Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722013000200012
I
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo, Ribeirão Preto, Brasil
II
Cornell University, Ithaca, USA
III
Faculdade Assis Gurgacz, Cascavel, Brasil
IV
Universidade Norte do Paraná, Londrina, Brasil
V
Universidade Pitágoras, Londrina, Brasil
RESUMO
ABSTRACT
Mas será que alguns indivíduos são mais propensos que outros a lembrarem
equivocadamente uma situação que não aconteceu? Gallo (2010), em uma revisão
sobre o impacto das pesquisas sobre falsas memórias nos últimos 15 anos, aponta
que ainda não foi possível esclarecer quais características individuais são
responsáveis pela formação das falsas memórias. A pergunta de que tipos de
indivíduos são particularmente suscetíveis ou resistentes às falsas memórias ainda
é de difícil resposta por ter sido pouco abordada (Barbosa, Ávila, Feix, & Grassi-
Oliveira, 2010; Barrett, Tugade, & Engle, 2004). Alguns estudos recentes vêm
fazendo novas descobertas sobre o papel das diferenças individuais na
suscetibilidade a distorções de memória, relacionando alguns traços de
personalidade a uma maior tendência a erros de memória (Drivdahl & Zaragoza,
2001; Peiffer & Trull, 2000).
A hipótese principal a ser testada neste estudo pressupõe que pessoas com
indicadores extremos nos traços de personalidade (que teriam alguns fatores muito
acentuados – baixo ou alto) seriam mais suscetíveis às falsas memórias. Essa
hipótese vai ao encontro dos estudos de Ávila e Stein (2006) e de Gudjonsson
(1983) que consideram que indivíduos com níveis disfuncionais dos traços de
personalidade, como altos níveis de neuroticismo, são mais suscetíveis à
falsificação da memória. Além disso, por meio do presente trabalho espera-se
observar diferenças na recuperação de informações com conteúdo emocional
negativo, positivo e neutro quando determinados fatores de personalidade
predominam ou se encontram abaixo da média.
Método
Participantes
Instrumentos
O desempenho da memória foi investigado por meio da utilização do Procedimento
de Palavras Associadas adaptado para a população brasileira por Stein et al. (2006)
e utilizado integralmente conforme descrito pelos mesmos autores. O procedimento
envolveu a apresentação de listas de palavras semanticamente associadas a um
mesmo tema. Foram utilizadas oito listas de 10 palavras (e.g., dedos, sapatos,
unha, chulé, meia, calçado, tênis, sustentação, chinelo, calo), todas as quais estão
associadas a uma palavra não apresentada (nesse caso,pé). As listas variavam em
termos de conteúdo emocional, sendo duas negativas (raiva e mágoa), duas
positivas (alegria e satisfação), e quatro neutras (alto, áspero, pé, xícara). As
normas de valência da lista foram extraídas de Stein e Gomes (2009; Tabela 3),
com escores baixos (de 1 a 3,99) para mágoa (M = 1,70;DP = 1,70) e raiva (M =
1,60, DP = 1,54), escores altos (de 7 a 9) para alegria (M = 8,62; DP = 1,30) e
satisfação (M = 8,52; DP = 1,35), e escores médios (de 4 a 6,99) para alto (M =
5,13; DP = 1,87), áspero (M = 4,12; DP = 2,22), pé (M = 4,72; DP = 2,19), e
xícara (M = 6,21; DP = 2,39). A classificação dos itens em valência negativa,
positiva, e neutra foi extraída da compreensão de Kensinger e Corkin (2004) bem
como de Santos, Silveira, Gomes e Stein (2009) para o entendimento das reações
emocionais segundo o material utilizado em Stein e Gomes (2009).
Delineamento
A fim de verificar a influência das características de personalidade na
suscetibilidade às falsas memórias, o presente estudo utilizou um delineamento
fatorial 3 x 3 x 2, com medidas repetidas para todas as variáveis. As duas primeiras
variáveis se referem aos itens do teste de memória, que podem variar de acordo
com a emocionalidade (positiva, neutra, e negativa) ou tipo de item (alvo, distrator
crítico, e distrator não-relacionado). A última variável diz respeito aos fatores de
personalidade, que foram considerados em seus dois níveis extremos de
característica (alto ou baixo). A variável dependente foi o desempenho da memória
no teste de reconhecimento.
Procedimento
Resultados e Discussão
Os dados foram analisados com o auxílio do programa Statistical Package for Social
Sciences (SPSS) versão 15.0. Todos os tratamentos estatísticos utilizaram um α =
0,05 para o teste de hipóteses. Foram realizadas análises post hoc e comparações
pareadas com correção de Bonferroni.
Indicadores de Memória
Esses resultados foram explorados em uma ANOVA para sexo (feminino vs.
masculino) x tipo de item do teste de memória (itens-alvo vs. distratores críticos) x
emocionalidade da lista (positiva vs. negativa vs. neutra), com medidas repetidas
nas duas últimas variáveis. Esta análise evidenciou efeito principal apenas para a
variável tipo de item [F(1,199) = 18,73, p < 0,001], com dados semelhantes ao
resultado anterior, portanto não será documentado. Cabe ressaltar que não foram
observadas diferenças na memória entre homens e mulheres, assim os grupos
foram considerados equivalentes, e essa variável foi excluída das próximas
análises. Os resultados, portanto mostram-se contrários aos estudos de Gudjonsson
(1983) e de Peiffer e Trull (2000).
O efeito principal da ANOVA foi qualificado por uma interação entre tipo de item do
teste e emocionalidade da lista [F(2, 398) = 30,10, p < 0,001] destacado na Tabela
1.
Indicadores de Personalidade
Em geral, tais resultados sugerem que tanto ter dificuldade em fazer, manter e
estreitar laços afetivos com grupos de relacionamento (baixa afiliação) quanto ter
necessidade exagerada de sentir-se como pertencente a um grupo e ter relação de
laços estreitada com várias pessoas chegando por vezes à indiferenciação em
relação a este grupo (alta afiliação), exerce efeitos similares em termos de
lembranças verdadeiras de palavras emocionalmente negativas. No caso dos baixos
índices deste fator, tal direcionamento da memória pode retroalimentar a
dificuldade do indivíduo de afiliar-se, uma vez que ele tende a lembrar mais de
conteúdos negativos e neutros de suas experiências e esquecer conteúdos
positivos. Já no caso dos indivíduos com altos índices de afiliação, este padrão de
lembrança de mais informações negativas nivelaria todos os componentes de um
grupo (mesmo que negativamente) e permitiria ao sujeito evitar a necessidade de
fazer escolhas dentro do grupo, simpatizando com uns e antipatizando com outros,
justificando sua necessidade de manter-se afiliado independente das reações dos
componentes do grupo.
Considerações Finais
No que se refere à desejabilidade social (DS) também parece ser necessário uma
maior investigação. Apesar de DS não ser tratada neste modelo de personalidade
como uma característica em particular, em função dos dados obtidos torna-se
essencial verificar mais amplamente o efeito da desejabilidade social nos processos
de memória. Fica claro que, mesmo em pequenas amostras, é possível visualizar o
impacto desta variável em diferentes circunstâncias, o que torna a inclusão da
variável como necessária em estudos desta natureza. Os resultados deste grupo de
análise sugerem que DS talvez seja um fator explicativo da performance da
memória, uma vez que afiliação e autonomia podem ter relação com maior ou
menor necessidade de "agradar" os outros.
Além disso, algumas limitações podem ser apontadas no presente estudo, como o
tamanho da amostra. Por ser um estudo que envolve a investigação de
características de personalidade, obteve-se uma amostra por conveniência, não
havendo quantidade semelhante de indivíduos distribuídos em cada fator. O
número de fatores de personalidade envolvidos também indica a necessidade de
uma amostra maior para fins de análises estatísticas. Outro aspecto que pode ser
considerado como limitação no presente estudo refere-se ao fato de que não foi
controlado o tempo de intervalo entre a apresentação do material alvo e o teste de
memória. Apesar de o intervalo ter se mantido entre 40 min e 50 min, esta
variação pode ter gerado algum ruído nos dados, e deveria ser controlado em
estudo futuros.
O presente trabalho aponta para alguns aspectos que parecem avançar em termos
dos estudos da interação entre diferenças individuais e falsas memórias. O primeiro
aspecto que merece ser destacado refere-se ao fato de que a presença
extremamente baixa de um fator de personalidade pode exercer igualmente efeito
sobre a suscetibilidade à distorção quanto a presença de altos índices de um
determinado fator. O segundo dado a ser ressaltado associa-se ao fato de que
outras características de personalidade, além do neuroticismo já mencionado na
literatura, podem exercer papel importante sobre os índices de falsas memórias e
de memórias verdadeiras. Por fim, o presente estudo apresenta rara associação
explicativa entre dados de pesquisa básica de memória e dados de pesquisa
aplicada de estilos cognitivos, tomando por base para suas discussões alguns dos
pressupostos teóricos da Terapia Cognitivo-Comportamental. Esta aproximação,
que necessita ser aprofundada em estudos posteriores, poderá contribuir
significativamente para hipóteses explicativas cada vez mais abrangentes dos erros
mnemônicos, indo além da identificação das implicações clínicas, por exemplo,
propondo modelos explicativos sobre perfis cognitivos mais suscetíveis a distorções
e técnicas de intervenção eficazes para tais indivíduos.
Referências
Barbosa, M. E., Ávila, L. M., Feix, L. F., & Grassi-Oliveira, R. (2010). Falsas
memórias e diferenças individuais. In L. M. Stein (Ed.), Falsas memórias:
Fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas (pp. 133-154). Porto
Alegre, RS: Artmed.
Beck, A. T., Freeman, A., & Davis, D. (2005). Terapia cognitiva dos transtornos da
personalidade. Porto Alegre, RS: Artmed. [ Links ]
Brainerd, C. J., Stein, L. M., Silveira, R. A. T., Rohenkohl, G., & Reyna, V. F.
(2008). How does negative emotion cause false memories? Psychological Science,
19(9), 919-925. [ Links ]
Drivdahl, S. B., & Zaragoza, M. S. (2001). The role of perceptual elaboration and
individual differences in the creation of false memories for suggested
events. Applied Cognitive Psychology, 15, 265-281. [ Links ]
Gallo, D. A. (2010). False memories and fantastic beliefs: 15 years of the DRM
illusion. Memory & Cognition, 38(7), 833-848. [ Links ]
Kensinger, E. A., & Corkin, S. (2004). Two routes to emotional memory: Distinct
neural processes for valence and arousal. Proceedings of the National Academy of
Sciences of the USA, 101, 3310-3315. [ Links ]
Neufeld, C. B., Brust, P. B., & Stein, L. M. (2010). Compreendendo o fenômeno das
falsas memórias. In L. M. Stein (Ed.), Falsas memórias: Fundamentos científicos e
suas aplicações clínicas e jurídicas (pp. 21-42). Porto Alegre, RS: Artmed.
Pasquali, L. (2000). Psicometria: Teoria dos testes na Psicologia e na Educação.
Petrópolis, RJ: Vozes. [ Links ]
Peiffer, L. C., & Trull, T. J. (2000). Predictors of suggestibility and false memory
production in young adult women. Journal of Personality Assessment, 74(3), 384-
399. [ Links ]
Pervin, L. A., & John, O. P. (2004). Personalidade: Teoria e pesquisa. Porto Alegre,
RS: Artmed. [ Links ]
Santos, R. F., Silveira, R. A. T., Gomes, C. F. A., & Stein, L. M. (2009). Normas de
emocionalidade para a versão brasileira do paradigma Deese-Roediger-McDermott
(DRM). Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(3), 387-394. [ Links ]
Stein, L. M., & Gomes, C. F. A. (2009). Normas brasileiras para listas de palavras
associadas: Associação semântica, concretude, frequência e
emocionalidade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(4), 537-546. [ Links ]
Stein, L. M., Feix, L. F., & Rohenkohl, G. (2006). Avanços metodológicos no estudo
das falsas memórias: Construção e normatização do procedimento de palavras
associadas. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19(2), 166-176. [ Links ]
Stein, L. M., & Pergher, G. K. (2001). Criando falsas memórias em adultos por meio
de palavras associadas.Psicologia: Reflexão e Crítica, 14, 353-366. [ Links ]
Zoellner, L. A., Foa, E. B., Brigidi, B. D., & Przeworski, A. (2000). Are trauma
victims susceptible to "false memories"? Journal of Abnormal Psychology, 109(3),
517-524. [ Links ]
Recebido: 25/03/2011
1ª revisão: 16/11/2011
2ª revisão: 06/1/2012
3ª revisão: 25/01/2012
Aceite final: 1º/03/2012
prcrev@ufrgs.br