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DWORKIN, Ronald. De que maneira o direito se assemelha à literatura. In: Uma questão de princípio. Tradução
Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 217-249.
0. INTRODUÇÃO
0.1. A prática jurídica, em geral, é um exercício de interpretação.
0.2. Sendo assim, o Direito é político, não uma prática política pessoal ou particular.
0.3. Dworkin propõe uma comparação entre interpretação jurídica e a interpretação em outros campos do
conhecimento, em especial, a Literatura.
1. O DIREITO
1.1. O problema central da doutrina analítica refere-se ao sentido que se deve dar às proposições de Direito.
1.1.1. Existem vários enunciados que os juristas fazem ao descrever o que é Direito com relação a uma
determinada certa questão.
1.1.1.1. As proposições jurídicas podem ser classificadas de três maneiras.
1.1.1.1.1. Muito abstratas e gerais
1.1.1.1.2. Quando pensamos na proposição que nos Estados Unidos não pode fazer
discriminações raciais na prestação de serviços básicos aos seus cidadãos.
1.1.1.1.3. Relativamente concretas
1.1.1.1.4. Quando alguém que aceita um cheque no curso normal de uma transação, sem notar
algum defeito no título, ter o direito de saque perante o eminente.
1.1.1.1.5. Muito concretas
1.1.1.1.6. Quando a Sra. X é responsável por danos perante o Sr. Y, na quantia de $1.150,
porque ele escorregou na calçada escorregadia da Sra. X e quebrou a bacia.
1.1.1.2. Daí surge uma dificuldade em cada caso apresentado
1.1.1.2.1. De que tratam as proposições jurídicas?
1.1.1.2.2. O que pode torná-las verdadeiras ou falsas?
1.1.2. Isso porque as proposições de Direito parecem ser descritivas, pois dizem respeito a como as coisas
são no Direito e não como deveriam ser.
1.1.2.1. Mas, o que exatamente descrevem, argumenta o autor.
1.1.2.2. Neste sentido, os positivistas jurídicos acreditam que as proposições de Direito são inteiramente
descritivas, isto é, configuram-se como trechos da história.
1.1.3. Assim, compreende-se uma proposição jurídica como a realização de um evento de natureza
legislativa, caso contrário não é considerado uma proposição.
1.1.3.1. A teoria positivista parece funcionar bem em casos simples. Porém, em casos mais difíceis esse
tipo de análise falha.
1.1.3.2. A proposição de que um esquema de ação afirmativa (ainda não examinado pelos tribunais) é
constitucionalmente válido e, partindo da premissa que isso é verdade, não se pode dizer que
essa proposição existe por causa do texto da Constituição ou de decisões anteriores dos
tribunais.
1.1.4. Outras formas poderiam ser por meio de suposições de Direito controvertido.
1.1.4.1. No lugar de descritivas, significa dizer o que o falante quer que seja Direito.
1.1.4.2. No lugar da decisão histórica, tentar descrever o Direito puro ou natural, existindo em virtude
da verdade moral objetiva.
1.1.4.2.1. Ambos descrevem os enunciados puramente valorativos e não descritivos, pois
expressam as preferências políticas ou crenças morais sobre política do falante.
1.2. A dificuldade surge quando as proposições do Direito parecem ser descritivas, referindo-se a como as coisas
são no Direito e não como deveriam ser. Dessa forma, fica difícil dizer exatamente o que descreve.
1.2.1. Os positivistas jurídicos acreditam que as proposições de Direito, são na verdade, inteiramente
descritivas: são trechos da história. Se assim fosse, somente seria verdadeira caso tenha ocorrido algum
evento de natureza legislativa simplesmente do tipo citado.
1.2.2. Portanto, as proposições do Direito não são meras descrições da história jurídica ou valorativas.
1.2.2.1. Na verdade, combinam elementos da descrição e valoração, diferenciando de ambas.
1.2.2.1.1. Para muitos juristas e filósofos juristas o Direito é uma questão de interpretação.
1.2.2.1.2. Assim, quando se deparam com a lei ou com a Constituição com algum termo ou
expressão obscura, dizem que a lei deve ser interpretada, aplicando-se “técnicas de
interpretação da lei”.
1.2.2.1.3. A maioria presume que a interpretação de um documento consiste em descobrir a
intenção do autor ao fazer determinada afirmação.
1.2.2.1.4. Entretanto, chegam a conclusão que é um exercício demasiado difícil senão
impossível.
1.2.2.1.5. Outros juristas mais céticos acreditam que muitos que dizem interpretar determinada
proposição jurídica estão apenas fazendo-o de forma tendenciosa, impondo sua
própria visão.
1.3. A interpretação como técnica de análise jurídica é menos comum em regimes de Common Law, por exemplo,
o condutor de um carro que atropela uma criança na rua deve se responsabilizar pelos danos emocionais
causados aos parentes da vítima. Segundo o autor, alguns advogados diriam que a análise desse caso depende
de interpretação de casos anteriores.
1.3.1. Porém, os céticos destacam a impossibilidade de que o primeiro juiz tivesse em mente alguma teoria
suficientemente desenvolvida para decidir, que são casos muitos específicos.
1.4. A ideia de interpretação não pode servir como descrição geral da natureza ou veracidade das proposições de
Direito, a menos que seja separada dessas associações com o significado ou intenção do falante.
1.4.1. Sob pena de tornar-se simplesmente uma versão da tese positivista, baseadas em decisões do passado.
1.4.2. Nesse sentido, deve-se desenvolver uma descrição mais abrangente do que seja interpretação.
1.4.3. A interpretação deve ser utilizada como uma atividade geral, como um modo de conhecimento,
atentando-se a outros contextos.
1.4.3.1. Os juristas deveriam considerar a interpretação literária, bem como, outras interpretações
artísticas.
1.4.3.1.1. Na literatura existem mais teorias da interpretação do que no Direito. Inclusive,
aquelas que combatem a distinção categórica entre descrição e valoração,
responsável pelo enfraquecimento da teoria jurídica.
2. A LITERATURA
2.1. A hipótese estética
2.1.1. Para que o jurista se beneficie da comparação entre interpretação jurídica e literatura, a segunda deve
ser vista de certo modo.
2.1.2. Os estudantes de literatura fazem muitas coisas sob os títulos de “interpretação” e “hermenêutica”, e a
maioria delas é também chamada de “descobrir o significado de um texto”.
2.1.2.1. O autor se interessa por teses que oferecem interpretações do significado da obra como um
todo.
2.1.2.2. Essas interpretações assumem em certas vezes a forma de afirmações sobre os personagens, por
exemplo: o amor ou ódio de Hamlet pela sua mãe.
2.1.2.3. Outras sobre eventos da história por trás da história: Hamlet e Ofélia eram amantes antes do
início da peça.
2.1.2.4. Frequentemente oferece hipóteses sobre o “objeto”, o “tema”, o “sentido” ou tom da peça
como um todo, por exemplo que Hamlet é uma peça sobre a morte ou sobre gerações, ou sobre
política.
2.1.3. Essas afirmações possuem propósito prático.
2.1.3.1. Como orientar um diretor da peça, por exemplo.
2.1.3.2. São também de importância mais geral, e ajudam a compreender melhor o ambiente cultural.
2.1.4. Dificuldades quanto a intenção pretendida pelo falante com o uso de determinada palavra do texto
pode influenciar questões de interpretação.
2.1.4.1. Estas questões dizem respeito ao objetivo ou significado da obra como um todo, não a um
sentido particular.
2.1.5. Os críticos divergem acerca de como responder a tais questões.
2.1.6. A sugestão do autor, chamada de hipótese estética, é que a interpretação de uma obra literária tenta
mostrar que maneira o texto revela-o como a melhor obra.
2.1.6.1. Dworkin acredita que muitos estudiosos recusarão sua sugestão, pois podem confundir
interpretação com crítica, ou porque é relativista, pois, um exemplo de ceticismo que nega a
possibilidade de interpretação.
2.1.7. A hipótese estética pode parecer outra formulação da teoria de que, como a interpretação cria uma
obra de arte e representa apenas uma certa porção de críticos, existem apenas interpretações e
nenhuma interpretação melhor de qualquer peça, romance ou poema.
2.1.7.1. A interpretação tenta mostrar o texto como a melhor obra de arte que ele pode ser.
2.1.7.2. O pronome reforça a diferença entre explicar uma obra e transformá-la em outra.
2.1.8. Uma teoria da interpretação deve ter uma subteoria sobre a identidade de uma obra de arte, capaz de
distinguir, interpretar e modificar uma obra.
2.1.9. Todas as teorias contemporâneas parecem usar a resposta de um texto canônico.
2.1.9.1. O texto restringe severamente em função da identidade, em que todas as palavras devem ser
consideras e não podem ser mudadas objetivando uma obra de arte melhor.
2.1.9.1.1. Por exemplo, uma piada pode ser a mesma por mais que contada de diferentes
formas, nenhuma das quais canônica.
2.1.9.1.2. Interpretar uma piada terá um jeito particular de apresentá-la, que pode ser original,
para assim revelar seu sentido “real”.
2.1.9.2. A interpretação de um crítico literário estará de acordo com suas convicções a respeito da
natureza de um texto canônico e das evidências que o corroboram.
2.1.9.3. A interpretação também estará de acordo com as opiniões do leitor a respeito da coerência da
arte.
2.1.10. A interpretação não pode tornar a obra de arte superior se trata o texto como irrelevante.
2.1.10.1. Não decorre, pois, da hipótese estética que, como um romance filosófico é mais valioso do que
um livro de mistério, um romance de Agatha Christie seja na verdade sobre o significado da
morte.
2.1.10.2. Essa interpretação seria falha porque faz do romance um desastre.
2.1.10.2.1. Certas frases seriam irrelevantes para o tema suposto, e a organização, o estilo e as
figuras seriam adequados não a um romance filosófico, mas a outro gênero.
2.1.10.3. Livros oferecidos originalmente ao público, como mistérios e suspenses foram reinterpretados
de forma mais ambiciosa.
2.1.10.3.1. O fato de que a reinterpretação demonstra sucesso no caso de Chandler, mas não no
caso de Christie, demonstra restrição da integridade.
2.1.11. Há espaço para a discordância entre os críticos sobre o que considerar integração, de que tipo de
unidade é desejável, irrelevante ou indesejável.
2.1.11.1. É uma vantagem que a língua do leitor, ao ler um poema em voz alta, “imite” os movimentos ou
instruções que figuram nos tropos ou na narrativa do poema? Uma obra literária deveria ser
capaz de ter o mesmo significado ou importância quando lida uma segunda vez?
2.1.11.1.1. Escolas de interpretação responderão a essas questões da teoria estética, que é o
que sugere a hipótese estética.
2.1.11.1.1.1. Diferenças entre as escolas de interpretação são menos sutis, e não tocam
em aspectos formais de arte, mas na função e propósito da arte amplamente
concebidos.
2.1.12. Em seguida, questiona se a literatura possui um propósito cognitivo.
2.1.12.1. A arte é melhor quando é instrutiva?
2.1.12.1.1. Se sim, então uma interpretação psicanalítica de uma obra literária mostrará porque
ela é uma arte bem-sucedida.
2.1.12.2. A arte seria boa na medida em que é comunicação bem-sucedida no sentido comum?
2.1.12.2.1. Se assim for, então uma boa interpretação se concentrará no que o autor pretende.
2.1.12.3. A arte seria boa quando se expressa na medida que tem a capacidade de estimular a vida
daqueles que a usufruem?
2.1.12.3.1. Se sim, a interpretação colocará o leitor em primeiro plano. Indicará a leitura da obra
que a torna mais valiosa.
2.1.13. Teorias de arte não se isolam da filosofia, psicologia, sociologia e da cosmologia.
2.1.13.1. Pessoas com um ponto de vista religioso terão, provavelmente, uma teoria de arte diferente da
de alguém que não tem.
2.1.14. A hipótese estética não presume que todos que interpretam a literatura tenham uma teoria estética
desenvolvida e consciente.
2.1.14.1. Tampouco todos que interpretam devem subscrever com uma escola de interpretação.
2.1.14.2. Na opinião de Dworkin, os melhores críticos negam que a literatura tenha uma única função ou
propósito.
2.1.14.3. Qualquer um que interpreta uma obra de arte se apoia em convicções de caráter teórico sobre a
identidade e outras propriedades da arte, assim como de opiniões sobre o que é bom na arte.
2.1.14.4. Ambas as convicções figuram no julgamento de que maneira de ler um texto o torna melhor do
que outra.
2.1.14.5. Essas convicções podem ser inarticuladas.
2.1.14.5.1. Essas afirmações fracas não tomam partido no debate quanto à existência ou não de
“princípios de valor”, necessários na arte, ou se uma teoria da arte justificaria uma
interpretação, na ausência da experiência direta da obra que está sob interpretação.
2.1.15. Nada disso toca a objeção que Dworkin previu contra a hipótese estética, que ela é trivial.
2.1.15.1. Estilos interpretativos diferentes se fundam em teorias diferentes sobre o que é arte, para que ela
serve e o que a torna uma boa arte.
2.1.15.2. Diferentes teorias de arte são geradas por diferentes teorias de interpretação.
2.1.15.2.1. Para alguém que pensa que a estilística é importante para a interpretação melhor
seria uma obra que integre pronúncia e tropo.
2.1.15.2.1.1. A elaboração da hipótese não auxiliará a escolher entre as teorias de
interpretação ou refutar a acusação de niilismo ou relativismo.
2.1.15.2.1.2. Como a opinião das pessoas sobre o que constitui uma boa arte é subjetiva, a
hipótese estética não tem esperança de resgatar a objetividade na
interpretação.
2.1.16. A hipótese estética se torna banal em aspectos importantes, mas ela não é tão fraca assim.
2.1.16.1. A consequência dessa hipótese é que as teorias acadêmicas de interpretação deixam de ser
vistas como análises da própria ideia de interpretação.
2.1.16.2. A interpretação se torna um conceito de quais teorias diferentes são concepções rivais.
2.1.16.3. A hipótese nega distinções que alguns estudiosos desenvolveram, como a de que não há mais
uma distinção categórica entre a interpretação e a crítica.
2.1.17. A questão de se é certo considerar os julgamentos que fazemos sobre arte como verdadeiros ou falsos,
válidos ou inválidos permanecerão sem respostas.
2.1.17.1. Nenhuma afirmação estética pode ser “demonstrada” como verdadeira ou falsa.
2.1.17.1.1. Não se oferece argumento que seja a favor de alguma interpretação que agrade a
todos também.
2.1.17.2. Dizer que os juízos estéticos são subjetivos significa dizer que não são demonstráveis.
2.1.17.2.1. Não decorre disso que nenhuma teoria normativa da arte é melhor que outra, nem
que uma teoria não pode ser a melhor produzida até o momento.
2.1.18. E.D. Hirsch, por exemplo, diz que apenas uma teoria como a dele poderá tornar objetiva a
interpretação e validar as interpretações particulares, a hipótese estética inverterá essa estratégia.
2.1.18.1. Para Dworkin, isso é um equívoco quanto a dois aspectos.
2.1.18.1.1. A interpretação é um empreendimento e seria errado supor que as proposições
centrais a qualquer empreendimento público serão passíveis de validação.
2.1.18.1.2. Também é errado estabelecer pressupostos a respeito de como deve ser a validade
em tais empreendimentos.
2.1.18.1.3. Proceder de um modo mais empírico seria melhor nesse caso.
2.1.19. A questão da reversibilidade não constitui um argumento contra a hipótese estética.
2.1.19.1. Dworkin não defende nenhuma explicação particular de como as pessoas vêm a ter teorias de
interpretação ou de arte.
2.1.19.1.1. Pretende afirmar as ligações, em termos de argumentos, que existem entre essas
teorias.
2.1.19.1.2. Considerar que essa dependência mútua oferece, por si só, algum motivo para o
ceticismo ou relativismo quanto à interpretação.
2.1.19.1.3. Não há na ideia de que, o que consideramos ser uma obra de arte, tem que se
harmonizar com o que pode se considerar ser o ato de interpretar uma obra de arte,
como um bordão de que “a interpretação cria o texto”.
2.1.19.2. Nenhuma consequência cética mais imediata do que na ideia análoga de que aquilo que
consideramos ser um objeto físico precisa se adequar a nossas teorias do conhecimento.
2.1.19.2.1. Contanto que acrescentemos, em ambos os casos, que a ligação também é válida
inversamente.