filhos -
seja em casa ou na escola - o que interfere na formação do educando.
Vale dizer que a escola sozinha não é capaz de solucionar todos os problemas
dos alunos, estes são cidadãos em formação que dependem não só de ensino
didático escolar, como também da participação de seus pais em todas as suas
fases de crescimento e meios sociais em que convivem, devendo, portanto, haver
uma participação colaborativa dos pais junto da escola, no intuito de extrair o
máximo de desempenho evolutivo do aluno como estudante e cidadão.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 83


Nesse ínterim, o presente estudo objetiva compreender como a participação
familiar interfere nos processos de aprendizagem e desenvolvimento de alunos
inseridos no ensino fundamental. Como objetivos específicos, pretende-
se: compreender as formas de participação da família na escola; entender a
importância da escola para o desenvolvimento do aluno; analisar os impactos
obtidos a partir do acompanhamento do educando; identificar o papel da escola
em buscar meios para que a família participe da vida escolar do educando no
fundamental II.

Percurso metodológico

Em toda pesquisa, o método é a garantia de que o papel social da ciência


prevalecerá sobre qualquer interesse ou visão dos pesquisadores. Um método
coerente é fundamental para que se possa atribuir valor científico a qualquer
estudo. A presente pesquisa configura-se como exploratório, com abordagem
qualitativa e utilização de entrevistas estruturadas como procedimento para
produção de dados.
O caráter exploratório desta pesquisa tem como objetivo proporcionar
maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou
a construir hipóteses. A maioria dessas pesquisas envolve: (a) levantamento
bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com
o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que estimulem a compreensão
(GIL, 2007). Essas pesquisas podem ser classificadas como: pesquisa bibliográfica
e estudo de caso (GIL, 2007).
A pesquisa exploratória é muito utilizada para realizar um estudo preliminar
do principal objetivo da pesquisa que será realizada, ou seja, familiarizar-se com
o fenômeno que está sendo investigado, de modo que a pesquisa subsequente
possa ser concebida com uma maior compreensão e precisão (GIL, 2007).
A presente pesquisa tem caráter qualitativo, pois estimulou os entrevistados
a analisarem e opinarem livremente sobre o tema em questão, para que
pudessem expressar todos os aspectos subjetivos, podendo atingir motivações
não conscientes, ou mesmo não explícitas, de maneira espontânea.
No presente estudo, para recolha dos dados, foi aplicado um roteiro de
entrevista estruturado aos alunos, com autorização da direção da escola e dos
responsáveis por eles. O roteiro constava de 6 perguntas (5 objetivas e 1 discursiva)
e foi aplicado individualmente a cada discente. As perguntas e respostas foram
feitas oralmente, de modo a perceber aspectos subjetivos nas falas dos mesmos.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 84


Para uma fundamentação teórica: a família no contexto do
desenvolvimento humano

A real educação significa mais do que ensinamentos teóricos e de


regras, inclui a participação dos genitores em todas as fases da vida do filho,
desenvolvendo não só aptidões físicas, como também faculdades mentais sadias,
sendo preparado o educando para os deveres e obrigações da vida em sociedade,
desaguando no ajuste desse novo cidadão em tudo que for participar no meio
social. (EISENBERG et al., 1999).
A família é a célula primordial de toda a nossa sociedade, pois é a primeira
instituição em que a criança aprende as regras sociais de conduta, hierarquia,
tradição, respeito e carinho. A família é responsável por dar a educação basilar para
os filhos conviverem na sociedade e influencia diretamente no comportamento
dos mesmos. No seio familiar que é passado os valores sociais e morais que
servirão de base para o processo de socialização das crianças, bem como os
costumes e regras perpetuados por meio de gerações.
Frisa-se que a família é de suma importância para o desenvolvimento
humano social, devendo ter a obrigação e dever de proporcionar a seus filhos
recreações e ensinamentos orientados para sua faixa etária, desenvolvendo,
assim, crianças com mentalidade sadia para o convívio em sociedade e estudo.
De acordo com Evangelista (2003, p. 203):

Pode-se afirmar que a família é fundamental na formação de qualquer indivíduo,


culturalmente, socialmente, como cidadão e como ser humano, visto que,
todo mundo faz parte da mais velha das instituições que é a família. Porém, ao
tratarmos da família relacionando-a com a escola, faz-se necessário um estudo
sobre o panorama familiar atual, não esquecendo que a família através dos
tempos vem passando por um profundo processo de transformação. A família é
o primeiro e principal contexto de socialização dos seres humanos, é um entorno
constante na vida das pessoas; mesmo que ao longo do ciclo vital se cruze com
outros contextos como a escola e o trabalho.

No ambiente familiar que conseguimos melhorar como pessoas e interagir,


ter domínio próprio tendo controle das emoções, expressar pensamentos,
emoções e ideias, trabalhando relações interpessoais e as diferenças da vida
(WAGNER et al., 1999).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 85


Essa função social é desenvolvida na vida familiar, tendo grande repercussão
em todas as fases do indivíduo, proporcionando aspectos cognitivos, mentais e
físicos das pessoas envolvidas nesse contexto (DEL PRETTE; DEL PRETTE,
2001).

Participação da família na escola

À família compete a importância de participar da educação escolar dos filhos


em todas etapas escolares. Infelizmente, com a pós-modernidade, as famílias
vêm se modificando, não tendo mais pais juntos e sim separados, ocasionando,
por vezes, severos problemas emocionais e psicológicos na vida dos filhos, o
que pode gerar grandes problemas e prejuízos na escola. Em vez de ser suporte
em meio às dificuldades que a vida em sociedade traz, muitas vezes, as famílias
cujos pais são separados têm sido, salvo exceções, meio gerador de conflitos e
de divergências na vida dos filhos. Mister se faz destacar que os discentes não
são autossuficientes, pois o precisam de cuidados, carinho, incentivo, atenção
e ensinamentos para saberem como conviver em sociedade, nascendo, assim,
junto com eles, a construção sociocultural da família em fornecer apoio, não só
em casa como também na escola, e demais âmbitos em que a criança conviva e
participe.
Com o avanço da Globalização, internet, competição no mercado de
trabalho, necessidade cada vez maior dos pais de gerar resultados mais satisfatórios
no trabalho, crises econômicas e políticas na sociedade, os pais cada vez menos
têm tempo para conversarem com seus filhos, assim como de participarem do
desenvolvimento destes dentro da escola. Infelizmente, esta é uma mazela do
nosso mundo atual, os pais não têm mais tanto tempo disponível para irem a
escola participar de conselho de classes ou afins, o que é preocupante, pois a
família tendo participação efetiva nos procedimentos de ensino aplicados na
escola influência de forma a aumentar a aprendizagem, desenvolvimento e o
interesse do aluno em estudar cada vez mais.
A instituição de ensino não tem estrutura para dirimir os problemas que a
família moderna vem ocasionando em seus filhos, devidos a problemas externos
que não cabe à escola resolver.
A necessidade de se construir uma relação entre escola e família, deve ser
para planejar, estabelecer compromissos e acordos mínimos para que o educando/

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 86


filho tenha uma educação com qualidade tanto em casa quanto na escola.

De acordo com Pereira (2008, p. 29), “a relação entre a escola e a família


tem vindo a ser alvo de todo um conjunto de atenções: através de notícias nos
meios de comunicação, de discursos de políticos, da divulgação de projetos de
investigação e de nova legislação”. Ainda na perspectiva do mesmo autor:

O desenvolvimento da criança deve ser compreendido de forma holística e a


compreensão das diferenças individuais no desenvolvimento saudável e patológico
implica a consideração das transações que ocorrem ao longo do tempo entre
indivíduo e contextos sociais e ecológicos. Segundo esta autora o contexto é
constituído por diferentes níveis, uns mais próximos e outros mais distantes, que
sofrem influências múltiplas entre si (p. 27).

No sistema público escolar, as dificuldades atravessam as tentativas de


aproximação com a escola, o que, infelizmente, na maioria dos casos demonstra
o fracasso. Segundo Spósito (2001), a natureza dos problemas encarados e a
solução deles não se limitam tão somente em propostas ou trocas dos canais
adequados, no intuito da gestão participativa, ter capacidade de envolver de
maneira efetiva, pais, professores e alunos.
Vale ressaltar que a presença dos familiares na escola não é um assunto
recente, pois busca-se, há muito tempo dentro de várias concepções pedagógicas
com orientações conservadoras, a aproximação da família com a escola
(SPÓSITO, 2001).

[...] tanto a família quanto a escola desejam a mesma coisa: preparar as crianças
para o mundo; no entanto, a família tem suas particularidades que a diferenciam
da escola, e suas necessidades que a aproximam dessa mesma instituição. A escola
tem sua metodologia e filosofia para educar uma criança, no entanto ela necessita
da família para concretizar o seu projeto educativo (PAROLIM, 2003, p. 99).

Conforme destacam Shapiro, Blacher e Lopez (1998), a família tem uma


forte influência no processo de aperfeiçoamento da criança dentro da sociedade,
pois é com ela que ocorrem os primeiros contatos da criança. Os genitores têm
uma sobrecarga adicional em vários aspectos de sua dinâmica individual e familiar,
especialmente no que tange aos aspectos psicológicos, sociais, financeiros, e às
atividades de cuidado da criança.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 87


No que se refere à educação do indivíduo, a família desempenha um
papel importante, pois é por meio dela que o aluno recebe motivação e é o seu
primeiro grupo de influência social e cultural, na qual recebe valores éticos e
humanitários. (PRADO, 1981). Nesse caminho,

[...] a família também é responsável pela aprendizagem da criança, já que os pais


são os primeiros ensinastes e as atitudes destes frente às emergências de autoria,
se repetidas constantemente, irão determinar a modalidade de aprendizagem dos
filhos (FERNANDES, 2001, p. 42).

Cabe à família criar um elo com a escola para que possa estar mais presente
na vida de seu filho, garantindo, portanto, envolvimento e comprometimento.
É no seio familiar que a criança tem seu ponto de apoio, onde amplia suas
experiências como pessoa, onde aprende as primeiras palavras e limites para
viver em sociedade, tanta escola quanto a família visam trazer cultura, regras,
conhecimento para que os educandos tenham um bom desenvolvimento, para
se tornarem bons cidadãos. Neste sentido,

parece-nos, também, que a melhor colaboração entre a família e a escola é


precisamente o veicular à criança confiança acerca da escolarização e ocorrências
escolares, suportando e apoiando os anseios da criança e guardando, para local
próprio, reações relativas à própria escola (PEREIRA, 2008, p. 60).

Segundo Kaloustian (apud PEREIRA, 2008):

A família é o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção


integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar
ou da forma como vêm se estruturando. É a família que propícia os aportes
afetivos e, sobretudo materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos
seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e
informal, é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e
onde se aprofundam os laços de solidariedade. É também em seu interior que se
constroem as marcas entre as gerações e são observados valores culturais (p. 61).

Além de ser necessário que a escola tome a iniciativa de fomentar o


envolvimento de todas as famílias, também é basilar a utilização de outras
estratégias de aproximação entre a escola e a família. Para Seeley (1989, apud
Pereira, 2008, p. 75), “o interesse renovado pela família, pelo bairro, pela
comunidade e por outras estruturas de mediação é significativo, em primeiro
lugar, por refletir a crescente conscientização da importância dos grupos de
dimensão humana”.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 88


A articulação entre a escola e a família pode ajudar a ultrapassar as
dificuldades e a contribuir para a aquisição ou a melhoria dos hábitos de estudo
ao longo de toda a escolaridade. Valorizar a escola, demonstrar interesse pelas
atividades lá realizadas, ajudar a organizar o espaço e o tempo de estudo, elogiar
os pequenos/grandes sucessos obtidos e não deixar criar desânimo perante as
dificuldades, estar em contato permanente com a escola, são diversas formas de
os pais ajudarem os seus filhos a sentirem-se valorizados e acompanhados e a
adquirirem hábitos e gosto pelo estudo.
A escola se constitui em um dos principais meios que a criança se socializa,
assim, exerce uma função primordial, trata-se do espaço onde a criança irá
interagir com outros adquirindo conhecimentos e sentimentos (LIMA, 1989
apud ELALI, 2003).
Para Elali (2003), o espaço escolar exerce grande importância no
desenvolvimento da aprendizagem, uma vez que é nele que acontecem as
relações entre pessoas e ambiente, sendo, desta forma, essencial a preocupação
com a definição dos ambientes que contribuem para a formação da identidade
e das competências desenvolvidas individualmente.

A participação das famílias na vida escolar sob a ótica dos próprios


discentes

Para obtenção dos dados foi aplicado um questionário aos alunos da escola
“Construção do saber”12. A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: na primeira
foram feitas cinco perguntas objetivas sobre a frequência com que os pais olham
o caderno dos filhos, se eles gostam e acham importante que a família participa
de alguma forma da vida escolar, se tem algum castigo por não alcançarem a
nota, se tem alguma recompensa quando alcançam a nota. Na segunda etapa foi
aplicada uma pergunta discursiva: Qual é a importância da família para o seu
desempenho escolar?
O objetivo do questionário foi entender como é a relação da família
com a escola e como funciona na prática para mostrar a realidade nas escolas.
Antes da aplicação dos questionários aos discentes, foi orientado a eles que não
seriam identificados e que respondessem as perguntas do questionário falando

12 O nome da escola é fictício.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 89


a verdade e foi explicado também que os pais não teriam acesso ao material
disponibilizado a eles, sendo assim os alunos responderam com sinceridade e
disposição. Esse momento de falar e “desabafar” é importante para eles, eles se
sentem à vontade para falarem o que sentem. Vale ressaltar também que alguns
alunos têm “vergonha” de explicitar que os pais não os ajudam na rotina de
atividades escolares. Constatamos que os alunos gostariam que a participação da
família no desempenho escolar ocorresse de forma mais ativa e efetiva.
Vale dizer que a turma do 6º ano foi escolhida por conta de ser uma turma
que mais tem a participação efetiva da família na escola do ensino fundamental
II (6º ao 9º ano), a qual a graduanda estagiou na escola durante a faculdade.
Quando indagados sobre suas dificuldades, como se sentem e o que
gostariam que a escola e família fizessem para ajuda-los, alguns alunos disseram:

e minha mãe participasse no meu desempenho escolar, minhas notas eram


melhores, mas eu não gosto que ela olha meu caderno e fique me cobrando
toda vez que ela olhasse meu caderno

Durante o relato do depoimento acima, o aluno se emocionou ao falar


da participação da sua família e disse que os pais cobram muito e não dão a
liberdade de se expressar e brincar, por isso ele fica preso em casa e desanima
de fazer as atividades escolares. Esse relato nos cabe refletir que toda criança
é um sujeito histórico e de direito e que a interação e a brincadeira faz parte
do desenvolvimento humano, é extremamente necessário que o aluno use sua
criatividade e autonomia. Dessa forma é possível que o discente sinta interesse
pelas atividades escolares e se dedicar de forma mais intensa aos estudos.
Comênio (apud CUNHA, 2000, p. 448), referindo-se à competência
dessas duas instituições no trabalho educativo com as crianças, apresenta o
seguinte argumento em favor da institucionalização da escola:

[...] raramente os pais estão preparados para educar bem os filhos, ou raramente
se dispõe de tempo para isso, daí se segue como consequência que deve haver
pessoas que façam isso como profissão e desse modo sirva a toda a comunidade
(SOBRINHO, 2009, p. 3).

Por esse prisma, compreendemos escola e família como instituições


eminentemente educativas e encarregadas de conduzir as pessoas do estado em
que se encontram no presente para um espaço futuro, supostamente melhor,

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 90


mais desejável e superior (CUNHA, 2010).
Nas entrevistas estruturadas desenvolvidas com os alunos foram feitas
cinco perguntas objetivas:
1. Com que frequência seus pais olham seu caderno?
2. O que seus pais fazem quando você, não consegue alcançar a nota?
3. Quando suas notas são muito boas, você tem recompensa por isso?
4. Você gosta quando seus pais participam da sua vida escolar?
5. Você acha que se não houvesse participação da sua família, você
teria esse desempenho?
As respostas às perguntas supracitadas serão apresentadas nos gráficos (1 à
5) que estão presentes nas laudas subsequentes desse artigo.
A pergunta discursiva foi: Qual é a importância da família para o seu
desempenho escolar?

Seguem abaixo algumas respostas dos alunos.

Aumenta meu desempenho, presto mais atenção nas aulas. Tenho boas
notas. Tenho mais interesse no aprendizado, pois minha família esta
ajudando e tenho uma educação de qualidade’”.
A minha família ajuda muito no meu desempenho escolar, porque me
ajudam muito nas tarefas e em tudo que eu precisar, para ser um bom
aluno e inteligente’’.
A importância da minha família na escola é que sem a minha família
eu não consigo alcançar minhas notas e acho que todos os pais devem
participar da vida do filho na escola’’.
Quando meu pai vem aqui na escola, quando ele briga, me chama a
atenção, eu melhoro, eu começo a me esforçar. Eu gosto muito quando
meu pai vem aqui na escola e se preocupa com meu desempenho escolar.
Quando eu tiro notas boas na escola, a minha mãe conversa e fala para
prestar mais atenção nas aulas, e pedir ajuda nas atividades quando tiver
dificuldade.
É muito importante a participação da família, pois sem ela eu não teria
esse desempenho.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 91


A importância para mim da participação da família na escola é o apoio
e a ajuda deles, etc... Minha mãe sempre me dá apoio e fala para eu
estudar, porque com os estudos eu posso ser o que quiser’’.
Eles como já são adultos, eles vão saber coisas a mais que eu não sei. Sendo
assim eles vão me ajudar nas aulas.

Seguem, a seguir, os gráficos dos resultados da presente pesquisa.

Gráfico 01: Frequência que os Pais olham o Caderno dos filhos


Fonte: Elaborado pelos autores.

O gráfico acima representa o resultado da frequência que a família do


aluno olha o caderno. Nota-se que a maioria dos pais olha o caderno dos filhos
às vezes, ou seja, é notável que a família não se preocupe muito com o que os
alunos fazem na escola.
Tradicionalmente a superioridade cultural da escola tem colocado a família
na função de apoio ao seu trabalho. ‘’Para eles, a educação é algo que ocorre
nas escolas sob responsabilidade dos professores, por isso aceitam o que a escola
propõe e faz com seus filhos’’(SACRISTÁN, 1999, p. 235).
Percebe-se, por meio do primeiro gráfico, que atualmente as famílias têm
tratado seus filhos com um pouco de desleixo em relação ao seu desenvolvimento
escolar, o que é preocupante, já que muitos pais pensam que a escola tomou
todo o espaço da família no que se refere a: educação escolar; criação; exemplo;
modo de vida.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 92


Infelizmente, muitos pais não participam efetivamente da vida escolar dos
seus filhos: não se importam com o comportamento; como vão na escola; quais
são suas angústias e problemas; ensino de boas maneiras. Podemos chamar isto
de um tipo brando de abandono moral, afinal de contas todos os educandos,
não somente os do Ensino Fundamental II necessitam de exemplos de vida e
ainda de pessoas que possam guiá-los para os melhores caminhos da vida, sendo
que a família desde o início dos tempos cumpriu este papel. A família sempre
foi e continuará sendo a célula matriz do desenvolvimento educacional e moral
das pessoas.

Gráfico 02: Atitude dos Pais quando não atinge a nota


Fonte: Elaborado pelos autores.

O gráfico acima mostra a atitude dos pais em relação quando os alunos não
atingem a nota. Para a maioria dos pais, segundo os alunos responderam, uma
boa conversa é a principal atitude. É importante ressaltar que a família cobra
um bom desempenho dos alunos, mas muitas vezes não ajuda, seja por falta de
tempo ou outras questões.
É importante dizer que grande parte dos pais não vai até a escola para
conversar com professores ou pedagogos sobre seus filhos, como estão na sala
de aula e quais são os problemas que têm enfrentado. Este tipo de atitude
dos pais é preocupante, já que os pais presentes na escola ajudam em muito o
desenvolvimento escolar, além de prevenir problemas de disciplina e evasão da
escola.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 93


É necessário que os pais busquem criar métodos com a escola para que
possam estar mais presentes na vida dos filhos, criando um vínculo forte e
duradouro, para que se atinja o envolvimento, e comprometimento, da família
com a escola.
O envolvimento entre a escola e a família auxilia na quebra de dificuldades
dos educandos, oque favorece na melhoria de toda a vida escolar no decorrer
do seu transcurso. É de extrema importância que haja a valorização da escola
pelos pais, e que esses participem mais da vida escolar, ajudando nas tarefas,
elogiando os resultados dos filhos nas provas e trabalhos e dando ânimo nas
dificuldades encontradas nas matérias. Os familiares têm que manter contato
permanente com a escola, para que assim os alunos se sintam mais valorizados
e acompanhados, aumentando assim o gosto pelo aprendizado e obtenção cada
vez maior de conhecimento.

Gráfico 03: Recompensa por atingir a nota


Fonte: Elaborado pelos autores.

O gráfico número 03 mostra o resultado da pesquisa quando a pergunta


foi se tinha alguma recompensa por atingirem a nota. A maioria respondeu
que tem recompensa. Percebe-se que os pais não olham o caderno do aluno
com frequência, conforme foi demostrado no primeiro gráfico. Mas quanto à
pergunta foi se houve recompensa, a maioria respondeu que existe recompensa.
Conclui-se que tem recompensa, se tirar nota boa, mas não existe participação
efetiva na hora de olhar o caderno.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 94


Gráfico 04: Gosta quando os pais participam da vida escolar?
Fonte: Elaborado pelos autores.

No gráfico acima, a pergunta foi se os alunos gostam que a família


participe da vida escolar dos filhos. A maioria dos alunos respondeu que gosta
da participação efetiva dos pais. Nota-se que desde inicio da pesquisa que
eles realmente gostam da participação, pois isso proporciona mais interesse e
incentivo aos discentes na rotina escolar.
Diante de tal resultado, vê-se que os educandos se sentem mais satisfeitos
quando a família dá atenção e se preocupa com o seu desenvolvimento escolar.
Portanto está mais do que comprovado a importância da família na escola, e o
reconhecimento dos educandos dessa importância.

Gráfico 05: Sem a participação da família teria esse desempenho?


Fonte: Elaborado pelos autores.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 95


No gráfico 05 a pergunta foi se sem a participação da família eles teriam
esse desempenho. A maioria respondeu que não. Conclui-se que os alunos
reconhecem que a participação da família é fundamental no processo de ensino
e desenvolvimento. Com isso percebe-se, assim como o autor Pereira, que a
família é de extrema importância para o desenvolvimento educacional e social
dos discentes.
Destaque-se que, por conta do questionário aplicado e de seus resultados,
foi verificado a alta competência da união entre escola e família defendida tanto
por Comênio, quanto por Cunha em suas obras. Já que os alunos que possuem
pais influentes e participativos na vida escolar conseguem melhores resultados, e
se sentem mais valorizados e motivados.
Nesse sentido, Paro (2003) chama atenção para o fato de que a participação
da comunidade na gestão da escola pública se configura como uma iniciativa
necessária para superação da situação precária por que vem passando a educação
básica. “É a população usuária quem mantém o Estado seus impostos e é
precisamente a ela que a escola deve servir, procurando agir de acordo com seus
interesses’’(PARO, 2003, p. 9).

Considerações finais

Diante de tudo que foi exposto nas laudas anteriores, pode-se chegar à
conclusão de que é extremamente importante a participação da família para o
processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos na escola. Neste estudo
deu-se ênfase aos educandos inseridos nos anos finais do ensino fundamental e,
para atingir os objetivos traçados, foi desenvolvido um estudo exploratório em
que foi aplicado um questionário a vinte e seis alunos de uma turma do 6º ano.
Como principal resultado desse estudo, é importante ressaltar que a participação
dos pais na escola e a vigília destes em relação aos cadernos e notas dos filhos
impulsionam estes a terem melhores rendimentos na escola.
A participação dos pais na rotina escolar dos filhos é de suma importância,
já que aspira a devida formação dos educandos, tornando-os críticos e motivados
pelo aprendizado, proporcionando progresso no rendimento escolar, conforme
ficou evidenciado por meio das entrevistas estruturadas desenvolvidas com os
discentes.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 96


Vale ressaltar que, muitas vezes, a família vislumbra a escola como um
“depósito de crianças”, o que é uma triste realidade em muitas residências do
Brasil, em razão do dinamismo do dia-a-dia, e do cumprimento de metas cada vez
mais rigorosas dos pais no trabalho, em razão das exigências da “mais valia” atual,
o que é preocupante. É necessário que sejam feitas politicas públicas de interação
entre a família e a escola, devendo também a sociedade civil organizada (igrejas,
associação de moradores, grupos políticos, dentre outros) ter participação para
assim ser alcançado com mais celeridade o objetivo, que é a interação da família
com a escola nos procedimentos de aprendizagem dos educandos.
A pesquisa mostrou que, na maioria das vezes, a família cobra dos filhos
e quer resultado satisfatório, mas, em inúmeros contextos, não ajudam e nem
participam nas tarefas escolares. Quase sempre, nos deparamos com casos de
pais que acabam confiando na escola para que essa atue sozinha na educação
dos discentes, o que é não é recomendável, pois como foi observado na presente
pesquisa, a família tem uma posição basilar na vida estudantil, tendo portanto
um papel de apoio e incentivo para a manutenção da vida diária dos educandos
no ambiente escolar, para que estes consigam progredir como alunos e cidadãos
autônomos, críticos e reflexivos.
Com a realização desse estudo, pode-se destacar que a participação
da família na rotina escolar dos seus filhos é fundamental para o êxito dos
processos de aprendizagem e de desenvolvimento do aluno. Quando os
discentes percebem que os genitores ou responsáveis se interessam por sua vida
escolar e por suas preocupações na escola, os mesmos se sentem motivados,
valorizados, culminando em um melhor rendimento e melhor autoestima. Os
pais, estando sempre presentes nos procedimentos educacionais da escola dos
filhos, proporcionam aumento considerável nas notas e nas habilidades sociais e
afetivas dos alunos, além de queda nos índices de evasão escolar.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 97


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DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 98


CAPÍTULO 7

EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA APROXIMAÇÃO


CONCEITUAL EM SUA MATERIALIDADE HISTÓRICA

Marizete Andrade da Silva

Introdução

Durante muitos anos distintos projetos, ações e programas educativos


vinculados aos interesses da classe social dirigente foram destinados de
forma hegemônica pelo Estado ao campesinato brasileiro, com o objetivo de
ampliar e garantir segurança à reprodução ampliada do capital no contexto do
desenvolvimento agrícola através da educação rural. A concepção de educação
que tal paradigma sustentava e que ainda sustenta, pois atualmente ainda está
presente na realidade agrária, é uma negação a qualquer possibilidade de permitir
aos proletarizados do campo melhores condições de vida e de trabalho.
Contrapondo a perspectiva do enquadramento dos trabalhadores
camponeses no sistema produtivo moderno e, que contribui para a perpetuação
das desigualdades sociais no contexto agrário brasileiro com explícitas
desvantagens para as famílias agricultoras que necessitam da terra para
reproduzir-se materialmente e socialmente, uma ampla mobilização dos sujeitos
campesinos na década de 1990 foi desencadeada com a finalidade de questionar
e apresentar alternativas para o desenvolvimento rural hegemônico em que os
processos educativos eram eixos centralizadores.
Esta atuação dos trabalhadores camponeses, organizados em diferentes
coletivos até então sem precedentes na história nacional, conduziu a um
movimento de inserção da educação para as populações do campo na agenda
política do país e, como resultado, foi incorporado ao contexto da educação
brasileira uma nova expressão para referência e debate: Educação do Campo.

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-7 99
O alcance histórico da Educação do Campo pode ser medido pela
implementação de seus programas e políticas públicas em escala nacional
que, apesar das contradições, possibilitam articular e desenvolver diferentes
experiência educativas que estavam sendo realizadas isoladamente por todo o
país. Todavia, o que assegura a originalidade deste movimento é o seu vínculo
com as lutas sociais dos trabalhadores camponeses.

Reflexões sobre a concepção de educação do campo

A atuação dos movimentos sociais camponeses nas últimas décadas trouxe


uma nova referência para marcar e definir o lugar das lutas políticas dos povos
que vivem e trabalham no campo em relação ao processo de desenvolvimento
econômico hegemônico. A emergência da Educação do Campo representa,
neste sentido, uma das manifestações mais atuais da densidade histórica que
os camponeses conservam enquanto força social refratária aos mecanismos
econômicos e políticos que tentam lhes subjugar às diretrizes que legitimam e
organizam os fundamentos da expansão das relações capitalistas de produção.
Pelo fato de incorporar os tensionamentos sociais e as reivindicações camponesas
acumuladas e decantadas ao longo da história do país, a concepção de Educação
do Campo é portadora de uma compreensão teórica que expressa toda a
complexidade do sentido da luta de uma classe que apesar das diferentes ofensivas
que suporta permanece insubmissa.
São diversas as possibilidades de definir o termo Educação do Campo.
Cada categoria histórica analítica que se constitui enquanto organização
camponesa tende a destacar perspectivas específicas e enfatizar um ou outro de
seus aspectos inerentes. Isto decorre do fato de que existe uma multiplicidade
de contextos campesinos no país e os processos socioeducativos que neles se
desenvolvem são expressões de determinações históricas singulares. Contudo,
existe reconhecimento de princípios mínimos que permitem aos que se dedicam
a tarefa, tanto no espaço acadêmico quanto no político, de discutir em torno
de reflexões capazes de manifestar a presença da Educação do Campo sob a
pluralidade de formas dela se objetivar.
Segundo Ghedin (2012), a inspiração para a construção da Educação do
Campo vem do pensamento educacional socialista que, após sofrer refluxos
durante o regime militar, foi retomado na década de 1990 através dos movimentos

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 100


sociais, período em que várias experiências educativas desenvolvidas pelos povos
do campo foram articuladas e reconhecidas. Desde modo, a Educação do Campo
e as escolas do campo surgiram a partir das reivindicações e lutas dos camponeses
e movimentos sociais engajados em denunciar o esquecimento e silenciamento
por parte de diversas esferas do governo em relação campesinato brasileiro.
O termo Educação do Campo foi cunhado no contexto da I Conferência
Nacional Por uma Educação Básica do Campo em julho de 1998 em Luziânia
- Goiás. Esse processo foi construído pelo Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
(CONTAG), Associação Regional das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR)
da União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil (UNEFAB). As
experiências desenvolvidas pelos movimentos de trabalhadores camponeses
e organizações correlatas, principalmente através do Programa Nacional na
Reforma Agrária, dimensionaram o conceito e a ideia de Educação do Campo
integrando com as múltiplas dimensões da vida do campo.
A expressão que buscou unificar as pautas reivindicatórias dos trabalhadores
que se faziam presentes naquele encontro e representavam as mais diferentes
realidades agrárias do país, revelava o sentido ideológico e político das lutas
do campesinato. Este fato implicava o reconhecimento da capacidade de uma
autorrepresentação política dos camponeses que a história nacional buscou
ocultar e negar. Nesta dimensão, o termo Educação do Campo que estava sendo
apresentado não estabelecia apenas uma nova locução que seria incorporada ao
contexto educacional contemporâneo, apontava, também, para um lugar social
que não estava restrito a determinantes geográficos, mas localizava-se dentro da
estrutura da sociedade e assinalava para a designação de um destino histórico.
A expressão que ficou cunhada para representar os processos socioeducativos
compatíveis com a situação de classe dos camponeses simbolizava uma
manifestação concreta de um posicionamento político.
Decidimos utilizar a expressão campo e não mais rural, meio rural, com
o objetivo de incluir no processo da Conferência uma reflexão sobre o sentido
atual do trabalhador camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que
hoje tentam garantir a sobrevivência deste trabalho. Mas quando discutimos a
educação do campo estamos tratando da educação que se volta ao conjunto dos
trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo os
quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os diversos tipos de assalariados
vinculados à vida e ao trabalho no meio rural (FERNANDES, CERIOLI E
CALDART, 2004, p. 25).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 101


A afirmação de uma referência para reconhecer as práticas e processos
educativos realizados pelos trabalhadores camponeses destacava a renúncia
às concessões e aos programas e políticas de caráter compensatório que se
materializavam a partir da educação rural. Este modelo educativo fundamentado
na redução da lógica da constituição e reprodução do campesinato, e que
naturalmente elabora e conforma um quadro de valores morais que legitimam os
interesses hegemônicos, tornava-se incompatível com a concepção de educação
defendida pelos movimentos sociais do campo.
A necessidade de formular políticas públicas que permitissem a articulação
e o apoio técnico e financeiro das diversas experiências de Educação do Campo
que se manifestavam em diferentes regiões do país, resultou na adoção de um
conceito normativo e documentado no discurso oficial que será expresso através
da Resolução CNE/CEB publicada em 28 de abril de 2008, ou seja, uma década
após a realização da I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo.
Art. 1º A Educação do Campo compreende a Educação Básica em suas
etapas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação
Profissional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e destina-se
ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção
da vida - agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos,
assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e
outros.
Porém, a concepção de Educação do Campo não se restringe ao que está
disposto na norma elaborada para fins de políticas governamentais contingenciais
e orientação de práticas escolares. Também não é satisfatório o que se estabelece
no ato administrativo posterior de 2010, no Decreto nº 7.352.13 Nesta legislação,
a extensão de atuação da Educação do Campo é ampliada para incorporar o
nível de ensino dos povos camponeses como objeto das políticas públicas. Ainda
neste decreto, se registra oficialmente a concepção de escola do campo, conceito
que adquiriu uma certa expansão ao não se limitar às determinações do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística do que se define como espaço rural e urbano.14

13 Criado pelo Decreto nº 7.352 e instituído por meio da Portaria nº 86, de 1º de fevereiro de 2013, foi lançado pela
presidente Dilma Rousseff, em março de 2012, tendo como propósito, oferecer apoio financeiro e técnico para viabilização
de políticas públicas no campo. Este documento definiu a abrangência dos termos populações do campo (agricultores
familiares, extrativistas, pescadores, ribeirinhos, caiçaras…) e os limites da escola do campo (aquelas situadas em área rural,
conforme definição pelo IBGE ou em área urbana desde que predominantemente destinadas a populações do campo).
14 Para os efeitos deste Decreto, entende-se por: escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana, desde que atenda
predominantemente a populações do campo.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 102


O sentido da Educação do Campo não pode ser revelado apenas pelos
documentos oficiais, uma vez que tal significado não está circunscrito somente
às instituições de ensino. A amplitude de sua concepção é motivo suficiente
para compreendermos que as normas que regem a organização da educação
brasileira não poderiam lhe garantir abrangência de forma totalizante, por
mais democráticas que se dispusessem a ser. Não existe, neste sentido, uma
inferiorização da importância da educação enquanto processo que se realiza nos
marcos dos quadros institucionais. A posição que se assume é de que a disputa
pela formação intelectual dos trabalhadores camponeses, através da educação
formal e pública, também ocorre de maneira potencial e particular nestes
espaços, sob o domínio ideológico hegemônico. A propósito, a implementação
de políticas públicas para elevar o grau de escolarização dos camponeses tem
sido uma das principais pautas reivindicatórias da luta destes povos. Todavia,
procuramos afirmar que a Educação do Campo transcende esta dimensão.
Fazer essa redução é extremamente grave porque tira a dimensão do conflito
da luta de classes, reduzindo-a aos processos de ensino aprendizagem que ocorrem
no ambiente escolar. Estes processos são importantes e é necessário incidir sobre
eles, pois ao fazer isso, também incidimos sobre como vai se constituindo a
leitura de mundo dos educandos - apesar de ser muito mais que isso o desafio e
a tarefa da Educação do Campo (MOLINA, 2015, p.382).
Restringir os tempos e espaços educativos que correspondem a vida
dos sujeitos campesinos à dimensão institucional e aos processos formais de
escolarização é tentar esvaziar o caráter ideológico que a Educação do Campo
apresenta. Tal perspectiva não é compatível e, de certo modo, representa uma
contraposição aos referenciais políticos que orientam as lutas dos movimentos
campesinos. A multiplicidade de formas e situações nas quais os camponeses
produzem e socializam seus saberes, reflete a complexidade do tecido social
em que estes trabalhadores estão inseridos. A expressão Educação do Campo
busca, justamente, unificar para fins de identificação as distintas possibilidades
e ocorrências em que os camponeses adquirem habilidades e valores que lhes
assegurem possibilidades de interagir com o mundo; e, através desta relação
respondam, historicamente, positivamente e objetivamente às suas necessidades
sociais.
A Educação do Campo não pode ser isolada da totalidade que lhe é
correspondente. Esta tentativa de fragmentação não significa somente uma
distorção teórica, seria também política e ideológica. Ao tentar fazer este

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 103


afastamento e, consequentemente, uma simplificação, assume-se que sua
existência, sua reprodução, e suas contradições não são determinadas por seus
antagonismos, suas diferenças e relações de classe.
Falar de Educação do Campo, de acordo com sua materialidade de origem,
significa falar da questão agrária; da Reforma Agrária; da desconcentração fundiária;
da necessidade de enfrentamento e de superação da lógica de organização da sociedade
capitalista, que tudo transforma em mercadoria: a terra; o trabalho; os alimentos;
a água, a vida... (...) Neste sentido, a concepção de educação que emerge da luta da
classe trabalhadora no campo é pautada pela ideia da autoemancipação do
trabalho em relação à subordinação ao capital, colocando a intencionalidade
de articular educação e trabalho em um projeto emancipador. O movimento da
Educação do Campo reconhece a articulação fundamental entre a racionalidade
camponesa e o projeto educativo e adota princípios estratégicos que orientam
as experiências formativas. O acúmulo de experiências nas lutas por direitos
dos povos do campo vem demonstrando a importância estratégica do acesso
à educação pública, na disputa contra-hegemônica pela formação intelectual,
ideológica e moral dos povos do campo. (MOLINA, 2015, p. 381).
A Educação do Campo expressa em sua originalidade a dinâmica do
conjunto de problemas relacionados a realidade agrária brasileira que é inerente
ao processo desigual e contraditório das relações capitalistas de produção. Isto se
refere diretamente à necessidade de disputar, no mais alto grau de mobilização,
o conteúdo e a forma de execução prática de um projeto político pedagógico que
seja consoante com a luta pela terra e que tenha como princípio o enfrentamento
contra o domínio do capital sob as formas de organização do trabalho no campo.
Mas, para além deste movimento de demarcação e explicitação de um plano
de ações concretas no âmbito da teoria pedagógica vinculado a materialidade
da vida dos trabalhadores rurais, o que está em antagonismo e em disputa é a
própria concepção de educação entre classes sociais divergentes.
Em Caldart (2009, p.40) a Educação do Campo que surgiu em um
contexto histórico e momento específico não pode ser compreendida em si
mesma, ou somente a partir do mundo da educação ou os parâmetros teóricos
da pedagogia. Trata-se de um movimento real de combate ao estado atual de
coisas que interpreta a realidade com a finalidade de orientar as lutas concretas.
É através desta prima que a Educação do Campo deve ser analisada e não como
um projeto pedagógico ideal a ser implantado. Assim, é necessário considerar
que existe uma perspectiva de totalidade no que concerne à constituição original

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 104


da Educação do Campo. “Talvez isso incomode a alguns: a Educação do campo
não é uma proposta de educação. Mas enquanto crítica da educação em uma
realidade historicamente determinada ela afirma e luta por uma concepção de
educação (e de campo).”
Para compreendermos o sentido da expressão Educação do Campo é
imprescindível reconhecer e entender as lutas históricas concretas dos camponeses,
engendradas com o objetivo de contrapor as distintas formas de subordinação
que se movem no tempo e no espaço. Diferente de outras categorias sociais que
objetivam seus esforços no sentido de negar a proletarização, os camponeses
constituem uma categoria histórica que, integrados aos movimentos das forças
sociais do mundo contemporâneo, lutam para garantir a própria existência.
Nesse sentido, a Educação do Campo é um movimento pedagógico dos
trabalhadores camponeses cuja identidade é paradoxal, ou seja, expressa sempre
e ao mesmo tempo as determinações que afirma e as determinações que nega.
Sendo um movimento pedagógico que surgiu a partir das experiências de classe
de camponeses organizados em movimentos sociais é, também, uma força
histórica e política cujo ponto referencial é o direito dos povos do campo a um
projeto educativo que transforma cada sujeito em um ente crítico na busca de
emancipação.
Arroyo (2011, p. 9) pontua que: “A Educação do Campo não fica
apenas na denúncia do silenciamento, ela busca o que há de mais perverso
nesse esquecimento: o direito à educação que vem sendo negado à população
trabalhadora do campo”. Deste modo, pensar uma Educação do Campo significa
ouvir e entender a cultura, a dinâmica social e educativa dos diferentes grupos
que formam o povo do campo. Por isso, este movimento pedagógico se insere
na luta pela defesa dos territórios campesinos como parte de um projeto contra
hegemônico de resistência.
A Educação do campo se objetiva dentro de um quadro de referências
teóricas e experiências históricas para a construção de novas práticas na luta
contra a expansão do capital. Isto significa que é imprescindível considerar a
inexistência no horizonte de uma transformação estrutural imediata, mas
encontra-se em perspectiva a resistência contra a expropriação de maneira
permanente.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 105


Assim, se expressa Caldart (2009, p. 39-40):

É fundamental considerar para compreensão da constituição histórica da


Educação do campo o seu vínculo de origem com as lutas por educação nas áreas
de reforma agrária e como, especialmente neste vínculo, a Educação do campo
não nasceu como uma crítica apenas de denúncia: já surgiu como contraponto de
práticas, construção de alternativas, de políticas, ou seja, como crítica projetiva
de transformações.

O sentido da origem e o direcionamento político da Educação do Campo


está ancorado no processo de produção da realidade agrária brasileira e na
atuação de classes sociais com interesses distintos. Estes conflitos se expressam
no enfrentamento entre duas tendências contrárias de apropriação e utilização
da terra. Por um lado, a sujeição da renda territorial ao capital, que é condição
para que ele possa subjugar não apenas este meio de produção fundamental na
agricultura, mas também o trabalho que se realiza mediatizado pela terra. Por
outro lado, incide a lógica da ocupação da terra como espaço de reprodução
material e social da vida. Verifica-se, deste modo, a impossibilidade de conceber
a Educação do Campo sem colocar em perspectiva o reconhecimento da
territorialidade da classe social camponesa e, por conseguinte, sem compreendê-
la no bojo das lutas anticapitalistas.
Por isso, não se trata simplesmente da implementação de um projeto
educativo, do mesmo modo que não se refere somente a uma modalidade de
ensino. Um dos seus traços fundamentais da Educação do Campo é a busca
pela transformação social e emancipação humana a partir da atuação política de
sujeitos coletivos.
Educação para a transformação social; Educação para o trabalho e a
cooperação; Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana;
Educação com/para valores humanistas e socialistas; Educação como um
processo permanente de formação/transformação humana (MST, 1999, p. 6).
A aproximação que existe entre a Educação do Campo e a concepção
de educação que está no pensamento de Paulo Freire se refere a possibilidade
de intervenção humana no mundo como produto de uma reflexão crítica
da realidade. E, neste sentido, ambas adquirem uma conotação política e
ideológica. A interferência consciente dos camponeses nos processos históricos e
a compreensão das determinações mais profundas da forma de campesinato que
se desenvolveram são fatores imprescindíveis para se conceber este espaço, não a

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 106


partir de seu destino histórico, mas em função da lógica de sua própria existência.
Por esse motivo que uma das tarefas e, ao mesmo tempo, uma das maiores
conquistas do movimento pela Educação do Campo é manter a sua capacidade
de concentrar, de maneira ampla e heterogênea, o conjunto de movimentos
do campo em torno de uma pauta comum de lutas. Pensar em transformações
estruturais na realidade exige a elaboração de estratégias coletivas.
Fundamentalmente, a Educação do Campo através da práxis pedagógica dos
movimentos sociais possibilita o resgate e a manutenção da tradição da educação
emancipatória. Ademais, ela recupera questões que há muito não pautam a
teoria pedagógica e a política educacional e elabora outras novas interrogações.
É nesta perspectiva que Wallerstein (2002) aponta que a Educação do Campo
retoma as matrizes de formação humana que historicamente constituíram os
eixos de sustentação da pedagogia moderna mais radicalmente emancipatória,
de base socialista e popular, cujo referencial teórico é o marxismo, recuperando,
assim, o sentido de uma “modernidade da libertação”. Trata-se, portanto, de
reconduzir para a centralidade do debate da pedagogia a concepção da práxis
como princípio educativo, como aspecto essencial do ser humano. Este resgate
surge precisamente da determinação de pensar a singularidade: reconhecer a
realidade histórica e concreta do campo na elaboração de políticas públicas e de
práticas educativas significa compreender os sujeitos da educação bem como as
práticas sociais que organizam a vida desses sujeitos coletivos.
A educação dos trabalhadores camponeses tem de ser pensada como forma
de organização, mobilização e enfrentamento nas lutas sociais. Neste sentido
é fundamental considerar que este coletivo de trabalhadores apresenta uma
dinâmica específica, com modos de viver no espaço em que se reproduzem
socialmente igualmente peculiares.
Uma das características mais significativas da realidade agrária brasileira se
refere a sua heterogeneidade social, cultural e econômica. Esta multiplicidade de
formas e situações sociais e históricas que compõem o universo rural representa a
materialidade da Educação do Campo. Os diferentes saberes e práticas educativas
vão se articulando e formando variadas redes políticas e de aprendizagem, o que
resultará em uma base teórica para a efetivação das experiências que se realizam
em espaços distintos. Em vista disso, o processo de constituição do Movimento
da Educação do Campo não ocorre mediante uma ação isolada, mas através
da atuação de sujeitos coletivos, historicamente referenciados e orientados por
fundamentos e princípios que determinam as singularidades de cada contexto.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 107


Portanto, pensar a Educação do Campo significa evidenciar as práticas de
sujeitos coletivos que educam e são educados cotidianamente num contexto
complexo de relações econômicas sociais e políticas. É a trajetória desses sujeitos
que constitui o material empírico dos pesquisadores da Educação do Campo,
que, por sua vez, também são sujeitos centrais na luta social da Educação do
Campo. Estão imbricados nesse processo diversos níveis de conhecimento,
desde os saberes produzidos nas práticas sociais do campo até aqueles elaborados
cientificamente no universo acadêmico. (SOUZA e BELTRAME, 2010, p.86)
O autor nos apresenta uma das premissas fundamentais da Educação do
Campo que trata justamente de sua especificidade. A construção dos processos
socioeducativos deve ser produto e condição da reprodução simbólica e material
dos trabalhadores camponeses. Daí a reivindicação dos movimentos sociais de
uma educação que seja “do campo” e não somente “no campo”. Esta referência
diz respeito a construção de uma pedagogia que reconheça a realidade histórico-
espacial dos sujeitos que dela fazem parte. Conforme Camacho (2013), nos
territórios camponeses, eles são os responsáveis pela própria produção espacial
e de suas territorialidades. A marca desses espaços são suas vontades, emoções,
capacidades, necessidades etc. A maneira pela qual estes sujeitos se apropriam
materialmente e simbolicamente do espaço é uma fração fundamental dos
processos de identificação social dos mesmos. O autor destaca:
Estes espaços, em sua multidimensionalidade, são produto/produtores da
identidade territorial camponesa. A educação tem que ser condizente com o
território/territorialidade no qual ele pertence. Logo, a Educação do Campo
tem que ser parte do processo de re-criação da identidade territorial camponesa.
(p. 339)
A afirmação da identidade camponesa que pode ser revelada nas minúcias da
vida campestre, nas relações produtivas e sociais, nas suas manifestações culturais
e em seus valores está intrinsicamente relacionada a interesses econômicos,
políticos e sociais. Dito de outro modo, a identidade dos povos que vivem e
trabalham no campo supõe então o direito à terra, a um território, junto com
o acesso às condições de bem-estar social como cultura, lazer, moradia, saúde
e sobretudo, educação. Neste sentido, os processos pedagógicos precisam estar
vinculados à preservação das identidades, uma vez que a constituição histórica
da identidade sociocultural dos povos campesinos se produz e reproduz tanto
na base material (terra, território), quanto com base nos desenvolvimentos
institucionais (organização social) e ideológico-cultural.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 108


É nesta perspectiva que nos sustentamos para afirmar que a Educação
do Campo difere do modelo da educação rural. Este último paradigma, que
ainda pode ser encontrado no contexto educacional brasileiro, é uma política
compensatória que compreende o campo a partir da lógica da cidade e, deste
modo, representa uma negação às estratégias de ampliar as possibilidades de
os trabalhadores camponeses produzirem e reproduzirem as condições de sua
existência.
A educação do campo é um movimento que encontra seu fundamento
nas práticas de luta dos camponeses, únicos protagonistas deste processo, e que
tem como mote a transformação radical da sociedade. Resulta do acúmulo das
experiências de diferentes sujeitos sociais e de múltiplos espaços, constituindo
uma extensa caminhada marcada por avanços e retrocessos, lutas, e resistência
das trabalhadoras e trabalhadores camponeses. Representa, também, a síntese de
processos socioeducativas que negam políticas que, com o objetivo de consolidar
uma sociedade marcadamente urbana e moderna, ocultam o campesinato e
reforçam o determinismo da finitude dos povos camponeses.

Considerações finais

Não é possível encontrar uma definição única e consumada de Educação do


Campo e talvez, porque é parte de um movimento histórico, seria contraditório
que existisse uma formulação que apresentasse tais adjetivos. Enquanto unidade
político epistemológica a Educação do Campo é um conceito em construção
que adquire conteúdo e estrutura em face do contexto histórico, ou seja, no
conjunto das lutas dos trabalhadores camponeses. Nestes termos, pensar a
formação política e a humana social dos trabalhadores camponeses pressupõe
organizar os processos educacionais a partir de uma determinada realidade e
das demandas que emergem do coletivo. Deste modo, é impossível pensar na
construção da Educação do Campo sem que as suas proposições e seus métodos
sejam elaborados por aqueles para os quais o campo é espaço de trabalho e de
vida.
Este movimento pedagógico se transforma e se manifesta nas relações
sociais, reivindicando o direito à educação fora e dentro do âmbito estatal. Sob
este prisma, a Educação do Campo é, em todas as dimensões, uma estratégia
fundamental para a transformação da realidade da classe de camponeses. Ela

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 109


postula a ampliação das possibilidades de o coletivo criar e recriar as suas
condições de existência em seus territórios.
Caldart (2008) sustenta que é necessário compreender que se por um lado
o conceito de Educação do Campo, como parte da elaboração de um paradigma
político e teórico, não é fixo, selado; por outro, não pode ser arbitrário, aleatório,
definido por alguém, por uma instituição pelo governo, por um grupo, um
movimento ou organização social. A base elementar do conceito de Educação
do Campo esta alicerçada no movimento histórico da realidade a que se refere e
na sua materialidade de origem. “Essa é a base concreta para discutirmos o que
é ou não é a Educação do Campo (p. 48)”.
Entendemos que a construção da Educação do Campo transborda os
limites das dimensões pedagógicas e metodológicas referenciais de modelo ou
projeto educativo e, que também corresponde a um espaço privilegiado de
disputas políticas e ideológicas. Tal formulação envolve as questões relacionadas
aos conflitos sociais que existem no campesinato e, também a possibilidade
de formação humana para uma classe social específica em seu sentido mais
amplo. Compreender que a educação representa uma dimensão fundamental
no processo constitutivo e histórico do ser humano é essencial para identificar
a função da educação na sociedade de classes. Por isso, é elementar que os
trabalhadores camponeses apresentem uma proposta educativa e uma concepção
de educação dentro de uma perspectiva emancipatória, tendo como referência
a formação para as predisposições sociais que fortaleçam o caráter de totalidade
ou omnilateralidade do indivíduo. É tarefa histórica do campesinato enquanto
classe social manter-se em permanente contraposição à educação capitalista e
sua formação para o trabalho alienado, a reificação e a divisão social do trabalho
e demais relações burguesas estranhadas.

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DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 111


CAPÍTULO 8

DIREITO EDUCACIONAL NO BRASIL: LEGISLAÇÃO


EDUCACIONAL E CIDADANIA

Arlindyane Santos da Silveira


Conceilândia Mendes de Sousa

Educação como direito

A Constituição Federal (BRASIL, 1988), como instrumento jurídico-


político essencial do processo de redemocratização brasileira, ampliou uma gama
de direitos: civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, elencando assim um
conjunto de direitos considerados fundamentais, basilares para a garantia da
pessoa humana. Entre estes direitos, encontra-se a educação.
Em seu artigo 6º, que trata dos Direitos Sociais1, a Constituição Federal
informa que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o transporte, o lazer, a segurança [...]”. Mais adiante no texto
constitucional, especificamente no seu artigo 205, apresenta-se a educação
como um “[...] direito de todos e dever do Estado e da família [...]”. Observa-
se, a partir de ambos os recortes constitucionais, que a educação pública é um
direito assegurado no Brasil, e que a CF inaugura o que muitos estudiosos da
ciência jurídica entendem como uma declaração de direito à educação no país.
(BRASIL, 1988)
O direito à educação é, portanto, reconhecidamente um dos direitos
fundamentais da humanidade, e o debate sobre os mecanismos pelos quais o

1 Segundo Thomas Humphrey Marshall (1967), os direitos seguem a seguinte classificação: civis, políticos e sociais. Os
direitos civis correspondem ao exercício da liberdade individual, tal como o direito de ir e vir e o direito de livre pensamento,
por exemplo. Os direitos políticos encontram-se relacionados, segundo o autor, à noção de participação no poder político,
tal como o poder de escolher os seus governantes e votar e ser votado. Já os chamados direitos sociais equivalem àqueles que
relacionam-se ao acesso de todos os sujeitos ao bem-estar disponível na sociedade.

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-8 112
acesso pleno a este direito são cada vez mais essenciais, principalmente de uma
perspectiva jurídica da educação. Isto posto, ressaltamos que o objetivo deste
artigo consiste justamente em fazer uma breve análise acerca da concepção
de direito educacional, suas principais noções e critérios de aplicabilidade
no cenário da educação pública no Brasil, relacionando-a, para tanto, com a
legislação educacional vigente e suas possibilidades de conexões com a ampliação
da cidadania.
A noção de direito à educação na carta constitucional, acima mencionada,
é mais detalhada no artigo 208, ainda que o texto abaixo reproduzido refira-se
mais especificamente à obrigação do Estado em relação ao ensino.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela
não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino
médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil,
em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos
níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo
a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às
condições do educando; VII - atendimento ao educando, em todas as etapas
da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático
escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (BRASIL, 1988).

De acordo com Romualdo P. Oliveira (1999, p. 65), no que se refere


ao direito à educação, os elementos aqui apresentados em relação aos artigos
constitucionais não necessariamente constituem uma inovação na legislação
brasileira2. Três pontos, no entanto, avançam de maneira significativa em relação
aos documentos anteriores: um maior detalhamento na redação, melhor precisão
jurídica e a presença de instrumentos jurídicos como mecanismos capazes de
garantir tais direitos: o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção
e a ação civil pública.
Entre a escrita da norma jurídica e a sua efetividade, há uma lacuna
significativa. Dessa forma, ressaltamos a necessidade de explicitar mais
detalhadamente nas linhas que seguem, questões como legislação educacional,
conceitos e aplicabilidades do direito educacional e sua relação essencial com
direitos humanos e cidadania.

2 De acordo com La Bradbury (2013, p. 21), a primeira Constituição do Brasil foi a do ano de 1824, durante o período
imperial. No tocante à educação, dois pontos são relevantes: o primeiro, que “a instrução primária é gratuita a todos os
cidadãos” e o segundo que preconizava a existência de “colégios e universidades para o ensino de Ciências, Letras e Artes”.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 113


Legislação educacional: relações jurídico-pedagógicas

Conforme já assinalado, a Constituição Federal de 1988, conhecida como


Constituição Cidadã3, representou um expressivo avanço nas leis que tratam
da educação pública no país, tornando o dever do Estado sobre o tema muito
mais objetivo e abrangente, como por exemplo, a universalidade do direito à
escolaridade pública. Para além disso, no entanto, norteou a elaboração de todo
um conjunto de novas leis que passaram a regulamentar os artigos constitucionais,
definindo normas e orientações para a educação brasileira.
A legislação brasileira, no tocante à educação, acompanha e está alicerçada
nos principais documentos internacionais, tais como a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, do ano de 1948. No seu artigo 26, a Declaração afirma
que todos têm direito à educação, e que esta deve ser gratuita, “ao menos nos
estágios elementar e fundamental”. Deste modo, a noção de direito à educação
compõe-se “simultaneamente de sua compulsoriedade e gratuidade”. Isto
implica, portanto, que o Estado tem o dever de assegurar efetivamente tal
direito. (SOUZA; SCAFF, 2013, p. 114)
De acordo com Norberto Bobbio (2004), a existência de um direito resulta,
pois, na existência de um sistema normativo que lhe dê sentido e aplicabilidade.
No que concerne à legislação educacional e sua relação com o direito educacional,
vale destacar o que se entende como principiologia, ou seja, os princípios que
orientam e regem o direito educacional no âmbito da educação no Brasil. Nesse
sentido, para entendermos como o direito à educação é fundamental do campo
do direito educacional, precisamos apresentar em linhas breves os principais
elementos do ordenamento jurídico-educacional do país.
Nessa tentativa de efetivar direitos já tutelados, vão surgindo normas legais
para estruturar e sistematizar a educação. A maior delas é a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) sancionada em 20 de
dezembro de 1996 e ancorada no princípio constitucional do direito universal
à educação. Para Chavenco e Oliveira (2013, p. 159), a LDB, apoiada na
Constituição Federal, determina a “obrigação de educar como norma cogente
de ordem pública, ou seja, o direito à educação passa a ser direito público
subjetivo”. Quando esses direitos não estão sendo exercidos de maneira efetiva,

3 A Constituição Federal de 1988 foi elaborada em um contexto pós ditadura civil militar no Brasil, e consolidou-se
enquanto um importante instrumento jurídico de exercício de cidadania, na medida em que resultou de amplos processos
de lutas por direitos e reivindicações que mobilizaram a sociedade civil organizada. (FISCHMANN, 2009, p. 159)

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 114


os cidadãos precisam acessar instrumentos jurídicos que possibilitem “exigir do
poder público o cumprimento da prestação educacional”.
Outra lei de fundamental importância no contexto do direito à educação
de qualidade, é o Plano Nacional de Educação (PNE)4. No entender de Líbia
Aquino (2015, p. 55), o PNE é um plano de Estado, e foi elaborado com o objetivo
de “enfrentar grandes desafios no cenário das políticas educacionais brasileiras,
a descontinuidade das políticas e a ausência de planejamento de longo prazo”.
Assim como a LDB, o PNE insere-se em um conjunto de políticas públicas no
âmbito da educação que tem como objetivo a efetividade e o fortalecimento
da cidadania, em suas múltiplas dimensões. Suas metas estão relacionadas ao
foco que os sistemas de ensino devem priorizar para que os alunos “obtenham a
formação mínima para o exercício da cidadania e para o usufruto do patrimônio
cultural da sociedade moderna”. (AQUINO, 2015, p. 58)
De todo modo, as relações que se estabelecem entre os atores do processo
ensino-aprendizagem, tais como instituições, alunos e professores, manifestam-
se para além dos espaços tradicionalmente associados à escola, evidenciam-
se também nas diversas, e por vezes conflitantes, relações de cunho jurídico,
engendrando inúmeras situações que se enquadram em uma perspectiva
jurídico-pedagógica. Sobre isso, Leite afirma que:

O número de demandas judiciais na área educacional cresce vertiginosamente,


nos fóruns e tribunais de todo o território nacional, uma vez que as exigências
fixadas pelo Ministério da Educação, assim como a conscientização acerca dos
direitos do consumidor também são mais evidentes nas últimas décadas (LEITE,
2011, p. 8)

Ao partirmos do pressuposto de que o acesso ao ensino obrigatório e


gratuito afigura-se um direito público subjetivo5, o seu não oferecimento pelo
Estado, ou mesmo sua oferta de forma irregular, traduz-se em responsabilidade
da autoridade cabível.

4 A Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, aprovou o primeiro PNE (2001-2011). Atualmente, vigora a Lei 13.005/2014,
PNE do decênio 2014-2024.
5 De acordo com Duarte (2004, p. 113) a noção de direito público subjetivo assegura ao indivíduo a possibilidade de
transformar uma norma geral e abstrata contida em um determinado ordenamento jurídico em algo que ele possua como
seu, individualmente. A maneira de fazer com que isso se materialize é acionando as normas jurídicas (direito objetivo) e
transformando-as em um direito seu (direito subjetivo). “O interessante é notar que o direito público subjetivo configura-se
como um instrumento jurídico de controle da atuação do poder estatal, pois permite ao seu titular constranger judicialmente
o Estado a executar o que deve”.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 115


Nesta perspectiva, a possibilidade legal de acionar o Estado pelo não
oferecimento ou irregularidade no oferecimento da educação, como um direito
do cidadão, com certeza não significa que os inúmeros problemas judiciais
serão resolvidos, mas representa importantíssimo avanço, porquanto traduz
verdadeiro mecanismo de coerção para a necessária atuação do Estado no sentido
de assegurar o direito de educação a todos, como um direito fundamental
reconhecido pela sociedade brasileira e pela comunidade internacional. Ainda
assim, não podemos partir do pressuposto de que legislação do ensino e direito
educacional são equivalentes, mesmo que sejam evidentemente relacionados.
Enquanto a legislação relativa ao ensino está mais voltada ao estudo do conjunto
de diretrizes e normas sobre a educação a escolar, o direito educacional configura-
se como um campo mais complexo e abrangente.

Direito Educacional: conceitos e aplicabilidades

Definido por alguns estudiosos como um novo ramo da ciência jurídica, o


Direito Educacional frequentemente tem sido interpretado como pertencendo
aos chamados “novos direitos”, de modo geral, ainda não suficientemente
explorados pelo direito positivo. Esse novo ramo da ciência jurídica teria a sua
especificidade marcada pela necessidade de organização e sistematização da
legislação educacional, e das constantes demandas e atualizações das questões
sociais e políticas que perpassam a educação.
De acordo com Evaldo Vieira (2001, p. 26), o regime jurídico da educação,
bem como o direito educacional, inserem-se no domínio do direito público e,
portanto, enquadrado no direito administrativo, já que “a educação se põe como
direito público subjetivo”.
Mesmo apresentando uma significativa ampliação de visibilidade na última
década, em relação a outros ramos do Direito, o direito educacional conta com
um número ainda reduzido de especialistas no país, e os números de pesquisas e
trabalhos acadêmicos que versam sobre a área ainda são relativamente limitados,
quando comparados aos outros ramos.
Não obstante a sua relevância, importa destacar que o direito educacional
ainda se apresenta como uma disciplina relativamente desconhecida por muitos

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 116


estudantes e bacharéis no país6. Tendo em vista que a emergência de novos
ramos específicos de conhecimento e investigação encontram-se intrinsecamente
relacionados ao atendimento de novas demandas e condições sociais, ressaltamos
a imprescindibilidade de atentar para as possibilidades de atuação e aplicabilidade
do direito educacional na realidade da educação brasileira, ou seja, a necessidade
de se lançar um olhar jurídico cada vez mais cuidadoso e específico para as
questões pedagógicas.
Conforme Macedo (2011), um marco em relação à consolidação do direito
educacional no Brasil foi estabelecido no ano de 1977, quando ocorreu o 1º
Seminário de Direito Educacional. No referido evento acadêmico reuniram-se
vários juristas e educadores, com o objetivo de discutir mais especificamente
o cenário da educação e sua respectiva legislação na sistematização jurídica
brasileira7. O principal nome que então desponta na configuração desse novo
ramo é do jurista Renato Alberto Teodoro Di Dio8, que passa a defender a
autonomia do direito educacional enquanto ramo específico de conhecimento.
Edivaldo M. Boaventura (1996, p. 31), em texto que trata da sistematização
de dispositivos legais, a fim de definir a localização do direito educacional
como efetiva disciplina jurídica na estrutura acadêmica, afirma que um ponto
fundamental nesse debate diz respeito à necessidade de integrar o direito
educacional no processo de formação do educador, bem como atentar para a
possibilidade de “sensibilizar o jurista para a desafiante problemática pedagógica”.
Segundo a definição de Melo Filho (1983, p. 54), o direito educacional
pode ser considerado um conjunto de “técnicas, regras e instrumentos jurídicos
sistematizados”, cujo objetivo seria o de nortear e direcionar as ações da sociedade
em relação à educação.
Sobre essa questão, entendemos ser válido ressaltar ainda o que atesta
Macedo (2011, p. 21), para quem

6 Sobre o tema, ver: UNIVERSITÁRIA. Revista Gestão. Afinal, o que é Direito Educacional? 2006. Disponível em: http://
gestaouniversitaria.com.br/artigos/afinal-o-que-e-direito-educacional. Acesso em: 25 Mar. 2021. Ver ainda: ROSA, Gregory
Rolim; SAKATA, Kelly da Silva. O direito educacional na formação do pedagogo. UEPG, 2016.
7 De acordo com Queiroz et al (2017, p. 92-93), deste evento surge um documento que pode ser considerado o ponto de
partida “para divulgação e crescimento do direito educacional aqui no Brasil”, todavia, o referido documento teve seu avanço
reprimido e cerceado pela Ditadura Militar então em curso, e seus pontos e prerrogativas só foram considerados de modo
mais efetivo anos depois, por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988.
8 O educador e jurista Renato Alberto Teodoro Di Dio, já havia publicado alguns importantes trabalhos sobre o tema. As
principais obras foram: O Direito Educacional no Brasil e nos Estados Unidos (1981) e Contribuição à Sistematização do Direito
Educacional (1982) texto em que defendeu de forma mais enfática a autonomia do direito educacional como um movo ramo
do Direito.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 117


O direito educacional, como disciplina e ramo jurídico autônomo, possui um
sistema ou estrutura científica desdobrada não só em seu objeto – ainda assim,
o corpo de regras jurídicas positivadas em nosso ordenamento forma uma parte
apenas do objeto do Direito Educacional – mas em fontes deste objeto, princípios,
unidade doutrinária e metodologia. Por isso, se falo em legislação educacional
brasileira, referimo-nos às leis, que de modo geral formam o ordenamento
cultural do país.

Parte integrante do chamado direito positivo, o direito educacional


compreende assim a totalidade de leis, preceitos e normas “escritas e aprovadas
pelo poder político”, conduzam e regulamentam a educação. Consubstanciando
elementos pertencentes tanto ao âmbito jurídico quanto ao campo pedagógico, o
direito educacional constrói sua identidade investigativa ao apresentar, portanto,
um conjunto ordenado de preceitos e normas que o diferenciam de outras áreas
do Direito (SANTOS, 2019, p. 252). Precisamos, dessa maneira, distinguir
o que se entende por legislação educacional ou legislação do ensino, que diz
respeito, resumidamente, ao estudo do conjunto de diretrizes sobre a educação,
do direito educacional enquanto ramo da ciência jurídica, ainda que a legislação
seja parte integrante, e fundamental, deste ramo. (MACEDO, 2011, p. 22)
A relação do Estado com a educação no Brasil é historicamente associada
a presença da Companhia de Jesus no contexto do processo de colonização
portuguesa. Todavia, a configuração basilar do direito educacional brasileiro é
associada à implantação da Carta Constitucional do ano de 1824, no período
imperial, já que o documento estabelecia “os primeiros direitos e deveres em
relação à educação”, notadamente no seu artigo 179, inciso 32 que definia que “a
instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. O embasamento jurídico em
relação à educação escolar só iria ajustar-se, porém, com a legislação específica
sobre a instrução pública, de caráter popular. (UNIVERSITÁRIA, 2006)
Qual seria, portanto, o objeto de estudo do direito educacional? Justamente
as chamadas “situações jus-pedagógicas”, ou seja, os contextos e elementos
que transitam em ambos os cenários e “congregam elementos que somados ao
cotidiano escolar resultam nas relações jurídico/pedagógicas, numa dimensão
ampla, abrangendo inclusive institutos como: a matrícula escolar, o contrato
de prestação de serviços, o regimento interno escolar” etc. E quase a totalidade
dessas relações são reguladas, orientadas, fiscalizadas e controladas pelo Estado.
(UNIVERSITÁRIA, 2006)
Segundo Matos (2018, p. 52), as fontes do direito podem ser de dois tipos:
materiais ou formais. O autor identifica as fontes de direito materiais quando

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 118


estas “surgem da própria realidade social, representadas pelas correlações de
forças sociais, econômicas, políticas, religiosas, cultural, educacional e valores
da sociedade”. Já as fontes de direito formais são aquelas representadas “pelos
diferentes meios ou formas de expressão ou produção do Direito como, por
exemplo: lei, costume, jurisprudência e doutrina”. Nessa perspectiva, de modo
geral, do que trata, onde e em quais circunstâncias se aplica e pode ser utilizado
o direito educacional?
Nelson Joaquim (2006, p. 152), assim explicita estas questões:

Em suma, dentro da categoria legislação educacional como fonte do direito


educacional, temos que considerar a Constituição; as Leis de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional; decretos, regulamentos, regimentos e portarias;
tratados e convenções internacionais; resoluções e pareceres normativos dos
conselhos de educação; e regimentos escolares. Acrescente-se, ainda, a existência
de um anteprojeto de Consolidação da Legislação Educacional brasileira
em complementação à Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, visando
sistematizar formalmente as leis existentes sobre matéria educacional no país.
O projeto não incorpora a LDB, mas identifica os dispositivos considerados
repetitivos, conflitantes, inconstitucionais ou ininteligíveis, tudo voltado para o
enxugamento legislativo com racional diminuição de artigos de leis.

Conclui-se do fragmento destacado, por conseguinte, que cada vez mais


há a necessidade da inserção sistemática e frequente do direito no cotidiano da
educação. Alguns estudiosos e profissionais do direito, em suas experiências com
o âmbito educacional, relatam variadas situações em que as normas concernentes
ao direito educacional se aplicam. Questões referentes a ilicitudes em certificados
escolares, as infrações de alunos, fraudes estudantis em concursos, por exemplo,
questões relacionadas à vida escolar de alunos em seus mais variados aspectos e,
nas últimas décadas, tem aumentado significativamente os problemas ligados a
processos de autorização de funcionamento e de reconhecimento de cursos, de
faculdades, de centros universitários, de escolas etc (BOAVENTURA, 1996, p.
32).

Direito educacional e ampliação de cidadania

A educação constitui-se, conforme o que foi até aqui brevemente


apresentado, em um elemento do direito em seu sentido amplo, e não apenas
da legislação. A partir dessa assertiva, entendemos que o direito educacional

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 119


configura-se enquanto um instrumento jurídico essencial de acesso à igualdade
e à cidadania.
Para Roseli Fischmann (2009), o processo de aquisição da escolarização
abrange a possibilidade de acesso ao saber especializado em diferentes áreas.
Entendemos, assim, que o pleno funcionamento do ordenamento jurídico na
educação, na medida em que esta seja entendida enquanto um direito humano
fundamental, amplia e possibilita maior efetividade dos direitos de cidadania,
inclusão e de consolidação da democratização na sociedade brasileira.
Tendo isto em vista, vale ressaltarmos que, mais do que constituir-se em
um composto de instruções legais que norteiam as relações entre os sujeitos
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, o direito educacional encontra-
se embasado nos princípios de equidade e universalidade, e observarmos o
que assevera Luiz Fernandes Dourado (2013), para quem Estado brasileiro é
historicamente perpassado por intensas desigualdades econômicas, sociais e
desequilíbrios entre os entes federados. Estas discrepâncias refletem-se, por fim,
na garantia e acesso aos direitos sociais, notadamente no que se refere à educação.
Historicamente elitista e com uma longa tradição de negação de acesso
a direitos aos grupos sociais menos privilegiados, o Brasil apresenta-se como
lócus por excelência para que o ramo do direito educacional colabore de modo
fundamental para o acionamento de direitos e justiças e na igualdade de
condições de acesso no que se refere à educação.
O breve debate aqui apresentado prioriza os direcionamentos e as relações
entre a educação e o ramo do direito educacional, na medida em que este
possibilita a intervenção em situações onde sujeitos que vivem em situação
de vulnerabilidade social e jurídica. De uma perspectiva interdisciplinar e que
valoriza a cidadania, os aparatos normativos da área do direito educacional
podem contribuir de maneira considerável para o acesso à educação justa,
igualitária e democrática, ajudando a dirimir as enormes desigualdades sociais
que se refletem no cenário educacional. O direito educacional pode contribuir,
assim, para o que Boaventura (1996, p. 34) denomina de “enfrentamento efetivo
e jurídico”, do direito à educação.
Ainda que o direito educacional norteie como as relações devem ser
estabelecidas legalmente no ambiente escolar e entre os sujeitos que compõem
esse cenário, observa-se que o ensino público apresenta um significativo número
de dificuldades para que a aplicabilidade destas leis seja realmente efetivada. E
tendo em vista as inequívocas conexões entre direito e educação, onde cada vez

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 120


mais questões aparecem e conflitos emergem, é essencial que o poder judiciário,
na perspectiva do direito educacional, esteja mais ativamente presente no cenário
da educação brasileira.

Referências

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DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 122


CAPÍTULO 9

DOS PORÕES NOS ARQUIVOS PARA AS SALAS DE AULA:


A PRODUÇÃO DE UM MATERIAL DIDÁTICO SOBRE
ZEFERINA

Lilian Soares da Silva


Viviane Carla Bandeira dos Santos

Introdução

O presente artigo trata sobre a produção de um material didático sobre


Zeferina1 e o Quilombo do Urubu, mostrando a importância da mulher
quilombola no processo de resistência negra e a história regional da capital baiana.
Tal material na Educação Básica é o livro didático como o principal recurso,
referencial e “muleta” dos docentes/das docentes em sala de aula2, observando-se
que estes demonstram a imagem da população negra carregada de estereótipos,
preconceitos e demarcadas fortemente pela questão racial e histórica do período
escravagista, encerrando-se as outras contribuições na formação da sociedade
brasileira e o protagonismo em diferentes vertentes e áreas do conhecimento.
Assim sendo, a construção do livro paradidático sobre Zeferina visa evidenciar
justamente o protagonismo dos sujeitos negros, trazendo referenciais positivos,
valorização dos feitos e narrativas historiográficas, especialmente a mulher
negra. Com isso, o material didático possibilitará também a desconstrução dos
mocambos como locais masculinizados, identificação na diversidade de gênero e
étnica, bem como, trazer novas narrativas sobre o espaço quilombola e contribuir
para os Estudos Historiográficos e para o ensino de História na Educação
Básica. Portanto, a escola deve atentar-se as demandas, ao público educacional,

1 Líder do quilombo do Urubu, importante mocambo localizado em Salvador por volta de 1826.
2 Resultado de uma pesquisa de mestrado defendida na UFRB no Programa de História da África, da Diáspora e dos Povos
Indígenas.

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-9 123
as transformações sociais e possibilitar as novas tecnologias da informação e
da educação, para viabilizar a produção do conhecimento e a promover uma
aprendizagem significativa para os educandos.
O foco do trabalho é a produção de um material didático sobre Zeferina para
subsidiar os docentes e as docentes na Educação básica, de modo a trabalharem
com a temática em suas salas de aulas sobre a perspectiva de valorização do
processo historiográfico de lutas e das resistências negras no território baiano.
Por outro lado, sabe-se que, o principal recurso utilizado ainda é o livro didático,
apesar da inserção das novas tecnologias, das mídias sociais e da educação a
distância, torna-se primordial ingressar na discussão e debates a realização de
manuais didáticos para os alunos/alunas em uma sociedade contemporânea, de
informações fragmentadas, compactadas, resumidas e sem um aporte teórico
fundamentado, mas como muitos “fake News” e a realidade distorcida pela a
eurocentrização do conhecimento.
Diante dessas inquietudes, qual a importância de elaborar um material
didático? A função na / para a sala de aula? Seu objetivo no trabalho docente
e na contextualização discente? O material é a única ferramenta ou recurso
pedagógico possível? Com esses e outros parâmetros de questionamento,
percebe-se a necessidade da produção de novos materiais, visto que os livros
didáticos não contemplam muitas narrativas, as quais ficam invisibilizadas,
esquecidas e apagadas da História e dos conteúdos curriculares obrigatórios,
como é o caso de Zeferina e outros protagonistas negros retratados nos manuais
por escravizados, vulneráveis, inferiores as outras raças e identidades étnicas e,
tratando-a como mero dado quantitativo ou de forma estereotipada.
Em vista disso, a autora Ana Célia Silva (2005) evidencia a presença de
estereótipos nos materiais pedagógicos, especificamente nos livros didáticos,
podendo promover a exclusão, a autorrejeição e a baixa autoestima dos sujeitos.
Assim, sugere atividades ou materiais em que os professores possam utilizar para
desconstruir esses estigmas. Comungando com a autora, Marco Antônio Silva
(2012) ressalta sobre a primazia assumida pelo livro didático, dentre os recursos
didáticos utilizados na grande maioria das salas de aula do Ensino Básico, pois
a grande maioria dos professores brasileiros os transformou no principal ou, até
mesmo, no único instrumento para auxiliar o trabalho em suas aulas.
Paralelamente, de acordo com Gomes (2017), sinaliza-se que os livros
didáticos ocupam um lugar de destaque porque são utilizados por muitos
professores, servindo de norteadores para os docentes e como relevantes

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 124


instrumentos de informação para os discentes. Inclusive, mostra a importância
desses materiais didáticos no sentido de apresentar uma diversidade de gêneros
textuais e/ou entendidos como tipos de textos criados devidos às necessidades
comunicativas históricas, possibilitando o confronto entre discursos e
representações, promovendo uma aprendizagem mais crítica e significativa para
os educandos / as educandas. Ainda assim, observa que o livro didático não
contempla todas as narrativas históricas, sendo necessária a utilização de outros
recursos, como filmes, novelas, histórias em quadrinhos, literatura, música e
entre outros atrelados as novas tecnologias de comunicação e educacionais.

Como parte deste “alerta”, Raquel cita Arlindo Machado (1993): “os recursos
interativos de que dispõem grande parte das atuais máquinas ópticas e acústicas
difundidas a um nível de massa dão um caráter lúdico à utilização e o resultado é que
qualquer asneira pode se tornar interessante e prender a atenção, desde que a resposta
aos movimentos do operador apareça numa tela sob forma de figuras flamejantes
multicoloridas”. A partir destas observações é possível apontar a necessidade
de um estudo mais aprofundado de três aspectos fundamentais à produção de
material didático para utilização em ambiente virtual, centrado nos conceitos
de comunicabilidade e interatividade, estrutura, navegabilidade e discurso, em
direção à formulação de um referencial teórico que fundamente a construção do
paradigma. Com relação à estrutura trata-se de procurar conhecer os aspectos
macro – diversos modos de organização e encadeamento de blocos de informação
– e micro – identificação dos aspectos lúdicos, analítico-sintético e indutivo do
material didático (SILVA, 2003, p.141).

Tomando como prerrogativa esse pensamento teórico, a produção do


livro paradidático na versão em E-book intitulado “Zeferina: O Conto de um
quilombola”, propiciam que as narrativas femininas, quilombolas e negras –
não comumente encontradas ou ausentes na historiografia -, bem como nos
ambientes das salas- de-aula e nos espaços educativos e de formação docente/
discente. Prova disso é um anexo ao paradidático, apresentado como “Diálogo
com os professores”, no qual são relatadas algumas orientações metodológicas,
sequências didáticas, conteúdos e sugestões de referenciais pedagógicos para a
implementação, a aplicação do livro e de suas narrativas para a Educação Básica.
A Educação Básica é uma das modalidades de ensino que deveria ser
majoritariamente laica, gratuita e garantir o acesso a todos os indivíduos em
idade escolar. Desse modo, a elaboração do material didática em duas versões
(impressa e digital) é propiciar um maior acesso, abrangência regional e outras
instituições.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 125


- Mas, se a internet demorar muito para chegar, eu não posso ir estudando nos
livros?
- Como eu já expliquei à senhora, todos os conteúdos e atividades do curso são
online, estão na rede.
- Não tem livro, assim de verdade?
- Não, não é isso. Os cadernos de estudos e os livros indicados estão formatados
como E-book, disponíveis na biblioteca virtual do curso, e você e todos os demais
alunos poderão consultá-los.
- Ah…. E onde fica esta biblioteca, em que cidade, para eu pegar os livros:
- A biblioteca está na rede, nos servidores […].
O curso não tinha livros de verdade. Como poderia ser isto, pensava ela. Era
porque era moderno, justificava para si mesma. Tão moderno que até os livros
estavam na Internet. Explicaram a ela que bastava ligar o computador na internet
e ficar lendo na tela. […] Voltou a insistir. Não escondeu que era de poucas
posses, e que não dava para ter computador em casa, e que não sabia se iria ter
impressora para usar na escola (RAMAL, 2003, p.183).

De acordo com este contexto social, as dificuldades de acesso à internet, a


qualidade dos sinais de satélite ou sinal de rede de computadores, os equipamentos
públicos ou privados tecnológicos disponíveis aos estudantes e professores e, etc.
Logo, a opção pela produção de um material impresso ocorreu, também, pelo
fato que, mesmo com o amplo uso das tecnologias no contexto atual, o principal
recurso didático utilizado pelo professor continua sendo o impresso. Conforme
explicita Bandeira (1994), justificando que:

[...] na educação, o material impresso, tradicionalmente conhecido, sempre


foi aceito por alunos, professores e especialistas; de fácil manuseio, o material
impresso pode ser utilizado em todas as etapas e modalidades da educação, o
aluno e o professor podem consultá-lo fora da sala de aula.
[...] material impresso não requer equipamento ou recurso tecnológico para sua
utilização. (BANDEIRA, 1994, p. 16).

Segundo, Itamar Franco (2009), no texto “Livro didático de história:


definições, representações e prescrições de uso”, ressalta que o material didático
impresso é uma tecnologia prática, tanto para o fabricante, como para o vendedor
e o leitor, pois o livro é portável e manuseável e consultável em qualquer ambiente
e situações, independentemente de qualquer outra tecnologia, bastando apenas
a sua conservação e luminosidade, facilitando o seu manuseio pelo leitor.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 126


Quando falamos em conteúdo específicos para a educação, um conceito que
nos vem de imediato à mente é o de “material didático”. Segundo o Thesaurus
brasileiros da educação, trata-se de “todo o material de que o educando precisa para
suas atividades escolares”. Interessa-nos explorar um pouco aqui o termo material
– que diz respeito a algo concreto, visível, “expresso pela matéria”. Considerando
o momento atual da produção de conteúdo educacionais, não podemos deixar de
incluir aqueles disponibilizados em formato digital, multimidiático, hipertextual.
Ou seja, estamos diante do desafio de falar sobre recursos educacionais em que
mídias e tecnologias convergem, o que significa que sua produção é mais complexa
do que se estivéssemos trabalhando, por exemplo, apenas com materiais físicos,
como no caso dos tradicionais livros didáticos impressos (FILATRO, 2015, p.
15).

Não obstante, pensando em contemplar um acesso maior, a versão digital


em E-book possibilita as novas tecnologias educacionais e a ampliação de
outros olhares no processo de ensino aprendizagem, didático e pedagógico.
De tal modo que, ocorre a dinamização das aulas, tornando-as mais atrativas,
diferentes e poderá reverberar um maior interesse dos educandos, promovendo
um conhecimento significativo.
Por um lado, o “e-book como uma publicação eletrônica de obras, que
podem ser uma versão de um livro impresso ou somente digitais, exclusivas do
formato sem versão impressa. Essas obras devem ser lidas em um dispositivo
digital, o qual permite ao usuário diferentes formas de interação e leitura
(FRANCO, 2009, p.3). Por outro lado,

O modelo de objeto de aprendizagem aplica-se inteiramente às tecnologias


digitais, e sua lógica de agregação, estrutura, sequenciamento e execução –
ressalvadas as características de uma e outra tecnologia – tem sido transferida
para soluções móveis. De igual forma, o padrão repúb. permite representar,
estruturar, sequenciar, empacotar e publicar documentos digitais no formato
e-book (FILATRO, 2015, p. 15).

Contudo, em suma, a prática do professor da Educação Básica resume-


se muitas vezes a lecionar aulas, desvinculando-o da pesquisa. Quando ele se
apropria do conhecimento acadêmico, traz para o contexto da escola, através
da produção de materiais didáticos, os conhecimentos de novas narrativas que
possibilitarão novos olhares e perspectivas, contribuindo para melhoria da
Educação.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 127


Material Didático e a Lei 10.639/03

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais


e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá
o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando
a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes
à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística
e de Literatura e História Brasileiras (BRASIL, 2003).

Na Educação Básica, a obrigatoriedade do ensino de história e cultura


africana, posteriormente a indígena, é ou deveria ser inserida no cotidiano da
escola, mas houve em sua implementação uma preocupação das escolas em trazer
à tona a história do povo negro. No entanto, essas narrativas só são retomadas
em datas comemorativas, perdendo o objetivo da lei.
Reiterando esse pensamento, nota-se que a produção de materiais didáticos
pode contemplar a lei 10639/03, possibilitando sua aplicabilidade no bojo das
escolas, contribuindo também com que as próprias Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2006) que norteiam pensar a educação
como um dos principais mecanismos de transformação da realidade na qual o
papel da escola é estimular a formação de valores, hábitos e comportamentos
que respeitem as diferenças e as características de grupos e minorias. Partindo
desse pressuposto, a produção de um material didático viabilizará a minimização
de preconceitos e o respeito às diferenças, corroborando com as Pedagogias de
combate ao racismo, pelo fato de buscar positivar a figura da população negra,
mais, especificamente, da mulher negra.
De acordo com Bandeira (1994), o material didático pode ser
definido amplamente como produtos pedagógicos utilizados na educação e,
especificamente, como material instrucional que se elabora com dada finalidade
didática. Esta afirmação dialoga com o pensamento de Bittencourt (2004),
que compreende os materiais didáticos como suporte de mediação do ensino e
aprendizagem.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 128


Por conseguinte, Garrido (2009) expõe que a conquista da Lei 10.639/03
pela militância negra reporta à necessidade de reformulações no ensino e, assim,
mudanças no livro didático, objeto privilegiado dentro das políticas públicas
educacionais. A elaboração de materiais didáticos tenciona justamente isso, no
sentido de ter um material que complementará essas ausências presentes nos
manuais didáticos. Atestanto também que as avaliações sistemáticas do PNLD
significaram uma melhora física e de conteúdo dos livros didáticos. Entretanto,
no que se refere à incorporação da História da África e dos afrodescendentes,
ainda presenciamos limitações.
Diante disso, ainda existe a necessidade da produção de materiais didáticos
para contriuição de discussões sobre o referente continente, a diáspora e outras
temáticas promulgadas na Lei 10.639/03. Para tal, Negrão (1990) no livro:
“De olho no preconceito: um guia para professores sobre racismo em livros
para crianças”. Ele evidencia que o preconceito nos livros didáticos aparece
camuflado e, nesse sentido subsidia os professores para que possam identificá-lo
com a captação dos estereótipos implícitos e o tipo de metodologia da pesquisa.
Especificamente, no que diz respeito às pessoas negras, os livros as citam no
passado, como se não fizessem parte da sociedade atual, desempenhando papeis
tipificados e reservados nesse material como, escravo, doméstica, contador de
estórias.
A mistificação de certas personalidades como responsáveis por processos
históricos, além de desestimular atitudes inovadoras, não deixa espaço para a
participação dos indivíduos comuns dos movimentos sociais, apagando-os da
história, bem como os segmentos sociais a que pertencem. Nos livros didáticos,
podemos constatar bem esta assertiva, através da forma como os negros são
apresentados. Por esta razão, torna-se importante a elaboração de materiais
didáticos que possibilitem afirmar o protagonismo destes personagens.
Negrão mostra a luta do movimento negro pela recuperação da história e
da cultura do povo africano no Brasil. Esta reivindicação apoia-se na concepção
de que tal recuperação acarretaria o fortalecimento da identidade da população
negra, pois os negros poderiam, assim, apropriar-se da história de suas lutas
(NEGRÃO, 1990). Destacando que esta luta resultou na produção da Lei
10.639/03, no cenário social brasileiro, que tornou obrigatório o ensino de
história e cultura africana e afro-brasileira na Educação Básica, promovendo a
necessidade da produção de materiais didáticos que viabilizem a positivação do
negro, principalmente da mulher negra.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 129


Compreendo que a Lei 10.639/03 proporciona, para o cenário brasileiro,
o repensar das relações étnico-raciais e, consequentemente, das nossas práticas
pedagógicas, não cabendo mais aos professores se debruçarem apenas nos livros
didáticos, ratificando a incorporação de materiais didáticos que promovam
referenciais positivos da figura do negro bem como da mulher negra.
Souza (2016), no artigo: “Lei 10.639/03: treze anos de histórias. O que
ainda está por vir?”, expõe que o objetivo da Lei 10.639/03 é justamente corrigir
a ausência de conteúdos significativos sobre a história da África e dos africanos
nas unidades escolares públicas e particulares, nos níveis de ensino fundamental
e médio do país. Este pensamento corrobora com a pesquisa, já que o livro
paradidático tem o intuito de minimizar essas ausências presentes nos manuais
didáticos. Observa-se que este apagamento é ainda maior com os personagens
negros e, em mais especificamente, com a mulher negra. Talvez, por essa razão,
os educandos desconheçam a participação das mulheres negras nos movimentos
de resistência escrava, a exemplo da própria Zeferina.
Neste sentido, Monteiro (2014), no texto: “A Revolta dos Malês nos livros
didáticos de História e a Lei 10639/03”, procura investigar os pontos de tensão
presentes no campo da História e Educação, a partir da análise da Revolta dos
Malês nos livros didáticos. Para isso, utiliza-se das contribuições teóricas da
epistemologia social escolar que considera a problemática da construção dos
saberes circundantes no contexto da escola.
A referente autora tece discussões acerca da produção do conhecimento
histórico a respeito da criação e recriação de narrativas, como, por exemplo a
Revolta dos Malês, tendo enquanto pano de fundo a lei 10639/03, ressaltando
que o tema possibilitará levar para a sala de aula outras narrativas a respeito da
presença negra no Brasil. Sob esta perspectiva, acredito ser importante trazer à
tona outras vozes, como a de Zeferina.
Monteiro sublinha que esse apagamento do Levante nos livros didáticos
é fruto do desejo de uma classe dominante que busca evitar a exaltação e
proliferação de movimentos contestadores, com o intuito de manter a ordem
social, ou seja, não se constitui uma boa história a ser propagada.
Santos, no artigo: “A lei 10.639/03 e a importância de sua implementação
na Educação Básica”, sinaliza que o ensino de história deve enfocar as
discussões sobre África, pois é a única forma de minimizar e romper com a
estrutura eurocêntrica que, até hoje, caracteriza a formação escolar brasileira.
Assim, os docentes, ao tratarem da História da África e da presença negra no

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 130


Brasil, devem realizar abordagens positivas, obviamente que não deixando de
evidenciar o sofrimento dos negros, mas principalmente salientando as várias
lutas de resistências empreendidas por eles. Neste sentido, o livro paradidático
“Zeferina - O conto de uma quilombola”, cumpri seu papel, pois apresenta uma
história positiva de Zeferina e informa sobre a participação de mulheres negras
nos movimentos de resistência escrava.
Nesta perspectiva, educadores comprometidos com uma educação
democrática, devem lutar para que estas representações sejam, ao mesmo tempo,
diversificadas e o menos deturpadas possíveis, pois objetivamos que livros se
constituam em veículos de abertura para o mundo na formação de mentalidades
democráticas.

Zeferina: conhecendo sua história

A produção de um livro paradidático impresso e uma versão digital sobre


Zeferina não foi uma tarefa fácil de lidar, pesquisar nos arquivos um objeto
como esse, é o mesmo que procurar uma agulha no palheiro, mas foi necessário
a varredura nos documentos para que enfim, pudesse trazer à tona essa narrativa,
a qual contribuirá para história regional e ensino de história, proporcionando
um referencial positivo para que sujeitos negros e afrodescendentes possam se
reconhecer.
Os livros didáticos muitas vezes reproduzem uma imagem eurocêntrica,
não mostrando nossa realidade, o que nos leva a não nos identificar muito
com os personagens que são trazidos e quando remetem à figura de negros
que poderiam nos representar, estes são vinculados à vitimização ou trabalhos
braçais, o que possibilita estereótipos que podem reforçar práticas racistas no
seio da Escola. Na contramão desse pensamento, ao produzir esse material sobre
Zeferina pretendo justamente positivar a história desses homens e mulheres que
lutaram e construíram a história do nosso país.
Além disso, apesar dos avanços tecidos pela nova historiografia da
escravidão, como o de João José Reis (1988), Flávio Gomes (1996), Eduardo Silva
(1999), Schwartz (1996) entre outros que trouxeram contribuições importantes
acerca da escravidão e dos movimentos de resistência escrava, possibilitando
novos olhares, assinala-se que ainda há poucos estudos retratando a participação
das mulheres negras na escravidão. Por essa razão, torna-se relevante a pesquisa e
produção de um material didático de uma figura tão simbólica como Zeferina.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 131


Estudos como Cecília Soares (2006), Isabel Cristina Ferreira dos Reis
(1999), Adriana Dantas (2012) remetem uma abordagem de gênero, resgatando
a emergência dessas mulheres, seja no cotidiano, através do trabalho das
ganhadeiras, das fugas e do status social que possuíam, estabelecendo, assim,
estratégias de sobrevivência.
A escrita do material didático se deu mediante a pesquisa documental
realizada na APEB3, na qual foram encontradas informações pertinentes do
quilombo do Urubu e da liderança de Zeferina. Enfatiza-se que não é muito
recorrente nas documentações encontrar a figura de uma mulher como líder
de quilombo. Por isso, até hoje é muito comum, ao se falar sobre quilombos,
associarmos a Palmares e Zumbi, esquecendo de outros mocambos que tiveram
papel preponderante na história do Brasil.
São justamente essas ausências que nos fazem buscar alternativas para
que narrativas apagadas ou ausentes no bojo da Escola possam ser visibilizadas,
ampliando o olhar dos educandos frente a história local, regional e nacional.
A elaboração do livro paradidático e E-book sobre a representação feminina
de Zeferina vem remeter à difusão do conhecimento e para que a produção
acadêmica chegue enfim, aos bancos escolares.
Reis (1989), no artigo: “Quilombos e revoltas escravas no Brasil”, afirma
que Zeferina era considerada uma rainha no Quilombo do Urubu, como
também africana de origem nagô. Durante o levante de 1826, comportou-se
como uma líder, segurando um arco e flecha na mão, incitando os companheiros
a continuarem lutando. No caso de Zeferina, percebi que, além de ser informado
sobre seu nome, é tomada como protagonista nos documentos transcritos.
Um bando de pretos do Urubu onde já encontrarão um Sargento com vinte
Soldados do Regimento de Pirajá e unindo ele testemunha os seus soldados
com aqueles fessercar o mato o que sendo percebido pelos pretos puseram se em
defesa fazendo ele um carro de boi que serviu de carneta e como ele testemunha
viu se armados de facas, facões e lanças e mais outras armas curtas, gritou-lhe que
se entregassem não querendo ele ouvirem a isto, antes correndo sobre a tropa
dele, testemunha ele, mandou fazer fogo conseguindo com isto dispensar-lhes
e seguindo em seu alcance, prendendo a preta Zeferina a qual (fim da página
ilegível).
[...]Zeferina depois de presa a qual, como já disse, estava com arco e flecha na

3 A documentação pesquisada no Arquivo Público da Bahia, Maço 2845, trata sobre a devassa no quilombo do Urubu, com depoimentos
de moradores locais e soldados que participaram da expedição contra o mocambo.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 132


mão, e instrumentos a entregasse, estas ferramentas designara para se reunir os
pretos dispersados deixando ele testemunha ficar no mato o arco e trazendo a
flecha a qual sendo-lhe mostrado o instrumento reconheceu seu próprio. Disse
mais ele testemunha que três ou quatro dias depois daquele acontecimento indo
rondar os Guardas da Soledade soube que na noite antecedente tinha sido ali
conduzido um preto com umas navalhas de barba e umas facas, vinha pela estrada
que vem dos Mattos do Cabula como dissera o Sargento (fim da página ilegível) 4 5

Nestes documentos é notório, a resistência de Zeferina resistiu ao


aprisionamento, comungando com a documentação primária de Luís Luna
(1976), no qual ela incentivava os seus companheiros para chamar à atenção dos
soldados inimigos e, assim percebe-se a relevância desta mulher na liderança do
Quilombo do Urubu, existindo uma espécie de código próprio de comunicação
entre estes.

[...]no alcance dos pretos só prenderam a preta Zeferina a qual tinha na mão
um arco e flecha, e bastante forcejou para seguir os pretos que se dispersaram,
e acharam três pretos mortos e uma negra, alguns sacos de farinha e bolacha e
perguntado se sabia afim para que os ditos pretos (fim da página ilegível);
[…] ajuda ou conselho respondeu que unicamente sabia por ter ouvido dizer a
preta Zeferina que aqueles pretos estavam ali reunidos à espera de outros que na
noite do dia seguinte haviam de partir da cidade para depois de juntos vim para
este mato sem senhores, mas não disse, sendo costume e assinou o seu juramento
com uma cruz com o dito Ministro. Escrivão José Herculano Pereira Lisboa da
Cunha;
Paulino de Santana;
José Ferreira Bastos pardo solteiro morador da rua da Agonia Soldado da Guarda
da Polícia de idade vinte e seis anos jurou aos Santos Evangelhos.6

A referida documentação remete a alguns dados importantes, tanto sobre


a liderança de Zeferina, como do próprio objetivo do Quilombo do Urubu,
que era o aguardo de outros negros da etnia nagô para realização de uma revolta
que se daria na véspera das comemorações natalinas. Tempo esse, que apesar do
movimento de pessoas, essas estariam envoltas com a família e as festas, sendo
a vigilância menor. Planejar uma revolta não era fácil, menos ainda quando se

4 Optei por atualizar a escrita da documentação para facilitar a leitura e o entendimento.


5 José Herculano Pereira Lisboa da Cunha. (APEBA, maço 2845, 1845, p. 40- 43).
6 Perguntado pelo Auto de Devassa e Corpo. (APEBA, maço 2845, p. 46 e 47).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 133


está sobre os olhos da sociedade da época, mesmo assim, esses sujeitos negros
articularam-se para realizar tal feito. No entanto, devido a um assalto malsucedido
seus planos não foram adiante. Porém, ainda se faz presente na memória viva a
figura de Zeferina e o Quilombo do Urubu.
A história de Zeferina e a elaboração do material didático possibilitam
repensar a luta cotidiana e a resistência negra no Brasil, proporcionando uma
nova perspectiva, margeando as pesquisas de gênero, a historiografia feminina e
negra nos manuais didáticos da Educação Básica.

Outras Tecnologias, novos olhares

O uso das novas tecnologias vem se intensificando nos últimos anos.


Diante desse cenário, as escolas vêm se adequando, com a promoção da formação
continuada para os docentes e se equipando para que haja apropriação de fato
desses recursos midiáticos que podem auxiliar no processo ensino- aprendizagem.
Tomando como lógica esse contexto, ao pensar na versão digital do livro
paradidático tive como pretexto a inovação e de como ela poderá contribuir
para uma aprendizagem mais significativa para os educandos. Entendendo que
os recursos midiáticos são dinâmicos e podem possibilitar uma interação entre
os sujeitos, despertando o interesse dos alunos no sentido de perceberem essas
tecnologias como algo novo e não obsoleto como os manuais didáticos.
O uso do E-book sobre Zeferina poderá oportunizar os alunos conhecer
a história de Zeferina e do Quilombo do Urubu, sendo mais um recurso
disponibilizado ao docente para tratar dessa temática. No âmbito da Escola,
devemos compreender outras tecnologias como um aparato diversificado de
recursos para além do livro didático, possibilitando a dinamização das aulas.
Os autores Camila Marchezan Cargnelutti, Carmen Eloísa Brenner, Keila
Urrutia, Juliana Segalla, Paulo Roberto Colusso afirmam que o livro eletrônico
possui formato digital e tem diversas vantagens se comparado ao livro impresso,
reunindo uma série de recursos que não são possíveis com a utilização do papel.
Com o livro digital, é possível construir um ambiente virtual e nele podem
ser aplicados vários recursos hipermidiáticos. Os recursos variam conforme o
formato do livro, abrangendo a possibilidade de integração de fotos, vídeos e
hipertextos.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 134


Observa-se assim, que é necessário não apensas dispor da tecnologia,
mas principalmente saber utilizá-la para que permita a cada pessoa resolver os
problemas do cotidiano, compreender o mundo e atuar na transformação de seu
contexto.
Dessa forma, percebe-se que o uso da TIC com vistas à criação de uma
rede de conhecimentos favorece a democratização do acesso à informação, a
troca de informações e experiências, a compreensão crítica da realidade e o
desenvolvimento humano, social, cultural e educacional, contribuindo para
uma sociedade mais justa e igualitária.

Considerações finais

Desse modo, observa-se que a produção de materiais já vem sendo uma


prática recorrente na Educação, para suprir as ausências existentes nos manuais
didáticos. Isto não quer dizer que essas lacunas inviabilizam o uso deles. No
entanto, os professores poderão escolher qual recurso utilizará e quais temas
poderá discutir, ampliando assim, o leque de opções.
Falar em ensino e aprendizagem é uma via de mão dupla, por isso um
deve pautar-se no outro, tomando como base as vivências. Assim, é importante
a apropriação de temáticas que os educandos se identifiquem, para que estes
tenham interessem e busquem através da intermediação dos professores seu
próprio conhecimento.
A elaboração do material didático, seja esse impresso ou digital, preenche
lacunas presentes na aprendizagem dos alunos e às vezes na formação do próprio
professor, por isso, é necessário um olhar mais atento para esse viés, uma vez
que, urge a necessidade de produções que minimizem o apagamento da história
do povo negro. Sem a produção de novas narrativas, a imagem estereotipada
do negro nos manuais didáticos pode ser considerada como uma verdade,
emergindo, assim, um pensamento dominante, no qual práticas racistas serão
constantes, seja no âmbito da Escola ou da sociedade em que vivemos.
A história é construída por narrativas de diferentes espaços e tempos. Cabe
ao historiador exprimir isso através da pesquisa e quando essas novas narrativas
adentram o espaço escolar, proporcionam uma aprendizagem significativa para
os educandos, contribuindo também para que a Academia cumpra seu papel
que é trazer o conhecimento produzido para sociedade, no caso, as escolas.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 135


Assim, nota-se que novas tecnologias bem como a emergência de temáticas
que abordem sobre a história da África e da Diáspora poderão promover uma
melhoria do ensino aprendizagem, visto que os educandos se apropriarão dos
saberes, os quais promoverão a assunção de sua identidade étnica como também
sua autoestima.
Em contrapartida, conclui-se que a produção do livro paradidático e
E-book sobre Zeferina possibilitam a aplicabilidade da lei 10639/03, no que
diz respeito ao ensino de história africana e afro-brasileira, indo em consonância
com a LDB 9394/06 e Diretrizes Curriculares para o Ensino das Relações Étnico
Raciais no que toca sobre discussões sobre respeito e preconceito, minimizando
práticas racistas no espaço escolar, promovendo assim, o exercício da cidadania
dos educandos.

Referências

APEB, maço 2845. Insurreição de Escravos, 1826.


BRASIL, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2006. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/2sf.pdf>.
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DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 137


CAPÍTULO 10

A LEI 10639/03 COMO DEMANDA HISTÓRICA DOS


MOVIMENTOS NEGROS

Felipe Riccio Schiefler, Luize Batista Campos

Introdução

A ausência de políticas para a inserção dos negros após a Abolição (1888), a


influências das teorias raciais e, em seguida, a invisibilidade dos negros alicerçadas
nos discursos da “democracia racial” contribuíram para a permanência e até
mesmo o acirramento das desigualdades entre negros e brancos, ainda muito
vivas no Brasil contemporâneo.
Esse quadro aterrador se consolidou mesmo com todas as mobilizações
que apontavam para os impasses das desigualdades raciais. Na Abolição, houve
aqueles que, como o engenheiro negro André Rebouças, acenavam para a
importância do processo de Abolição se dar de mãos dadas com a Reforma
Agrária. Rebouças chegou, inclusive, a propor um imposto sobre as fazendas
improdutivas para assentar as populações outrora escravizadas. Não vingou. A
maioria dos abolicionistas, junto com os republicanos, costuraram, pelo alto,
um processo que mantinha os latifúndios intocados (Alencastro, 2018). Na
Primeira República (1889-1930), muitos jornais – que ficaram conhecidos
como “imprensa negra” – atentavam para o racismo e para a exclusão social que
grassavam no período, na contramão dos periódicos da grande imprensa, em
que a representação dos negros era negativa (Domingues, 2008).
A partir da década de 1930, as ideias de “democracia racial” buscavam se
contrapor às teorias raciais. Enquanto o Estado incorporava o ideal de uma nação
mestiça, os discursos que embasavam a democracia racial acabavam por corroborar
o racismo e legitimar a violência e a desigualdade social ao defenderem uma

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-10 138
história de integração mais harmônica da sociedade brasileira. Nesse contexto,
expressões do movimento negro como a Frente Negra Brasileira (1931-1937) e
o Teatro Experimental Negro, surgido nos idos de 1944 e finalizado, assim como
a FNB, por um golpe, davam fôlego novo à luta antirracista (Munanga, 2005).
Seguindo a trilha de outros jornais da “imprensa negra”, ainda que com um tom
mais combativo, A Voz da Raça criticava a ausência, nos currículos escolares, da
história da África e da maneira estereotipada e negativa na qual os negros eram
tratados. Na história do Brasil, dava-se a entender que o papel dos negros tivera
sido marginal, e era preciso reagir a esse quadro (Siss; Barreto, 2014):

O sentimentalismo envenenado das nossas escolas, com suas referências mais ou


menos tolas ao “pretinho Bentinho”, com os seus elogios da raposa ao heroísmo
de Henrique Dias, tem dado ao negro a impressão de que os seus antepassados
foram uns desgraçados e de que os jovens negros só por isso têm de ser sempre
uns vencidos. É preciso, porém, que o negro tenha coragem de afirmar-se, pois
não há motivos para temores, tudo que existe no Brasil é obra do negro (A VOZ
DA RAÇA, ano I, n.14, julho de 1933)

O Teatro Experimental Negro, por sua vez, tinha por objetivo reverter
o quadro herdado e imposto pela sociedade colonial e escravocrata acerca da
cultura africana e do negro e replicado pela sociedade de classes capitalistas, isto
é, permeado de racismo, de ideias preconcebidas e legitimadoras do privilégio
branco e da subordinação negra. No caso do teatro, Abdias Nascimento
sublinhou como o seu nascimento se deu alicerçado em fundamentos da
intolerância religiosa que buscavam extirpar suas crenças e cultura, como no
Auto da Pregação Universal, de padre José de Anchieta. No caso dos africanos, a
opressão vinha pela tentativa de que internalizassem a tradição católica durante
períodos festivos nos quais praticavam com danças e batucadas, utilizavam
roupas típicas em dias de Natal, , donde saíram reelaborações como as Congadas
e os Bumba-meu-Boi.
Nas peças teatrais era comum a presença de mulatos, que, com pasta no
rosto, podiam fazem papéis de pessoas brancas. No entanto, uma vez que os palcos
ganharam prestígios os negros e mulatos foram de lá escurraçados, restando-
lhes apenas a presença ao fim dos espetáculos para recolher as sujeiras deixadas
pelos brancos. Os enredos perpassavam o cotidiano das classes dominantes,
deixando invisíveis mais de metade da população do país. Quando muito um
papel grotesco, exótico ou subalterno, sem espaço para expressar qualquer grau
de humanidade ou importância artística (NASCIMENTO, 2019, p. 149-155).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 139


Com isso, a literatura dramática brasileira não deixou espaço algum para o
lirismo, a dramaticidade e a criatividade presentes na matriz africana e afro-
brasileira. Abdias Nascimento propõe, portanto, que o palco do teatro negro
deve reviver fatos e heróis como Zumbi dos Palmares, Luís Gama, Luísa Mahin,
entre outros, contribuindo para a inserção da história da África e da cultura afro-
brasileira como componente imprescindível para a compreensão do próprio
país, descolonizando a maneira eurocêntrica predominante (NASCIMENTO,
2019).
O papel das ditaduras não pode ser minimizado. As ditaduras do Estado
Novo (1937-1945) e militar (1964-1985), como regimes de exceção, reprimiram
e desarticularam os movimentos sociais, impactando sobremaneira a cidadania e
os direitos das populações afro-brasileiras. Durante a segunda delas, por exemplo,
ficou evidente o descompasso entre escolarização e acesso ao mercado de trabalho
para a população negra, que, durante o conhecido “milagre econômico”, apesar
ampliação de ofertas de emprego na indústria e das oportunidades na educação
pública, vivia situação de exclusão semelhante a dos seus pais e avós. Quando
galgavam algumas dessas posições típicas das classes médias, seus salários
eram menores. Tal situação não passou despercebida e ensejou a retomada da
mobilização dos movimentos negros ainda nos “anos de chumbo” do governo
Médici (1969-1974), com a formação de vários grupos como, por exemplo,
o Grupo Decisão (1973), o jornal Árvore das Palavras (1974) e o Centro de
Cultura e Arte Negra (1971) (DOMINGUES, 2019). Também nesse contexto
de repressão merece destaque o movimento feminista negro que, no bojo da
ditadura, sublinhava a exclusão de suas reivindicações do feminismo liderado
por mulheres brancas e da luta antirracista.
Juntamente com outras lutas dos movimentos negros, os fatos acima
contribuíram para que, ao longo do século XX, fossem traçadas as duas principais
vertentes que, interligadas, são constitutivas das demandas desses movimentos.
Ao longo da década de 2000 elas ingressaram na agenda do Estado brasileiro:
uma cultural e educativa, que visa o reconhecimento da identidade negra nos
currículos escolares e deu origem à Lei 10.639/2003; e as políticas de ação
afirmativa e compensatória, que visam o combate às desigualdades raciais, desde
o acesso ao mercado de trabalho, ao sistema de saúde, à representação política,
etc. Vamos nos dedicar, daqui para frente, à primeira delas, a Lei 10.639/2003.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 140


O contexto de formação da Lei

A partir de 1980, a ONU passou a fazer campanhas mundiais contra a


discriminação racial e todas as formas de intolerância. Uma delas teve grande
impacto, a III Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, a Discriminação
Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, realizada em Durban, em 2001.
As autoridades e os políticos brasileiros tiveram que se mover para que o país,
signatário da Conferência, se adequasse a ela. Era urgente, assim, que velhas
demandas dos movimentos negros, como as políticas de ação afirmativa, por
exemplo, fossem postas em prática. As respostas de parte significativa da sociedade
brasileira, no entanto, não acenavam positivamente para essas medidas.
Em primeiro lugar, afirmavam que isso não era condizente com a
realidade brasileira, o local da mestiçagem. Esse argumento não acatava que
as discriminações tivessem cunho racial, mas estavam pautados nas diferenças
socioeconômicas. Nessa mesma linha, outro argumento que veio à tona foi a
defesa de princípios abstratos do universalismo, da igualdade de todos perante
a lei, opondo-se, portanto, ao reconhecimento público das diferenças entre
pessoas brancas e não-brancas. A resolução das mazelas que dão corpo às
desigualdades sociais estaria em políticas macrossociais de cunho universalista. A
implementação, via Estado, de políticas para dirimir as desigualdades não podia
“racializar” a questão em um país onde vigora forte miscigenação (MUNANGA,
2005). É importante ressaltar esse ponto para que fique claro que, mesmo em
contextos mais propícios, a implementação dessas leis no Brasil sempre sofreu
resistências.
Mesmo com essas rejeições, essas pautas tiveram prosseguimento. Uma
das consequências foi inserção das políticas públicas de ações afirmativas para
mulheres, pessoas com necessidades especiais, negros e indígenas. Para a lei
10639, foi importante a participação de alguns atores políticos, alguns deles,
como Abdias Nascimento e Benedita da Silva, eram também militantes do
movimento negro. O ponta pé inicial foi dado quando Abdias Nascimento
(PDT/RJ), Benedita da Silva (PT/RJ), Paulo Paim (PT/RS) e Humberto Costa
(PT/PE) propuseram projetos de leis para a inclusão da História da África nos
currículos escolares entre o final da década de 1980 e o final da década de 1990
e todos foram arquivados. Em 1999 os deputados Esther Grossi (PT/RS) e Ben-
Hur Ferreira (PT/MS) novamente apresentaram um projeto de lei para incluir
o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e africana nas escolas. O projeto

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 141


passou pela Comissão de Educação sem grandes alardes e no ano 2000 a sua
aprovação no Congresso Nacional ocorreu sem polêmicas.

A Lei 10.639/2003: impasses e possibilidades

O movimento negro, como visto acima, já alertavam que a evasão


escolar tinha estreita ligação com a postura discriminatória dos professores
em relação aos alunos negros. O jornal da Frente Negra Brasileira, nos idos de
1934, sublinhava que muitos grupos escolares só recebiam “negros porque é
obrigatório”, mas os professores “menosprezavam a dignidade da criança negra”.
Com isso, o aprendizado dessas crianças estava em xeque, contribuindo para
que os pais as tirassem das escolas e as entregassem aos “serviços pesados” (apud
SISS; BARRETO, p. 55).
A importância de uma convivência capaz de salvaguardar as diferentes
subjetividades e valores presentes na sociedade e o respeito à diversidade ainda
é uma questão central. Sueli Carneiro, com base no livro “Silêncio do lar ao
silêncio escolar: racismo, discriminação e preconceito na educação infantil”, de
Eliane Cavaleiro, chama atenção para casos de conflitos raciais e hierarquizações,
contrariando vários estudos sobre educação infantil e até mesmo os depoimentos
colhidos entre as professoras do colégio estudado. O silêncio e a omissão fazem
parte da prática pedagógica. Enquanto crianças pretas relatavam à pesquisadora
que eram chamadas de “pretas que não tomavam banho”, “da cor do carvão” e
“preta fedida”, nada era feito pelos/as professores(as). Esse processo contribui
para que, desde cedo, ganhe força “o círculo vicioso do racismo”, que “estigmatiza
uns e gera vantagens e privilégios a outros” (CARNEIRO, 2011, p. 76).
O despreparo dos educadores, portanto, contribui muito para essas
permanências. E os cursos de formações, ainda que centrais, não garantem, por
si próprio, que uma pedagogia antirracista estará presente no debate escolar.
Em sua dissertação de mestrado, Maria Fernanda Luiz entrevistou professores e
professoras que participavam de cursos de formação voltados aos novos conteúdos
a serem ministrados em sala de aula. Segundo ela, o impacto desses cursos deve ser
concebido de maneira individualizada, uma vez que esses conteúdos são postos
em práticas por docentes que já trabalhavam ou se interessavam pelos tópicos
da história da cultura afro-brasileira e da África. Os demais viam com pouco
interesse essas formações e, quando muito, estavam ali antes pelas progressões na

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 142


carreira do que em busca de uma transformação da prática docente nos sentidos
da lei 10639 (LUIZ, 2013).
Uma lógica parecida parece valer para outros setores relevantes para
a implementação da lei. Em pesquisa feita com 133 gestores educacionais
municipais, foi constado que a maioria não via as questões raciais como
estruturadoras das desigualdades sociais, dando maior crédito às diferenças de
ordem econômica, ou seja, à classe. Não acreditam, portanto, que a afirmação
das identidades possa ter validade no ensino, o que invalida esforços de
implementação. Ao escamotearem a questão racial, impedem que práticas
pedagógicas mais inclusivas sejam o alicerce para uma aprendizagem pautada na
diversidade (GARCÍA-FILICE, 2011).
Outras dimensões dos empecilhos foram levantadas por Almeida e Sanches
(2017). Eles fizeram dois levantamentos: o primeiro, de políticas públicas
realizadas com o objetivo de subsidiar a implementação da Lei 10.639/2003
durante sua primeira década de existência, e o outro relativo às produções
acadêmicas do mesmo período que tratavam da legislação. Identificaram, na
análise desses levantamentos, diversas dificuldades no processo de implantação
relacionadas à formação de profissionais de ensino, à disponibilidade e à divulgação
de recursos didáticos e à intolerância religiosa, entre outros. Esses fatores indicam
pouca preocupação em estabelecer vínculos entre políticas públicas relacionadas
a essa lei e entre elas e as demais políticas educacionais, o que garantiria certo
grau de coesão entre as políticas, favorecendo a implementação de todas elas.
Ademais, há a questão do federalismo brasileiro, que cria certos obstáculos à
formação de um sistema nacional de educação ao distribuir responsabilidades
aos três entes federados a partir de um regime colaborativo precário e sem as
revisões necessárias entre eles (OLIVEIRA, 2012). Isso, sem dúvida, impacta
uma implementação coordenada da lei 10.639 em todas as etapas do ensino.
Cabe também um parêntese sobre a intolerância religiosa, tema recorrente
nos estudos acerca das relações étnico-raciais. Prática secular, que remonta aos
primórdios da obra colonizadora, a intolerância religiosa sempre foi implacável
contra as religiões de matriz africana. Ainda que os períodos de repressão
tivessem intensidades distintas, essas religiões, muito antes do Código Penal
Republicano (1890), eram alvo da intolerância e da criminalização. No Código
da República, três artigos criminalizavam práticas rituais que perpassavam essas
religiosidades. A uniformização de um amplo leque cultural também é antiga
– desde os calandus – e foi a tônica nos censos até 1991. O cerceamento da

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 143


liberdade de crença ainda hoje é uma questão cara às religiões de matriz africana
e afro-brasileiras. Tal prática, não raro, está presente no ambiente escolar e em
outros espaços sociais da sociedade brasileira, indo de encontro à laicidade do
Estado e à defesa da diversidade (RIBEIRO; CARDOSO; GONÇALVES,
2014).
Em uma sociedade historicamente intolerante e nada harmoniosa
socialmente, choca pensar que, nos idos 2018, perto das últimas eleições
presidenciais tivemos o aumento de 171% dos casos de intolerância religiosa –
sendo mais de um terço desse montante contra as religiões de matriz africana
(SCHWARCZ, 2019).
Sobre a implementação da Lei 10.639 durante os dez primeiros anos de
sua vigência, ressalta-se que, sob o aspecto de sua regulamentação, foram criadas
quatro relacionadas à criação de órgãos para atuação na área da igualdade racial
(dos quais dois têm a função de realizar intervenções especificamente no campo
educacional), três que contemplam os conteúdos da Lei 10.639/2003 e três
documentos que explicam e justificam essa mesma lei, indicando os caminhos
para sua implementação (ALMEIDA; SANCHEZ, 2017). Ainda assim, como
foi ressaltado no evento realizado pelo coletivo Historiadoras e Historiadores
negros, no debate sobre os dezoito anos da lei, as formas de fiscalização são
precárias. A principal maneira é a pressão feita pelos movimentos negros, de
mulheres negras e setores universitários, como observou na ocasião a professora
Carla Meneirz.
O levantamento bibliográfico de publicações sobre a Lei 10639/03
encontrou, por meio de buscas livres na Biblioteca Digital Brasileira de Teses
e Dissertações, quarenta e quatro trabalhos. A abordagem mais recorrente foi
relativa aos estudos de caso, que buscavam compreender o papel e a atuação do
professor e das escolas na implementação da Lei. Em seguida, foram encontradas
produções que investigavam a utilização de recursos para o ensino (dança popular,
jogos, literatura, museus virtuais e sites de comunidades quilombolas). Seis
estudos refletiam sobre a África na formação da cultura brasileira, um abordou
o racismo. Quatro trabalhos investigaram a formação continuada de professores
e outros cinco, os livros didáticos. Três produções referiam-se à formação inicial
de professores no Ensino Superior e quatro analisavam políticas públicas de
implementação da legislação (duas delas apontavam para a sua desarticulação
com o campo étnico-racial) (ALMEIDA; SANCHEZ, 2017).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 144


É interessante ressaltar como a presença da África na sociedade brasileira
pode se dar através de diferentes entradas: a religiosidade, a oralidade, os modos
de organização e a musicalidade presentes em diversas manifestações culturais.
O “jongo do sudeste” é um exemplo delas. E há muitos recursos didáticos
disponíveis para abordá-lo, fruto de uma parceria entre lideranças jongueiras,
pesquisadoras da Universidade Federal Fluminense, o poder público e a
sociedade da região, movimento que foi central para que, nos idos de 2005,
o jongo se tornasse patrimônio cultural brasileiro. A coletânea “O jongo na
escola” possui um amplo material pedagógico para contribuir na formação de
gestores, professores e outros profissionais da área da educação. A partir dele se
pode formular iniciativas e projetos pedagógicos que tenham como objetivo a
garantia da diversidade étnico-racial a partir da inclusão do jongo nos currículos
escolares. Mesmo nos municípios onde se encontram as comunidades jongueiras
foi observado o desconhecimento, por parte de professores e gestores municipais,
sobre essa expressão cultural afro-brasileira (SACRAMENTO, 2014, p. 97-
103).
O jongo liga-se com danças, cerimônias e religiosidade centro-africana –
mais especificamente com os povos de língua bantu – e há estreita relação entre
os territórios jongueiros contemporâneos e as áreas de tráfico clandestinas do
Vale do Paraíba. A ressignificação das identidades jongueira está ligada com os
processos de reparação histórica. E esses temas não estão dissociados, pois foi a
emergência da memória trágica acerca do tráfico ilegal de africanos escravizados
que, por meio das práticas do jongo, reforçou as demandas por reparação. As
práticas performáticas, portanto, consolidam a ligação com a diáspora africana
e, ao favorecer o aumento da autoestima dos participantes, contribuiu para a
luta antirracista (MATTOS; ABREU, 2016).
Por último, vale chamar a atenção para a pouca difusão das relações
étnico-raciais, do racismo e de temas da história da África e da cultura afro-
brasileira em outros campos do saber. Na própria filosofia, por exemplo, há
pouco – ou quase nada – sobre a filosofia africana, impedindo que se possa
problematizar, dentre outros pontos, as assimetrias entre Europa e África e de
como isso favorece a constituição de processos que colocam em patamar mais
baixo as produções africanas e afrodiaspóricas (NOGUERA, 2019, p. 13-14).
O privilégio dado à filosofia Ocidental inicia-se quando nos deparamos, na
maior parte das obras sobre a história da filosofia, com a afirmação, sem maiores
questionamentos, de que seu berço estaria na Grécia, seja a partir de Tales de
Mileto ou de Sócrates e Platão, isto é, a partir de temas elaborados pelos gregos,

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 145


não deixando espaço para a formulação de outros saberes construídos fora da
Europa, fato comumente chamado de epistemicídio. (NOGUERA, 2019, p.
21-29).
Essas questões afetam diretamente a formação dos professores e
professoras da área. Pesquisas do Grupo Afrosin, realizada com professores da
rede pública estadual dos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, deixam
claro a maneira marginal na qual a filosofia africana é abordada. Ainda que
84,6% dos entrevistados soubessem das modificações da Lei de Diretrizes de
Base, 76,9% não cumpriam a lei. Nenhum deles teve esse conteúdo durante
sua formação, sendo que 92,3% se formaram entre 2004 e 2013, ou seja, após
a promulgação da lei. Fatores como a falta de material didático paradidático
apropriados e a inexistência de cursos sobre Filosofia Africana contribuem para
esse cenário. Soma-se a isso a situação no Ensino Superior que, diferente da
História, a cadeira não faz parte da grade curricular, salvo em raras exceções
como no caso da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, onde há uma
disciplina intitulada Filosofia Africana, ministrada pelo professor Eduardo
David de Oliveira (NOGUERA, 2019, p. 16-17).

Conclusão

Parte importante do conjunto de políticas públicas que salvaguardam a


diversidade, o combate ao racismo, a laicidade e, de maneira geral, o acesso à
cidadania e a uma sociedade democrática, a lei 10639/03 se encontra em uma
tremenda encruzilhada: ao mesmo tempo que se faz tão necessária, o país passa
por cortes na área da educação e ataque direto às políticas de ação afirmativa e
de ação valorativa.
Há também claros problemas para tirá-la do papel, isto é, para que sua
implementação seja uma política pública concatenada entre os entes federados e
com fortalecimento de mecanismos de avaliação desse processo.
Somam-se a isso os discursos a favor de uma nação homogênea e sem
conflitos sociais graves, entoada recorrentemente pelo presidente e também
por diversos setores do governo, como o próprio Exército, reiterando o país
como o local da tolerância e da democracia racial, quando suas ações, por si só,
demonstram justamente o contrário.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 146


Outra questão relevante é a possibilidade da lei 10639 não se restringir
somente às disciplinas de história. Citamos o exemplo da filosofia, mas isso vale
também para outras áreas do saber, inclusive fora das humanidades.
Para lidar com um contexto como o atual, é inegável a importância da
escola como difusora de um quadro cultural e histórico plural e polifônico capaz
de construir uma sociedade na qual o respeito às diferenças e a distribuição
de poder mais equânime sejam seus alicerces. Não por acaso os ambientes
educacionais e as políticas públicas que visam a diversidade e o combate das
desigualdades tornam-se alvos prioritários de governos de extrema-direita.
O alento é que, em outros períodos em que o autoritarismo e a repressão
estavam na ordem do dia, os movimentos negros se (re)organizaram e, em
diálogo com o legado dos antepassados e com outros setores da sociedade
brasileira, construíram novas soluções para os impasses da cidadania no Brasil.
A própria lei 10639/03 deve ser pensada, como defendemos no texto, como a
implementação de uma demanda antiga do movimento negro que, ao longo
do século XX, se (re)inventou diante dos mais variados modos de perseguição
política e social e soube aproveitar um contexto mais favorável para fazer valer,
de forma estratégia e ponderada, uma de suas demandas.

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DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 148


CAPÍTULO 11

A INCLUSÃO ESCOLAR DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA,


TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO E
ALTAS HABILIDADES OU SUPERDOTAÇÃO NO BRASIL
SOB A PERSPECTIVA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
MATERIAL

Angélica Pinheiro Cunha, Camyle Nunes de Almeida,


Juliana Cunha dos Santos, Samara Pereira Gonzaga dos Santos

Introdução

Nas últimas décadas, o destaque conferido às causas sociais tem trazido


à tona a importância de conceder visibilidade às parcelas mais vulneráveis da
sociedade. Nesse sentido, emerge o debate acerca das pessoas com deficiência
(PCD), transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades ou
superdotação que, ainda hoje, são estigmatizadas, ante a falácia de estarem em
descompasso com a coletividade.
No âmbito escolar, a educação especial é a categoria pedagógica cuja
metodologia é destinada ao ensino de PCD, TGD e altas habilidades ou
superdotação (BRASIL, 2013). A despeito das estratégias desenvolvidas pelo
setor da educação, numa tentativa de proporcioná-los uma vida mais confortável
e em igualdade de condições, cotidianamente, esses indivíduos sofrem com a
violação de seus direitos, sendo o direito à igualdade o mais agressivamente
transgredido.
Frisa-se a relevância de se pesquisar sobre a inclusão escolar, pois, apesar
de ser pauta defendida por diversas organizações, além de tutelada por lei, ainda
existem constantes investidas de depauperamento dos direitos conquistados
até aqui. No entanto, essas tentativas costumam vir travestidas de um modus

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-11 149
operandi que dissimula uma implementação mais eficaz dos direitos tutelados,
sendo, em verdade, contrárias à inclusão escolar.
Assim, o presente ensaio objetiva analisar o panorama da educação escolar
brasileira no que diz respeito à inclusão de PCD, TGD e altas habilidades ou
superdotação, a partir da ótica do princípio da igualdade material, propondo
alternativas que contribuam com a evolução da sociedade brasileira, tendo em
vista seu caráter multifacetado.
Para tanto, a metodologia aplicada será a de pesquisa bibliográfica e
legislativa, de caráter descritivo. Inicialmente, explicar-se-á o princípio jurídico da
igualdade material e a forma como seu conceito relaciona-se com a problemática
da inclusão, ilustrando-se, em seguida, os conceitos de cada uma das condições a
serem tratadas. Ademais, esclarecer-se-á as fases nas quais se divide o processo de
desdobramento do sistema educacional até atingir o estágio referente à inclusão,
deslindando-se seu o contexto até os dias atuais. Por fim, propor-se-ão medidas
a serem adotadas, com vistas a aprimorar e executar as políticas inclusivas.

Enredo histórico-normativo

A noção do princípio da igualdade nem sempre foi a mesma. Consagrada


no liberalismo clássico, a ideia desse preceito relacionava-se, inicialmente, à
impessoalidade do Estado, proibindo-o de beneficiar ou perseguir qualquer
pessoa. Entretanto, essa concepção, conhecida como igualdade formal, mostrou-
se demasiadamente simplista, uma vez que levava em consideração tão somente a
implementação da lei, que deveria ser aplicada de modo a igualar, genericamente,
todos em uma mesma classe (TABORDA, 1998).
Posteriormente, em função do advento do Estado Social, o princípio passa
a vincular-se ao entendimento de que a igualdade deve ser efetivada, não só
formalmente, em relação à aplicação da lei, mas também diante dos bens da
vida, de forma que garantisse uma igualdade substancial. Com base na máxima
aristotélica de que os iguais devem ser tratados igualmente, e os desiguais de maneira
desigual, na medida das suas desigualdades (LENZA, 2012), o preceito assume a
nomenclatura de igualdade material, significando o propósito de concretizar, no
plano fático, a igualdade meramente teórica.
No Brasil, o princípio da igualdade encontra-se previsto no art. 5º da
Constituição Federal (CF), expressando sumariamente que todos são iguais

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 150


perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (BRASIL, 1988). Apesar de sua
redação identificar-se com a ideia da igualdade formal, sua interpretação deve ser
feita em consonância com outros dispositivos constitucionais e com as premissas
da justiça social, a fim de captar o sentido de igualdade material e lograr êxito na
persecução da equidade (SILVA, 2013). Desse modo, cria-se condições para que
o comando da igualdade material seja executado eficientemente.
Uma das formas de implementação do princípio da igualdade é a educação.
Declarada constitucionalmente como direito de todos, a educação é vista como
fundamental à promoção da justiça social, assegurando às pessoas seu amplo
desenvolvimento, sua aptidão enquanto cidadão e sua capacitação para o
mercado de trabalho (BRASIL, 1988).
Nesse viés, a CF garante, ainda, que a ministração do ensino seja realizada
de modo a possibilitar o acesso e a continuidade na escola, em igualdade de
condições, cuja garantia de concretização se dá a partir da criação de políticas
inclusivas. No que se refere aos indivíduos com deficiência, TGD e altas
habilidades ou superdotação, essa problemática dá margem à discussão sobre o
modo como essa educação deve acontecer.
De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (PNEE), datada de janeiro de 2008, são considerados alunos
com deficiência aqueles que têm entraves de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial que podem afetar sua atuação social. Já os transtornos globais do
desenvolvimento são distúrbios que provocam alterações na comunicação,
interações sociais e no sistema neuropsicomotor, apresentando estereotipias. Por
fim, as altas habilidades ou superdotação relacionam-se aos alunos que possuem
grande potencial em áreas de conhecimento humano, isoladas ou combinadas.
Essas terminologias estão presentes no arcabouço jurídico brasileiro,
sendo tal segmentação relevante, tanto para a formulação de ações e programas
específicos para garantir a efetivação dos direitos desse estrato, quanto para o
estabelecimento de diretrizes que possam nortear a análise e qualificação de cada
condição a partir de suas peculiaridades.
Nesse diapasão, o trato conferido a esses indivíduos pode ser dividido
em quatro fases (BLANCO, 2003). Até o final do século XVIII, falava-se na
concepção de exclusão, uma vez que a dita anormalidade dos indivíduos - vista
sob uma perspectiva religiosa discriminatória, até a Idade Média, e a partir de
uma percepção patológica, com início no Renascimento - tolhia-los qualquer
direito à educação, motivo pelo qual eram completamente rechaçados da
sociedade (SILVA NETO et al, 2018).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 151


No fim do século XVIII, surgiu um novo olhar acerca da educação de
pessoas com deficiência, com a criação de instituições específicas para o ensino
especializado desses indivíduos, coexistindo a rede de educação regular e a de
educação especial (AMARAL, 2001). Por isso, tal período ficou conhecido como
a fase da segregação, na qual a educação era oferecida aos alunos com deficiência,
acontecendo, todavia, em espaços distintos, de forma paralela ao sistema regular.
A partir da década de 1960, ocorreram mudanças significativas, uma vez
que as pessoas com deficiência passaram a ser agregadas na rede de ensino regular,
entendendo-se que o ideal seria que as escolas comuns possuíssem salas especiais
para esses alunos, de modo que, quem se adequasse, poderia ser progressivamente
inserido no sistema regular de educação. A partir daí, surgiu a ideia de integração
(PLETSCH, 2014), que não logrou muito êxito, já que transmitia o ônus de
adaptação ao indivíduo integrado.
Dessa forma, a concepção de que todos os alunos devem ser inseridos em
escolas regulares, independentemente de suas limitações, e em classes comuns,
juntamente com os outros alunos, passou a revelar-se mais adequada. Sob a
nomenclatura de inclusão escolar, o novo modelo sugere a composição de um
sistema de educação que acolha a todos e baseie-se na ponderação das carências
de cada aluno, amparando-os de forma igualitária (MANTOAN, 1993).
As primeiras medidas voltadas à educação de pessoas com deficiência foram
implementadas ainda no século XIX, com a criação do Imperial Instituto dos
Meninos Cegos, em 1854, atendendo, contudo, a pouquíssimos indivíduos.
Doravante, surgiram algumas instituições de caráter assistencial, porém, de
iniciativa privada (MANTOAN, 2006). Só na década de 1950, o Poder Público
incumbiu-se da educação desse estrato e, em 1960, criou-se a Campanha
Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais, de natureza
eminentemente integrativa.
A década de 1970 foi marcada pela criação do Centro Nacional de
Educação Especial (CENESP), além do estabelecimento de diversas instituições
especializadas e do aumento significativo de classes especiais nas escolas comuns.
Já nos anos de 1980, apesar do início das indagações acerca do distanciamento
imposto a esses alunos, em razão do crescimento de estudos na área, a reprovação
social do sistema comum de ensino fomentou a perspectiva de integração, de
modo que manteve-se o amparo público às instituições assistencialistas privadas
(PLETSCH, 2014).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 152


Em 1988, a nova CF é promulgada, estabelecendo que a escolarização de
pessoas com deficiência deve ocorrer, de preferência, na rede regular de ensino.
Além disso, assegura o atendimento educacional especializado (AEE), sistema que
visa amparar e reparar as dificuldades encontradas na rede de ensino regular, aos
alunos com deficiência, sem retirar-lhes do sistema, sendo tal garantia reforçada
pela Lei nº 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Em 1990, o Brasil participou da Conferência Mundial sobre Educação
para Todos, chamada de Conferência de Jomtien, na Tailândia, que resultou na
elaboração da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, com o fito de
satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de crianças, jovens e adultos.
Essa declaração, entre outras disposições, indica a necessidade de se elaborar
mecanismos que garantam o acesso à educação de forma igualitária para pessoas
com qualquer deficiência (UNESCO, 1990).
No ano de 1994, é publicada a Declaração de Salamanca, oriunda da
Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e
Qualidade, em Salamanca, na Espanha, delineando mecanismos de ensino aos
alunos da educação especial juntamente com os outros discentes. Abordando
princípios e estratégias em relação à educação especial, a declaração, da qual
o Brasil é signatário, é concebida como o maior símbolo de disseminação da
noção de educação inclusiva (MENDES, 2006).
Nesse contexto, em 1994, criou-se a Política Nacional de Educação Especial,
sendo um de seus objetivos incorporar o processo educacional das pessoas com
deficiência nas turmas regulares (BRASIL, 1994). Nesse documento, há menção
às “condutas típicas”, já distinguindo os alunos com TGD (PARANÁ, 2016).
Outrossim, em 1996, foi aprovada a Lei nº 9.394, uma nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDBEN), com um capítulo específico sobre a
educação especial, no qual se segue a mesma linha de raciocínio, esclarecendo
que poderia haver apoio especializado apenas quando necessário.
Nessa esteira, em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) salientou a
importância das escolas inclusivas, traçando metas para que as redes de ensino
regular se adaptassem ao fornecimento da educação especial inclusiva. Em 2003,
foi implementado o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, que
pretendia difundir a educação inclusiva no país, proporcionando a formação
especializada de profissionais da educação (PLETSCH, 2014).
Em 2008, foi lançada a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE), que reforçou o intuito de receber

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 153


todos os alunos, indistintamente, no sistema de ensino regular. No ano de 2009,
foram estabelecidas as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para AEE
na educação básica1. O serviço de apoio, que seria prestado por um profissional
especialista e aconteceria nas imediações da escola, em turno diferente da
escolarização do educando, foi regulamentado pelo Decreto nº 7.611/2011.
No mesmo ano, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de
março de 2007, estabeleceu que os Estados Partes deveriam assegurar a existência
de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, baseado na igualdade
de oportunidades. Tal convenção foi promulgada através do Decreto nº 6.949,
cujo rito de aprovação a concedeu status de norma constitucional.
No ano de 2014, um novo PNE foi aprovado, trazendo, na Meta 4, o
objetivo de universalizar o acesso à educação básica para pessoas de 4 a 17 anos
com deficiência, TGD, superdotação ou altas habilidades, de preferência, na
rede regular de ensino. Em 2015, a Lei 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão
- LBI) assegurou a implementação dos direitos fundamentais das pessoas
com deficiência, incluindo a educação. Já em 2019, criou-se a Secretaria de
Modalidades Especializadas de Educação, em detrimento da antiga Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).
Esse contexto histórico expõe a trajetória brasileira na garantia da educação
à PCD, TGD e altas habilidades ou superdotação. No que tange ao modelo
adotado, nota-se que a transição da exclusão-segregação-integração para a
inclusão escolar - que prega a abrangência de todos os alunos, a despeito de
qualquer diferença – teve o objetivo primordial de imprimir um caráter mais
humanista à promoção desse direito.
Para além das discordâncias teórico-conceituais (MATTOS, 2002), a
primazia da ideia de inclusão tem consequências também jurídicas, frente à
garantia, não só do direito à educação, mas do real direito à educação inclusiva.
Destarte, tem-se a percepção de que é da sociedade o dever de se adaptar à
recepção desses sujeitos, de modo a diminuir as discrepâncias, e não do indivíduo
a obrigação de adequar-se ao meio social no qual busca ser inserido (BARBOSA-
FOHRMANN; ANGELICA, 2014).
A partir da ótica inclusiva, o princípio da igualdade material, em tese, é
devidamente concretizado no âmbito escolar, visto que a paridade é assegurada

1 Refere-se ao nível de educação escolar, implicando a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 154


aos indivíduos com e sem deficiência ou transtorno. Nesse passo, devem receber
a mesma escolarização, considerados todos igualmente educandos, observando-
se, conquanto, as particularidades de cada aluno, sendo que, aqueles que
precisarem de alguma atenção específica, assim receberão, na medida das suas
necessidades.
No entanto, na prática, a realidade mostra-se diversa, já que a previsão
do direito à inclusão escolar não assegura, por si só, sua efetivação. Apesar
das inúmeras garantias expressas nas normas, o que se vê no plano fático, na
maioria das vezes, é a inserção desses alunos nas classes comuns, sem um plano
pedagógico adequado e específico, sem AEE, em escolas sem infraestrutura para
recebê-los e sem projetos direcionados à educação especial.
Ocorre que a ausência de profissionais especializados, ou, ainda, a própria
escassez de professores, obriga-os a se desdobrar para ensinar, na mesma classe,
no mesmo período e, na maioria das vezes, sem ajuda, todos os tipos de alunos.
Tal fato é prejudicial para ambos, docentes e discentes: os educandos ficam à
mercê da pouca disponibilidade do professor, que tem a difícil missão de dividir
sua atenção conforme a necessidade dos vários alunos.
Outrossim, há o receio dos pais ou responsáveis pelas PCD, TGD e altas
habilidades ou superdotação, optando por mantê-los fora da rede regular de
ensino, seja pelo preconceito ainda manifesto, ou pela rejeição da própria
escola que, apesar de não poder recusar a matrícula, utiliza como justificativa
a deficiência do aluno ou o desconforto dos demais para coibir sua presença,
quando o que há, na verdade, é a falta de infraestrutura física ou organizacional.
Não obstante as adversidades até aqui expostas, no ano de 2020, foi
publicado o Decreto nº 10.502, instituindo a Política Nacional de Educação
Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Além de
reafirmar alguns direitos já antes mencionados em outros dispositivos, o decreto
traz algumas inovações, sendo a de maior destaque a possibilidade de criação
de classes e escolas especializadas para os alunos da educação especial, indo de
encontro às décadas de luta pela inclusão em seu sentido estrito.
Por conta disso, várias instituições, como o Conselho Nacional de Saúde2
(CNS), a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down3 e a
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos

2 Resolução nº 066/2020: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1414-recomendacao-n-066-de-13-de-


outubro-de-2020.
3 Vide: https://federacaodown.org.br/repudio-ao-decreto-no-10-502/

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 155


das Pessoas com Deficiência e Idosos4 (AMPID), manifestaram seu repúdio ao
Decreto.
Ademais, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizou uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) - nº 6590 - contra tal decreto, alegando violação
ao preceito fundamental do direito à educação inclusiva, uma vez que dispõe
sobre a criação de escolas especializadas, classes especializadas, escolas bilíngues
de surdos e classes bilíngues de surdos, instigando a segregação de alunos com
deficiência do ambiente das escolas regulares sob o fundamento de oferecer um
serviço mais adequado e indo de encontro à ideia de inclusão, sendo que esses
serviços deveriam ser inseridos na rede regular e não apartados desta.
Nesse seguimento, o Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu o pedido
liminar na ADI 6590 - que encontra-se, até a data de submissão do presente
ensaio, em fase instrutória -, utilizando como respaldo jurídico a violação do
art. 208, III da CF e da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, destacando que o decreto é inconstitucional por infringir o
paradigma constitucional da educação inclusiva e por inovar no ordenamento,
introduzindo uma nova política nacional de educação.
Frisa-se que, ainda segundo a ADI 6590, a subversão do paradigma da
educação inclusiva constitui grave retrocesso de direitos ao retomar a ideia de
segregação de pessoas com deficiência, a qual já tinha sido rechaçada após uma
série de conquistas sociais. No que cerne à igualdade de condições, por sua
vez, a decisão destaca que a simples previsão normativa de acesso igualitário
não a contempla em sua integralidade, havendo a necessidade medidas que
concretizem esse acesso, o que vai de encontro à criação de escolas e classes
especializadas.
É válido lembrar, ainda, que os percalços enfrentados até aqui não devem
ser atribuídos às PCD, TGD e altas habilidades ou superdotação. Estas são, na
verdade, vítimas de um sistema excludente, que os segrega, inferioriza e oculta.
Ao invés de buscar aprimorar as estratégias conquistadas, a fim de concretizar
as políticas existentes e, assim começar a efetivar verdadeiramente os direitos
assegurados, o que ocorre é um retrocesso, que ostenta-se garantidor, simples e
econômico, mas que custará um alto preço no futuro.
O princípio da igualdade material apregoa que as diferenças devem ser
consideradas. Nesse sentido, uma escola equânime não é a que tenta uniformizar

4 Vide: https://ampid.org.br/site2020/wp-content/uploads/2020/10/NotaRepudio_Decreto- 10502_2020_


educacaoInclusiva.pdf.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 156


seus educandos, mas, sim, aquela que compreende os iguais como iguais e os
desiguais como desiguais, segundo suas peculiaridades, como sugere o preceito
(MANTOAN, 2006).

Perspectivas para o futuro

A inclusão escolar deve ser defendida, ainda que exija um percurso mais
complexo e oneroso (PRIETO, 2006). Nessa toada, urge a necessidade de
desenvolver estratégias que possam aperfeiçoar o panorama educacional especial,
utilizando-se mecanismos para implementar o modelo inclusivo que, há muitos
anos, só existe no plano teórico. Para tanto, propõem-se algumas medidas.
Em primeiro lugar, há que se falar que o modelo de educação inclusiva
não diz respeito apenas ao acesso à educação pública, sendo aplicável de igual
modo às instituições privadas, sem que, para isso, seja cobrado qualquer ônus
financeiro, conforme previsto pelo art. 28, §1º e o caput art. 30 da LBI (Lei
13.146/2015). A discussão acerca dessa obrigatoriedade foi, inclusive, objeto da
ADI nº 5357, a qual julgou constitucional o estabelecido pela LBI.
Outrossim, tem-se a problemática do nível de preparo dos professores.
Apesar de, em sua maioria, possuírem graduação em Pedagogia e licenciaturas,
isso não significa que estejam aptos a trabalhar com PCD, TGD e altas
habilidades ou superdotação, ante sua conjuntura específica. Dessa maneira,
seria interessante que todos os profissionais da educação recebessem capacitação
obrigatória, promovida pelo Estado, a fim de desenvolverem habilidades para
lidar com esses alunos. Além disso, é válida a promoção periódica de seminários
e cursos para todos os trabalhadores do setor da educação, com o objetivo de
atualizar e impulsionar a comunidade educadora.
Outro grande impasse tem sido a dificuldade de determinar qual o tipo de
deficiência, TGD ou alta habilidade ou superdotação o aluno se enquadra. Em
muitos casos, não há sequer um diagnóstico e, quando existe, o aluno costuma ter
apenas um laudo simplista e sem especificações. Essa dificuldade de determinar
o nível e a categoria da condição obsta o planejamento pedagógico específico em
relação ao aluno, além de dificultar a produção de dados precisos acerca dessa
realidade. Desse modo, o ideal seria haver uma estrutura médica vinculada ao
setor da educação, para, em conjunto com os profissionais educadores, traçar
um diagnóstico e estabelecer as medidas mais adequadas para cada caso.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 157


Não obstante a existência da Lei 13.935, de 11 de dezembro de 2019,
versando sobre a obrigatoriedade da prestação de serviços de psicologia e serviço
social, tal norma direciona-se apenas à rede pública de educação básica. Contudo,
cabe frisar que o dispositivo supracitado está voltado para todo o ambiente
escolar, com vistas a melhorar o projeto político-pedagógico da instituição, o
que não supre a necessidade de profissionais de psicologia exclusivos à educação
inclusiva.
Ademais, existe a figura do profissional de apoio escolar para os educandos
com deficiência, TGD e altas habilidades ou superdotação. Essa função tem
o objetivo de auxiliar o aluno da educação especial nas atividades cotidianas
necessárias (BRASIL, 2015). Contudo, a mera previsão não tem garantido sua
presença nas salas de aula nas quais há demanda. Prova disso tem sido a grande
quantidade de Ações Civis Públicas propostas, requerendo-se judicialmente a
determinação da contratação desses profissionais.
Todavia, a morosidade do Poder Judiciário, em razão da imensa quantidade
de processos, acaba atrasando o percurso escolar de tais alunos requerentes. Tem-
se que as decisões judiciais, nesses casos, versam apenas sobre o caso objeto do
litígio. Destarte, se não houver uma política relacionada ao oferecimento de
AEE, a cada novo aluno que demande um profissional de apoio escolar, surge
a necessidade de um novo processo, visto que a súplica dos responsáveis não
costuma ser suficiente.
Portanto, sugere-se alterações legais no sentido de imprimir caráter de
obrigatoriedade à existência de um profissional de apoio escolar específico para
cada PCD, TGD e altas habilidades ou superdotação, cuja permanência na
escola exija amparo integral.
No que se refere ao ambiente escolar, é interessante que as instituições
sejam compelidas, tanto a adaptar toda sua estrutura física, de modo que os
recintos sejam seguros, acessíveis, confortáveis e atrativos para esses educandos,
quanto a criar espaços adaptados, com recursos didáticos que auxiliem o processo
de ensino. Entretanto, ressalte-se que sua escolarização não deve ser restrita a
tal espaço, uma vez que deve ocorrer nas classes regulares, em conjunto com
os demais, tendo a função primordial de incrementar o desenvolvimento dos
projetos relativos a esses alunos, principalmente, através do oferecimento de
AEE.
A participação da família na vida escolar das PCD, TGD e altas habilidades
ou superdotação é crucial para que o processo inclusivo seja facilitado, por meio

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 158


do debate sobre as condições e necessidades do aluno (SOUZA et al, 2020).
Dessa forma, uma maneira de assegurar que essa articulação seja exercida é a
partir da designação de encontros periódicos entre os responsáveis do educando
e profissionais educadores, psicólogos e assistentes sociais, a fim de analisar
progressos, definir novas estratégias e acompanhar o círculo familiar como um
todo. Em geral, essas conexões costumam ocorrer, de forma rápida e sucinta, nas
reuniões de “pais e mestres”. Contudo, uma atenção especial deve ser concedida
nesses casos, com maior frequência e singularização.
Além disso, há que se falar na possibilidade da presença dos responsáveis
no ambiente escolar quando necessário. Muitas escolas tolhem a oportunidade
dos responsáveis entrarem e, ou permanecerem no ambiente escolar, ainda que
momentaneamente, para, por exemplo, acalmar o aluno que teve um episódio de
estresse, administrar alguma medicação ou, simplesmente, confortá-lo. Apesar
de ser compreensível o posicionamento sob o qual se argumenta a necessidade
de distanciamento para que o discente estabeleça sua autonomia, é importante
assimilar que existem situações excepcionais nas quais essa opção deve ser
ponderada.
Nessa esteira, ainda existe a necessidade de estímulo ao ingresso da PCD,
TGD e altas habilidades ou superdotação no ensino superior, que também é
flexível à metodologia da educação especial (PEZZINI, 2017). Assim, o incentivo
e a preparação devem ocorrer de forma direcionada durante a educação básica,
criando-se condições de possibilitar seu ingresso.
Outra mudança, refere-se a algumas expressões utilizadas nas normas
legais e infralegais que tratam da escolarização desses indivíduos. Em especial,
a terminologia que mais levanta discussões é a ideia de que preferencialmente a
educação especial e seus desdobramentos ocorrerão na rede regular de ensino5.
O uso desse termo pode dar margem à interpretação de que nem sempre o
aluno da educação especial será inserido no sistema regular e esse é um nítido
equívoco.
A colocação desses alunos nas classes comuns, com a devida assistência,
significa a viabilização da diferença. E a convivência em um meio diverso, além
de impulsionar o combate às desigualdades em vários níveis (ORÇO et al, 2018),
é uma abertura à aprendizagem, não só desses indivíduos, que têm a chance de
desenvolver suas habilidades sociais, mas também dos demais, que adquirem a
oportunidade de compreender que diferente não é sinônimo de inferior.
5 Art. 208, III, CF; art. 1º, VII, Decreto nº 7.611/2011; Meta 4, PNE/2014; art. 2º, I, Decreto nº 10.502/2020.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 159


Diante desse panorama, é necessário compreender que todos devem ter
a chance de ser diferentes quando a paridade for despersonalizante, e a chance
de ser igual quando a diversidade for prejudicial (MANTOAN, 2004), em
consonância com a ideia da igualdade material. Para tanto, deve-se garantir ao
indivíduo com deficiência mental, intelectual ou TGD a efetivação do direito à
educação inclusiva, que reconheça e acolha suas diferenças, sem, no entanto, ser
por isso limitado.

Considerações Finais

O setor da educação no Brasil passou por muitas mudanças em relação


ao tratamento concedido às PCD, TGD e altas habilidades ou superdotação.
O caráter humanitário impresso à perspectiva educacional teve o importante
papel de, à medida em que oportuniza a esses indivíduos um desenvolvimento
significativo, mudar a concepção social, de modo que não seriam mais apenas
exceções, mas componentes do todo.
Não obstante os avanços obtidos até o momento, não se deve perder de
vista que ainda há muito a ser feito. A implementação do princípio da igualdade
material requer que a sociedade seja capaz de resguardar aqueles que estiverem
em situação de vulnerabilidade, tendo em vista a necessidade de cada um. A
despeito da aparente utopia presente nas políticas inclusivas, sua concretização
deve ser perseguida, para que esses sujeitos tenham seus direitos efetivados e suas
diferenças amparadas, porque, não, nem todos são iguais. E tudo bem.

Referências

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DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 163


CAPÍTULO 12

CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DA


MULHER INDÍGENA BRASILEIRA

Luiz Carlos Rodrigues da Silva

Introdução

As mulheres brasileiras tiveram suas histórias historicamente excluídas da


literatura nacional e, pensando numa perspectiva interseccional, as indígenas
foram as mais inferiorizadas, sobretudo na historiografia, onde elas tiveram
seu protagonismo ignorado. No próprio contexto escolar brasileiro, observa-se
um tratamento epidérmico sobre a condição da mulher indígena. Contudo,
a efetivação das demandas femininas na realidade cotidiana da escola, como
preconizada pelas legislações e movimentos sociais, tem colocado educadores/
as, ativistas e acadêmicos/as diante de um debate mais profundo, que envolve
a possibilidade de construção de novos caminhos epistemológicos, a validação e
o reconhecimento de saberes não-sacralizados. (OLIVEIRA; CAUDAU, 2010).
O protagonismo feminino, juntamente com o ser mulher indígena e
os processos de militância vivenciados por elas têm se apresentado temáticas
relevantes e passíveis de discussões, estudos e pesquisas, não apenas no Maranhão,
mas em todo o território nacional onde habitam comunidades de diferentes
etnias. Neste caminho, Knauss (2004), a propósito do Ensino de História, tem
uma concepção de que, diferentemente de cristalizar lugares sociais e saberes
acríticos, o papel do conhecimento histórico é lançar questionamentos sobre a
experiência humana, estimulando reflexões e posicionamentos.
Essas mulheres são parte da sociedade nacional e sua cultura faz parte da
nossa raiz histórica devendo assim ser valorizada, respeitada e inclusa nos debates
e pesquisas da academia, que na maioria das vezes direciona seu olhar para as

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-12 164
narrativas masculinas onde em muitos momentos as desigualdades sociais são
reproduzidas e “os efeitos do racismo e do sexismo são tão brutais que acabam
por impulsionar reações capazes de recobrir todas as perdas já postas na relação
de dominação vigorante em um sistema patriarcal”(CARNEIRO, 2003, p. 8).
Mesmo quando se pensa em estudos que retratem histórias de mulheres no
Brasil, logo percebe-se que independente de cor, raça e/ou etnia, elas tiveram
suas histórias contadas tardiamente em relação às histórias dos homens, onde,
mesmo com o avanço significativo das pesquisas, a própria História colaborou
para o retardamento das discussões. Os estudos realizados por Soihet e Pedro
(2007, p. 284), por exemplo, ao discutir os caminhos percorridos pelos estudos
sobre a história das mulheres, assim como das relações de gênero a partir dos
anos de 1980 no Brasil diz que:

[...]. Nas ciências humanas, a disciplina História é certamente a que mais


tardiamente apropriou-se dessa categoria, assim como da própria inclusão de
‘mulher ‘ou de ‘mulheres’ como categoria analítica na pesquisa histórica. A
trajetória, costumeiramente ‘cautelosa’, dessa disciplina , e o domínio do campo
por determinadas perspectivas de abordagem, retardaram significativamente
o avanço das discussões. Grande parte desse retardo se deveu ao caráter
universal atribuído ao sujeito da história, representado pela categoria ‘homem’.
Acreditava-se que, ao falar dos homens, as mulheres estariam sendo, igualmente,
contempladas, o que não correspondia à realidade[...].

Dessa forma, se pesquisas que abordam a história das mulheres enquanto


categoria de estudo, foram historicamente retardadas, especialmente pelo
campo da História dentro das ciências humanas, que considerava a categoria
homem e branc, enquanto sujeito da história, os estudos com uma abordagem
interseccional caminham a passos lentos e ainda encontram resistência na
atualidade. Faz-se necessário, portanto, pensar a diferença dentro da diferença
numa perspectiva interdisciplinar. Por onde (re)começar o Ensino da História
das mulheres, refletindo sobre as implicações do racismo e do sexismo na própria
realidade das mulheres? Penso que por meio da perspectiva interseccional
algumas possibilidades podem surgir.
Kimberlé Crenshaw propôs o conceito de interseccionalidade em fins
da década de 1980, mas a partir da produção de um documento que integra
o Dossiê da III Conferência Mundial contra o racismo, Durban, 2001, o
termo se popularizou no meio acadêmico. Pelo seu próprio histórico que
conduz às discussões do feminismo negro sob outras formas, muito antes da

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 165


conceituação de Crenshaw, cabe enfatizar que as análises pensadas sob a ótica
da interseccionalidade devem comprometer-se com o desvendamento das
relações de poder e desigualdade que atingem as mulheres negras e também
demais sujeitos em condições de múltipla subordinação ou discriminação.
(AKOTIRENE, 2018).
O debate hoje conduzido pelos movimentos de mulheres e pelos estudos
feministas não é mais novidade como nos anos setenta do século XX, mas uma
realidade que marcou sua presença duas décadas depois, de forma definitiva, na
política, na economia, na academia e nos meios de comunicação. Sabe-se que
as mulheres indígenas vêm gradativamente atuando nas mais diversas esferas
sociais ao passo que constroem e reconstroem suas identidades. Contudo,
é sabido também que historicamente elas foram invisibilizadas e oprimidas
pela sociedade que, com raízes fincadas no patriarcado e no eurocentrismo
estabeleceu uma relação de poder entre colonizador, representado pelo homem
branco, e colonizado, parte submissa da relação representada pelos indivíduos
não brancos: negros, indígenas, mestiços, dentre outros que nunca se viram
representados em processos de lutas liderados por não indígenas.
Dessa forma, elas, as indígenas, não se sentiam representadas nos processos
de lutas que se deram em defesa dos direitos das mulheres. Isso inclui mulheres
negras e indígenas que ao serem tratadas com indiferença são vítimas de
violência e de opressão social (LUGONES, 2008). De igual forma, e apesar de
protagonizar ao lado dos homens em busca da defesa dos direitos de seu povo,
o movimento indígena nacional não atendeu às expectativas das indígenas
integralmente.
A organização do movimento indígena no Brasil se deu a partir da década
de 1970 e tinha como característica principal a união interétnica dos povos
brasileiros e objetivava obter o direito a terem suas alteridades reconhecidas
nacionalmente. Foi institucionalizado, então, por volta do ano de 1980, e
culminou na criação de organizações étnicas articuladas com as esferas locais
e regionais no país. Estas, por sua vez, continuaram a surgir nos anos seguintes
e com perfis distintos dentre eles podemos citar: organizações de caráter
econômico ou político; organizações étnicas; pluriétnicas; e associações de
natureza socioeconômicas (MATOS, 2012).

Ao pleitear a defesa de direitos em nome da coletividade, as mulheres indígenas


colocam em relevo não apenas sua situação de exclusão, mas a de seus povos. Suas
pautas se contrapõem às demandas genéricas, demonstrando preocupações que,
até então, não recebiam maior atenção por parte do movimento indígena [...].
(SACCHI; GRAMKOW, 2012, p. 19).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 166


A participação das mulheres indígenas em cargos comunitários e sua inserção
em atividades organizativas, leva à discussão sobre seu (re)posicionamento
no interior de seus povos . Assim, insatisfeitas então tanto com o movimento
feminino da sociedade não indígena, quanto com o movimento organizado
pelos homens indígenas, buscaram então um movimento que as representasse
com legitimidade. As indígenas brasileiras foram se articulando e discutindo
assuntos e interesses que lhes eram comuns. Nesse sentido, surgiu a necessidade
de se criar uma organização que defendesse seus direitos e suas reinvindicações.

As primeiras conversas surgiram em 1992, durante a Conferência Mundial dos


Povos Indígenas sobre Território, Meio Ambiente e Desenvolvimento, quando
se descobriu que muitas mulheres que faziam parte deste trabalho, tinham a
mesma preocupação e os mesmos objetivos: participar de igual pra igual, da luta
indígena pela demarcação das terras, pelo respeito à cultura e a defasa do meio
ambiente como bem comum.( NATYSENO, 2006, p. 7).

Dessa forma, as indígenas seguem em busca de reconhecimento social e


atuando em processos de luta e resistência e reconstruindo historicamente suas
identidades. Acreditam em seu potencial de mulher, mãe, guerreira, líder e
militante das causas indígenas. De acordo com Natyseno (2006), o grande
desafio para as mulheres indígenas, no atual contexto socioeconômico brasileiro,
é conseguir um crescimento econômico ancorado em identidades culturais
fortalecidas e, por conhecerem sobre o significado da vida, elas acreditam em
seu poder de atuação e militam também no contexto da política indigenista
brasileira.

Em decorrência deste processo, as mulheres têm cada vez mais ocupado cargos
políticos em diversas instancias, participado de projetos de etnodesenvolvimento
que apoiam suas atividades e acompanhado a elaboração e implementação
da transversalidade de gênero e de etnia nos diferentes programas e ações do
governo. Tudo isto por meio do estabelecimento de parcerias e do diálogo (
nem sempre fácil) com diferentes agências e agentes governamentais e não
governamentais e com a cooperação internacional para o desenvolvimento.(
SACCHI; GRAMKOW, 2012, p. 16).

O fato de ocuparem posições anteriormente tidas como prerrogativas


masculinas, como a intermediação com o universo não indígena, conduz ao
debate acerca das concepções do masculino e do feminino e dos âmbitos públicos
e privados, ao mesmo tempo que questiona os modelos culturais de seus povos,
entre eles, o de gênero. Dessa forma, vivendo então um processo de construção e

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 167


reconstrução identitária, elas têm protagonizado e participado de discussões antes
tidas antes como assuntos do universo masculino. Seja dentro das comunidades
ou fora delas, os diálogos são estabelecidos em prol de melhorias pelo seu povo
reivindicando direitos e garantias constitucionalmente estabelecidos. E, na
busca por seu reconhecimento social e pela efetivação dessas garantias expressas
em Leis, como por exemplo, as contidas na Constituição Federal de 1988, as
indígenas lutam e militam pela demarcação de seus territórios, pela preservação
de suas culturas, pela preservação da natureza e por uma educação diferenciada,
bilíngue e intercultural dentro de suas comunidades.
Elas estão inseridas nos vários segmentos que compõem suas comunidades
desempenhando papéis de grande relevância. Além de serem corresponsáveis
pela transmissão dos conhecimentos perpetuando, também, suas culturas
tradicionais e protagonizando no processo de escolarização de seu povo,
produzindo e construindo saberes. Da mesma forma, elas protagonizam em
espaços públicos junto à sociedade envolvente e participam de debates em
movimentos nacionais e internacionais e aos poucos dão visibilidade aos seus
potenciais de atuação social e trazem à pauta dos discursos os interesses e
necessidades de seus representados.
Ao militarem pela educação escolar dentro das comunidades, pela
demarcação de seus territórios e pela preservação cultural de suas tradições
baseiam-se em Leis, assim como também, nas reinvindicações das comunidades.
Preservar as tradições culturais, significa para elas manter viva suas ancestralidades.
A cultura está relacionada às suas práticas sociais comunitárias. “Além disso, a
cultura se relaciona a sentimentos, a emoções, a um senso de pertencimento,
bem como a conceitos e a ideias.” (HALL, 2016, p.20).
Na luta por direito à educação, as indígenas conquistaram também o
direito de ir para as universidades brasileiras. Segundo a Lei que regulamenta e
normatiza a educação no Brasil, o atendimento a esses povos será efetivado nas
universidades públicas e privado, por meio da oferta de ensino e de assistência
estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas
especiais.( BRASIL, 1996). Dessa forma, elas tornam-se também pesquisadoras
e produtoras de novas epistemologias essenciais no estabelecimento de
interlocuções junto á sociedade envolvente. Da mesma forma, elas buscam
também assumir ao lado dos homens gradativamente a educação escolar dentro
das comunidades.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 168


Construção identitária da mulher indígena brasileira

A construção da identidade das mulheres indígenas brasileiras assim como


também dos homens indígenas é algo de natureza dinâmica e socialmente
construído e reconstruído, onde, fatores de ordem sociais, psicológica, biológicos,
culturais e territoriais são determinantes do processo. Dessa forma, para analisar
a “[...] construção da identidade na comunidade indígena, é necessária a
problematização das relações sociais que não são neutras”. (MILHOMEM,
2012, p.67).
Pensar construção identitária do sujeito, implica pensar também em um
processo de construção social, algo que não é inato do ser humano, muito
menos estático, ou seja, não nascemos com uma identidade predeterminada
ela é de natureza dinâmica, portanto passa por um processo de construção e
reconstrução ao longo da vida. Contudo, “existem diferentes formas de pensar
sobre qualquer conceito”. (MILHOMEM, 2012, p.68). Nesse sentido Hall
(2000), diz que:

[...]. Na linguagem do senso comum, a identificação é construída a partir do


reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que são
partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal
[...]. Em contraste com o naturalismo dessa definição a abordagem discursiva vê
a identificação como uma construção, como um processo nunca completado –
como algo sempre ‘em processo’. [...]

Dessa forma, o conceito de identidade implica também pensar nas


influências, nos signos e no processo relacional entre o meio social e o indivíduo
impactando em suas atitudes e comportamentos perante o grupo ao qual
pertence.

Identidade e diferença não são condições inerentes aos gêneros ou às culturas,


não sendo possível reduzi-las a algo fixo, estável, único, definitivo, homogêneo.
Elas só podem ser percebidas como construção, efeito, processo de produção e
ato performativo33. (MILHOMEM, 2012, p.80).

Em Quem Precisa de Identidade? Hall (2000, p. 108 ) diz que:

O conceito de identidade aqui desenvolvido, não é, portanto, um conceito


essencialista, mas um conceito estratégico e posicional. Isto é, de forma
diretamente contrária àquilo que parece ser sua carreira semântica oficial, esta
concepção de identidade não assinala aquele núcleo do eu que passa, do início

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 169


ao fim, sem qualquer mudança por todas as vicitudes da história. Esta concepção
não tem como referência aquele segmento do eu permanece, sempre e ‘ já o
mesmo’ idêntico a si mesmo ao longo do tempo.

Dessa forma, identidade tem a ver com tudo aquilo que o indivíduo
conhece sobre seu eu assim como também a forma como ele se reconhece, se
relaciona com o externo, e atribui significância ao que é construído socialmente.
[...] “é através das relações/interações sociais que os indivíduos constroem suas
identidades”. (MILHOMEM, 2012, p.29).
Partindo do pressuposto de que a identidade feminina é socialmente
construída pode se afirmar que “tanto a mulher quanto o homem vão se
formando a partir de condicionantes biológicos, psicológicos e, sobretudo,
socioculturais. […]” (MILHOMEM, 2012, p.151). Souza & Cemim (2012)
observaram nas interlocuções das mulheres indígenas de Porto Velho- RO, que,
elas “desenvolvem distintas estratégias frente à sua identidade: podem ocultar a
identidade indígena ou, ao contrário, afirmá-la, enfatizando que a participação
em processos políticos e educativos em meio urbano foi o que lhes permitiu
assumir positivamente a condição indígena” (p.180).
Entendendo a identidade do sujeito como uma construção social,
Milhomem (2012, p. 175) afirma que,

Ao se remeterem ao passado histórico e ao tempo presente, as mulheres procuram


construir suas identidades e posicionamentos enquanto tais. Transitam entre
os papeis tradicionais de gênero e as novas inserções do feminismo ( maior
escolarização, urbanização e liderança social); entre os valores arraigados na
cultura de origem e os novos valores ditados pelos contextos sociais em que
passam a se inserir.

A construção da identidade das mulheres indígenas, tal qual o dos homens


indígenas, acontece por meio de processos que envolve a sócio espacialização,
sócio interação interculturação. Assim, como narra Hall, “as identidades são
construídas por meio da diferença e não fora delas”. ( 2000, p. 110). Dessa
forma, é necessário construir parâmetros para um enfoque interseccional e
decolonial, no Ensino de História, que repense currículos, práticas pedagógicas
e conceitos visando “questionar que histórias e que mulheres estão presentes
na construção do saber histórico escolar, e especialmente que aportes podemos
mobilizar para pensar currículos que rompam com uma história única das
mulheres”. (COSTARD, 2017, p. 159).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 170


Com a interação intercultural, as identidades das mulheres também se
reconstroem, o que pode influenciar no enfraquecimento do status de submissão
ao qual são submetidas e em suas posturas na busca por seus direitos e liberdade
de atuação dos quais são privadas. “[…]. Essa construção da identidade cultural é
vista como uma construção do ser na comunidade, que inclui vivências passadas,
mas cria a partir das hibridizações, projeções futuras. “(MILHOMEM, 2012,
p.175).
Segundo Saquet (2013, p. 148), a identidade possui um caráter político que
possibilita uma transformação social. Nessa mesma direção, Dutra e Mayorga
(2019, p. 120) asseguram que:

No caso das mulheres indígenas, afirmar que esta identidade politica é composta
por indígenas que também estão marcadas por forças de dominação de gênero?
[...] Estas interseções de categorias de opressão em relação às mulheres indígenas
(racial, étnica, gênero, mulher) se produzem de formas especificas e ainda se dá
pouca atenção para o tema no âmbito acadêmico.

Tal realidade se constata quando se percebe em discussões acadêmicas


poucos debates envolvendo epistemologias indígenas especialmente das ciências
produzidas pelas mulheres indígenas brasileiras. Instala-se uma hierarquização
de saberes que coloca o saber construído por essas mulheres como sendo de
pouca ou nenhuma importância para a universidade e termina por contribuir
para com o sistema de opressão vivenciado por elas reforçando assim a suas
invisibilidades em debates acadêmicos. “Se não se nomeia uma realidade sequer
serão pensadas melhorias para uma realidade que segue invisível” (RIBEIRO,
2017, p.25).

Protagonismo e militância indígena feminina

Discutir protagonismo e militância indígena feminina é também


direcionar um olhar para a educação escolar em territórios indígenas, pois esta
é também uma das causas da militância dessas mulheres no Brasil. Da mesma
forma, contribui com reflexões acerca da representatividade e do protagonismo
dessas guerreiras no processo de construção identitárias dos seus descendentes.
Sabe-se que, garantir uma educação escolar indígena de excelência, criando
possibilidades para que os indígenas tenham autonomia e sejam protagonistas

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 171


do processo, constitui-se ainda em um grande desafio para as comunidades e
para o sistema educacional brasileiro. Contudo, as indígenas vêm compondo
linhas de frente na busca pela efetivação desses direitos.
Nesse sentido, as mulheres indígenas tem ocupado também linha de frente
em defesa dos territórios indígenas, onde na busca pelo fortalecimento de suas
redes de discussões e de enfrentamento contra o extrativismo financeiro, elas
têm participado de eventos que defendam as culturas e modos de vida das
mulheres da América Latina, construindo alianças para enfrentar a ofensiva
capitalista que se coloca contra os modos de vida dos povos indígenas e contra
os acordos de devastação de territórios e direitos, em um projeto ecofeminista
sem fronteiras.
A marcha das mulheres indígenas brasileiras, realizada em Brasília-DF, no
ano de 2019, representa um marco na luta pela democracia, uma força social
que evidencia que essa mobilização tem efeitos. O evento teve como objetivo
principal dar visibilidade à atuação das indígenas frente a ações realizadas no
país ao passo que, têm seu protagonismo reconhecido socialmente. Enquanto
mulheres, lideranças e guerreiras, geradoras e protetoras da vida, iremos nos
posicionar e lutar contra as questões e as violações que afrontam nossos corpos,
nossos espíritos, nossos territórios. [...]”. (DOCUMENTO FINAL, MARCHA
DAS MULHERES INDÍGENAS, 2019, p.1).

Tecendo algumas considerações

A (re)construção identitária da mulher indígena brasileira não é algo


estático, ela é historicamente influenciada em vários aspectos. A luta e resistência
na defesa de seus territórios e para manter viva suas crenças, suas práticas
religiosas, e seus ritos ligados à sua ancestralidade cultural, assim como também
o contato com a sociedade não indígena e a implementação de escolas dentro
das comunidades são fatores determinantes. Da invasão europeia no país à
globalização, tiveram e continuam a ter suas culturas influenciadas por outras
formas de viver e compreender o mundo e a natureza, graças a um hibridismo
cultural em eminência.
Nesse sentido Kraô (2017, p. 14), diz que

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[...]. Estou com muito esforço procurando entender a maneira de pensar e viver
dos cupen. A maioria das mulheres mehi não fala a língua portuguesa, mas
entende. Buscamos e lutamos por ter meios para aprender algo diferente, a
vida dos cupen, mas apesar da forte presença dos cupen nunca devemos perder
ou esquecer quem somos, somos mehi. Estamos lutando para aprender algo
diferente, mas, apesar da mistura com os cupen nunca perdemos nossas maneiras
de ser e viver e assim não esquecemos dos conhecimentos de ser mehi. Ainda
temos marcado nos nossos corpos, nossas festas, cantorias, corridas, caça, pesca,
as pinturas do corpo, as tranças das cestarias.

Dessa forma, elas continuam buscando equilíbrio e se reinventando diante


do desafio de manterem suas tradições preservadas ao passo que convivem com
mudanças sócio- culturais e lutam em defesa de suas comunidades, demarcação
e preservação de seus territórios, e consequentemente de suas territorialidades.
Segundo Souza & Cemim (2012, p. 180), a relação mantida pelas mulheres
indígenas urbanas com as suas respectivas aldeias favorece o hibridismo cultural,
influencia a reconstrução identitária dessas mulheres considerando que, “[...]
as mulheres indígenas urbanas ou citadinas integram elementos culturais da
sociedade dominante e da indígena. [...]”
A luta pela defesa de seus territórios, significa também para as mulheres
paz no campo, soberania, segurança alimentar e nutricional. As mulheres atuam
também na linha de frente, são a maioria do contingente da saúde, nas famílias,
na educação, na habitação, na assistência social, nas aldeias cuidando dos mais
velhos e dos mais novos representando assim o futuro do passado e o presente
do futuro. Neste processo de construção e reconstrução identitária, elas lutam
pela preservação da natureza e preocupam-se com a biodiversidade enfim com a
vida. Estudos tem revelado que, 5% de povos indígenas na população do mundo
protege 82% da biodiversidade. As indígenas lutam pela democratização da terra
que foi brutalmente apropriada pelo europeu no século XV, e consequentemente
pela descentralização de seu uso em prol da vida no planeta, afetada também
por questões climáticas.
No atual contexto educacional indígena brasileiro, por exemplo, as
mulheres protagonizam nos espaços escolares enquanto professoras dentro de
suas comunidades, participando do processo que gere a escola, o que de certa
forma contribui para o próprio processo de construção identitária delas assim
como também influencia a construção identitária das alunas. Hoje, percebe-
se que, a escola em terras indígenas contribui para que os povos indígenas
encontrem um lugar digno no mundo contemporâneo, vivendo em harmonia

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com a natureza, mantendo suas línguas e tradições e repassando-as às novas
gerações, ao passo que, estabelecem interlocuções com a sociedade envolvente
em defesa dos direitos indígenas.

Como ocorre em outros estudos, não nos propomos aqui apresentar


proposições conclusivas a respeito da (re)construção identitária da mulher
indígena brasileira, mas sim contribuir com a construção de novas epistemologias
dentro da literatura nacional. Dessa forma, apresentamos neste artigo discussões
que também poderão nortear futuras pesquisas que tenham como foco de estudo
a temática ora abordada.

Referências

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CAPÍTULO 13

MÍDIAS DIGITAIS E CRÍTICAS SOCIAIS E POLÍTICAS:


UMA ANÁLISE A PARTIR DO GÊNERO CHARGE

Francilane Lima de Sousa


Eva de Moraes Lima Moura
Antonio Michel de Jesus Oliveira Miranda

Considerações iniciais

Atualmente as mídias digitais e as redes sociais têm sido uma importante


fonte de produção textual, de informação e de gêneros textuais/discursivos.
É cair no lugar comum dizer que o homem pós-moderno vive conectado às
plataformas mais do que nunca.
É também através das redes que o homem está se relacionando de forma
diferente com os textos visuais e escritos como as charges por exemplo. Gênero
que permite a conexão não só com a linguagem verbal, mas com o não verbal
também.
Este importante gênero permite alusão a fatos e eventos políticos,
econômicos e sociais com tom de ironia e crítica que levam o leitor/interlocutor
à reflexão. Por conta disso, objetivamos neste trabalho analisar o gênero
charge nas mídias digitais como elemento de críticas sociais e políticas, e
mais especificamente, trabalhar com o conceito de mídia e tecnologia na vida
contemporânea e reconhecer a charge como elemento de crítica social e política
na sociedade atual.
A charge se enquadra como elemento multimodal carregada de efeitos de
sentido também depende do interlocutor para ganhar vida, uma vez que são
necessários conhecimentos prévios para que se associe o humor e a ironia ao tom
de crítica. As redes sociais fizeram com que as charges saíssem do impresso para

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-13 176
o digital facilitando o acesso a um gênero que antes apenas os leitores de jornais
impressos tinham acesso.
Tendo em vista a investigar as charges como elemento de crítica social e
política no meio midiático, selecionamos cinco charges e a partir desses recortes
buscamos compreender a construção dos discursos de crítica, humor e ironia
associados a recortes de apoio (trechos de notícias) para fazer associação aos
elementos verbais e não verbais do texto. Esses corpus são compostos de charges
coletadas na rede social Instagram nos meses de janeiro/fevereiro de 2021 na rede
social Instagram. Para isso, usaremos uma pesquisa documental, de abordagem
qualitativa, com fontes primárias e secundárias e objetivo descritivo, à luz de
autores como Bakhtin (2003), Santaella (2002), Marcuschi (2008) e outros que
contribuíram para esta pesquisa.

Mídias digitais: da charge à crítica

Com o advento da internet muito do que antes se passava despercebido


hoje ganhou o mundo em questões de segundos através das mídias digitais e
seus recursos. São memes, charges, cartuns e outros gêneros que se apropriam
da criticidade em torno da realidade para dividir espaços de opinião com os
leitores.

A mídia na moda: redes sociais, ideologia e tecnologia

As sociedades modernas estão em constante sintonia com as plataformas


digitais e as redes sociais que diariamente alimentam a população dos mais
diversos conteúdos: superficiais ou de grande demanda social que estão em
evidência na sociedade Pós-Moderna.
Essas mídias estabelecem uma relação de influência com o seu leitor nos
seus contextos sociais, comportamentais e afetivos. São também espaços de
debates entre os usuários e promovem interação. Espaço bastante democrático,
as plataformas digitais, abrigam as mais diversas discussões em torno do humor,
da sátira, da crítica e de outros mecanismos sociais. Como diz Charaudeau
(2013, p.15) “Informação, comunicação, mídias, eis as palavras de ordem do
discurso da modernidade.”.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 177


Dialogicamente, observamos que nos últimos anos as redes sociais, por
exemplo, têm sido espaços para disputas políticas e ideológicas, o que fez gerar
um novo ambiente de domínio discursivo e uma nova fonte de ver e perceber
os acontecimentos ao redor do mundo através da língua. A atividade humana
nas redes é multiforme e inclui grande modalidade de interação e diálogo,
principalmente multimodal. Para Bakhtin (2003)

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da


linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso
sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro,
não contradiz a unidade nacional de uma língua. (BAKHTIN, 2003, p. 261)

As redes ou as mídias tornam-se espaços onde o homem transita por


meio da linguagem. Na qual ele, o homem, ocupa um lugar de fala sobre suas
demandas sociais. À medida que a mídia influencia é influenciada pelo homem
e suas ações na sociedade.
Por trás de cada rede ou mídia social (digital) há um ser humano em busca
se comunicar e hoje se veem entrelaçados em links que dão acessos aos mais
diversos pensamentos, sentimentos e reações diante da tela do computador,
smartphone, notebook ou qualquer outra tecnologia que dê acesso ao uso das
redes.
Em tempos de pandemia, nunca o homem passou tanto tempo diante
da tela e resolveu sua vida profissional e privada pelas plataformas digitais ou
usando a tecnologia como hoje. Podemos afirmar que houve uma revolução
do digital e das plataformas, de tal maneira, como também nunca houve tanta
produção de conteúdos nas redes como atualmente. Há liberdade de espaço
para as mais diversas produções, informações e entretenimento.
Os links levam os usuários das redes aos mais diversos conteúdos e
plataformas. Há, portanto, uma explosão de informações e ideologias para os
mais diversos usuários. Porém, essa é apenas uma das mais diversas formas de
comunicação e interação através da linguagem que o ser humano desenvolveu.
Nas palavras de Dimantas (2010)

As redes sociais pressupõem uma visão da comunidade invisível para quem


está fora. É muito sutil esse relacionamento. Exige confiança, compromisso e
reputação. As redes sociais são massas e maltas. São aglomerados de links que se
linkam por interesses comuns. Comunidade é isso. Convivemos em rede com
diversas massas e diversas maltas, pois os interesses das pessoas são múltiplos.

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Misturamos, sem o menor pudor, nossos desejos com as coisas, o sentido com o
social, o coletivo com as narrativas. (DIMANTAS, 2010. p. 36).

As transformações nas mais diversas formas de relações não só do homem


com ele mesmo, mas dele com o trabalho com a forma como ele se apropria da
informação faz com as redes sociais sejam a grande revolução do momento. São
até mesmo utilizadas como instrumento de crítica da realidade social e política.
A partir dela surgem diversos gêneros que permeiam o imaginário social e
levantam a reflexão sobre algumas temáticas.
Os mecanismos multimodais das redes e plataformas criam relações de
dependência através da experiência visual e linguageira com seu usuário. No
espaço onde ele sente-se livre para expressar seus pensamentos, emoções e
sentimentos. As redes nunca estiveram tão conectadas com a vida como nos
tempos atuais, é em tempo real que tudo acontece e permanece para posteridade.
A cultura midiática como espaço de crítica social também tem se ampliado.
São cada vez mais numerosos os perfis de protestos e manifestações ideológicas
em redes sociais. Ambiente digital onde a comunicação se dá na maioria das
vezes por meio do anonimato ou não e revelam as disparidades nas diversas
instâncias de produção.

Quero mostrar que é por ser tão fundamental para nossa vida cotidiana que
devemos estudar a mídia. Estudá-la como dimensão social e cultural, mas
também política e econômica, do mundo moderno. Estudar sua onipresença,
sua complexidade. Estudá-la como algo que contribui para nossa variável
capacidade de compreender o mundo de produzir e partilhar seus significados.
(SILVERSTONE, 2002, p.13)

Dessa forma, Silverstone (2002) aponta para a importância que a mídia tem
para diversos fatores da vida humana e em diversos campos de atuação. Posto
que, ele exprime que compreendê-la contribui para compreender o mundo. Ao
passo que ela permite a conexão e o trabalho em larga escala entre as pessoas,
estreitando laços de comunicação e expressão humana.

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A charge na rede: linguagem e interação

A língua é regida pela interação verbal entre indivíduos, interação na


qual o locutor age sobre a linguagem. Através da língua também se produz
fenômenos ideológicos e linguísticos para expressar as mais diversas emoções
humanas. Gerando possibilidades de compreensão e aceitação (total ou parcial)
dos enunciados por seus actantes.
O homem ao enunciar assume um lugar discursivo. A forma como as
palavras e expressões se constitui no enunciado são dotadas de sentidos e valores
como no gênero charge. Nesse segmento as charges são gêneros que expressam
elementos de crítica ou humor, em veículos de comunicação impressos ou
midiáticos, com grande alcance aos leitores. De acordo com Santaella (2007)

Linguagens antes consideradas do tempo – verbo, som, vídeo – especializam-se


nas cartografias líquidas e invisíveis do ciberespaço, assim como as linguagens
tidas como espaciais – imagens, diagramas, fotos – fluidificam-se nas enxurradas
e circunvoluções dos fluxos. Já não há lugar, nenhum ponto de gravidade de
antemão garantido para qualquer linguagem, pois todas entram na dança das
instabilidades. Texto, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam-
se uns para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-
se, unem-se, separam-se, entrecruzam-se. Tornaram-se leves, perambulantes
(SANTAELLA, 2007, p. 24).

É senso comum dizer que as redes possibilitam um alcance maior, mais


rápido e mais permanente de notícias, fatos, memes, vídeos e charges etc. A
materialização das charges nas redes possibilita que ela seja (re)lida de diferentes
formas e indefinidamente dentro do suporte visual que as mídias permitem.
As charges são um estilo de ilustração que por meio de caricaturas satirizam
acontecimentos recentes.
Elas cumprem importante função social na medida em que suas sátiras são
carregadas de críticas-sociais com dosagem de humor, podendo ser verbal ou
não verbal. Por relatarem acontecimentos atuais torna-se necessário que o leitor/
interlocutor tenha conhecimento dos fatos que a geraram.
O entrelace entre texto e imagem denota aspectos intertextuais e multimodais.
As charges trazem elementos visuais e verbais que se complementam entre si e
repassam a informação para o leitor/interlocutor onde ele pode compreender
através do elemento humorístico e de seus conhecimentos prévios sobre o que se
trata a temática da charge em questão.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 180


As charges no meio midiático permitem que as pessoas interajam através
dos comentários emitindo opinião de concordância ou discordância do
discurso enunciado através delas. A competência textual-discursiva da charge
é desenvolvida através da compreensão do interlocutor/ leitor dos elementos
multifuncionais do texto. Para Marcuschi (2008)

Um texto é uma proposta de sentido e ele só se completa com a participação


do seu leitor/ouvinte na produção de um texto, não então apenas fenômenos
estritamente linguísticos. Veja se, por exemplo, um texto como a charge [...] Em
que temos apenas um ato de fala (verbalmente produzido) e uma sequência de
imagens em que elementos linguísticos e não linguísticos interagem para produzir
os efeitos desejados. Na realidade, o que aqui temos é um texto de humor que
joga com aspectos referenciais e com conhecimentos prévios (MARCUSCHI,
2008, p. 94).

A maior parte das charges está construída em cima de figuras públicas. A


reflexão do leitor acerca das atitudes dessas figuras públicas é muito importante
como opinião de percepção dos elementos que compõem a charge: aspectos
linguísticos, sociais e cognitivos. Esse tripé imbrica uma relação estreita para
compreensão do que está dentro e fora do texto/charge.
Dessa forma, quando produzimos um texto queremos oferecer condições de
sentidos para que o leitor se aproprie das condições necessárias para compreendê-
lo, no caso das charges é necessária a contextualização com os fatos e eventos que
estimularam sua criação.

Charges nas redes

Ridicularizar, criticar e satirizar as charges cumpre uma função social à


frente de seu tempo. Sua eficácia encontra-se no poder de persuasão e sedução
que ela incorpora ao leitor/interlocutor através de seu conteúdo. Apresenta
explícita intertextualidade nas suas referências e retomadas de conteúdos.
Os textos envolvem sujeitos: quem escreve (locutor) e quem lê (interlocutor).
E a charge envolve os sujeitos pelo seu caráter crítico-opinativo sobre as mais
diversas áreas: política, econômica e social entre outras com o objetivo de
despertar a consciência crítica do leitor. Logo abaixo temos o primeiro exemplo:

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FIGURA 1
Fonte: https://www.instagram.com/p/CJrUMbqDdHo/?igshid=fzq3hkerym0r

A charge em questão diz respeito ao respeito à fala do presidente do Brasil


ao dizer que o país estava “quebrado.”

Texto de apoio 1
Um dia após dizer a apoiadores que o Brasil está
“quebrado” e que por isso não consegue “fazer nada”,
o presidente Jair Bolsonaro declarou nesta quarta-feira
(6), em tom de ironia, que o país “está uma maravilha”.

Fonte:https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/01/06/apos-falar-em-pais-quebrado-
bolsonaro-ironiza-brasil-esta-bem-esta-uma-maravilha.ghtml

Explicando mais detalhadamente:


• O personagem em questão é Jair Messias Bolsonaro, então presidente
da república.
• O evento retratado remete a sua fala de que o Brasil está quebrado e de
que nada pode fazer.
• A situação hilária está no comparativo do Brasil a uma máquina (no
caso um carro) onde o seu usuário não sabe consertá-lo (não consegue fazer
nada). A cor verde do carro pode estar fazendo alusão à bandeira do país.
• Elementos imagéticos: o carro verde, o triangulo (em formato de

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 182


pizza- suspostamente dando a entender que tudo acaba em pizza no Brasil),
a caricatura do presidente com celular na mão.
• Elemento verbal: O Brasil está quebrado. Não consigo fazer nada. Em
alusão à fala presidencial
O sentido produzido e reproduzido na charge em questão incorpora
significados sociais remetendo o leitor ao assunto abordado, onde a ironia reside
no fato de um presidente eleito democraticamente para gerir um país se colocar
a dizer que nada pode fazer diante de situações críticas que o Brasil enfrenta. A
charge possibilita despertar no leitor/interlocutor um novo imaginário acerca
dos fatos abordados. O texto se completa com imagem e busca influenciar e
persuadir o leitor.
A imagem esteve presente na vida do homem desde os tempos pré-históricos
para representar suas emoções, sentimentos e ideias. Os recursos imagéticos que
compõem a imagem foram se aprimorando ao longo do tempo. Esses textos/
imagem conduzem os leitores a uma leitura multimodal. Os A relação entre
imagético e verbal nas charges conduzem os imaginários dos leitores para além
da mera ilustração, mas para a intenção por trás dela.
Vejamos a próxima charge abaixo e o que ela nos revela em seus elementos
verbais e não verbais:

Figura 2
Fonte: https://www.instagram.com/p/CKj-QEajrGn/?igshid=1ukhxcxqm0ke7

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 183


A charge em questão retrata:
• Personagem: Jair Messias Bolsonaro, presidente da república brasileira.
• Evento retratado: A “polêmica do leite condensado”, envolvendo as
despesas alimentícias do Executivo em 2020.
• A situação hilária: está no comparativo com o filme Cantando na
Chuva, onde o personagem em questão está sendo retratado sob a chuva
de leite condensado representando a grande quantidade que foi comprada
deste produto. A retratação da marca pode caracterizar-se por ser a mais
cara do mercado. Na charge 2 percebemos o ar sorridente na caricatura do
presidente ao estar debaixo da chuva de leite condensado.
• Elementos imagéticos: o leite condensado caindo em formato de chuva
da marca “moça”, da Nestlé; O poste, a caricatura do presidente e o guarda
chuva fazendo alusão à famosa dança do filme Cantando na chuva,

Texto de apoio 2
Escândalo do leite condensado no governo Bolsonaro
chega às páginas do Le Monde
A “polêmica do leite condensado”, envolvendo as
despesas alimentícias do Executivo em 2020, ganhou as
páginas do diário francês Le Monde neste sábado (30). O
correspondente do jornal no Brasil, Bruno Meyerfeld, não
consegue evitar a fina ironia: “Para Jair Bolsonaro, a nota
é salgada ... mesmo que os produtos sejam açucarados”,
compara ele no início da matéria que conta como o
presidente do Brasil esteve imerso em um grande escândalo
por muitos dias após a revelação pela imprensa dos gastos
generosos com alimentos realizados por seu governo.... -

Fonte:https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2021/01/30/escandalo-do-leite-
condensado-no-governo-bolsonaro-chega-as-paginas-do-le-monde.htm?cmpid

A crítica humorística específica de cunho político sobre um acontecimento


que virou um evento noticiado em jornais internacionais como o Le Monde faz com
que a charge ganhe mais impulso de crítica social e política dos fatos noticiados.
A contextualização com o filme acarreta em elementos da multimodalidade na

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 184


qual a imagem estática exige do leitor habilidades de leitura e conhecimentos
prévios não só do fato em questão que está sendo satirizado como do filme com
o qual houve o link na charge.
É muito relevante o critério de originalidade e aceitabilidade dessas
charges uma vez que as interpretações dos leitores são individuais bem como
a construção dos sentidos. A realidade de cada leitor/interlocutor influencia
a leitura e a interpretação dos elementos verbais e não verbais dos textos em
questão. Vejamos o próximo exemplo:

Figura 3
Fonte: https://www.instagram.com/p/CK1N8pbJu7E/?igshid=q0kh1efwc2nl

Texto de apoio 3

Padre Júlio Lancelotti quebra a marretadas pedras


instaladas pela Prefeitura sob viadutos de SP
O padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral
do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, quebrou a
marretadas nesta terça-feira (2) os blocos de paralelepípedos
instalados pela gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) na
parte inferior de viadutos na Zona Leste da capital.

Fonte:https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/02/02/padre-julio-lancelotti-quebra-a-
marretadas-pedras-instaladas-sob-viadutos-pela-prefeitura-de-sp.ghtml

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• Personagens retratados: Padre Júlio Lancelotti e Jesus Cristo
•Evento retratado: situação em que o padre Júlio quebra à base de
marretadas as pedras colocadas pela prefeitura de São Paulo sob os
viadutos.
•Situação de crítica: a falta de apoio ao padre idoso que estava em
defesa dos moradores de rua. A retratação de Jesus ao lado do padre
pode se dar pelo apelo emocional, religioso.
•Elementos Imagéticos: a figura do padre, de Jesus, dos moradores de
rua, o cenário da cidade e as pedras.
•Suporte Verbal: “Você não está sozinho”; “Gratidão Padre Júlio”
denotam o suporte de apoio ao padre, o santíssimo Senhor e a
população de rua.
Muito mais que entreter as charges também tem a função de informar.
São textos multimodais que condizem com seu tempo histórico e
trazem informação e opinião dos cartunistas que as produzem. Para
Rojo (2002)

a partir da situação de leitura, de suas finalidades, da esfera de comunicação


em que ela se dá; do suporte do texto (livro, jornal, revista, outdoor etc.); de
sua disposição na página; de seu título, de fotos, legendas e ilustrações, o leitor
levanta hipóteses tanto sobre o conteúdo como sobre a forma do texto ou da
porção seguinte de texto que estará lendo (ROJO, 2002, p. 5).

Na charge o elemento representado simplesmente representa a situação


entre imagético e escrito considerando os dois códigos para o interdiscurso. O
contexto de produção da charge é relevante para o (re)conhecimento da leitura.
O suporte material do texto imagético, charge, assume a expressão do cartunista
que a desenhou são extensões da opinião e das mãos do artista que desenhou os
traços.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 186


Figuras 4 e 5
Fonte:https://www.instagram.com/p/CKq_4u5J1Zk/?igshid=1svojygkur6u6

• Personagem em questão: Rodrigo Maia, então presidente da


Câmara dos deputados.
• Evento relatado: a passividade de Maia diante dos inúmeros pedidos
de impeachment.
• Situação de humor e crítica: Rodrigo está passivo diante dos
processos que se acumulam, deixa de estar sentado sobre eles e passa
a escala-los, tamanho é o volume de pedidos de impeachment. A
situação do calendário contendo a informação dia “D” pode ser
linkada com a fala do ministro da saúde em o mesmo relatou que o
plano nacional de vacinação contra a covid-19 iria ser traçado no dia
D, hora H. O elemento crítico irônico nas charges 4 e 5 residem na
pressão cada vez mais incipiente sofrida por Maia para dar abertura ao
processo de impeachment do atual presidente. Como diz o texto de
apoio foi mais de 56 processos que não foram apreciados pelo então
presidente da Câmara. Percebemos na charge 5 a cara de assustado
na caricatura de Maia diante do montante de processos.
• Elemento imagético: a caricatura de Maia e a pilha de processos
acumulados, além do calendário jogado na cabeça dele com a inscrição
dia “D”.
• Suporte Verbal: Fora Miliciano, Fora Bolsonaro, Fora Genocida
(link com as inúmeras críticas sofridas pelo então atual presidente nos

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 187


tempos atuais) e Já não estava mais aguentando ficar sentado (link
com a última fala de Maia ao dizer que pode considerar os processos
em questão)

Texto de apoio 4
Porque Rodrigo Maia não pautou nenhum dos 56 pedidos
de impeachment pendentes?
Dos mais de 60 pedidos de impeachment do presidente
Jair Bolsonaro já entregues à presidência da Câmara, 56 não
foram apreciados (os demais foram arquivados por questões
burocráticas). Agora, porém aceitação de qualquer uma das
representações só acontecerá reboque da eleição para o novo
presidente da Câmara. Se juristas tem apontado fartas evidências
de que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade, porque
nenhum dos processos foi aberto pelo presidente da Câmara,
Rodrigo Maia?

Fonte: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,por-que-rodrigo-maia-nao-pautou-
nenhum-dos-56-pedidos-de-impeachment-pendentes,70003594549

As charges geralmente apresentam a fala de algum personagem (ou


narrador) dentro de um balão, elas têm um caráter temporal como já foi dito,
como também apresentam elementos culturais e sociais. A linguagem verbal
associada ao imagético contribui para a construção do sentido. Dessa forma,
esse caráter sazonal das charges pode implicar na não compreensão das mesmas
em outro deslocamento de tempo.

Considerações finais

As charges tem um modo único de representar a crítica, a sátira, a ironia e


o humor. Essas integrações de elementos ligados ao imagético e ao verbal, que
compõem a multimodalidade, interagem com o leitor/interlocutor.
Hoje, as charges caem nas redes e ganham em proporção de segundos
o reconhecimento dos que concordam ou discordam do elemento de crítica

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 188


político-social que ela carrega. A comunicação entre verbal e imagético trazem
um tom linguageiro que consideram os fatos e acontecimentos que inspiraram
a charge e denotam a criticidade do gênero.
O fato de caírem nas redes sociais facilitam a acessibilidade e reprodução
das charges. A partir daí cada leitor/interlocutor se deixa influenciar de diferentes
modos pelo tom linguageiro das charges fazendo com que o leitor se posicione
diante dela. O que vai depender do seu conhecimento prévio, linguístico e da
sociedade no qual ele (leitor) se insere.
As charges não deixam de (re)passar valores ideológicos, os quais o leitor/
interlocutor precisa estar preparado para discernir conscientemente e crítico-
reflexivamente os conteúdos apresentados. As redes e as mídias sociais/digitais
dispõem milhares de conteúdos com o quais os sujeitos têm contato diariamente
e em que eles precisam estar se posicionando diante do que veem ou leem
argumentando e contra argumentando.
Dessa maneira, o leitor também se comunica com o texto através de seus
posicionamentos e assimilação de valores ideológicos que eles passam. As charges
como textos multimodais suas finalidades em imagens e palavras fazendo com
que os mesmos assumam função de aceitar ou desacreditar do mesmo. Ação que
o fazem através das redes, uma vez que as charges também ganharam o mundo
virtual.

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2013.
DIMANTAS, Hernani. Linkania: uma teoria de redes. 1. ed. São Paulo: Editora Senac São
Paulo, 2010.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola, 2008.
ROJO, R. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. 2002. Disponível em: http://
arquivos.info.ufrn.br/arquivos/2013121153a8f1155045828c12733b68e/Letramento_e_
capacidade_de_leitura_pra_cidadania_2004.pdf. Acesso em: 05 fev. 2021.
SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.
SILVERSTONE, Roger. Porque estudar a mídia? São Paulo: Edições Loyola, 2002.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 189


CAPÍTULO 14

AS MEDIDAS DO PASSADO E OS IMPACTOS NO


PRESENTE: A REFORMA POMBALINA DE 1757 E
SEUS DESDOBRAMENTOS NA HISTÓRIA DA LÍNGUA
PORTUGUESA DO BRASIL, NA EDUCAÇÃO E NO ENSINO

Stephanie Sales Rodrigues Nonato


Gabriele Teixeira Diniz

Introdução

Conforme Bagno (2009. p. 17), “[...] a língua é parte constitutiva da


identidade individual e social de cada ser humano — em boa medida, nós
somos a língua que falamos [...]”. Nesse sentido, é fundamental entender como
se deu a construção e as influências que a língua sofreu ao longo da história do
Brasil, compreendendo que, pensar sobre a história da língua, é refletir acerca
da construção da identidade de um povo, neste caso, o povo brasileiro. Assim,
discutir a língua, os sujeitos em sua autonomia, em sua identidade e em sua
autodeterminação é colocar em questão os princípios da colonização no Brasil
uma vez que, durante muito tempo, naquele período, o imaginário da língua
oscilou entre a autonomia e o legado de Portugal.
A prática discursiva manifesta o histórico, o social e o ideológico do
ser. Entendemos, aqui, que esses aspectos se refletem na língua, uma língua
marcada pela presença da história. Se pensarmos, ainda, na construção da
identidade conforme concebem psicanálise e análise de discurso, entenderemos
que a identidade é um processo que passa pela língua, que, representando para
o sujeito a dimensão simbólica, cria a possibilidade de que haja identificação.
Ao falarmos de identidade e sujeito, falamos, portanto, de língua e de sujeitos.

https://doi.org/10.52788/9786589932000.1-14 190
Compreendendo essas concepções, objetivamos, a partir desta pesquisa,
identificar os desdobramentos da Reforma Pombalina — a Lei do Diretório
de 1757 — no uso das línguas faladas no Brasil Colônia e, também, os seus
impactos no ensino. Diante da realidade daquele momento, muitos dialetos e
línguas eram utilizados pelos povos que aqui habitavam e pelos que chegavam
para explorar a nova descoberta do povo Lusitano; práticas discursivas foram
enfraquecidas e apagadas durante à história pela imposição da Língua Portuguesa
— língua materna de Portugal, país que colonizou o Brasil — visto que Portugal
tinha como estratégia impor e civilizar os índios da cultura à língua. Em acordo
com BOSI (1992), a possibilidade de enraizar no passado a experiência atual de
um grupo se perfaz pelas mediações simbólicas: o gesto, o canto, a dança, o rito,
a oração, a fala que evoca, a fala que invoca, sendo assim, é de extremo interesse
impor a cultura do colonizador sobre o colonizado para dominá-los.
Buscando atender o objetivo proposto, faremos, no primeiro momento,
uma contextualização do panorama histórico-crítico e do diretório de 1757,
entendendo, assim, como se dá o início desse período e, ainda, o culminar
desta decisão no processo de formação histórico cultural brasileira. No segundo
momento, entenderemos a reforma em si e o seu impacto em relação à língua.
Em seguida, traçaremos a relação entre as influências das medidas tomadas por
Pombal nas políticas linguísticas e no ensino e por fim, serão abordadas algumas
considerações relacionadas ao que foi discutido. A pesquisa é de cunho descritiva
e bibliográfica, para isso, serão consultadas fontes bibliográficas, tais como a
Dialética da colonização (1992), de Alfredo Bosi; Português da Gente: A língua
que estudamos, a língua que falamos (2006), de Rodolfo Ilari e Renato Basso;
Preconceito linguístico (2009), de Marcos Bagno, entre outras.

O contexto histórico e o diretório de 1757

Por volta de 1740, a colônia portuguesa no Brasil encontrava-se em crise


econômica e educacional. Os portugueses precisavam conquistar novamente a
sua posição de privilégio na realidade europeia e em sua colônia. Diante disso,
o Rei D, José I, nomeou Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras,
mais conhecido como Marquês de Pombal. Durante um curto período, Pombal
fez parte do exército e foi membro da Academia Real de História. Iniciou-se na
vida pública somente a partir de 1738, quando foi nomeado para desempenhar
as funções de delegado de negócios em Londres.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 191


Ao assumir o cargo de ministro da Fazenda do rei D. José I, em 2 de agosto
de 1750, no lugar de Azevedo Coutinho, Pombal realizou reformas nas áreas
administrativa, econômica, cultural e educacional da sociedade portuguesa.
Elas exigiam um forte controle estatal e um eficiente controle da máquina
administrativa e, assim, foram empreendidas medidas, principalmente, contra
a nobreza e a Companhia de Jesus, que representavam uma ameaça ao poder
absoluto do rei (NETO & MACIEL, 2008); Pombal era um absolutista e
acreditava que a colônia deveria se tornar um reflexo de Portugal.
Uma das medidas estabelecidas pelo Marquês foi a reforma de 1757 para
que ocorressem mudanças nos âmbitos econômicos e educacionais de forma
rápida e efetiva, tendo em vista que a cultura e os falares indígenas estavam
conquistando espaços. Financiados pela catequização jesuítica — que tinham
como objetivo a disseminação da fé — que utilizava as línguas gerais para
catequizar e instruir os índios; as línguas gerais ganhavam força nos territórios e
estavam ocupando em documentos o espaço que seria do português de Portugal.
A reforma pombalina iniciou-se com a promulgação da Lei Diretório que
se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão, tal documento
registrado na secretaria de Estado dos Negócios do Reino no livro da Companhia
Geral do Grão Pará e Maranhão em 18 de agosto de 1758 em Belém-PA visava
regulamentar as práticas sociais e instituir parâmetros para a fiscalização e
policiamento do comportamento dos povos indígenas e não indígenas do Brasil.
Como é possível notar nos trechos do documento

12 Sendo também indubitável, que para a incivilidade, e abatimento dos Índios,


tem concorrido muito a indecência, com que se tratam em suas casas, assistindo
diversas Famílias em uma só, na qual vivem como brutos; faltando àquelas Leis
da honestidade, que se deve à diversidade dos sexos; do que necessariamente
há de resultar maior relaxação nos vícios; sendo talvez o exercício deles,
especialmente o da torpeza, os primeiros elementos com que os Pais de Família
educam a seus filhos: Cuidarão muito os Diretores em desterrar das Povoações
este prejudicialíssimo abuso, persuadindo aos Índios que fabriquem as suas
casas a imitação dos Brancos; fazendo nelas diversos repartimentos, onde
vivendo as Famílias com separação, possam guardar, como Racionais, as Leis
da honestidade, e polícia.(BRASIL,1758 grifos nossos).

Como mostrado no trecho acima, o documento judicial declara uma série


de medidas com vistas a controlar o modo de vida dos indivíduos indígenas
e não indígenas que habitavam o Brasil. Tais deliberações apresentavam um

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 192


cunho aculturador, isto é, propunha e se faziam cumprir leis que legitimam os
costumes e a cultura dos brancos — lusitanos — em detrimento dos indígenas.
O fato de os indígenas não se portarem de acordo com os europeus, no que
tange as vestimentas e as concepções de pudor ocidentais e cristãs, indica, para
o povo lusitano, que eles são bárbaros e que tais hábitos são nocivos à ordem
vigente: a eurocêntrica, cristã e ocidental. Sendo uma cultura prejudicial aos
“bons costumes” brancos europeus, as autoridades deveriam, portanto, dissuadir
os indígenas a consertarem seus hábitos de forma a branqueá-los (ALMEIDA,
1997).
Abaixo, um excerto do documento que atesta mais uma vez a tentativa
de aculturar os indígenas, nesse caso, no âmbito do cultivo da terra; os colonos
portugueses decretam que os indígenas terão de plantar espécies que antes não
plantavam e algumas que nem mesmo conheciam com o intuito de instruir o
índio a se adaptar ao meio-cultural europeu.

Além das Roças de maniba, serão obrigados os Índios a plantar feijão, milho, arroz,
e todos os mais gêneros comestíveis, que com pouco trabalho dos Agricultores
costumam produzir as fertilíssimas terras deste País; com os quais se utilizarão
os mesmos Índios; se aumentarão as Povoações; e se fará abundante o Estado;
animando-se os habitantes dele a continuar no interessantíssimo Comércio dos
Sertões, que até aqui tinham abandonado, ou porque totalmente lhes faltavam os
mantimentos precisos para o fornecimento das Canoas; ou porque os excessivos
preços, porque se vendiam, lhes diminuíam os interesses (BRASIL, 1758).

No contexto das dinâmicas colonizadas, a metrópole busca administrar


a colônia de forma que ela seja rentável para a coroa, logo, a exploração dos
recursos naturais é um elemento essencial para o sucesso de tal administração.
Desse modo, obrigar os índios a mudar sua maneira de cultivar implica não só
numa estratégia de branqueamento, mas, também, numa tática de fomento
ao comércio vinculado a agricultura visto que, nesse período, vigorava, ainda,
o ciclo do ouro na região sudeste do país, que terá sua produtividade reduzida
devido aos desgastes e esgotamentos nas minas. Na administração pombalina
foram criadas a Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba e a
Companhia Geral de Comércio de Grão Pará e Maranhão que eram empresas
portuguesas que impulsionaram o comércio por meio da venda de escravos
africanos para essas regiões com o objetivo de desenvolver a agricultura
(NETO & MACIEL, 2008).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 193


As Companhias de Comércio instituídas por Marquês de Pombal eram
monopolistas, desse modo, faziam parte de um sistema econômico que via
no protecionismo, na forte intervenção do Estado na economia, no controle
de consumo interno dos produtos e na exploração de novos territórios suas
matérias primas como melhor forma de enriquecer uma nação: o mercantilismo
(SUPRINYAK, 2009).

Um breve histórico da educação no período colonial

No campo da educação, a reforma pombalina engendrou várias mudanças


de natureza política e, também, ideológica. A partir do século XVI, a direção
do ensino público português desloca-se da Universidade de Coimbra para a
Companhia de Jesus, que se responsabiliza pelo controle do ensino público em
Portugal e, em seguida, no Brasil. A priori, a educação na colônia era oferecida
pela Companhia de Jesus: os padres jesuítas.
Tal ordem religiosa católica foi criada em meio a um momento de
fragmentação da Igreja Católica na Europa devido aos movimentos de reforma
e contra reforma. A perda vertiginosa de fiéis motivou a instituição religiosa a
promulgar medidas para a resolução, ou ao menos, atenuação dessa problemática.
Aliada a necessidade da coroa portuguesa em catequizar e aculturar os indígenas
do Brasil resultou na grande autonomia e influência que os Jesuítas tinham
na colônia até serem expulsos por Marquês de Pombal (NETO & MACIEL,
2008).
Previamente, a missão jesuítica baseava-se na catequização e aculturamento
dos indígenas. Considerando que essa missão era grandiosa, implicava, portanto,
em legitimar uma cultura e uma cosmovisão cristã e européia em detrimento das
religiões, línguas e modos de enxergar a vida dos indígenas. A atividade jesuítica
enreda, ainda, uma mudança de estrutura social, uma vez que pretende incutir
nos índios valores como produção e trabalho (NETO & MACIEL,2008). No
entanto, com a deficiência de estrutura educacional na colônia, os padres jesuítas
assumiram essa função tanto em Portugal — para uma minoria mais pobre —
quanto na colônia para os demais moradores. Portanto, as primeiras escolas
públicas da colônia eram administradas por religiosos, que recebiam auxílio
financeiro da coroa portuguesa e da Igreja Católica; além de funcionar como
instituição minimamente autônoma já que utilizava do trabalho agrícola para
acumulação de bens.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 194


Foram dois séculos de domínio do método educacional jesuítico, que
termina no século XVIII, com a Reforma Pombalina , quando o ensino passa
a ter controle estatal, ou seja, ser responsabilidade da Coroa Portuguesa. O
que temos, nesse momento, é uma tentativa de direcionar aos jesuítas todos os
males que ocorriam na educação tanto em Portugal quanto no Brasil, motivo
pelo qual os jesuítas aparecem como responsáveis pela decadência cultural e
educacional desses locais (NETO & MACIEL, 2008). Buscando o desmanche
das companhias jesuíticas, Marquês de Pombal em 1759, destrói o modelo de
educação utilizado pelos jesuítas, como demonstram Neto e Maciel (2008. p.
176).

aulas de gramática latina, de grego e de retórica; criação do cargo de ‘diretor


de estudos’ – pretendia-se que fosse um órgão administrativo de orientação e
fiscalização do ensino; introdução das aulas régias – aulas isoladas que substituíram
o curso secundário de humanidades criado pelos jesuítas; realização de concurso
para escolha de professores para ministrarem as aulas régias; aprovação e
instituição das aulas de comércio.

A obrigação, portanto, passa a ser o ensino da gramática latina e os


desejos da coroa de Portugal, desse modo, o objetivo torna-se a naturalização
do Português de Portugal no Brasil. Inspirado nos ideais iluministas, Pombal
substitui, também, a metodologia eclesiástica dos jesuítas pelo pensamento
pedagógico da escola pública e laica. E, assim, a cultura portuguesa se impõe.
O desmonte da educação jesuítica no Brasil colônia abriu espaço para uma
educação parecida com os moldes da escola pública e laica, inspirada em ideais
iluministas vigentes na Europa entre o século XVII e XVIII. Ressalta-se, que
as motivações para a reforma preposicionada por Marquês de Pombal foram
de natureza ideológica: “[...]ao expulsar os jesuítas e, oficialmente, assumir a
responsabilidade pela instrução pública, não se pretendia apenas reformar
o sistema e os métodos educacionais, mas também colocá-lo ao serviço dos
interesses políticos do Estado (Neto & Strieder, 2019 p. 122). Pombal e as
medidas implementadas por ele eram o reflexo do poder absolutista daquele
período.

A reforma pombalina e a língua

A Coroa Portuguesa considerava fundamental que o documento da


Reforma Pombalina de 1757 contivesse as mudanças na educação para que,
assim, a língua portuguesa pudesse modelar a colônia. Eles acreditavam que, por

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 195


meio da língua, seria possível civilizar o pensamento e o comportamento dos
índios, como podemos perceber no trecho a seguir

Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as Nações, que


conquistaram novos Domínios, introduzir logo nos povos conquistados o seu
próprio idioma, por ser indisputável, que este é um dos meios mais eficazes
para desterrar dos Povos rústicos a barbaridade dos seus antigos costumes; e
ter mostrado a experiência, que ao mesmo passo, que se introduz neles o uso
da Língua do Príncipe, que os conquistou, se lhes radica também o afeto, a
veneração, e a obediência ao mesmo Príncipe. Observando pois todas as
Nações polidas do Mundo, este prudente, e sólido sistema, nesta Conquista se
praticou tanto pelo contrário, que só cuidaram os primeiros Conquistadores
estabelecer nela o uso da Língua, que chamaram geral; invenção verdadeiramente
abominável, e diabólica, para que privados os Índios de todos aqueles meios,
que os podiam civilizar, permanecessem na rústica, e bárbara sujeição, em que
até agora se conservavam. Para desterrar este perniciosíssimo abuso, será um dos
principais cuidados dos Diretores, estabelecer nas suas respectivas Povoações o
uso da Língua Portuguesa, não consentindo por modo algum, que os Meninos,
e as Meninas, que pertencerem às Escolas, e todos aqueles Índios, que forem
capazes de instrução nesta matéria, usem da língua própria das suas Nações, ou
da chamada geral; mas unicamente da Portuguesa, na forma, que Sua Majestade
tem recomendado em repetidas ordens, que até agora se não observaram com
total ruína Espiritual, e Temporal do Estado (BRASIL,1758).

As aulas, portanto, passaram a ser ministradas em português de Portugal,


abrangendo a escrita e leitura, incluindo, ainda, o ensino religioso. Em
contrapartida, no primeiro momento, o documento que reprimia as línguas
gerais não obteve um resultado efetivo, tendo em vista que a Língua Geral
continuou sendo utilizada por mais alguns anos pelos Jesuítas e catequéticos.
Apesar da resistência da utilização das línguas gerais, o português de Portugal
tornou-se unificado. Após o diretório de 1757, só seriam aptos para lecionar as
aulas as pessoas que apresentassem os requisitos que Coroa Portuguesa exigisse.
Segundo o documento

Para a subsistência das sobreditas Escolas, e de um Mestre, e uma Mestra,


que devem ser Pessoas dotadas de bons costumes, prudência, e capacidade, de
sorte, que possam desempenhar as importantes obrigações de seus empregos; se
destinarão ordenados suficientes, pagos pelos Pais dos mesmos Índios, ou pelas
Pessoas, em cujo poder eles viverem, concorrendo cada um deles com a porção,
que se lhes arbitrar, ou em dinheiro, ou em efeitos, que será sempre com atenção
à grande miséria, e pobreza, a que eles presentemente se acham reduzidos. No
caso porém de não haver nas Povoações Pessoa alguma, que possa ser Mestra
de Meninas, poderão estas até a idade de dez anos serem instruídas na Escola
dos Meninos, onde aprenderão a Doutrina Cristã, a ler, e escrever, para que

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 196


juntamente com as infalíveis verdades da nossa Sagrada Religião adquiram com
maior facilidade o uso da Língua Portuguesa (BRASIL,1758).

A mudança escolar serviu para enraizar e dominar com mais facilidade


os índios; impondo de forma profunda o português e os afastando das línguas
de origem. Diante dessa realidade, muitas línguas que eram utilizadas foram
extintas de forma radical. Sendo o Diretório uma tentativa de incorporar o índio
à sociedade branca que no Brasil habitava, a imposição da língua portuguesa
serviu para facilitar o apagamento da cultura indígena.
Para os portugueses, era fundamental consolidar a sua cultura patriótica
e, ainda, o sentimento de nacionalismo português na colônia. Eles acreditavam
que impor os seus costumes, a sua religião, a sua língua, a sua educação etc.
aos seus colonizados era salvá-los da barbárie. Podemos notar essa crença e
essa valorização do português europeu, no trecho abaixo, em Os Lusíadas, de
Camões, grande obra da cultura lusófona, que faz um retrato da realidade
portuguesa. A obra de Camões1 se constitui como memória da humanidade e
da história de Portugal, já que registra os momentos da evolução histórica desse
povo (HERMENEGILDO, 2017).

E também as memórias gloriosas


Daqueles Reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valoroso
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte Sustentava contra ele Vênus bela, Afeiçoada à
gente Lusitana
Por quantas qualidades via nela
Da antiga, tão amada, sua Romana;
Nos fortes corações, na grande estrela
Que mostraram na terra Tingitana,
E na língua, na qual quando imagina, Com pouca corrupção crê que é a Latina
(grifos nossos)

1 O texto literário possui uma função social e um valor estético, visto que o elemento social, externo à criação artística,
condiciona a estrutura literária, atuando como princípio estruturante quando internalizado organicamente à forma artística.
Contudo, é preciso compreender que a obra de arte deve ser entendida por meio da sua complexidade, portanto, não
devemos criar antagonismos excludentes entre a arte e a sociedade. Dessa forma, não podemos reduzir o texto literário apenas
como uma continuação da sociedade, mas fazer uma leitura orientada pelos traços culturais e sociais que são incorporados à
estrutura literária, de modo a extrair da obra uma compreensão mais clara do que está no exterior dela (CANDIDO, 1974).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 197


Os trechos destacados apontam para a concepção colonizadora acerca do
“novo mundo” e de suas vicissitudes. Tal concepção fundamenta a relação de
poder estabelecida: a dos portugueses sobre os nativos. No segundo trecho,
notamos, também, a exaltação da língua portuguesa; o intuito de glorificá-la se
materializa em: “com pouca corrupção crê que é a Latina”, o que estabelece que
a língua portuguesa é a língua pura, sendo, portanto, melhor do que a língua
dos indígenas. Além disso, podemos notar, a crença de que a cultura superior é
a do colonizador, deste modo, os colonizados devem aprender e se comportar
como os seus colonizadores.
O indígena, desde sua colonização, é visto como um ser inferior. Para os
portugueses, no primeiro momento, serviram apenas como meio para conseguir
mão de obra, em contrapartida, posteriormente, eles se tornam um empecilho
ao “desenvolvimento” e ao “progresso” da coroa portuguesa no Brasil. Nesse
sentido, a ideia do apagamento da cultura do índio serviu como ferramenta
imprescindível para o crescimento do colonizador em relação ao seu colonizado.
Tantos preconceitos que existem atualmente em relação ao índio, surgem do
apagamento e silenciamento dos saberes dos povos originários e afro-diaspóricos,
que foram invisibilizados durante o processo de colonização (MORAIS &
PALMAS, 2019).
Além disso, a opressão e extinção de línguas implica, diretamente, em uma
forma de epistemicídio (SANTOS, 2010), que é compreendido como a morte
dos saberes, dos hábitos e das culturas dos povos originários, que tiveram seus
arcabouços de vivências apagados pelo processo colonizatório. O fazer colonial
relega às margens conhecimentos e práticas populares em detrimento de formas
de ver, conhecer e atuar no mundo do colonizador, que historicamente foi
quase sempre a Europa, assim, modelos europeus de economia, religiosidade e
cosmovisão foram transpostos aos territórios colonizados não deixando espaço
para o diálogo intercultural e de saberes.

O impacto da reforma pombalina no ensino

O ensino jesuítico que correspondia aos objetivos da fé, não correspondiam


às necessidades da Coroa Portuguesa, deste modo, Pombal determinou medidas
que correspondem aos interesses do Estado. A pretensiosa destruição de um
sistema de ensino já consolidado para a instituição de um novo sistema, ainda

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 198


em construção, acabou por favorecer uma problemática na educação do Brasil
colônia, conforme Neto e Strieder. 2019 p. 125

Ainda que possam ser questionados os resultados e os fundamentos que guiavam


a educação jesuítica, parece-nos pouco conveniente a ideia de destruir uma
proposta educacional em favor de outra, sem ter condições para realizar sua
consolidação, a exemplo da dificuldade na implementação de escolas como
proposto por Pombal, o que ocorreu apenas após quase duas décadas.

Isso porque, durante o período de instauração das reformas pombalinas


no contexto educacional, ocorreram diversos entraves, o mais grave deles foi
a falta de professores capacitados, de acordo com a Coroa Portuguesa, para o
início do empreendimento pombalino. Essas medidas marcaram o tratamento
dado aos povos indígenas nas políticas públicas, saúde, educação etc. e podem
ser notadas no ensino escolar e na sociedade até hoje. O código civil de 1906,
por exemplo, reconhece e reforça a “incapacidade relativa do índio”. Essa visão
marcada pela superioridade branca fez e faz parte da nossa história em todos os
âmbitos.
Podemos afirmar, ainda, que o Diretório de 1757, enquanto documento
oficial do governo no Brasil, reafirmando a autoridade do Estado para agir em
todos os âmbitos — comercial, social, linguístico e cultural — fez com que
diversos conhecimentos fossem apagados. Mesmo a língua portuguesa que foi
imposta à colônia, se constitui por meio de eventos sócio-político-econômico
e carrega, assim, a história de imposição, de apagamento, de resistência, e dos
povos. Na maioria das vezes, o sistema educacional reproduz estereótipos sobre
os indígenas, formando uma mentalidade coletiva e uma imagem deturpada
carregada de preconceitos de dominação. Uma imagem que foi e é responsável
pela desigualdade e exclusão e que tem suas raízes fincadas no processo de
colonização (MORAIS & PALMAS, 2019).
O ensino da cultura indígena tornou-se obrigatório em 2003 com a lei
10.639/2003, essa obrigatoriedade aparece, também, na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) buscando superar diversos preconceitos e
valorizar a diversidade étnica existente no Brasil. É preciso compreender que o
ensino da cultura indígena se tornou obrigatório depois da luta constante dos
movimentos indígenas por reconhecimento e valorização. A urgência em superar
a intolerância e os estereótipos criados desde a colonização, que são recorrentes
na fala do senso comum, cria a necessidade de um ensino crítico e atento por
parte dos professores (COLLET; PALADINO; RUSSO. 2017).

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 199


A lei 10.693/2003 se configura como um grande avanço para a promoção
de um ensino que trate questões étnico-raciais na conjuntura brasileira com
justiça histórica e justiça social. Entretanto, é necessário atentar-se à formação
inicial e continuada de professores(as), uma vez que não é raro a falta de preparo
epistemológico dos docentes, ocasionando ações que representam os povos
originários por um prisma folclórico, mitigando os saberes e culturas legítimos,
não trazendo a tona discussões essenciais sobre o espaço dos indígenas na
sociedade civil e relegando à margem reivindicações por seus direitos.
Pensando na valorização da história que foi apagada, devemos buscar
trabalhar de forma crítica o processo de construção da nossa língua diariamente.
Para Theodor Adorno (1995), qualquer atividade de educação deve passar pelo
viés político, visando a emancipação do ser humano. Uma educação libertadora
e que não condiciona o indivíduo. Para ele, só podemos entender a educação se
entendemos a sociedade que produziu essa educação. Dessa forma, precisamos
de uma educação que rompa com os paradigmas da educação moderna,
tentando uma nova alternativa: uma luta contra o epistemicídio. Uma luta pela
valorização do processo de transformação da nossa língua, do que foi apagado e
silenciado. É preciso que haja um ensino crítico e que possa valorizar a história
do povo originário que carregava tanto do que nós somos atualmente (MORAIS
& PALMAS, 2019).

Considerações finais

Ao longo da pesquisa foram levantados dados bibliográficos que


ofereceram um panorama acerca do Diretório de 1757. Portanto, algumas
considerações já podem ser notadas por meio da exposição do Diretório de
1757, que é um marco na política de integração dos indígenas e da sociedade
branca.
O Estado português procurou, desde o início, administrar a colônia de
modo que ela pudesse gerar benefícios e lucros para a metrópole, desse modo, a
regulamentação da sociedade e do povo nativo incorreu do interesse em manter
o controle e conseguir que a colônia fosse rentável para a coroa. A determinação
brusca estabelecida pela Coroa Portuguesa de que a língua portuguesa deveria
imperar soberana às demais, incidiu diretamente no entendimento de que a

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 200


colônia não era autônoma, nem independente, logo, não devia desenvolver
cultura própria nem identidade própria. Segundo a lógica do imperialismo,
seria coerente que as terras colonizadas fossem réplicas de suas metrópoles o
que é, no limite, uma forma de reafirmar o poderio do colonizador sobre o
dominado.
Além do mais, a política colonizadora com suas medidas de imposição da
cultura dominante acabou por contribuir para a ocorrência de epistemicídios,
na medida em que relegou a margem, quando não minou de uma vez por todas
línguas, culturas e aspectos identitários dos povos indígenas, uma vez que, é
mediada pela língua, a partir da contação de histórias orais, que se passam de
geração em geração valores e elementos típicos da cultura dos povos.
Outro aspecto relevante é que o processo de educação sistematizada no
Brasil se consolidou de modo tardio e por vias um tanto contraditórias, já que
com a expulsão do jesuítas do território brasileiro, intentou-se instituir um
sistema educacional que rompeu com a organização e o paradigma da educação
vigente, trazendo nesse processo problemas como a falta de estrutura física e
falta de professores qualificados para o trabalho.
Ademais, por mais que a reforma pombalina no âmbito da educação
tenha tido bases epistemológicas iluministas, com a estratégia de laicização do
ensino público e negação ao sistema anterior de ensino, as mudanças operaram
no nível apenas dos conteúdos e estruturas administrativas, e as metodologias
tradicionais permaneceram as mesmas dos jesuítas.
Temos, que é de grande necessidade a formação inicial e continuada
de profissionais da educação, para que estes tenham arcabouço teórico e
metodológico para um ensino da história de nossa língua, que é também a
história da nossa identidade enquanto brasileiros, de forma a contemplar as
dinâmicas colonizadoras e colonizadas favorecendo uma justiça histórica, a
partir da valorização da língua portuguesa brasileira com todas as contribuições
indígenas, africanas e de outros povos que compõem a riqueza do falar brasileiro.
Urgem, neste sentido, perspectivas decoloniais que busquem desvelar
uma versão única da história para que narrativas de povos culturalmente
oprimidos possam ser escutadas e sentidas e não somente folclorizadas ou
vistas como exóticas, já que essa visão acaba por mitigar a vivência social que
povos originários têm, dificultando o acesso a plenitude de direitos humanos e
direitos sociais como um todo.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 201


A pesquisa poderia ser posteriormente ampliada para analisar um escopo
maior de bibliografia a fim de compreender e descrever com mais profundidade
os desdobramentos da reforma pombalina de 1757. No entanto, apesar das
limitações, é um estudo que pode contribuir na formação de educadores e na
construção de materiais didáticos que tratem do assunto.

Referências

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DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 202


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Acesso em: 21 nov. 2020.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 203


SOBRE OS ORGANIZADORES

Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus


Doutorando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História e
Conexões Atlânticas: culturas e poderes (PPGHIS), da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA), orientado pelo Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi
(UFMA), sob o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES). Mestre em História, Ensino e Narrativas pelo
Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas (PPGHEN),
atual Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIST), da Universidade
Estadual do Maranhão (UEMA). Especialista em Docência do Ensino Superior
e em Supervisão, Gestão e Planejamento Educacional (2019) pelo Instituto de
Ensino Superior Franciscano (IESF). Graduado em História (licenciatura) pela
UEMA. Graduado em Pedagogia e Teologia FATEH. Membro do Núcleo de
Estudos do Maranhão Oitocentista (NEMO); do INCT Proprietas; do Grupo
de Pesquisa História, Religião e Cultura Material (REHCULT) e Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Ensino de História (NEPEHIS).

Natasha Nickolly Alhadef Sampaio Mateus


Doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História e
Conexões Atlânticas: culturas e poderes (PPGHIS), da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA), orientada pela Profa. Dra. Adriana Zierer, sob o
financiamento da FAPEMA. Mestra em História, Ensino e Narrativas pelo
Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas (PPGHEN), atual
Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIST), da Universidade Estadual
do Maranhão (UEMA), sob o financiamento da FAPEMA. Especialista em
Psicopedagogia Institucional, Clínica e Ludopedagogia pela Faculdade ÚNICA;
em Docência do Ensino Superior e em Supervisão, Gestão e Planejamento
Educacional pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano (IESF). Graduado
em História (licenciatura) pela UEMA. Graduado em Pedagogia e Teologia
FATEH. Membro do BRATHAIR.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 204


Jesse Lindoso Rodrigues
Mestrando em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pelo PPGDIR-
UFMA. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil, pelo IPOG.
Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior pela FATEH. Graduado
em Pedagogia (Licenciatura) pela FATEH. Graduado em Direito (Bacharel)
pela Universidade CEUMA (UNICEUMA). Realizou Estágio Internacional
na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP) Portugal, sob
financiamento do Banco Santander, pelo Programa Santander Universidades
- Estudos. Membro do Núcleo de Estudos em Municipalidades e Direito
(NEMUD); do Núcleo de Estudos em Violência e Cidadania (NEVIC) e Núcleo
de Estudos em Justiça, Poder e Ética na Contemporaneidade (NEJUPEC). Foi
bolsista voluntário no NEMUD.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 205


SOBRE OS AUTORES E AUTORAS

Angélica Pinheiro Cunha


Graduada em Pedagogia pela Fundação Universidade do Tocantins – UNITINS,
Palmas/TO. Pós-graduada em Psicomotricidade pela Faculdade do Noroeste de
Minas – FINOM, Paracatu/MG. Professora na rede municipal de Camacã/BA.

Antonio Michel de Jesus de Oliveira Miranda


Mestre em Ciências das Religiões - FUV/ES, Licenciado em Pedagogia; Licenciado
em Geografia; Graduando em Letras-Libras. Pós-graduação: Ensino Religioso;
Docência do Ensino Superior; Geografia, meio ambiente e sustentabilidade;
Libras e Braille. Coordenador de pós-graduação em Docência do Ensino
Religioso – FAESPA Professor quadro efetivo das Secretarias municipais de
Buriti dos Lopes - PI e Tutoia - MA.

Arlindyane Santos da Silveira


Doutoranda em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciência e Tecnologia de Teresina
(CET). Pós-Graduanda em Direito Civil pela UNIASSELVI e graduanda
em Pedagogia pela Faculdade Cruzeiro do Sul. Graduada em História pela
Universidade Estadual do Maranhão, com interesse em estudos e pesquisas que
conectam as áreas de história, direito e educação. Atualmente, trabalha como
servidora pública do no Instituto Federal do Maranhão, no Campus Barra do
Corda.

Camyle de Almeida Nunes


Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC,
Ilhéus/BA.

Cinthia Leticia de Carvalho Roversi Genovese


Doutora e mestra em Educação para a Ciência (UNESP de Bauru). Professora
da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação em
Ciências e Matemática- Universidade Federal de Goiás- UFG.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 206


Claudia Maria Chiarion
Possui doutorado em Ciências da Educação, mestrado em Linguística Aplicada.
Professora da rede Municipal de São José dos Campos, atuando no ensino
fundamental, com experiência na área de Letras, com ênfase em leitura,
veiculada no projeto Sala de Leitura no município de São José dos Campos-SP.
cmc.chiarion@gmail.com.

Conceilândia Mendes de Sousa


Especialista em Linguística e Ensino pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
Graduada em Licenciatura Plena em Letras/Português pela Universidade
Federal do Piauí (UFPI). Pós-Graduanda em Gestão e Direito Educacional pela
Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI). Graduanda em Direito pela
Faculdade de Ciência e Tecnologia de Teresina (CET). Graduanda em Pedagogia
pela Faculdade Cruzeiro do Sul. No momento, dedica-se a estudos acerca das
relações entre Direito e Educação. Atualmente, é servidora pública no Instituto
Federal do Maranhão, Campus Barra do Corda.

Daniel Abud Seabra Matos


Graduado em Psicologia e Mestre em Educação pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Educação pela UFMG, com período
Sanduíche na University of Florida. Pós Doutorado na Universidade da Beira
Interior, Portugal. Professor Associado do Departamento de Educação da UFOP.
Coordenador do Núcleo de Avaliação Educacional (NAVE) da UFOP. Interesses
de pesquisa: Avaliação educacional, com foco nos temas: Avaliações externas e
indicadores educacionais; Avaliação de sala de aula (avaliação da aprendizagem);
Psicologia cognitiva e educação; Taxonomias cognitivas e educação.

Eva de Moraes Lima Moura


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí (2006).
Especialização Lato Sensu em Metodologia do Ensino Superior pelo Instituto
Superior de Teologia Aplicada e LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais pela AVM
Faculdade Integrada. Atualmente é professor auxiliar 40 h da Universidade
Estadual do Piauí. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – LIBRAS.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 207


Felipe Riccio Schiefler
Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, e Luize
Batista Campos, licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Alfenas.

Francilane Lima de Sousa


Mestranda em Letras, área de concentração em Linguística, pelo Programa
de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Piauí, Graduada
em Pedagogia, História e Letras-Libras, Especialista em Gestão e Docência,
professora da Educação Básica.

Gabriele Teixeira Diniz


Formada em Letras Língua Portuguesa pelo Instituto Federal de Brasília (2020),
tem pós-graduação em “Enem: competências e habilidades em humanas” e tem
experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura e crítica literária dialética.
Desenvolveu pesquisas na Literatura e Linguística, respectivamente, durante o
curso; a primeira delas intitulada “Sobre Belas e Feras: amor, fantasia e opressão
em o Morro dos Ventos Uivantes e Crepúsculo”; e a segunda voltada para Análise
do Discurso Crítica “Valorização das mulheres e comunicação multimodal não
violenta: manual e produção de textos para comunicações oficiais, propagandas
e publicidades”. Ao longo da graduação me dediquei à pesquisa com ênfase nos
estudos de representação feminina e estética, além de me dedicar aos projetos de
extensão onde pude colocar em prática o que pesquisava.

Genival Gomes da Silva Júnior


Mestrando em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
Escolar, Mestrado e Doutorado Profissional da Universidade Federal de
Rondônia (PPGEEProf./UNIR). Graduado em Química, Licenciatura Plena
pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Pós-Graduado em Docência
do Ensino Superior pela Faculdade Frassinetti do Recife, Pós-graduando em
Inovação, Gestão e Práticas Docentes no Ensino Superior- Faculdade Santo
Agostinho Itabuna . Possui experiência na Graduação como professor substituto
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia - Campus
Ji-Paraná, ministrando as disciplinas: Metodologia do Ensino de Ciências I e II,
Metodologia do Ensino de Química, Química Geral e Química Experimental,
com experiência no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico - ministrando
a disciplina de Química no Instituto Federal de Rondônia - IFRO. Possui
experiência como Professor de Química no Centro Universitário São Lucas nos
cursos de Saúde e Coordenador dos cursos de Ciências Biológicas e Educação
Física . ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9209-1012. http://lattes.cnpq.
br/2615058112006717 E-mail: prof.genivaljunior1@gmail.com

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 208


Janelene Freire Diniz
Mestranda em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
Escolar, Mestrado e Doutorado Profissional da Universidade Federal de Rondônia
(PPGEEProf./UNIR). Graduada em Química, Licenciatura Plena pela
Universidade Estadual da Paraíba. Pós-Graduada em Educação Ambiental pelo
Centro Universitário Barão de Mauá. Possui experiência na Graduação como
professora substituta no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Rondônia - Campus Ji-Paraná, ministrando as disciplinas: Metodologia do Ensino
de Ciências I e II, com experiência no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico -
ministrando a disciplina de Química no Instituto Federal de Rondônia - IFRO.
Possui experiência como Professora de Química na rede estadual de educação do
estado de Rondônia. Técnica de Laboratório de Química do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia - IFRO Campus Guajará Mirim -
RO. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5396-5576. CV:http://lattes.cnpq.
br/4378126076884163. E-mail: janelene.diniz@ifro.edu.br.

João Guilherme Rodrigues Mendonça


Pós-doutor em Educação Sexual pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (UNESP); Doutor em Educação Escolar pela Faculdade
de Ciência e Letras de Araraquara (UNESP). Mestre em Educação Física pela
Universidade Gama Filho. Especialista em Gestão Escolar e Psicomotricidade.
Graduado em Educação Física e Psicologia. Atua há mais de 30 anos no Ensino
Superior na Universidade Federal de Rondônia em atividades ligadas à docência
nos Cursos de Graduação em Educação Física, Educação Especial, Psicologia
e Pedagogia. Atualmente é docente no Mestrado e Doutorado Profissional em
Educação Escolar e no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação Infantil/
UNIR. Membro do GRUPO EDUCA - Grupo de Pesquisa Multidisciplinar
em Educação e Infância, Membro do Grupo de Estudos do Desenvolvimento e
da Cultura Corporal - UNIR e do Núcleo de Estudos da Sexualidade (NUSEX)
- UNESP. http://lattes.cnpq.br/4283910757526854 E-mail: jgrmendonca@
unir.br

Juliana Cunha dos Santos


graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC,
Ilhéus/BA.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 209


Lilian Soares da Silva
Doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Mestre em História da África, da Diáspora e dos Povos
Indígenas pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. Pós-
graduanda em Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Profissional
de Nível Médio (2019), Pós-Graduanda em Educação Profissional Integrada
à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (2016) e
Graduada em Gestão de Turismo (2013) pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP. Especialização Técnica de Guia em
Turismo (2015) pela Universidade Anhanguera de São Paulo - UNIAN/SP -
(2015). Graduada em Pedagogia pela Universidade do Grande ABC - UNIABC
- (2008). Auxiliar Técnica de Educação e Professora de Educação Infantil e
Ensino Fundamental I na Secretaria de Educação da cidade de São Paulo (SME/
SP).

Luciano Campos da Silva


Doutor em Educação pela UFMG (2007), com Estágio Sanduíche na
Universidade de Lisboa (Portugal). Professor Associado do Departamento de
Educação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal
de Ouro Preto (ICHS-UFOP) e professor permanente do Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFOP. Possui publicações, orientações e pesquisas
nas seguintes áreas e temas: Sociologia da Educação, desigualdades escolares,
disciplina e indisciplina na escola, autoridade docente, violência em meio
escolar, relação família-escola

Luize Batista Campos


Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Alfenas e professora
concursada da Rede Estadual de Minas Gerais;

Luiz Carlos Rodrigues da Silva


Graduado em Filosofia pela FAEME e em História pela UEMA. Mestre em
Educação pela UPAP. Mestrando em Ensino de História pela UFT, Campus
Araguaína-TO. Doutorando em Educação pela UAA. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas Sobre Tecnologias Digitais na Educação (GEP-TDE) da
UFMA. Do Grupo de Pesquisa em Humanidades Hominibus do IFMA, Campus
Barra do Corda-MA e coordenador do Grupo de Pesquisa Eric Hobsbawm do
C.E. Arlindo Ferreira de Lucena em Barra do Corda-MA. Professor efetivo da
Rede Estadual de Ensino- MA. E-mail: solracro9@gmail.com, Lattes: http://
lattes.cnpq.br/7552705836859811

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 210


Marizete Andrade da Silva
Graduada em Química (UFES), mestra em Educação (UFRRJ) e Doutoranda
no Programa de pós-graduação em Educação e Inclusão Social da Universidade
Federal de Minas Gerais. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5901-6814.
E-mail: marizethandrade@hotmail.com.

Michell Pedruzzi Mendes Araújo


Doutor e mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo.
Licenciado em Pedagogia e em Ciências Biológicas (Ufes). Professor da Faculdade
de Educação- UFG.

Ranna Alves
Graduada em Pedagogia (2018) e Mestre em Educação (2021) pela Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP). Colaboradora no Grupo de Estudos Sociedade,
Família e Escola (NESFE) e Núcleo de Avaliação Educacional (NAVE) da UFOP.
Especialista em Educação Básica da Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais.
Possui publicações e pesquisas nos seguintes temas: Contação de histórias,
Relações étnico-racias, Indisciplina e Violência escolar.

Rita Barcelos da Silva


Mestra em Ciência, Tecnologia e Educação pela Faculdade Vale do Cricaré- ES.
Professora de Língua Portuguesa- Prefeitura de Vila Velha e Rede Estadual do
Espírito Santo.

Samara Pereira Gonzaga dos Santos


Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC,
Ilhéus/BA.

Sandra Borsonel Kiefer


Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Multivix. Professora da educação básica
no Espírito Santo.

Sandra Regina Rodrigues dos Santos


Possui Pós-Doutorado em Educação pela Universidade de Lisboa, Doutorado
em Políticas Públicas em Educação, pela Universidade Estadual de Campinas
(2004), Mestrado em História e Cultura Política pela Universidade Estadual

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 211


Paulista Júlio de Mesquita Filho (1999), Especialização em Historiografia
Brasileira e Regional, pela Universidade Federal do Maranhão (1988) e
Graduação em História pela Universidade Federal do Maranhão (1978).
Atualmente é professora Adjunta do Departamento de História e Geografia e
do Mestrado Profissional História, da Universidade Estadual do Maranhão. É
integrante do Grupo de Pesquisa Ensino de História: linguagens e formação
docente e discente (EnsinaHistória), na linha de pesquisa Saberes históricos do
espaço escolar, e do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero e Educação do
Maranhão (NUPEGEM), coordenando a linha de pesquisa Educação e História
da Educação.

Stephanie Sales Rodrigues Nonato


Formada em Letras Língua Portuguesa pelo Instituto Federal de Brasília (2020),
cursando Mestrado no Departamento de Linguística da Universidade de Brasília
como também uma especialização em Ensino de Humanidades pelo Instituto
Federal de Brasília. Durante a trajetória acadêmica desenvolveu pesquisas nas
áreas de Ensino de Língua Materna, Letramentos e Análise do Discurso Crítica.
Sendo as mais relevantes intituladas: “A condução coercitiva do ex-presidente
Lula: Uma análise de discursos da mídia.” e “ Plataforma de edição colaborativa:
a internet como mediadora da escrita”.

Suzana Rodrigues de Almeida Martire


Possui graduação em ciências contábeis pela Universidade Anhanguera - Uniderp
(2015). Graduação em Complementação Pedagógica - IFMT (2021). Pós
Graduada Especialização em Ensino de Ciencias da Natureza - IFMT (2021).

Victor Hugo de Oliveira Henrique


Graduado em Ciências Biológicas (UFMT). Mestre em Educação (UNESP),
Doutorando em Educação (UFMT). Professor no Departamento de Pedagogia
(UNEMAT). victor.henrique@unemat.br

Viviane Carla Bandeira Santos


Mestre em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas pela UFRB.
Professora de História – SEC-BA. Membra e Pesquisadora do Centro de
Pesquisa em Educação, Etnicidade e Desenvolvimento Regional – CPEDR-
UNEB. Licenciatura em História pela UEFS. Especialista em História e Cultura
Africana e Indígena pela Faculdade São Tomás de Aquino e em Formação
Socioeconômica do Brasil pela Universidade Salgado de Oliveira.

DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 212


DEBATES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: OLHARES INTERDISCIPLINARES | VOL. 3 213

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